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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS

    DOUTORADO EM LITERATURA E CULTURA

    A BRINCADEIRA DO COCO: UMA EXPRESSO DE CULTURA POPULAR DA

    COMUNIDADE DE BARRA DO CAMARATUBA,

    LITORAL NORTE DA PARABA

    Edith Carmem de Azevedo Bacalho

    Orientador Prof. Dr. Andrea Ciacchi

    JOO PESSOA

    2006

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

    CURSO DE PS-GRADUAO EM LETRAS

    DOUTORADO EM LITERATURA BRASILEIRA

    A BRINCADEIRA DO COCO: UMA EXPRESSO DE CULTURA POPULAR DA COMUNIDADE DE BARRA DO CAMARATUBA, LITORAL NORTE DA PARABA

    Doutoranda: Edith Carmem de Azevedo Bacalho Orientador: Prof. Dr. Andrea Ciacchi

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Letras, rea de concentrao em Literatura e Cultura, Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal de Paraba.

    JOO PESSOA 2006

  • EDITH CARMEM DE AZEVEDO BACALHO

    A BRINCADEIRA DO COCO: UMA EXPRESSO DE CULTURA POPULAR DA COMUNIDADE DE BARRA DO CAMARATUBA, LITORAL NORTE DA PARABA

    Tese aprovada em 19 de julho de 2006

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________ Dr. Andrea Ciacchi Orientador - UFPB

    _________________________________ Dra. Maria Ignez Ayala Examinadora UFPB/CCHLA

    ____________________________________ Dra. Claurnia da Silveira - Examinadora - UFPB/CE

    ____________________________________ Dr. Marcos Ayala Examinador- UFPB/CCS

    ____________________________________ Dra. Ana Cludia Mafra Examinadora - CEFET/RN

  • Dedico esta tese minha famlia que me ajudou

    durante esta caminhada, Marina, Carmem e Fbio

    Pedro, aos meus pais, irms, tios e sobrinhos, e

    tambm aos amigos e integrantes do coco,

    especialmente a seu Epitcio, o grande amigo que j

    se foi...

  • AGRADECIMENTOS

    Universidade Federal da Paraba, pelo apoio institucional;

    Ao Conselho Nacional de Pesquisa CNPq, pela bolsa de estudos;

    Aos colegas e funcionrios do Programa de Ps-Graduao em Letras pelo auxlio e

    companheirismo;

    orientao do Prof. Andrea Ciacchi e co-orientao da Profa. Ana Cristina Marinho

    Lcio;

    Ao companheiro Fbio Pedro e tambm a todos os amigos que durante este perodo me

    ajudaram e incentivaram para a realizao deste trabalho, especialmente a Guilherme

    Bacalho, Pedro Jcome, Andr Gondim, Gekbede, Ariana, Ana Cludia, Valria Andrade e

    muitos outros...

    Agradecimento especial tambm aos amigos e integrantes do coco de Barra do Camaratuba e

    Cumaru;

    Aos membros da banca de qualificao, Ana Cristina Marinho, Claurnia da Silveira e Marcos

    Ayala;

    Aos membros da banca de defesa, Andrea Ciacchi, Marcos e Maria Ignez Ayala, Claurnia da

    Silveira e Ana Cludia Mafra.

  • RESUMO O estado da Paraba apresenta uma histria rica e extensa de manifestaes populares que

    esto sendo estudadas ao longo dos anos em trabalhos que retratam a cultura popular da

    regio. O estudo das relaes sociais de fundamental importncia para a compreenso da

    dinmica da cultura popular dentro da comunidade, pois envolve no apenas a descrio das

    manifestaes, mas tambm o reconhecimento da realidade social dos praticantes. A proposta

    deste estudo foi descrever os elementos que determinam e explicam a ocorrncia de alguns

    bens culturais existentes na comunidade de Barra do Camaratuba, localizada no municpio de

    Mataraca, litoral norte do estado da Paraba, com o objetivo de compreender a dinmica

    envolvendo a cultura popular e a contextualizao social da comunidade. O estudo foi

    realizado atravs do registro das manifestaes populares da comunidade e da interao

    existente entre os moradores da comunidade. A metodologia adotada leva em considerao a

    perspectiva de importantes estudiosos, e visa compreender a ligao entre uma manifestao

    cultural e as condies sociais nas quais ela se realiza. Foram feitos levantamentos sobre os

    estudos de cultura popular realizados no local, e sobre textos tericos gerais e especficos

    relacionados ao coco de roda. A pesquisa de campo foi dividida em vrias etapas que incluem

    a escolha e o reconhecimento do local, a aproximao com a comunidade, a coleta de dados

    atravs de udio, vdeo e fotografia, e finalmente, a transcrio e edio do material. Foram

    realizadas doze visitas s comunidades de Barra do Camaratuba e trs visitas comunidade de

    Cumaru, com um total quarenta dias de permanncia no campo. As visitas tiveram incio em

    maro de 2001. Durante as visitas foram registradas cinco apresentaes de coco de roda,

    sendo quatro em Barra de Camaratuba, e uma em Cumaru, alm de duas procisses em

    homenagem a So Pedro. Tambm foram realizadas cerca de sessenta entrevistas com os

    integrantes do coco de roda de Barra do Camaratuba e de Cumaru.

  • ABSTRACT

    The state of Paraba presents a rich and extensive history of popular manifestations that are

    being studied along the years in works that portray the popular culture of the area. The study

    of the social relationships is inside of fundamental importance for the understand of the

    dynamics of the popular culture of the community, because it not just involves the description

    of the manifestations, but also the recognition of the apprentices' social reality. The proposal

    of this study was to describe the elements that determine and they explain the occurrence of

    some existent cultural goods in the community of Barra do Camaratuba, located in the

    municipal district of Mataraca, coast north of the state of Paraba, with the objective of

    understand the dynamics involving the popular culture and the community's social context.

    The study was accomplished through the registration of the community's popular

    manifestations and of the existent interaction among the community's residents. The

    methodology adopted group in consideration the important specialists, and it seeks to

    understand the connection between a cultural manifestation and the social conditions in which

    it takes place. They were made risings on the studies of popular culture accomplished at the

    place, and on general and specific theoretical texts related to the coco de roda. The field

    research was divided in several stages that include the choice and the recognition of the place,

    the approach with the community, the collection of data through audio, video and picture, and

    finally, the transcription and edition of the material. Twelve visits were accomplished to the

    communities of Barra do Camaratuba and three visits to the community of Cumaru, with a

    total forty days of permanence in the field. The visits had beginning in March of 2001. During

    the visits five presentations of coco de roda were registered, being four in Barra do

    Camaratuba, and one in Cumaru, besides two processions in honor to So Pedro. They were

    also accomplished about sixty interviews with the members of the coco de roda of Barra do

    Camaratuba and of Cumaru.

  • SUMRIO

    1 Introduo.................................................................................................................. 1 1.1 - Fundamentao Terica........................................................................................ 5 1.2 - Consideraes Metodolgicas.............................................................................. 10

    2 - A comunidade de Barra do Camaratuba..................................................................... 15 2.1 - Conhecendo Barra: Seu Povo e Sua Histria....................................................... 15 2.2 - O passado e o presente de Barra do Camaratuba.................................................. 17 2.3 - Recursos Alimentares das Comunidades de Barra e Cumaru............................... 29

    3 As entrevistas............................................................................................................. 33 3.1 Registro completo das entrevistas........................................................................... 33

    4 - Cocos registrados durante a pesquisa de campo em Barra do Camaratuba e Cumaru..............................................................................................................................

    78

    4.1 Cocos registrados e cotejados.............................................................................. 79 4.2 Cocos registrados e no cotejados....................................................................... 114

    5 - Os parceiros do rio Camaratuba.................................................................................. 139 5.1 A festa de So Pedro: os parceiros na crena........................................................ 139 5.2 - Os parceiros da brincadeira do coco...................................................................... 142 5.3 - Participantes da brincadeira do coco..................................................................... 145 5.4 As brincadeiras do coco de roda de So Joo, de So Pedro e de Santana........... 148 5.4.1 - O Coco de Santana de 2001.............................................................................. 148 5.4.2 - O Coco de So Pedro de 2002.......................................................................... 149 5.4.3 - O Coco de Santana de 2002.............................................................................. 152 5.4.4 - O Coco de So Joo de 2003............................................................................ 156 5.4.5 - O Coco de Santana de 2003.............................................................................. 159

    6 - As brincadeiras de ontem e de hoje na memria dos moradores................................. 161 6.1 - Da brincadeira criao do Grupo de coco de roda de Barra do Camaratuba: a interveno da Prefeitura de Mataraca...........................................................................

    169

    7 - Consideraes Finais.................................................................................................. 176 8 - Referncias Bibliogrficas.......................................................................................... 177 9 Anexos........................................................................................................................ 181

    9.1 - Resumos dos Registro das Sadas:......................................................................... 181 9.2 - Transcries completas das cinco apresentaes.................................................. 215 9.2.1 - Primeira apresentao...................................................................................... 215 9.2.2 - Segunda apresentao...................................................................................... 237 9.2.3 - Terceira apresentao....................................................................................... 256 9.2.4 - Quarta apresentao......................................................................................... 266 9.2.5 - Quinta apresentao......................................................................................... 287

  • 1

    1 - INTRODUO

    O estado da Paraba apresenta uma histria rica e extensa de manifestaes populares,

    que esto sendo estudadas, ao longo dos anos, em muitos trabalhos que retratam a cultura

    popular da regio. O estudo das relaes sociais de fundamental importncia para a

    compreenso da dinmica da cultura popular dentro da comunidade, pois envolve no apenas

    a descrio das manifestaes, mas tambm o reconhecimento da realidade social dos

    praticantes, que em alguns casos exibem uma verdadeira postura de resistncia depredao

    econmica, social e cultural a que so submetidos.

    A ocorrncia de manifestaes culturais estruturada em um complexo de elementos

    sociais que interagem continuamente, e que se refletem na prpria produo cultural de uma

    comunidade. Estudos voltados para a identificao e anlise dos elementos que compem a

    identidade e a produo cultural em diversas regies do estado da Paraba revelam a

    influncia significativa dos elementos sociais na prpria viabilizao das manifestaes

    culturais das comunidades. Desta forma, novos estudos devem ter enfoque nos processos que

    envolvem a memria, a produo cultural e a dinmica social da comunidade.

    Conheci a comunidade de Barra, em 1995, quando estava pesquisando sobre Pastoris

    no curso de mestrado da Universidade Federal da Paraba - UFPB. Conversando com os

    moradores mais idosos da localidade sobre as manifestaes culturais ali existentes, fiquei

    sabendo que alguns brincavam de lapinha e de coco de roda. Ento procurei conhecer D.

    Maria Jos, que organizava os pastoris em Barra, como tambm, conheci seu Epitcio,

    cantador de coco indicado pela comunidade como o melhor puxador de coco que Barra

    possui.

    Posteriormente, em 1997, ingressei no grupo de pesquisa orientado pelo professor Dr.

    Andrea Ciacchi, no mbito das linhas de pesquisa Memrias e Produo Cultural, do

    Programa de Ps-Graduao em Letras, e Cultura e Modos de Vida, do Programa de Ps-

    Graduao em Sociologia, ambas da UFPB. A pesquisa desenvolve trabalhos em dois grupos,

    no LEO (Laboratrio de Estudos da Oralidade), coordenado pelo professor Dr. Marcos Ayala,

    Dra. Maria Ignez Ayala e Dra. Ana Cristina Marinho, e no GEAL (Grupo de Estudos

    Antropolgicos no Litoral), coordenado por Dr. Andrea Ciacchi. A pesquisa do professor

    Andrea Ciacchi envolveu o meu estudo, atravs desta tese, e os estudos de Andr Gondim do

    Rego, Ariana Augusta Monteiro e Gekbede Dantas da Silva, todos bolsistas do programa

    PIBIC, da rea de Cincias Sociais da UFPB.

  • 2

    Nas primeiras visitas que fiz a Barra tive a satisfao de conversar e de fazer amizade

    com os moradores mais antigos da comunidade, alguns tambm integrantes do coco de roda.

    Tambm tive o prazer de conhecer melhor o lugar, como a ponta da barra, local de encontro

    do rio Camaratuba com o mar, e atravs de barco beirando o manguezal ainda exuberante, as

    quatro bocas do rio. Na comunidade de Barra conheci a Igreja So Pedro, a escola municipal,

    a antiga casa de farinha e a palhoa central, local dos eventos da comunidade. Do lado direito

    do rio fica a aldeia indgena de Cumaru, cujo acesso feito por balsa ou pequenos barcos

    atravessando o rio Camaratuba. Nesses dias freqentei as residncias dos moradores mais

    idosos em agradveis visitas e longas conversas.

    Nas conversas que tive com os moradores, me falaram das dificuldades de se viver

    naquele lugar, como conta D. Rita: "h quinze anos atrs Barra era atrasada demais, no

    tinha gua e luz e nem estrada boa", e que apesar das dificuldades, principalmente a falta de

    emprego, eles acham que vivem melhor hoje do que no passado. D. Rita conta que antes no

    tinha dono as terras. Quem chegava, ficava na terra que escolhesse. Menos as terras que fica

    na frente do mar que pertence famlia dos Madeiros". Os moradores contaram que na poca,

    essa famlia era quem tinha mais posses de terras. Entretanto, com o passar dos anos, a famlia

    Madeiro foi vendendo suas posses, principalmente as terras que tinha beira-mar, para

    pessoas de fora, que at hoje destoam daquela comunidade de pescadores, que um lugar

    muito pobre, com a maioria das casas "socada a palha" ou de taipa. As terras serviam tanto

    para construir suas moradias, como tambm para plantar no quintal ou na frente das casas,

    pequenas culturas de subsistncias, assim como: milho, feijo, jerimum, melancia e,

    principalmente, macaxeira e mandioca. Diante da necessidade de se queimar a farinha de

    mandioca, os moradores construram uma casa de farinha, em Barra do Camaratuba. Foi a

    partir da que a mandioca comeou a ser plantada com mais intensidade na regio.

    assim tambm que acontece com a pesca no mar e no rio (figs. 1 e 2), e com a

    catao de crustceos. Os pescadores tambm fundaram uma Colnia, com o objetivo,

    segundo eles, de manter a unio em torno do trabalho artesanal da pesca, procurando evitar

    que barcos de fora venham pescar na barra, e tambm como meio de articulao social

    entre os prprios moradores, para pressionar as autoridades por suas reivindicaes.

  • 3

    Figura 1: praia de Barra do Camaratuba

    Figura 2: a pesca na barra do Rio Camaratuba.

    Os moradores expem a sua cultura quando contam sobre a brincadeira do coco de

    roda que aprenderam com seus avs e pais: "era to bom! Ia at amanhecer o dia danando o

    coco aqui". Eles contaram que os filhos sempre acompanhavam os pais nas brincadeiras e

    assim que at hoje eles lembram, cantam e brincam o coco. Segundo os integrantes, a

    brincadeira "acontecia num lugar iluminado, noite de lua e brincava em tempo de festa: So

    Joo, So Pedro, que o padroeiro daqui". Atualmente, eles tambm seguem esse mesmo

    calendrio para a realizao do coco.

    Este estudo est voltado para a anlise da cultura popular atravs da contextualizao

    dos elementos culturais e sociais existentes em duas comunidades do litoral norte da Paraba.

    Durante a pesquisa, foi dada prioridade memria e produo cultural de moradores das

    classes subalternas, que atualmente representam as formas de manifestaes de cultura

    popular da comunidade.

    A partir de viagens realizadas Barra do Camaratuba, pode-se constatar que seus

    moradores expressam uma cultura e uma viso de mundo, e realam a importncia desses

    eventos culturais assumindo funes que envolvem a manuteno e a representao de cultura

    popular. O registro e o estudo dessas relaes sociais e culturais se justificam pela importncia

    do patrimnio cultural da comunidade como um todo, expresso nas suas manifestaes

    populares. A representao de uma identidade comunitria surge dos prprios moradores, ao

    expressarem a sua prpria identidade. A importncia deste estudo consiste no fato da prpria

    sociedade subalterna exprimir a sua histria, os seus valores e a sua memria. A revelao

    deste contexto de produo oral possibilita a compreenso do processo cultural e social da

    comunidade.

    As comunidades de Barra de Camaratuba e Cumaru possuem, como uma de suas

    caractersticas bsicas, o fato de estarem localizadas na regio litornea. Estas comunidades

    esto voltadas, principalmente, para as atividades econmicas de pesca artesanal, explorao

    de subsistncia e empregos temporrios nas usinas de cana de acar e minerao existentes

  • 4

    na regio. Cumaru e Barra do Camaratuba possuem um pequeno nmero de habitantes e se

    situam distantes das capitais Joo Pessoa e Natal. Apesar da relativa distncia dos maiores

    centro, percebe-se a ocupao desordenada do litoral, com a chegada dos veranistas, dos

    turistas e construes de pousadas, que traz como conseqncia a crescente desestabilizao

    ambiental, que pode influenciar de forma significativa, ou at mesmo colocar em risco, a atual

    forma de organizao daquelas sociedades. Tambm um fator de grande importncia dentro

    do estudo o crescente aumento da indstria do turismo no local, que pode ter grande

    influncia na vida social da comunidade.

    Muitos estudos apontam para a mudana da identidade cultural e social de culturas

    subalternas como um dos problemas que se sucedem aos contatos culturais. Muitas vezes as

    necessidades bsicas de sobrevivncia e a massificao cultural transformam as pessoas locais

    em mera mo-de-obra, o que ocasiona a perda da sua identidade cultural. Este estudo

    tambm prope, atravs da divulgao e do debate dos seus resultados, contribuir na busca de

    alternativas que busquem minimizar o impacto que o "desenvolvimento" da regio, e a sua

    influncia, possam trazer de negativo para as camadas socialmente marginalizadas da

    comunidade, como: a violncia, a falta de respeito com a comunidade e com a natureza, entre

    outros fatores.

    Estudos com as finalidades descritas acima se revelam de grande contribuio dentro

    da temtica da cultura popular. O desenvolvimento deste estudo e as adaptaes adotadas nas

    tcnicas de pesquisas revelam tambm riquezas existentes em histrias e manifestaes

    culturais reveladas por pessoas maravilhosas, com as quais tenho tido o privilgio de

    conversar e aprender.

    A proposta para este estudo baseia-se em unir os elementos, sobretudo de ordem

    econmica e social, que determinam e explicam a ocorrncia de alguns bens culturais

    existentes na comunidade de Barra do Camaratuba, atravs de depoimentos dos moradores

    mais antigos. Esta parte da pesquisa envolve a conversa e a narrativa, o que exige uma forte

    interao de amizade e, muitas vezes, at de cumplicidade, entre o pesquisador e o

    entrevistado. O estudo foi desenvolvido no sentido de integrar os registros de elementos

    scio-culturais com as manifestaes populares da comunidade; analisar, atravs da

    observao direta das manifestaes populares, a interao existente entre os moradores da

    comunidade; estabelecer parmetros que possibilitem comparar as modificaes que possam

    ocorrer nos elementos sociais e econmicos, e na prpria produo cultural da comunidade, a

    partir de impactos como a indstria cultural e o turismo; e colaborar com outros estudos sobre

    a cultura popular na regio.

  • 5

    1.1 - Fundamentao Terica

    No Brasil, segundo registros nas obras intituladas Bibliografia do folclore brasileiro

    de Braulio de Nascimento1 e Cristina Colonelli2, muitos trabalhos foram publicados com os

    temas de cultura popular e folclore, e as consideraes tericas so diversas. No presente

    estudo, cultura popular e folclore so tratados como expresses sinnimas, sendo a

    ateno principal voltada para o conhecimento da dinmica do processo cultural e da troca de

    informaes entre os vrios setores culturais. Segundo Marcos Ayala e Maria Ignez Novais

    Ayala3 a expresso cultura popular, sinnimo de cultura do povo, permite visualizar mais

    facilmente um aspecto que nos interessa ressaltar: o fato de ser uma prtica prpria de

    grupos subalternos da sociedade. Os autores criticam a preocupao dos conservadores em

    preservar as manifestaes culturais populares baseados na idia de que o folclore imutvel,

    como um conjunto de objetos arqueolgicos, e mostram-nos que devemos observar o contexto

    social dessas manifestaes populares, que se modificam, sem que necessariamente

    desapaream.

    Uma forma de estudar a cultura popular atravs das relaes existentes entre as

    prticas culturais populares e o seu contexto de produo. Neste estudo, a abordagem terica e

    metodolgica sobre cultura popular tem como referncia os resultados de estudos anteriores

    voltados para contextualizao social e anlise cultural. Estudos com este enfoque tiveram

    incio no ano de 1920 at nossos dias, quando a cultura popular aparece mais viva e presente

    na identidade nacional. Entre os pesquisadores e estudiosos que desenvolveram esses

    trabalhos, tanto no Brasil como no exterior, destacam-se, entre muitos: Antnio Gramsci,

    Walter Benjamim, Paul Thompson, Nstor Garca Canclini, Amadeu Amaral, Mrio de

    Andrade, Antonio Candido, Marilena Chau, Roger Bastide, Oswaldo Elias Xidieh, Florestan

    Fernandes, Carlos Rodrigues Brando, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Marcos Ayala e

    Maria Ignez Novais Ayala. Todos estes autores tm contribuies expressivas acerca da

    cultura popular, atravs da anlise crtica de estudos anteriores e da proposta de novos

    mtodos para a coleta e para a interpretao de textos.

    1 NASCIMENTO, Braulio do. (Org.) Bibliografia do folclore brasileiro. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional,

    1971. 2 COLONELLI, Cristina Argenton. Bibliografia do folclore brasileiro. So Paulo: Conselho Estadual de Artes e

    Cincias Humanas, 1979. 3 AYALA, Marcos e AYALA, Maria Ignez Novais. Cultura popular no Brasil. Perspectiva de anlise. So Paulo:

    tica, 1987.

  • 6

    Amadeu Amaral4 usou o mtodo comparativista no estudo da cultura popular, com a

    preocupao de observar suas formas de criao e divulgao especficas, registrando com

    fidelidade as informaes sobre o contexto social nas quais as pessoas esto inseridas. O autor

    tambm revela a grande dificuldade de se estudar a origem desses textos.

    Mrio de Andrade5 fez uma vasta compilao de material com anotaes e

    questionamentos sobre o processo histrico das danas dramticas do Brasil e demonstrou que

    no Brasil alguns romances ibricos foram fundidos s danas dramticas populares,

    brincadeiras de roda e cantigas de ninar. O autor reconhece a dificuldade de determinar todas

    as influncias em nossas danas dramticas, mas destaca o teatro religioso semipopular

    ibrico, e, posteriormente, o teatro profano da Pennsula Ibrica. Mrio de Andrade em

    viagem realizada ao Nordeste, de dezembro de 1928 a fevereiro de 1929, realizou, segundo

    Oneyda Alvarenga, uma colheita folclrica espantosa (Os cocos, p. 10), no Rio Grande do

    Norte, na Paraba e em Pernambuco.

    O socilogo francs Roger Bastide prope que no estudo da cultura popular seja

    levado em considerao o contexto social e de produo, do qual cada grupo faz parte, quando

    afirma:

    (...) O folclore no flutua no ar, s existe encarnado numa sociedade, e estud-lo sem levar em conta essa sociedade condenar-se a apreender-lhe apenas a superfcie 6.

    Oswaldo Elias Xidieh7 teve a preocupao de mostrar as mudanas da cultura popular

    paulista na dcada de 40, em conseqncia das transformaes sociais, culturais e econmicas

    do Brasil. Ele apontou trs questes que contriburam para essas alteraes: primeiro, a

    mudana no trabalho; segundo, a urbanizao; e terceiro, a migrao. Dessa forma, o autor

    mostra em seu trabalho o que esta cultura trouxe para a cidade de So Paulo, o que existe, e o

    que se transformou ou desapareceu. Na viso do autor, essas transformaes levaram ao

    desaparecimento da organizao social da sociedade rstica, e reconhece a cultura popular

    como aquela:

    (...) criada pelo povo e apoiada numa concepo do mundo toda especfica e na tradio, mas em permanente reelaborao mediante a reduo ao seu contexto das contribuies da cultura" erudita, porm, mantendo sua identidade.8

    A cultura de massa, segundo o autor, est: (...) articulada aos desgnios dos grupos de

    4 AMARAL, Amadeu. Tradies populares. Est. Int. Paulo Duarte. 2a ed. So Paulo: HUCITEC, 1975. 5 ANDRADE, Mrio de. Danas dramticas do Brasil. (Org.) Oneyda Alvarenga. So Paulo: Martins, 1959. 3t. 6 BASTIDE, Roger. Sociologia do folclore brasileiro. So Paulo: Anhambi, 1959, p. 2 7 XIDIEH, Oswaldo Elias. Narrativas pias populares. So Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros/USP, 1967. 8 XIDIEH, Oswaldo Elias. Cultura popular. In: Feira nacional da cultura popular. So Paulo: Sesc, 1976, p. 3.

  • 7

    dominao econmico-poltico-social e posta, a seu favor, disposio como consumo, dos

    nveis bsicos da estrutura social 9. O socilogo Florestan Fernandes mostra a necessidade

    de analisar o carter social do folclore brasileiro:

    (...) em sentido mais amplo: 1. nesse, de exprimirem modalidades do comportamento coletivo; 2. e em outro, de se vincularem s condies da vida social organizada da comunidade, assumindo por isso, o carter de ocorrncias que satisfazem as necessidades psicossociais e socioculturais determinadas.10

    Nstor Garca Canclini analisa as manifestaes culturais populares no capitalismo,

    observando suas formas de produo, recepo e circulao. O autor afirma:

    (...) Portanto, as culturas populares so construdas em dois espaos: a) as prticas profissionais, familiares, comunicacionais e de todo tipo atravs dos quais o sistema capitalista organiza a vida de todos os seus membros; b) as prticas e formas de pensamento que os setores populares criam para si prprios, mediante os quais concebem e expressam a sua realidade, o seu lugar subordinado na produo, na circulao e no consumo.11

    Autores mais recentes tratam da questo da contextualizao das prticas culturais

    populares. Carlos Rodrigues Brando12 aborda as diferentes formas de empregar os termos

    cultura popular ou folclore. O autor relata as afirmaes de alguns folcloristas, que definem o

    folclore como:

    (...) uma cultura ingnua, no oficial, no dominante. Uma cultura que, mesmo quando resultante de expropriaes e imposies do passado, resiste como modo de pensar, sentir e fazer do povo.

    O folclore parte do que alguns chamam de o poder dos fracos: seus modos de

    expressar a vida, as lutas das classes populares, a defesa de formas prprias.

    Antonio Gramsci v o folclore como uma:

    (...) concepo do mundo e da vida, em grande medida implcita, de determinados estratos (determinados no tempo e no espao) da sociedade, em contraposio (tambm no mais das vezes implcita, mecnica, objetiva) com as concepes do mundo oficiais (ou, em sentido mais amplo, das partes cultas das sociedades historicamente determinadas), que se sucederam no desenvolvimento histrico.13

    O folclore descrito como uma cultura de classes subalternas que se ope

    9 Idem, ibidem, p. 3. 10 FERNANDES, Florestan. Folclore em questo. 2 ed. So Paulo: HUCITEC, 1989, p. 29. 11 GARCIA CANCLINI, Nstor. As culturas populares no capitalismo. Trad. Cludio Novaes Pinto Coelho. So

    Paulo: Brasiliense, 1983, p. 43. 12 BRANDO, Carlos Rodrigues. O que folclore. 7 ed. So Paulo: Brasiliense, 1986, p. 102. 13 GRAMSCI, Antonio. Observao sobre o folclore. In: Literatura e vida nacional. Trad. e sel. Carlos Nelson

    Coutinho. 3 ed. So Paulo: Civilizao Brasileira, 1968, p.184.

  • 8

    cultura oficial e conseqentemente resulta no confronto entre as classes hegemnicas e

    as classes subalternas. O autor critica que cultura popular ou folclore seja pesquisado como

    elemento pitoresco da cultura na sociedade, mas que trate o folclore como uma viso do

    mundo e da vida em oposio sociedade oficial e dominante. Segundo o autor, para no

    haver uma diviso entre a cultura moderna e cultura popular, preciso levar em considerao

    o estudo do folclore como algo extremamente importante.

    No Brasil a realidade scio-cultural est estruturada na cultura burguesa e na cultura

    popular. As classes subalternas apresentam atravs da produo oral, caractersticas e formas

    prprias de produo, representadas principalmente pelas histrias de vida. A presena de um

    espectador, para quem o narrador conta a histria, confere s histrias de vida grande

    importncia dentro da narrativa popular. Pode-se ter uma viso abrangente da sociedade

    atravs das histrias de vida. Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz14, possvel encontrar

    a coletividade a partir do indivduo.

    Entretanto, existe uma distino quanto origem do espectador. Quando ele estranho

    comunidade, a narrativa assume uma forma parcial, ou, de episdios. Quando os relatos so

    contados para pessoas ausentes dos acontecimentos, mas no necessariamente estranhas, a

    narrativa assume uma conotao de histrias de famlia ou de relatos sobre as condies de

    vida do passado. Esta diferenciao influencia de forma considervel o modo como o narrador

    vai contar a histria. Quando o narrador est dentro da prpria paisagem cotidiana, ele apenas

    conta o acontecimento. Entretanto, quando na presena de um pesquisador, o narrador

    acrescenta um juzo histria, ou seja, se torna mediador entre a realidade atual e a antiga,

    que ocorreu no passado. Andrea Ciacchi15 discute o papel e os significados das histrias de

    vida no seu artigo, intitulado A histria somos ns, e considera a entrevista demolgica

    como o momento de encontro de dois sujeitos que dialogam (...) , resultando da uma ntida

    opo para o ponto de vista do protagonista do relato.

    A presena do pesquisador durante os relatos de histria de vida cria uma perspectiva

    diferente dentro da pesquisa folclrica, porque cria um novo momento durante a narrao,

    inexistente no cotidiano. Desta forma, pode-se utilizar a histria de vida como forma de

    conhecer a viso que a comunidade tem dela prpria.

    14 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variaes sobre a tcnica de gravador no registro da informao viva.

    So Paulo: T. A. Queiroz, 1991 (Biblioteca Bsica de Cincias Sociais. Srie 2. Textos: V.7). 15 CIACCHI, Andrea. A histria Somos Ns: reflexes sobre histrias de vida, autobiografia, cultura popular,

    narradores e pesquisadores. In: Poltica e Trabalho, n. 13. Joo Pessoa UFPB, 1997, 225-226.

  • 9

    Um dos primeiros estudos dos versos dos cocos foi realizado por Mrio de Andrade,

    em 1928, no Nordeste, intitulado: A literatura dos cocos16. O registro desse material resultou

    parte de um livro sobre a msica popular no Nordeste, Na pancada do ganz, que Mrio de

    Andrade no concluiu. Posteriormente, estes registros foram organizados por Oneyda

    Alvarenga e resultou na obra: Os cocos, de Mrio de Andrade. Oneyda Alvarenga tambm

    incorporou neste livro, o ensaio O turista aprendiz17, que reala a importncia de algumas

    das tradies da cultura do povo, como a cantiga, a poesia e as danas populares, entre elas o

    Coco e a Embolada.

    O coco uma dana popular nordestina, em que o refro cantado em coro, em

    resposta aos versos do cantador, tirador ou coqueiro. A dana consiste de diferentes

    combinaes de batuque. Em seus elementos formadores existem influncias tanto da msica

    indgena, como da msica africana. A dana do coco se tornou popular em todos os estado do

    Nordeste. Embora possuam uma coreografia semelhante, existem vrios tipos de cocos, que

    podem ser denominados tanto pelos instrumentos utilizados (coco-de-ganz, coco-de-zamb),

    pelo local onde executado (coco-de-praia, coco-de-usina), pela forma do texto potico

    (coco-de-dcima, coco-de-oitava) ou ainda pelo seu processo potico-musical (coco-de-

    embolada). Segundo Chico Antnio, antigo tirador do O Boi Tungo, o coco "... a vontade

    do camarada cantar. O coco geralmente formado por estrofe-refro. O refro ou coro

    fixo, e constitui o elemento caracterizador do coco. As estrofes podem ser tradicionais ou

    improvisadas. Os instrumentos utilizados so de percusso, pandeiro, ganz, bumbo, ou at

    mesmo simples caixotes18.

    Os estudiosos Maria Ignez Ayala e Marcos Ayala afirmam, em seu livro sobre cocos19,

    que a brincadeira est presente em diversos locais da Paraba (interior e litoral). Os autores

    referem-se dificuldade de preciso da nomenclatura do coco. E mostram que os cocos:

    (...) assumem vrias feies, podendo se configurar como canto acompanhado apenas por palmas e batidas dos ps; canto com acompanhamento de pandeiro e ganz; s texto escrito, quando integra a literatura de folhetos; dana acompanhada de versos cantados ao som de bumbos, ganz e outros instrumentos de percusso; cantos integrados a cultos religiosos afro-brasileiros.

    16 ANDRADE, Mrio. A literatura dos cocos. In: Os cocos. Org. Oneyda Alvarenga. So Paulo: Duas cidades;

    Braslia: Instituto Nacional do Livro, 1984, p. 345. 17 ANDRADE, Mrio. O turista aprendiz. In: Os cocos. Org. Oneyda Alvarenga. So Paulo: Duas cidades;

    Braslia: Instituto Nacional do Livro, 1984, p. 370. 18 Idem, ibidem, p. 13 19 AYALA, Maria Ignez Novais & AYALA, Marcos (Orgs.). Cocos, alegria e devoo. Natal: EDUFRN, 2000,

    304 p.

  • 10

    Na Paraba muitos trabalhos vm sendo realizados pelo Laboratrio de Estudos da

    Oralidade da UFPB, com o objetivo de contextualizar os elementos culturais e sociais

    envolvidos na produo cultural das camadas subalternas. Recentemente foram concludos os

    estudos de mestrado, sob orientao do Prof. Dr. Marcos Ayala, de Henrique J. P. Sampaio20,

    com coco-de-roda na comunidade de Guruji, litoral Sul do Estado e tambm a tese de Ana

    Cristina Marinho Lcio, sob a orientao da Prof. Dra. Maria Ignez Ayala, sobre a histria de

    vida do seu Jove, cantador de coco-de-roda da comunidade de Forte Velho, localizada

    prxima a Joo Pessoa.

    O Coco-de-roda representa uma manifestao de cultura popular, que ainda hoje

    impe, com paixo e resistncia, seu ritmo e sua voz nas noites de luar de praias e lugarejos

    do Nordeste.

    1.2 - Consideraes Metodolgicas

    A metodologia adotada leva em considerao a perspectiva de importantes estudiosos

    do sculo XX, e visa compreender a ligao entre uma manifestao cultural e as condies

    sociais nas quais ela se realiza. A pesquisa objetiva inclusive compreender a dinmica

    envolvendo a cultura popular e a sua contextualizao social nas comunidades que ainda

    desenvolvem atividades econmicas artesanais e de subsistncia no litoral norte da Paraba.

    Foram adotadas as orientaes metodolgicas de vrios autores, com a inteno de

    cumprir com os requisitos bsicos da pesquisa, mas tambm de adaptar a metodologia

    utilizada em diferentes trabalhos realidade encontrada na comunidade, conforme experincia

    vivida em estudos anteriores21.

    Entre os autores destacam-se as orientaes de Oswaldo Elias Xidieh22, as tcnicas de

    pesquisa de observao de Oracy Nogueira23 e as tcnicas de entrevistas e depoimentos

    pessoais de Maria Isaura Pereira de Queiroz24, Paul Thompson25, e Jos de Souza Martins26.

    20 SAMPAIO, Henrique J. P. O processo de reelaborao dos cocos no movimento de urbanizao e

    desenvolvimento do municpio do Conde. Dissertao do Programa de Ps-Graduao em Sociologia da UFPB, 2002.

    21 BACALHO, Edith C.A. Transmisso oral e Repertrio de Mulher: o grupo da Nau Catarineta Feminina e da Amizade. Dissertao. Curso de Ps-Graduao em Letras, UFPB, 2000, 208 p.

    22 XIDIEH, Oswaldo Elias. Narrativas populares; estrias de Nosso Senhor Jesus Cristo e mais So Pedro andando pelo mundo. So Paulo: Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia, 1993.

    23 NOGUERIA, Oracy. Pesquisa Social: Introduo s suas tcnicas. 2 ed. So Paulo: Nacional, 1973. 24 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variaes sobre a tcnica de gravador no registro da informao viva.

    So Paulo: P. A. Queiroz, 1991 (Biblioteca Bsica de Cincias Sociais. Srie 2. Textos: V.7). 25 THOMPSON, Paul. A voz do passado: histria oral. Trad. Llio Loureno de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e

    Terra, 1992.

  • 11

    Trabalhos referentes a manifestaes populares especficas, como os desenvolvidos por

    Francisco Assis de Sousa Lima27, Ecla Bosi28, Antnio Torres Montenegro29 e por Maria

    Ignez Ayala30 e Ana Cristina Marinho31, entre outros, tambm esto sendo de grande valia na

    orientao metodolgica desta pesquisa.

    A pesquisa foi desenvolvida atravs de levantamento bibliogrfico e contextualizao,

    com levantamento referente a textos tericos ligados linha de pesquisa cultura popular. Os

    textos tericos envolvem tanto os textos gerais sobre cultura popular, quanto os textos

    especficos, como pesquisas na mesma linha temtica ou elementos sobre memria e

    produo cultural local. A contextualizao foi desenvolvida atravs de um levantamento que

    envolve os aspectos referentes ao local da pesquisa, como a literatura, histria, geografia,

    antropologia e sociologia.

    Foram feitos levantamentos sobre os estudos de cultura popular realizados no local, e

    sobre textos tericos gerais e especficos relacionados ao tema abordado. O levantamento

    bibliogrfico possibilita o desenvolvimento de uma base de dados sobre a cultura popular e o

    coco de roda. A atualizao bibliogrfica possibilita a discusso dos processos que envolvem

    a cultura popular local. Atravs deste estudo pretende-se compreender os processos sociais

    que interagem nas manifestaes populares das comunidades de Barra de Camaratuba e

    Cumaru e contribuir para as pesquisas da cultura popular na Paraba.

    A pesquisa de campo foi dividida em vrias etapas que incluem a escolha e o

    reconhecimento do local, a aproximao com a comunidade, a coleta de dados atravs de

    udio, vdeo e fotografia, e finalmente, a transcrio e edio do material. A pesquisa

    preliminar foi fundamental para o estabelecimento de relaes de confiana mtua entre os

    narradores e a pesquisadora.

    A pesquisa de campo foi constituda de um roteiro abrangente, com entrevistas, fichas

    e caderno de anotaes. Os textos foram catalogados em fichas com anotaes sobre: local,

    data, tema, dados pessoais etc. Tambm foram registrados durante e/ou no final de cada

    entrevista os aspectos mais relevantes da personalidade de cada entrevistado e o contexto

    26 MARTINS, Jos de Souza. "Antropofagia e Barroco na cultura latino-americana; Tempo e linguagem nas

    lutas do campo. In: A chegada do estranho. So Paulo: Hucitec, 1993. 179 p. 27 LIMA, Francisco Assis de Sousa. Conto popular e comunidade narrativa. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto

    Nacional do Folclore, 1985. 28 BOSI, Ecla. Memria e sociedade; lembranas de velhos. 2 ed. So Paulo: T. A. Queiroz; EDUSP, 1987. 29 MONTENEGRO, Antonio Torres. Histria oral e memria; a cultura popular revisitada. 3 ed. So Paulo:

    Contexto, 1994. 30 AYALA, Maria Ignez Novais e AYALA, Marcos (Orgs.). Cocos: alegria e devoo. Natal: EDUFRN, 2000,

    304 p. 31 MARINHO, Ana Cristina. O mundo de Jove. A histria de vida de um cantador de coco. Tese. Universidade

    federal da Paraba. CCHLA. Joo Pessoa, 2001. 198p.

  • 12

    social do qual o indivduo faz parte. Na pesquisa de campo foram utilizadas as seguintes

    tcnicas:

    Observao: consistiu em registrar o desempenho do grupo durante as apresentaes,

    com anotaes de gestos e improvisaes etc. Segundo Oracy Nogueira, Freqentemente,

    atravs da observao espontnea que surge o interesse do investigador por um determinado

    problema, e, ao se propor a estud-lo atravs da observao sistemtica, ele j se apresenta

    munido de um acervo de experincias e noes acumuladas nessa fase de investigao

    informal, espontnea e no planejada32. Atravs do registro das observaes possvel

    acompanhar os acontecimentos que esto em volta, como gestos, roupas, cenrio,

    improvisaes etc. O objetivo da observao registrar fatos que atravs de um gravador e ou

    vdeo seriam impossveis de serem captados;

    Depoimentos pessoais: tm como objetivo construir a histria da comunidade narrada

    pela prpria comunidade, relacionando a vivncia individual dos moradores com a sua

    atuao na comunidade. Os depoimentos pessoais foram realizados com pessoas que

    demonstrarem interesse em falar sobre suas vidas;

    Entrevistas: esta a tcnica mais antiga de coleta de relatos orais e supe que o

    processo de memorizao implica na existncia de um narrador e de um pblico, quando o

    narrador transmite o seu saber e as suas experincias vividas. Segundo Maria Isaura Pereira de

    Queiroz, a entrevista est presente em todas as formas de coleta dos relatos orais, pois estes

    implicam sempre um colquio entre pesquisador e narrador33. A autora tambm revela a

    grande diferena entre pesquisador e narrador. O pesquisador, ao procurar um narrador,

    conduz seu trabalho de acordo com seu objeto de estudo, com a pretenso de sentir mais de

    perto sua realidade, enquanto o narrador sente a necessidade de transmitir todas suas

    experincias de vida para o pesquisador, na inteno de valorizar o que conhece. Desta forma,

    cabe ao pesquisador tentar encaminhar o narrador de acordo com seu trabalho. Para a autora,

    os interesses do pesquisador e do narrador so diferentes, pois diante de todo material

    coletado o pesquisador ir fazer uma triagem aproveitando apenas o que lhe interessa,

    separando informaes que considera proveitosa e descartando as demais;

    Transcrio dos textos: na passagem do relato oral para a escrita, instala-se um

    indivduo intermedirio34 entre o narrador e o ouvinte. Este intermedirio por mais que tente

    ser fiel ao relato do narrador, sempre ter uma nova interpretao do que foi relatado.

    32 NOGUEIRA, Oracy. Idem, ibidem, p. 258. 33 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Idem, p. 6. 34 Idem, ibidem, p. 6.

  • 13

    Portanto, o pesquisador dever ter ateno de conservar de forma mais fidedigna e precisa

    possvel a linguagem do narrador. Todos os textos coletados durante as pesquisas foram

    transcritos e analisados;

    Anlise dos textos: na ltima fase da pesquisa foram feitas as anlises dos textos

    coletados durante a pesquisa de campo. Atravs da contextualizao se pode observar as

    relaes entre a memria e a produo cultural, procurando interpretar os relatos orais e

    entender o indivduo dentro da sua coletividade.

    Foram realizadas doze visitas s comunidades de Barra do Camaratuba e trs visitas

    comunidade de Cumaru, com um total quarenta dias de permanncia no campo. As visitas

    tiveram incio em maro de 2001. A durao foi de trs dias para cada sada. Entretanto,

    durante o perodo junino de 2003, a permanncia foi de sete dias consecutivos.

    Os participantes da brincadeira do coco de roda residem na Barra do Camaratuba e na

    Aldeia Cumaru. Durante as visitas foram registradas cinco apresentaes de coco de roda,

    sendo quatro em Barra de Camaratuba, e uma em Cumaru. Todas as apresentaes foram

    gravadas em fitas de udio e uma tambm em fita de vdeo. Tambm foram registradas duas

    procisses em homenagem a So Pedro. A imagem do santo saiu da igreja em Barra, na

    semana do So Joo, e foi levada at a igreja So Pedro, em Cumaru. Os moradores das duas

    comunidades participaram da procisso de ida e vinda da imagem de So Pedro.

    Durante os estudos foram realizadas cerca de sessenta entrevistas com os integrantes

    dos cocos de Barra do Camaratuba e de Cumaru. Parte das entrevistas foi gravada em fitas de

    udio, e parte delas foram feitas anotaes no caderno de campo, no total de manifestaes

    populares e entrevistas foram gravadas 27 fitas de udio.

    Nestas visitas foram gravados depoimentos pessoais dos moradores antigos da

    comunidade. Foram feitos registros fotogrficos das duas comunidades, Barra e Cumaru, dos

    seus moradores e integrantes. Nas entrevistas, eles expuseram a sua cultura quando contaram

    sobre a brincadeira do coco de roda, que aprenderam com seus avs e/ou com seus pais: era

    to bom! Ia at amanhecer o dia danando o coco aqui. Eles contaram que seus filhos sempre

    acompanhavam os pais nas brincadeiras e assim que at hoje eles lembram, cantam e

    brincam o coco. Contam tambm que esta brincadeira sempre aconteceu naquela regio, e

    principalmente, nas noites de lua, e na poca das festas juninas: So Joo, So Pedro e

    Santana. Atualmente, eles tambm seguem esse mesmo calendrio para a realizao do coco.

    O estudo foi realizado deste o ms maro de 2001, com a participao do grupo de

    estudo sobre pesca no litoral da Paraba, coordenado por Andrea Ciacchi e do Laboratrio de

    Estudos da Oralidade (LEO) da UFPB, com o objetivo de fazer o reconhecimento do

  • 14

    ambiente e a adequao da metodologia.

    Os captulos a seguir foram desenvolvidos a partir das entrevistas com os moradores

    de Barra do Camaratuba, da descrio da comunidade de Barra e dos modos de vida de seus

    moradores e das apresentaes de coco de roda realizadas entre os anos de 2001 a 2005. O

    objetivo foi descrever a relao entre os integrantes da brincadeira e a comunidade, atravs

    das seguintes questes:

    O captulo 2 - A Comunidade de Barra do Camaratuba - trata da apresentao da

    comunidade de Barra do Camaratuba, conhecendo seu povo e sua histria, atravs dos relatos

    dos moradores. Esses depoimentos apontam quais foram e quais so os meios de vida em

    Barra no passado e no presente, , alm das culturas de subsistncia (pesca, caa e agricultura).

    O captulo 3 - Entrevistas - refere-se s entrevistas realizadas com os moradores de

    Barra do Camaratuba e integrantes da brincadeira do Coco de Roda durante a pesquisa.

    O Captulo 4 - Cocos registrados durante a pesquisa de campo em Barra do

    Camaratuba e Cumaru - constam as letras dos cocos registrados e as comparaes feitas com

    os estudos de Mrio de Andrade, Altimar Pimentel e Marcos e Maria Ignez Ayala.

    O captulo 5 - Os Parceiros do Rio Camaratuba e As Brincadeiras este captulo

    refere-se apresentao dos integrantes das brincadeiras do coco de roda e os relatos de visita

    em que as brincadeiras foram registradas e tambm s brincadeiras de ontem e de hoje na

    memria dos moradores, atravs dos relatos dos moradores.

  • 15

    2 - A COMUNIDADE DE BARRA DO CAMARATUBA

    2.1 - Conhecendo Barra: Seu Povo e Sua Histria

    As terras localizadas entre a Foz do Rio Igarau e a Baa da Traio j eram habitadas

    na poca do descobrimento do Brasil pelos ndios potiguaras. Essas terras formavam, em

    1534, a Capitania de Itamarac, doada a Pero Lopes de Sousa pelo Rei de Portugal. Em 1580,

    o rei Dom Sebastio d o nome de Capitania da Paraba faixa de terra que fica entre a Baa

    da Traio, ao Norte e o Rio Popoca, ao Sul, atualmente o litoral norte da Paraba. O litoral

    norte possui uma extenso de 63 km, sendo delimitado ao sul pelo esturio do rio Paraba, e a

    norte pelo esturio do rio Guaj. A regio composta pelos municpios de Mataraca,

    Marcao, Baa da Traio, Rio Tinto e Lucena. O relevo predominante de plancie costeira

    e de planalto baixo costeiro, revelando uma topografia suave e de vales encaixados. A bacia

    de drenagem formada pelos Rios Paraba do Norte, Miriri, Mamanguape, Camaratuba e

    Guaj. O clima tropical, com temperaturas variando entre 20o e 30o C. Nos esturios e

    manguezais a biodiversidade alta, com diversas espcies de crustceos, moluscos, peixes,

    rpteis, aves e mamferos. Existem reas remanescentes de Mata Atlntica que incluem a

    Reserva Biolgica dos Guaribas e a Mata do Rio Vermelho (IBGE, 2000).

    A comunidade de Barra do Camaratuba parte do municpio de Mataraca, localizado a

    110 km de Joo Pessoa (fig. 3), que foi emancipado no ano de 1963, do qual fazia parte do

    municpio de Mamanguape-Pb. Na regio existe tambm a reserva indgena de Cumaru e um

    parque municipal de preservao ambiental, com destaque para reas de manguezal e de

    restinga junto ao oceano Atlntico. As praias so muito procuradas para a prtica do surf e

    turismo, face exuberncia da paisagem.

    A pesquisa realizada pelo IBGE (2000) mostra que Barra do Camaratuba possui cerca

    de novecentos habitantes. A comunidade possui um estabelecimento de ensino fundamental e

    um ambulatrio. No possui estrutura de restaurantes, bares ou bancos, e oferece trs locais

    para pousada. Muitas casas so feitas de taipa (fig. 4). No centro da comunidade fica

    localizada a igreja de So Pedro. Existem apenas quatro ruas principais e todas so de terra

    batida (fig. 5). A comunidade possui duas estradas de acesso. A estrada mais antiga conhecida

    como estrada de baixo, vai beirando uma grande extenso da mata atlntica e do pntano,

    onde se pode desfrutar de ar puro da mata centenria e saborear diversas frutas nativas como:

    manga, jaca, carambola, caju, pitomba, banana, goiaba, mangaba, sapoti etc. A outra estrada,

  • 16

    conhecida como estrada do canavial, foi construda recentemente para atender aos

    interesses dos usineiros, mineradores e proprietrios de pousadas, os empresrios locais.

    Barra de Camaratuba

    Figura 3: Localizao geogrfica de Barra de Camaratuba, prximo ao Municpio de Mataraca, no litoral Norte do Estado da Paraba.

    A comunidade de Barra est situada entre dois rios, o Rio Camaratuba (fig. 6) que

    pertence ao estado da Paraba, e o Rio Guaju que faz divisa com o estado do Rio Grande do

    Norte. Comparando fotos atuais com as de dcadas atrs podemos constatar as transformaes

    fsicas que Barra vem passando. Em 1997 o Rio Camaratuba sofreu alguns impactos

    ambientais, porque a Usina Alegre jogava substncias qumicas no rio e isto causou a morte

    de peixes, camares, caranguejos, ostras, mariscos, no rio e no mangue. Devido aos

    problemas ecolgicos que aconteceram em Barra, nestes ltimos anos, o manguezal passou a

    ser uma rea de preservao ambiental municipal. O manguezal (fig. 7) tem grande

    importncia para a cultura de subsistncia das comunidades ribeirinhas, pois eles ainda vivem

    da pesca artesanal e da pequena agricultura. Hoje, apesar de ser uma rea protegida, o

    manguezal est sendo devastado pouco a pouco, com a criao de viveiros de camaro.

    Segundo relatos, reas que beiram o pntano por mais de dois quilmetros e que pertencem a

    um empresrio desconhecido da comunidade, esto sendo devastadas para criao de

    camaro.

  • 17

    Figura 4: Casas da comunidade de Barra do Camaratuba.

    Figura 5: Rua principal da comunidade de Barra do Camaratuba.

    Figura 6: Barra do Rio Camaratuba

    Figura 7: Manguezal do Rio Camaratuba

    2.2 - O passado e o presente de Barra do Camaratuba:

    Para compreendermos o presente de Barra temos que nos remeter ao seu passado

    atravs da memria coletiva da comunidade. Trataremos dos elementos diretamente ligados

    manuteno da vida, assim como a explorao dos recursos naturais para sobrevivncia na

    comunidade. Em seguida faremos um estudo das formas de vida social dessa comunidade.

    No se trata de descrever e interpretar todos os aspectos da vida social e cultural de Barra,

    mas os que se referem memria dos seus moradores.

    Este captulo tem como base terica os estudos de Antonio Candido, que resultaram no

    livro Os Parceiros do Rio Bonito35, e tenta estabelecer um dilogo com o trabalho de Srgio

    Buarque de Holanda, em ndios e Mamelucos na Expanso Paulista. O estudo de Antonio

    Candido, sobre a cultura tradicional caipira no interior de So Paulo, possibilita reconstruir

    35 CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformao dos seus

    meios de vida. 8 ed. So Paulo: Duas Cidades, 1998.

  • 18

    o tipo de equilbrio entre o grupo e o meio, [... obtido pela elaborao original das heranas

    culturais que recebeu (1998, p. 36). Srgio Buarque, no trabalho citado acima, mostra que:

    Para a anlise histrica das influncias que podem transformar os modos de vida de uma sociedade preciso nunca perder de vista a presena no interior do corpo social, de fatores que ajudam a admitir ou a rejeitar a intruso de hbitos, condutas, tcnicas e instituies estranhas sua herana de cultura. Longe de representarem aglomerados innimes e aluviais, sem defesa contra sugesto ou imposio externa, as sociedades, inclusive e, sobretudo entre povos naturais, dispem normalmente de foras seletivas que agem em beneficio de sua unidade orgnica, preservando-as de tudo quanto possa transformar essa unidade. Ou modificando-as as novas aquisies at ao ponto em que se integrem na estrutura tradicional. (Candido, 1998, p. 36 -37).

    A vida social do caipira assimilou elementos condicionados pelas suas origens

    nmades. A combinao dos traos culturais indgenas e portugueses obedeceu ao ritmo

    nmade do bandeirante e do povoador, conservando as caractersticas de uma economia

    largamente permeada pelas prticas de presa e coleta (Candido, 1998, p. 37).

    Os tipos de povoamentos das comunidades de Barra e Cumaru assemelham-se s

    formas presentes na cultura do caipira paulista, estudadas por Antonio Candido:

    Definindo-as como prprias de um sistema de economia fechada, ou semifechada, ligado ao povoamento disperso, compreenderemos, no plano demogrfico e econmico, a auto-suficincia que as caracteriza. preciso, todavia, apontar as formas de sociabilidade que a elas se prendem, e que esclarecem, para o socilogo, o arcabouo das relaes prprias vida caipira. (1998, p.57)

    Ento, temos trs tipos de povoamentos naquela regio: do lado direito do Rio

    Camaratuba fixam-se as aldeias indgenas (Lagoa do Mato, Cumaru, So Francisco, Galego,

    entre outras), do lado esquerdo a comunidade de Barra do Camaratuba e ainda os moradores

    permanentes das estradas vicinais (moradores de fazendas e stios espalhados na regio).

    Segundo Joo Roberto, 76 anos, descendente de ndio potiguar e morador da aldeia

    Cumaru, antigamente Barra pertencia aos ndios. Ele contou que seus avs viviam em Barra

    mesmo antes da chegada das primeiras famlias, e justificou dizendo: Os meus bisavs

    contavam que viviam na Boca de Barra quando eram jovens. E um cacique antigo disse que

    est registrado no livro de Pedro Poty que a Barra pertencia aos ndios, bem antes dos

    Madeiros36 chegarem aqui. Joo Roberto continuou explicando que foi com a diviso oficial

    da FUNAI que essas terras de Barra do Camaratuba passaram a pertencer ao municpio de

    Mataraca. Apesar da diviso, ainda hoje, no ano 2006, Barra e as aldeias de Cumaru e Lagoa

    do Mato tm aspectos em comum. As comunidades partilham o rio e o mangue para

    36 A famlia Madeiro, citada por Joo Roberto, foi uma das primeiras famlias no-indgenas que chegou na

    comunidade de Barra.

  • 19

    subsistncia, alm de estabelecerem relaes de parentesco. Os moradores das comunidades,

    quando se casam, decidem onde vo morar, levando em conta, principalmente, a oferta de

    emprego remunerado e moradia. Alm disso, eles tm em comum a devoo pelo mesmo

    padroeiro, So Pedro, e por isso, no perodo junino, foram e so parceiros da brincadeira do

    coco de roda.

    Barra uma pequena comunidade de pescadores que conservou caractersticas de uma

    cultura permeada pelas prticas antigas de subsistncia, como a caa e a pesca. Os moradores

    tambm tm o hbito de plantar no quintal da sua casa, pequena agricultura de subsistncia,

    como: mandioca, jerimum, milho, feijo e hortalias. Ainda na dcada de 1990, a maioria das

    casas era de palha socada, barro e taipa (figs. 8 e 9), semelhantes s construdas no primeiro

    sculo do Brasil Colnia. Hoje em dia, estas casas de taipa esto sendo substitudas, pouco a

    pouco, pela prefeitura local, por casas de alvenaria (figs. 10 e 11).

    Figura 8: casa de taipa.

    Figura 9: casa de taipa.

    Figura 10: casa de taipa sendo substituda por alvenaria

    Figura 11: casas de alvenaria da comunidade de Barra do Camaratuba.

    Segundo Maria de Ftima Madeiro, conhecida na comunidade como Me Santa, seu

    pai, Tota Madeiro foi um dos primeiros a ocupar e a legalizar as terras em Barra. Ela tem

    cinco irmos e a caula. casada com Genival e tem dois filhos. dona de um restaurante e

    de uma pousada na Barra, denominada Brisa Mar. Me Santa contou que Barra passou a

  • 20

    pertencer ao municpio de Mataraca no ano de 1963, pois antes pertencia ao municpio de

    Mamanguape. E justificou dizendo: nesse tempo no tinha transporte no! Era tudo muito

    difcil aqui. No tinha gua encanada, a gente ia buscar longe, lguas, e nem tinha luz.

    Dona Isabel, 82 anos, natural de Barra, tambm comentou sobre a ocupao das terras

    naquele lugar, sobre sua vida quando era criana, entre outros fatos relevantes do passado, que

    ela fez questo de registrar durante nosso encontro, da seguinte forma:

    Agora antigamente era bom! Porque olhe, de primeiro no tinha dono essas terras aqui. Era assim: onde chegava fazia um roado, ningum brigava. Era bom demais! No meu tempo quando a gente chegou aqui, os Madeiros j tavam antes. O pai e a me de seu Olegrio j tava. Seu Doca, Z Lucas, Chico Pinto. Esse povo mais velho j morreram tudinho. Me Santa ficou com a maior parte das terras do pai, e os irmos, filhos de Tota Madeiro, com outra famlia. Isso aqui no tinha dono no! Essas pessoas que tm aqui em frente tudinho compraram j a esse povo mais velho como os Madeiros, que tinha muitas terras, mas chegaram primeiro e ficaram com mais, e hoje os filhos ficaram brigando tudinho. A gente plantava aqui e dava de ruma. No tinha esse negcio de terra no! E quem quisesse plantar, plantava! Era os Madeiros que tinha mais terras e foi ele que vendeu tudo pra os usineiros e o povo todo de fora. Aqui plantava feijo, mandioca pra queimar a farinhada, na casa de farinha daqui. Tinha muita farinha na Barra! Tinha muito caranguejo, no sei qual foi o remdio que botaram, na usina, que morreram tudinho! Agora pouco. Era tanto urubu dentro do mangue, que fedia, dos peixes e caranguejo morto. Eu trabalhei nas roas, nas canas, raspando mandioca, pegando mangaba. Pois minha filha era assim Barra antigamente quando eu era menina aqui. Era uma casa aqui, outra acol. Isso era tudo arriado com os ps de murici era tudo cheio. A gente moa, com a cuia pra pegar murici. A gente ia pegar murici, aquele bando de moa, pra catar murici. Muitas vezes a gente apanhava. Me dizia assim: - Onde danado vocs foram menina, saram ver fruta do mato, vocs no tem o que fazer no! A gente chegava em casa e ainda apanhava uma surra, toda vez! (risos) No tinha esses coqueiros no aqui. Plantaram depois, mas cada um tem um dono! (figs. 12 e 13).

    Figura 12: coqueiros marcados, demonstrando posse.

    Figura 13: coqueiros marcados, demonstrando posse.

  • 21

    Segundo Olegrio (fig. 14), 80 anos, natural de Barra, nas dcadas de 1920 e 1930, as

    relaes interpessoais dos moradores vizinhos naquela regio eram mais brabas e difceis.

    Ele contou que a convivncia com os ndios era harmoniosa, mas que ele sempre achou os

    ndios desconfiados e valentes. E justificou dizendo que: No tinha problema porque eles

    eram assim meio desconfiados e brabos porque eles viviam do outro lado do Rio e tinham

    suas terras de direito e ningum podia pisar l. L nunca faltou nada pra eles. A FUNAI

    ajuda eles em tudo que precisam. Pescam no Rio. Plantam mandioca, l tem casa de farinha

    tambm que de todo mundo. Tem as brincadeiras dele, o tor e o coco de roda tambm.

    At hoje tem tudo isso. Seu Olegrio fez referncia influncia cultural do ndio, mostrando

    seu ponto de vista em relao vida dos ndios potiguara. Ele afirma que a vida em Barra

    mais difcil do que a vida em Cumaru, e relata: porque l eles tem a FUNAI. Tem

    segurana, num falta as coisas como aqui falta! E quem que d pra gente aqui? S Deus!

    (risos).

    Olegrio comentou que na comunidade de Barra desde o incio da povoao existiram conflitos de terra. Ele justifica essa afirmao dizendo que aquele lugar era dos Bessa Lira e logo seu Z Madeiro se organizou para reivindicar a posse:

    Figura 14: Olegrio Incio da Silva, morador da comunidade de Barra.

    Ento... Z Madeiro foi ver as terras no cartrio com a escritura, l em Mamanguape. Ele tentou convencer os moradores de Barra, mas no conseguiu juntar um grupo, a ele resolveu fazer isso sozinho. As pessoas pensavam que iriam tirar a gente daqui. Ningum iria tirar daqui, no! Porque a gente tinha chegado aqui h muito tempo. Todo mundo j tem seu pedao de terra. As terras no tm dono no! Elas so assim como a terra dos ndios que chegam e ficam ali. Tm razes, sabe?

    Segundo o depoimento de seu Olegrio, alm dos herdeiros da famlia Madeiro, a

    famlia dos Bessa Lira tambm alegava posse das terras demarcadas pelos coqueirais. Aps

    onze anos de questo judicial, as terras foram legitimadas famlia Madeiro. A monografia de

    Ariana Augusta Gomes Monteiro, teve como principal objetivo fazer uma reconstruo da

    origem dos conflitos de terras, atravs dos depoimentos dos moradores de Barra, mostrando

    que existe: conflito de terra entre os membros da comunidade e um conflito judicial entre os

  • 22

    membros de uma famlia do local e pessoas de outros municpios que reivindicavam direitos

    sobre terrenos na regio37.

    Seu Olegrio comentou tambm que o comrcio de Barra funcionava sob o sistema de

    troca. Viviam exclusivamente da pesca no rio, no mar, e de pequenas plantaes de mandioca

    que os moradores tinham para a produo da farinha. Esses produtos eram levados s feiras

    das cidades mais prximas de Mataraca e Baa da Traio, para serem trocadas por acar, sal,

    feijo e querosene. Ele relatou que desde a dcada de 1920 at 2005, a maioria dos moradores

    de Barra utiliza, no seu dia a dia, apenas fogo lenha para cozinhar. Seu Olegrio justificou

    esse hbito dizendo que, apesar de alguns moradores possurem um fogo a gs em casa

    muitos no tm condies de comprar um botijo todos os meses do ano, pois custa muito

    dinheiro para a realidade do poder aquisitivo dos moradores de Barra.

    Dona Isabel reforou exatamente o que seu Olegrio argumentou, dizendo que: antigamente, o vilarejo mais perto era entre seis a quinze lguas. Os moradores de Barra caminhavam quilmetros at Baa da Traio, Rio Tinto, Mamanguape ou Mataraca para conseguir se abastecer de sal, acar, gros de milho e feijo. Esse comrcio era feito base da troca de mercadorias. Vejamos o depoimento de dona Isabel:

    Antigamente, a gente daqui de Barra num tinha dinheiro pra comprar as coisas na feira, mas pescava muito peixe, camaro. Ento, a gente chegava da pesca, salgava tudo, bem salgado, e depois levava pra onde tinha feira, pra Mamanguape ou Mataraca, a a gente trocava na feira por milho, sal, o que precisava em casa. Era assim! ... Vivia no tempo antigo da pesca, pegando caranguejo. Carregava na cabea a gua l longe. Era um atropelo to grande. Era ruim e era bom. Era ruim porque sofria muito carregando gua na cabea no meio do mundo, porque era longe no oieiro , acol, que quando a mar era grande tinha que esperar parar e esgotar o oieiro. Tinha gente que ia lavar roupa l nos Duarte, nas Santana, l em riba. Saa de casa cedo e chegava tarde. Era longe de casa. Sim, a luz era de candeeiro mesmo, ou vela, que comprava l em Mataraca, na feira. Agora, era bom porque de primeiro no tinha dono essas terras aqui no!.

    Andr Gondim do Rego, na sua monografia, intitulada Pesca e pescadores em Barra

    de Camaratuba (PB): reflexes scio-antropolgicas sobre um viver costeiro, fez uma

    reconstruo da histria da comunidade a partir de sua atividade pesqueira. Ele mostra em seu

    trabalho que:

    Os conhecimentos de pesca a produzidos, ainda que mantenham semelhanas estruturais com os de outras comunidades costeiras, so marcados por algumas particularidades devidas a seu ambiente e sua histria. A importncia destes saberes ficou evidente numa situao de conflito territorial em que seus moradores, aliados a alguns veranistas locais, tiveram que engendrar aes coletivas para embargar o empreendimento que os ameaava.38

    37 MONTEIRO, Ariana Augusta. Entre o mar e canavial: representaes e uso de espaos em Barra do

    Camaratuba. Monografia apresentada ao curso de Cincias Sociais da UFPB, 2003, p. 10. 38 REGO, Andr Gondim do. Pesca e pescadores em Barra de Camaratuba (PB): reflexes scio antropolgicos

    sobre um viver costeiro. Monografia apresentada ao curso de Cincias Sociais da UFPB, 2004, p. 3.

  • 23

    A rede de pesca sempre foi o principal instrumento de trabalho na comunidade. Essas

    redes eram e ainda continuam sendo tecidas pelos pescadores mais idosos, seus filhos e netos,

    na palhoa central. Seu Epitcio contou que fundamental na comunidade saber tecer rede e

    fazer armadilhas de covos para pescar camaro no rio. As redes so produzidas com um

    pedao de basto e fio de nylon fino ou grosso, dependendo do tipo de peixe que se pretende

    pescar, no rio ou no mar.

    Olegrio contou que s chegou energia eltrica na comunidade em 1986, pois anterior

    a esse perodo, a iluminao das casas era feita atravs de candeeiro de lata ou barro,

    abastecido com querosene. Sobre os utenslios, comentou que na poca dos seus pais, as

    panelas e os potes eram feitos de barro, as gamelas de cabaa, as colheres e conchas de pau ou

    de quenga de coco. Reforou dizendo que o coqueiro tinha grande importncia na

    comunidade, pois todos o utilizavam por completo, desde o tronco at a casca do fruto.

    Explicou detalhadamente que do fruto era aproveitada a gua, da polpa o coco, e da casca a

    quenga, que servia para fazer cuias para beber gua. J a palha era aproveitada para construir

    as paredes e a cobertura das casas, e a fibra da palha servia para confeccionar cestos

    artesanais. Esses cestos eram e so utilizados para transportar a colheita do roado, levar

    roupa para lavar e levar os pescados, entre outras utilidades. Comentou ainda que a vida em

    Barra era muito difcil porque no tinha nem gua e nem energia e justifica: Para viver aqui

    a gente tinha que andar mais de seis lguas para lavar roupa e depois encher as latas e

    carregar na cabea pra famlia toda beber. Geralmente, essas tarefas domsticas de buscar

    gua e de lavar roupa a quilmetros de distncia eram e so feitas pelas mulheres, seja pela

    av, pela me ou pela filha. J o homem sempre trabalhou mais na pesca, na caa, na catao

    de crustceo, como tambm ainda trabalha na sua pequena lavoura ou como meeiro para

    outras famlias.

    A fabricao da farinha de mandioca em Barra (figs. 15 e 16) ainda funciona na

    mesma casa de farinha rstica, construda no incio do sculo dezenove pela famlia Madeiro

    (fig. 17). Os materiais que compem a casa de farinha, como moendas e prensas manuais de

    madeira e o forno de barro, foram construdos pelos prprios moradores. Seu Tota Madeiro foi

    um pioneiro na ocupao de Barra e sempre teve melhores condies econmicas em relao

    maioria dos moradores. Segundo os relatos dos moradores, a famlia Madeiro guardava

    todos os anos, aps cada colheita, sementes de milho e de feijo. Segundo seu Olegrio era

    por isso que esta famlia sempre teve condies de produzir outros tipos de culturas, alm da

    mandioca. Na poca da colheita, a famlia Madeiro chamava os moradores de Barra para

  • 24

    trabalhar como meeiros na plantao, na colheita e na fabricao da farinha. Tambm atravs

    da cana de acar feita a garapa e a rapadura, que substitui o acar.

    Figura 15: preparao da farinha.

    Figura 16: queima da farinha

    Figura 17: Casa de farinha da comunidade de Barra do Camaratuba.

    Segundo seu Jos Avelar, 69 anos, a dcada 1980 foi um perodo importante para os

    moradores de Barra, pois a comunidade teve um pequeno progresso. Seu Jos justificou

    essa afirmao dizendo que foi nessa poca que eles comearam a substituir as casas de taipa

    por casas de alvenaria, cobertas com telhas, com piso de cimento e cermica, banheiro dentro

    de casa, entre outras regalias. Ele afirmou que na dcada de 1970 e 80 quem tinha essas

    regalias era a famlia Madeiro e alguns proprietrios de casas de veraneio. Ele justificou

    dizendo que:

    A vida aqui era muito difcil na Barra. A gente vendia peixe na feira de Mataraca. Vendia e ns fazia qualquer negcio. Hoje em dia o camarada se vai e s chegar e receber o dinheiro. Era assim que eu t dizendo. Barra era assim. Hoje t uma cidade. S tinha uma ruinha s! antigamente no tinha nenhuma casa ali em frente. Era tudo casas de palhas socadas... H vinte e trs anos, o velho Tota, me deu aquele cho onde eu moro. Ele me deu nove canto aqui na frente de me Santa at um bom canto, e eu no quis, porque com medo da maresia matar os meninos de frio, com medo do vento botar a casa abaixo.

  • 25

    Em seguida, seu Jos comentou sobre a construo da usina, da chegada das famlias

    ali e afirmou que: os ricos foi chamando os outros., que o rico dali, antes, era seu Tota,

    mas depois com a chegada dos ricos de fora, as coisas comearam a melhorar de vida.

    Justificando seu argumento apontando as transformaes positivas que a comunidade teve

    quando passou a ter gua, energia, mercadorias para comprar e vender.

    Rita, moradora de Barra h quarenta e oito anos (fig. 18), relata como era Barra

    quando ela veio morar e o progresso dessa comunidade, ela justifica:

    Figura 18: Rita Virgnia do Nascimento, moradora da comunidade de Barra.

    Quando eu cheguei aqui em Barra era tudo atrasado demais, mui. Agora s tem gente rico. Pra vista que quando cheguei aqui! Mas meu Deus. As casas eram arrochadas de palha, no tinha gua e luz. Tinha que buscar gua l no ieiro, l embaixo. S fazia pescar no rio e pegar caranguejo. Quando era tempo de andada dos caranguejos. Era uma casa aqui e outra acol, nessa redondeza no tinha casa. Hoje bem melhor, a gente t no cu. T uma cidade. O meu marido era pescador, e quando ele me deixou eu tive que criar os filhos todinho, sozinha. Carregando lenha na cabea quase de graa pros outros

    Dona Isabel afirmou que nos anos de 1980 foi um perodo marcante para a

    comunidade porque foi quando comeou a aparecer em Barra os primeiros turistas-surfistas.

    Ela contou que: Eles ficavam sempre tudo aqui em casa e dormia por tudo o que canto:

    cho, rede, tudo, tudo! Me chamavam de tia. Era um aperreio danado. Todos me chamavam

    de uma vez, quando tavam com fome. Hoje, acho que os turistas chegando aqui bom porque

    vai melhorando as estradas e a gente pode vender as coisas nas palhoas.

    Durante a pesquisa de campo pudemos observar os interesses particulares dos

    empresrios, como por exemplo, o interesse pelo turismo local, sem nenhum plano de manejo

    para explorar conscientemente esta rea de preservao ecolgica que j sofreu muitos

    impactos ambientais nessas ltimas dcadas. Os donos de pousadas oferecem aos hspedes

    passeios de buggy at as lagoas temporrias e permanentes, atravessando trilhas indgenas, e

    passeios de balsa motorizada no Rio Camaratuba. Tambm induzem os turistas a freqentar

    uma boate que foi construda no ano de 2002, com o propsito de lazer noturno para os

    hspedes, com promoo de shows e desfiles de moda, muitas vezes realizados pelas

    adolescentes da comunidade de Barra.

  • 26

    Na medida em que a boate comeou a funcionar, no centro da pequena comunidade,

    ela passou a incomodar as pessoas que moram prximas, devido ao forte barulho do som

    eletrnico, o que criou um problema social. Seu Olegrio mora na frente da boate e contou

    que quando algum vai reclamar do barulho ao proprietrio, ele pergunta o seguinte: quer

    vender sua casa? Bote preo que eu compro. Ele ainda pergunta s pessoas que esto

    reclamando do barulho se elas querem comprar sua boate. Isto uma forma de inibir os

    moradores, usando seu poder de mando e de compra. O empresrio dono da boate tambm

    proprietrio de duas pousadas, mas no morador de Barra. Outro empresrio administra as

    balsas que fazem a travessia do rio Camaratuba, entre Barra e Cumaru, e do rio Guaj, entre a

    Paraba e o Rio Grande do Norte.

    Segundo Me Santa, um gringo, dono de uma pousada em Pipa, ofereceu vinte e cinco mil reais para comprar a casa de farinha, que pertence a ela e a seus irmos, e relatou: O gringo de Pipa botou vinte e cinco mil na casa de farinha. Por mim eu vendia, porque a casa de todos os irmos, de herdeiro, sabe? E o prejuzo s cai em cima de mim mesmo. Eu que mantenho at hoje a casa de farinha., Em depoimento, seu Epitcio (fig. 19) demonstrou a sua preocupao com todos esses acontecimentos de compra e venda dos terrenos. Ele justificou seu ponto de vista dizendo que:

    Figura 19: Epitcio Coelho, morador da comunidade de Barra.

    Ivan Burity agora no mais o dono de Barra, no. Ele agora o dono do mundo! Ele comprou uma danao de terrenos e casas caindo os pedaos aqui. Comprou barato daqui do pessoal, agora vendeu caro que s a bexiga pra os gringos de Pipa. Pra os donos de pousada de l.

    Apesar da interveno de vrios segmentos, como os donos de pousadas e boates (fig.

    20), o turismo, de acordo com seu Olegrio, de suma importncia para o desenvolvimento

    econmico de Barra, porque favorece, principalmente, ao comrcio na Boca da Barra (fig.

    21): Minha mulher vende as coisinhas no carrinho de mo por tudo que canto aqui, na

    boca da Barra!

  • 27

    Figura 20: boate localizada na comunidade de Barra do Camaratuba

    Figura 21: comrcio em barracas rsticas na barra do rio Camaratuba.

    Gekbede Dantas da Silva em sua monografia, intitulada Vou contar com So Pedro: o

    turismo, a cultura e as relaes sociais em Barra do Camaratuba-PB, mostra como o turismo

    recente na Barra do Camaratuba, porm os impactos socioambientais ou socioculturais, j

    so perceptveis e a comunidade passa por um processo de grandes mudanas.39

    Heleno, filho de seu Joo Roberto, natural de Cumaru, contou que os ndios sempre

    foram procurar emprego em Barra, principalmente, quando a safra e a pesca no eram boas.

    Justificou dizendo que: em Cumaru no tem emprego. Ele contou que batalhou anos para

    conseguir um emprego em Barra e que s conseguiu em abril de 2002. Mas a sorte durou

    pouco tempo porque depois de quatro meses ele adoeceu e o despediram, e esclareceu dizendo

    que: Eles exploravam a gente at o fim. Trabalhava mais de dez horas por dia. Carregando

    pedra e peneirando. Depois tinha que atravessar o rio, j de noite, numa canoa pequeninha

    que s andava um nela. Andava mais de seis lguas de ida e de volta pra casa. Aqui no

    Cumaru ningum agenta trabalhar pra eles no.

    Rita argumentou tambm sobre a falta de emprego em Barra e disse: Aqui muito difcil ter emprego aqui em Barra. Tem que ter padrinho forte, para conseguir emprego. Esse fato assemelha-se descrio de Antonio Candido, que mostra:

    Como j se tinha visto no seu antepassado ndio, verificou-se nele certa incapacidade de adaptao rpida s formas mais produtivas e exaustivas de trabalho, no latifndio da cana e do caf. Esse caador subnutrido, senhor do seu destino graas independncia precria da misria, refugou o enquadramento do salrio e do patro, como eles lhe foram apresentados, em moldes traados para o trabalho servil.40.

    39 SILVA, Gekbede Dantas da. Vou contar com So Pedro: o turismo, a cultura e as relaes sociais e Barra do

    Camaratuba-PB.. Monografia apresentada ao curso de Cincias Sociais da UFPB, 2003, p. 7. 40 CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformao dos seus meios de vida. 8 ed. So Paulo: Duas Cidades, 1998, p. 82.

  • 28

    Verificou-se atravs das narrativas dos moradores, que foram essenciais para a

    construo das histrias e a reconstruo de Barra, como eles obtiveram os seus meios de vida

    no passado e como os obtm no presente.

    Os resultados mostram as transformaes que ocorreram na comunidade durante a

    pesquisa, visando entender o passado, na voz dos moradores, pois cada um tem um detalhe

    individual que fundamental para compreenso das mudanas dos meios de vida. Durante a

    anlise das fitas transcritas foram selecionados os relatos que mais remetem ao ponto de vista

    dos moradores, suas preocupaes com o trabalho, com o lazer e o turismo local. O turismo

    visto como um fator positivo para alguns, e negativo para outros. A viso positiva que os

    moradores tm em relao ao turismo, a esperana que ele gere mais renda na comunidade,

    atravs da melhoria do comrcio, com a venda de pescado, de artesanato, e do comrcio de

    maneira geral, tanto na boca da barra do rio Camaratuba, como na comunidade. A viso

    negativa que alguns moradores tm do turismo est na falta de segurana, de tranqilidade e,

    principalmente na perda do espao territorial, que ocorre com a venda dos terrenos

    localizados mais prximos da orla. Os terrenos so vendidos por baixos valores, e

    posteriormente revendidos por valores muito superiores, gerando um fato bastante comum no

    litoral da Paraba, que o da especulao imobiliria. A chegada de pessoas estranhas na

    comunidade tambm traz insegurana para os moradores de Barra e, muitas vezes violncia

    atravs de furtos, assaltos, e at mesmo, assdio sexual.

  • 29

    2.3 - Recursos Alimentares das Comunidades de Barra e Cumaru

    Nas comunidades de Barra e de Cumaru observa-se a convivncia de vrias etnias

    convivendo. Em todas as famlias observamos a presena do ndio, do branco e do negro. Os

    costumes esto relacionados atividade agrcola de subsistncia, pesca e caa, que at

    hoje ainda so realizadas de forma rstica.

    O Rio que separa essas comunidades o mesmo que as une. Pois ele que

    proporciona a manuteno de geraes atravs de uma economia de subsistncia, constituda

    tambm de elementos rsticos, como: a flecha, os covos para pescar, as redes artesanais, entre

    outros. Foi atravs do rio e desses instrumentos que os moradores encontraram condies para

    sobreviver. Seu Joo Roberto, morador de Cumaru, no seu depoimento comentou sobre a

    importncia do rio para eles:

    No Cumaru e na Barra todo mundo precisa muito do Rio Camaratuba pra viver. Desde os avs da gente que era assim. porque ali no Rio toda gente daqui dessa redondeza pesca peixe, camaro e marisco. No Cumaru no tem emprego e na Barra difcil. A gente, pai de famlia, tem que sair por a afora procurando trabalho, n? Tinha muita pescaria aqui em Cumaru. Tinha muito peixe. Corria tanto peixe. O meu pai pescava aqui, no no mar, mas no rio. Pescava de tarrafa, de linha e flecha. Pegava muito camurupim e Meca, tainha assim, grande. Tinha muita floresta, muita mata. Porque antigamente as florestas aqui no era destruda. Agora no porque botaram tudo abaixo. Tinha muita caa, pegavam at um tal de veado, era um bicho que nem uma cabra. Pegava at uns trs de vez.

    Foi observado que o aspecto principal desse equilbrio entre as comunidades

    ribeirinhas a busca de uma dieta alimentar. Atualmente, podemos encontrar a mesma dieta

    secular do feijo, do milho e da mandioca, que constituem a alimentao bsica dessas

    comunidades. Observamos que existe a influncia de vrias culturas (ndio, negro e branco),

    pois as formas de preparar alguns tipos de comida, base da mandioca e do milho, sofreram

    modificaes e combinaes de tcnicas culinrias dessas etnias. O milho e a mandioca so

    utilizados para fazer a farinha, o xerm com a mistura de carnes, o cuscuz salgado e doce,

    com coco, a canjica, o mugunz, a pamonha, milho cozido e assado na brasa, entre outros.

    A dona Maria Jos, moradora de Barra, trabalha na agricultura desde criana

    plantando, principalmente milho e mandioca. Durante as entrevistas ela descreveu algumas

    receitas que prepara no seu dia-a-dia. Comentou que a farinha de milho serve como massa

    bsica para engrossar um caldo, principalmente o leite na alimentao das crianas. Segundo

    dona Maria Jos, a forma de prepar-lo foi e continua sendo a mesma que ela aprendeu com

    seus avs. Ela afirma que em primeiro lugar deve-se ralar o milho maduro e bem seco at

  • 30

    obter uma farinha bem fina. Em seguida, coloca-se duas colheres de farinha de milho, um

    copo de leite frio, com uma colher de acar e leva-se ao fogo. Mexe-se at ferver e engrossar

    o mingau.

    J o xerm e o mugunz, ela contou que aprendeu com sua av da seguinte forma:

    pe-se no pilo um quilo de milho seco, com meio litro de gua e cobre o milho com suas

    prprias palhas. Em seguida, pega-se a mo de pilo para amassar o milho, tendo o cuidado

    para no esmag-lo, mas apenas descasc-lo. Em seguida, tem que peneirar o milho na

    urupema at tirar toda a casca e ficar totalmente sem pele. Lava-se o milho e coloca-se numa

    panela com gua e sal at que o caroo amolea. O mugunz preparado de duas formas, a

    primeira acrescenta-se leite de vaca ou de coco, temperado com acar, erva-doce, canela,

    cravo e vai mexendo em fogo brando at obter uma massa consistente. A segunda maneira

    prepar-lo apenas com gua, sal e cozinhar junto com diversos tipos de carne, feijo, etc.

    Como eles dizem: qualquer mistura que tiver, referindo-se aos tipos de carne.

    O cuscuz tambm preparado da seguinte maneira: coloca-se um quilo de milho de

    molho de um dia para o outro. Tiram-se as cascas do milho, para ser modo e passado pela

    peneira de palha. Em seguida, tempera-se com sal e coloca-se na cuscuzeira. Cozinha em fogo

    brando at, aproximadamente, quarenta minutos.

    Dona Maria Jos preparou uma massa bsica de milho para fazer a pamonha e a

    canjica. Entretanto, ela teve a preocupao de explicar que, a massa da pamonha mais

    espessa e grossa do que a da canjica que mais peneirada para ficar bem fina. Ela tambm

    mostrou todos esses pequenos detalhes, descrevendo todos os passos: primeiro corta-se a

    ponta mais grossa da espiga de milho ainda na palha, seguindo sua forma arredondada. Para

    fazer as bolsas das pamonhas , disse que utilizam-se apenas as cascas mais finas do milho,

    as palhas so escaldadas para que se amoldem. A massa preparada da seguinte forma: rala-se

    o milho verde, passa por uma peneira de palha, coloca-se leite de coco ou de vaca, acar e

    uma pitada de sal. Molda-se a palha em sua extenso e amarram-se as pontas de baixo,

    enche com a massa grossa preparada e fecha a pamonha. A massa da canjica passada em

    peneira de palha bem fechada, por trs vezes, at que fique bem fina. Depois, leva-se ao fogo

    brando, mexendo sem parar at que a massa fique totalmente homognea. Ela comentou que o

    tempo de cozimento da canjica e da pamonha muito demorado. Por isso tem-se que ter o

    cuidado de observar que a canjica s estar pronta quando ferver bem (aproximadamente uns

    trinta e cinco minutos), at que a massa solte do fundo da panela, como tambm, quando a

    massa comear a enrugar. Para a pamonha tambm necessrio esperar cerca de uma hora

    para seu cozimento.

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    A mandioca Maniot utilssima utilizada para fazer a farinha. Pode-se ainda fazer com

    a farinha mais grossa o beiju e com a mais fina a tapioca. Tanto em Barra como em Cumaru,

    os moradores seguem os mesmos passos e as mesmas tcnicas de sculos passados na

    preparao da mandioca, utilizando prensa e pilo de madeira, forno de barro, gamelas, etc.

    Os moradores tambm fazem do caldo resultante da mandioca espremida uma bebida

    fermentada.

    A mandioca, tambm conhecida popularmente como macaxeira, a Maniot dulcis,

    utilizada como base para preparao de bolos, de pes e de doces. A macax