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Imunologia Clínica das Neoplasias Roger Chammas 1 , Débora Castanheira Pereira da Silva 2 , Alberto Julius Alves Wainstein 3 e Kald Ali Abdallah 4 (1) Faculdade de Medicina, USP-São Paulo; (2) Hospital A.C. Camargo, São Paulo; (3) Instituto Alfa, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e (4) Divisão de Imunologia Clínica, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, USP-São Paulo Câncer: uma visão geral Cânceres são doenças genéticas, caracterizadas pelo acúmulo progressivo de mutações no genoma das células alteradas. As células alteradas apresentam vantagens quanto à proliferação e/ou resistência a mecanismos de indução de morte celular, o que culmina na manutenção da célula geneticamente alterada no tecido de origem. Ao longo do tempo, as células alteradas podem adquirir capacidade de invasão local, indução sustentada de alterações no microambiente tecidual, como por exemplo, formação de novos vasos (angiogênese), e finalmente a capacidade de metastatização, responsável pela morte de cerca de 2 a cada 3 pacientes com câncer. Modelos genéticos e epidemiológicos sugerem que seriam necessárias de 4 a 7 mutações no genoma das células transformadas para a geração do câncer. Estas mutações ocorrem no contexto de células e tecidos que apresentam mecanismos homeostáticos finamente regulados. Apesar de ainda não completamente conhecidos, os mecanismos que garantem a integridade do genoma são variados e bastante eficientes em seres humanos. As mutações, causadas por agravos genotóxicos (como irradiações, por exemplo), são identificadas e reparadas por maquinarias moleculares que incluem diferentes famílias de genes. Central neste processo de reparo, encontra- se o produto do gene supressor de tumor TP53. Dentre as funções de p53, destacam- se aquelas associadas à parada das células ao longo do ciclo celular e indução da expressão de genes de reparo. Reparada a lesão, os níveis de p53 diminuíriam, num processo de retroalimentação negativa induzida por um gene transcrito por p53 ( MDM- 2), e as células reparadas seriam mantidas na população celular normal. Alternativamente, na dependência da intensidade do agravo, p53 poderia induzir a

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Imunologia Clínica das Neoplasias

Roger Chammas1, Débora Castanheira Pereira da Silva2,

Alberto Julius Alves Wainstein3 e Kald Ali Abdallah4 (1) Faculdade de Medicina, USP-São Paulo; (2) Hospital A.C. Camargo, São Paulo; (3) Instituto

Alfa, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e (4) Divisão de Imunologia Clínica,

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, USP-São Paulo

Câncer: uma visão geral

Cânceres são doenças genéticas, caracterizadas pelo acúmulo progressivo de

mutações no genoma das células alteradas. As células alteradas apresentam

vantagens quanto à proliferação e/ou resistência a mecanismos de indução de morte

celular, o que culmina na manutenção da célula geneticamente alterada no tecido de

origem. Ao longo do tempo, as células alteradas podem adquirir capacidade de invasão

local, indução sustentada de alterações no microambiente tecidual, como por exemplo,

formação de novos vasos (angiogênese), e finalmente a capacidade de metastatização,

responsável pela morte de cerca de 2 a cada 3 pacientes com câncer.

Modelos genéticos e epidemiológicos sugerem que seriam necessárias de 4 a 7

mutações no genoma das células transformadas para a geração do câncer. Estas

mutações ocorrem no contexto de células e tecidos que apresentam mecanismos

homeostáticos finamente regulados. Apesar de ainda não completamente conhecidos,

os mecanismos que garantem a integridade do genoma são variados e bastante

eficientes em seres humanos. As mutações, causadas por agravos genotóxicos (como

irradiações, por exemplo), são identificadas e reparadas por maquinarias moleculares

que incluem diferentes famílias de genes. Central neste processo de reparo, encontra-

se o produto do gene supressor de tumor TP53. Dentre as funções de p53, destacam-

se aquelas associadas à parada das células ao longo do ciclo celular e indução da

expressão de genes de reparo. Reparada a lesão, os níveis de p53 diminuíriam, num

processo de retroalimentação negativa induzida por um gene transcrito por p53 (MDM-

2), e as células reparadas seriam mantidas na população celular normal.

Alternativamente, na dependência da intensidade do agravo, p53 poderia induzir a

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morte da célula geneticamente alterada (via indução do gene pró-apoptótico bax, por

exemplo). Assim, mecanismos homeostáticos intracelulares garantiriam a integridade

do genoma de nossas células. A falha neste sistema levaria ao aparecimento de

células mutadas na população de células de um organismo. Se esta mutação estiver

funcionalmente associada a alterações em vias relacionadas à proliferação celular ou

resistência a morte celular, e ocorrer em células que mantém sua capacidade

proliferativa (células progenitoras presentes em nossos tecidos), esta mutação será

fixada, e sua freqüência na população celular irá aumentar progressivamente. Ainda,

mutações que ocorram em sistemas de reparo do DNA também seriam fixadas e

aumentariam a predisposição ao aparecimento de tumores. Ao longo deste processo,

caracterizado pela instabilidade genética, é possível que proteínas sutilmente

diferentes daquelas codificadas pelo genoma das células germinativas sejam

produzidas. Estas proteínas podem ser reconhecidas como estranhas ao indivíduo e

muitas delas têm sido classificadas como antígenos tumorais.

Secundariamente aos processos homeostáticos intracelulares, há muito se

postula a existência de mecanismos homeostáticos intercelulares, capazes de

identificar células geneticamente alteradas e que processariam sua destruição,

removendo-as das populações celulares normais (vigilância imunológica contra

tumores). Esta noção baseia-se na idéia de que o sistema imune seria capaz de

reconhecer a célula tumoral como non-self, e diferentes mecanismos, já discutidos em

capítulos anteriores e sumarizados abaixo, seriam acionados, levando à destruição das

células mutadas. A descoberta de antígenos tumorais, profusamente descritos nas

últimas duas décadas, reforçou esta noção. A participação do sistema imune na

progressão tumoral é ainda controversa, mas parece claro que a incidência de tumores

encontra-se aumentada em pacientes imunodeficientes, por exemplo, nas séries de

pacientes transplantados fazendo uso de imunossupressores, ou pacientes com

Síndrome da Imunodeficiência Adquirida 1,2. É importante salientar o fato de que a

maior parte dos tumores apresentados em indivíduos imunossuprimidos está associado

a uma etiologia viral, como fica claro no Sarcoma de Kaposi, associado a HSV-8.

Observa-se ainda que pacientes com tumores em estadios mais avançados tendem a

ser imunossuprimidos, o que pode ser tanto causa como conseqüência do processo

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neoplásico, daí não poder ser levado como evidência favorável à função de vigilância

anti-tumoral do sistema imune. Contudo, em sistemas experimentais, animais

deficientes para perforinas ou ainda em vias de transdução de sinal dependentes de

interferon-χ, por exemplo, desenvolvem sarcomas induzidos por carcinógenos químicos

como o metilcolantreno, mais rapidamente do que os animais normais, por exemplo 3,4.

De maneira semelhante, o aparecimento de tumores em animais deficientes em p53 é

mais rápida em animais imunodeficientes do que em animais normais 4.

O fato de não haver consenso definitivo sobre a participação de elementos do

sistema imune no controle da progressão tumoral, porém, não deve ser usado como

argumento para negligenciar-se a oportunidade que o sistema imune representa como

um dos eixos de possível intervenção para novas terapias anti-tumorais. Este será o

enfoque deste capítulo.

Antígenos tumorais

A comparação sistemática entre células normais e tumorais e a identificação de

moléculas reconhecidas por anticorpos presentes no soro de pacientes com diferentes

tumores têm gerado listas de moléculas com potencial utilidade prática, como

“marcadores tumorais”. Apesar de frequentemente não preencherem os quesitos

idealizados para marcadores tumorais, o estudo de muitas destas moléculas têm

contribuído para a melhor compreensão da fisiopatologia da progressão tumoral, e

algumas delas encontram utilidade na clínica. De maneira didática, pode-se dividir os

antígenos tumorais em duas classes principais: (i) antígenos tumor-específicos; (ii)

antígenos associados a tumor.

Antígenos tumor-específicos são antígenos expressos exclusivamente pelas

células tumorais. Nesta classe de antígenos listam-se todos as proteínas codificadas

por genes mutados em tumores. Assim, por exemplo, são exemplos de antígenos

tumor-específicos: o produto do gene TP53 , que se encontra alterado em cerca de 50%

dos tumores humanos; o produto do gene RAS, p21ras, freqüentemente mutado nos

códons 12, 13 e 61 em diferentes tumores humanos, como o adenocarcinoma de

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pâncreas; o produto da fusão de BCR-ABL, na leucemia mielóide crônica; variantes de

β-catenina em diferentes carcinomas.

Outros antígenos, até o momento caracterizados como tumor-específicos, e

frequentemente caracterizados por técnicas imunológicas, foram encontrados somente

em células tumorais e em células germinativas (em adultos, nos testículos ou ovários).

Esta grupo de antígenos inclui a família de genes MAGE, BAGE, NY-ESO-1 e Mel-40,

sendo expressos em 20 a 50% dos tumores (melanomas, carcinomas de cabeça e

pescoço e bexiga, por exemplo). O maior interesse sobre proteínas destas famílias de

genes recai sobre o fato de serem expressas freqüentemente em metástases e serem

alvos adequados para o reconhecimento de células T-citotóxicas, o que as torna

adequadas para protocolos de imunoterapia.

Outro grupo de antígenos freqüentemente caracterizado como tumor-específico

é o grupo de genes associados a diferenciação. No caso de tumores de células B

(leucemia linfocítica crônica), as células tumorais expressam imunoglobulinas de

superfície específicas do clone transformado. Proteínas como tirosinase, proteínas

relacionadas a tirosinase, TRP-1 e TRP-2 (tyrosinase-related proteins), MelanA/MART

1, gp100 são encontrados em melanócitos e acumulam-se em melanomas. Da mesma

forma que no caso de MAGE e NY-ESO-1, estes genes são alvos adequados para

reconhecimento por células T-citotóxicas.

Antígenos associados a tumor são encontrados em células normais, mas

acumulam-se em células tumorais, sendo expressos de maneira qualitativamente ou

quantitativamente alterada nas células tumorais. Estes antígenos incluem os chamados

antígenos oncofetais (como o antígeno carcinoembrionário, CEA; a alfa-fetoproteína; a

gonadotrofina coriônica). Ainda, muitos destes antígenos são glicoproteínas e sua

caracterização como marcadores tumorais recai antes sobre o padrão de glicosilação

apresentado do que propriamente sobre alteração nos níveis de expressão da proteína

modificada por glicosilação. São exemplos deste último caso, a expressão do antígeno

CA19-9, um marcador de tumores ovarianos que de fato é um antígeno carboidrato

(sialosil-Lewisa) que modifica sialomucinas; MUC-1, uma mucina epitelial subglicosilada

em adenocarcinomas de mama, por exemplo; diferentes glicoproteínas que passam a

ser reconhecidas por lectinas endógenas, como as galectinas.

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Cerca de 1 em cada 7 tumores humanos está associado a uma etiologia viral: (i)

cânceres ano-genitais associam-se à infecção persistente por papilomavírus humano

de alto risco, como HPV 16 e 18; (ii) hepatocarcinoma está associado à infecção viral

pelos vírus da Hepatite B e C; (iii) linfoma de Burkitt em regiões africanas está

associado ao vírus de Epstein-Barr. A expressão de genes destes vírus, como por

exemplo as proteínas de HPV E6 e E7, podem ser detectadas nestes tumores. Estes

genes codificam assim antígenos associados a tumor que representam alvos ideais

para imunoterapia, além de abordagens profiláticas.

Os antígenos associados a tumores não são somente de natureza protéica.

Muitos tumores acumulam lipídios glicosilados como os gangliosídios, ou ainda

apresentam alterações no padrão de glicosaminoglicanos (cadeias de carboidratos dos

proteoglicanos) expressos. Por exemplo, na linha de progressão tumoral de

melanomas, que é colocada didaticamente na seqüência: melanócito; nevo maduro;

nevo displástico;melanoma de crescimento radial; melanoma de crescimento vertical e

melanoma metastático, há a seguinte alteração no acúmulo de gangliosídios.

Melanócitos apresentam o gangliosídio mais simples: GM3, presente em virtualmente

todas as células (Figura 1). Com a progressão, GM3 é convertido progressivamente em

GD3, pela adição enzimática de um resíduo a mais de açúcar. Daí acumulam-se

derivados de GD3, como 9-O-acetil-GD3, GD2 e de-N-acetil-GD3. Na metástase, mais de

90% das células tumorais acumulam estes antígenos associados a tumor, que também

é encontrado circulante no soro de pacientes com tumores. A expressão de derivados

de gangliosídios em melanomas tem sido explorada para o desenho de protocolos

clínicos experimentais usando-se anticorpos contra estas moléculas. Alguns destes

derivados são mais específicos de tumores, enquanto GD3 e de-N-acetil-GD3 são

encontrados também em linfócitos ativados ou terminalmente diferenciados 5.

Embora somente agora estejamos compreendendo a função de gangliosídios

um pouco melhor, os resultados acumulados ao longo do tempo vem apontando para

um cenário interessante. A exposição de linfócitos a altas concentrações de

gangliosídios como GD3 deflagra o processo de morte celular; de fato, a ativação de

linfócitos por FasL ou ceramida é sucedida por uma rápida transcrição do gene da GD3-

sintase, que uma vez traduzida, converte GM3 em GD3. A inibição da síntese desta

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enzima, no modelo avaliado, bloqueou a morte induzida pelos estímulos

apoptogênicos. Há evidências de que o acúmulo de GD3 induza a liberação de

citocromo c de mitocôndrias, o que caracterizaria a ativação da via intrínseca do

processo de apoptose. Assim, fisiologicamente o acúmulo de GD3 levaria linfócitos à

morte. Este fato justificaria, pelo menos em parte a imunossupressão associada a altos

níveis circulantes de gangliosídios, como observado em pacientes com melanomas e

neuroblastomas avançados. Mas, então, por que a célula tumoral não é então sensível

a este mecanismo de morte celular induzida pelo marcador que ela mesmo acumula? A

resposta recai sobre dois níveis de complexidade: (i) freqüentemente a progressão

tumoral é acompanhada do silenciamento de genes que controlam a apoptose, no caso

de melanomas, é freqüente o silenciamento do gene APAF-1, cujo produto faz parte do

apoptosomo, que é ativado por citocromo c; (ii) de fato, muitas células tumorais devem

ser sensíveis à morte induzida pelo gangliosídio, contudo estas células são

selecionadas negativamente, restando as células resistentes a este processo de morte

celular induzida.

O acúmulo de células MUC-1 positivas em metástases parece seguir uma lógica

semelhante. Há evidências de que MUC-1 subglicosilada seja imunossupressora.

Assim, os tumores que acumulem esta forma do antígeno apresentariam uma

vantagem seletiva sobre aqueles que não o têm. Estes exemplos ilustram bem um

fenômeno que deve ser levado em conta no desenho racional de imunoterapias: o

processo de imunoseleção. De fato, reside aí a principal causa das dificuldades

encontradas no estabelecimento de imunoterapias para infecções crônicas e doenças

insidiosas como os cânceres. Estas doenças ocorrem já no contexto das interações

dinâmicas entre células afetadas e células do hospedeiro (do sistema imune, por

exemplo), o que depreende o desenvolvimento de mecanismos de escape das células

infectadas/tumorais e certo grau de tolerização do sistema imune. O sucesso das

imunoterapias recairá sobre a melhor compreensão e eventual controle destes

mecanismos.

Mecanismos efetores de reconhecimento e destruição da célula tumoral

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O reconhecimento de uma célula tumoral pelo sistema imunológico pode se

processar de maneiras distintas e complementares, como já discutido em outras

sessões deste livro. Elementos da imunidade inata e da imunidade adaptativa

contribuem na montagem da resposta imune contra tumores.

Macrófagos (imunidade inata) são freqüentemente encontrados no

microambiente de tumores. Quando estimulados por citocinas pró-inflamatórias, isto é,

quando num contexto apropriado, os macrófagos ativados podem secretar citocinas

com atividade tumoricida, como por exemplo TNF-α. A secreção de TNF-α induz morte

por apoptose (ativação da chamada via extrínseca), desencadeada por ativação do

receptor de TNF-α. O processo de apoptose é frequentemente seguido de fagocitose

dos corpos apoptóticos e subseqüente criação de um ambiente anti-inflamatório

(caracterizado pela secreção de citocinas como IL -10 e TGF-β, por exemplo). Estas

condições tendem a ser menos eficientes na geração de uma resposta imunogênica do

que quando a morte das células tumorais ocorre por necrose, que é acompanhada da

persistência de um contexto pró-inflamatório. Os dados na literatura ainda são

controversos. Mais recentemente, mostrou-se que o infiltrado de macrófagos em

tumores, está associado antes a uma aceleração na progressão de tumores do que

realmente sua contenção 6. Estes dados, observados em camundongos geneticamente

manipulados, podem reorientar estudos clínicos e fisiopatológicos para se avaliar a

relevância destes achados em sistemas humanos. Além deste papel, macrófagos são

fagócitos profissionais e são responsáveis pela fagocitose de células tumorais

opsonizadas por anticorpos.

O reconhecimento e lise das células por células Natural Killer (NK), também

representa o braço da imunidade inata contra tumores. Neste caso, células NK

reconhecem antígenos da célula tumoral através do receptor da célula NK; este

reconhecimento é efetivo em células tumorais que deixam de expressar moléculas do

complexo principal de histocompatibilidade (MHC), um evento comum que caracteriza a

evasão da célula tumoral a elementos do sistema imune, sendo mais frequentes em

células metastáticas. Em células que apresentam MHC em níveis normais, a função de

células NK é inibida por engajamento dos receptores inibitórios de células NK (KIR,

killer inhibitory receptors). Como macrófagos, células NK também apresentam

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receptores de Fc, reconhecendo assim células tumorais opsonizadas por anticorpos. A

lise celular dá-se por liberação de grânulos intracelulares das células NK, enriquecidos

em perforinas. A extrusão de perforinas das células NK e sua inserção na membrana

da célula tumoral está associada à morte da célula-alvo. Animais geneticamente

manipulados e nulizigotos para o gene da perforina são mais sensíveis a carcinógenos

químicos, como o metilcolantreno, desenvolvendo tumores mais freqüentemente que

animais selvagens, como mencionado acima. Esta abordagem experimental tem sido

utilizada como demonstração do processo de vigilância imunológica atuante nas fases

iniciais do processo de carcinogênese. Este processo poderia ser uma das pressões

para o fenômeno de imunosseleção (ou, im unoedição, como mais recentemente

proposto). Células NK podem ser ativadas por citocinas como IL-2, geralmente

produzida por linfócitos T ativados. Esta estimulação pode ser feita ex vivo, a partir de

células do sangue periférico de pacientes, e então re-infundidas nos pacientes como

células LAK (lymphokine activated killer cells). Esta abordagem, popular no passado,

está dando lugar a uma abordagem semelhante, porém baseada em células T

citotóxicas, como avaliado em protocolo recentemente divulgado pelo mesmo grupo

que iniciou os estudos com células LAK 7.

Além da célula NK, atualmente há evidências experimentais indicando que

células NKT, quando ativadas por exemplo por interleucina 12, teriam potente ação

tumoricida independente do reconhecimento de MHC. Nos estudos experimentais, esta

abordagem foi bastante eficiente na lise de células metastáticas hipo-expressoras de

MHC de classe I.

Entre os efetores da imunidade adaptativa encontram-se os linfócitos B e

linfócitos T. No momento, tem-se considerado como objetivo final da maioria das

imunizações contra o câncer a geração de linfócitos T antígeno- específicos. Neste

contexto, as células apresentadoras de antígenos (APC) ou células dendríticas ocupam

uma posição central. As células apresentadoras de antígeno podem capturar antígenos

tumorais, processá-los e apresentá-los em um contexto MHC I ou MHC II juntamente

com co-estimulação. Subpopulações de linfócitos CD4+ e CD8+ seriam então

estimulados e atuariam montando uma resposta efetora específica que culminaria na

geração dos linfócitos T citotóxicos que induziriam a morte das células tumorais.

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Diferentes etapas da montagem desta resposta podem ser feitas ex vivo, a partir de

material obtido de pacientes. Questiona-se então o porquê destas células não serem

capazes ou eficientes na montagem desta resposta no próprio paciente. A identificação

de elementos limitantes para a otimização desta resposta in vivo tem caracterizado os

diferentes níveis da resposta de evasão ao sistema imune que os tumores apresentam,

por seleção de clones progressivamente mais resistentes aos diferentes efetores de

citólise.

É importante comentar que muitas vezes o contexto de apresentação dos

antígenos processados pela células apresentadora de antígeno conduz antes à

tolerância imunológica do que à ativação de células T-específicas (Figura 2). A quebra

desta tolerância poderia ser alcançada modulando-se o microambiente tecidual da

apresentação de antígenos. Matzinger tem proposto nos últimos anos, que a função do

sistema imune não é a de discriminar entre o próprio não-infeccioso e o não-próprio

infeccioso (non-infectious self vs. infectious non-self) ; mas sim, a de discriminar entre o

próprio não-perigoso e o não-próprio perigoso (non-dangerous self vs. dangerous non-

self) 8. Daí, criou-se a expressão de sinais de perigo, que podem ser exemplificados

por citocinas pró-inflamatórias, como por exemplo TNF-α. Na presença destes sinais de

perigo, as células dendríticas apresentariam os antígenos processados juntamente com

moléculas co-estimulatórias, necessárias para a ativação de células T específicas; se

houver insuficiente co-estimulação, uma resposta tolerogênica pode ser gerada. A

complexidade aumenta ainda mais com a noção prevalente de que há diferentes tipos

de células dendríticas, e que a diferenciação destas células pode estar condicionada à

combinação de sinais presentes no microambiente do tumor, onde os antígenos seriam

capturados a princípio, na presença de estímulos adequados. O processo de

apresentação se dá no microambiente dos linfonodos drenantes. Não se sabe ainda o

impacto da possível presença de células metastáticas no microambiente da

apresentação de antígenos. Neste ambiente, geram-se então as células T específicas,

que atuariam então no microambiente do tumor. Mais recentemente, dados

experimentais mostraram que alguns tumores induzem a morte de células T infiltrantes,

por apresentação de moléculas como FasL, por exemplo. Ainda, há evidências que o

microambiente tumoral restringiria a função efetora de células T. Assim, as barreiras

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para o desenvolvimento de imunoterapias efetivas não são somente a quebra de

tolerância, mas também a manipulação do microambiente tumoral que pode ser

refratário a células T activadas.

Linfócitos B participam da resposta imune (adaptativa) contra tumores

produzindo anticorpos específicos contra antígenos tumorais. Estes anticorpos se

ligariam a antígenos específicos nas células tumorais facilitando seu reconhecimento e

destruição pelas células NK ou fagocitose por macrófagos, ou ainda ativando a via do

complemento, levando à lise tumoral. A pesquisa de diferentes anticorpos presentes no

soro de pacientes com tumor tem sido útil na determinação de alguns dos antígenos

associados a tumor, e trouxe subsídios para o desenvolvimento de anticorpos

terapêuticos com aplicação clínica como será discutido abaixo.

Todos os mecanismos descritos acima possibilitam o reconhecimento e

destruição dos tumores, mas devemos considerar que os tumores são formados por

populações dinâmicas. Se de um lado o sistema imune representa uma pressão

seletiva negativa, a instabilidade genética das células tumorais propicia a deriva ou o

escape de subpopulações progressivamente resistentes aos efetores do sistema

imune. Assim, apesar da origem monoclonal de cerca de 95% dos tumores, ao

momento do diagnóstico, os tumores são formados por grupos heterogêneos de células

oriundas da célula inicialmente mutada. O tumor é assim constantemente “editado”

pelos mecanismos efetores do sistema imune. É intuitivo que o processo de

“imunoedição” será tão maior quanto mais antiga a lesão neoplásica. A

heterogeneidade do tumor se manifesta na expressão variável de antígenos e de

diferentes características do fenótipo transformado. Ainda, estas populações

heterogêneas misturam-se com diferentes elementos do hospedeiro (células estromais,

células endoteliais e matriz extracelular), formando um verdadeiro organóide,

representado pelo microambiente tumoral. A matriz extracelular de tumores funciona

como um reservatório de citocinas e quimiocinas que podem atuar na modulação dos

efetores da resposta imune, neutralizando-os. Assim, há quem compare o sítio tumoral

a um sítio de imunoprivilégio, e de fato, alguns tumores expressam moléculas como

FasL, que induzem a morte de linfócitos que expressem Fas 9.

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Imunoterapia: da bancada ao leito

As noções discutidas acima refletem a complexidade do desenvolvimento de

abordagens imunoterápicas para o controle de doenças neoplásicas. De fato, o

entusiasmo pelas abordagens imunoterápicas em câncer vem oscilando desde a

clássica descrição da toxina de Cooley, ao final do século XIX. No momento, há menos

de uma dezena de formas de imunoterapia aprovadas para uso oncológico pelo FDA

(Food and Drug Administration), ao lado de inúmeros protocolos clínicos experimentais

em andamento.

Entre as abordagens imunoterapêuticas aprovadas para uso clínico,

considerando-se aí o uso de citocinas, como modificadores biológicos da resposta a

tumores, incluem-se: (i) o uso do BCG, no carcinoma superficial de bexiga; (ii) uso de

citocinas como interleucina-2 (IL-2) e interferon-α; (iii) anticorpos monoclonais, como

RituximabTM e TrastuzumabTM.

Experiências clínicas, inclusive em nosso meio, com BCG são bastante

positivas. A instilação intra-vesical de BCG em pacientes com carcinomas superficial de

bexiga é indicada e está associada a geração de uma reação inflamatória em resposta

à presença da bactéria fixada; esta resposta parece associada a uma imunoterapia

não-específica, elicitada a princípio contra BCG, mas que apresenta-se com

especificidade cruzada contra as células tumorais. Alternativamente, a presença da

bactéria no microambiente do tumor poderia estar contribuindo para os sinais de

perigo, como postulado por Matzinger na montagem da resposta imune contra as

células tumorais.

IL-2 e IFN-α são citocinas preconizadas para o tratamento de formas avançadas

de carcinoma renal, tendo-se tornado tratamento padrão. Mais recentemente, a estas

citocinas têm -se associado quimioterápicos. Estas combinações parecem promissoras.

Dentre os tumores, freqüentemente citam-se os melanomas como os tumores

mais imunogênicos. Ainda, dada sua agressividade e refratariedade às formas mais

usuais de tratamento, os melanomas são freqüentes alvos para protocolos

imunoterápicos. Diversas abordagens já demonstraram imunoterápicas já

demonstraram regressão de metástases e desaparecimento de tumores, inclusive de

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lesões do Sistema Nervoso Central. Porém, estes ensaios são de reprodução difícil, e

sua resposta apresenta grande variabilidade individual. Citocinas como IL-2 e IFN

foram aprovadas para uso clínico em formas avançadas de melanomas; porém, a

metanálise de di ferentes ensaios clínicos não mostrou claros benefícios, especialmente

quanto ao uso do IFN.

O uso do monoclonal Rituximab (específico para CD20) foi aprovado em 1997

para tratamento do linfoma folicular de células B (não-Hodgkin) de baixo grau. Seu uso

está indicado para os casos onde se observa recidiva após um primeiro tratamento

com quimioterapia. Ensaios clínicos experimentais estão avaliando a utilidade deste

anticorpo em outras formas de linfomas não-Hodgkin.

O monoclonal Trastuzumab (específico para HER2/neu, um receptor da família

do receptor de EGF) foi aprovado para uso clínico em pacientes com adenocarcinoma

de mama com amplificação de HER2. Este gene encontra-se em um amplicon, sendo

freqüentemente amplificado várias vezes em tumores HER2+. A super-expressão do

produto deste gene está associada a resposta proliferativa descontrolada das células

tumorais, independente do seu status quanto a receptores de hormônios esteroídicos.

Estudos em fase de avaliação

Outros protocolos clínicos em andamento têm como alvo a expressão de

gangliosídios em tumores como melanomas. Anticorpos monoclonais com

especificidade para GD2, gerados usando-se o conceito de rede idiotípica, têm sido

utilizados em protocolos experimentais. As perspectivas abertas por modificações de

anticorpos (por exemplo, humanização e mutações modificando sua afinidade)

começam a ser melhor avaliadas agora. O uso de anticorpos explora mais de um

mecanismo efetor de morte celular. Assim por exemplo, a função efetora via ativação

da região Fc pode mediar a citotoxicidade celular mediada pelo sistema complemento,

a opsonização da célula tumoral por anticorpos a transforma em alvo para

citotoxicidade mediada por células NK. Esta abordagem é promissora no tratamento de

tumores como os melanomas e neuroblastomas. Protocolos experimentais mais

recentes exploram a utilização de anticorpos bi-específicos, isto é com especificidade

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para dois antígenos distintos. Estas moléculas têm sido criadas com o objetivo de se

estimular mais de um braço da resposta anti-tumoral simultaneamente. Explora-se aí a

possibilidade de se trazer um efetor do braço celular, de maneira independente do

reconhecimento de MHC, para a montagem da resposta anti-tumoral.

Os anticorpos poderiam ser também usados para direcionamento de drogas e/ou

radioisótopos. De fato, estes últimos têm sido bastante usados no tratamento de

leucemias e linfomas, usando-se anticorpos contra marcadores específicos de

linhagem. A biodistribuição das moléculas de anticorpo não é feita de maneira

homogênea nos tumores sólidos, o que tem sido justificado, pelo menos em parte pela

hipertensão intersticial da maioria dos tumores. Mais recentemente, verificou-se que o

inibidor de tirosina-quinase associada a bcr-abl e ao receptor de PDGF (STI571,

Gleevec) atua em tumores sólidos diminuindo esta pressão. Desta observação devem

sair abordagens combinadas reavaliando-se o uso de anticorpos para o tratamento de

tumores sólidos.

Propostas atuais de vacinação em cânceres

O desenvolvimento dos conhecimentos na área da Imunologia bem como a

crescente capacidade do pesquisador em modificar elementos da resposta imune ex

vivo, têm permitido o desenho de novas estratégias de modulação da resposta imune

com resultados bastante promissores em modelos experimentais. O desafio dos

próximos anos será o de traduzir estes avanços para a prática clínica, trazendo

benefícios mensuráveis para os pacientes.

Estratégias de vacinação podem ser: (i) profiláticas; (ii) terapêuticas. A

vacinação profilática é a forma mais conhecida e convencionalmente indicada para

controle de doenças infecto-contagiosas; gera uma resposta que inclui a produção de

anticorpos neutralizantes contra antígenos conhecidos. Frequentemente, o organismo

não este exposto ao antígeno vacinante previamente. Sua aplicação em tumores

recairá especificamente no grupo de indivíduos que apresentem risco de

desenvolvimento de tumores associados a vírus, como vírus da hepatite B e C e

papilomavírus humano. Vacinas geradas com partículas virais, modificadas ou não, são

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alvo de estudos para controle destes tipos de cânceres, que atingem proporções

endêmicas em países como o Brasil e China (carcinomas de cólo uterino e

hepatocarcinoma, respectivamente).

As vacinas terapêuticas encontram aplicação mais restrita aos cânceres; a

resposta desejada é eminentemente centrada na resposta celular. Antígenos

relevantes para a montagem da resposta podem não ser conhecidos. Dadas as

características da doença, o sistema imune do paciente já foi exposto ao antígeno

vacinal, e eventualmente encontra-se tolerizado em relação a este antígeno. Com base

nesta premissa, muitas abordagens de vacinação terapêutica visam a concomitante

quebra de tolerância contra o antígeno (ou mistura de antígenos) usado(s) no processo

de vacinação. Quebra de tolerância foi obtida em sistemas experimentais por exemplo,

(1) aumentando-se a atividade de células apresentadoras de antígeno (APC),

diferenciadas ex vivo e reinfundidas no hospedeiro; (2) aumentando-se o sinal dado

pelo receptor de células T ou aumentando-se a co-estimulação, dependente de B7-1 e

B7-2; (3) bloqueando-se pontos de checagem como o dependente de CTLA-4; (4)

infundindo-se células T não-tolerantes. Células tumorais poderiam ser modificadas de

maneira a se comportar como células apresentadoras de antígeno indutoras de uma

resposta ativadora. Esta idéia é a base de uma série de propostas de terapias

baseadas em transferência gênica em andamento em diferentes centros. (Figura 3).

Serão discutidas abaixo algumas formas de quebra de tolerância que tem sido

utilizadas em protocolos experimentais.

As vacinas terapêuticas podem ser baseadas em: (1) células tumorais; (2)

antígenos tumor-específicos ou associados a tumor. As vacinas baseadas em células

podem ser do próprio paciente (vacina autóloga) ou alogenéica. Quando usadas, os

antígenos tumorais não são necessariamente conhecidos; são vacinas polivalentes,

isto é contra diferentes antígenos; mas, ao mesmo tempo podem apresentar uma série

de antígenos considerados “irrelevantes” para a resposta desejada, bem como

poderiam estar desencadeando uma resposta imune a outros antígenos “próprios”.

Apresenta limitações quanto ao potencial de manipulação do antígeno para

estimulação máxima; contudo permitiria a manipulação genética que visasse aumentar

a co-estimulação direta ou indiretamente. As vacinas baseadas em antígenos definidos

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depreendem o conhecimento de antígenos relevantes que possam ser de fato

utilizados no processo vacinal; e que uma vez processados sejam apresentados de

maneira a gerar a resposta desejada. Esta informação nem sempre é conhecida, uma

vez que depende da restrição de apresentação pelo MHC do paciente. Estas vacinas

tendem a ser monovalentes; a mistura de alguns antígenos tem sido preconizada,

gerando-se vacinas oligovalentes. A habilidade de se definir completamente o antígeno

vacinal é acompanhada da possibilidade de se monitorar laboratorialmente a resposta

montada, o que permitiria estabelecer grupos onde se definissem mais precisamente

quando a abordagem vacinal estaria ou não indicada. Ainda, uma vez que se

conhecem os antígenos vacinais, o potencial para manipulação deste antígeno é

bastante grande, o que aumenta sua versatilidade.

Diferentes tipos de vacinas têm sido usadas conforme se pode depreender do

discutido no parágrafo acima. As vacinas celulares, atenuadas por radiação ou por anti-

proliferativos como mitomicina C são altamente imunogênicas, porém apresentam

dificuldades para sua geração, que necessitam de ambientes bio-limpos, atendendo às

normas vigentes de biossegurança. Estas vacinas podem ser administradas como

células viáveis, corpos apoptóticos ou lisados celulares. A comparação sistemática da

forma de adminstração ainda não foi feita de maneira a se reconhecer quais as reais

vantagens de uma forma sob outra. De fato, aí pode residir o equilíbrio entre

imunização e tolerização. Peptídeos, derivados dos antígenos tumor-específicos ou

tumor-associados, representam imunógenos de utilização segura e de fácil produção;

contudo apresentam potência relativamente baixa e são haplótipo-específicos.

Proteínas recombinantes, administradas na presença de adjuvantes como as emulsões

(MF59), saponinas (por exemplo, QS-21), produtos bacterianos (por exemplo, Detox),

geralmente deram boa resposta humoral, porém fraca resposta celular. A abordagem é

considerada moderadamente simples, e pode ser menos restrita a haplótipos que o uso

de peptídeos. O antígeno pode ser administrado numa forma não transcrita ou não

traduzida, como molécula de DNA recombinante ou como vírus recombinante (RNA-

vírus ou DNA-vírus, tendo se preferido os DNA-vírus mais recentemente). As células

modificadas pelo gene transferido de diversas maneiras poderiam estar processando e

apresentando peptídeos derivados da proteína codificada no contexto de seu MHC,

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gerando assim um resposta contra aquele antígeno, se sinais co-estimulatórios ou

sinais de perigo estiverem presentes. Estas abordagens são promissoras, mas ainda

estão em fase de estudo pré-clínico.

A manipulação de vírus como vetores de transferência gênica, bastante

explorada na área de terapia gênica experimental, tem sido amplamente utilizada em

protocolos experimentais visando a construção de vacinas terapêuticas eficientes

contra os cânceres. De fato, até meados de 2001 cerca de 8000 pacientes estavam

matriculados em protocolos clínicos usando-se vírus recombinantes com fins

terapêuticos. Destes, mais da metade encontravam-se em protocolos que visavam

modular a montagem da resposta imune por: (1) transferência de genes de citocinas

ou de moléculas co-estimulatórias (B7-1, B7-2, Figura 3), genes da família de TNF-α

para células tumorais; (2) transferência de genes de MHC I, frequentemente

hipoexpressos em tumores e associados à resposta de evasão das células tumorais ;

(3) transferência de genes de suicídio como a timidina-quinase de HSV, seguida de

tratamento com gancyclovir. Este tratamento está associado a morte celular intensa

seguida de resposta inflamatória (sinais de perigo), que frequentemente modulam

positivamente a resposta imune; (4) protocolos combinados (revisto em 10).

A hipoexpressão de moléculas do complexo principal de histocompatibilidade é

uma característica frequente em tumores humanos. O tratamento de células com IFN-χ

pode normalizar a expressão destas moléculas, bem como normalizar o

processamento de antígenos pela célula tumoral, caso a via de transdução de sinal

desta citocina esteja intacta. Um dos autores (DCPS) tem conduzido um protocolo

clínico para melanomas em estádio III e IV que se baseia em vacinas celulares

autólogas, expandidas ex vivo e tratadas com IFN-χ; e, então re-infundidas, após

atenuação com mitomicina-C. GM-CSF (o fator estimulador de colônias de granulócitos

e macrófagos) também é utilizado na confecção das últimas doses da vacina.

Tratamento de vacinas celulares com IFN ou a modificação das células com genes de

citocinas, MHC ou moléculas co-estimulatórias visam otimizar o processo de

apresentação do antígeno pela célula tumoral.

Na última década ficou claro o papel central de células dendríticas no processo

de montagem da resposta imune. Precursores de células dendríticas são encontradas

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na medula óssea e no sangue periférico. Diferentes protocolos de expansão ex vivo de

populações de células com funções de apresentadoras de antígenos têm sido definidos

na literatura. A perspectiva é de que se possa, por exemplo, de monócitos circulantes

obtidos por aférese expandir-se uma população que seria então diferenciada em célula

dendrítica. Uma vez obtida, estas células seriam pulsadas com os antígenos tumorais

(na forma de lisado ou corpúsculos apoptóticos ou peptídeos ou fragmentos de

proteínas ou mesmo fundidas com as células tumorais, como esquematizado na Figura

4) ou então modificadas geneticamente com genes destes antígenos associados a

tumor; e, então reinfundidas no paciente. Protocolos experimentais usando células

dendríticas mostram resultados bastante promissores em diferentes centros de

pesquisa e tratamento de pacientes com câncer.

Monitoramento de resposta à vacina

O desenvolvimento das diferentes estratégias terapêuticas citadas acima, ainda

em fase experimental, levantam questões sobre como se deve proceder ao

monitoramento do processo de vacinação. Esta monitoração nos permitirá definir

melhor as diferenças entre os grupos respondedores e não-respondedores, o que

permitirá o uso racional desta forma terapêutica. Atualmente, não há um único teste

que possa ser utilizado como preditor da resposta clínica, bem como não há ainda

consenso sobre os possíveis indicadores de resposta 11.

Assim, por exemplo, para vacinas usando-se gangliosídios, a avaliação de

produção de anticorpos parece eficiente. Contudo, no caso, de vacinas usando-se

peptídeos, é necessário medir-se a resposta de linfócitos T. Entre os vários ensaios

utilizados para monitorar-se respostas específicas de linfócitos CD8+, ensaios diretos

incluiriam o uso de tetrâmeros (complexo tetram érico de formas solúveis do complexo

MHC I carregados com peptídeo específico) para identificação de células T citotóxicas

específicas para o peptídeo usado na imunização e a avaliação do perfil de citocinas

expressas em linfócitos periféricos após imunização. O uso de tetrâmeros parece ser

promissor, porém a experiência com este tipo de abordagem ainda é pequena nos

diferentes centros de pesquisa e tratamento; pelas características do ensaio, não há

uma avaliação da funcionalidade da célula T frente a uma eventual estimulação. De

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maneira complementar, o estudo do perfil de citocinas ainda nos permite uma avaliação

global do perfil das citocinas, não permitindo avaliar a especificidade das células T não

responsivas a um determinado antígeno. A técnica de ELISPOT (enzyme-linked

immunospot) foi também desenvolvida nos últimos anos e poderá contribuir de maneira

positiva para identificação do perfil de resposta de células CD4+ e células CD8+, por

exemplo.

Como o objetivo final do processo de imunização é a indução de uma resposta

efetiva de linfócitos T contra o tumor, a determinação deste fenômeno deveria ser feita

por biópsias do tumor, antes e após o processo de imunização com avaliação do

infiltrado de linfócitos T e outras células que compõe a resposta inflamatória. Embora

esta abordagem não seja possível sempre, parece-nos importante que nos protocolos

experimentais, que nos levarão à definição de grupos respondedores, procure-se

abordar o tumor por meio de biópsias sempre que possível e eticamente aceito. De

maneira ideal, o monitoramento das respostas dependentes de células T deveria

incluir: (1) variações no número de células antígeno-específicas; (2) avaliação do seu

estado funcional; (3) avaliação de suas propriedades funcionais. Protocolos

experimentais como reações em cadeia de polimerase (PCR) a partir de cDNA obtido

do RNA purificado de linfócitos infiltrantes de tumor tem sido usados para se definir o

perfil funcional das células T infiltrantes em tumores sólidos. Cabe ressaltar que estes

protocolos são ainda experimentais.

Como a retirada de amostras de tumores não é possível em muitos pacientes,

uma alternativa, ainda não consensual, para avaliar-se a eficiência da imunização in

vivo tem sido o desenvolvimento da reação de hipersensibilidade tardia (DTH). O

antígeno tumoral é administrado por via intradérmica; no intervalo de 24 a 72 horas, a

reação inflamatória local é medida pelo diâmetro da enduração. Reações positivas são

aquelas cujo diâmetro da induração é de pelo menos 5 mm. A reação de

hipersensibilidade tardia é determinada por uma resposta T específica, dependente de

linfócitos T CD4+. Esta abordagem tem sido utilizada em protocolos de vacinas

celulares, podendo incluir a biópsia da lesão para confirmação da natureza do infiltrado

inflamatório.

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Imunologia tumoral- um novo paradigma para investigação clínica

Estudos da área de Oncologia Básica mostraram de maneira bastante clara que

tumores são heterogêneos, evidências experimentais de estudos sobre Imunologia de

tumores mostraram também claramente a participação de seus elementos efetores na

contenção do crescimento de tumores. Esta contenção não atuaria necessariamente

como um processo de vigilância, mas sim como progressiva edição (ou seleção

negativa). Com isto, ao longo do tempo, os tumores seriam editados, transformando-se

progressivamente em refratários à ação de elementos do sistema imune. Este conceito,

referido como imunoedição, foi elegantemente demonstrado em animais de

experimentação. Células tumorais implantadas em animais normais crescem como

tumores; se estes tumores são ressecados e implantados em animais normais voltam a

crescer como tumores da mesma forma que as células parentais; se, no entanto, as

células forem implantadas em animais imunodeficientes, a população tumoral contém

células passíveis de rejeição em animais normais no segundo implante. A frequência

de células passíveis de rejeição numa população de células tumorais depende então

da interação tumor-hospedeiro 12. Como medir a extensão da imunoedição? Este

fenômeno terá implicações no processo vacinal? O uso de vacinas baseadas em

peptídeos específicos induz imunoedição? Vacinas contra múltiplos antígenos são mais

eficientes? Se sim, qual o melhor combinação de antígenos a ser utilizada para gerar-

se uma vacina contra tumores? Existe uma ordem neste processo? Quais adjuvantes

usar: adjuvantes não celulares, células dendríticas? Como monitorar a resposta

clínica? Respostas a estas perguntas precisam ser encontradas antes de se preconizar

o uso de imunoterapias em tumores, que aparentemente deveriam ser usadas em

estadios muito mais precoces do que o que se tem feito atualmente, objetivando-se um

maior sucesso clínico.

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Box : Resposta clínica a protocolo de imunoterapia ativa em pacientes com melanoma maligno

O Centro de Tratamento e Pesquisa Hospital do Câncer, A.C. Camargo, em São

Paulo, iniciou um protocolo clínico, em abril de 1998, com duração prevista de cinco anos. Este protocolo visa avaliar o benefício de uma proposta de imunoterapia específica, utilizando células tumorais autólogas para pacientes com melanoma cutâneo metastático estádios III e IV. Relatam-se resultados parciais, obtidos até junho de 2002 em relação à resposta clínica deste tipo de terapia em 39 pacientes com melanoma estádio IV.

Destes 39 pacientes vacinados analisados, 10 morreram durante o tratamento, 4 saíram do protocolo e 25 pacientes completaram o tratamento. Destes, 32% responderam completa ou parcialmente. As curvas de probabilidade de sobrevida dos respondedores e não-respondedores, quando comparadas entre si, mostraram uma diferença estatisticamente significante (mediana do tempo de sobrevida dos respondedores = 23,26 meses; e, dos não-respondedores = 6,74; p = 0,0064).

Abaixo está relatado o caso clínico de uma paciente que apresentou resposta completa ao tratamento.

Paciente MMOB, feminino, 65 anos. Realizada ressecção, em maio de 1995, de

um melanoma cutâneo espesso e ulcerado de tronco com Breslow de 11,5mm e nível de invasão V de Clark. Em fevereiro de 1999 apresentou 4 metástases de tecido celular subcutâneo com tamanhos entre 2,0 e 3,5cm e uma metástase pulmonar esquerda de 3,5cm (figura1a). As metástases de subcutâneo foram ressecadas e utilizadas para a realização da vacina. Recebeu as 6 doses (20x106 células por dose) propostas do tratamento. As leituras da reação cutânea de hipersensibilidade tardia foram positivas (figura1b). Em julho de 1999, 1 mês após o término da vacinação, a tomografia de tórax mostrou diminuição de 73% do tamanho da metástase. Importante ressaltar que Também não houve o aparecimento de novas metástases (figura1c). Em julho de 2000, 12 meses após o término do tratamento, houve regressão completa da lesão pulmonar (figura1d).

Figura 1a Figura 1b

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Figura1c Figura 1d

A paciente evoluiu sem doença clínica e radiológica durante 28 meses. Em outubro de 2001 foi detectado um nódulo de subcutâneo, peri-umbilical, de 1 cm e que foi ressecado com intenção de revacinação. Retornou ao hospital em dezembro do mesmo ano com queixa de dor em coluna torácica. A investigação radiológica mostrou metástases ósseas. Apresentou sangramento urinário vesical intenso, durante o período de internação, evoluindo com choque hipovolêmico. Foi tratada na unidade de terapia intensiva onde evoluiu com infecção pulmonar e óbito em 06/02/2002. Comentários:

Entre os obstáculos relatados na literatura e aqueles observados durante o desenvolvimento deste protocolo incluem-se:

a. defeitos generalizados na sinalização das células T podem estar presentes em pacientes com câncer avançado, incluindo o melanoma

b. possibilidade de que a imunização não produza uma resposta imune de magnitude suficiente para produzir regressão tumoral

c. heterogeneidade de expressão antigênica tumoral e a possibilidade de que uma imunoterapia bem sucedida, na maioria dos pacientes, irá requerer imunização contra múltiplos antígenos

d. diversos mecanismos de escape tumoral à vigilância imunológica e. dificuldade de se eleger, previamente à indicação, o melhor grupo de

pacientes que poderia se beneficiar da imunoterapia específica f. o problema da seleção imunológica no qual estariam envolvidas 3 fases:

eliminação, na qual ocorreria uma vigilância imunológica efetiva; equilíbrio, processo no qual ocorreria a seleção das variantes tumorais sobreviventes à fase de eliminação; escape, onde finalmente haveria o aparecimento e expansão de massas tumorais originárias destas variantes e que se tornariam clinicamente aparentes (o que poderia ter ocorrido com o caso clínico relatado)

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Legendas das Figuras Figura 1. Acúmulo de gangliosídios GD3 e derivados ao longo da progressão tumoral de melanomas. Gangliosídios são exemplos de antígenos-associados a tumor, frequentemente observados em tumores derivados da crista neural, como melanomas, por exemplo. A avaliação da expressão dos gangliosídios em melanócitos normais, melanócitos hiperplásicos (nevo maduro), displásicos e em melanomas, quer sejam com predomínio de crescimento radial (RGP), vertical (VGP) ou em metástases evidencia a heterogeneidade da expressão destes antígenos ao longo da progressão tumoral de melanomas, com progressivo acúmulo em lesões de maior agressividade. Estes achados têm servido como base para utilização de anticorpos contra estes gangliosídios, em protocolos experimentais para tentativa de controle da doença metastática, e ilustra o perfil de expressão dos antígenos associados à progressão tumoral. Embora ainda não se conheçam as funções desempenhadas pelos gangliosídios GD3, 9-O-acetil-GD3 e GD2, estas moléculas parecem conferir uma vantagem seletiva para o desenvolvimento das metástases de melanomas. Figura 2. Uma visão simplificada do processo inicial da montagem de uma resposta celular a tumores. Células cancerosas e células infectadas por vírus expressam antígenos que podem ser capturados por células apresentadoras de antígeno (por exemplo, células dendríticas) que processam estes antígenos apresentando-os na forma de peptídeos no contexto de moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC classe I e II) para linfócitos T. O resultado desta apresentação pode ser quer a ativação ou a tolerização de células T antígeno-específicas. Este processo parece depender de variáveis como densidade de moléculas apresentadoras de antígeno e contexto da apresentação, sendo modulada por moléculas co-estimulatórias, como membros da família B7 e citocinas, como IL -12. Estes sinais co-estimulatórios apresentam-se como parte da resposta aos sinais de perigo que definem o contexto da apresentação do antígeno. Células tumorais são ineficientes apresentadoras de antígeno, que podem induzir uma resposta de tolerância a antígenos específicos. Figura 3. Alvos para quebra da tolerância contra tumores. Diversos protocolos experimentais visam aumentar a eficiência da apresentação de antígenos, transformando as células tumorais em células apresentadoras de antígeno. As tentativas são feitas por meio de estratégias que visam aumentar a expressão de moléculas de MHC nas células tumorais (tratamento com interferon-χ ou até mesmo transferência gênica), aumentando a eficiência do sinal 1; modificando as células tumorais com o objetivo de modular positivamente os sinais 2 estimulatórios, induzindo a expressão de moléculas como B7-1 e B7-2; ou inibindo o sinal inibitório de CTLA-4. Ainda, transferência de genes de citocinas tem sido postuladas como elementos úteis para a ativação eficiente de clones T citotóxicos. Figura 4 . Propostas de utilização de células dendríticas em protocolos experimentais de imunização. Diversos protocolos estão em fase de avaliação

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usando-se células dendríticas manipuladas ex vivo e reinfundidas em pacientes com diferentes tipos de câncer. Estes protocolos usam células dendríticas como adjuvante natural em processos de imunização usando células tumorais lisadas (ou na forma de corpos apoptóticos), antígenos recombinantes não processados ou peptídeos já prontos para sua apresentação. Alternativamente, a célula dendrítica pode ser alvo de manipulações como transferência de genes de antígenos tumor-específicos ou associados a tumor, na forma de plasmídios ou como integrantes de vírus recombinantes. Os produtos dos genes seriam então transcritos e traduzidos, processados e finalmente apresentados pela célula dendrítica modificada. Ainda, outros protocolos baseiam-se na fusão de células tumorais ou exossomos destas células (vesículas liberadas a partir de células tumorais) com as células dendríticas.