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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ EVERSON RICARDO PRUSSAK IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMILIA CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

EVERSON RICARDO PRUSSAK

IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMILIA

CURITIBA

2014

EVERSON RICARDO PRUSSAK

IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMILIA

Monografia apresentada ao curso de Direito da faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Marcelo Nogueira Artigas.

CURITIBA

2014

TERMO DE APROVAÇÃO

EVERSON RICARDO PRUSSAK

IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMILIA

Curitiba, _____ de _____________________ de 2014.

Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná

____________________________________ Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias

BANCA:

_____________________________________

Orientador: Marcelo Nogueira Artigas

_____________________________________

Prof.

_____________________________________

Prof.

AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que de alguma forma

doaram um pouco de si para que a conclusão deste trabalho se tornasse possível:

A Deus, por estar comigo todos os instantes, por me proteger e me

abençoar, mesmo que eu, na felicidade as vezes dele o esqueça.

Aos meus pais, Iraci e Almir pelo exemplo, amizade e o carinho.

A minha esposa, pacientemente sempre me dando conselhos, força,

coragem e incentivo.

A minha Filha por acrescentar razão e beleza aos meus dias.

Agradeço, a todos meus professores, que influenciaram na minha formação

e ajudaram muito, doando todo seu saber e me educando para ser um cidadão

melhor. Muito Obrigado, por tudo!

E, por fim, agradeço meus colegas de classe, pelo companheirismo e

amizade formada no decorrer do curso.

Dedico esta conquista a minha mãe Iraci

(in memorian), mesmo que não possa

partilhar deste momento junto a mim, se

faz presente em todos os dias da minha

vida, sei que de seu lugar olha por mim,

sofre com minhas derrotas e rejubila

comigo em minhas vitórias.

Ao meu pai Almir e minha esposa Kellen,

que sempre estiveram comigo nos

momentos mais difíceis e por acreditarem

sempre nos meus sonhos fazendo que se

tornassem realidade.

Finalmente a minha filha Kamille, por

existir, por estar ao meu lado, por iluminar

todos os meus dias por mais cinzento que

eles estejam, e ser a maior responsável

por esta longa jornada, dedico muito mais

que este trabalho: dedico minha vida.

Todos têm direito de se enganar nas suas opiniões. Mas ninguém tem o direito de se enganar nos fatos.”

Bernand Baruch

RESUMO

O trabalho tem como tema, a Impenhorabilidade do bem de família com o objetivo de abordar alguns aspectos referidos à Lei n° 8009/90 onde estão enumeradas as situações relacionadas à execução da impenhorabilidade, legislação condizente com o direito moderno, onde norteia o que é bem de família e as hipóteses da penhorabilidade. Como problemática, utilizou-se a seguinte indagação: Até que ponto podemos exercer a constitucionalidade da Lei 8009/90, prejudicando ou não terceiros pela má fé de um devedor? Para responder essa questão, apresenta-se um estudo à luz da Lei 8009/90, Emenda Constitucional 26/2000 e o Código de Defesa do consumidor, verificando os critérios utilizados para a impenhorabilidade do bem de família, sua aplicação, analisando o princípio da proporcionalidade como requisito fundamental. Foi realizada pesquisa qualitativa exploratória por meio de doutrinas, dispositivos legais como o Código Civil Brasileiro, Lei específica com conceitos e teorias oriundos dos doutrinadores clássicos do Direito Civil. Palavras-chave: Bem de Família, Impenhorabilidade, Constituição

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8

2 O BEM DE FAMÍLIA NO BRASIL ....................................................................... 10

2.1 BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO ....................................................................... 12

2.2 BEM DE FAMÍLIA INVOLUNTÁRIO .................................................................... 13

3 PENHORA DE BENS ........................................................................................... 15

4 A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA ................................................. 18

4.1 IMPENHORABILIDADE EM FACE À LEI N° 8.009/90 ........................................ 20

4.1.1 A Súmula 364 STJ ...................................................................................................... 23

4.1.2 A Inaplicabilidade da Lei às pessoas Jurídicas ..................................................... 25

5 A QUESTÃO DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 8.009/90 ...................... 26

6 JURISPRUDÊNCIAS EM FACE DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE

FAMÍLIA .................................................................................................................... 28

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 31

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 32

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho verificou a utilidade e legalidade da possibilidade de

penhora de bem de família em suas duas modalidades de acordo com a regra de

impenhorabilidade do bem de família e a exceção da fiança locatícia.

Analisou-se a legislação, jurisprudência e doutrina correlacionadas ao tema,

além de refletir sobre o Projeto de Lei Federal nº 6.413 de 2009, que visa

impossibilitar esse tipo de penhora, o qual foi arquivado pela Mesa Diretora da

Câmara dos Deputados.

Ainda verificou-se a importância da possibilidade de se penhorar o único

bem de família do fiador em contrato de locação de imóveis em prol do equilíbrio

social, econômico e jurídico do mercado imobiliário.

Com a edição da Lei 8.009/90, o instituto espalhou-se largamente, vez que o

bem de família passou a ser legal, ou seja, prescindindo da interveniência do

proprietário do imóvel, posto que ditado pelo Estado, que passou a excluir da

penhora o imóvel residencial de qualquer brasileiro, rico ou pobre, em face de

execuções de qualquer espécie, salvo algumas poucas exceções.

Abordou-se alguns aspectos da lei de impenhorabilidade do bem de família –

Lei nº 8009/90 - onde estão enumeradas as situações relacionadas à exceção da

impenhorabilidade legislação condizente com o direito moderno, que norteia o que é

bem de família e quais são as hipóteses de penhorabilidade.

Na legislação supra mencionada e de forma taxativa em seu art. 3º,

visualizamos os casos em que existem as exceções de impenhorabilidade, situações

essas que são totalmente legais e hipóteses reais de penhorabilidade do bem de

família, não deixando dúvidas em relação a sua redação.

Seguindo esta linha, no que tange a penhorabilidade do bem de família

indagou-se: Até que ponto podemos exercer sua “constitucionalidade” seu

cabimento ou não, se terceiros podem ser prejudicados pela má-fé de um devedor,

analisando de acordo com a Lei 8009/90, Emenda Constitucional 26/2000 e ainda o

posicionamento do Código de Defesa do Consumidor.

Como objetivo geral, procurou-se demonstrar a aplicação da norma ao caso

concreto e a impenhorabilidade do bem de família, e suas exceções, mostrando os

parâmetros utilizados para a sua penhorabilidade, verificando se os critérios

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utilizados para a impenhorabilidade do bem de família estão sendo aplicados

corretamente e analisar o princípio da proporcionalidade como requisito fundamental

do instituto.

Foi utilizada uma metodologia de cunho qualitativo exploratório por meio de

revisão bibliográfica, pesquisas em artigos, teses, revistas especializadas e obras

referentes ao tema, utilizando também dispositivos legais, na maioria os elencados

no Código Civil Brasileiro, e Lei específica com conceitos e teorias oriundos dos

doutrinadores clássicos do Direito Civil, com o intuito de alcançar à conclusão

devida.

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2 O BEM DE FAMÍLIA NO BRASIL

O bem de família foi colocado no Código Civil brasileiro primeiramente, no

Livro das Pessoas, posteriormente, após censura de Justiniano de Serpa, transferido

para o Livro dos Bens.

Coelho (1924, p. 594) transcreve na íntegra o discurso do Senador

Justiniano de Serpa, na 35ª. Reunião da Comissão Especial do Senado em

07/12/1915, no qual inicia afirmando que:

Esta figura jurídica, introduzida, por emenda do Senado, no corpo do projeto do Código Civil, está evidentemente, mal colocada no capítulo das pessoas jurídicas, terminando por evidenciar que não há, realmente, um terceiro caminho. Ou o instituto entra no direito de família, como o direito de alimentos, como a tutela e todas as instituições garantidoras e protetoras da família, ou será uma forma do direito das coisas. Na parte geral, entre as pessoas jurídicas, será, no meu sentir, um desfio de classificação tão manifesto quanto o que, na gramática denominasse sujeito a um predicado, ou, em história natural, pusesse a borboleta na classe dos pássaros.

Clóvis Beviláqua (1956, p. 248) teve pensamento contrário a essa afirmação,

manifestando-se a respeito da posição do bem de família no Código Civil Brasileiro,

ponderando que:

A colocação do instituto na parte geral foi, com boas razões, censurada por Justiniano de Serpa. Atendendo à sua crítica, foram os artigos referentes ao bem de família deslocados, do Livro I (Das Pessoas) para o Livro II (Dos Bens). Era, realmente, absurdo tratar dessa espécie jurídica no livro consagrado às pessoas e fez bem a Comissão em corrigir o defeito apontado. Mas, para obedecer em tudo aos reclamos da classificação jurídica, segundo o plano adotado pelo código, por cuja pureza se batia o egrépio deputado pelo Pará, deverá ter a Comissão transposto os arts. 70 a 73 para a Parte Especial, pois se trata de uma relação jurídica de caráter particular e não de um elemento de direito, nem de um preceito de caráter geral. Na Parte Especial, o seu posto mais conveniente seria no Direito de Família aplicado. Todavia, não estaria mal no Direito das Coisas.

Contudo, não há na realidade outro lugar, no sistema legislativo, do que o

Direito de Família para agasalhar esse instituto, que deve fazer parte do conjunto de

normas reguladoras das atividades familiares, com cuidados especiais, para que o

Estado intervenha, sempre e de forma categórica, por sua vontade soberana, no

tratamento dessa que é a figura jurídica preservadora da própria existência dos

indivíduos.

Assim, cabe ressaltar que o Estado não pode negar à família uma proteção

sólida, por meio de um eficaz ordenamento jurídico. Haja vista que, de acordo com

Azevedo (1999, p 94) “o bem de família é um meio de garantir um asilo à família,

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tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impenhorável e inalienável,

enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem maioridade”.

Antonio Chaves (2008, p.34) conceitua o bem de família como:

um patrimônio separado, constituído por bem imóvel isento de execução, por dívida posterior à sua situação pelos cônjuges, por um deles ou por terceiros, vedada a sua alienação ou alteração de seu destino, que é o de garantir, obedecidos os requisitos, limites e formalidades da lei, a estabilidade e o centro do lar, durante a vida de cada um daqueles e dos seus filhos, enquanto menores.

O Código de Processo Civil de 1939, conforme Azevedo (2010), em seu

artigo 942, declarava como impenhoráveis uma série de bens, dentre estes o imóvel

rural que fosse morada da família, de onde a mesma retirasse por seu trabalho o

sustento da família.

Gonçalves (2009) salienta que o Código Civil de 2002 deslocou a matéria

para o direito de família, no título referente ao direito patrimonial, disciplinando,

todavia, somente o bem de família voluntário.

Segundo Maria Helena Diniz (2012, p. 220), o bem de família tratado no

Código Civil “é um prédio ou parcela do patrimônio que os cônjuges, ou entidade

familiar, destinam para abrigo e domicílio desta, com a cláusula de ficar isento da

execução por dívidas futuras”.

A autora, comentando o artigo 1.711, explica que:

Somente pessoas casadas conviventes ou integrante-chefe da família monoparental poderão constituir bem de família. A sua instituição competirá, por exemplo, ao marido e à mulher, tendo-se em vista que, em certas hipóteses, um deles poderá estar na chefia, se for viúvo ou se assumiu a direção da família sozinho, ante o fato de o outro estar preso, ter sido declarado ausente ou ter sofrido processo de interdição. Logo, pessoa solteira, sem prole, mesmo que viva em concubinato, tutor ou curador ou avô não poderão instituir bem de família. Mas há decisão entendendo que solteiro ou dois irmãos solteiros que residam no mesmo imóvel têm direito de instituir bem de família, pois o solteiro pode constituir família e os irmãos podem ser tidos como entidade familiar. ( 2012, p. 222).

Para Caio Mario da Silva o bem de família pode ser conceituado como “uma

forma da afetação de bens a um destino especial que é ser a residência da família,

e, enquanto for, é impenhorável por dívidas posteriores à sua constituição, salvo as

provenientes de impostos devidos pelo próprio prédio” (2009, p.595).

No que tange a Lei 8.009/90, pode-se conceituar o bem de família como

imóvel residencial, urbano ou rural, próprio do casal ou da entidade familiar, e/ou

móveis da residência, impenhoráveis por determinação legal. O objeto do bem de

12

família é o imóvel, urbano ou rural, destinado à moradia da família, não importando a

forma de constituição desta.

Sabe-se que no Direito Brasileiro coexistem duas modalidades distintas de

bem de família: na forma involuntária, também chamada de legal, que se aplica em

todas as famílias, indistintamente, e outra, na forma voluntária que depende de

manifestação de vontade e providências jurídicas especiais.

2.1 BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO

O bem de família convencional ou voluntário está disciplinado no Código

Civil e o bem de família legal e involuntário está disciplinado pela Lei 8.009/90.

O bem de família voluntário de acordo com o Código Civil em seu artigo

1.711 deverá ser formalizado por escritura pública ou testamento, considerando-se

constituído a partir do registro do respectivo título no Registro de Imóveis.

Após o registro, o imóvel passa a ser impenhorável por dívidas futuras, com

as ressalvas do art. 1.715 do Código Civil de 2002 o qual dispõe que o bem de

família voluntário é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição salvo

as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.

Conforme afirma Credie (2010, p. 7) “a criação do bem de família voluntário

ou facultativo, se deu pelas ideias privatísticas da época, influenciado pelo

pensamento jurídico liberal-individualismo dos séculos XIX e XX”.

Já Azevedo (2010, p. 94) aduz que “o bem de família voluntário, móvel ou

imóvel, nasce pela vontade do instituidor, pela própria vontade individual, nos

moldes preestabelecidos na lei”.

Contudo, somente haverá necessidade de instituir o bem de família

voluntário quando a entidade familiar for detentora de vários imóveis, utilizados

como residência, e não desejar que a impenhorabilidade recaia sobre o de menor

valor.

O bem de família voluntário se extinguirá com a morte de ambos os

cônjuges e a maoridade dos filhos, desde que não sujeitos à curatela como descrito

no art. 1722 do Código Civil de 2002, ou por ordem do juiz, à requerimento dos

interessados, desde que, comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de

família nas condições em que foi instituído, conforme art. 1719 do Cógigo Civil.

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2.2 BEM DE FAMÍLIA INVOLUNTÁRIO

O bem de família involuntário se constitui independentemente da iniciativa

do proprietário do bem, a constituição é involuntária e está regulamentada pela Lei

n° 8.009/90 é utilizado na atualidade. Sobre a impenhorabilidade, a Lei descreve

que:

Art. 1° O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único: A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

A lei visa a proteção do lar e da família, garantindo a existência,

resguardando o imóvel e os móveis que adornam.

Não há necessidade de registro para a validade da instituição do bem de

família involuntário, o bem tutelado pela norma jurídica não é só o patrimônio do

proprietário, mas a união familiar garantida pelos aparatos necessários e comuns às

atividades do ente familiar.

Pode-se dizer, então, que a moradia é uma das necessidades essenciais do

ser humano não podendo jamais penhorá-la para cobrir dívidas ou satisfazer

créditos.

Não há limitação em relação ao valor do bem de família involuntário. Há o

privilégio por execução das dívidas sobre o imóvel e os móveis que fortalecem no

domicílio. De acordo com o Código Civil de 1916, na lei 8009/90.

Nesse caso não vale a limitação do novo Código, que limita o valor de 1/3

do patrimônio líquido total. É a diferença entre o bem de família voluntário e o

involuntário.

No conceito de Sender (2008, p. 01) “O bem de família involuntário emana

da Lei 8009/90 regulamentado em oito artigos. Por isso, o instituidor do bem de

família involuntário é o próprio Estado porque resulta de ordem pública”.

De acordo com a referida Lei, a impenhorabilidade recai sobre o imóvel de

menor valor, quando a família tem mais de um como descrito no art. 5° parágrafo

único:

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Art, 5° Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se ouro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.

Na referida Lei, no que tange ao bem de família involuntário não há o efeito

da inalienabilidade, podendo o proprietário aliená-lo como bem entender.

No que cabe a extinção do bem de família involuntário, Santiago (2004, p.

01) assevera que:

A Lei 8009/90 não menciona a forma de extinção do bem de família involuntário, como não há efeito da inalienabilidade, entende-se que ele cessa automaticamente quando cessar a moradia permanente no imóvel instituído. Se o caso em questão, à época da penhora não se encontrarem presentes os requisitos exigidos pela lei, o bem será penhorado, do contrário não.

Contudo, como já afirmado anteriormente, o instituidor do bem de família

involuntário é o próprio Estado e a instituição é automática com objeto consistindo

no imóvel e imóveis próprios e quitados da entidade familiar.

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3 PENHORA DE BENS

Nas afirmações de Miranda (2002, p. 193) “a penhora não é penhor, nem

arresto, nem uma das medidas cautelares. O que nela há é exprorpiação da eficácia

do poder de dispor que não há no arresto”.

Lisbman define que “a penhora é o ato pelo qual o órgão judiciário submete

a seu poder imediato determinados bens do executado, fixando sobre eles a

destinação de servirem à satisfação do direito do exequente”.

Ressalte-se que todos os bens de propriedade do devedor ou dos

responsáveis pelo débito podem ser penhorados desde que tenham valor econômico

com exceção dos bens absolutamente impenhoráveis e os bens relativamente

impenhoráveis.

Conforme redação do Código Civil em seu art. 650:

Art. 650. Podem ser penhorados, à falta de outros bens: I – os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados a alimentos e incapazes, bem como de mulher viúva, solteira, desquitada, ou de pessoas idosas; II – as imagens e os objetos de culto religioso, sendo de grande valor.

Tratam-se de bens relativamente impenhoráveis, admitindo-se a constrição

judicial somente quando inexistam outros bens suscetíveis de serem penhorados,

desde que os bens consigam garantir, ao menos em parte, a execução, sob pena de

flagrante inutilidade da constrição judicial.

De acordo com Junior (1994, p. 196)

As imagens e os objetos do culto religioso são bens, de ordinário, absolutamente impenhoráveis, em homenagem ao sentimento piedoso da coletividade. Tendo em vista, porém, principalmente as coleções de arte, permite o Código que esses objetos possam ser penhorados, desde que sejam de grande valor e não disponha o devedor de outros bens para garantir a execução.

Nota-se que a regra da impenhorabilidade revela como exceção, constante

do art. 650, somente as imagens e os objetos de culto religioso, sendo de grande

valor, pertencentes a determinada pessoa, não alcançando os bens pertencentes às

igrejas, templos, cultos etc.

A partir da citação, o devedor pode, no prazo de vinte e quatro horas, pagar

o débito ou nomear bens à penhora, observando a ordem estabelecida no artiggo

655 do CPC. Havendo pagamento, encerra-se a execução. Caso contrário, será

dado prazo pelo Juiz ao credor manifestar se concorda ou não com o bem nomeado.

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Concordando o credor, lavrar-se-á o termo de penhora. Caso o credor não concorde,

o juiz decidirá de plano, declarando a ineficácia da nomeação.

Se o devedor não nomear bens, o oficial de justiça, por indicação do credor

ou independentemente deste, penhorará tantos bens quato bastem para garantir o

valor da execução.

Na prática existem várias situações envolvendo a penhora do bem de

família. Nota-se que por muitas vezes o devedor age de má fé, pois adquire um bem

valioso como uma casa de luxo, por exemplo, para fixar residência e no momento da

penhora, alega ser bem de família.

O STJ, em decisão final em 2010, ratificou o entendimento de que a

proteção independe do valor do bem de família. A ementa do RE SP 1.1748.496,

dentre outros temas, enfrenta a quantificação pecuniária do bem a ser protegido pela

legislação em comento (itens V e VI)1, leia-se:

Recurso Especial – Direito Civil – Questão preliminar – Julgamento proferido por Câmara composta majoritariamente por juízes convocados – Possibilidade, desde que observados parâmetros legais – Precedentes – Existência de vício redibitório e o prosseguimento da execução da forma menos onerosa ao devedor – Pré questionamento – Ausência – Incidência da Súmula 211/STJ – Penhora – Parte ideal de imóvel – Possibilidade – Precedentes – Bem de Família – Avaliação – Juízo dinâmico – Bem imóvel de elevado valor – Irrelevância, para efeitos de impenhorabilidade – índice de correção monetária – Divergência jurisprudencial – Demonstração – Inexistência – Embargos de declaração – Multa – Impossibilidade – Intuito procrastinatório – Ausência – Incidência da Súmula 98;STJ – Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido. (...) V – Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, de acordo com o artigo 1° da Lei n° 8009/90 basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem. VI – O art. 3° da Lei n° 8009/90, que trata das exceções à regra da impenhorabilidade, não traz nenhuma indicação concernente ao valor do imóvel. Portanto, é irrelevante, para efeitos de impenhorabilidade, que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão.

Nos termos dos artigos 664 e 665 do Código de Processo Civil, a penhora

tem a função de individualização, apreensão e depósito dos bens do executado,

ficando estes à disposição judicial, tornando-os indisponíveis ao executado e

sujeitando-os à expropriação.

Neste sentido Donizetti afirma que existem efeitos processuais da penhora e

os efeitos materiais:

1 Precedente da Eg. Quarta Turma. (Resp 11178469/SP – Rel. Min. Massami Uyeda. 3ª T, J. Dje de 19/12/2010.

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São efeitos processuais da penhora: a) individualizar o bem

ou os bens que vão ser destinados à satisfação do crédito (...)

b) garantir o juízo da execução(...) c) cria preferência para o

exequente (...).

Quanto aos efeitos materiais da penhora, são os seguintes: a)

priva o devedor da posse direta (...) b) induz a ineficácia das

alienações (...)

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4 A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA

A discussão sobre a penhorabilidade do bem de família é um tema de antiga

a discussão passando por diversas situações e inúmeras vezes as relações

pessoais entre credor e devedor restaram abaladas, pelo inadimplemento e pelo fato

muitas vezes pelo fato de não ter o credor como recorrer em tal situação. Um fato

exemplificativo é entre credor e fiadores, partindo do pressuposto que o fiador é

terceiro na relação jurídica é ele que irá arcar com a dívida toda em não havendo

pagamento pelo devedor principal respondendo seus bens, pela totalidade da dívida.

Não é de hoje que a doutrina pátria vem se preocupando com este tema,

pois se levarmos em conta que antes mesmo da reforma do Código Civil Brasileiro

que ocorreu no ano de 2002 muitos doutrinadores já se preocupavam em dedicar

obras exclusivas ao instituto relacionado ao bem de família que certamente é um

dos mais importantes constantes no ordenamento jurídico brasileiro.

Na doutrina, uma posição minoritária entende ser inconstitucional a

penhorabilidade do bem de família do fiador, por violar o princípio da isonomia

(artigo 5º, “caput”, da Constituição Federal) e o princípio da dignidade humana

(artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal), com projeto de lei já arquivado pela

Câmara.

Nos termos do art. 649 do Código de Processo Civil: São absolutamente

impenhoráveis:

I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; (veja: LEI 11.382/2006) III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo; V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VI - o seguro de vida; VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

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X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança. XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político. (Lei nº 11.694, de 2008) § 1° A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem. § 2° O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia. § 3° (VETADO).

Na explicação de Parizatto (1998, p. 17) “alienáveis são os bens que, em

virtude de restrição imposta ao direito de propriedade, não podem ser vendidos ou

cedidos”.

Os bens inalienáveis não podem ser penhorados, porque toda penhora

implica tomada de eficácia do poder de dispor, e o devedor, dono desses bens, não

o tem.

Há de se verificar que dificilmente algum credor irá requerer a penhora de

um bem de família, muitas vezes insuficiente à garantia de uma execução,

mormentemente por se tratar de bens de consumo, considerando-se, ainda, a

flagrante dificuldade em se efetuar tal espécie de penhora, por não se saber ao certo

o que seria necessário para a sobrevivência do devedor e de sua família durante um

mês.

Ao lado da insignificância econômica do primeiro bem e da inexistência de

valor econômico no segundo, nas palavras de Parizatto (1998), tem-se que estes

bens representam uma lembrança para o devedor, de seu casamento ou de

momentos agradáveis junto de seus familiares ou amigos, em fotografias que não

teriam qualquer valor econômico para outrem.

A impenhorabilidade no caso do inciso IV do art. 649, embora tenha caráter,

alcança somente os vencimentos, o saldo e os salários quando estes ainda

estiverem em poder da fonte pagadora, porquanto, após o pagamento, estes perdem

tal caráter, tornando-se moeda corrente, ficando impossível sua individualização.

Nesse sentido cabe exemplificar com uma jurisprudência:

EXECUÇÃO - BEM NOMEADO À PENHORA PELO PRÓPRIO DEVEDOR - RENÚNCIA - IMPENHORABILIDADE - ARTIGO 649 DO CPC. I - Os bens inalienáveis são absolutamente impenhoráveis e não podem ser nomeados à penhora pelo devedor, pelo fato de se encontrarem fora do comércio e, portanto, serem indisponíveis. Nas demais hipóteses do artigo 649 do Código de Processo Civil, o devedor perde o benefício se nomeou o bem à penhora ou deixou de alegar a impenhorabilidade na primeira oportunidade que teve para falar nos autos, ou nos embargos à execução,

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em razão do poder de dispor de seu patrimônio. II - A exegese, todavia, não se aplica ao caso de penhora de bem de família (artigo 70 do Código Civil anterior e 1.715 do atual, e Lei n.º 8.009/90), pois, na hipótese, a proteção legal não tem por alvo o devedor, mas a entidade familiar, que goza de amparo especial da Carta Magna. III - Tratando-se de questão controvertida, a interposição dos recursos cabíveis por parte dos executados, com o objetivo de fazer prevalecer a tese que melhor atende aos seus interesses, não constitui ato atentatório à dignidade da justiça. Inaplicável, portanto, a multa imposta pelo acórdão recorrido com base no artigo 600 do Código de Processo Civil, Recurso especial parcialmente provido, apenas para excluir a multa imposta aos recorrentes. (STJ, 3ª Turma, RESP 351932/SP, DJU 09.12.2003, Rel. p/Acórdão Min. Castro Filho)

Contudo, a impenhorabilidade é a valorização daquilo que jamais poderá ser

penhorado, ou seja, jamais alguém poderá perdê-lo. A exemplo disso destaca-se a

pessoa solteira.

De acordo com a Súmula 364 o bem de família é definido como imóvel

residencial do casal ou da unidade familiar que se torna impenhorável para

pagamento de dívida.

Conforme redação da referida Súmula “o conceito de impenhorabilidade do

bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras,

separadas e viúvas.

Pode-se citar, nesse sentido, a decisão da Quarta Turma do Superior

Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial n. 403314, que foi relator o Ministro

Barros Monteiro, com o seguinte teor:

A interpretação teológica do art. 1° (da Lei n. 8.009/90) revela que a norma não se limita ao resguardo da família, seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim, ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. Incluía a moradia como direito social, tem-se como impenhorável o imóvel residencial da pessoa solteira, tal como assegurado na Lei n. 8.009/90. (Resp. 403314 – STJ – Rel. Min. Barros Monteiro – 4ª Turma).

Isso significa uma maior proteção ao bem de família, preservando o princípio

da dignidade da pessoa humana e efetividade dos direitos humanos.

4.1 IMPENHORABILIDADE EM FACE À LEI N° 8.009/90

Conforme a Lei 8.009/90, são impenhoráveis os objetos que guarnecem a

residência do devedor como: armários de cozinha; dormitório; estofados; fogão;

freezer; geladeira; guarda-roupas; jogo de jantar; máquina de lavar louça; jogo de

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sofá; passadora e secadora de roupas; televisão; toca-fitas; aparelhos utilizados o

exercício da profissão; objetos de uso pessoal.

Consideram-se como objetos de uso pessoal necessário, para fins de

impenhorabilidade: fogão, com bujões, 4 camas de solteiro com colchões, guarda-

roupa de madeira, mesa rústica e seis cadeiras, móveis do quarto de solteiro.

São impenhoráveis também: precatórios contra a fazenda Pública;

Proventos de aposentadoria; Os bens de autarquias; Imóvel que esteja locado, único

pertencente à entidade familiar, que por motivo de força maior não esteja utilizando-

o como residência; bens indispensáveis ou úteis ao exercício da atividade

profissional a firma pequena, em que seu titular vive do trabalho pessoal e próprio,

ainda que tenham outro empregado para ajudá-lo; imóvel rural de dimensão até um

módulo, quando o único que dispõe o devedor; imóvel destinado à família do

devedor (proteção dada pelo art. 3°, IV), mesmo quando condenado a pagar dívidas

de condomínio, pois não se pode ser penhorado na liquidação de sentença.

Na íntegra, a Lei n. 8.009/90 dispõe que:

Art. 1° O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único: A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Art. 2° Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte obras de arte e adornos suntuosos. Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo. Art. 3° A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza salvo se movido: I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III – pelo credor de pensão alimentícia; IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Art. 4° Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.

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§ 1° Neste caso, poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese. § 2° Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5°, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural. Art, 5° Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se ouro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil. Art. 6° São canceladas as execuções suspensas pela Medida Provisória n° 43, de 8 de março de 1990, que deu origem a esta lei. Art. 7° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 8° Revogam-se as disposições em contrário.

Como demonstrado, por força do artigo 1°, existindo um lar, moradia da

família, estará protegido de vários tipos de dívidas bem como os móveis que

permanecem no interior da habitação.

Analisando o capítulo 1° e 5°, deve-se ressaltar que a referência genérica da

lei a imóvel residencial familiar, faz com que a impenhorabilidade tenha por objeto,

em linha de princípio a generalidade das habitações familiares, das mais simples às

mais luxuosas. Quanto mais evidente e ostensiva a riqueza na moradia do devedor,

menos o seu inadimplemento se justifica por necessidade.

O artigo 3° como exposto, traz, em seus sete incisos outras exceções à

impenhorabilidade.

Analisando o caput do art. 4° se constata a disparidade entre a intenção do

legislador e o que restou escrito. São situações distintas

Em se tratando especificamente do art. 5° pode-se estabelecer que o

dispositivo faz referência a quando, sendo o devedor com sua família proprietário de

diversos imóveis residenciais, utilizados diretamente por eles ou não, a

impenhorabilidade deverá recair sobre o de menor valor.

Nesse sentido Czajkowski (1998, p.98) enfatiza que:

O critério de fazer incidir o benefício da impenhorabilidade sobre o imóvel de menor valor é suscetível de críticas, especialmente se ele levar em conta a circunstância de plena solvência do devedor. A aplicação deste preceito não deverá ser pelo seu rigor textual, mas sim deverá levar em conta as circunstâncias de cada caso evitando, quando possível, a desnecessária mudança de moradia da família quando, por exemplo, pela expropriação de outros imóveis que não aquele que a família ocupa, já seja possível a satisfação dos créditos.

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O art. 6° da referida Lei dispõe que: “São canceladas as execuções

suspensas pela Medida Provisória 143/90, que deu origem a esta Lei”.

Entretanto, há argumentos a favor e contra o cancelamento das penhoras já

realizadas, tendo em vista que ao suspender as execuções em andamento, a

Medida Provisória 143 quis obstar o prosseguimento daquelas execuções somente

na medida em que eram garantidas por bens que passaram a ser impenhoráveis.

Conforme interpreta Czajkowski (1998, p. 32)

Os termos da lei são equivocados e mesmo absurdos pois, cancelar as execuções em curso, implica atingir o próprio crédito em cobrança e negativa a exercício regular de direito do credor. Quanto menos o texto, assim como está, afronta a garantia do art. 5°, XXXV da CF/88, pela qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Afortunadamente, no pormenor, os tribunais desde a primeira hora acharam por bem entender o dispositivo como querendo referir-se ao cancelamento das penhoras, possibilitando ao credor continuar na execução sobre outros bens penhoráveis acaso existentes no patrimônio do devedor.

Tomando essa questão como base, a maior parte da jurisprudência passou

a considerar o benefício da impenhorabilidade como aplicação imediata às

execuções em curso, e até mesmo com efeitos retroativos, atingindo inclusive

penhoras realizadas antes do advento da lei, com o consequente cancelamento das

constrições que incidissem sobre os bens de família contemplados no texto legal.

São dois os motivos que lastreiam o entendimento de não ser aplicável a Lei

8.009/90 a processos pendentes com penhoras já realizadas na época de seu

advento. O primeiro leva em conta o direito processual adquirido. Mas não se tem,

em face da penhora já realizada, propriamente direito adquirido a ela; o direito

adquirido é o de executar aquele bem para satisfação do crédito. O direito é

adquirido porque o Estado mesmo, pelo Poder Judiciário, já o afetou ao pagamento

do crédito exequendo. É inadequado falar em direito adquirido à expropriação, tendo

em vista que o credor não tem, porque quem expropria é o Estado, não o credor.

4.1.1 A Súmula 364 STJ

As súmulas no Direito brasileiro são criadas por um Tribunal que registra sua

interpretação. Nesse sentido, após vários casos de Execução por Dívidas de

devedores solteiros, viúvos ou divorciados, do qual os embargos à execução foram

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fundamentados na impenhorabilidade de bens, o Superior Tribunal de Justiça editou

a Súmula 364 dispondo a seguinte redação: “O conceito de impenhorabilidade de

bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras,

separadas e viúvas”.

Dessa forma pode-se destacar algumas jurisprudências referentes ao

assunto:

Processo: APL 7082347700 SP Relator: Álvaro Torres Júnior Julgamento: 02/02/2009 Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado Publicação: 16/02/2009 Ementa: EMBARGOS E EXECUÇÃO – Penhora – Desconstituição – Bem de família – Acolhimento – Impenhorabilidade que se tornou incontroversa ante a falta de impugnação específica dos embargos – Mesmo que o devedor-embargante fosse solteiro, a impenhorabilidade do bem de família seria admissível – O sentido de entidade familiar está relacionado com o uso do imóvel, para fim residencial, de pessoa física que tenha, ou não, constituído família na acepção estrita do termo – Aplicação da súmula 364 do STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas” – Não procede a alegação dos embargos de que o imóvel é penhorável porque o devedor se encontra em Brasília-DF, pois a esposa dele foi intimada no imóvel penhorado, o que demonstra a sua destinação familiar – Embargos à execução parcialmente procedentes. Recurso Especial n.º 950.663 – SC (2007/0106323-9) Relator: Ministro Luis Felipe Salomão Recorrente: Banco do Brasil S/A Advogado: Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz Recorrido: Izair Luis Possato Advogado: Elizabet Correa e outros Ementa: PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. EXECUÇAO. LEI 8.009/90. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. DEVEDOR NAO RESIDENTE EM VIRTUDE DE USUFRUTO VITALÍCIO DO IMÓVEL EM BENEFÍCIO DE SUA GENITORA. DIREITO À MORADIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ESTATUTO DO IDOSO. IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL. 1. A Lei 8.009/1990 institui a impenhorabilidade do bem de família como um dos instrumentos de tutela do direito constitucional fundamental à moradia e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para vida digna, sendo certo que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos baluartes da República Federativa do Brasil (art. 1º da CF/1988), razão pela qual deve nortear a exegese das normas jurídicas, mormente aquelas relacionadas a direito fundamental. 2. A Carta Política, no capítulo VII, intitulado “Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso”, preconizou especial proteção ao idoso, incumbindo desse mister a sociedade, o Estado e a própria família, o que foi regulamentado pela Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que consagra ao idoso a condição de sujeito de todos os direitos fundamentais, conferindo-lhe expectativa de moradia digna no seio da família natural, e situando o idoso, por conseguinte, como parte integrante dessa família. 3. O caso sob análise encarta a peculiaridade de a genitora do proprietário residir no imóvel, na condição de usufrutuária vitalícia, e aquele, por tal razão, habita com sua família imóvel alugado. Forçoso concluir, então, que

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a Constituição Federal alçou o direito à moradia à condição de desdobramento da própria dignidade humana, razão pela qual, quer por considerar que a genitora do recorrido é membro dessa entidade familiar, quer por vislumbrar que o amparo à mãe idosa é razão mais do que suficiente para justificar o fato de que o nu-proprietário habita imóvel alugado com sua família direta, ressoa estreme de dúvidas que o seu único bem imóvel faz jus à proteção conferida pela Lei 8.009/1990. 4. Ademais, no caso ora sob análise, o Tribunal de origem, com ampla cognição fático-probatória, entendeu pela impenhorabilidade do bem litigioso, consignando a inexistência de propriedade sobre outros imóveis. Infirmar tal decisão implicaria o revolvimento de fatos e provas, o que é defeso a esta Corte ante o teor da Súmula 7 do STJ. 5. Recurso especial não provido.

Diante do exposto reconhece que o devedor solteiro, goza da proteção

imposta pela Lei 8.009/90, protegendo o único bem imóvel de execuções por

dívidas, sejam de caráter civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza.

4.1.2 A Inaplicabilidade da Lei às pessoas Jurídicas

A impenhorabilidade instituída pela Lei 8.009/90 tem como destinatários,

sempre, indivíduos, pessoas físicas e suas respectivas famílias. Não pode ser

alegada por pessoas jurídicas, empresas que, embora tenham personalidade

jurídica e patrimônio próprios, não residem e nem tem família no sentido humano e

pessoal.

Contrário a essa afirmação, Czajkowski (1998, p. 60) relata que:

A inaplicabilidade da Lei 8.009/90 às pessoas jurídicas, todavia, precisa ser entendida no sentido prático e não no sentido formalista. Firma individual, por exemplo, só é pessoa jurídica para efeito de imposto de renda; para o direito civil não é. A impenhorabilidade pode incidir, atendidos os requisitos legais.

Mesmo nos casos de outras microempresas não se pode descartar de plano,

a aplicação da Lei 8.009/90. Pequenos empreendimentos nitidamente familiares,

onde os sócios são os integrantes da família e, muitas vezes, o local de

funcionamento confunde-se com a própria moradia, devem poder se beneficiar desta

impenhorabilidade legal.

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5 A QUESTÃO DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 8.009/90

Considerando os efeitos sociais e o impacto da lei nas relações jurídicas

negociais, não é difícil compreender a viva controvérsia que se estabeleceu quanto à

sua constitucionalidade

Neste sentido Czajkowski (1998, p. 23) aduz que:

A lei não visou proteger a má-fé. Procurou sim, em última instância proteger a família do devedor e, por esta via, a própria pessoa do devedor, garantindo as condições mínimas de sobrevivência digna, a salvo das execuções por dívidas, avolumadas, em grande porte, não pela voracidade consumista do devedor, mas pelos tormentos e desacertos de uma economia cronicamente conturbada como é a do nosso país.

Partindo da noção de inconstitucionalidade como desconformidade ou

incompatibilidade de uma norma infraconstitucional, Jorge Miranda (1885, p. 274)

afirma que:

a valoração ética da Lei 8.009/90 por si só não representa afronta a princípios constitucionais genéricos e de conceitos abertos, como é o caso da proteção à dignidade humana (art°, III), à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e à garantia do desenvolvimento nacional.

Nota-se que a discussão sobre a inconstitucionalidade da lei comporta

outras apreciações. O art. 591 do CPC ressalta o caráter relativo, alertando que a

subordinação patrimonial ao pagamento das dívidas pode sofrer restrições pela lei.

A CF/88, ainda que sem fazer uma referência mais específica, orienta-se no mesmo

sentido no art. 5°, LXVIII. Não há constrição física como forma de pagamento de

dívidas, e mesmo as exceções não instituem a prisão como forma de satisfação do

crédito, senão como forma de pressão para que se realize a prestação pecuniária.

Czajkowski (1998, p. 27) afirma que:

A inconstitucionalidade integral da lei não deve ser a melhor conclusão. Mesmo tendo em conta a técnica deplorável com que foi feita, não é possível afirmar que criou uma impenhorabilidade geral do patrimônio do devedor. Estabeleceu de forma atabalhoada um benefício bastante amplo, mas que, na essência, há o patrimônio do devedor ao pagamento coativo das dívidas. Nesta ótica, a impenhorabilidade instituída pela lei continua sendo exceção, e não regra.[...] [...] há mais uma razão extremamente simples que contraria o argumento da inconstitucionalidade. A impenhorabilidade da Lei 8.009/90 é instituto essencialmente semelhante à impenhorabilidade voluntária do bem de família, regulada nos arts. 70 e 73 do Código Civil Brasileiro. Ora, se lei preexistente, cuja constitucionalidade não é posta em dúvida, permite por convenção das partes a formação de uma situação jurídica, uma nova lei que imponha a mesma situação, independente de manifestação de vontade,

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em benefício dos que de outro modo teriam condições de emiti-la, não poderá ser inconstitucional.

Ao lado do bem de família voluntário, da impenhorabilidade já existente no

Estatuto Processual e da inalienabilidade de bens regulada nos art. 1676 e 1677 do

Código Civil, a impenhorabilidade da Lei 8.009/90 é apenas mais uma limitação da

responsabilidade patrimonial do devedor e, este benefício não chega a originar uma

generalizada incerteza sobre a exigibilidade das obrigações, nem sobre a incidência

imperativa das normas que as regulam, mas apenas exclui certos bens, em certas

condições.

Portanto, verifica-se que não existem razões fortes o suficiente para

determinar a inconstitucionalidade integral da Lei 8.009/90, embora argumentos

bastante ponderáveis recomendem, incisivamente, cautela na sua aplicação.

O Tribunal de Justiça do Paraná já firmou posicionamento no que se refere à

exceção trazida pela Lei de Impenhorabilidade, bem como afirmando o direito de

moradia previsto no artigo 6° da Constituição Federal.

De acordo com Gagliano e Pamploma Filho (2003, p. 289)

À luz do Direito Civil Constitucional pois não há outra forma de pensar modernamente o Direito Civil, parece-nos forçoso concluir que este dispositivo de lei viola o princípio da isonomia insculpido no art. 5° da CF, uma vez que trata de forma desigual locatário e fiador, embora as obrigações de ambos tenham a mesma causa jurídica: o contrato de locação.

Conforme o art. 421 do Código Civil “a liberdade de contratar será exercida

em razão e nos limites da função social do contrato”. Este princípio liga-se à

dignidade da pessoa humana com objetivo de equilibrar as relações jurídicas ara

que não haja preponderância de uma parte sobre a outra.

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6 JURISPRUDÊNCIAS EM FACE DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE

FAMÍLIA

Processo: AgRg no AREsp 70180 RS 2011/0181987-6

Relator(a): Ministro SIDNEI BENETI

Julgamento: 25/06/2013

Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA

Publicação: DJe 01/08/2013

AGRAVO REGIMENTAL CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. QUESTÃO PRECLUSA. 1.- Embora a impenhorabilidade do bem de família seja matéria de ordem pública, passível de arguição em qualquer fase do processo, na hipótese de haver decisão anterior, opera-se a preclusão consumativa.

2.- Agravo Regimental improvido.

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Processo: EDcl no REsp 1084059 SP 2008/0173574-8

Relator(a): Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI

Julgamento: 11/04/2013

Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA

Publicação: DJe 23/04/2013

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL RECURSO ESPECIAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA. PROTEÇÃO À INTEGRALIDADE DO BEM. 1. Em se constatando que o imóvel no qual reside a recorrente é um bem de família, ainda que parte dele tenha sido adquirida em suposta fraude à execução, a impenhorabilidade da parte não eivada de vício (os 50% da recorrente) se estenderia à totalidade do bem, salvo se se tratar de imóvel suscetível de divisão. 2. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se dá parcial provimento. A Quarta Turma, por unanimidade, recebeu os embargos de declaração como agravo regimental e deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Luis Felipe Salomão (Presidente) e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Março Buzzi.

RECURSO ESPECIAL Nº 715.259 - SP (2005⁄0000624-9) RELATOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE MARDEN JOSÉ PINHEIRO LIMA E

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OUTRO ADVOGADO JÚLIO NOBUTAKA SHIMABUKURO RECORRIDO ENVER CHEDE ADVOGADO ANDRÉ R. CHEDE E OUTRO

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA. ATO. GOVERNO LOCAL. AUSÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. PRECEDENTES. 1. Configura-se deficiente a fundamentação do apelo nobre, atraindo a incidência da Súmula 284⁄STF, se o recorrente não indica qual o ato de governo local contestado em face de lei federal teria sido julgado válido pelo Tribunal de origem, de modo a viabilizar o inconformismo pela alínea "b" do permissivo constitucional. 2. Para a análise da admissibilidade do recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional, torna-se imprescindível a indicação das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ). Nesse sentido, confira-se o AgRg no Ag 1053014⁄RN, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 15.09.2008. Malgrado a tese de dissídio jurisprudencial, o recorrente não realizou o necessário cotejo analítico, que não se satisfaz pela mera transcrição de ementas ou votos, não restando demonstradas, assim, as circunstâncias identificadoras da divergência entre o caso confrontado e o aresto paradigma. Outrossim, não resta aperfeiçoado o apontado dissídio jurisprudencial, se os paradigmas colacionados são oriundos do mesmo Tribunal prolator do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 13⁄STJ. 3. O bem de família, tal como estabelecido em nosso sistema pela Lei 8.009⁄90, surgiu em razão da necessidade de aumento da proteção legal aos devedores, em momento de grande atribulação econômica decorrente do malogro de sucessivos planos governamentais. A norma é de ordem pública, de cunho eminentemente social, e tem por escopo resguardar o direito à residência ao devedor e a sua família, assegurando-lhes condições dignas de moradia, indispensáveis à manutenção e à sobrevivência da célula familiar. 4. Ainda que valioso o imóvel, esse fato não retira sua condição de serviente a habitação da família, pois o sistema legal repele a inserção de limites à impenhorabilidade de imóvel residencial. 5. Recurso conhecido em parte e, na extensão, provido.

DIREITO CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. EXISTÊNCIA DE OUTROS IMÓVEIS RESIDENCIAIS GRAVADOS COM CLÁUSULA DE IMPENHORABILIDADE. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 8.009⁄90. - O propósito da Lei nº 8.009⁄90 é a defesa da célula familiar. O escopo da norma não é proteger o devedor, mas sim o bem estar da família, cuja estrutura, por coincidência, pode estar organizada em torno de bens pertencentes ao devedor. Nessa hipótese, sopesadas a satisfação do credor e a preservação da família, o fiel da balança pende para o bem estar desta última. - Contudo, os excessos devem ser coibidos, justamente para não levar o instituto ao descrédito. Assim, a legitimidade da escolha do bem destinado à proteção da Lei nº 8.009⁄90, feita com preferência pela família, deve ser confrontada com o restante do patrimônio existente, sobretudo quando este,

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de um lado se mostra incapaz de satisfazer eventual dívida do devedor, mas de outro atende perfeitamente às necessidades de manutenção e sobrevivência do organismo familiar. - Nesse contexto, fere de morte qualquer senso de justiça e equidade, além de distorcer por completo os benefícios vislumbrados pela Lei nº 8.009⁄90, a pretensão do devedor que a despeito de já possuir dois imóveis residenciais gravados com cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, optar por não morar em nenhum deles, adquirindo um outro bem, sem sequer registrá-lo em seu nome, onde reside com sua família e querer que também este seja alcançado pela impenhorabilidade. Recurso especial não conhecido. (REsp 831.811⁄SP, Rel. Min. ARI PARGENDLER, Rel. p⁄ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 5⁄8⁄2008) PROCESSUAL CIVIL. CAUTELAR DE ARRESTO. EXECUÇÃO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. CONSTRUÇÃO ANTERIOR SOBRE TERRENO. ART. 5º DA LEI 8.009⁄1990. VENCIMENTO DA DÍVIDA. IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA. I. O vencimento da dívida exequenda durante a construção de imóvel sobre terreno de propriedade da devedora, não afasta a incidência da Lei n. 8.009⁄1990, de modo que o imóvel fica a salvo da penhora, por constituir bem de família. II. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1087727⁄GO, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, DJe 16⁄11⁄2009) PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PENHORA DE IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA. ALEGAÇÃO A QUALQUER TEMPO. PRECEDENTES DA CORTE. I - A impenhorabilidade do bem de família pode ser alegada a qualquer tempo, até mesmo por petição nos autos da execução. Recurso Especial provido. (REsp 1114719⁄SP, Rel. Min. SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe 29⁄6⁄2009) PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – BEM DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE – IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE SOCIEDADE COMERCIAL RESIDÊNCIA DOS DOIS ÚNICOS SÓCIOS – EMPRESA FAMILIAR – PRECEDENTES. 1. A Lei n. 8.009⁄90 estabeleceu a impenhorabilidade do bem de família, incluindo na série o imóvel destinado à moradia do casal ou da entidade familiar, a teor do disposto em seu art. 1º. 2. Sendo a finalidade da Lei n. 8.009⁄90 a proteção da habitação familiar, na hipótese dos autos, demonstra-se o acerto da decisão de primeiro grau, corroborada pela Corte de origem, que reconheceu a impenhorabilidade do único imóvel onde reside a família do sócio, apesar de ser da propriedade da empresa executada, tendo em vista que a empresa é eminentemente familiar. Recurso especial improvido. (REsp 1024394⁄RS, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 14⁄3⁄2008)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do estudo realizado, constatou-se que o bem de família e sua

impenhorabilidade é um tema polêmico e relevante, tendo em vista que é de cunho

social, mas mas com tratamento legislativo, algumas vezes inadequado, dando

margens a fraudes e interpretações equivocadas.

Um estudo sobre o Novo Código Civil descreveu os preceitos legais sobre o

bem de família, o qual é destinado ao Direito de Família nos artigos 1.740 a 1751,

em que pecam por tratarem do bem de família apenas na perspectiva convencional,

sem incorporarem a aplicação que a Lei 8.009/90 introduziu, beneficiando a

generalidade das habitações familiares próprias.

O objetivo da Lei 8009/90 é a defesa do bem familiar e não, proteger o

devedor, mas sim, o bem estar da família, evidenciando uma vitória social e sua

importância na sociedade.

Entretanto, verificou-se que para que haja um equilíbrio no ordenamento

jurídico a própria lei contém excessões, evitando a má-fé por parte do devedor.

Em uma análise mais aprofundada, notou-se uma falta de seriedade

legislativa, tendo em vista que na aplicação da referida Lei, além de defender uma

generalizada indulgência nas relações econômicas, exagera com argumentos

colocando o devedor como vítima e o credor como vilão, contrariando o próprio

objetivo.

Dessa forma, torna-se necessário um estudo de cada caso sobre a conduta

das partes, as condições de vida do devedor para que as condições indique-se a

razoabilidade na aplicação da Lei integralmente, parcialmente ou não aplicá-la.

Conclui-se em face do exposto que a Lei 8009/90 não é inconstitucional na

sua totalidade, embora em diversos aspectos, sua validade seja discutível.

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