imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · autor é quem exerce um domínio...

15
Imputação pessoal e actuação através de entes colectivos Frederico de Lacerda da Costa Pinto Mestre em Direito. Professor convidado da FDUNL 1

Upload: dangtuong

Post on 09-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Imputação pessoal e actuação através de entes colectivos

Frederico de Lacerda da Costa PintoMestre em Direito. Professor convidado da FDUNL

1

Page 2: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Formulação dos problemas

Que estruturas e conteúdos dogmáticos

podem ser invocados para delimitar a autoria

de factos ilícitos cometidos por entes colectivos

e por pessoas individuais em entes colectivos?

2

Page 3: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Imputação do facto a entes colectivos

O problema no Direito Penal: o regime do artigo 11.º do CP –catálogo, facto de conexão e exclusão da imputação.

A «terceira via»: consequências jurídicas do crime e medidascautelares.

O problema no DMOS: artigo 7.º do RGCords e legislação especial(v.g. art. 401.º CdVM).

Teses em confronto: Modelo da dependência (essencialidade do facto de conexão da

pessoa singular): T Serra, RPCC 9 (1999), p. 187 e ss; Modelo da autonomia (imputação autónoma ao destinatário da

norma): F. Costa Pinto, Direito dos Valores Mobiliários, vol I, 1999,p. 312 e ss.

Argumentos: As pessoas colectivas são destinatários autónomos das normas de

dever; Estrutura da infracção omissiva e da infracção negligente.

3

Page 4: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

A autoria na criminalidade de empresa

Crimes em contexto social e em contexto empresarial.

Empresa: divisão de trabalho e organização hierárquica.

Cisão institucional entre quem executa e quem decide.

Formas mais discretas e camufladas de envolvimento doscentros de decisão.

Inversão metodológica: centro de decisão vs centro deexecução.

Referentes essenciais:

Respeito pela delimitação legal dos tipos de autoria;

Posicionamento concreto do agente na empresa;

Conduta do agente perante o facto;

A execução do facto ilícito típico.4

Page 5: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Estruturas dogmáticas

Vocação genérica das soluções legais (v.g. arts 26.º e 27.º CP)

As empresas não podem ser zonas de impunidade jurídica

As formas de autoria como “tipos abertos”.

A “imagem orientadora” (Leitbild) dos tipos de autoria.

Estruturas dogmáticas invocáveis:

O crime omissivo;

A autoria mediata;

A co-autoria.

o conceito extensivo de autoria (entre nós, nas cords).

5

Page 6: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Funções, deveres e omissão

Deveres profissionais podem ser deveres de garante.

Dever de garantir a legalidade da actuação da empresa (implícito no art. 11.º, n.º 6 CP).

A figura do crime omissivo é por si só pouco relevante:

Não abrange actuação complexa por acção e omissão devárias pessoas;

É consumido pelas condutas activas e pela comparticipação do garante nos factos principais.

Não consegue evitar a quebra do nexo de imputação por facto doloso do executor (proibição de regresso).

A doutrina atribui relevância à omissão em dois casos:

Delegação de competências: não exonera o delegante;

Omissão de controlo de escalões intermédios de direcção.6

Page 7: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Conceito restritivo de autor e formas de comparticipação

Autoria (material, mediata e coautoria) e participação(instigação e cumplicidade).

Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico.

Na criminalidade de empresa o autor encontra-se nocentro de execução ou no centro de decisão?

As figuras legais da autoria conseguem valoraradequadamente os factos em que ocorre esta cisão entreexecução e decisão e em que se envolvem váriaspessoas?

Em especial: podem ser invocadas as figuras da autoriamediata e da co-autoria ou a sua configuração legal nãoo permite?

7

Page 8: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Modalidades de autoria mediata

Executar o facto “por intermédio de outrem” (art. 26.º CP).

Concepção vertical da autoria. Ideia orientadora:instrumentalização do executor por controlo da suavontade.

Os executores do facto podem ser pessoas individuais oua própria pessoa colectiva.

Modalidades de domínio do facto na autoria mediata:

Domínio da vontade do executor. Hipóteses: i) erro relevante,ii) inimputabilidade, iii) coacção irresistível);

Domínio de um aparelho organizado de poder. Exige: i) domínioda organização através da hierarquia, ii) fungibilidade doexecutor material; iii) actuação da organização à margem dodireito.

8

Page 9: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Autoria mediata na criminalidade empresarial

Limites originários: não se aplica a organizações legais (empresas).

Nas organizações legais o dever de obediência cessa quando aordem implica a prática de um crime.

Alargamentos recentes:

BGH (Ac. de 26 de Julho de 1994) aplicou o critério àcriminalidade de Estado (RDA) e admitiu em obiter dictum aaplicabilidade à criminalidade empresarial.

Corte Suprema da Argentina aplicou-o aos generais da ditadurade Videla (homicídio e desaparecimento de opositores).

Doutrina divide-se:

Rejeita aplicabilidade às empresas, mas usa o conceito dedomínio da organização como modalidade de domínio funcionalna co-autoria;

Extensão da figura à criminalidade empresarial.9

Page 10: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Adequação da autoria mediata à criminalidade empresarial

Risco de incerteza judicial ao invocar um domínio davontade por domínio da organização;

Difícil de compatibilizar com a doutrina maioritáriaportuguesa quanto à ausência de responsabilidade doexecutor material na autoria mediata.

Alternativa: domínio da vontade pelo domínio do todo.O autor controla a informação sobre o todo. O executornão será responsável dolosamente porque:

Desconhecendo o todo, ignora o significado real dos factosparciais que executa;

Não lhe é razoavelmente exigível a recusa da prática do factoporque não tem elementos para tal;

O autor mediato pode contar com uma dinâmica de realizaçãoe de obediência que lhe conferem o domínio do facto.

10

Page 11: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Potencialidades da figura da co-autoria

Elementos da coautoria: i) execução do facto; ii)actuação do co-autor (“tomar parte directa naexecução”); iii) acordo (expresso ou tácito); iv) domíniofuncional do facto.

Concepção horizontal da autoria. Ideia orientadora:actuação conjunta.

Problemas na adaptação da co-autoria à criminalidadeempresarial:

Prolongamento do facto no tempo;

Conjugação do facto ilícito com actos lícitos;

Falta de acompanhamento presencial da execução;

O acordo resulta em regra da concertação tácita e não deacordo expresso.

11

Page 12: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

O conceito extensivo de autoria nas contra-ordenações

Conceito extensivo de autoria: a promoção causal dofacto como primeiro patamar de responsabilidade.

Autor é quem, por acção ou omissão, contribua,promova , facilite ou execute a prática do facto típico.

Acresce a exigência de dolo ou de negligência do agente.

Base legal: art. 16.º, n.º 1, primeira parte do RGCords:“Se vários agentes comparticipam no facto, qualquer deles incorreem responsabilidade por contra-ordenação”

Desde 1995: autonomia da cumplicidade quanto à pena (16.º, n.º 3)

Doutrina: Eduardo Correia; Figueiredo Dias, Frederico Costa Pinto; Santos

Cabral e Oliveira Mendes; Soares Ribeiro; A. Leones Dantas.

CMVM: aplicou este critério em 6 processos de contra-ordenação.

TPIC: reconheceu a vigência do conceito extensivo em 4 sentenças.12

Page 13: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Jurisprudência do Tribunal Constitucional O conceito extensivo de autor nas contra-ordenações foi

expressamente acolhido e desenvolvido pelo TC:

Ac. TC (Plenário) n.º 99/2009, de 3 de Março;

Ac. TC (Plenário) n.º 405/2009, de 30 de Julho;

Ac. TC (Plenário) n.º 643/2009, de 15 de Dezembro.

Objecto: imputação de infracções a mandatários e responsáveispartidários por erros e omissões na apresentação de contas dospartidos políticos.

Importância destes três acórdãos:

São acórdãos do Plenário, votados por unanimidade;

Aplicam expressamente e por sua iniciativa o conceitoextensivo de autoria para delimitar a responsabilidade pessoal;

Abrangem responsáveis não executivos (“centros de decisão”);

Consideram a omissão de controlo causal em relação ao facto.13

Page 14: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Síntese final

1. A autoria mediata por domínio da organização numa empresanão está ainda consolidada na doutrina portuguesa e estrangeirae possui um risco considerável de incerteza de aceitação judicial.

2. A autoria mediata por domínio da vontade (controlo total dainformação) e erro do executor material (erro que inviabiliza ahipótese de recusa de colaboração no facto) é mais segura.

3. A figura da co-autoria revela mais capacidade para valorardiferentes colaborações concertadas e congruentes no âmbitode uma empresa, mas carece de algumas adaptações.

4. No Direito das contra-ordenações existem elementos denatureza legal, doutrinária e jurisprudencial que legitimam orecurso ao conceito extensivo de autoria.

5. O conceito extensivo de autoria revela maior aptidão paraarticular e valorar diferentes contributos de diferentes pessoaspor factos ocorridos dentro de estruturas empresariais.

14

Page 15: Imputação pessoal de factos praticados em entes colectivos · Autor é quem exerce um domínio positivo do facto típico. Na criminalidade de empresa o autor encontra-se no

Imputação pessoal e actuação através de entes colectivos

Frederico de Lacerda da Costa PintoMestre em Direito. Professor convidado da FDUNL

15