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RESUMO O traumatismo é uma importante causa de complicações do implante coclear nas crianças. Deste, pode resultar a necessi- dade de remoção do implante coclear e posterior reimplantação coclear. Quer pelo procedimento cirúrgico de reimplantação quer pela ausência de estimulação auditiva associada podem surgir alterações da perceção auditiva e da fala. Os autores apresentam um caso clínico que descreve a ocor- rência de uma complicação relacionada com o implante co- clear, bem como as suas consequências em termos de perceção da fala. A ausência temporária de estimulação pode condicionar perturbações importantes na perceção da fala e discriminação auditiva. Contudo, o processo de reimplanta- ção parece vencer essas dificuldades. PALAVRAS-CHAVE: Implante coclear, Complicações, Trau- matismo, Perceção da fala. ABSTRACT Head injury is a common complication of cochlear implanta- tion in children. Sometimes a re-implantation surgery is needed. Because of the surgery or even the lack of auditive stimulation it can result in decreased speech perception. The authors present a case report related with head injury as a complication of cochlear implant and its consequences in speech perception. The temporary absence of stimulation may cause a serious dis- ruption in speech perception and auditory discrimination. However, the process of re-implantation seems to overcome these difficulties. KEY-WORDS: Cochlear implant, Complications, Traumatism, Speech perception. AUDIOLOGIA IMPLANTE COCLEAR - ESTARÃO AS SUAS COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS A ALTERAÇÕES DA PERCEÇÃO DA FALA? COCHLEAR IMPLANT – IS THERE ANY RELATION BETWEEN COMPLICATIONS AND SPEECH PERCEPTION? Autores: Conceição Peixoto 6 , Marisa Alves 5 , Jorge Humberto Martins 4 , Rui Cortesão 3 , José Bastos 2 , Carlos Ribeiro 1 6 Interno Complementar de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra 5 Terapeuta da Fala do Serviço de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE 4 Audiologista do Serviço de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE 3 Assistente Hospitalar de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE 2 Assistente Hospitalar Graduado de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE 1 Diretor do Serviço de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE 30 Outubro de 2012 Correspondência: Maria da Conceição de Paiva Peixoto Travessa do Merouço, 137 - 4535-425 Santa Maria de Lamas E-mail: [email protected]

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RESUMO

O traumatismo é uma importante causa de complicações doimplante coclear nas crianças. Deste, pode resultar a necessi-dade de remoção do implante coclear e posterior reimplantaçãococlear. Quer pelo procedimento cirúrgico de reimplantaçãoquer pela ausência de estimulação auditiva associada podemsurgir alterações da perceção auditiva e da fala.

Os autores apresentam um caso clínico que descreve a ocor-rência de uma complicação relacionada com o implante co-clear, bem como as suas consequências em termos deperceção da fala. A ausência temporária de estimulação podecondicionar perturbações importantes na perceção da fala ediscriminação auditiva. Contudo, o processo de reimplanta-ção parece vencer essas dificuldades.

PALAVRAS-CHAVE: Implante coclear, Complicações, Trau-matismo, Perceção da fala.

ABSTRACTHead injury is a common complication of cochlear implanta-tion in children. Sometimes a re-implantation surgery isneeded. Because of the surgery or even the lack of auditivestimulation it can result in decreased speech perception.

The authors present a case report related with head injury asa complication of cochlear implant and its consequences inspeech perception.

The temporary absence of stimulation may cause a serious dis-ruption in speech perception and auditory discrimination.However, the process of re-implantation seems to overcomethese difficulties.

KEY-WORDS: Cochlear implant, Complications, Traumatism,Speech perception.

AUDIOLOGIA

IMPLANTE COCLEAR - ESTARÃO AS SUAS COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS A ALTERAÇÕES DA PERCEÇÃO DA FALA?

COCHLEAR IMPLANT – IS THERE ANY RELATION BETWEEN COMPLICATIONS AND SPEECH PERCEPTION?Autores: Conceição Peixoto6, Marisa Alves5, Jorge Humberto Martins4, Rui Cortesão3, José Bastos2, Carlos Ribeiro1

6 Interno Complementar de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra 5 Terapeuta da Fala do Serviço de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE 4 Audiologista do Serviço de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE 3 Assistente Hospitalar de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE2 Assistente Hospitalar Graduado de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE1 Diretor do Serviço de ORL – Centro Hospitalar de Coimbra, EPE

30 Outubro de 2012

Correspondência: Maria da Conceição de Paiva PeixotoTravessa do Merouço, 137 - 4535-425 Santa Maria de Lamas E-mail: [email protected]

2 Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO

: :INTRODUÇÃOA implantação coclear é realizada desde há décadas, come-çando com o primeiro caso europeu, relatado por Djourno etal. em 1957 e o primeiro caso americano com aplicação clínicano início dos anos 70, realizado por William House.1

O implante coclear está estabelecido como um meio efetivo eseguro de reabilitação no caso de surdez severa a profunda. Asua segurança permite que seja aplicado em crianças tão pe-quenas como as de idade inferior a 12 meses. Contudo, comoprocedimento cirúrgico que é, pode estar associado a compli-cações, que poderão resultar muitas vezes na sua remoção.1,2,3

Cohen et al. categorizaram as complicações que se seguem àimplantação coclear em: (1) reações adversas (reação de corpoestranho); (2) complicações cirúrgicas, que são subdivididasem major (que necessitam de cirurgia e/ou hospitalização) eminor (com resolução espontânea ou com procedimento mí-nimo de ambulatório); (3) problemas relacionados com o dis-positivo eletrónico. Alguns exemplos de complicações majorincluem: necrose do retalho cutâneo, paresia facial temporá-ria, meningite, extrusão do elétrodo intracoclear ou posiçãoincorreta do mesmo, exposição do elétrodo na mastoide, in-feção da sutura com extrusão do dispositivo interno e verti-gem prolongada e severa, por fístula perilinfática outraumatismo labiríntico. Outras complicações cirúrgicas apon-tadas incluem ainda o colesteatoma (reportado em 0,9 a2,7% das crianças implantadas e em 5,7% dos adultos im-plantados) e outras formas infecciosas como a mastoidite.1,2,3,4

Com a evolução das novas técnicas cirúrgicas verificou-se umadiminuição desse tipo de complicações.3 Um estudo desen-volvido pela Coclear Corporation, que envolveu 1.905 crian-ças, revelou que as complicações cirúrgicas ocorrem emmenos de 2% dos casos. O mesmo estudo aponta as altera-ções do retalho cutâneo como a complicação mais comum,surgindo em 1,57% (0,27-2,3%4) dos casos. Outras compli-cações mais ou menos frequentes, aí reportadas, incluem: alesão do nervo facial na cirurgia, apontada em 0,58% doscasos, a migração pós-cirúrgica do elétrodo em 1,31% e a es-timulação facial em 0,94%.5

Qualquer uma destas complicações médicas e cirúrgicas, compossível dano intracoclear, pode condicionar uma redução dobenefício auditivo.4

No que respeita às complicações não cirúrgicas que ocorremapós o implante coclear, estas são da maior importância nacontínua reabilitação de crianças e adultos. Entre as suas prin-cipais causas destaca-se: a falha do dispositivo eletrónico, pordano da antena recetora ou do feixe de elétrodos, devido aum stress externo, e dano do componente interno devido auma descarga eletrostática.1,3

Uma importante complicação não cirúrgica na população pe-diátrica, que até agora tem recebido pouca importância, é otraumatismo. Um traumatismo minor em crianças pequenasativas é geralmente inofensivo, mas nas crianças com implantecoclear adquire grande importância, particularmente pelo facto

de se tratar de crianças com múltiplos handicaps, nomeada-mente défices de atenção e problemas de aprendizagem.

A dificuldade diagnóstica surge já que nem sempre existe umahistória clara de traumatismo. Apenas um alto índice de suspeiçãotornará evidentes as complicações resultantes dessa situação.3

Infelizmente, as complicações relacionadas com o trauma-tismo externo não conseguem ser prevenidas, especialmentena população pediátrica, por uma grande atividade motoradurante a aquisição e desenvolvimento dessas mesmas capa-cidades motoras.1,4 Esse aspeto leva a que as crianças sejamreoperadas mais frequentemente que os adultos.1,4

Embora a taxa de complicações esteja a diminuir com a me-lhoria dos aparelhos e da técnica cirúrgica, estas continuam aexistir.1

Todos os técnicos de saúde envolvidos na área da implantaçãococlear têm feito um esforço no sentido de reduzir essas com-plicações e/ou falhas, pois essas falhas vão deteriorar a quali-dade de vida dos utilizadores, particularmente as crianças queestão a iniciar um processo de aprendizagem2.

O objetivo deste artigo é documentar a ocorrência de umacomplicação após implantação coclear, bem como evidenciarse existe ou não algum efeito negativo na perceção da falaapós a reimplantação, quer pelo procedimento cirúrgico em si,quer pelo período de ausência de estimulação.6

: :CASO CLÍNICOMenina de 22 meses, incluída no programa de implantaçãococlear do CHC, com o diagnóstico de surdez neurossenso-rial profunda.

Fruto de uma gestação de termo, sem complicações descritas,com parto eutócito instrumentado por fórceps, sem trauma-tismo ou sofrimento fetal descrito. Evolução e desenvolvimentoposterior normal. Pais normo-ouvintes e sem história familiarde surdez.

Por volta dos 12 meses de idade, inicia acompanhamentonuma consulta de ORL por noção parental de hipoacusia. Pordiagnóstico de otite seromucosa foi submetida a miringotomiacom colocação de tubos de timpanostomia. Após a expulsãodos tubos, mantendo a mesma suspeita de hipoacusia realizouOtoemissões acústicas, sem qualquer resultado, e PotenciaisEvocados Auditivos, que mostraram uma ausência completade respostas a todas as intensidades testadas até 105 dB nHL.Foi encaminhada para o serviço de ORL do CHC, onde foi con-firmada a surdez neurossensorial profunda.

Após sessões de habilitação diagnóstica, que mostravam umaoralidade inexistente, com uma forma de comunicação pre-dominantemente gestual, e investigação imagiológica, foisubmetida a implantação do ouvido esquerdo com um im-plante Nucleus Freedom Contour Advance (CI24RE (CA)), 4meses depois da primeira observação. Pós-operatório sem in-tercorrências e bom desenvolvimento da fala na habilitaçãoposterior, realizada no mesmo Serviço, onde foi acompanhada

Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 3

por um período de 3 meses. Teve alta voltando periodica-mente para reavaliação, seguindo o protocolo definido poreste serviço. Na avaliação audiométrica realizada com o pri-meiro implante, por audiometria tonal em campo livre, apre-sentava um limiar de 32,5 dB SPL (calculado para asfrequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz).

Um ano e meio após implantação, a criança deslocou-se aoCentro Hospitalar de Coimbra para consulta de revisão de Im-plante Coclear. Nessa data, foram avaliadas as áreas da per-ceção auditiva, comunicação e linguagem, fala e voz.

Para além da avaliação informal, foram utilizados os seguintesinstrumentos de avaliação: Categorias da Performance Audi-tiva (CAP)7 – escala que avalia a evolução do desempenho ba-seado na audição; Escala da Integração Auditiva (MAIS)8 –escala dirigida aos pais e concebida para avaliar a forma comoa criança utiliza a informação auditiva no seu ambiente diário;Teste de Vogais – teste de eleição fechada, utilizando as vogais/a, ε, i, ɔ, u/; Teste de Perceção da Palavra (TPP) – teste de elei-ção fechada, com apoio em objetos ou imagens, utilizandopalavras do quotidiano; Escala de Utilização da Fala (MUSS)8

– escala dirigida aos pais para avaliar o uso da fala pela criançaem situações do dia a dia; Rácio de Inteligibilidade do Discurso(SIR)7 – escala de avaliação da inteligibilidade do discurso; Gre-lha de Avaliação das Características Vocais (GACV) – grelhade registo das características vocais evidenciadas. Os resulta-dos obtidos nessa avaliação são apresentados na tabela 1.

Com base nos resultados obtidos nos instrumentos de avalia-ção referidos, bem como através da avaliação informal, foipossível verificar que a criança monitorizava auditivamente oseu ambiente, juntava duas palavras de conteúdo e o seu vo-cabulário permitia-lhe resolver a maior parte das situações doquotidiano.

Três meses depois desta reavaliação, com 3 anos e 11 mesesde idade, apresenta-se na consulta de ORL por queixas de dorao nível da região temporal e intolerância à colocação da an-tena recetora do IC. Apresentava uma história de trauma-tismo, por pancada direta, com formação de hematoma sobreessa região, cerca de um mês antes.

Na avaliação observava-se uma lesão circunferencial com ulce-ração do couro cabeludo, com cerca 2,5cm, com exposição docomponente interno do IC. Na otoscopia era possível observaruma porção extrusada do feixe de elétrodos [Figuras 1, 2 e 3].

LESÃO INFLAMATÓRIA LOCALIZADA NA REGIÃO TEMPORAL ESQUERDA

ULCERAÇÃO DO TECIDO CUTÂNEO COM EXPOSIÇÃODO COMPONENTE INTERNO DO IC

FIG

1FI

G 2

EXTRUSÃO DA ESPIRA DE ELÉTRODOS AO NÍVEL DO CANAL AUDITIVO EXTERNO FI

G 3

RESULTADOS DAS DIFERENTES AVALIAÇÕES REALIZADAS

TAB

1

DataAvaliação

Vogais IPP CAP SIR MAIS MUSS GACVTestearticu-lação

TesteMonossí-labos

Teste 100palavras

Teste 100palavrastelefone

1° IC14/05/2008 28/30

(93,33%)6/85/8

Score=2

4 2 36/40 25/40 5 Nãose

aplica

Nãose

aplica

Não seaplica

Não seaplica

2° IC

10/10/2008 28/30(93,33%)

12/1212/129/12

Score=4

5 2 39/40 25/40 5 Nãose

aplica

Nãose

aplica

Não seaplica

Não seaplica

20/03/2012 30/30(100%)

18/2020/2020/20

Score=4

7 5 Nãose

aplica

Nãose

aplica

5 16/19(84,21%)

33/40(82,5%)

67/100(67%)

50/100(50%)

Foi decidida cirurgia de reimplantação coclear no mesmo ou-vido em dois tempos. No primeiro tempo procedeu-se à re-moção do componente interno do IC, sendo a espira deelétrodos seccionados ao nível da timpanotomia posterior,pelo que o conjunto de elétrodos ficou introduzido na cóclea,com remoção concomitante de tecido necrosado na ferida eencerramento por aproximação direta dos bordos da ferida.Cerca de um mês depois, num segundo tempo, procedeu-seà colocação de um novo IC (Nucleus Freedom). Pós-operató-rio sem intercorrências em qualquer uma das duas cirurgias.

A criança ligou os componentes externos do IC um mês apósa cirurgia, iniciando as sessões de reabilitação auditiva. No iní-cio do processo, demonstrou muitas dificuldades em tarefasde identificação de vogais, procurando sempre realizar leituralabial. No mesmo sentido, rejeitava tarefas de identificação deobjetos ou imagens sem o apoio na leitura labial. Durante aprimeira semana, a identificação das vogais sem leitura labialfoi melhorando, centrando-se a maior dificuldade na vogal /a/(face a esse estímulo, frequentemente a criança respondia [ɔ].Na segunda semana a criança já realizava identificação con-sistente de vogais. Inicialmente evidenciava uma postura re-traída e pouco faladora, tendo começado aos poucos a utilizarmais a oralidade para comunicar, com melhorias evidentes aonível da sua autoconfiança. O pai da criança, no início da se-gunda semana de reabilitação auditiva, referia sentir que acriança estava quase como antes do problema com o 1º IC(havia palavras que ela já não conseguia dizer bem na ausên-cia da retroalimentação auditiva e que já estava a começar aperder, pelo menos no domínio da inteligibilidade, e que, umasemana após a ligação, estava já a recuperar e a dizer corre-tamente).

No final da segunda semana de reabilitação auditiva foi feitoum novo momento de avaliação. A avaliação audiométricaapresentava um limiar tonal médio de 31,25 dB SPL (Gráfico2). Os restantes resultados da avaliação, utilizando os mesmosinstrumentos da última avaliação realizada antes da reim-plantação, são apresentados na tabela 1. A criança eviden-ciava então uma boa recuperação das suas competênciasauditivas e comunicativas prévias.

A criança continuou a sua evolução, com acompanhamentoescolar e de terapia da fala na sua área de residência, tendoposteriormente realizado as diversas avaliações previstas noprotocolo de implantação coclear do Serviço. Os resultadosobtidos nessas diversas reavaliações demonstram uma evolu-ção dentro dos parâmetros esperados para as duas idades cro-nológica e auditiva e para o método de reabilitação utilizado.

Na tabela 1 são apresentados os resultados da última avalia-ção realizada, quando a criança apresentava 7 anos e 6 mesesde idade cronológica. Nesta reavaliação, para além dos ins-trumentos de avaliação já referidos, foram utilizados o teste dearticulação (teste que avalia a articulação dos vários fonemasconsonânticos do Português Europeu), o teste de monossíla-bos9 (lista de palavras monossilábicas, apresentadas em campolivre a 65 dB SPL), o teste de 100 palavras (lista de palavrasapresentadas em situação de viva voz, sem acesso a leitura defala, que o utente deverá repetir) e o teste de 100 palavras ao

4 Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO

telefone (lista de palavras apresentadas através do telefone,que o utente deverá repetir). Apresentamos no gráfico 2 os li-miares tonais nos diferentes momentos de avaliação e no grá-fico 3 os resultados do teste de dissílabos em campo livre como implante coclear. A criança evidencia uma evolução dos de-sempenhos auditivo e comunicativo dentro dos parâmetrosesperados.

COMPARAÇÃO DAS IMPEDÂNCIAS INTRAOPERATÓRIASEM COMMONGROUND GR

A 1

COMPARAÇÃO DOS VALORES TONAIS OBTIDOS EM CAMPO LIVRECOM OS DOIS IMPLANTES (2º IC DOIS TEMPOS DE AVALIAÇÃO) GR

A 2

VALORES DE AUDIOMETRIA VOCAL EM CAMPO LIVRE COM IMPLANTE COCLEAR GR

A 3

Listadissílabos

2ª Cirurgia

1º IC

2º IC - 1º avaliação

2º IC - Última avaliação

1ª Cirurgia

Cadernos Otorrinolaringologia . CLÍNICA, INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO 5

: :DISCUSSÃOÉ comummente referido que adultos e crianças com surdez pro-funda ou até mesmo graus menores de surdez vêem limitada asua realização académica, opções na educação pós-graduada eoportunidades vocacionais.9

O IC proporciona novas oportunidades educacionais e de de-senvolvimento, abrindo novas portas para o mundo dosnormo-ouvintes. Mostra-se assim um meio muito efetivo paraa reabilitação de adultos com surdez pós-lingual e criançascom surdez pré- e pós-lingual.

Na prática clínica está descrito um risco relativamente baixo decomplicações associadas ao IC, no entanto, estas existem real-mente. Algumas dessas complicações podem ser antecipadas,enquanto outras como traumatismo, falhas mecânicas e elétri-cas dos dispositivos conseguem ser apenas identificadas comum alto índice de suspeição. Uma avaliação pré-operatória cui-dadosa e um follow-up pós-operatório mais apertado podemreduzir a frequência e a severidade dessas complicações.2,3,6,10

Para além das falhas elétricas ou infeção, o impacto traumá-tico da cabeça foi a causa óbvia da falha do IC em mais de59% dos casos de reimplantação. Foram também vários oscasos de traumatismo associado a outras complicações, comonecrose do retalho ou a extrusão do dispositivo interno.1,3

A falha do dispositivo, por traumatismo ou outra complicação,condiciona um trauma psicológico considerável nos pais e nascrianças. São necessárias mais deslocações ao centro de im-plantes, com novas avaliações e podendo mesmo ser necessá-rio um novo procedimento cirúrgico. Para além disso, condicionaum período de diminuição ou ausência de estimulação auditiva,período esse que é crítico para a aprendizagem na criança. Asdúvidas e preocupações dos pais aumentam, e por isso esta si-tuação não beneficia ninguém. Devem ser por isso desenvolvi-dos esforços, quer pela equipa técnica quer pelos doentes e pais,no sentido de diminuir a sua ocorrência.5

Na adenda suplementar, contida no livro de instruções queacompanha o IC, designada “Head Trauma Warning”, os fabri-cantes informam os médicos e doentes sobre o grande risco dascrianças pequenas sofrerem traumatismo por objetos duros. Estaobservação é finalmente justificada pelo comportamento típicodas crianças com uma atividade física aumentada e o desenvol-vimento dessas mesmas capacidades motoras.

Embora o alerta seja feito, uma complicação pode surgir e exi-gir a remoção com reimplantação simultânea ou posterior.1

Uma cirurgia de reimplante obviamente apresenta algumasdificuldades: há já tecido fibroso na mastoide, timpanotomiaposterior e envolvendo todas as partes do implante, exigindouma dissecção meticulosa; a cortical óssea mastoideia apre-senta já algum crescimento, enquanto o recesso facial per-manece aberto, aumentando o risco de lesão do nervo facialnestas cirúrgias. Se a reimplantação for necessária e não forfeita durante o mesmo procedimento, os elétrodos são geral-mente deixados no seu interior para prevenir uma ossificaçãococlear e facilitar a reimplantação no futuro.1,4

Associada a esta maior dificuldade técnica existem riscosacrescidos, dentro dos quais se destacam a lesão do nervo fa-cial, pelas razões já apontadas anteriormente, e a possibili-dade de agravamento da capacidade auditiva.4

Diversos autores têm apresentado resultados sobre essa pro-blemática. Alexiades et al. relataram uma série de 33 doentesque foram submetidos a reimplantação sem diminuição daperformance auditiva.1 Da mesma forma, Chong Sun Kim etal. referem que a capacidade de perceção da fala não diminuia seguir à cirurgia de reimplantação.2

Henson et al. avaliaram um grupo de 28 doentes reimplanta-dos, 37% dos quais apresentaram um melhor reconheci-mento de palavras e frases do que no implante prévio,enquanto 26% não mostraram uma mudança significativa.Parisier et al., num estudo com 25 crianças reimplantadasidentificaram que os scores de reconhecimento e perceção dafala se mantiveram estáveis ou melhoraram quando compa-rados com os resultados anteriores à reimplantação.4,6

Para chegar a esta performance audiológica benéfica após areimplantação, parece que as mesmas condições que são aplica-das à implantação inicial, como a inserção profunda, o tipo de im-plante, o número de canais ativos são importantes indicadores.6

Embora estes resultados sejam encorajadores, a possibilidadede obtenção de piores resultados audiológicos após uma ci-rurgia de revisão deve ser tida em conta e explicada no acon-selhamento que antecede a reimplantação.4

Em forma de resumo podemos dizer, baseado neste caso clí-nico e nos estudos avaliados, que a reimplantação é segura econfiável. Contudo, os doentes e pais devem ser cuidadosa-mente esclarecidos antes da cirurgia de reimplantação sobreas suas expetativas no desempenho subsequente.6

No caso clínico apresentado, relata-se a ocorrência de umacomplicação que resultou de um traumatismo. Dessa compli-cação surgiu a necessidade de reimplantação coclear, que foibem sucedida, como podemos observar no gráfico 1, onde sefaz a comparação dos valores das impedâncias obtidas in-traoperatoriamente e no gráfico 2 onde são apresentados osvalores tonais obtidos em campo livre com o primeiro implante(cor azul), após a reimplantação (cor vermelha) e na últimaavaliação realizada (cor verde).

No contexto da aquisição e desenvolvimento da fala e da lin-guagem parece ter havido, durante o período de ausência deestimulação, uma paragem no desenvolvimento da linguagem,sem aquisição de novas palavras, com perda de inteligibilidadee ficando a criança grandemente dependente da leitura labial.No entanto, após um processo de reabilitação relativamentecurto que se sucedeu à reimplantação, tendo em conta a in-teração com a criança e com os pais, o conhecimento préviodo seu desempenho e a informação sobre o seu desenvolvi-mento global, obtida junto dos profissionais que a acompa-nham na sua área de residência, considera-se que a criançarecuperou na generalidade o desempenho que tinha anterior-mente a nível da perceção auditiva, comunicação, linguagem,fala e voz. Das avaliações subsequentemente realizadas, ficaclaro que a criança prosseguiu o seu natural desenvolvimentointelectual e linguístico após a reimplantação.

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