implante coclear e bilinguismo

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O DESAFIO DE APROXIMAÇÃO ENTRE A TECNOLOGIA DO IMPLANTE COCLEAR E O BILINGUISMO PARA OS SURDOS TSUKAMOTO, Neide Mitiyo Shimazaki 1 GUZZO, Adriana de Mello 2 Grupo de Trabalho – Comunicação e Tecnologias Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este artigo apresenta os resultados de reflexões realizadas pelos pais surdos que optaram em utilizar a tecnologia do Implante Coclear (IC) para seus filhos surdos, como um recurso de apoio para potencializar a forma bilíngue de expressão comunicativa. Considera-se a concepção bilíngue, isto é, a primeira língua dos surdos é a Língua de Sinais, no Brasil, a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e a segunda língua dos surdos é a Língua Portuguesa, como a abordagem que respalda a cultura, a identidade e a comunidade surda. Para tal, este estudo de caso utilizou-se a técnica da entrevista para a coleta de dados, mediada por Libras, com quatro pais de filhos surdos com IC. Os pais relatam os aditamentos observados nos seus filhos com IC e assinalam como um recurso que contribui para acessar aos saberes universais processados em diferentes contextos, em especial, na educação. Realçam a função de significar os sons percebidos eletronicamente, com a compreensão de sons ambientais produzidos ao meio de inúmeros fundos ambientais. Também, os pais destacam que, com o uso IC consente aos surdos adquirir a linguagem, processadas na construção de hipótese, nas elaborações de argumentos, nas reorganizações discursivas, enfim, favorecendo a autonomia na comunicação com ouvintes em Língua Portuguesa e com surdos em Libras. Tais constatações, confirmam a necessidade compor novos referenciais para os esclarecimentos dos conflitos existentes entre as visões clínica-terapêutica e sócio-pedagógica, com bases no direito e na liberdade de escolhas pessoais. Assim, esta pesquisa evidencia a necessidade de esclarecimento e conhecimentos sobre o IC, como um dos meios para a emancipação dos sujeitos surdos enquanto sujeitos sociais e negar os benefícios seria um retrocesso para a formação cidadã dos surdos, por assim considerar e concluir que o IC representa um aparato da sociedade do conhecimento. Palavras-chave: Surdez. Bilinguismo. Implante Coclear. 1 Doutoranda em Educação: Teoria e Prática Pedagógica na Formação de Professores pela PUCPR. Professora pela Secretaria de Estado da Educação (SEED-PR). Pesquisadora pela PUCPR. E-mail: [email protected] 2 Especialista em Libras. Graduada pela Universidade Federal do Paraná em Letras Libras. Professora de Libras. E-mail: [email protected].

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Implante Coclear e Bilinguismo

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  • O DESAFIO DE APROXIMAO ENTRE A TECNOLOGIA DO IMPLANTE COCLEAR E O BILINGUISMO PARA OS SURDOS

    TSUKAMOTO, Neide Mitiyo Shimazaki1

    GUZZO, Adriana de Mello2

    Grupo de Trabalho Comunicao e Tecnologias

    Agncia Financiadora: no contou com financiamento Resumo Este artigo apresenta os resultados de reflexes realizadas pelos pais surdos que optaram em utilizar a tecnologia do Implante Coclear (IC) para seus filhos surdos, como um recurso de apoio para potencializar a forma bilngue de expresso comunicativa. Considera-se a concepo bilngue, isto , a primeira lngua dos surdos a Lngua de Sinais, no Brasil, a Lngua Brasileira de Sinais Libras, e a segunda lngua dos surdos a Lngua Portuguesa, como a abordagem que respalda a cultura, a identidade e a comunidade surda. Para tal, este estudo de caso utilizou-se a tcnica da entrevista para a coleta de dados, mediada por Libras, com quatro pais de filhos surdos com IC. Os pais relatam os aditamentos observados nos seus filhos com IC e assinalam como um recurso que contribui para acessar aos saberes universais processados em diferentes contextos, em especial, na educao. Realam a funo de significar os sons percebidos eletronicamente, com a compreenso de sons ambientais produzidos ao meio de inmeros fundos ambientais. Tambm, os pais destacam que, com o uso IC consente aos surdos adquirir a linguagem, processadas na construo de hiptese, nas elaboraes de argumentos, nas reorganizaes discursivas, enfim, favorecendo a autonomia na comunicao com ouvintes em Lngua Portuguesa e com surdos em Libras. Tais constataes, confirmam a necessidade compor novos referenciais para os esclarecimentos dos conflitos existentes entre as vises clnica-teraputica e scio-pedaggica, com bases no direito e na liberdade de escolhas pessoais. Assim, esta pesquisa evidencia a necessidade de esclarecimento e conhecimentos sobre o IC, como um dos meios para a emancipao dos sujeitos surdos enquanto sujeitos sociais e negar os benefcios seria um retrocesso para a formao cidad dos surdos, por assim considerar e concluir que o IC representa um aparato da sociedade do conhecimento. Palavras-chave: Surdez. Bilinguismo. Implante Coclear.

    1 Doutoranda em Educao: Teoria e Prtica Pedaggica na Formao de Professores pela PUCPR. Professora pela Secretaria de Estado da Educao (SEED-PR). Pesquisadora pela PUCPR. E-mail: [email protected] 2Especialista em Libras. Graduada pela Universidade Federal do Paran em Letras Libras. Professora de Libras. E-mail: [email protected].

  • 4804

    Introduo

    No meio educacional, desde a dcada de 1990, evidenciam-se a discusso em

    viabilizar uma proposta de educao menos discriminatria, mais inclusiva e direcionada a

    todos, independentemente das condies que os aluno se apresentem.

    Abordar o tema da incluso escolar, para Albuquerque (2011), implica em reconhecer

    as esferas das polticas pblicas que norteiam a educao inclusiva, que se identificam entre

    os que so favorveis a incluso escolar dos alunos com deficincias sensoriais, sobretudo de

    alunos com surdez, que advogam pelo direito a uma educao especfica, na luta de

    reconhecer os surdos como um grupo social distinto, devido especificidade lingustica.

    Fernandes (2003) recorre a anlise scio-histrica, na qual constata que na

    Antiguidade j se referia a comunicao diferenciada entre os surdos, em contraposio ao

    etnocentrismo oralista fundadas nos paradigmas culturais dos ouvintes. Tambm, destaca que

    a lngua de sinais utilizada pelas pessoas surdas oferece os elementos simblicos essenciais ao

    desenvolvimento das funes psquicas superiores, como o pensamento, a memria, a

    formao e a generalizao de conceitos.

    Para Felipe (2007) o sujeito surdo deve ser considerado pela sua diferena que se

    manifesta pela sua lngua natural que a Lngua de Sinais, no Brasil, a Lngua Brasileira de

    Sinais Libras, a sua cultura e identidade na comunidade surda, compreendida como o espao

    de partilhar os valores e comportamentos.

    Tais afirmaes encontram amparo nas legislaes, que reconhece a Libras em

    territrio nacional pela Lei n 10.436, de 24 de abril de 2002, sancionada em 22 de dezembro

    de 2005, o Decreto Federal n 5.626/2005, como a lngua oficial dos surdos (BRASIL, 2005).

    Em temos educacionais, Santos (2010), aponta para a educao bilngue, isto , a

    lngua de sinais como primeira lngua e a segunda lngua, a Lngua Portuguesa, como meio e

    direito dos sujeitos surdos em acessar os conhecimentos acadmicos, na consecuo das

    crianas surdas, ao nascer, terem o primeiro contato com pais fluentes em Libras, para que

    no tenham prejuzos no desenvolvimento da linguagem e nas expresses dos seus

    pensamentos e sentimentos.

    Do ponto de vista da cultura ouvinte e dos gestores em saude, a utilizao do IC

    representam possibilidade de utilizao da capacidade auditiva, possibilidade na aquisio da

    lngua oral, independncia na comunicao, entre outros benefcios. Todavia, na comunidade

    surda, que busca o reconhecimento s diferenas lingusticas, o uso do recurso do Implante

  • 4805

    Coclear (IC) tm sido criticadas. At o momento, as posies tem sido unilateral, isto , a

    comunidade surda so contra o IC, de maneira que, as discusses sobre o uso do IC como um

    recurso de apoio para a disseminao da abordagem bilngue no so expressivas.

    Esclarecem Quadros, Cruz e Pizzio (2012) que as crticas direcionados ao surdos

    implantados decorrem em razo dos processos de aquisio, de interao e de

    aperfeioamento audio e linguagem acompanham a estruturas de desenvolvimento de

    linguagem da Lngua Portuguesa, nas quais, os objetivos propostos so elaborados para

    equipar os resultados de linguagem s crianas ouvintes monolngues.

    Assim, neste estudo, considera-se relevante iniciar as reflexes sobre o aproveitamento

    do IC como um recurso tecnolgico que corroboram com os resultados das pesquisas de

    Quadros, Cruz e Pizzio (2012, p.185) que mostram a importncia de garantir s crianas

    surdas com implante coclear o acesso irrestrito Libras.

    Para tal, nesta investigao, o recurso do Implante Coclear concebida como um

    apoio na formatao da cultura, identidade e comunidade surda, em especial, na condio de

    aquisio da segunda lngua Lngua Portuguesa para surdos de pais surdos, para respaldar a

    aquisio e o aprimoramento dos saberes universais que contribuem para a formao humana,

    de natureza cientfica e no simplificada na viso reducionista.

    Sugere-se um novo modelo compatvel com a sociedade do conhecimento, com bases

    nas Tecnologias Digitais, sobretudo, que viabilizem a participao efetiva dos surdos como

    cidados, com base nos estudos sobre IC para surdos de pais surdos dentro da filosofia

    bilngue.

    A surdez e os aspectos conceituais

    O movimento mundial de priorizar a incluso social e escolar de pessoas com

    necessidade educacionais especiais, sobretudo com surdez, traz a necessidade de revisar as

    concepes ambivalentes e confusas construdas na trajetria da humanidade.

    A forma de pensar e relatar a surdez ainda so mltiplas e variadas. Autores como

    Quadros (1997), Perlin (2005), Strbel (2007), entre outros, sistematizam em dois grandes

    modelos de concepes que definem a pessoa com surdez: a surdez na concepo clnica-

    teraputica e a surdez na perspectiva pedaggica e social.

  • 4806

    Na concepo clnica-teraputica, utiliza-se o termo deficiente auditivo para

    conceituar as pessoas com surdez e com as devidas orientaes interagem com os ouvintes

    por meio de comunicao oral apoiados na audio residual e dos recursos das tecnologias

    digitais. Enquanto que a surdez na concepo pedaggica cultural, utiliza-se o termo surdo

    e o concebe como um sujeito scio-antropolgico cultural capaz de decidir seu futuro e de ter

    autonomia de deciso assegurada pelo uso da Lngua de Sinais (PERLIN, 2009).

    No seu Pargrafo nico do Decreto 5626/2005 diz que considera-se deficincia

    auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibis (dB) ou mais, aferida por

    audiograma nas frequncias de 500 Hertz (Hz), 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz (BRASIL,

    2005). Nesse enfoque, o nvel de perda baseado na unidade de medida denominada decibel

    (dB), que indica a intensidade e o volume dos sons obtida por meio de realizao de

    audiometria para identificar os diferentes graus de perda auditiva e tipo de surdez. O referido

    pargrafo precede concepo clnica-teraputica. No entanto, nas demais prerrogativas,

    estabelecem-se as normas para a concepo sociocultural da surdez.

    Distingui Sander (2012, p. 75) que na concepo do bilinguismo, a surdez no gera

    limitaes uma vez compreendida como uma diferena marcada pelo uso de lngua de

    sinais e, tambm, que no exclui o aprendizado da modalidade oral da lngua, simplesmente

    a oralidade deixa de ser o nico objetivo a ser perseguido.

    Diante o exposto, evidencia-se que neste estudo no se tem a inteno de privilegiar

    uma ou outra concepo, mas como conhecimento integrante das questes associadas

    surdez, conjecturados em todas as dimenses do conhecimento, como instrumentos para que a

    sociedade e os seus setores compreendam a diferena e a necessidade de construir referenciais

    de pesquisas baseados na parceria colaborativa entre as abordagens, ou seja, ver o sujeitos

    surdos na reais necessidades e nas potencialidades funcionais.

    Vale destacar a importncia de conhecer os recursos tecnolgicos, sobretudo o IC

    como um meio que permita aos surdos de pais surdos valorizar da filosofia bilngue articulada

    nas interaes sociais.

    O surdos e o Implante Coclear

    Como j expostos, a luta pela diferena lingustica identificam concepes de surdez a

    partir de pontos distintos, como do ponto de vista clnico, do educacional e do cultural. A

  • 4807

    utilizao de recursos tecnolgicos, como os Aparelhos de Amplificadores Sonoras

    Individuais (AASI), Implante Coclear e Sistema FM elucidam o foco na concepo

    considerada clnica-teraputica, pois representam meios tecnolgicos que possibilitam s

    pessoas com surdez se apropriam da linguagem oral.

    Mesmo na concepo clnica, h mudanas de vises. O diagnstico clnico da surdez,

    segundo Di Nubila (2006) enquadra-se nas duas classificaes de referncias para a descrio

    dos estados da sade: a Classificao Estatstica Internacional de Doenas e Problemas

    Relacionados Saude (CID) 10 e a Classificao Internacional de Funcionalidade;

    Incapacidades e Saude (CIF).

    A Organizao Mundial da Saude (OMS) em 2003, passou a utilizar o CIF em

    valorizao dos aspectos funcionais da audio e para que certos termos, como deficincia e

    limitao, no constituam impedimentos para a promoo da sade. Assim, Daher (2008),

    representante do Ministrio da Saude no Brasil, elenca um rol de portarias regularizando os

    procedimentos clnicos para as aes da Poltica Nacional de Ateno Saude Auditiva e o IC

    consiste um destes procedimentos.

    O IC, definidos por Bevilacqua, Moret e Costa (2011) como um dispositivo eletrnico

    de alta tecnologia, tambm conhecido como ouvido binico, que estimula eletricamente as

    fibras nervosas remanescentes, permitindo a transmisso do sinal eltrico para o nervo

    auditivo, afim de ser decodificado pelo crtex cerebral. O implante coclear consiste em dois

    tipos de componentes interno e externo, conforme apresenta a Figura 1. O componente

    interno inserido no ouvido interno por meio de ato cirrgico e composto por uma antena

    interna com um im, um receptor estimulador e um cabo com filamento de mltiplos

    eletrodos envolvido por um tubo de silicone fino e flexvel.

  • 4808

    Figura 1 Implante Coclear Fonte: Maria Ceclia Bevilacqua. In: www.implantecoclear.com.br. Acesso em 12 fev.2013

    Almeida-Verdu, Souza e Bevilacqua (2008) apresentam a avaliao da natureza e da

    qualidade de estmulos sonoros feitas com pessoas com surdez neurossensorial bilateral pr-

    lingual, isto , surdez ocasionado por desordens do ouvido interno bilateral, no perodo que

    antecede aquisio de linguagem, que passaram a utilizar o IC.

    As autoras revelam que, mesmo para pr-linguais, os benefcios do recurso do IC tm

    sido imediato e tem permitido a deteco de sons ambientais captados por meio de microfone,

    demonstrado na Figura 2, que os transformam eletricamente em algoritmos eletrnicos, que

    so enviados a uma antena, transmitindo a informao ao implantes e ao feixe de eletrodos

    que estimulam e as informaes chegam s clulas do nervo auditivo proporcionando a

    sensao auditiva.

    Figura 2 Dispositivos internos e externos

    Fonte: Maria Ceclia Bevilacqua. In: www.implantecoclear.com.br. Acesso em 12 fev.2013

    Moret, Bevilacqua e Costa (2007) atentam que o maior desafio do IC no se relaciona

    ao dispositivo que permite ao surdo a escutar, mas, se os sons que iro escutar vo ter

    significados para os implantados. Afirmam que os benefcios do recurso depender das

    condies de aprendizagem de cada sujeito e

    os aspectos que influenciaram o ganho nas categorias de audio e de linguagem das crianas implantadas foram a idade da criana, o tempo de privao sensorial auditiva, o tempo de uso do implante coclear, o grau de permeabilidade da famlia no processo teraputico, o tipo de implante coclear e a estratgia de codificao da fala utilizada (p. 10).

  • 4809

    Na considerao de que o IC consiste em recursos de tecnologia que auxilia o crebro

    a interpretar os estmulos sonoros, devolvendo o sentido ao paciente, o Ministrio da Saude

    tem se responsabilizado pela interveno cirrgica, considerada de alta complexidade

    hospitalar (DAHER, 2008).

    Apesar dos riscos, os dados do Ministrio da Sade mostram, em 2009, foi de R$

    538,4 milhes 315% superior ao total investido em 2002. Pela Portaria Coletiva, o POC-35,

    de 1999, o Implante Coclear e Deficincias Auditivas passa a ser de responsabilidade do

    Ministrio da Saude, por meio do Fundo de Aes Estratgicas e Compensao (FAEC)

    constados na Portaria MS/SAS N. 503, de 03/09/99, o que significa que, como parte da

    assistncia s pessoas com deficincia auditiva, a tecnologia de IC tem sido financiadas pelo

    Sistema nico de Saude (SUS) (BRASIL, 2001).

    Padovani (2008, p. 355) destaca que o IC permite o desenvolvimento de diversas

    funes do sistema auditivo que permitem ao indivduo no apenas perceber os sons de sua

    lngua, como tambm propiciar o desenvolvimento da linguagem. O apoio ao

    desenvolvimento do processamento auditivo, isto , aprender a escutar, que iro organizar o

    sistema lingustico e

    no se pode generalizar os resultados de aquisio e desenvolvimento de linguagem por crianas surdas implantadas ou mesmo usurias de outros dispositivos de amplificao sonora[...]. No entanto, parece no haver dvidas de que, para grande parte das crianas, o implante coclear possibilita acrscimo no ritmo de desenvolvimento da linguagem e a possibilidade de eventualmente alcanarem nveis aproximadamente normais de competncia (p.358)

    De forma que, os surdos implantados requer ateno intensa, principalmente na fase

    ps-operatria e depois no sentido de significar e processar os sons captados no crebro.

    Almeida-Verdu, Souza e Bevilacqua (2008) indicam terapias especficas, com fins de

    aprender a escutar os sons do mundo, que podem ser individual e terapia conjunta. Ressaltam,

    tambm, que o acompanhamento deve ser realizado por equipe multiprofissional, que inclui o

    mapeamento e balanceamento de eletrodos e telemetria de respostas neurais.

    Isto posto, pressupe-se que os resultados condiz com a afirmao de Quadros, Cruz e

    Pizzio (2012) que constatam que as pesquisas no segmento dos usurios de IC se focam no

    desenvolvimento da lngua oral e em contextos orais. No negam os benefcios do IC, mas

    advogam pela apropriao de Libras pelos implantados.

  • 4810

    Afirmam as referidas autoras que nenhuma investigao cientfica examinou ainda o

    desenvolvimento de uma lngua de sinais e de uma lngua oral enquanto dois sistemas de uma

    criana bilngue, comparando-as com a situao bilngue natural vivenciada por filhos

    ouvintes, de pais surdos (p.187).

    Tais constataes requer a compreenso de que a Libras um direito lingustico

    adquirido pelos surdos, que se mesclam aos outros desafios que surgem quando se quer

    transpor ao conceito do senso comum.

    Caminhos investigativos sobre as aproximaes entre o bilinguismo do implante coclear

    A investigao foi realizada a partir da necessidade de buscar informaes sobre os

    benefcios do IC, na proposio inicial de constituir apoio para a concepo bilngue

    abarcando filho surdo de pais surdos. De maneira que, esta pesquisa se caracteriza como

    sendo qualitativa e de carter de estudo de caso simples que aborda situaes inditas e

    contemporneas, na principal preocupao de estabelecer a interao entre fatores e eventos,

    com finalidade de se analisar o objeto apreendido na dinmica social (YIN, 2005).

    Como instrumento de coleta de dados utilizou-se da tcnica da entrevista, que

    segundo Lankshear e Knobel (2008), constitui uma forma de coleta de dados na pesquisa

    qualitativa. Entre as interaes indicadas pelos autores para conduzir a entrevista, escolheu-se

    a realizao presencial, na qual, o entrevistador e o entrevistados utilizaram-se de Libras, ao

    invs de dados verbais, reuniu-se dados sinalizados, em virtude do pblico-alvo constitudo de

    surdos.

    Na verdade, s caractersticas do pblico-alvo, formado por quatro pais surdo de filhos

    surdos com IC, definiram-se os encaminhamentos das entrevistas, que exigiu interaes

    planejadas e combinadas entre o entrevistador e o entrevistado, para que se concretizem em

    dados cientficos.

    Na fase de organizao que precedeu a realizao da entrevista, exigiu contato prvio

    feita via e-mail e envio de torpedos nos celulares. Confirmada a disponibilidade, exigiu a

    elaborao de um texto de instruo, que dentro dos gneros textuais da Lngua Portuguesa,

    no caso, a segunda lngua para os surdos, explicita visualmente o passo a passo da realizao

    da entrevista, e destacam os objetivos da entrevista e a inteno de formalizar a pesquisa.

    Foram enviadas para quinze (15) sujeitos surdos, mas, quatro (4) retornaram.

  • 4811

    Aps as confirmaes dos quatro (4) participantes as participaes elaborou-se o

    roteiro de perguntas e disponibilizadas antes da data marcada para a entrevista. A entrevista

    foi realizada em lngua de sinais Libras, de domnio da entrevistadora, que registrou na

    cmera fotogrfica digital, em formas de fotos e filmagens, para as transcries das

    entrevistas. Os textos transcritos foram retextualizados e apresentados para a apreciao e

    aprovao dos entrevistados.

    As primeiras questes do roteiro se referiam aos aspectos biolgicos da surdez, como a

    causas, histrico na famlia e perodo em que ocorreu a surdez. O bvio se confirmou, os pais

    e filhos tm a gentica como a principal causa biolgica da surdez, em que os casos se

    enquadram em surdez pr-lingual, isto , nenhum dos quatro filhos surdos tiveram contato

    com a Lngua Portuguesa oral, o que significa que eles, segundo Bevilacqua, Moret e Costa

    (2011) no tm a memria auditiva como apoio na aquisio da linguagem.

    Codifica-se, neste estudo, os pais com a letra P e mais o nmero, em respeito

    preservao dos autores e a tica da pesquisa, que no questionamento: por que vocs optaram

    em fazer o IC? No seria uma deciso que foi contra a comunidade surda? as respostas foram:

    P1: Porque eu acho que um recurso tecnolgico maravilhoso que melhora a vida de surdos. Ele tem opo de conviver com os ouvintes e conosco, na comunidade surda e ele ensina os vocabulrios em Libras para ns. Sei que a comunidade surda contra. Muitos surdos me disseram que o meu filho ia morrer louco, por causa do barulho que ele ia ouvir, mas acho que falta informao. P2: Meu sonho era que ela fizesse o IC, para ela no sofrer tanto com a falta de comunicao e compreenso do que falado. Eu sempre sou criticada por isso. Muitos surdos j me acusaram de traio e de dizer que falta de identidade surda, mas o que eu quero a felicidade da minha filha. P3: Eu pesquisei muito na internet a respeito do IC e vi que realiza muito nos Estados Unidos e acreditei nos mdicos do Brasil.

    As respostas revelam o sentido de proteo natural dos os pais que querem evitar os

    constrangimentos dos filhos, que sofrem com as ambiguidades entre as questes relativas s

    lutas pela identidade surda e as questes que diz respeito a possibilidade de conseguir a

    apropriao da Lngua Portuguesa e a autonomia comunicativa, que acima de tudo, denuncia a

    resistncia social reincidente.

    P4: Ns s queremos a felicidade dos filhos, e no queria que eles sofressem como sofri com a falta e comunicao. Acho que o mundo no est preparado para aprender a lngua de sinais e ns ficamos muitos sozinhos.

  • 4812

    Na pergunta, como voc v o seu filho com IC? As afirmaes revelaram a gratido

    dos filhos.

    P1: Ele me agradeo toda vez que pose. Ele diz obrigada mame, voc inteligente. Eu o vejo feliz, pois, aumentou as possibilidades de acompanhar o mundo dos ouvintes. Ele at sabe outra lngua e toca um instrumento musical! Sem IV seria impossvel este aprendizado. P2: Eu vejo que ela feliz. J me disseram que surdo com IC morre de depresso e cometem suicdio, mas isso deve ser de cada pessoa. A minha filha feliz e ele se desenvolve cada vez mais com ajuda do IC.

    O segundo depoimento acima revelam a falta de conhecimento que tem como base a

    verdade do senso comum, sem fundamento cientfico, contrrio afirmao de Bevilacqua,

    Moret e Costa (2011), o IC recursos fantstico para a autonomia do sujeito surdo. Em relao

    a opinio da famlia tambm corrobora com a autora.

    P3: O pai e a minha famlia esto felizes, pois, agora ele ensina a famlia inteira, tenta me ensinar ingls, tambm, me ensina sinais novos. Ele inteligente demais. P4: Ela brinca com as meninas que escutam como se fosse ouvinte. Fico surpresa. Ela sabe escrever cartas e redaes e gosta de ler. Imagine isto para os surdos antigos....

    Na questo sobre a vontade de divulgar os resultados positivos do uso do IC na

    comunidade surda, as respostas foram:

    P1: No. Porque falta conhecimento e as vezes a comunidade surda muito radical, no d para mostrar e dialogar com eles. Na verdade eles no tiveram filho com IC para ver os resultados. Eu no gostaria de relatar como IC bom, s ser for em outro estado ou outra cidade, aqui no. P2: No. Eles j me criticam em pblico, foi bem chato [...] seria mais um motivo para discutir e de me acusarem de traidora e de sem identidade. P3: No sinto preparado para enfrentar os que so contra, que so muitos e acreditam que o IC no bom, que coisa de ouvintes. P4: No quero divulgar, porque j tentei, mas eles no querem enxergam os avanos da minha filha. Parece que eles tem cimes de ver meu filho escutando e sabendo o que escuta.

    As respostas se complementam nos relatos livres quando perguntado se tem algo a

    dizer:

    P1: Sim. O IC s vem a ajudar os filhos surdos de pais surdos, pois eles trazem conhecimentos adquirido na mundo ouvinte e ele sabe que surdo, mas o recurso

  • 4813

    permite desenvolver e avanar no conhecimento. Sei que ele vai chegar na universidade, dentro de uma escolaridade de verdade, pois ele fala outra lnguas, tambm toca msica e adora danar. . P2: Sim. Gostaria que os surdos que criticam olhassem o IC como um recurso tecnolgico que auxiliam os surdos a aprender o que todos outros alunos ouvintes aprendem. Com isso, acho que diminui a dificuldade na comunicao, na compreenso dos problema, e d chance dos surdos ser mais independentes. P3: No critiquem o que no conhece. Procurem ver os surdos implantados e como ele tem nos ajudado. Eu me emociono todas as vezes que o meu filho me ensina em Libras o que ele escutou. P4: No precisa ter medo de fazer IC. Ningum morre por isso. Ruim ficar sem apoio e ficar preso a um conceito e morrer na ignorncia. No vejo mal nenhum em ser implantados e ser bilngue. .

    As respostas revelam uma intransigncia e falta de conhecimento sobre o IC e os

    benefcios que trazem para os surdos, quando na verdade poderia associar o IC com o

    desenvolvimento e disseminao das Libras.

    A defesa da apropriao e utilizao das Libras, mesmo para os implantados,

    corrobora com os estudos Quadros, Cruz e Pizzio (2012) que apresentam os resultados de

    forma qualitativa e quantitativa indicando um contraste entre os dois grupos, mas com uma

    diferena na performance da criana surda com IC, filha de pais surdos e complementam que

    a anlise dos resultados revela que a criana surda com implante coclear com acesso irrestrito Libras apresenta desempenho muito prximo das crianas bilngues bimodais ouvintes na Libras e no Portugus, resultado diferente das crianas surdas com implante coclear com acesso restrito Libras, que apresentam desempenho inferior no Portugus e nos padres fonolgicos da Libras, sendo que mesmo com acesso restrito Libras estas crianas conseguem atingir desempenho melhor na Libras. (p.1)

    De tal maneira que revelam que estamos no incio de uma grande batalha: da aceitao

    de dilogo a respeito do IC com a comunidade surda como sendo benfico concepo

    bilngue e a aceitao da inovao tecnolgica em prol autonomia dos sujeitos surdos.

    Consideraes finais

    Os resultados das entrevistas revelam que os surdos implantados fazem uso da

    audio, da linguagem oral e das Libras e com qualidade interativa igual e, alguns casos,

    superior as dos ouvintes.

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    Todavia, ainda a comunidade surda encontra-se em tempo de consolidar as ltimas

    conquistas sobre o direito de ser diferente na expresso de uma lngua prpria, na qual, torna-

    se compreensvel que no coloquem em pauta as discusses sobre as possveis aproximaes

    entre os recursos tecnolgicos, o IC, e o bilinguismo, sem desvincular do conceito clssico de

    ser uma tendncia clnica-teraputica.

    De maneira que intensificam-se a necessidade de se ultrapassar as discusses de

    campos distintos de conflitos entre a viso clnica da scio-pedaggica, que constituam

    estudos que articulem o direito de s escolhas e no eliminem umas s outras, por considerar

    o IC como um aparato da sociedade do conhecimento amparadas por tecnologias e neg-las

    seria um retrocesso para a formao cidad dos surdos.

    A pesquisa teve os propsitos alcanados, na certeza de que ir confrontar com

    desafios e discordncias, mas, na veemncia de que o conhecimento e o esclarecimento das

    possibilidades e dos benefcios do IC precisam tornarem-se pblico, por fim, derrubar os

    mitos em torno dos implantados.

    Assim, espera-se que consolidem espaos para discusses entre os surdos implantados,

    a comunidade surda e a sociedade, que utilizem o IC como bases para uma educao bilngue

    de qualidade, o que j oficial.

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