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  • IImmppaaccttos os JJururíídidiccos da os da PPaandndeemia de mia de CCoovvid-19id-19

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  • Resenha

    Esta edição especial aborda aspectos jurídicos relevantes sobre o coronavírus.

    Em textos multidisciplinares, a Dotti e Advogados produziu análises objetivas e práticas sobre o cotidiano de empresas e da sociedade em geral diante dos grandes desafios gerados pela pandemia.

    Além de permitir a reflexão sobre polêmicas atuais, a leitura dos artigos é uma maneira de se manter informado sobre os nossos direitos e deveres em tempos de distanciamento social.

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  • O vírus não pode atrasar os processosRogéria Dotti

    EDITORIALRené Ariel Dotti

    COVID-19: Conciliação nos contratos de locaçãoPatrícia Nymberg

    A liberação de valores penhorados em execução fiscal para o pagamento de saláriosVanessa Scheremeta

    Contratos: A Teoria da imprevisão e a pandemiaJulio Brotto

    A continuidade da tutela dos consumidores no período do coronavírusJosé Roberto Trautwein

    O uso da TelemedicinaVanessa Cani

    Pandemia e contratos: Muita ponderação e responsabilidadeFernando Welter

    COVID-19: A remarcação de passagem aéreaCícero Luvizotto

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    ÍNDICE

    COVID-19: Novas regras para o setor aéreoLaís Bergstein

    Como ficará o judiciário com a covid-19?Giuliane Gabaldo

    COVID-19 e condomínios edilícios: realização de assembleias e restrição ao uso de áreas comunsAna Beatriz Rocha

  • O habeas corpus em tempos de coronavírusAlexandre Knopfholz

    Consequências penais da divulgação de fakenews sobre a pandemiaLuis Otávio Sales

    O charlatanismo em tempos de Covid-19Guilherme Alonso

    COVID-19: Legislação básica sobre medidas estatais de saúde públicaGustavo Scandelari

    Ilícitos penais em relações de vizinhançaBruno Correia

    Proposta de lei contra fraudes no recebimento do auxílio emergencialEduardo Knesebeck

    A prisão é a melhor resposta para a quebra do isolamento social?Mauro Paciornik

    Mentir que está com Covid-19 é ilícito penal?Victoria de Barros e Silva

    COVID-19 e a produção ilegal de álcool em gelLarissa Ross

    Habeas corpus coletivo e grupos de risco da Covid-19Rodrigo Ribeiro

    Direito de família em tempos de pandemia:como encontrar o bom senso?Fernanda Pederneiras

    Comunicação da Covid-19: Obrigação legal dos médicos, dever social de todosFernanda Lovato

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    30Habeas corpus coletivo para devedores de pensão alimentíciaThais Guimarães

  • Estamos morando juntos durante a quarenta:É união estável?Diana Geara

    COVID-19: É dever da família proteger as pessoas idosasBeatriz Bispo

    Medida provisória autoriza o pagamento antecipado em contratos administrativosFrancisco Zardo

    A Covid-19, a calamidade pública e seus reflexos no orçamento federalAndré Meerholz

    Covid-19: Requisição administrativaFernanda Machado

    Competência federativa e as medidas sanitárias de isolamentoSebastião da Silva Junior

    Para fins de fiscalização, o CONTRAN interrompeu o prazo de validade daCNH e outros serviços de trânsito devido ao Covid-19Gustavo Bortot

    COVID-19: Aspectos regulatórios e compras governamentaisPedro Gallotti

    A tolerância ao erro do administrador público em tempos de Covid-19Alexsandro Martins

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  • EDITORIAL

    Queridas e queridos colegas:

    Estamos vivendo um grande desafio. Talvez o maior de nossas vidas. Lembrei uma das obras clássicas da literatura mundial: A peste, de Albert Camus (1913-1960), um ser humano de várias camadas (Prêmio Nobel de Literatura, 1957). Foi Escritor, Jornalista, Filósofo, Dramaturgo e um dos membros da resistência francesa contra o Nazismo. Na leitura de A peste, é fundamental verificar a resistência extraordinária de alguns personagens e a solidariedade humana em meio à peste bubônica que assolou a cidade de Oran, na Argélia.

    O livro contém forte imagem de sofrimento e, ao mesmo tempo, de esperança. Uma das frases de Camus bem identifica o que foi dito acima: “No frio do inverno, finalmente aprendi que dentro de mim existe um insuperável verão”.

    Em situações como a presente, do Coronavírus, é absolutamente necessário não ser refém do medo. O medo ofusca o dia pleno de luz assim como o eclipse solar. A Lua, “porém, está com diâmetro menor que o do Sol, aparecendo, portanto, como um disco escuro no centro do disco solar, que se destaca como um anel cintilante”. Houaiss.

    O brilho de nossa luta na Advocacia, de nosso empenho profissional e da nossa alegria de viver não serão extintos pela passagem de um tempo carregado de nuvens negras. Nem com a chuva intermitente e os granizos que soam na vidraça, mas que se esfumam com o calor do sol que surge e se eleva para além da mata, do campo e das ruas, aquecendo nossa alma.

    Certamente nenhum estadista mundial viveu a incerteza e o temor vividos por Winston Churchill (1874-1965), Primeiro Ministro da Inglaterra diante da iminente invasão nazista a Londres, durante a II Guerra Mundial. Ele mostrou um notável e histórico exemplo de resistência contra membros de seu partido que pretendiam fazer um acordo com Hitler como preço da paz. Em seu discurso na House of Commons, em 4 de junho de 1940, reagindo com iluminado vigor cívico e extraordinária coragem, assim falou:

    Irmãs e irmãos em luta: “we shall never surrender”.Afetuosamente,

    René Ariel Dotti.

    “We shall defend our island, whatever the cost may be, we shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender”. (COHEN, MJ. The penguin thesaurus of Quotations, England, 1998, p. 579).

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  • De forma muito lúcida, Fernando Gajardoni já admitia a possibilidade da dispensa da audiência preliminar, antes mesmo da pandemia. Nesses casos, após o requerimento da parte, o magistrado flexibilizaria o procedimento, determinando desde logo o início do prazo para a contestação. Isso não impe os acordos, pois incumbe aos magistrados promover, a qualquer tempo, a autocomposição entre as partes (CPC, art. 139, V).

    Além disso, a audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico (CPC, art. 334, § 7º). Nesse sentido, o Conselho da Justiça Federal, na I Jornada de Direito Processual Civil, formulou o Enunciado nº 25: As audiências de conciliação ou mediação, inclusive nos juizados especiais, poderão ser realizadas por videoconferência, áudio, sistemas de troca de mensagens, conversa online, conversa escrita, eletrônica, telefônica e telemática ou outros mecanismos que estejam à disposição dos profissionais da autocomposição para estabelecer a comunicação entre as partes.

    Em suma, o curso dos processos não pode sofrer paralisação. Conforme Eduardo Talamini e Paulo Osternack Amaral: Toda a atividade profissional e econômica que mesmo na crise possa ser levada adiante – e processo é também atividade profissional e econômica – deve prosseguir .

    A lição que fica é a de que, apesar do vírus, a vida e os processos devem prosseguir.

    ROGÉRIA DOTTI

    O vírus não pode atrasar os processos

    A crise gerada pelo Coronavírus levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar, em 11 de março de 2020, a ocorrência de uma pandemia com graves consequências em todos os países do mundo. No Brasil reconheceu-se o estado de calamidade pública, por força do Decreto Legislativo nº 06/2020.

    Mas e os processos judiciais? Como ficam em tempos de isolamento e quarentena? Um dos problemas é o prazo para resposta do réu. Ele só passa a fluir depois da audiência de conciliação (CPC, art. 335, I). E as audiências presenciais são inviáveis nesse momento.

    O intuito da lei foi o de estimular a solução consensual. Conforme Teresa Arruda Alvim, entende-se que o fato de o réu se preparar para defender-se acirra os ânimos e dificulta o acordo . Daí a razão da audiência prévia. Segundo Gustavo Osna: Prioriza-se o diálogo, delegando propositalmente o embate para um momento posterior. O problema é que, em tempos de pandemia, a regra acaba postergando e atrasando a tramitação processual.

    Como quaisquer dispositivos do Código, os art. 334 e 335 devem ser lidos e aplicados a partir da ótica das garantias constitucionais e das normas fundamentais. A duração razoável do processo, a cooperação e a eficiência (CPC, arts. 4º, 6º e 8º do Código) devem, em momentos de excepcionalidade, impor uma nova leitura das regras. Lembre-se que os magistrados têm o dever de velar pela duração razoável do processo (CPC, art. 139, II) e flexibilizar o procedimento para adequá-lo às necessidades do conflito (CPC, art. 139,

    O problema é que, em tempos de pandemia, a regra acaba postergando e atrasando a tramitação processual.

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    Juiz de Direito no Estado de São Paulo, Doutor e mestre pela Faculdade de Direito da USP (FD-USP).GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015: volume 2/Fernando da Fonseca Gajardoni...[et al.], 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2018, p. 85, grifos nossos.TALAMINI, Eduardo; AMARAL, Paulo Osternack. Suspensão dos prazos processuais por força da pandemia, in Covid-19 e o direito brasileiro/ Marçal Justen Filho...[et al.] Curitiba: Justen, Pereira, Oliveira & Talamini, 2020.

    ARRUDA ALVIM, Teresa. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo/ coordenação Teresa Arruda Alvim...[et al.], 1 ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 568. OSNA, Gustavo. A ‘Audiência de Conciliação ou de Mediação’ no Novo CPC: Seis (Breves) Questões para Debate, in Revista de Processo, v. 256, p. 349-370, 2016.

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  • JULIOBROTTO

    Em “Tempos muito estranhos”, Doris Goodwin retrata a vida do casal Roosevelt à frente da Casa Branca em plena Segunda Guerra Mundial, com os sacrifícios feitos pela população no esforço de guerra. Meias de seda doadas para a confecção de paraquedas. Panelas de alumínio para a utilização nas fábricas de aviões.

    Tempos estranhos também são esses em que vivemos. Nunca, antes, o mundo enfrentou fenômeno semelhante ao da Pandemia causada pela Covid-19. Ao menos nunca com a facilidade de comunicação e acesso à informação que se tem hoje à disposição. Ficar em casa em contenção e estrangular a economia? Sair e repetir, aqui, o desastre ocorrido na Itália e na Espanha? Parece não haver resposta que não exija uma bola de cristal bem calibrada. Mas o fato é que o fenômeno tem impactado enormemente a Sociedade, a Economia e, consequentemente, as relações jurídicas e contratuais.

    O princípio da imprevisão, adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, consagra expressamente a possibilidade de revisão ou até mesmo de resolução dos contratos quando, em decorrência de acontecimentos surpreendentes, as obrigações

    contraídas tornarem-se desproporcionais ao que se havia projetado quando da celebração do contrato (art. 317 do Código Civil). A ideia é reforçada pelo princípio da onerosidade excessiva (art. 478-CC).

    Em ambos se relativiza o princípio da força obrigatória dos contratos – “pacta sunt servanda”- justamente de modo a atender a um outro princípio: o da preservação dos contratos.

    É o caso, por exemplo, de um restaurante em espaço locado que, do dia para a noite, vê a sua clientela desaparecer por força do lockdown. Como continuar pagando os alugueres se a receita secou?

    A função social do contrato, combinada com a possibilidade legal de sua revisão, recomendam a adequação da avença, de modo a atender a imprevisível Pandemia. As recentíssimas experiências revelam que o sentimento de solidariedade tem prevalecido. As partes devem buscar o contato pessoal entre si, deliberando consensualmente sobre as adequações que podem e devem ser feitas, preferencialmente à discussão judicial.

    Contratos: A teoria da imprevisão e a pandemia

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    Nunca, antes, o mundo enfrentou fenômeno semelhante ao da Pandemia causada pela Covid-19.

  • COVID-19: Conciliação nos contratos de locação

    Sem dúvida, a presente pandemia de Covid-19 afetou sobremaneira as relações contratuais e, principalmente, as locatícias. De um lado, os locatários pleiteiam a redução dos alugueres ou a suspensão; de outro, os locadores defendem que os alugueres permaneçam tal qual contratado.

    É preciso reequilíbrio, não há como negar que as partes foram surpreendidas com uma situação imprevisível e inevitável. As bases contratuais não são mais as mesmas, pelo menos temporariamente.

    Judicializar a questão não é a melhor solução, pois ninguém melhor que as próprias partes podem, com concessões mútuas e orientação de um mediador, estabelecer um ponto de equilíbrio. Mas nem sempre se encontra ponderação e razoabilidade, sendo necessário buscar o Judiciário. É importante estar consciente que as decisões judiciais tendem a estabelecer um ponto médio na pretensão das partes – algo que já poderia ser ajustado amigavelmente.

    Acerca da importância de um ajuste extraprocessual, assim afirmou o Desembargador COSTA WAGNER, da 34ª Câmara de Direito Privado do TJSP: “O cenário ideal será que as partes que firmaram um contrato tenham maturidade, e acima de tudo, bom senso, para definir um critério a lhes guiar durante esse período de excepcionalidade. Sem querer tirar vantagens do momento, entendendo os problemas do outro e, acima de tudo, reconhecendo que será esse auxílio mútuo em período tão difícil que irá fortalecer relações comerciais cujos benefícios serão por todos auferidos no futuro“[1].

    A epidemia vai passar e as partes terão que conviver harmonicamente quando a crise acabar, por isso, é preciso conscientização para evitar os litígios desnecessários.

    [1] Fonte: https://www.conjur.com.br/2020-abr-30/reducao-aluguel-durante-epidemia-divide-desembargadores-sp

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    É preciso reequilíbrio, não há como negar que as partes foram surpreendidas com uma situação imprevisível e inevitável.

  • A liberação de valores penhorados em execução fiscal para o pagamento de salários

    O Judiciário tem sido bastante sensível à crise econômica causada pelo covid-19. O Ministro Napoleão Nunes Maia, da 1ª Turma do STJ, em decisão proferida na Tutela Provisória no Recurso Especial nº 1.856.637/RS, permitiu o levantamento de penhora on line em uma execução fiscal movida contra uma empresa de manutenção de elevadores, permitindo a utilização do numerário para quitação de salários e encargos trabalhistas, mediante posterior prestação de contas nos autos.

    O caso possui particularidades que assim autorizavam. A empresa pediu a liberação dos valores penhorados por ter aderido ao programa de parcelamento do débito fiscal dois dias antes da constrição. A Fazenda Nacional, entretanto, buscou redirecioná-los a outras execuções movidas contra o mesmo devedor, com base no art. 53, § 2º da lei 8.212/91. O Juízo de primeiro grau considerou indevida a penhora lavrada quando já suspensa a exigibilidade da dívida e deferiu

    o seu levantamento, condicionando-o ao julgamento definitivo do recurso. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4 ª Região.

    A Fazenda, então, recorreu ao STJ, insistindo no redirecionamento. Por sua vez, a empresa fez o pedido de tutela provisória naquela Corte, requerendo a liberação imediata da quantia penhorada para propiciar o pagamento de seus funcionários, uma vez que teve sua atividade econômica e faturamento drasticamente reduzidos em razão das medidas restritivas adotadas para a contenção da pandemia.

    Em sua decisão liminar, o Ministro salientou ser efetivamente indevida a penhora formulada após a adesão ao parcelamento e por isso concedeu a tutela pleiteada para desde logo liberar parte do valor constrito – R$ 80.000,00 – permitindo que a empresa pudesse saldar seus débitos e assim manter seu quadro funcional.

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    VANESSASCHEREMETA

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    O Judiciário tem sido bastante sensível à crise econômica causada pelo covid-19.

  • A pandemia do coronavírus tem trazido significativas preocupações aos indivíduos, dentre as quais as relacionadas à saúde, medicamentos, equipamentos hospitalares, disponibilidade de mercadorias nos supermercados, farmácias etc.

    O fechamento de parte do comércio, somada à necessidade de ficar nas residências para evitar o contágio, acabou inserindo no cotidiano fato que, embora desconhecido, não era comum aos indivíduos. Trata-se das compras realizadas por meio do comércio eletrônico.

    Para se ter ideia do aumento significativo dessa modalidade, o sítio www.exame.abril.com.br relatou em 20/03/2020: (a) Associação Brasileira de Comércio Eletrônico notícia que as lojas virtuais registraram aumento de 180% em transações nas categorias de alimentos e saúde. Para outros segmentos, o aumento médio foi calculado em 30%; (b) a plataforma digital Mercado Livre apontou aumento de 65% nas vendas de produtos dos segmentos de saúde, cuidado pessoal, alimentos e bebidas, na comparação com idêntico período de 2019; (c) a plataforma de entregas colaborativas “Eu Entrego” teria aumentado seu volume de entregas de 3 mil para 15 mil por dia.

    O aumento expressivo dessas atividades é relevante e tem levado comércios tradicionais a se adaptarem, gerando novas contratações ou demissões de pessoal e o recolhimento de impostos. Todavia, é necessário que tais empresas não estejam voltadas apenas ao lucro. Nesse contexto é imprescindível a continuidade de observância aos direitos dos consumidores, informando-os e efetivamente cumprindo o prazo de entrega estipulado.

    Da mesma forma, as empresas devem estarem atentas a existência de estoques, bem como da imprescindibilidade de comunicarem os consumidores de eventuais atrasos na entrega.

    Enfim, é de suma importância à observância da boa-fé, assim compreendida pelo Prof. Miguel Reale, em artigo denominado “um artigo chave para o Código Civil”, como sendo “uma das condições essenciais da atividade ética, nela incluída a jurídica, caracterizando-se pela sinceridade e probidade dos que dela participam, em virtude do que se pode esperar que será cumprido e pactuado sem distorções ou tergiversações (…)”.

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    A continuidade da tutela dos consumidores no período do coronavírus

    JOSÉ ROBERTOTRAUTWEIN

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    É necessário que tais empresas não estejam voltadas apenas ao lucro.

  • Aceite-se ou não, a lógica que impera nas relações privadas atuais é quase que exclusivamente financeira: reduzir custos e incrementar lucros. E diante de uma surpreendente pandemia que paralisou o planeta, é natural que as partes de um contrato conjecturem, com maior ou menor legitimidade, saídas judiciais para modificar as bases financeiras dos negócios em curso.

    Não há dúvida quanto à imprevisibilidade do fenômeno e dos seus deletérios efeitos na economia e nos contratos. Se o cumprimento se tornou impossível, o contrato poderá ser resolvido, com retorno das partes ao estado anterior. Se a prestação se tornou excessivamente onerosa, o contrato poderá ser revisto. É isso que em linhas gerais prevê o ordenamento jurídico com os conceitos de caso fortuito/força maior, imprevisão e onerosidade excessiva, que têm sido reiteradamente citados nas ações que já se multiplicam no judiciário.

    Mas a judicialização em massa é a melhor alternativa? Mais do que isso: terão os contratantes razoável segurança de que seus pleitos serão atendidos? Note-se que há no episódio atual um quê de novidade, já que ele impactou ao mesmo tempo todos os setores sociais e econômicos. Não se trata de um fato natural localizado ou de uma súbita elevação do câmbio que

    afeta somente as operações a ele vinculadas, casos tradicionais de resolução ou revisão contratual.

    Se o ineditismo da situação por si só gera insegurança quanto à resposta que afinal será dada pelo Judiciário, as partes também deverão estar atentas ao seu comportamento ético e social. A moderna teoria contratual assenta-se nos princípios da probidade, boa fé objetiva e solidarismo, sendo o contrato visto como uma ordem de cooperação. Nesse sentido, todo o esforço para a preservação do contrato e atingimento do seu escopo fundamental certamente será bem visto pelo Judiciário, se a ele a discussão chegar. Por outro lado, comportamentos oportunistas certamente serão censurados.

    A situação atual reclama soluções diferentes, nem sempre coincidentes com os referenciais da lei (diga-se, por exemplo, que aplicar agora as normas protetivas do consumidor levaria à destruição do setor aéreo, razão pela qual foram editadas normas específicas para a proteção daquele setor). No plano privado, o mesmo deve ocorrer. As partes, que bem mais que o juiz conhecem a operação econômica objeto do contrato, devem buscar com ponderação e responsabilidade a readequação e manutenção dos contratos, cientes de seu papel fundamental na superação desta grave crise.

    Não há dúvida quanto à imprevisibilidade do fenômeno e dos seus deletérios efeitos na economia e nos contratos.

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    Pandemia e contratos: Muita ponderação e responsabilidade

    FERNANDOWELTER

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    No Brasil, o Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM nº 1.643/2002, definiu a telemedicina como sendo “o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audio-visual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em saúde”, cuja prestação deverá ser feita por estrutura tecnológica apropriada.

    Não obstante a Resolução, esse tipo de assistência requeria a existência de norma regulamentadora, que nunca chegou a ser concretizada ante a justificativa de que a questão merece uma análise mais profunda, um debate exauriente, especialmente em decorrência de seus aspectos éticos.

    Ocorre que, com as medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do

    COVID-19, elencadas na Lei 13.989/2020, a exemplo do isolamento, o Ministério da Saúde, de forma excepcional e enquanto perdurar a pandemia, autorizou a possibilidade do uso da telemedicina. Paralelamente, foi apresentado no Congresso o projeto de Lei nº 696/2020, que trata da matéria em questão, o qual foi aprovado e aguarda sanção presidencial.

    Necessário salientar, que os profissionais de saúde que prestarem atendimento médico utilizando-se de plataformas virtuais deverão observar rigorosamente, sob pena de responsabilidade, o dever de “obedecer as normas técnicas do CFM pertinentes à guarda, manuseio, transmissão de dados, confidencialidade, privacidade e garantia do sigilo profissional”, nos termos do disposto no artigo 2º da Resolução 1.643/2002, adotando sobretudo mecanismos que que garantam a segurança dos dados das informações.

    Ministério da Saúde, de forma excepcional e enquanto perdurar a pandemia, autorizou a possibilidade do uso da telemedicina.

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    O uso da Telemedicina

    VANESSACANI

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    A pandemia de Covid/19 já pode ser considerada uma das maiores tragédias da humanidade. São milhões de infectados e centenas de milhares de mortos.

    Além daqueles atingidos diretamente pela doença, outros tantos tiveram suas vidas afetadas pela doença. Ao longo destes meses de distanciamento social e fechamento de fronteiras foram veiculadas dezenas de reportagens mostrando famílias que suspenderam suas férias ou até mesmo casais que tiveram que reagendar cerimônias de casamento. Felizmente, a sensibilidade e a razoabilidade de todos os envolvidos (consumidores e fornecedores) têm falado mais alto e dezenas de litígios judiciais foram evitados.

    Contudo, em algumas situações o Poder Judiciário foi chamado a intervir para a busca da pacificação social.

    No caso concreto (autos nº 0004957-26.2020.8.16.0130, do Juizado Especial de Paranavaí/PR) os jurisdicionados haviam adquirido passagens para lua de mel que teve que ser adiada.

    Não obstante as tentativas extrajudiciais de solucionar o conflito por meio de reclamações diretamente junto à companhia aérea e no portal consumidor.gov.br, a fornecedora se negava a remarcar os bilhetes sem o pagamento de contraprestação financeira.

    Ao submeter o pleito ao Judiciário, os nubentes obtiveram, em sede de tutela de urgência, o deferimento do pedido de remarcação das passagens sem qualquer custo adicional. Segundo a Magistrada, “é notória a ampla disseminação da COVID-19 por todo o mundo, fato que levou a tomada de diversas medidas preventiva pelos governos para conter a pandemia, tais como, a imposição de isolamento social, fechamento de fronteiras, comércio, pontos turísticos etc, obrigando os autores a adiar seus planos de viagem”.

    Certamente outras demandas semelhantes serão deduzidas. Resta saber como será o posicionamento do Judiciário daqui por diante.

    Além daqueles atingidos diretamente pela doença, outros tantos tiveram suas vidas afetadas pela doença.

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    COVID-19: A remarcação de passagem aérea

    CÍCEROLUVIZOTTO

  • A declaração de pandemia pela OMS em razão da escala de contaminação pelo coronavírus (COVID-19) e (SARS-CoV2) constitui situação excepcional que justifica algumas iniciativas legislativas. No setor aéreo, a Medida Provisória 925/20, publicada no Diário Oficial de 19/03/2020 estabeleceu regras emergenciais para a aviação civil brasileira para voos contratados até 31 de dezembro de 2020.

    Em julho foi aprovado no Congresso o Projeto de Lei de Conversão da MP (PLV nº. 23/2020), que altera as regras no setor mesmo pós-pandemia, alterando o Código Brasileiro de Aeronáutica e outras legislações. O principal aspecto, ainda sujeito a veto presidencial, é o afastamento da responsabilidade do transportador no caso de atrasos resultantes de: I – restrições ao pouso ou à decolagem decorrentes de condições meteorológicas adversas impostas por órgão do sistema de controle do espaço aéreo; II - restrições ao pouso ou à decolagem decorrentes de indisponibilidade da infraestrutura aeroportuária; III - restrições ao voo, ao pouso ou à decolagem decorrentes de determinações da autoridade de aviação civil ou de qualquer outra autoridade ou órgão da administração pública, que será responsabilizada; IV - decretação de pandemia ou publicação de atos de governo que dela decorram, com vistas a impedir ou a restringir o transporte aéreo ou as atividades aeroportuárias.

    O PLV manteve a previsão de que os passageiros que decidirem adiar as viagens que se realizariam entre

    19/03/2020 e 31/12/2020 serão isentos da multa pela remarcação caso aceitem o reembolso sob a forma de crédito para a compra de uma nova passagem no prazo de 18 meses. Caso o cancelamento ou a remarcação ocorra por iniciativa da companhia aérea, o passageiro deverá ser informado com antecedência de 72 horas e poderá optar pelo reembolso sob a forma de crédito com validade de 18 meses ou reacomodação em outro voo disponível. Mas caso o passageiro não seja previamente informado e dirigir-se ao aeroporto, a companhia aérea deverá, além dessas opções, oferecer a assistência material indicada na Resolução 400 da ANAC.

    Diante do congestionamento dos canais de contato com as companhias aéreas, resultante do número expressivo de cancelamentos e remarcações, sugere-se aos consumidores que façam o pedido pelo portal www.consumidor.gov.br, pessoalmente ou por intermédio do seu advogado.

    As companhias aéreas nacionais Gol, Latam, Azul, VoePass e Map assinaram um acordo setorial para isentar os consumidores do pagamento da diferença tarifária para remarcação das passagens em voos que aconteceriam entre 01/03 e 30/06/2020, caso ela ocorra dentro de um ano, sejam mantidos a origem, o destino e o período da compra original (alta ou baixa temporada).

    Novas regras para o setor aéreo entraram em vigor em março de 2020 e se estenderão mesmo depois do término da pandemia.

    LAÍSBERGSTEIN

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    Covid-19: Novas regras para o setor aéreo

  • GIULIANE GABALDO

    Como ficará o judiciário com a covid-19?

    Mas o que isso significa? O Poder Judiciário fechou as portas? A resposta é negativa.

    O momento é sensível e exige, acima de tudo, solidariedade. Atento a isso, o Poder Público vem tomando diversas medidas na tentativa de auxiliar no isolamento social, conduta importantíssima para evitar o contágio exacerbado causado pela COVID-19.

    No dia 19 de março de 2020, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários de todo o Brasil e garantir o acesso à Justiça dos cidadãos nesse período emergencial, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução de n. 313, estabelecendo um regime de plantão extraordinário e, dentre outras medidas, suspendendo os prazos processuais até o próximo dia 30 de abril.

    Posteriormente, tendo em vista a continuidade da situação de emergência em saúde pública, o CNJ editou as Resoluções 314 e 318, prorrogando a suspensão dos prazos processuais dos processos eletrônicos. Mantiveram-se suspensos, contudo, durante a vigência do regime diferenciado, os prazos processuais dos autos que tramitam em meio físico.

    Mas o que isso significa? O Poder Judiciário fechou as portas? A resposta é negativa.

    O trabalho efetivo não cessará. Significa dizer que os processos poderão seguir seu curso, já que magistrados e agentes judiciários trabalharão na modalidade home office. Apenas as audiências e as sessões de julgamento presenciais não ocorrerão nesse período. Estarão mantidas as sessões de julgamento virtual e o atendimento às partes e advogados de forma remota, com o auxílio da tecnologia. O Poder Judiciário vem disponibilizando, inclusive, os dados para contato dos advogados com servidores e

    magistrados.

    De fato, referida resolução prevê que os tribunais definirão as atividades essenciais a serem prestadas, garantindo-se, minimamente, entre outros serviços, a distribuição de processos judiciais e administrativos, com prioridade aos procedimentos de urgência.

    Também será garantida a apreciação de determinadas matérias, como habeas corpus e mandado de segurança; medidas liminares e de antecipação de tutela de qualquer natureza, inclusive no âmbito dos juizados especiais; pedidos de alvarás, de levantamento de importância em dinheiro ou valores, substituição de garantias e liberação de bens apreendidos, pagamento de precatórios, Requisições de Pequeno Valor – RPV’s e expedição de guias de depósito.

    Aliás, o parágrafo único do artigo 5. da Resolução 313 foi claro ao prever que a suspensão dos prazos processuais “não obsta a prática de ato processual necessário à preservação de direitos e de natureza urgente”. Assim, ações judiciais poderão ser normalmente propostas e os processos seguirão seu curso, principalmente para o alcance daqueles direitos mais urgentes.

    Graças à tecnologia há algum tempo adotada pelo nosso Judiciário – com a utilização de processos eletrônicos e, mais recentemente, julgamentos virtuais –, além de atendimentos remotos de escritórios de advocacia com seus clientes, o serviço judiciário será preservado, mesmo em meio à triste pandemia.

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    Diante da atual situação de pandemia do coronavírus e das medidas recomendadas para a sua contenção, tal como o isolamento social, surgem questões relacionadas às atitudes que podem ser tomadas no âmbito dos condomínios edilícios. Se de um lado o Código Civil prevê em seu art. 1.335 que o condômino possui o direito de usar e fruir de sua unidade e das áreas comuns, há, de outro, o direito à saúde dos demais condôminos, também garantido pelo ordenamento jurídico, mormente daqueles que estão no grupo de risco. Nesse aspecto, o Projeto de Lei nº 1179/2020, que institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação das relações jurídicas de direito privado no período da pandemia, também traz disposições relacionadas aos condomínios edilícios.

    O projeto prevê que, além dos poderes conferidos pelo art. 1.348 do Código Civil, compete ao síndico, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, restringir a utilização das áreas comuns, respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos, bem

    como restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades e o uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, sendo vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade. Tais restrições não se aplicam em caso de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou realização de benfeitorias necessárias.

    Além disso, o projeto permite que a assembleia condominial e a votação ocorram por meios virtuais, em caráter emergencial, equiparando a manifestação de vontade dos condôminos à sua assinatura presencial. Caso não seja possível a realização de assembleia desse modo, ele prevê a prorrogação até 30 de outubro de 2020 dos mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020.

    O presente artigo foi publicado originalmente em 23/04 e em 12/06/2020 foi promulgada a Lei 14.010/20, originada do referido projeto, sendo que o dispositivo que permitia a restrição ao uso de área comum foi vetado pelo Presidente da República.

    COVID-19 e condomínios edilícios: realização de assembleias e restrição ao uso de áreas comuns

    ANA BEATRIZROCHA

    O projeto permite que a assembleia condominial e a votação ocorram por meios virtuais, em caráter emergencial, equiparando a manifestação de vontade dos condôminos à sua assinatura presencial.

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    O habeas corpus em tempos de coronavírus

    ALEXANDREKNOPFHOLZ

    A pandemia de Covid-19 não pode ser considerada um momento de crise constitucional.

    Dentre os direitos fundamentais mais caros de qualquer democracia está a utilização do habeas corpus “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”, conforme redação da Carta Magna brasileira (art. 5º, LXVIII). Trata-se, conforme preconizava o imortal Ruy Barbosa (1849-1923), de um instrumento de garantia da liberdade enquanto “tesouro coletivo” e “condomínio social”, cuja importância ultrapassa, inclusive, o interesse privado daquele que, concretamente, tem sua liberdade ilegalmente cerceada.

    Há relevante discussão quanto ao cabimento do habeas corpus em situações constitucionais de crises, sobretudo nos casos de estado de defesa e estado de sítio. Contudo, mesmo nesses casos há relevante orientação de ser possível sua utilização, tendo por base a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

    De qualquer sorte, a pandemia de Covid-19 não pode ser considerada um momento de crise constitucional, sendo perfeitamente viável a utilização do remédio heroico.

    Essa digressão é feita após a análise de interessantíssimo caso que desaguou no TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. Trata-se de Habeas Corpus que aponta restrição ao direito de locomoção de morador(es) de Umuarama/PR, em razão de decreto do Poder Executivo que determina “Toque de Recolher” da população do referido município, extrapolando as medidas de emergência previstas na legislação federal (Lei n.º 13.979/2020), tais como a quarentena e o isolamento social.

    Na decisão concessiva de medida liminar, o lúcido e sensível Desembargador JOSÉ MAURÍCIO PINTO DE ALMEIDA assentou que “No caso em deslinde, a medida adotada pelo Prefeito Municipal de Umuarama, consubstanciada no ‘Toque de Recolher’, desborda das diretrizes lançadas pela Lei n.º 13.979/2020 (…) O ‘Toque de Recolher’ representa, nessa direção, uma medida de restrição geral de circulação de pessoas em espaços e vias públicas, utilizada em situações absolutamente excepcionais como o estado de sítio e guerra. (…) Não há fundamento legal ou constitucional para a declaração de ‘Toque de Recolher’ por Municípios no contexto das medidas de emergência de saúde pública.” (HC 0016440-55.2020.8.16.0000).

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    COVID-19: Legislação básica sobre medidas estatais de saúde pública

    GUSTAVOSCANDELARI

    A implementação deste regulamento será feita com pleno respeito à dignidade...

    Em cenários de emergência pública de saúde, como o atual, o Estado pode ser obrigado a adotar ações excepcionais em prol do bem comum. Confira-se, a seguir, o principal conteúdo normativo que rege essa grave atuação estatal no Brasil.

    A CF estabelece que é dever do Estado estabelecer políticas sociais que garantam a redução do risco de doenças (art. 196). Tal dever é disciplinado na Lei 8.080/90, segundo a qual, para conter a epidemia a autoridade pública competente poderá inclusive “requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização” (art. 15, XIII).

    A obrigatoriedade de organização de ações de vigilância epidemiológica, de notificação compulsória de doenças e da condução de investigações específicas para o controle de infecções constam da Lei 6.259/75, arts. 11 e 12. O médico que não comunicar a autoridade competente de que constatou o COVID-19 está sujeito a punição criminal (CP, art. 269).

    O Decreto Legislativo 395/09 internalizou no país o Regulamento Sanitário Internacional adotado pela OMS em 2005. Em seu art. 2º, consta que “o propósito e a abrangência do presente Regulamento são prevenir, proteger, controlar e dar uma resposta de saúde pública contra a propagação internacional de doenças, de maneiras proporcionais e restritas aos riscos para a saúde pública, e que evitem interferências desnecessárias com o tráfego e o comércio internacionais.” Dentre seus princípios, no art. 3º, consta: “A implementação deste Regulamento será feita com pleno respeito à dignidade, aos direitos

    humanos e às liberdades fundamentais das pessoas.”; “Os Estados possuem, segundo a Carta das Nações Unidas e os princípios de direito internacional, o direito soberano de legislar e implementar a legislação a fim de cumprir suas próprias políticas de saúde.”

    A OMS declarou, em 30.1.20, o COVID-19 como “emergência de saúde pública internacional”. Nesse caso, o Regulamento dispõe que os Estados poderão (art. 18): “colocar pessoas suspeitas sob observação de saúde pública; implementar quarentena ou outras medidas de saúde pública para pessoas suspeitas; implementar isolamento e tratamento de pessoas afetadas, quando necessário; implementar busca de contatos de pessoas afetadas ou suspeitas; recusar a entrada de pessoas afetadas ou suspeitas no país; recusar a entrada de pessoas não afetadas em áreas afetadas; e implementar triagem e/ou restrições de saída para pessoas vindas de áreas afetadas (…)”.

    Seguindo tais premissas, promulgou-se a Lei 13.979/20, que permite as medidas de isolamento e quarenta compulsórios, sob pena de sanção (arts. 2º e 4º). Ainda, o governo brasileiro baixou a Portaria Interministerial 5, de 17.3.20, frisando que “o descumprimento das medidas impostas pelos órgãos públicos com o escopo de evitar a disseminação do coronavírus (COVID-19) podem inserir o agente na prática dos crimes previstos nos artigos 268 e 330” do CP, que são punidos com detenção, além das sanções civil e administrativa cabíveis.

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  • Praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto: Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa.

    Consequências penais da divulgação de fake news sobre a pandemia

    LUIS OTÁVIOSALES

    Na mesma medida em que permitem o acesso imediato a informações, facilidades de interação social e transações econômicas, os smartphones e as redes sociais também servem ao mau uso, como ocorre, em regra, com qualquer ferramenta prometida ao desenvolvimento.

    A popularização desses recursos tecnológicos intensificou o fenômeno das fake news (notícias falsas), cujo poder de desinformação as fez objeto de devida preocupação. Como desgraça pouca é bobagem, a nocividade das fake news é incrementada pelo que se chama big data (conjuntos vastíssimos de dados com os quais se interpretam e orientam relações sociais e econômicas) e pela sua versão “melhorada”: as deepfakes (manipulações sofisticadas, como a troca de rostos em vídeos e de sons, em que a fraude é quase imperceptível).

    No contexto da pandemia do novo coronavírus e do consequente esgarçamento dos sistemas de saúde, a desorientação causada pela disseminação de fake news sobre o assunto torna-se especialmente grave, muito pela necessidade de uma compreensão comum do quadro pandêmico e das medidas com que deve ser enfrentado.

    Como exemplo, mencionem-se as notícias falsas de que EPIs chineses estariam contaminados com a Covid-19, soluções caseiras que matariam o vírus (ingestão frequente de café, limão ou água) e a suposta infertilidade de infectados do sexo masculino.

    A legislação eleitoral foi recentemente alterada (Lei 13.834/19) para prever uma resposta mais dura em caso de divulgação, com fim eleitoral, de fake news sobre acusações contra pessoa sabidamente inocente.

    Dado o contexto da pandemia, talvez a legislação comum também deva ser alterada (ainda que temporariamente) para prever um tratamento penal mais rigoroso para aquele que, conscientemente, cause alarma mediante divulgação de notícia falsa.

    Atualmente, a consequência penal em casos tais está prevista no art. 41, da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41), cuja redação é a seguinte: “[…] praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto: Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa […]”. Portanto, em se identificando o autor ou divulgador da notícia, e havendo elementos de que ele sabia da falsidade, a responsabilização criminal é possível; embora devesse ser mais rígida.

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    O charlatanismo em tempos de Covid-19

    GUILHERMEALONSO

    A pandemia do coronavírus é causa de natural insegurança em boa parte da população mundial. Sem a indicação técnica de órgãos oficiais sobre um tratamento eficaz para a doença, restam como medidas de proteção o distanciamento social e a higiene pessoal, lavando-se as mãos com água e sabão múltiplas vezes por dia e utilizando-se álcool para a limpeza de objetos que tenham entrado em contato com o ambiente externo.

    Para muitas pessoas, porém, a solitária espera para uma futura e incerta solução científica não é o bastante, acarretando a incessante procura para tratamentos caseiros e outros métodos de combate à doença.

    Com o crescimento dessa demanda, não são poucos os casos noticiados de indivíduos ou instituições que oferecem “tratamentos” ou medidas “milagrosas” de prevenção contra o vírus.

    É o caso, por exemplo, de influenciadores digitais – não necessariamente da área médica, mas incluindo esses profissionais – que “prescrevem” em redes sociais “soros” compostos de vitaminas e minerais que supostamente auxiliariam no combate da doença.

    Tudo em desacordo com orientações de sociedades médicas que alertam contra o uso indiscriminado, por exemplo, de antioxidantes ou vitaminas C e D, que podem ter efeitos deletérios se ministrados sem acompanhamento clínico.

    Além dessas práticas, há instituições religiosas que prometem a imunização por meio da participação em cultos – possivelmente com a violação do distanciamento social – e da unção com “óleos consagrados”, como noticiado pela BBC[1].

    Em todos esses casos, é possível a configuração do crime do art. 283 do Código Penal, que disciplina o charlatanismo como a prática de “inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível”, com pena de detenção, de três meses a um ano e multa.

    O crime se configura quando o agente que noticia – ou vende – uma “cura” desamparada de orientações técnicas comprovadas apresenta solução que possa causar dano à saúde pública (por exemplo, com a utilização indiscriminada de substâncias potencialmente nocivas ou mediante práticas sociais que exponham os usuários a risco).

    Embora possa haver boas intenções em dicas de saúde e estilo de vida em meio à atual crise de saúde, é importante que os comunicadores em questão se atentem para as diretrizes oficiais antes de qualquer afirmação que possa ser danosa ao seu destinatário.[1] Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51708763. Acesso em 4 de maio de 2020.

    O crime se configura quando o agente que noticia – ou vende – uma “cura” desamparada de orientações técnicas comprovadas apresenta solução que possa causar dano à saúde pública...

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    Quando não há acordo, os fatos poderão gerar um processo criminal e o julgamento por um juiz de direito.

    BRUNOCORREIA

    Ilícitos penais em relações de vizinhança

    O isolamento social gerado pela nova pandemia pode tornar os vizinhos mais próximos, ainda que na maior parte do tempo dentro de suas casas. Por mais que se busque evitar o contato físico, interações em grupos de WhatsApp e encontros em áreas comuns têm sido frequentes.

    É uma boa oportunidade para praticar a chamada “boa vizinhança”, mas nem sempre a convivência é harmoniosa e algumas situações podem repercutir no âmbito criminal.

    É, por exemplo, o conhecido caso da perturbação do sossego, contravenção penal que se configura quando os sons atormentam o vizinho, de várias formas: com gritaria ou algazarra, exercendo profissão incômoda, instrumentos sonoros ou mesmo pelo animal de estimação, quando o responsável o provoca a produzir o barulho ou não procura impedi-lo.

    Xingamentos e discussões também poderão caracterizar delitos contra a honra (calúnia, injúria e difamação). E, se um vizinho vier a reunir várias pessoas em sua casa, ainda que de maneira

    silenciosa, seria o caso de acionar a polícia? Embora haja um crime específico para punir quem descumpre determinação do poder público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa (artigo 268 do Código Penal), há discussão sobre a configuração em eventos particulares. De toda forma, a imprensa tem noticiado intervenções da polícia em tais casos.

    Geralmente, são ilícitos leves processados no Juizado Especial Criminal, em que os conflitos se resolvem preferencialmente por meio de conciliação entre os envolvidos ou benefícios despenalizadores propostos pelo Ministério Público.

    Quando não há acordo, os fatos poderão gerar um processo criminal e o julgamento por um juiz de direito, que ao final decidirá pela condenação ou inocência do acusado.

    As penas de liberdade tendem a ser leves e convertidas em prestação pecuniária e/ou serviços comunitários, havendo também a possibilidade de indenização financeira para reparar os danos causados.

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  • (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”. Segundo Boletins Epidemiológicos do Ministério da Saúde e conforme o art. 7º, I, da Lei 6.259/75, a covid-19 é considerada doença de notificação compulsória, assim classificada justamente pela necessidade de ações de controle e vigilância pelas autoridades sanitárias.

    É inegável a importância do trabalho que profissionais da saúde exercem em uma sociedade, sendo ainda mais imprescindível no combate de uma pandemia, como a vivida atualmente.

    Nesse contexto, a realização da notificação ou comunicação – obrigação legal com possíveis implicações penais para os médicos, mas também dever social de todos os profissionais da saúde e de todos os cidadãos (Lei 13.979/2020, art. 5º) – é fundamental para evitar a propagação da doença, subsidiar fundamentos reais e concretos para a tomada de decisões pelos agentes públicos e, o mais importante, salvar vidas.

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    Comunicação da Covid-19: Obrigação legal dos médicos, dever social de todos

    FERNANDALOVATO

    ausência de notificação ou a subnotificação, caso comprovado o diagnóstico da doença, pode acarretar implicações penais.

    Uma das principais diretrizes de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus é a comunicação, às autoridades sanitárias, em casos de suspeita de contato com agentes infecciosos ou de circulação em meios ou regiões de risco. Para os profissionais da saúde que estão atuando diretamente com pacientes acometidos pela doença, a notificação às autoridades competentes de casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 é essencial não só para controle de dados da pandemia, mas principalmente para dar embasamento a futuras medidas públicas que possam vir a ser adotadas.

    Especificamente com relação aos médicos, a ausência de notificação ou a subnotificação, caso comprovado o diagnóstico da doença, pode acarretar implicações penais.

    O art. 269 do Código Penal prevê o crime de omissão de notificação de doença nos seguintes termos: “Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória: Pena detenção, de 6

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  • Com relação ao crime de falsidade ideológica, foi proposta a inclusão do §2º ao artigo 299, prevendo o aumento da pena em um terço quando “crime é cometido para recebimento de auxílios pecuniários durante o período de estado de calamidade pública decorrente de epidemia ou pandemia declarada”.

    Já com relação ao estelionato, propôs-se a mesma fração de aumento de pena para os casos em que o crime “é cometido contra beneficiário de auxílio pecuniário decorrente de calamidade pública, declarada na forma da Lei”.

    Consta da justificativa apresentada com o projeto de Lei que a ideia é coibir a prática desses atos por pessoas que “vêm se aproveitando dessa situação excepcional para obter indevidamente esse auxílio, alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante em cadastros públicos”.

    O projeto foi apresentado no dia 28 de abril e ainda não foi despachado pelo Presidente da Câmara para dar início à sua tramitação.

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    Proposta de lei contra fraudes no recebimento do auxílio emergencial

    EDUARDOKNESEBECK

    Os incisos do artigo 2º da Lei preveem requisitos cumulativos para a concessão do benefício.

    A lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, criou o auxílio emergencial de R$ 600,00 mensais, destinado a pessoas que tiveram decréscimo significativo da renda familiar em virtude dos efeitos econômicos da pandemia de Covid-19.

    Os incisos do artigo 2º da Lei preveem requisitos cumulativos para a concessão do benefício. Já há notícias de fraudes envolvendo pessoas que não reúnem tais requisitos e inscreveram-se para o recebimento do auxílio.

    Tal conduta pode ser enquadrada ao menos em dois tipos penais: falsidade ideológica em documento público, cuja pena varia de um a cinco anos de reclusão (artigo 299 do Código Penal) e estelionato majorado, contra entidade de direito público, com pena de um a cinco anos, aumentada de um terço (artigo 171, §3º).

    O projeto de Lei nº 2273/2020, da Câmara dos Deputados, pretende aumentar tais reprimendas penais, motivado pelas fraudes detectadas no requerimento do auxílio emergencial.

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  • contenção da doença. É que o isolamento social como forma de prevenção demanda o bom senso e a conscientização da população, o que pode ser alcançado por cuidados menos invasivos.

    O descumprimento é conduta que, normalmente, pode ser devidamente punida com multa, p.ex., ou advertência. Ademais, o delito em questão é leve (menor potencial ofensivo), assim como o são os crimes de desacato e desobediência, o que significa que a prisão em flagrante é inviável caso o autor do fato compareça ao Juizado Especial ou comprometa-se a estar lá em data certa, nos termos do art. 69, parágrafo único, da Lei 9.099/95.

    Ao se afirmar, contudo, que a quebra do isolamento social determinado por dirigentes municipais não deveria poder autorizar a prisão do agente, deve-se alertar para o fato de que o descumprimento de medidas sanitárias respaldadas em estudos técnicos e científicos é de todo nocivo à sociedade e deve ser reprimida de modo assertivo. Alerta-se, apenas, para o risco do cerceamento abusivo ou desproporcional da liberdade de ir e vir do cidadão.

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    A prisão é a melhor resposta para a quebra do isolamento social?

    MAUROPACIORNIK

    “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.

    Atendendo às recomendações da OMS e do Ministério da Saúde, municípios de todo o Brasil e em especial os do litoral paranaense têm adotado medidas para combater a disseminação da COVID-19. O Decreto 23.337/2020, de Guaratuba/PR, hoje já flexibilizado pelo Decreto 23.479/2020, proibia, por tempo indeterminado, “a permanência e aglomeração de pessoas nos espaços públicos e bens de uso comum” e “o acesso, trânsito e permanência em todas as praias, faixas de areia, calçadões, baía e rios do Município de Guaratuba, para qualquer finalidade”. O infrator ficava sujeito à advertência ou multa administrativa de R$ 1.000,00, dobrada em caso de reincidência. A norma alertava que o descumprimento poderia caracterizar o crime previsto no art. 268 do Código Penal: “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. A pena é de detenção, de um mês a um ano, e multa.

    Embora a violação de um espaço temporariamente interditado possa permitir, neste contexto, o seu enquadramento formal no art. 268, CP, tem-se questionado a ameaça à liberdade como meio de

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  • Outra figura aparentemente típica ao fingir o contágio é quando a pessoa vai ao pronto-socorro e solicita um atestado, alegando falsamente estar com os sintomas do vírus, ou faz inserir tal informação em qualquer documento, incidindo, então, no delito de falsidade ideológica previsto no art. 299 do Código Penal (“omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deva constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”).

    Uma terceira situação criminosa, relacionada à do cenário anterior, é do médico que, sabendo que o paciente não está com o vírus, ainda assim lhe faz um atestado falso, eximindo-o de suas responsabilidades durante o período recomendado de isolamento, conforme tipifica o art. 302 do Código Penal (“dar o médico, no exercício de sua profissão, atestado falso”). Como se vê, são infrações previstas antes da existência da pandemia, mas que dão conta de punir os responsáveis.

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    Mentir que está com Covid-19 é ilícito penal?

    VICTORIA DE BARROS E SILVA

    Tal situação é moralmente reprovável, naturalmente. Mas poderia ela trazer consequências penais para o autor? A resposta é positiva.

    Conforme a pandemia migrava ao Brasil, surgiram alguns casos de pessoas que fingiram estar com o vírus para prejudicar terceiro ou para obter alguma vantagem pessoal. Tal situação é moralmente reprovável, naturalmente. Mas poderia ela trazer consequências penais para o autor? A resposta é positiva. Um exemplo de conduta tipificada como contravenção que pode advir desse contexto é a previsto no art. 41 do Decreto-Lei 3.688/41 (“provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto”). Isso em razão da grande cobertura midiática que há em torno do assunto, de modo que a alegação de que alguém está com o vírus quando sabidamente não está é capaz de causar pânico em razão de um perigo inexistente. Todos os outros que tiveram contato com o agente vão procurar tomar medidas extremas, em razão do alto poder de contágio que a doença possui. O mesmo pode se dizer daqueles que propagam informações falsas (as fake news) a respeito da doença, buscando com isso causar pânico ou tumulto. Para ambas as formas se exigem os requisitos de que o autor saiba que não está doente e que saiba que com suas atitudes vai causar um grande transtorno.

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  • Ao responsável pela produção ilegal de álcool em gel pode ser imputado o crime de “falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais”, podendo, ainda, incorrer no mesmo tipo penal quem “importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo tal produto”, conforme o art. 273, caput e §1º, do Código Penal. Importante destacar que se trata de um crime hediondo cuja pena pode chegar a até 15 anos de reclusão.

    Ademais, também pode haver imputação do ilícito ambiental previsto no art. 56, da Lei 9.605/98: “produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos”, com pena de um a quatro anos, e multa.

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    COVID-19 e a produção ilegal de álcool em gel

    LARISSAROSS

    Diante dessa situação, intensificou-se a fiscalização da Vigilância Sanitária em relação à procedência desse produto disponibilizado aos consumidores.

    Diante da pandemia mundial provocada pelo novo coronavírus, deparamo-nos com a preocupação dos profissionais da área da saúde e da população quanto à prevenção adequada. Diversas são as medidas necessárias: higienizar as mãos com frequência, evitar tocar no rosto, cobrir boca e nariz ao tossir ou espirrar, desinfetar objetos e superfícies, isolamento de pessoas com sintomas, evitar aglomerações, entre outras.

    No que diz respeito à higienização das mãos, duas são as medidas indicadas: primeiramente, lavá-las com água e sabão e o uso de álcool em gel. Ocorre que a rápida alta na demanda por álcool gel causou sua escassez no mercado, tornando a sua produção uma atividade atrativa.

    Diante dessa situação, intensificou-se a fiscalização da Vigilância Sanitária em relação à procedência desse produto disponibilizado aos consumidores, o que resultou em diversas apreensões de produções ilegais em laboratórios clandestinos, sem registro junto à ANVISA e que oferecem alto grau de risco à vida e saúde dos possíveis usuários.

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  • análise “caso a caso ou coletivamente em relação a cada casa prisional” da concessão de benefícios como liberdade condicional, prisão domiciliar ou progressão de regime a tais presos “a perdurar até o fim da pandemia”, advertindo-se, também, aos órgãos judiciais que não determinassem a prisão a qualquer integrante dos grupos de risco.

    Mas, no dia 3.4.2020, o Min. Rel. Antonio Saldanha Palheiro indeferiu liminarmente o HC. A decisão consignou a posição do STJ pelo não cabimento do writ diante de decisão que indefere liminar, salvo flagrante ilegalidade (a qual não foi vislumbrada na decisão do TRF3). Registrou-se, também, a dificuldade da análise do pedido liminar de conotação coletiva, pois a decisão partiria de crivo genérico, sem o conhecimento necessário da realidade subjacente em cada situação específica e, portanto, sem o exame mais profundo do pleito pelo TRF3, tornou-se inviável a análise do suposto constrangimento ilegal pelo STJ, sob pena de indevida supressão de instância.

    A DPU interpôs Agravo Regimental contra a decisão liminar, entretanto, a Sexta Turma do STJ, por unanimidade, manteve o entendimento anterior, sendo o acórdão publicado em 09/06/2020.

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    Habeas corpus coletivo e grupos de risco da Covid-19

    RODRIGORIBEIRO

    A impetração pedia à Corte Superior o estabelecimento de “standards” mínimos para a contenção da pandemia em estabelecimentos prisionais

    No dia 1º de abril de 2020, a Defensoria Pública da União impetrou o Habeas Corpus Coletivo que foi autuado sob o nº 570440/DF no STJ, em favor “de todas as pessoas presas, e que vierem a ser presas, que estejam nos grupos de risco da pandemia da Covid-19”. Antes, contudo, a matéria já havia sido apreciada pelo TRF da 3ª Região no âmbito do HC Coletivo 5006312-81.2020.4.03.0000, cuja liminar fora indeferida, sendo esta a decisão questionada perante o STJ no HC 570440/DF. A impetração pedia à Corte Superior o estabelecimento de “standards” mínimos para a contenção da pandemia em estabelecimentos prisionais, a serem obrigatoriamente aplicados pelos Juízos Federais e Estaduais de todo o território nacional.

    Em suma, requereu-se, em caráter liminar, a requisição de informações aos órgãos federais e estaduais da administração penitenciária, tais como: (i) a listagem de todos os presos definitivos ou provisórios; (ii) a quantificação de todos os casos suspeitos da pandemia; (iii) o levantamento de nome dos presos que estão reclusos por crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa e aqueles que já tenham cumprido o requisito temporal para progressão de regime, pendente apenas o exame criminológico. Isso para que fosse permitida a

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  • Torna-se muito difícil encontrar o tão falado bom senso quando não há sequer consenso das autoridades públicas quanto às diretrizes das medidas preventivas.

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    Direito de família em tempos de pandemia:como encontrar o bom senso?

    FERNANDAPEDERNEIRAS

    A pandemia de Covid-19 vem causando profundas mudanças nas dinâmicas sociais e econômicas, com impactos imediatos nas relações familiares. As famílias, em suas mais diversas composições, estão tendo que se adaptar à nova rotina imposta pelo isolamento social e demais medidas de prevenção, que oscilam diante das inúmeras incertezas da comunidade médico-científica na corrida contra o tempo para desvendar o desconhecido.

    E nesse cenário de tantas alterações, é inevitável que surjam dúvidas e divergências entre pais e mães no que tange às responsabilidades, direitos e deveres na relação com os filhos. Parece fácil presumirmos que ambos os genitores buscarão sempre o melhor interesse de sua prole e que, portanto, são as pessoas certas para definir os ajustes de rotina para o enfrentamento desse momento de crise. Mas o que parece obvio não é tão simples assim, especialmente quando o par parental não é mais (ou nunca foi) um casal, tendo o(s) filho(s) menor(es) como único vínculo e o diálogo prejudicado em razão da inevitável carga emocional gerada pelo fim do relacionamento.

    Torna-se muito difícil encontrar o tão falado bom senso quando não há sequer consenso das autoridades públicas quanto às diretrizes das medidas preventivas.

    O papel do advogado, como primeiro juiz da causa (FRANCESCO CARNELUTTI), ganha relevo ainda maior nesse contexto em que o grande estresse emocional das partes as impede de visualizar uma composição. Não há dúvidas de que repactuações são necessárias em qualquer que seja o arranjo anteriormente estabelecido (por consenso ou

    decisão judicial) para a convivência com os filhos, na medida em que as atividades profissionais e escolares sofreram alterações significativas. Todavia, é certo também que a pandemia, por si só, não é fundamento suficiente para a suspensão automática da convivência dos filhos com um dos genitores. A proteção integral às crianças e aos adolescentes é uma garantia constitucional (art. 227, CF). O direito à convivência com os genitores, detalhado pelas leis infraconstitucionais (arts. 1579, 1588, 1632 e 1636 Código Civil e art. 19 do ECA) deve ser resguardado, sob pena de gerar mais inseguranças e medos além daqueles já disseminados pelo pânico da pandemia.

    Ainda que diante de uma situação extrema, a análise cuidadosa de cada caso é imprescindível para a definição do que se mostra mais razoável para determinada família, neste momento em que escolhas difíceis tem que ser feitas. Não pode haver uma solução padrão para situações que tanto se diferenciam a depender, por exemplo, da idade e do estado de saúde da criança, do atual contexto das atividades profissionais dos genitores, da existência de membros da família que se enquadram no grupo de risco da doença.

    Enfim, as peculiaridades e as dificuldades são inúmeras e exigirão dos operadores do direito sensibilidade e cautela para que a saúde (física e emocional) de nossas crianças e adolescentes sejam preservadas em meio aos conflitos que circundam a regulamentação do convívio com os genitores neste momento trágico vivenciado por todos.

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  • THAIS GUIMARÃES

    Diante da declaração pública de pandemia pela Organização Mundial da Saúde e do reconhecimento do Estado de Calamidade Pública no Brasil, em razão do COVID-19, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação nº 62 – na qual determinou a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo vírus no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

    Dentre elas, visando a redução dos riscos epidemiológicos, recomenda-se “aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus” (art. 6º).

    Em atenção a tais diretrizes, a Defensoria Pública do Estado do Paraná impetrou o Habeas Corpus Coletivo nº 0014288-34.2020.8.16.0000, com pedido liminar, em favor de todos os devedores de alimentos já encarcerados ou na iminência de serem presos no Estado do Paraná.

    O pedido foi distribuído à 12ª Câmara Cível do TJPR e, no dia 25 de março, a Relatora, Desembargadora IVANISE MARIA TRATZ MARTINS, seguindo entendimento do STJ (Habeas Corpus nº 568.021), entendeu ser aplicável o regime de prisão domiciliar aos devedores de alimentos.

    A Relatora destacou que “tem-se o direito à saúde como Direito Social Constitucional (art. 6º) ligado estreitamente ao direito fundamental da Vida e da Dignidade da Pessoa Humana – um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, art. 1º, III, CF/88 – grupo de direitos que compõem o mínimo existencial”, pelo que cabe ao Estado zelar pela saúde dos presos.

    Com isso, foi concedida a ordem de Habeas Corpus Coletivo, para o fim de “determinar, no âmbito do Estado do Paraná, a substituição da prisão civil (devedor de alimentos) em regime fechado, pela modalidade domiciliar, pelo prazo inicial de 30 (trinta) dias; o mesmo se aplicando para novos casos nos próximos 30 (trinta) dias, preferencialmente com o uso de tornozeleira eletrônica, se possível for, e, sem prejuízo de eventual aplicação concomitante de outras medidas alternativas”, sendo que “a regulamentação, cumprimento e monitoramento da presente medida deverão ser estabelecidos pelo Juízo a quo, levando-se em consideração as peculiaridades do caso e de cada Comarca”.

    Vale lembrar que a prisão civil do devedor de alimentos é a única por dívida admitida pelo sistema internacional de proteção aos direitos humanos, uma vez que a restrição da liberdade é indispensável à sobrevivência de quem recebe os alimentos.

    Porém, em razão do COVID-19, tal pena está sendo abrandada em medida excepcional, sendo que, cessado o estado de calamidade ou transcorrido o prazo da decisão (30 dias), volta a vigorar o regime legal.

    Na noite do dia 26 de março, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça, estendeu para todos os presos do país a liminar anteriormente concedida aos devedores de pensão do Estado do Ceará (decisão proferida no dia 25/03). Tal pedido foi apresentado pela Defensoria Pública da União.

    O STJ determinou, ainda, que as condições de cumprimento da prisão domiciliar serão estipuladas pelos juízes estaduais, levando em conta as medidas adotadas para a contenção da pandemia, pelo que a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná permanece em vigor quanto à duração e forma de cumprimento.

    Vale lembrar que a prisão civil do devedor de alimentos é a única por dívida admitida...

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    Habeas corpus coletivo para devedores de pensão alimentícia

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  • O isolamento social estabelecido pela declaração pública de pandemia de COVID-19 alterou a dinâmica não só dos núcleos familiares, mas, igualmente, dos cidadãos solteiros que moram sozinhos. Segundo o IBGE (2017), naquele período, 54% da população se declarou solteira e o número de pessoas que viviam sozinhas no Brasil havia crescido de 10,4% para 14,6%.

    Um impacto da “solidão imposta” pela ausência da interação social e convivência com suas respectivas famílias, foi/é um movimento de coabitação entre namorados.

    Diante disso, e passados quase dois meses de confinamento, iniciam-se as dúvidas sobre os efeitos jurídicos da decisão da convivência sob o mesmo teto (ainda que temporária), ou seja, se a coabitação altera o status do relacionamento de namoro para união estável.

    Neste sentido, cabe esclarecer que um relacionamento afetivo – mesmo que contínuo, duradouro e de convivência pública, não será união estável se não houver o objetivo de constituir família. Portanto, a convivência sob o mesmo teto (ainda mais temporária) não será o requisito exclusivo de distinção entre o relacionamento de namoro e união estável. Além disso, para a configuração de uma relação de união

    estável é necessário que a intenção de constituir família seja contemporânea ao relacionamento vivenciado – não podendo consistir em um plano futuro.

    O STJ, inclusive, já fez a diferenciação entre namoro qualificado (no qual pode haver coabitação) e a união estável, delineando que: “o propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado “namoro qualificado” -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros (Recurso Especial nº 1.454.643/RJ).”

    O recurso referido serve de paradigma para os casais que definiram por coabitar no período da pandemia para respeitar o isolamento social – sem um projeto atual de constituir família, uma vez que a situação fática dos autos era de um casal que resolveu coabitar para dividir despesas no período em que residiu no exterior pelo período de 2 anos e, posteriormente, noivou e se casou.

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    DIANAGEARA

    O isolamento social estabelecido pela declaração pública de pandemia de COVID-19 alterou a dinâmica não só dos núcleos familiares, mas, igualmente, dos cidadãos solteiros que moram sozinhos..

    Estamos morando juntos durante a quarenta: É união estável?

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  • Os idosos integram a parcela da população mais suscetível a desenvolver complicações e um quadro grave da COVID-19 em razão da vulnerabilidade física comumente alcançada com o passar dos anos. Quanto mais avançada é a idade do infectado, maior a taxa de mortalidade: de acordo com o Ministério da Saúde, a letalidade provocada pela COVID-19 por faixa etária na China é de 3,6% entre os infectados de 60 a 69 anos, 8% entre os infectados de 70 a 79 anos e chega a 14,8% entre os infectados que contam com 80 anos ou mais.

    Em virtude desses dados, as pessoas maiores de 60 anos foram classificadas como integrantes do grupo de risco pelas autoridades sanitárias, sendo imprescindível que os cuidados com elas sejam redobrados. Nesse contexto, em conjunto com o Estado, a família possui papel fundamental na proteção da saúde e da vida dos seus idosos.

    Vige em nosso ordenamento jurídico os princípios da solidariedade nas relações familiares e da primazia da proteção dos direitos das pessoas idosas. O art. 229 da Constituição Federal determina que “(…) os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Na sequência, o art. 230 consagra o dever da família em amparar as pessoas idosas, “(…) defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

    Além das disposições constitucionais, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) impõe que o direito à vida e à saúde dos idosos deve ser efetivado, com absoluta prioridade, pela família, pelo Poder Público e pela sociedade (art. 3º).

    Sendo assim, é dever da família empreender todos os esforços necessários para proteger os idosos, especialmente nesse período crítico. É importante que os núcleos familiares em que idosos estejam inseridos sigam as recomendações lançadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde, com destaque para as medidas de distanciamento social e de cuidados com a higiene pessoal e da residência.

    Vale mencionar que existem sanções previstas nos arts. 97, 98 e 99 do Estatuto do Idoso pela negligência, abandono, falta de cuidados e pela exposição de idosos a situações de perigo à sua integridade física e à sua saúde – como ao risco de contágio pela COVID-19.

    Fonte: Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS)

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    BEATRIZBISPO

    Em conjunto com o Estado, a família possui papel fundamental na proteção da saúde e da vida dos seus idosos.

    COVID-19: É dever da famíliaproteger as pessoas idosas

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    É obrigatório que o pagamento antecipado esteja previsto em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta.

    Medida provisória autoriza o pagamento antecipado em contratos administrativos

    FRANCISCOZARDO

    Em 6 de maio de 2020, foi editada a Medida Provisória nº 961, que autoriza pagamentos antecipados em licitações e contratos administrativos, além de ampliar os limites da dispensa de licitação e o uso do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC. A modificação é relevante, porque nas contratações públicas, usualmente, o pagamento somente é realizado após a entrega do produto ou prestação efetiva do serviço (Lei nº 4.320/64, art. 63, §2º, III).

    De acordo com o art. 1º, II, da MP, o pagamento pode ser antecipado desde que atendidas as seguintes condições: represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço ou propicie significativa economia de recursos. São condições alternativas. Logo, basta a presença de apenas uma delas.

    É obrigatório que o pagamento antecipado esteja previsto em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta. Na hipótese de inexecução do objeto, será exigida a devolução integral do valor antecipado.

    Além disso, é faculdade da administração adotar as seguintes cautelas para reduzir o risco de inadimplemento: I – a comprovação da execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente; II – a prestação de garantia de até trinta por cento do valor do objeto; III – a emissão de título de crédito pelo contratado; IV – o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração; e V – a exigência de certificação do produto ou do fornecedor.

    Desde que observadas as condições acima, estas regras aplicam-se aos contratos firmados nos âmbitos federal, estadual e municipal durante o estado de calamidade, iniciado em 20 de março de 2020, com a publicação do Decreto Legislativo nº 6, e término em 31 de dezembro de 2020, nos termos do aludido Decreto.

    Como a MP não restringe, entende-se que a possibilidade de antecipação do pagamento aplica-se a qualquer contrato administrativo celebrado durante o estado de calamidade e não somente àqueles destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública.

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  • Nesta condição está o impacto sobre as finanças públicas do governo federal.

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    A Covid-19, a calamidade pública e seus reflexos no orçamento federal

    ANDRÉMEERHOLZ

    Um dos pontos mais controversos da epidemia da Covid-19 reside nos seus reflexos sobre a economia. Não há dúvida de que o desempenho econômico previsto para o ano não será realizado. As projeções feitas para o ano de 2020 restaram absolutamente prejudicadas diante do “cisne negro” que se revelou a epidemia, sob a perspectiva econômica. A dificuldade em se estimar minimante a extensão de seus efeitos sobre a economia nos seus mais distintos aspectos, como também projetar as medidas para reversão total ou parcial do impacto negativo que dela decorra. Nesta condição está o impacto sobre as finanças públicas do governo federal.

    O orçamento aprovado para ano de 2020 previa déficit fiscal de R$ 124,1 bilhões de reais. Embora ainda não esteja consolidado o impacto econômico da epidemia, já se sabe que a aludida meta não será atingida. Seja pela queda de arrecadação, derivada da retração da atividade macroeconômica interna e externa, seja pela indispensável revisão e majoração das despesas projetadas, a fim de fazer frente à demanda excepcional por gastos na área de saúde e de suporte a empresas e trabalhadores atingidos pela paralisação da economia.

    Neste contexto foi promulgado o Decreto Legislativo nº 6/2020, reconhecendo a ocorrência do estado de

    calamidade pública até 31 de dezembro de 2020, na forma do art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000). Pela providência fica dispensado o atingimento dos resultados fiscais, bem como a limitação de empenho para realização de despesas públicas. Em resumo, afasta a responsabilidade pelo não atingimento da meta fiscal e, concomitantemente, confere ao governo federal o amparo jurídico para promoção de políticas públicas de enfrentamento da crise econômica derivada da Covid-19.

    O novo arranjo autoriza a alocação de novas despesas não projetadas para o orçamento de 2020. Aí se inserem os gastos com infraestrutura médico-hospitalar, insumos e equipamentos, sobretudo respiradores mecânicos.

    Do mesmo modo, para transferência de renda temporária para trabalhadores que perderam seus empregos ou que tiveram suas atividades informais afetadas.

    Também para criação de meio de auxílio às empresas, como linhas de crédito a taxas de juros subsidiadas ou o diferimento no recolhimento de tributos.

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  • “No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.

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    Covid-19: Requisição administrativa

    FERNANDAMACHADO

    O Estado dispõe de alguns instrumentos para intervir na propriedade particular, a fim de assegurar o interesse público. Como exemplo, em face da situação atual (pandemia do COVID-19), foi editada a Lei n.º 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, estabelecendo medidas para proteção da coletividade, como: o isolamento, a determinação compulsória de exames médicos e a requisição de bens e serviços (respectivamente, art. 3º I, III, alínea a e VII).

    A requisição está prevista na Constituição Federal: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano” (art. 5º, XXV). Trata-se de um importante instrumento de intervenção na propriedade, pois autoriza o Estado a utilizar bens imóveis, móveis e serviços particulares em casos de calamidade pública (como a situação atual), assegurando reparação em caso de dano.

    Nesse sentido, a legislação federal prevê o pagamento posterior de indenização justa em caso de requisição (art. 3º, VII, Lei n.º 13.979). Em atenção ao disposto na

    Lei n.º 13.979, o Estado do Paraná editou o Decreto n.º 4.315/2020, que dispõe sobre a dispensa de licitação e procedimento para a modalidade pregão para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019 e adota outras providências.

    Além da flexibilização nas compras públicas, o Secretário de Estado e Saúde está autorizado “a requisitar máscaras cirúrgicas, máscaras de proteção, luvas de procedimento, aventais hospitalares, antissépticos para higienização” (art. 16), além de poder utilizar áreas de hospitais privados, independentemente da existência de contratos administrativos (art. 16, §3º).

    Está previsto também o dever de indenização ulterior ao particular, utilizando como base referencial a Tabela SUS, quando for o caso (art. 16, §1º), além da necessária fundamentação, pois é uma medida de intervenção excepcional (deve ser usada como último recurso) e transitória (enquanto durar a situação de urgência).

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  • No atual cenário de pandemia no qual o país se encontra, espera-se do Poder Público, no âmbito de todos os entes federativos, a união e a cooperação para a promoção de políticas públicas de combate à crise.

    A edição da Lei Federal nº. 13.979/20 e outros atos normativos estaduais, municipais e distritais, nos quais determinam o isolamento social, fechamento de comércios locais, escolas, entre outras, são exemplos de medidas de prevenção adotadas para o enfretamento do contágio do vírus. Todavia, tais ações têm gerado divergentes posições entre os governos em relação à sua aplicação, notadamente, pelo impacto econômico que elas geram.

    À vista disso, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propôs ADPF, na qual se objetiva, dentre outros pleitos, que o governo federal se abstenha de implementar atos tendentes a esvaziar as políticas públicas de combate à pandemia de outros entes federados.

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    Competência federativa e as medidas sanitárias de isolamento

    Tais ações têm gerado divergentes posições entre os governos em relação à sua aplicação, notadamente, pelo impacto econômico que elas geram.

    O Min. Relator Alexandre de Morais concedeu, parcialmente, medida cautelar preservando a competência dos governos estaduais, municipais e distrital, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios, a adoção ou manutenção de medidas restritivas durante a pandemia, independente de superveniência de ato federal em sentido contrário.

    Como bem destacado na decisão, o art. 23, II, IX, da CF/88, prevê a competência comum dos governos em relação à saúde e assistência pública. Além disso, o art. 24, XII, da CF/88 estabelece a competência concorrente entre a União, Estados e o Distrito Federal para legislar sobre a proteção e defesa da saúde e aos Municípios o exercício suplementar, conforme previsto no art. 30, II, da CF/88.

    Por fim, o Relator destaca que “não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas”, sobretudo quando comprovadamente eficazes para a redução do número de infect