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ANA B. Impublicáveis Impublicáveis

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A N A B .

Impublicáveis

AN

A B.

Impublicáveis

Sextil Vênus SaturnoDance me to the end of love

Leonard Cohen

Poderia dormir um século na sua cama

Arrumar lençóis em super oito

Despedaçar super novas dar na sua boca

Comer de colher a via láctea num prato fundo.

Porque seu rosto (violinos violentos arrebentam)

Abriu abismos pelas mãos e respiramos.

Nenhum metro vai medir as rugas do poema.

Se estamos juntos

O tempo não passa da palavra

Paciência, as verduras são mais frescas pela manhã.

www.mobileditorial.com.br

ISBN 978-85-64502-06-2

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Impublicáveis

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A N A B .

Impublicáveis

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Copyright © 2011 Ana Beatriz Ferreira

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

EditorEduardo Coelho

Ilustração de capaAndrés Sandoval

Projeto gráfico e editoraçãoLeandro Collares | Móbile Editorial

Ferreira, Ana BeatrizImpublicáveis / Ana Beatriz Ferreira. — Rio de Janeiro : Móbile, 2011.

ISBN 978-8564502-06-2

1. Poesia brasileira. I. Título.

11-11157 CDD-869.91

Todos os direitos desta edição reservados àMóbile EditorialR. Senador Dantas, 80/1305Rio de Janeiro – RJ – 20031-922Tel.: (21) 2210-1787www.mobileditorial.com.br

Índices para catálogo sistemático:1. Poesia : Literatura brasileira 869.91

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

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SumárioA paixão segundo Ana B., por Júlio Diniz [7]

Língua, lânguida lâmina [ 13 ]

odim [ 14 ]

Se ao menos com o canto [15]

Bizarre love triangle [ 16 ]

Uma pomba que respira [ 17 ]

E-mail [ 18 ]

Exercícios sobre a carne [ 19 ]

um tempo para sua pausa [ 23 ]

Psique anoréxica e viciada se derrama para Eros

maldito [ 25 ]

Labirinto [ 26 ]

Certo perdeste o senso [ 29 ]

Aos pedaços [ 30 ]

Álvaro [ 34 ]

;) [ 35 ]

Desconserto [ 36 ]

O mundo no seu rosto [ 37 ]

Teu nome na minha cabeça [ 38 ]

Sextil Vênus Saturno [ 43 ]

Cada canto da sala escondia um pequeno abismo [ 44 ]

A casa era de araras [ 45 ]

Casa? [ 46 ]

Fol amour [ 48 ]

O poema entrou na cozinha [ 50 ]

Na calçada de chuva noturna [ 51 ]

Para a mão que escreve [ 52 ]

Sobre a autora [55]

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7

A paixão segundo Ana B.Júlio Diniz1

Este é o livro de estreia de uma jovem e talentosa poeta.

Ana B. faz parte de uma geração de artistas que, em

distintos campos da criação estética, vêm marcando de

maneira singular a cena cultural carioca.

A poesia ocupa hoje um lugar privilegiado nos

circuitos de produção e recepção da literatura con-

temporânea. No Rio de Janeiro, em particular, há

uma quantidade significativa de eventos, lançamen-

tos de livro e encontros espalhados pela cidade, onde

o debate e a performance dão a tônica. Paradoxal-

mente, não há um mercado editorial no Brasil que

numericamente reflita a quantidade de interessados

e entusiasmados pela poesia e seus derivativos.

No espaço pulsante dos embates que envolvem

alguns dos novos cenários da escrita, surgem ten-

dências, posturas e atitudes que reforçam a formação

de uma rede de criadores/leitores/críticos e incitam

a ocupação territorial por diversos “drives geracio-

nais”. É exatamente nesse novíssimo horizonte de

expectativas realocadas que se forma o que eu cha-

maria de coletivos poéticos entre a cena e a obs -cena.

São poetas -pensadores ou pesquisadores-

-artistas, de acordo com a ótica da análise, que cons-

troem a sua trajetória na errância entre a rua, os

pontos de cultura, os pilotis universitários, as redes

sociais, os espaços virtuais e as prateleiras da tradição

1 Júlio Diniz é professor de literatura e diretor do Departa-

mento de Letras da PUC -Rio.

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livresca. São poetas -professores, poetas -tradutores,

poetas -pesquisadores, poetas -intelectuais, poetas-

-bolsistas, poetas -empreendedores. São os novos

arquitetos da babélia cultural tão necessária a um

momento de renovação.

Ana B. lança o seu Impublicáveis nesse inte-

ressante e desejado momento de troca de guarda

do nosso anti -cânone pós -tudo. Entre prefixos que

se perdem no vazio da retórica midiática de nosso

tempo, a autora sabe, com firmeza e boa dosagem

de risco, tornar im o seu contencioso poético. Nes-

se sentido, Ana B. atravessa com mãos de tecelã e

coração de guerrilheira os fios finos que perpassam

a matéria ardente de que é feita a sua poesia. A for-

ça estruturante do conjunto de poemas que forma

o livro está concentrada no importante papel que o

corpo ocupa na economia da obra.

O corpo da escrita dialoga com a escrita do

corpo, sustentando a potência do texto na tensão

entre permanecer e rasurar, repetir e apagar, desa-

parecer e encenar. Os poemas têm formas distintas,

dicções diversas e confirmam a tendência da auto-

ra de tornar a sua escritura trapaça entre inominá-

veis, indizíveis, intocáveis e indecifráveis modos de

agir. Noturnos em alguns momentos, irônicos quase

sempre, os textos de Ana B. rascunham uma frag-

mentada cartografia de desejos que tem no mapa de

um erotismo abjeto o encontro do sagrado com o

profano. “Como a carne humana pode ser apetitosa”,

afirma um dos seus versos.

Essa praticante convicta do canibalismo das

influências e dos resíduos de incontáveis leituras

transforma todo um repertório complexo em takes

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cotidianos. Impublicáveis dialoga, com delicadeza e

astúcia, com as imagens, não do cinema ou do uni-

verso midiático audiovisual contemporâneo, mas do

imaginário como guindaste que iça e torna eretas e

firmes intenções e invenções. É na língua, músculo-

-devir que expele roça e nomeia, que Ana B. con-

segue transformar imagens em rumor, gagueira e

vibração.

Utilizando como recurso o sedutor título de

uma das mais conhecidas obras de Roland Barthes,

eu diria que Impublicáveis coleciona fragmentos de

discursos sobre o ato de escrever, a transitoriedade

dos amores, o erotismo, a loucura e o tempo como

matéria conflituosa da criação. O lirismo como na-

valha deixa na mão que escreve cicatrizes profundas.

No corpo expandido desse cortante lirismo, palavras,

versos, estrofes parecem tatuagens, desenhos inspi-

rados na plasticidade e materialidade das máscaras

nas quais o eu autoral se refugia. “A terceira pessoa

impõe disfarces”, lê -se em um dos seus poemas.

Trata -se de um livro ousado. Mais do que um

(des)encontro entre o mesmo e o outro, palavras e

coisas, intenções e gestos, Impublicáveis convida o

leitor para um exercício de sensibilidade e reflexão

pelos caminhos imprevisíveis da poesia como neces-

sária errância do tempo presente.

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...quando

Amor me inspira, atendo e, da maneira

que dentro o escuto, o vou manifestando

Dante

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Língua, lânguida lâmina

Em qual ponta te extremas?

Onde torce e estremece tecidos?

Qual sopro insufla para

tecer sentidos? quando insensíveis

Língua longa

Serpente tua dança destrincha

Manchas negras nos ossos

Buracos no sexo

Cáries nos dentes

Langorosa penetra no cerne

da carne indizíveis

(que arrastam correntes)

Lamberia tuas curvas teus acentos

tão etéreos

Língua insólita

Largando minúcias de amar e ferir

Alguma ponta te fecha?

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ODIM

I

Amar entre o sim e o silêncio

(Como são os anjos)

Ninguém sabe que

ler o asfalto lento

Áspero (faz saber do)

Abraço dourado

vermes precisos.

Fabrico maré miragem

(Miro no futuro

Cozendo restos de coisas podres

Que passam pelo dizer)

Fabrico casa noite

Nuvens de maçã

Extravio de urzes

Não medem abismos

Negros. Grita o fundo

Tão falso franco seu nome

(Entre o sim e o silêncio)

Aparecem os anjos.

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15

II

Rolos projetam na parede perversa

(minha cabeça)

Imagens distantes da casa de antes

(morada do amor)

Esculpidas em nuvens de maçã

(lances de sorte ao azar da queda)

Dos diamantes que explodem

Pelos braços borboletas de carne:

Cortes (secos) escorrem vertigens.

Por quais passos,

becos e bosques indecifrados

tua vida inteira

se deitará sobre a minha mentira?

Quantas gotas de ruína

É necessário destilar

Saliva sulfato de cádmio

(meu sopro),

te comoverá?

Se ao menos com o canto

Pudesse fixar algo como

seu espanto ou seu

espasmo

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16

Bizarre love triangle

Com delicadeza ela insistia meu amor

Amanhã não tem futuro

Mas se andassem muito apressados talvez tropeçassem

Se andássemos trôpegos

Ele queria um plano perfeito filmado por Tarkovsky.

A terceira pessoa impõe disfarces.

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Uma pomba que respiralà où je suis

Il se passe quelque chose

Ghérasim Luca

Será depois o fim do mundo.

Nos teus braços descanso,

Com o ventre descascado

Como se você fosse a serra

Que me parte e inverte.

Como se fosse o mar abrindo

Entrando saindo voltando

Será depois o que me parte

No ventre aberto como se fosse

Teus braços entrando no fim

Como se fosse descanso

O que me inverte

Abrindo partindo serrando

Descascado nos teus braços

Como se descansar no teu ventre

Fosse o fim do mundo voltando

Depois do que inverte o mar

Será saindo

Como se o fim fosse

Abrir o mar no teu ventre

Entrar por teus braços no mundo

Inverter o que me parte

.

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E-mail

Nunca mais não durmo a noite

Ar que te respiro, inspiro

Você no pó, na lama, no longe

Estranhando cinza a sombra

Líquida e só às cinco da manhã

Nunca mais lúcido o dia

Teus brancos raios dentes mortes

Roendo ossos e revólveres

Arrisco o gatilho

A guilhotina, um baseado

Nunca mais noite no dia

Tarde da noite dia de trevas

As três e quarenta qualquer

Me dê um retrato, um prozac,

Uma promessa

Uma gilete

Um infarto

Uma pedra

Um bocejo

Um cigarro

Um chiclete

Um chocolate,

Meu Deus!,

você por toda parte.

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Exercícios sobre a carne

I

Porque nenhuma palavra vai dizer

O que fica tenro e morno quando você respira

como a carne humana pode ser apetitosa.

Seria mais simples se fizéssemos os cortes certos

E sentados à mesa, polidamente, nos satisfizéssemos.

Mas somos animais

Nos rasgamos sempre.

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II

Escorrer cru entre esquinas

Tremor: tuas pálpebras oscilavam

no tempo, minguavam

enchiam

luas soltas

nada brandas.

(tudo o que escrevi foram palavras

e as palavras se foram, repetia incessante

numa tentativa exausta

de apreender o que fugia)

Escorrer cru pelo asfalto em ondas

como um mar de cabelos

um mar simples:

em movimentos vermelhos

mortos

egeu.

(talvez você se afogasse mas foi assaltado

Salto úmido fino frio envernizado,

longínquas viagens sem retorno.

Estamos mascarando o desespero)

Escorrer crimes plenos: crus pela calçada

Uvas amassadas na sola dos pés

teu nome ficava esperando um sentido

Quem sabe um fígado

ossos de pelúcia

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(Somos muito sensíveis para a tarefa

de engolir lâminas cuspir fogo

Mas gentilmente ele perguntou

Se poderia aplicar guizos nos seus sapatos).

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