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MÁRCIO ALEXANDRE DIÓRIO MENEGAZZO IMPLANTAÇÃO DE INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS (IG): CASO DA INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA “MARACAJU” PARA O PRODUTO LINGUIÇA UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL MESTRADO ACADÊMICO CAMPO GRANDE - MS 2015

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MRCIO ALEXANDRE DIRIO MENEGAZZO

IMPLANTAO DE INDICAES GEOGRFICAS (IG): CASO

DA INDICAO DE PROCEDNCIA MARACAJU PARA O

PRODUTO LINGUIA

UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO

PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL

MESTRADO ACADMICO CAMPO GRANDE - MS

2015

MRCIO ALEXANDRE DIRIO MENEGAZZO

IMPLANTAO DE INDICAES GEOGRFICAS (IG): CASO

DA INDICAO DE PROCEDNCIA MARACAJU PARA O

PRODUTO LINGUIA

Dissertao apresentado Banca Examinadora do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Local, Mestrado Acadmico, da Universidade Catlica Dom Bosco, como requisito parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Desenvolvimento Local. Orientador: Prof. Dr. Olivier Franois Vilpoux

UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL MESTRADO ACADMICO

CAMPO GRANDE - MS 2015

FOLHA DE APROVAO

Ttulo: Implantao de Indicaes Geogrficas (IG). Caso da indicao de

procedncia Maracaju para o produto linguia

rea de Concentrao: Desenvolvimento Local em contexto de territorialidades Linha de Pesquisa: Desenvolvimento Local: Sistemas Produtivos, Inovao, Governana Dissertao submetida Comisso Examinadora designada pelo Colegiado do

Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Local - Mestrado Acadmico da

Universidade Catlica Dom Bosco, como requisito parcial para a obteno do ttulo

de Mestre em Desenvolvimento Local.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Olivier Franois Vilpoux

Universidade Catlica Dom Bosco

________________________________________

________________________________________

DEDICATRIA

Dedico este Mestrado ao meu grande amor Evelyn

e aos meus filhos Gabriel e Yasmin, combustveis

de meu viver.

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo seu sopro de vida.

A minha esposa Evelyn Bernardes Fonseca Menegazzo q d forma

especial carinhosa m d fora coragem, m apoiando ns momentos d

dificuldades, agradeo tambm os meus filhos, Gabriel Yasmin, q embora n

tivessem conhecimento disto, ms iluminaram d maneira especial s meus

pensamentos m levando buscar mais conhecimentos.

Ao meu pai Jos Benjamim Menegazzo (in memoriam), que onde quer

que esteja, nunca deixou de confiar em mim. A minha me Marilda e aos meus

irmos Ricardo e Andr com quem partilho este momento.

Ao meu orientador Professor Dr. Olivier Franois Vilpoux, e a Professora

Dra. Maria Augusta de Castilho pr seus ensinamentos, pacincia confiana

longo ds supervises ds minhas atividades q m ajudaram concluir esta

dissertao.

A todos s professores, colegas e funcionrios d curso, q foram

importantes nesta parte de minha vida acadmica n desenvolvimento dst

dissertao.

A Coordenao de Indicao Geogrfica do Ministrio da Agricultura

Pecuria e Abastecimento, representada pela colega Beatriz de Assis Junqueira, ao

Superintendente Federal de Agricultura de MS Orlando Baez, e ao chefe da Diviso

Celso de Souza Martins, que diretamente me incentivaram e viabilizaram minha

participao neste mestrado, assim como aos meus colegas da Superintendncia

Federal de Agricultura de Mato Grosso do Sul pelo ambiente harmonioso e

colaborativo na realizao desta dissertao.

Aos produtores da Linguia de Maracaju pelo acolhimento, convvio,

cultura e informaes transmitidas para a constituio desta composio.

E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha dissertao,

o meu muito obrigado.

RESUMO

A Indicao Geogrfica conceituada como um produto com qualidade vinculado a

origem e pode representar uma importante ferramenta para a agregao de valor,

aumento da renda, acesso a mercados e desenvolvimento local. Com o consumidor

cada vez mais preocupado com aspectos de qualidade e origem do produto,

respeitando a cultura das pessoas do local de produo e a sua identidade, e diante

da necessidade de adequao dos sistemas produtivos agroalimentares com

agregao de valor e dinamizao do potencial endgeno dos territrios, se objetiva

neste trabalho verificar a possibilidade de implantar uma Indicao Geogrfica (IG)

no Centro-Oeste do Brasil, mais especificamente a produo de linguia de

Maracaju. Desta maneira o trabalho dividido na conceituao das Indicaes

Geogrficas conforme so internalizadas na Europa e no Brasil, a sua manifestao

na Europa e sua evoluo legislativa internacional. abordada a produo da

linguia de Maracaju, descrevendo a origem do produto e a regio de produo. A

pesquisa foi desenvolvida atravs de abordagem qualitativa, adotando-se o mtodo

cientfico com estratgia de pesquisa baseada em estudo de caso. Ainda foi utilizada

a metodologia de pesquisa-ao que traz uma relao entre os pesquisadores e

pessoas envolvidas no estudo da realidade. A coleta de dados tem por referncia as

legislaes do Brasil, Frana e Comunidade Europeia. A obteno dos dados de

campo foi feita a partir de pesquisa-ao e de entrevistas semi-direcionadas com

questes abertas junto aos atores locais. Os resultados evidenciam a existncia de

um produto com reputao estabelecida com recursos locais suficientes para uma

Indicao de Procedncia e representada por uma coletividade legitima do territrio.

Ao mesmo tempo h que se melhorar os processos cooperativos e de interao

entre os atores locais e as instituies com polticas pblicas convergentes para o

sistema da Indicao Geogrfica. A anlise evidenciou a necessidade de uma

melhor definio das aes pblicas, juntamente com maior motivao e

mobilizao dos atores locais em torno de uma viso compartilhada para alm da

proteo e promoo de um produto e de sua regio, mas tambm para o acesso a

novos mercados, e a potencializao dos ativos do territrio para o efetivo

desenvolvimento local.

Palavras-Chave: Indicaes Geogrficas, Desenvolvimento Local, Linguia,

Maracaju, Polticas Pblicas

ABSTRACT

The Geographical Indication is conceptualized as a product with quality bound to the

origin and may represent an important tool for adding value, increasing income,

marts accessing and local development. With end users who are getting more and

more concerned about the quality features and the product origination, respecting the

culture of the people from the production place and their identity, and facing the need

of adapting the agrifood production systems with value aggregation and promotion of

the endogenous potential of territories, this papers aim is to verify the possibility to

implement a Geographical Indication (GI) in Brazils Middle West, specifically the

production of Maracaju Sausage. Thus, the paper is divided by the conceptualization

of the Geographical Indications as long as they are internalized in Europe and Brazil,

its expression in Europe and its international legislative developing. The Maracaju

sausage production is approached describing the product origination and the

production region. The research was developed through qualitative approach,

embracing the scientific method with research strategy based on case study.

Furthermore, was resorted the method of research-action, which brings a relation

between the tracers and people who are involved with the reality study. The data

collect has as reference the laws of Brazil, France and European Community. The

obtainment of the field data was made through research-action and semi-directed

interviews with open questions together with the local agents. The results evince the

existence of a product with established reputation with enough local resources for an

Origination Indication and represented by a legitimate collectivity of the territory. In

the meantime, it has to be developed the cooperative processes and, also, the

processes of interaction between the local agents and the institutions with public

policy converging to the Geographical Indication system. The analysis evinced the

need of a better definition for the public actions, together with bigger motivation and

mobilization of the local agents around a shared view for not only the protection and

promotion of a product and its region, but also the access to new marts, and the

potentiation of the territory agents for the effective local development.

Key-words: Geographical Indications, local development, sausage, Maracaju,

public policy

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Smbolos europeus de Indicaes Geogrficas ................................... 22

Figura 2 - Smbolo Francs da L'Appellation d'Origine Contrle ........................ 23

Figura 3 - Material promocional dos smbolos oficiais de qualidade e de origem

na Frana ............................................................................................. 27

Figura 4 - Fluxograma do processo registro nacional para IG na Frana ............. 45

Figura 5 - Porcentagem de IG brasileiras por regio registradas no INPI ............ 55

Figura 6 - Fluxograma da Metodologia de trabalho do MAPA .............................. 56

Figura 7 - Destino das vendas de IGs europeus em 2010, em percentagem ....... 59

Figura 8 - Distribuio, em percentagem do faturamento das IGs na Frana e

na Itlia, por tipo de produto, em 2010 ................................................. 60

Figura 9 - Porcentagem de IGs em relao ao total na Europa e ao valor que

representa nas vendas nacionais ......................................................... 60

Figura 10 - Interao entre pessoas, produto e o territrio ..................................... 63

Figura 11 - Crculo virtuoso da qualidade vinculada a origem ................................ 64

Figura 12 - Cadeia produtiva da linguia de Maracaju ........................................... 89

Figura 13 - Logo da IP MARACAJU para o produto Linguia ................................. 93

Figura 14 - Laranja azeda ....................................................................................... 97

Figura 15 - O formato espiral caracterstico da linguia de Maracaju. .................... 98

Figura 16 - Logotipo da APTRALMAR .................................................................... 101

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Ocupao do territrio no perodo colonial...................................................... 68

Mapa 2 - Migraes para o sul de Mato Grosso nos sculos XIX e XX ....................... 71

Mapa 3 - Territrio Federal de Ponta Por, no ano de 1943 ...................................... 73

Mapa 4 - Localizao geogrfica de Maracaju .............................................................. 94

Mapa 5 - Delimitao Geogrfica da IP Maracaju ..................................................... 95

LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Processo de secagem durante a festa da Linguia de Maracaju ................ 76

Foto 2 - Linguia com 31 metros de tripa ................................................................. 77

Foto 3 - Entrada de Maracaju faz referncia a Linguia, smbolo do municpio........ 78

LISTA DE AVREVIATURAS E SIGLAS

ADPIC - Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o

Comrcio

AGRAER - Agncia de Desenvolvimento Agrrio e Extenso Rural de Mato

Grosso do Sul

AOC - Appellation dOrigine Contrle

CAN - Comunidade Andina de Naes

CE - Comunidade Europeia

CIG - Coordenao de Incentivo Indicao Geogrfica de Produtos

Agropecurios

CUP - Conveno Unio de Paris

DO - Denominao de Origem

DOC - Denominazione di Origine Controllata

DOCG - Denominazione di Origine Controllata e Garantita

DOP - Denominao de Origem Protegida

EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations

GATT - General Agreement on Tariffs and Trade

IG - Indicao Geogrfica

IGP - Indicao Geogrfica Protegida

IGT - Indicazione Geogrfica Tipica

INAO - Institut National des Appellations

INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial

INSEE - Institut National de La Statistique et Des tudes conomiques

IP - Indicao de Procedncia

MAPA - Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

MERCOSUL - Mercado Comum do Sul

NAFTA - Tratado de Livre Comrcio de Amrica do Norte

OCDE - Organizao de Cooperao e de Desenvolvimento Econmico

ODG - Organizao de Defesa e Gesto

OGM - Organismos Geneticamente Modificados

OMC - Organizao Mundial do Comrcio

OMPI - Organizao Mundial da Propriedade Intelectual

PAC - Poltica Agrcola Comum

QbA - Qualittswein bestimmter Anbaugebiete

QmP - Qualittswein mit Prdikat

SAU - Superfcie Agrcola Utilizada

SDC - Secretaria de Desenvolvimento Agropecurio e Cooperativismo

SEBRAE - Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas

SIM - Servio de Inspeo Municipal

SIMM - Servio de Inspeo Municipal de Maracaju

SIQO - Signos de Identificao de Qualidade de Origem

SISBI-POA - Sistema Brasileiro de Inspeo de Produtos de Origem Animal

SUASA - Sistema Unificado de Ateno a Sanidade Agropecuria

TRIPS - Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights

UE - Unio Europeia

USPTO - The United States Patent and Trademark Office

WTO - World Trade Organization

SUMRIO

1 INTRODUO ..................................................................................................... 14

1.1 Objetivos ....................................................................................................... 17

1.2 Estrutura do trabalho ................................................................................... 19

2 REVISO BIBLIOGRFICA ................................................................................ 20

2.1 Indicao Geogrfica - IG ............................................................................. 20

2.1.1 Apresentao geral das IGs ................................................................... 20

2.1.2 Experincia francesa em Indicaes Geogrficas ................................. 25

2.1.3 IGs na Unio Europeia ........................................................................... 29

2.1.4 A contraposio ao sistema IG .............................................................. 34

2.2 Legislaes sobre Indicaes Geogrficas ............................................... 38

2.2.1 Legislao Internacional ........................................................................ 38

2.2.2 Processo de obteno do registro na Europa ........................................ 44

2.2.3 Indicaes geogrficas no Brasil ........................................................... 51

2.3 Valor da produo agrcola com DOP na Europa ...................................... 58

2.4 Desenvolvimento local e Indicaes Geogrficas ..................................... 61

3 INDICAO DE PROCEDNCIA MARACAJU - PRODUTO LINGUIA .......... 67

3.1 O Mato Grosso do Sul .................................................................................. 67

3.2 O municpio de Maracaju ............................................................................. 72

3.3 Origem da produo da linguia ................................................................. 74

3.4 Produo da Linguia de Maracaju ............................................................. 75

4 METODOLOGIA ................................................................................................... 79

4.1 Mtodo de pesquisa ..................................................................................... 79

4.2 Coleta de dados ............................................................................................ 80

4.3 Variveis abordadas na pesquisa ............................................................... 81

5 ANLISE DOS RESULTADOS ............................................................................ 83

5.1 Arranjos necessrios para a implantao da IG Maracaju para o

produto linguia ............................................................................................ 83

5.1.1 Implantao da IG Maracaju para o produto linguia e atores

envolvidos ................................................................................................ 83

5.1.1.1 Aes para apresentao do dossi ao INPI.............................. 84

5.1.1.2 Sistema agroindustrial (SAG) da linguia de Maracaju .............. 86

5.1.2 Relao entre atores ............................................................................. 90

5.1.3 Regras de organizao da produo de linguia .................................. 92

5.2 Caractersticas necessrias para a implantao de uma IG na

modalidade de Indicao de Procedncia .................................................. 98

5.2.1 Presena de reputao / notoriedade ..................................................... 99

5.2.2 A coletividade representada pela APTRALMAR .................................... 100

5.3 Implantao de uma Indicao Geogrfica (IG).......................................... 105

5.3.1 Polticas Pblicas ................................................................................... 105

5.3.1.1 Aspectos Gerais ........................................................................ 105

5.3.1.2 Polticas pblicas na implantao da IG da linguia de

Maracaju .................................................................................... 110

5.3.2 Coletividade na implantao da IG da linguia de Maracaju ................. 113

CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................117

REFERNCIAS ....................................................................................................... 119

1 INTRODUO

Nas ltimas dcadas a globalizao crescente da economia mundial

aumentou o fluxo de bens entre os pases. O comrcio internacional se beneficiou

com a queda das barreiras tarifrias e no-tarifrias e pelos processos acelerados

de inovao, que permitiram a reduo dos custos de produo, com a entrada

continua no mercado de produtos padronizados e de baixo custo.

A globalizao do mercado acompanha um processo de fuses e

aquisies no setor do varejo, o que leva, em muitos pases, concentrao da

distribuio dos alimentos em poucas redes de supermercados e reduo do

nmero de fornecedores para cada produto. Essa evoluo impacta negativamente

sobre os pequenos produtores. Ao mesmo tempo, esse processo favorece o

consumidor, pois democratiza o consumo pela possibilidade de acesso a produtos

mais baratos, em funo de ganhos de escala, e em uma maior variedade (SATO,

2009).

A globalizao tambm tem contribudo com a chegada de novos

alimentos, seja pelos fluxos migratrios, seja pelo transito internacional de alimentos.

Navarro (2005) cita o caso da Espanha, onde surgira novos canais especficos de

consumo em segmentos especializados, como produtos da terra, produtos locais e

produtos gourmets, bem como a exaltao dos produtos tradicionais de outros

pases. Este exemplo reforado por Martins (2009), ao afirmar que em Portugal as

prticas alimentares originrias de outros pases ocasionaram uma maior

disponibilidade e diversidade de produtos agroalimentares.

Concomitantemente, a busca pela melhoria da qualidade de vida por

parte dos consumidores orienta na escolha de produtos saudveis, naturais,

orgnicos ou agroecolgicos e com certificaes de qualidade. A sustentabilidade

ambiental, aliada a responsabilidade social e informaes completas dos produtos

nas rotulagens so cada vez mais exigidas pelos consumidores. Sato (2009)

15

ressalta que na mudana de perfil do consumo, as tendncias caminham para uma

maior exigncia na qualidade dos produtos agroalimentares, com valorizao

crescente da rastreabilidade, que d acesso as informaes de origem dos

processos sofridos pelo alimento, dos impactos ambientais ou sociais na produo e

dos efeitos da ingesto deste alimento sobre a sade.

Neste contexto, a produo e o consumo de alimentos desenvolvem-se

sob duas tendncias: a "estandardizao" e a diferenciao. A primeira

impulsionada pela economia de escala na produo dos alimentos e a

comercializao de massa. A diferenciao, como antagnica ao movimento da

"estandardizao", busca dar caractersticas de identidade pela origem do produto e

de qualidade construda em espaos territoriais especficos por meio da participao

de atores sociais locais (SATO, 2009). Bourdain (2001), no contexto da

mundializao, imagina o local como o antnimo do global, o lugar de resistncia.

Produtos com protocolos de produo bem estabelecidos ganham cada

vez mais espao, com maior credibilidade junto aos clientes e melhor acesso a

novos mercados. Como consequncia do desenvolvimento de um consumo

qualitativo, o mercado tem que oferecer produtos que atendem aos novos desejos e

necessidades do consumidor. Desta maneira, abre-se a necessidade de adequao

dos sistemas produtivos agroalimentares.

De acordo com Van der Ploeg et al. (2000), a modernizao da

agricultura, principal ferramenta para elevar a renda e o desenvolvimento das

comunidades rurais, est se transformando em desenvolvimento rural, no qual se

busca um novo modelo para o setor agrcola, com novos objetivos como a produo

de bens pblicos (paisagem), a busca de sinergias com os ecossistemas locais, a

valorizao das economias de variedades em detrimento das economias de escala,

a pluriatividade1 das famlias rurais, entre outros.

O desenvolvimento rural moderno implica na criao de novos produtos e

novos servios, associados a novos mercados. Essa estratgia tenta reconstruir a

agricultura no apenas no nvel dos estabelecimentos, mas em termos regionais e

da economia rural como um todo, representando sada para as limitaes e falta de

perspectiva frente ao paradigma da modernizao e do produtivismo (VAN DER

PLOEG et al., 2000).

1 A pluriatividade consiste na diversificao das atividades, inclusive no agrcolas.

16

Veiga (2002) chega na mesma concluso e escreve que a crescente

exposio ao comrcio internacional e a acelerao do progresso tecnolgico

tornam necessrias mudanas estruturais para o desenvolvimento de regies menos

dinmicas. O autor identifica a necessidade de passar pela abordagem territorial

para encontrar algumas das respostas para estas mudanas.

De acordo com Veiga (2002), a Organizao de Cooperao e de

Desenvolvimento Econmico (OCDE) preconiza o estmulo ao potencial de

desenvolvimento endgeno das zonas rurais, atravs da adoo de medidas que

devem respeitar as caractersticas especificas de cada territrio. Essas medidas

devem, a partir de estruturas apropriadas e de redes de relaes, exaltar a

identidade local, ligando atores e atividades para formar circuitos que melhoram as

relaes com o exterior da regio, criando novas relaes.

A Indicao Geogrfica pode servir de ferramenta para o desenvolvimento

rural, convergindo para a revalorizao das atividades rurais/locais a partir de um

produto agroalimentar que oferece garantias sobre o sistema de produo e sua

origem. Este produto, de qualidade vinculada a origem, atende as novas demandas

de consumo e de produo sustentvel. Ele reconhece o patrimnio cultural atravs

dos alimentos.

Assim, possvel acreditar que, com o aumento de consumidores que

buscam garantias sobre a qualidade e origem dos produtos, existe um nicho

crescente de mercados por produtos com Identificao Geogrfica. A Identificao

Geogrfica no Brasil deve ser entendida como o nome geogrfico de um lugar,

regio ou local, conhecido por produzir, extrair ou fabricar um produto cujas

caractersticas so normalmente associadas regio de origem.

Entretanto, o simples registro de uma Indicao Geogrfica no garantia

de aumento de renda para o produtor e de desenvolvimento local sustentvel. Essa

situao ocorreu essencialmente no modelo europeu, bem-sucedido na agregao

de valor e proteo do saber fazer, ao inserir parte dos pequenos produtores no

mercado de especialidades.

Esta ferramenta de uso coletivo ajuda a desenvolver um novo modelo de

desenvolvimento local baseado nas pluralidades. O sucesso obtido pelos pases

europeus, principalmente os latinos, levam a se perguntar como aproveitar as

potencialidades de um pas continental como o Brasil, rico culturalmente, com

recursos naturais abundantes e grande biodiversidade para e desenvolvimento rural.

17

Parte das regies brasileiras j desenvolveram algumas Indicaes Geogrficas

(IGs) e este mercado est em crescimento. No entanto, a regio de maior expanso

do agronegcio no Brasil, o Centro-Oeste, est muito mais focalizada no mercado de

commodity, de produtos padronizados com grande economia de escala. Somente

em maro de 2015 foi concedido registro a IG Mel do Pantanal, como primeira IG do

Centro Oeste brasileiro. Essa situao leva a se perguntar se existe espao nessa

regio para outros produtos com garantia de origem?

A hiptese deste trabalho que existe no Brasil a possibilidade de

implementar sistemas de Indicao Geogrfica e que o consumidor est cada vez

mais preocupado com aspectos de qualidade e origem do produto. Em

consequncia, existe a possibilidade de valorizar produtos locais, no apenas no Sul

e Sudeste do Brasil, mas nas outras regies tambm, em particular no Centro-Oeste

do Brasil.

1.1 Objetivos

a) Geral

A partir da hiptese de pesquisa, o objetivo de verificar a possibilidade

de implantar uma Indicao Geogrfica (IG) no Centro-Oeste do Brasil, mais

especificamente a produo de linguia de Maracaju.

b) Objetivos especficos

- Avaliar as ferramentas disponveis e necessrias para a implantao

de uma IG;

- Analisar os arranjos necessrios para a implantao da IG Maracaju

para o produto linguia.

Com base na experincia alcanada pela Unio Europeia, na aplicao

de uma poltica para os produtos com qualidade vinculada a origem, ou seja, com

Indicao Geogrfica de produtos dos territrios, possvel vislumbrar um sistema

de produo que envolve grupos de produtores locais na regio de Maracaju, com o

objetivo de valorizar em nvel nacional um produto de tradio local, a linguia de

Maracaju.

18

Principalmente na Frana, esta ferramenta de uso coletivo considerada

como patrimnio nacional, ressaltando a importncia cultural e sociolgica. Existe

uma proteo intelectual deste saber fazer, preservando o conhecimento baseado

na cultura e tradies de uma comunidade local que sabe manejar os recursos

naturais especficos do local, dando especificidade ao produto, podendo adotar

prticas sustentveis na preservao ambiental das paisagens e dos recursos

genticos.

A implementao de uma Indicao Geogrfica depende de polticas

pblicas para ordenamento das aes dentro do territrio. O avano em termos

econmicos alcanado pela Unio Europeia, atravs da poltica do Plano Agrcola

Comum, em que produtos agroalimentares com Indicao Geogrfica

representaram, em 2010, 29% do total das vendas de produtos agrcolas, com um

valor comercializado de 15,8 bilhes de Euros, demonstra uma grande gerao de

riqueza. A comercializao de um produto diferenciado agrega valor e aumenta a

renda dos produtores. A adoo de protocolos por meio da conformidade com um

caderno de normas qualifica o produto para um melhor posicionamento perante o

mercado consumidor de maior poder aquisitivo, mais exigente e com conscincia

socioambiental.

A Identificao Geogrfica no Brasil pode encontrar um vasto campo frtil

para o desenvolvimento de produtos com especificidades e voltados para um

mercado diferenciado. Soma-se a isso a herana histrico-cultural brasileira, trazida

pelas diversas etnias que compem o pas, e a biodiversidade dos biomas

nacionais. Com sua vocao para a produo de alimentos, que hoje

majoritariamente de commodities, o Brasil tem a oportunidade de estudar novas

formas de desenvolvimento rural e local, efetivando as potencialidades do mercado

de produtos diferenciados. Por ser um tema relativamente recente e emergente no

Brasil, necessita de polticas pblicas e uma maior sinergia entre entidades privadas,

governamentais e do terceiro setor, uma vez que pode impactar temas relevantes

como: segurana alimentar, gerao de renda, emprego, fixao no campo, gesto

ambiental e governana.

preciso um olhar atento com as experincias protagonizadas pelos

Europeus, mas respeitando as singularidades presentes nos diferentes cantos do

Brasil. Apesar do desconhecimento por grande parte da populao brasileira,

possvel afirmar que determinadas cadeias de valores de produtos nacionais, mais

19

organizadas, j avanaram neste novo modelo de desenvolvimento, alm de haver

um aumento considervel nos nmeros de pedidos de registro de Indicaes

Geogrficas. Os principais produtos solicitados so o vinho, o caf e a aguardente

de cana tipo cachaa, com predominncia das solicitaes feitas por agrupamentos

da regio sul e sudeste do pas (INPI, 2014).

Recentemente o Centro-Oeste juntou-se as demais regies do Brasil com

o registro de sua primeira Indicao Geogrfica atravs do Pantanal, que engloba os

estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, para o produto mel. Entretanto, j

existem outras solicitaes de reconhecimento de Indicao de Procedncia para a

regio: Maracaju, para o produto linguia, no estado de Mato Grosso do Sul; Mara

Rosa para o produto aafro e seus subprodutos no estado de Gois. Diversos

trabalhos so desenvolvidos na regio com produtos agroalimentares com vis de

proteo e acesso ao mercado, outros com a preocupao de preservao de

recursos genticos e biodiversidade com potencialidades econmicas, todos eles

sem uma cadeia de valor bem implantada.

A realizao do estudo de caso da Indicao de Procedncia Maracaju

para o produto linguia avalia a construo de uma Indicao Geogrfica na regio

Centro-Oeste do Brasil, a organizao dos produtores, a conduo do processo de

construo do dossi e as expectativas dos benefcios a serem alcanados por este

agrupamento. So tambm abordados os efeitos que podero favorecer, de fato, o

desenvolvimento local.

1.2 Estrutura do trabalho

Uma vez definidos o tema e a justificativa de pesquisa, no captulo 2 a

reviso bibliogrfica conceitua as Indicaes Geogrficas conforme so

internalizadas na Europa e no Brasil, sua manifestao na Europa e a evoluo

legislativa internacional.

No captulo 3 abordada a produo de linguia de Maracaju,

descrevendo a origem do produto e a regio de produo. No captulo 4 descreve-se

a metodologia adotada e sua aplicao. No captulo 5 apresentada a anlise,

seguida das consideraes finais.

2 REVISO BIBLIOGRFICA

Na primeira parte da reviso destacam-se os princpios gerais das

Indicaes Geogrficas, sua definio na Europa e no Brasil, o seu surgimento como

poltica agrcola na Frana, sua manifestao na Europa e nas diferentes partes do

mundo. Na segunda parte so reportados a evoluo internacional das legislaes

sobre o tema, os principais pontos do processo de obteno do registro na Europa, o

atual estgio do sistema no Brasil, a mensurao econmica da produo agrcola

dos produtos com IG na Europa e a possibilidades que a IG traz para o

desenvolvimento local.

2.1 Indicao Geogrfica - IG

H muito tempo, produtores, comerciantes e consumidores perceberam

que determinados produtos carregam qualidades especficas e que estas

caractersticas esto correlacionadas com a origem geogrfica (KAKUTA, 2006).

Com a evoluo dos mercados e a necessidade de novas formas de

desenvolvimento sustentvel, a Indicao Geogrfica (IG) surgiu como uma

ferramenta de uso coletivo para o reordenamento do territrio, na busca pelo

desenvolvimento rural sustentvel.

2.1.1 Apresentao geral das IGs

A Indicao Geogrfica um sinal distintivo, nome ou elemento grfico,

que distingue produtos ou servios por sua qualidade vinculada a origem. Pode

significar um produto que transmite confiana, qualidade, familiaridade, satisfao

21

aos consumidores. Muitas vezes, um produto agroalimentar pode remeter a

memrias de lugares em que o consumidor esteve e saboreou ao olhar para aquela

paisagem nica. Remete tambm a um produto agroalimentar que permeia os

tempos com sua cultura histrica e o seu saber fazer, um patrimnio imaterial, um

bem cultural intangvel, que um agrupamento de produtores desenvolveu para lidar

com os recursos naturais de um territrio. A Identificao Geogrfica pode ser uma

importante ferramenta coletiva na organizao da cadeia produtiva, no

desenvolvimento socioeconmico e na agregao de valor aos produtos

agroalimentares, pode representar acesso a novos mercados, promoo comercial e

proteo contra as fraudes e usurpaes destas especialidades (MAPA, 2010).

A Organizao das Naes Unidas para a Agricultura e a Alimentao

(FAO, 2010) define a Indicao Geogrfica como o nome de um lugar ou pas que

identifica um produto cuja qualidade, reputao ou outras caractersticas so

imputveis a sua origem. Ainda, afirma que a IG sinaliza aos consumidores que os

produtos com esse conceito exibem caractersticas especiais devido a sua origem

geogrfica. Assim, uma IG mais que a indicao da sua fonte de procedncia, que

indica simplesmente a provenincia do produto, como o Made in, o Feito em...,

sem referir-se a uma determinada qualidade. A IG uma expresso, ou signo,

utilizada para indicar procedncia e dizer que um produto, ou servio, tem sua

origem em um determinado pais, grupo de pases, regio ou localidade

(TORTORELLI, 2010)

Com a criao da Organizao Mundial do Comrcio (OMC) em 1994,

foram includas, alm de tratados relacionados a tarifas e comrcio, as discusses

sobre a propriedade intelectual e as IGs. O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos

de Propriedade Intelectual relacionados com o Comrcio (ADPIC), no artigo 22.1,

define que as indicaes geogrficas so indicaes que identifiquem um produto

como originrio do territrio de um Membro, ou regio, ou localidade deste territrio,

quando determinada qualidade, reputao ou outra caracterstica do produto seja

essencialmente atribuda sua origem geogrfica.

A Unio Europeia trata o assunto atravs do regulamento (CE) n 2081/92

do Conselho, de 14 de Julho de 1992, relativo proteo das Indicaes

Geogrficas e Denominaes de Origem dos produtos agrcolas e dos gneros

alimentcios. O Regulamento (EU) n 1151/2012 mantm estes dois instrumentos e

introduziu algumas alteraes s suas definies:

22

- Denominao de Origem Protegida (DOP) o nome de uma regio, de

um local determinado ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para

designar um produto agrcola ou um gnero alimentcio, originrio dessa regio,

desse local determinado ou desse pas e para o qual a qualidade ou caractersticas

se devem essencial ou exclusivamente ao meio geogrfico, incluindo os fatores

naturais e humanos. A produo, transformao e elaborao devem ocorrer na

rea geogrfica delimitada.

A AOC/AOP na Frana e a DOP na Europa so sinnimos. A DOP

identifica um produto agrcola, bruto ou transformado, que tira sua autenticidade e

sua tipicidade de sua origem geogrfica, possui notoriedade devidamente

estabelecida e goza de caractersticas e know-how especficos (INAO, 2011).

- Indicao Geogrfica Protegida (IGP) o nome de uma regio, de um

local determinado, ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para designar

um produto agrcola ou um gnero alimentcio, originrio dessa regio, desse local

determinado ou desse pas e, cuja reputao, determinada qualidade ou outra

caracterstica podem ser atribudas a essa origem geogrfica. A produo e/ou

transformao e/ou elaborao ocorrem na rea geogrfica delimitada.

A IGP identifica um produto agrcola, bruto ou transformado, cuja

qualidade, reputao ou outra caracterstica provm de sua origem geogrfica

delimitada. Pelo menos uma dessas etapas, produo, transformao e elaborao,

devem acontecer na rea geogrfica delimitada e as condies de elaborao esto

sujeitas a procedimentos de controle (INAO, 2009).

A B

Figura 1 - Smbolos Europeus de Indicaes Geogrficas: A - Denominao de

Origem Protegida - DOP e B -Indicao Geogrfica Protegida - DOP

Fonte: INAO (2014)

23

O smbolo utilizado pelos Estados Membros o mesmo, entretanto, cada

pas usa a escrita em sua lngua. A Figura 1 se refere aos smbolos adotados por

Portugal.

A Frana usa um selo para o reconhecimento de uma AOC (Appellation

dOrigine Contrle) usado somente naquele pas e que um passo anterior ao seu

reconhecimento final na Europa como DOP.

.

Figura 2 - Smbolo Francs da LAppellation dOrigine Contrle

Fonte: INAO (2011)

O Brasil no possuidor de um selo nico que identifique os produtos

com IG, sendo que cada Indicao de Procedncia (IP) ou Denominao de Origem

(DO) tem seu prprio selo indicativo desta qualidade. O pas faz o uso de sinais

distintivos, por meio do Decreto n 1.355 de 30 Dezembro de 1994. Para colocar,

essas Indicaes e harmonizar conceitos, o Brasil promulgou a Lei 9.279 de 14 de

maio de 1996 (BRASIL, 1996). A legislao brasileira conceitua a Indicao

Geogrfica em duas espcies:

- Indicao de Procedncia (IP) como o nome geogrfico de pas, cidade,

regio ou localidade de seu territrio, que tenha se tornado conhecido como centro

de extrao, produo ou fabricao de determinado produto ou de prestao de

determinado servio.

- Denominao de Origem (DO) como o nome geogrfico de pas, cidade,

regio ou localidade de seu territrio, que designe produto ou servio cujas

qualidades ou caractersticas se devam exclusiva ou essencialmente ao meio

geogrfico, includos fatores naturais e humanos.

A Unio Europeia utiliza a DOP e a IGP somente para produtos

agroalimentares que tenham qualidades ou caractersticas que se devem essencial

ou exclusivamente ao meio geogrfico. A DOP reservada quando a totalidade das

24

fases de produo, transformao e elaborao so realizadas em uma rea

delimitada. No caso da IGP, ao menos uma das etapas deve ser realizada na rea

delimitada. Em termos conceituais, no Brasil a DO assemelha-se enquanto definio

a DOP Europeia, com as mesmas caractersticas e especificidades em relao ao

meio geogrfico e a IP assemelha-se a IGP.

No Brasil, existe a possibilidade de designar IGs para servios e protege-

se o nome do local. Assim, a linguia de Maracaju, objeto da presente pesquisa,

dever ser definida como IP Maracaju para linguia. A Europa no prev a

proteo para servio e a nomenclatura protege o produto, ao exemplo do

Prosciutto de Parma.

O principal instrumento balizador das IGs o Acordo sobre os Aspectos

dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comrcio (ADPIC), em

que so estabelecidos critrios mnimos que os pases internalizam conforme suas

convenincias. No Brasil somente so reconhecidos topnimos, enquanto na Europa

possvel um nome que lembre determinada regio geogrfica, como no caso dos

Vinhos Verdes em Portugal e a Cava na Espanha. O Brasil reconhece servios

como passveis de registro para Indicao Geogrfica, o que no possvel em

qualquer outra nao.

Para Champredonde (2014), as divergncias nas nomenclaturas da

Indicao Geogrfica na Amrica Latina podem ser explicadas pela adeso a

diversos tratados. Alguns pases adotaram as definies de Indicao Geogrfica

Protegida e de Denominao de Origem, outros, como o Brasil, definiram Indicao

de Procedncia e Denominao de Origem, outros ainda, s reconheceram a

Denominao de Origem.

A confuso das definies das IGs pode ser observada no mundo todo,

com exceo dos 27 Estados Membros da Comunidade Europeia, quando em 1992

o sistema europeu padronizou a poltica de valorizao dos produtos

agroalimentares na formulao de uma regulamentao europeia para os Estados

Membros.

25

2.1.2 Experincia francesa em Indicaes Geogrficas

Em 1962, logo aps o perodo ps-guerra, que levou a Europa a uma

situao de desabastecimento e reconstruo, foi criada a Poltica Agrcola Comum

(PAC). Esta poltica consistia em assegurar preos justos aos agricultores e

alimentos com preos acessveis aos cidados, garantindo a segurana alimentar.

Dez anos depois, apoiada por preos mnimos garantidos, a produo alimentar

aumentou acima das necessidades, sem resolver as dificuldades da vida rural. Em

consequncias, a orientao da PAC passou de um apoio ao mercado para um

apoio ao produtor, centrado na qualidade dos alimentos com vista proteo dos

produtos regionais e tradicionais, com procedimentos de rastreabilidade contnuo.

Hoje, existe maior necessidade de acompanhar as exigncias do mercado, em

relao a preservao do ambiente, ao bem-estar animal e a segurana alimentar,

com o desafio de prover uma agricultura sustentvel, com uma paisagem natural

bem conservada. Os produtores devem se preocupar com a gesto dos recursos

naturais e a conservao de paisagens e patrimnio cultural (UE, 2012).

Passados pouco mais de 50 anos da criao da PAC, a terceira gerao

de agricultores passou a conciliar os papis de agricultor, protetor da paisagem

natural e empreendedor. Neste ambiente de desenvolvimento rural baseado na

pluralidade, estimula-se a economia local no s pela comercializao de produtos

agroalimentares, como atravs do turismo rural, atividades culturais e a criao de

novas empresas, abrindo espao para as regulamentaes que colocam em

evidncia os Signos de Identificao de Qualidade de Origem (SIQO) (UE, 2012).

Mais do que qualquer outro pas ocidental, a Frana aplicou o princpio

patrimonial, especialmente em setores ligados a agricultura. Segundo Gade (2004),

a patrimonializao expressa o interesse de alguns intelectuais, dos consumidores

urbanos e de sindicatos agrcolas na proteo de paisagens rurais, das comidas

tradicionais, dos produtos e de outros elementos relativos a identificao nacional e

patrimnio regional.

A qualidade considerada um elemento crucial na estratgia de

desenvolvimento da agricultura e do setor agroalimentar na Frana. encarada

como uma questo importante para todos os consumidores, do ponto de vista da

segurana alimentar, do equilbrio alimentar e do prazer gustativo. As polticas

agrcolas devem assegurar diversidade e qualidade na oferta de alimentos, aliadas a

26

um desenvolvimento sustentvel dos territrios com responsabilidades

compartilhadas (EDELLI, 2013)

Com uma superfcie de 675.417 km2, uma populao de 65.820.000

habitantes e uma superfcie agrcola utilizada2 de 29 milhes de hectares, o que

corresponde a 54% do territrio nacional, a Frana o 1 pas agrcola da Unio

Europeia (UE) em termos de produo (INSEE, 2013; EDELLI, 2013).

Com dados do Ministrio da Agricultura, Alimentao e Florestas Francs,

h 490 mil fazendas na Frana. Entre 2000 e 2010 as fazendas tornaram-se maiores

e passaram de uma mdia de 42 para 55 hectares. Mais de um milho de homens e

mulheres participam regularmente da agricultura neste pas (MINISTRE DE

LAGRICULTURE DE LAGROALIMENTAIRE ET DE LA FORET, 2010).

A poltica de qualidade e origem dos produtos alimentares e agrcolas,

desenvolvida pelo Ministrio da Agricultura francs, comeou h mais de um sculo.

Ela vem sendo alterada constantemente, para oferecer aos consumidores uma viso

abrangente e clara de todo o sistema francs e europeu, com o reconhecimento

oficial da qualidade dos produtos agrcolas e dos gneros alimentcios, aumentando

a credibilidade deste reconhecimento atravs do reforo da segurana do Estado e

dos controles, garantindo a legitimidade do dispositivo e estimulando os produtores e

os atores econmicos em melhorarem seus produtos (INSTITUTO NACIONAL DA

ORIGEM E DA QUALIDADE, 2014).

Rocha Filho (2009) salienta que motivado pelos problemas surgidos na

rea vitivincola, foi criado por decreto em 30 de julho de 1935 o conceito de

Applations dOrigine Contrle - AOC (Apelao de Origem Controlada). O decreto

foi concebido para garantir a origem do vinho. Neste ato, segundo Edelli (2013) foi

instaurado o Comit Nacional dos Vinhos e Destilados.

Em julho de 1947 o Comit Nacional dos Vinhos e Destilados foi

substitudo pelo Institut National des Appellations (INAO) com foco em vinhos e

destilados. O INAO surgiu como uma instituio pblica dotada de personalidade

jurdica, vinculada ao Ministrio da Agricultura, Alimentao e Florestas,

encarregado do reconhecimento, do controle e da proteo das AOC (INAO, 2006).

Em 2 de julho de 1990, o INAO aumentou suas competncias, incluindo laticnios e

2 A Superfcie Agrcola Utilizada (SAU) um conceito padronizado nas estatsticas agrcolas

europeus. Ele inclui terras arveis (incluindo pastagens temporrias, pousio, culturas protegidas, hortas), a pastagens permanentes e culturas permanentes (vinhas, pomares) (INSEE, 2013).

27

produtos agroalimentares e em julho de 1999 incluiu as IGP (Indicao Geogrfica

Protegida). A partir de 1 de janeiro de 2007, o INAO se transformou no Instituto

Nacional da Origem e Qualidade, encarregado da totalidade dos selos de

identificao DOC/DOP, IGP, Label Rouge, STG (Spcialit Traditionnelle Garantie)

e Agricultura Orgnica (Figura 3). Em 1 de agosto de 2009, no momento em que a

organizao comum do mercado vitivincola reconheceu os vinhos com Indicao

Geogrfica e vinhos sem Indicao Geogrfica, os vinhos IGP, antes denominados

somente vinhos, passaram a fazer parte das competncias do INAO (EDELLI, 2013;

INAO, 2014).

Figura 3 - Material promocional dos smbolos oficiais de qualidade e de

origem na Frana

Fonte: INAO (2014)

Alm das figuras da Indicao Geogrfica, os outros smbolos presentes

na figura 3 correspondem a:

28

- Agricultura biolgica: sistema de produo agrcola especfica, que

assegura que um conjunto de prticas agrcolas respeita o equilbrio ecolgico e a

independncia dos agricultores, excluindo o uso de fertilizantes qumicos, a sntese

de pesticidas, Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e limitando o uso de

insumos. O bem-estar animal respeitado bem como o uso de medicamentos

limitado e estritamente controlado.

- Especialidade Tradicional Garantida destina-se a proteger a composio

tradicional de um produto ou de um mtodo de produo tradicional, sem se referir a

uma origem.

- Label Rouge (selo vermelho) garante que um produto tem um conjunto

de caractersticas que permitem um nvel superior de qualidade em comparao

com produtos similares. As condies de produo ou fabricao do produto so

peculiares e conferem qualidade superior.

A Frana, com sua tradio artesanal, especificidade do local bem

definida e refinamento culinrio, assumiu a liderana de um movimento que visa

garantir e desenvolver uma produo de alimentos autntica, afirmando que pelo

terroir3 a qualidade especial de um produto agrcola determinada pelo carter do

lugar de onde ele vem (GADE, 2004).

O INAO desempenha um papel importante na valorizao dos produtos

de terroir, apoiando as iniciativas lanadas a nvel local, oferecendo um marco

institucional que permite reconhecimento, proteo e apoio aos atores locais, nas

diferentes etapas do projeto, antes e quando do reconhecimento da IG e ao longo de

sua existncia e desenvolvimento (INAO, 2014). Entre as diferentes atribuies do

INAO, conforme art. L 642.5 do Cdigo Rural, est o processamento de solicitaes

para reconhecimento por selos oficiais, a proteo jurdica das denominaes, a

superviso do controle de selos oficiais, a delimitao das zonas de produo, a

proteo dos terroirs e informao a respeito do dispositivo de selos oficiais

(EDELLI, 2013).

Para a concretizao deste escopo, o Instituto trabalha em parcerias com

indstrias (federaes, associaes), servios centrais e/ou descentralizados do

3 A palavra terroir passa a exprimir a interao entre o meio natural e os fatores humanos. Esse um

dos aspectos essenciais do terroir, de no abranger somente aspectos do meio natural (clima, solo, relevo), mas tambm, de forma simultnea, os fatores humanos da produo - incluindo a escolha das variedades, aspectos agronmicos e aspectos de elaborao dos produtos (TONIETTO, 2007).

29

Estado, profissionais (atravs de agrupamentos4, organismos de controle),

coletividades territoriais (comunas, conselhos gerais e regionais), cmaras setoriais

(cmara de agricultura, cmara de comrcio), escritrio de turismo, adidos de

agricultura nas embaixadas (atividade internacional), instituies escolares e

universitrias, escritrios de turismo entre outros (EDELLI, 2013).

O INAO, organismo encarregado da implementao da poltica francesa

relativa aos selos oficiais de identificao de origem e qualidade, teve um oramento

anual de 22,96 milhes de euros em 2012, financiados em parte por um subsdio do

Ministrio da Agricultura (cerca de 70 %) e por direitos sobre produtos e royalties. O

instituto possui oito Unidades territoriais espalhadas pelo territrio nacional e tem em

seu corpo tcnico um efetivo de 270 agentes, dos quais 70% regionais, que

acompanham os produtores em seus procedimentos, com vistas a obteno um selo

oficial de origem e qualidade, controlando e acompanhando o selo ao longo de toda

a existncia do produto (INAO, 2014 e EDELLI, 2013).

2.1.3 IGs na Unio Europeia

A poltica francesa de valorizao dos produtos agrcolas e alimentares

inspirou a elaborao de uma regulamentao europeia. O dispositivo francs de

enquadramento desta poltica se articulou com o sistema europeu, estabelecido a

partir de 1991/1992 (INAO, 2011).

Torre (2006) afirma que a regulamentao da Unio Europeia reconheceu

os Signos de Identificao de Qualidade de Origem (SIQO), entre eles o DOP

(Denominao de Origem Protegida) e o IGP (Indicao Geogrfica Protegida), que

foram criados para incentivar a diversificao na produo agrcola, protegendo

produtores das usurpaes do nome de seus produtos e permitindo aos

consumidores identificar as caractersticas especficas dos produtos.

O modelo europeu de agricultura, citado por Belletti et al. (2013), evoluiu a

partir de meados dos anos 80, substituindo de maneira gradual as polticas de apoio

ao mercado vinculado exclusivamente a produo, por polticas direcionadas para os

4 Entende-se por agrupamento qualquer organizao, independentemente da sua forma jurdica ou

composio, de produtores ou de transformadores do mesmo produto agrcola ou do mesmo gnero alimentcio (SOEIRO, 2014).

30

mercados de produtos de qualidade, com o vis cultural, ambiental e social, e

preocupado com o desenvolvimento rural e polticas estruturais.

A Itlia o pas europeu com o maior nmero de produtos alimentares

com Denominao de Origem e Indicao Geogrfica reconhecida pela Unio

Europeia. Da mesma maneira que os demais Estados Membros da Unio Europeia,

para obter a certificao um grupo de produtores deve definir o produto, com base

em dados precisos e transmitir o pedido autoridade nacional competente. Neste

caso, o art. 53 da Lei n. 128/1998 localiza no "Ministrio da Agricultura, Alimentao

e Florestas da Itlia a autoridade nacional responsvel pelo controle da certificao.

Na Itlia existem os selos Indicazione Geogrfica Tipica (IGT), Denominazione di

Origine Controllata (DOC) e Denominazione di Origine Controllata e Garantita

(DOCG) que so usados somente para vinhos, enquanto para produtos

agroalimentares este pas utiliza-se do sistema europeu IGP e DOP (ITALIA, 2014).

Tibrio, Cristovo e Fragata (2001) ressaltam a importncia das IGs para

os produtos agroalimentares tradicionais portugueses. Eles consideram os

regulamentos (CEE) 2081/92 e 2082/92 como pilares importantes da poltica

europeia de qualidade, na medida em que protegem, a nvel europeu, produtos cujas

caractersticas de qualidade so devidas sua origem geogrfica ou ao seu modo

particular de produo. Afirmam ainda que os regulamentos so instrumentos

importantes para a valorizao dos produtos, pois facilitam a promoo do seu saber

fazer particular de produo, contribuindo para a afirmao comercial da sua

qualidade superior.

Na Europa, a Denominao de Origem Protegida (DOP) uma etiqueta

que indica que o produto agrcola de uma regio especfica. uma denominao

local utilizada para designar um produto cujas qualidades e caractersticas so

principalmente causadas pela localizao geogrfica da produo (uma rea de

produo bem conhecida e bem definida), mas que inclui os fatores naturais e

humanos (TORRE, 2006).

A garantia de uma qualidade que resulta de um terroir indica uma relao

entre um produto e seu territrio. Significa um produto tradicional, de uma qualidade

associada a um modo de produo que respeita o meio ambiente e o bem-estar

animal, bem como um produto de qualidade superior (INAO, 2014).

No conceito europeu h espao para dois tipos diferentes de figuras da

Propriedade Intelectual, a Denominao de Origem Protegida e a Indicao

31

Geogrfica Protegida. Apesar de diferentes, elas possuem a mesma proteo

jurdica. Segundo a secretria Geral da Qualifica5, Ana Soeiro, elas no so selos,

no so sistemas de certificao e no so etiquetas nem rtulos, mas sim figuras

da Propriedade Intelectual (SOEIRO, 2014).

Na acepo do regulamento (CE) n 2081/92 do Conselho, de 14 de Julho

de 1992, relativo proteo das indicaes geogrficas e denominaes de origem

dos produtos agrcolas e dos gneros alimentcios, entende-se por:

a) Denominao de Origem, o nome de uma regio, de um local

determinado ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para designar um

produto agrcola ou um gnero alimentcio; originrio dessa regio, desse local

determinado ou desse pas e; cuja qualidade ou caractersticas se devem essencial

ou exclusivamente ao meio geogrfico, incluindo os fatores naturais e humanos, e

cuja produo, transformao e elaborao ocorrem na rea geogrfica delimitada;

b) Indicao Geogrfica, o nome de uma regio, de um local determinado,

ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para designar um produto

agrcola ou um gnero alimentcio; originrio dessa regio, desse local determinado

ou desse pas e; cuja reputao, determinada qualidade ou outra caracterstica

podem ser atribudas a essa origem geogrfica e cuja produo e/ou transformao

e/ou elaborao ocorrem na rea geogrfica delimitada.

O produto que possui uma DOP um produto que respeita condies de

produo validadas pelos poderes pblicos, apresenta caractersticas especficas

referentes a um terroir, delimitado e pode ser identificado graas ao seu logotipo

(Figuras 1 e 3). controlado por um organismo terceiro de controle, sendo o

resultado de uma abordagem coletiva.

Gade (2004) considera a qualificao de um produto com DOP uma

patrimonializao de um pas, sendo que no caso de produtos agroalimentares

espera-se que agreguem valor.

Um produto IGP um produto que respeita um caderno de encargos

validado pelos poderes pblicos, dispe de caractersticas e de uma denominao

relacionadas com a zona de produo, est registrado pela UE e pode ser

identificado por um logotipo (EDELLI, 2013).

5 Associao Nacional de Municpios e de Produtores para a Valorizao e Qualificao dos

Produtos Tradicionais Portugueses

32

necessrio para a obteno de uma DOP um agrupamento na origem

do procedimento e que seja identificada a importncia da solicitao, que mostre a

relao com o terroir e o territrio. J para a IGP necessrio, alm de um

agrupamento na origem da solicitao, mostrar o vnculo da rea geogrfica com a

reputao ou qualidade especfica. Em ambas as IGs um agrupamento

responsvel pela definio das regras de produo, de seus controles,

monitoramento e da sua evoluo no tempo (INAO, 2011)

Edelli (2013) afirma que o agrupamento na origem do procedimento

definido na Frana, pelo Art. L 642.22 do Cd. Rural, que indique o organismo de

defesa e gesto, que representa e rene os operadores da cadeia do produto, como

o nico interlocutor do INAO e o nico habilitado para solicitar o reconhecimento de

um produto com Signos de Identificao de Qualidade de Origem (SIQO). O mesmo

ocorre nos Estados Membros da Unio Europeia onde o agrupamento o

responsvel pela gesto da DOP/IGP e sua finalidade dever ser bem esclarecida e

reconhecida.

O agrupamento deve tambm garantir a representatividade equilibrada

entre os diferentes atores locais da cadeia produtiva, elaborando o projeto de

caderno de encargos dos SIQO. Ele conduz sua implementao junto aos

operadores, prope seu Organismo de Controle ao INAO e a autoridade europeia,

participa da elaborao dos planos de controle e/ou inspeo. Deve assegurar-se do

conhecimento estatstico da indstria, da valorizao do produto, da proteo de sua

denominao e de seu terroir (EDELLI, 2013).

Gade (2004) enfatiza o mesmo aspecto e menciona que os produtores de

uma DOP devem formar um grupo de interesse, legalmente reconhecido, que pode

solicitar coletivamente mudanas no decreto de denominao quando se adapte s

suas necessidades e propsitos. O autor afirma que a IG funciona porque os

membros aceitam seguir regras, a maioria das quais eles prprios definiram.

Enquanto a Unio Europeia designa a DOP e a IGP como um produto que

tenha qualidade ou caractersticas que se devem essencial ou exclusivamente ao

meio geogrfico, as diferenas entre DOP e IGP esto em relao a totalidade das

fases, ou seja, produo, transformao e elaborao. Para um produto ser

registrado como DOP, todas as fases devem ser realizadas na rea delimitada que

lhe d o nome, mostrando uma forte ligao com essa regio, provando que a

qualidade do produto influenciada pelo seu meio geogrfico seja ele o solo, o

33

clima, as raas dos animais ou as variedades vegetais envolvidas na produo e

pelo saber fazer das pessoas desta regio. No caso da IGP, ao menos uma destas

etapas deve ocorrer na rea geogrfica que lhe nomina e que tenha uma reputao

aferida pelo consumidor ou outras caractersticas associadas a essa mesma rea

delimitada.

Gade (2004), citando Brard e Marchenay (1996), afirma que o conceito

se espalhou para outros pases, incluindo os EUA, mas sem os mesmos requisitos

rigorosos ou aplicabilidade. Rocha Filho (2009) considera que existem discordncias

conceituais e de terminologia entre as Indicaes Geogrficas, o que gera confuso

no s nos princpios da IG, como na legislao internacional, e piora o

entendimento sobre ela.

H concordncia, contudo, que as IGs tornaram famosos alguns produtos

que comearam a ser mais conhecidos e reputados que outros vendidos sob marca

de indstria ou comrcio. H dois tipos de proteo possveis: um feito dentro do

pas da IG e outro feito no pas para onde se destina a exportao. A Frana, pas

onde as IGs desenvolveram-se muito, partidria do primeiro tipo de proteo

enquanto outros pases, entre os quais Inglaterra e EUA, preferem o segundo. Os

desdobramentos de tal disputa, que nasce com a Conveno Unio de Paris (CUP)

em 1883, provocam muitos atritos (ROCHA FILHO, 2009).

As IGs, segundo todos os tratados internacionais, no tm qualquer

restrio quanto possibilidade de sua aplicao para produtos industriais. Todavia,

a legislao interna de vrios pases europeus, consequentemente a legislao

europeia, s prev a proteo de uma IG para produtos agrcolas, sendo excees o

Swiss Made, para relgios, e diversos bens russos (ROCHA FILHO, 2009).

O interesse pelas Indicaes Geogrficas condiz principalmente pela

necessidade de adequao das normativas nacionais junto s normas do comercio

internacional. At o momento a maioria dos pases considera as IGs como

ferramentas de mercado e de proteo da Propriedade Intelectual (DALLABRIDA,

2014). Dentro do arcabouo de acordos e tratados internacionais, os pases tm o

grande desafio de harmonizar suas legislaes.

34

2.1.4 A contraposio ao sistema IG

Em contraposio ao sistema de Signos de Identificao de Qualidade de

Origem adotado na Europa, esto os Estados Unidos da Amrica (EUA). Para Farley

(2000), esta oposio a Indicao Geogrfica deveria ser esperada, j que o pas

no tem uma longa histria de produo tradicional e no poderia se beneficiar na

mesma medida que os Europeus nos acordos comerciais. Marie-Vivien and

Thvenod-Motet (2007) afirmam que h uma oposio aos signos europeus e

franceses pelo resto do mundo, sob a alegao de ferirem a clusula de nao mais

favorecida.

Segundo Calliari (2010), a proteo das Indicaes Geogrficas nos

Estados Unidos deriva do princpio da common law6, onde nenhuma pessoa pode

obter o direito exclusivo de usar um nome geogrfico. Muito embora a lei de marcas

americana no conceda proteo para Indicaes Geogrficas, a no ser que elas

tenham adquirido um significado secundrio suficiente para ser qualificada como

marca, a marca de certificao a principal maneira pela qual a Indicao

Geogrfica pode ser protegida e no tornar-se genrica. O objetivo da marca de

certificao, no mbito das Indicaes Geogrficas, claramente de indicar que

determinados produtos so provenientes de uma regio especfica.

Basedow e Bonvicini (2009) afirmam que o Velho Mundo, junto com

outras naes emergentes, est comprometido em intensificar sua vasta cultura

gastronmica de excelncia, tentando definir uma estrutura apropriada baseada em

regras mais restritivas. Em lado oposto, outro grupo de pases, liderado pelos

Estados Unidos, Argentina, Austrlia, Japo e Nova Zelndia, quer um sistema de

proteo menos rgido, mantendo o status quo, sem ter que prover proteo

(CALLIARI, 2010).

Continuando nas diferenas substanciais na maneira como os pases

lidam com as IGs, Rocha Filho (2009, p. 208) descreve como o assunto tratado

nos EUA:

6 do ingls "direito comum", o direito que se desenvolveu em certos pases por meio das decises

dos tribunais, e no mediante atos legislativos ou executivos. Lei que existe e aplica-se a um grupo com base nos costumes e precedentes jurdicos desenvolvidos ao longo de centenas de anos na Gr-Bretanha.

http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_inglesahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Direitohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tribunalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Poder_Legislativohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Poder_Executivo

35

[...] alguns tm regras especficas; outros se valem da lei de marcas, da lei de negcios, da lei de proteo do consumidor, da lei de proteo do empreendedor, somente aceitam proteger o nome geogrfico, aceitam proteger tambm o nome do Bem ligado a uma regio de que provm. H sistemas mistos, como nos EUA, em que marcas de certificao vm atestar que um produto se originou em dada regio geogrfica especfica ou que certificam que as mercadorias esto dentro de certos padres de qualidade, material ou modo de produo ou, ainda, que o manufatureiro apresenta padres ou pertence a organizao determinada. Para vinhos e s para vinhos reconhece-se uma Appellation of Origin (igual a IG) ou uma American Viticultural Area (rea determinada para cultivo de tal vitisvinfera) que s reconhecida como tal, a partir de 1978. H aproximadamente umas 170 AVAs nos EUA sendo - como Napa Valley, Sonoma Valley, etc. - 100 s na Califrnia.

Marie-Vivien e Thvenod-Motet (2007), explicam que a raiz das

contradies entre os modelos europeu e francs em relao ao resto do mundo se

situa no campo da governana, onde se contrapem modelos de governanas

territoriais e setoriais. A maior parte das normas europeias e francesas se assenta

numa lgica do territrio, onde so definidos critrios especficos a partir do

continente ou de seus pases membros, enquanto que no resto do mundo prevalece

uma lgica setorial.

Neste embate entre duas posies antagnicas, em 1 de junho de 1999

os EUA afirmaram que o Regulamento CE 2081/92, conforme alterado, no fornecia

o tratamento nacional no que diz respeito s Indicaes Geogrficas e no oferecia

proteo suficiente para marcas que so semelhantes ou idnticas a uma Indicao

Geogrfica pr-existentes. Os EUA consideravam que esta situao era

incompatvel com as obrigaes da Unio Europeia no mbito do acordo sobre

aspectos relativos aos direitos de propriedade intelectual concernentes ao comrcio

(ADPIC), ou Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights

(TRIPS), com base em dois fundamentos: (1) a discriminao contra estrangeiros e

produtos estrangeiros com respeito a proteo da Indicao Geogrfica e; (2) falta

de proteo de marcas estrangeiras. Tambm obriga a naes fora do bloco em

adotar o sistema equivalente a classificao de Indicao Geogrfica Europeia e

respeit-la de maneira recproca (USPTO, 2015).

Ainda de acordo com o documento, o governo estrangeiro deve fornecer

proteo em sistema equivalente para as aproximadamente 700 IGs, alm de

apresentar a EU uma declarao quanto a inspeo da estrutura usada para

garantia de atendimento das normas de uso e no acompanhamento da estrutura de

controle das IGs (USPTO, 2015).

36

O princpio do tratamento nacional incorporado na Organizao Mundial

do Comrcio (OMC), do ADIPC, exige que os pases membros da OMC forneam o

mesmo (ou melhor) tratamento aos produtos estrangeiros em relao aos direitos de

propriedade intelectual, tal como previsto para os nacionais no mercado interno

(WTO, 2014).

Em 17 de abril de 2003, em movimento semelhante aos EUA, a Austrlia

solicitou consultas com a Comisso Europeia em matria de registro e proteo das

Indicaes Geogrficas para os gneros alimentcios e produtos agrcolas da UE. A

medida em causa inclui o Regulamento CEE n 2081/92 de 14 de Julho de 1992,

relativo proteo das Indicaes Geogrficas e Denominaes de Origem dos

produtos agrcolas e gneros alimentcios e medidas conexas basicamente sob as

mesmas alegaes (WTO, 2015).

O Regulamento da Unio Europeia pode no ser compatvel com a

obrigao da Unio Europeia em fornecer os meios legais para que os interessados

evitem a utilizao fraudulenta de uma Indicao Geogrfica ou qualquer uso que

constitua um ato de concorrncia desleal, na acepo do artigo 10 da Conveno de

Paris (1967). A Austrlia alegou tambm que a Unio Europeia pode no ter

cumprido as suas obrigaes de transparncia no que diz respeito ao Regulamento;

e de que o Regulamento pode ser mais restritivo ao comrcio do que o necessrio

para cumprir um objetivo legtimo. Alega que o Regulamento da Unio Europeia

considerado incompatvel com as obrigaes dela (WTO, 2015).

Em 13 de fevereiro de 2004, os Estados Unidos e a Austrlia solicitaram

ao Diretor-Geral da OMC a criao de um painel7, o que foi aceito em 23 de

fevereiro de 2004. Sobre o resultado do painel, Rocha Filho (2009, p.220) resumiu:

[...] Em 15 de maro de 2005 o painel concorda com Estados Unidos e Austrlia no sentido que as regulamentaes da UE no proporcionam tratamento nacional (conforme art. 3.1 do TRIPS) aos membros da WTO, que, por outro lado, no foram encontrados indcios de que a substncia do sistema de proteo de IGs da UE que requer a inspeo dos produtos seja inconsistente com as obrigaes da WTO e que, finalmente, concorda com UE que, embora sua Regulamentao de IGs permita seu registro mesmo quando conflitarem com uma prvia marca, esta Regulamentao, como escrita, suficientemente restringida para que possa ser considerada como exceo limitada dos direitos das marcas; concorda, todavia, com EUA e

7 No procedimento de soluo de controvrsias da OMC, um organismo independente, ou painel,

estabelecido pelo rgo de Soluo de Controvrsias, constitudo por trs especialistas, para examinar e emitir recomendaes sobre uma disputa particular, luz das disposies da OMC (WTO, 2014).

37

Austrlia que o TRIPS no permite coexistncia no qualificada e incondicional de IGs com marcas pr-existentes [...].

Sendo assim, o painel corrobora com as argumentaes de Estados

Unidos e Austrlia ao afirmar que o regulamento da CE discrimina produtos

estrangeiros por exigir sistemas equivalentes de proteo no pas estrangeiro e

proteo recproca para IGs naquele pas e naqueles termos (USPTO, 2015)

A UE diante do resultado obrigou-se a editar novo Regulamento que

acolha as prescries do painel. Assim, com a edio do Regulamento (CE)

509/2006 do Conselho de 20/03/2006 e do Regulamento (CE) 510/2006 do

Conselho de 20/03/2006 as prescries foram aceitas e internadas. EUA e Austrlia

discordaram com veemncia e convidaram a UE em revisar a nova Regulamentao

(ROCHA FILHO, 2009).

O entendimento diferente das IGs nas naes faz com que haja casos

atpicos, principalmente entre os pases produtores de vinho, como na classificao

de vinhos na Alemanha. Nesse pas, a classificao de vinhos de maior

prestgio, Qualittswein mit Prdikat (QmP), baseada na maturao das uvas,

independentemente da sua regio especfica. Assim, a classificao alem para

vinhos quanto a denominao de origem, Qualittswein bestimmter

Anbaugebiete (QbA), equivalente segunda classificao francesa, Vin Dlimit

de Qualit Superieure (inferior Appellation dOrigine Contrle - AOC) (WIKIPEDIA,

2014).

Ainda sobre a classificao dos vinhos alemes, Rocha Filho (2009, p.

152) comenta sobre a IP:

Tm na IP uma diviso entre Tafelwein (vinhos engarrafados na Alemanha e que dela provm mas de que no necessariamente procedem, podendo ser blendados com vinhos alemos ou no caso em que procedem de qualquer parte do mundo), Deutscher Tafelwein (das genricas regies vitivincolas alems) e Deutscher Landwein (procedente de regies genricas demarcadas e com mais categoria que a anterior) e na DO uma diviso entre qualittswein bestimmter Anbaugebiete, os QbA e os qualittswein mit Prdikkat, os famosos QmP (que se dividem em Kabinett, Sptlese, Auslese, Beerenauslese e Trockenbeerenauslese, ficando o Eiswein em categoria especial) ambos passando por complexo Exame Oficial de Controle de Qualidade por rgo do governo que lhes confere o conhecido A.P.Nr. (Amtiliche Prfungsnummer) quando aprovados.

Em princpio, a IGP considerada com menor especificidade que a DOP.

Esta ltima possui maior grau de tipicidade que a IGP. De outro modo, a IGP mais

http://pt.wikipedia.org/wiki/Vin_D%C3%A9limit%C3%A9_de_Qualit%C3%A9_Superieurehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Vin_D%C3%A9limit%C3%A9_de_Qualit%C3%A9_Superieure

38

abrangente e a DOP mais tpica que a IGP (ROCHA FILHO, 2009). Pode-se assim

dizer que a DOP mais rigorosa que a IGP. Ao citar como exemplo a IGP Jambon

de Bayonne, em que a produo e o abate de sunos esto localizados em uma

zona de 22 departamentos do Sudoeste da Frana, enquanto o terroir do produto

est justificado em outra rea de produo do presunto, bem menor denominada

Bassin de lAdour. Ao passo que, conforme o Consrzio del Prosciutto di Parma

(2015), o DOP Prosciutto de Parma est na provncia de Parma (Emilia-Romagna -

Itlia) em um local mais diminuto, em que a produo de matrias-primas e sua

transformao at o produto acabado ocorre somente dentro de uma rea

delimitada.

2.2 Legislaes sobre Indicaes Geogrficas

Este item aborda a evoluo da legislao internacional buscando

entender o posicionamento de cada pas perante o tema da Indicao Geogrfica e

a sua internalizao, bem como as implicaes comerciais.

2.2.1 Legislao Internacional

Bruch (2011) descreve que no princpio, os Signos Distintivos de Origem,

que tinham objetivo de distinguir a origem de um produto, no eram protegidos,

facilitando as falsificaes. Existiam aes isoladas na tentativa de coibir este

procedimento, como no caso da Frana, com legislaes nacionais para tentar

impedir essas falsas indicaes, mas que se tornavam incuas do ponto de vista do

comrcio internacional, cada vez mais dinmico a partir de meados do sculo XIX.

Para o autor, era necessrio criar legislaes entre as naes que protegessem os

direitos de propriedade industrial, entre elas a IG. Neste sentido, os Estados

produtores de vinho organizaram um tratado internacional com obrigaes mtuas

entre os partcipes e com trocas de concesses entre eles.

As IGs evoluram em funo dos avanos dos acordos internacionais

(FREITAS, 2012). Bruch (2011) explica que o primeiro passo foi com o objetivo de

impedir as falsas Indicaes de Procedncia. Assim, foi celebrada a Conveno

39

Unio de Paris - CUP, em 1883. Para Rocha Filho (2009), nesta ocasio a IG foi

retratada, mas no definida.

Freitas (2012) analisa os artigos 9 e 10 da CUP:

A CUP no se referiu especificamente s indicaes geogrficas, apenas somente regulamentou preceitos relativos utilizao de falsa indicao de procedncia, se atendo ao fato de que o produto poderia denotar uma falsa origem. Neste sentido a CUP permitiria a utilizao de nomes fictcios ou de fantasia, desde que no demonstrasse o intuito de falsear a verdadeira origem do produto.

Assim, a CUP deixava possvel o uso, por exemplo, de Champagne da

Califrnia, posto que, nesse caso, a verdadeira procedncia estaria ressaltada

(BRUCH, 2011).

Rocha Filho (2009 p. 159) indica que:

Pela CUP o tema est dentro do contexto propriedade industrial: o seu artigo 1.2 diz que a proteo da propriedade industrial tem por objetivo as patentes de inveno, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de servio, o nome comercial e as indicaes de provenincia (note-se a traduo oficial brasileira que confunde neste artigo provenincia com procedncia) ou denominaes de origem, bem como a represso da concorrncia desleal (Grifos nossos).

Freitas (2012) cita o texto da Organizao Mundial da Propriedade

Intelectual (OMPI), em que os direitos de propriedade industrial devem ser

entendidos em acepo mais ampla e se aplicam no somente a indstria e ao

comrcio, mas tambm s indstrias agrcolas e extrativas e a todos os produtos

fabricados ou naturais.

Rocha Filho (2009) afirma que a CUP enfoca diretamente as acepes

Indicao de Procedncia e Denominao de Origem que ficam tambm sem

conceituao. Mesmo sem estabelecimento comercial ou industrial, uma coletividade

podia se agregar em torno de uma ou de algumas marcas coletivas e apresentar ao

mercado produtos conforme seu critrio de exigncia.

De acordo com a OMPI (2015) o texto da Conveno passou por revises

de Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa (1958)

e Estocolmo (1967) e foi alterado em 1979. Mascarenhas e Wilkinson (2013) relatam

que pelo Acordo de Haia, em 1925, em sua quinta reviso, Indicao de

Procedncia e Denominao de Origem passaram a ser protegidas como

propriedade industrial.

40

Freitas (2012) ressalta que o Brasil foi um dos primeiros pases a assinar

a CUP, aderindo a ela pelo Decreto n 9.233, de 28 de junho de 1884, alm de

ratificar trs atos do texto da Reviso de Haia, por meio do Decreto n 19.056, de 31

de dezembro de 1929. O Brasil aderiu ao texto da Reviso de Estocolmo atravs do

Decreto n 75.572, de 8 de abril de 1975.

Em 1891, firmou-se o Acordo de Madri buscando uma represso mais

efetiva contra o uso das falsas indicaes de procedncia, uma vez que a CUP se

mostrava ineficiente para esta finalidade. Esse acordo tinha como foco principal os

produtos vincolas, sendo que a adeso foi bem menor que a dos pases que se

filiaram CUP.

No Acordo de Madri (1891) prestou-se ateno ao problema das

indicaes indiretas, que so aquelas que fazem crer, falsamente, em certa

procedncia, sem que se mencione o nome geogrfico. Freitas (2012) conclui que o

acordo excluiu as indicaes consideradas genricas de seu mbito protetivo,

atribuindo aos tribunais de cada pas a competncia para se pronunciar sobre os

critrios a serem aferidos para tais distines. Com relao aos vinhos, o acordo

trouxe uma proteo especial, pois os pases partcipes deveriam se comprometer a

proibirem o emprego, a venda, a exposio e a oferta de produtos de todas as

indicaes suscetveis de levarem ao erro quanto procedncia dos vinhos, em

qualquer tipo de propaganda, rtulo, etiqueta comercial, etc. (FREITAS, 2012).

Com relao a extenso da proteo aos produtos agrcolas, Locatelli

(2007) relata que Portugal pleiteava que a proteo especial dada aos vinhos

tambm se estendesse a todos os produtos agrcolas. As indicaes atribudas a

estes produtos no deveriam se tornar de uso comum, pois estariam relacionadas s

peculiaridades especficas do clima, do solo, dentre outras. A proposta portuguesa

no foi acolhida no mbito do Acordo de Madri.

O acordo de Madri teve cinco revises: Washington em 1911, Haia em

1925, Londres em 1934, Lisboa em 1958 e Estocolmo em 1967. Bruch (2011)

justifica a pouca evoluo nos anos que se seguiram em virtude das Primeira (1914-

1918) e Segunda (1939-1945) Guerras Mundiais, intercaladas pela quebra da bolsa

de valores de Nova York, tambm conhecida como a Grande Depresso (1929).

Passado este perodo de turbulncia, novas rodadas de negociao aconteceram

em 1958 com o avano em termos de regulao das IGs em nveis internacionais,

41

com a mobilizao dos pases tradicionalmente produtores buscando uma nova

maneira de avanarem na proteo das Indicaes Geogrficas (BRUCH, 2011).

Freitas (2012) pondera que o Acordo de Lisboa, assinado em 1958, surgiu

como uma alternativa para incrementar a proteo s Denominaes de Origem que

no foram contempladas nem pela CUP, nem pelo Acordo de Madri, pois ambos se

restringiram apenas represso s falsas indicaes de provenincia. O Brasil no

aderiu ao Acordo.

O Acordo de Lisboa, pela primeira vez, atravs de seu artigo 2, concorda

como sendo a Denominao de Origem uma denominao geogrfica de um pas,

uma regio ou localidade, prevendo uma proteo positiva para as Indicaes

Geogrficas na forma de Denominao de Origem. Ao mesmo tempo, reconhece as

Indicaes Geogrficas j existentes nos pases signatrios por meio de um registro

internacional. Outro marco, a determinao de que uma Indicao geogrfica no

pode se tornar genrica (BRUCH, 2011). Neste acordo, tambm assegura-se contra

qualquer usurpao ou imitao, ainda que se indique a verdadeira origem do

produto ou que a denominao seja usada em traduo ou acompanhada de termos

como tipo, gnero, imitao, maneira entre outros termos semelhantes (OMPI,

2015).

Freitas (2012) acredita que muitos pases no aderiram ao acordo pois

sentiram-se desfavorecidos, devido a sua maior abrangncia e eficcia da proteo

as Denominaes de Origem, frente a pases de maior tradio, como a Frana e

Portugal, que j contavam com produtos agrcolas de grande notoriedade e que h

muito pleiteavam este reconhecimento. Bruch (2011) acrescenta que,

diferentemente de hoje, no havia obrigatoriedade de aceitao pelos Pases de

todos os tratados administrados pela Organizao Mundial da Propriedade

Intelectual (OMPI), que participa da Organizao Mundial do Comrcio (OMC).

Mascarenhas e Wilkinson (2013) ressaltam que com a criao da

Organizao Mundial do Comrcio (OMC), em 1995, dentro de uma nova dinmica

das relaes comerciais entre os pases, a propriedade industrial teve a necessidade

de readequar o tema. O ponto de partida desta nova discusso ocorreu na Rodada

do Uruguai, de onde foi institudo o Acordo sobre aspectos relativos aos direitos de

propriedade intelectual concernentes ao comrcio (ADPIC), ou Agreement on Trade-

Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS), em ingls, acordo que se

42

tornou o principal referencial na rea de propriedade intelectual e, em especial, para

as Indicaes Geogrficas entre os pases membros da OMC.

Bruch (2011) constata que no mbito da OMC, alm de tratados

relacionados com tarifas e comrcio, negociou-se e aprovou-se o Acordo sobre

aspectos relativos aos direitos de propriedade intelectual concernentes ao comrcio

(ADIPC). Tornou-se compulsivo para todos os signatrios e membros da OMC e

contemplou o previsto pela CUP. Ele estabeleceu, dentre outras regras, a proteo

obrigatria das IGs. Assim foi imposto um nvel mnimo de proteo ou garantia,

sendo possvel cada membro estabelecer formas mais elevadas de proteo, desde

que no se constituam em um obstculo ao comrcio.

Ao mesmo tempo em que os acordos bilaterais eram celebrados no ps-

guerra, alguns pases criaram e aprimoraram suas legislaes internas. Buscaram

uma proteo positiva, definindo as IGs, estabelecendo regras para proteo,

registro e reconhecimento, criando, objetivamente, um direito sobre o uso e ao

uso do signo (PLAISANT, 1949 apud BRUCH, 2011). O autor cita a Frana,

Espanha, Itlia e Portugal. Outros Pases, como Inglaterra, Alemanha, Austrlia,

Estados Unidos da Amrica e Brasil optaram por uma proteo negativa, voltada

represso s falsas indicaes de procedncia e proteo do consumidor, coibindo

a concorrncia desleal. Ao mesmo tempo, acordos bilaterais eram celebrados entre

pases que defendiam a proteo positiva, tais como entre Frana e Espanha e entre

Frana e Portugal, mas tambm entre pases com posies diferentes, como Frana

e Alemanha (BRUCH, 2011).

Freitas (2012) ressalta que a definio trazida no ADPIC abrange tanto a

eventual Indicao de Provenincia (produto originrio do territrio de um membro),

quanto as IGs propriamente ditas, conforme definidas pelo Acordo de Lisboa

(Indicao de Procedncia e Denominao de Origem). Da mesma maneira que o

Acordo de Lisboa, as IGs so tratadas na ADPIC com conceitos e normas gerais de

proteo, coibindo a utilizao de qualquer meio que na designao ou

apresentao do produto indique ou sugira que a IG provenha de uma rea

geogrfica distinta do verdadeiro lugar de origem. Locatelli (2007) exemplifica essa

situao com um vinho que tenha o rtulo Champagne, mas descreve, no mesmo

rtulo, que produzido na cidade de Garibaldi, hiptese proibida pelo ADPIC.

Contudo, para produtos que no os vinhos e destilados, a hiptese permitida, se a

descrio da verdadeira origem do produto indicada.

43

Este tratamento diferenciado concedido aos vinhos e destilados probe as

indicaes ditas falsas, quando acompanhadas das expresses tipo, gnero ou

imitao. Locatelli (2007) afirma que a inteno de alguns pases europeus era

para que fosse estendida tal proibio a todos os demais produtos agrcolas,

entretanto no houve ressonncia deste entendimento na redao final deste

acordo.

Desta maneira o TRIPS, ou ADPIC, em seus artigos 22 e 24, regula as

IGs, identificando um produto como originrio do territrio de um Estado Membro, ou

regio, ou localidade naquele territrio, onde determinada qualidade, reputao ou

outra caracterstica deste produto essencialmente atribuda a sua origem

geogrfica. Este Acordo veda a utilizao de qualquer meio que sugira que o

produto originrio de regio diferente da verdadeira origem, induzindo o

consumidor a erro. O mesmo acordo preconiza que os Estados Membros recusem o

registro de uma marca quando consiste em falsa indicao geogrfica, como

exemplo o produto Castanha do Par, sem indicar um produto originrio do Par

(MAPA, 2010).

Para que uma IG seja vlida no territrio de outros pases necessrio

requerer seu registro em cada um dos pases, com exceo da Unio Europeia, pois

existe um registro comunitrio que gera efeitos em todos os pases que a constituem

(MAPA, 2010). O reconhecimento de uma IG no Brasil passa por seu registro no

Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Bruch (2011) afirma que concomitantemente ao TRIPS, ou ADPIC,

firmaram-se diversos acordos regionais. Primeiramente, houve a criao da

Comunidade Europeia (CE), depois, nasceram a Comunidade Andina de Naes

(CAN), o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o Tratado de Livre Comrcio de

Amrica do Norte (NAFTA), etc. Nesses acordos, alguns de forma mais expressa e

proativa, como a CE e a CAN, outros como resultados de outras negociaes

multilaterais, como o NAFTA e o MERCOSUL, estabeleceram-se padres que,

juntamente com os acordos bilaterais, foram construindo um suporte para se chegar

a consensos mais prximos no mbito multilateral. Pde se verificar que esses ciclos

se repetiram