Impressões sobre o filme “Melancolia”

Aqui trataremos de analisar trechos do filme Melancolia sob uma ótica fenomenológica, tomando a liberdade de escolher passagens que somem e se articulem com os textos lidos e discutidos em sala de aula acerca do pensamento fenomenológico.

Na primeira parte do filme temos vemos várias cenas fora de contexto que se repetirão ao longo do filme e parecem carregar grande significado para os personagens do mesmo ( e.g: um planeta gigante colidindo com a Terra). O tom soturno e em câmera lenta em que essas cenas são apresentadas, bem como a trilha sonora escolhida, que se repetirá várias vezes ao longo do filme, deixam uma primeira impressão do que esperar ao longo da história. O clima lúgubre logo é quebrado na cena posterior em que os noivos estão se dirigindo para seu casamento.

A atmosfera feliz de um casamento é, também, quebrada ao vermos que a personagem a se casar, Justine, até então agindo como se espera nessa ocasião, apresenta tal comportamento apenas por pressão dos familiares. O que vemos na personagem é um grande desinteresse nas festividades e em seu noivo e inclinação à querer estar só. A personagem se queixa à seus pais de dores e expressa o desejo de conversar com eles. O comportamento que os pais demonstram (a mãe é uma pessoa dura e fechada e o pai, aparentemente, descompromissado) nos faz divagar se os sintomas de Justine não são o ápice de algo que vem sendo construído desde a infância em sua casa. Podemos ver aqui que as queixas de dor no corpo de Justine, bem como seu comportamento com as outras pessoas (não querer estar perto das mesmas e nem com seu noivo), remetem às observações de van den Berg em O Paciente Psiquiátrico. Numa passagem muito memorável deste texto van den Berg afirma que seu paciente não consegue ter contato real com pessoa alguma. Essa falta de contato se evidencia definitivamente quando o noivo de Justine deixa o casamento, parecendo entender que ela não o amava realmente.

A segunda parte do filme é voltada também à irmã de Justine, Claire. Claire é casada e tem um filho. Esta se vê, logo após o casamento fracassado da irmã, tendo que cuidar de Justine, devido à extrema apatia que se instala na mesma. O marido de Claire parece ter muita fé na ciência contemporânea e é um estudioso dela. Ele que a conforta quando Claire começa a se preocupar com um planeta desgarrado que está vindo em direção à terra. Esse planeta, sugestivamente, se chama Melancholia.

Queremos aqui sugerir que sob a perspectiva de Claire a história que se segue parece conter alegorias e recursos simbólicos para a trama. Claire e Justine são irmãs e, como já foi mencionado, parecem ter sido criadas num lar disfuncional. Claire tem plena consciência da doença da irmã mas ao longo de sua história veremos que os desdobramentos da trama levam Justine a apresentar um comportamento que entendemos como normal e Claire a apresentar muitos dos sintomas entendidos como doença. As imagens desconexas do início do filme vão aparecer na história de Claire tendo como pano de fundo a chegada de Melancholia e possível destruição da Terra.

No início de sua história Claire já demonstra uma certa ansiedade com as notícias sobre o planeta que está vindo em direção à Terra. Seu marido a conforta dizendo que cientistas calcularam a rota do planeta e que este não colidirá. Com essa certeza, a ansiedade de Claire diminui e ela passa a voltar a atenção para Justine, que não sente vontade de fazer nada, nem mesmo comer. Justine, no entanto, ao saber da chegada desse planeta, começa a apresentar melhora. Concomitantemente, Claire começa a apresentar uma ansiedade cada vez mais elevada, principalmente quando, no dia do planeta passar pela Terra, seu empregado falta ao trabalho e seu marido começa demonstra dúvida quanto ao prognóstico dos cientistas. Quando o planeta se aproxima pela primeira vez da Terra, Claire tem falta de ar, mas seu marido ainda está confiante de que nada vai acontecer. Quando, no dia seguinte, o planeta volta a se aproximar da Terra, o marido de Claire se suicida. Surrealmente, Claire parece não dar a importância a esse acontecimento que julgaríamos adequada. Ao invés disso, começa a se preparar para o fim não anunciado, submetendo à Justine idéias de como deveriam morrer. Justine rejeita as idéias de sua irmã e parece manter a sobriedade em face da tragédia. Ao ver Melancholia se aproximar Claire de desespera e tenta fugir para a vila com seu filho. Acaba não conseguindo e volta para sua casa, passando pelo buraco 19 no campo de golfe. Finalmente, o filme atinge o ápice quando Melancholia atinge a Terra enquanto Claire, seu filho e Justine está sob uma armação de galhos de mãos dadas.

Dissemos anteriormente que o filme parece apresentar alegorias. Nossa impressão é baseada em algumas cenas como o buraco 19 no campo de golfe. Foi dito duas vezes ao longo do filme que o campo de golfe só tinha 18 buracos. O planeta chamado Melancholia poderia ser entendido como a doença melancolia se aproximando. Esta alegoria permitiria entender os ataques de ansiedade, falta de ar e desespero de Claire, a apatia e aceitação do destino lúgubre de Justine, bem como o suicídio do marido de Claire, até então muito confiante de que a melancolia não os atingiria e só deu cabo da sua vida quando não encontrou mais motivos para acreditar no futuro. Ou seja, a chegada da melancolia afetaria à todos, mas sob a perspectiva de Claire, ainda mais catastroficamente.

O que foi dito no parágrafo anterior parece se ajustar também às formulações de Minskowski e von Gebsattel sobre pacientes melancólicos, em que os pacientes percebem o tempo como um refluxo da corrente temporal. Assim, o futuro se percebe como bloqueado e o presente é sentido como estancado.