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Ilustrações Ágatha Kretli 104 DOM

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Tanto os executivos participantes de cursos da Fundação Dom Cabral, quanto a literatura, reco-nhecem e ressaltam a importância da liderança na sustentabilidade corporativa. Ela está atrelada ao papel que o líder desempenha na empresa. A percepção da responsabilidade desse profissional em liderar mudanças e tomar as decisões difíceis e estratégicas é amplamente compartilhada entre os executivos.

No contexto da sustentabilidade, Eberlin e Tatum (2008) afirmam que o papel da liderança é formular e implementar inciativas sustentáveis. Espera-se que os líderes tomem decisões que irão impactar todos os níveis da organização e os stakeholders externos, como consumidores e comunidade.

A tarefa de tomar decisões torna-se ainda mais relevante ao se constatar que, nas empresas em

que as questões da sustentabilidade são diretrizes importantes nessa tomada de decisão, as práticas sustentáveis são mais implementadas e efetivas do que em organizações que as consideram menos importantes. Essa relação direta entre liderança e sustentabilidade é facilmente percebida na prática. As principais empresas referência em sustentabi-lidade têm um forte líder por trás, e a reputação “sustentável” está intrinsicamente ligada à reputa-ção do CEO. É o caso, por exemplo, da Natura de Guilherme Peirão Leal, e do então Banco Real, atual Santander, que teve o adjetivo “sustentável” atrela-do à figura de Fábio Barbosa (hoje no comando da Editora Abril), mostrando claramente a influência individual desses profissionais no perfil da empresa.

Se o perfil da liderança está diretamente relacionado com o desempenho sustentável da

Fatores motivacionais que estimulam as decisões sustentáveis

sustentabilidade

POR MÔNICA POGG IAL I ÁRABE E HE IKO SP ITZECK

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líderes. A história de vida deles pode ser dividida em fases, conforme as diferentes experiências vivenciadas e que influenciam, em maior ou menor grau, as decisões de hoje. A Figura 2 apresenta a distribuição referente às duas entrevistas. Os fatores motivacionais destacados em negrito foram relacionados a diferentes fases de vida dos dois líderes.

Observa-se que as motivações intrínsecas se originam de experiências significativas mais con-centradas no período da infância à adolescência, mostrando que essa motivação está mais relacio-nada com vivências fora do contexto profissional. Já a maioria das experiências ligadas aos fatores motivacionais extrínsecos está concentrada em fases mais recentes da vida profissional. É impor-tante destacar que mesmo quando aparecem em situações de diferentes fases de vida, os fatores motivacionais mencionados são, em sua maioria, os mesmos.

Mostraremos os resultados encontrados de for-ma mais detalhada, com a apresentação de trechos das entrevistas, sem o rigor de interpretações mais formalmente acadêmicas.

DECISÕES SUSTENTÁVEIS Os dois entrevistados identificaram a oferta de produtos e serviços sus-tentáveis como a principal decisão sustentável de suas empresas. O Entrevistado 1 enfatizou a deci-são de incentivar a troca de produtos descartáveis por modelos ecologicamente responsáveis.

“Acho que essa questão da sustentabilidade se conectou ao momento da compra de supermercado com uma sacola retornável. Sem dúvida alguma,

empresa, o que motivaria alguns líderes a tomarem decisões mais sustentáveis do que outros?

O trabalho do jornalista Ricardo Voltolini (2011) começa a mostrar o caminho para respon-der a essa pergunta. Nas entrevistas dos líderes sustentáveis, feitas por Voltolini, destacam-se experiências de vida e a forte presença de valores pessoais. A história de cada um está diretamen-te relacionada com as atitudes e decisões que toma hoje, conforme defendido pela Análise do Comportamento (Skinner, 2003), corrente teórica da psicologia. Mas como a história de vida desses líderes influencia a tomada de decisão deles?

Com o objetivo de responder a essa pergunta, o Núcleo de Sustentabilidade da FDC vem rea-lizando entrevistas com lideranças corporativas. Este artigo apresenta os resultados de um estudo de caso comparativo entre as entrevistas realizadas com dois líderes empresariais: o sócio-fundador de uma empresa do setor do varejo (Entrevistado 1), e o presidente-fundador de uma companhia do segmento da construção civil (Entrevistado 2). As entrevistas foram analisadas com a metodologia da Análise do Discurso, criando codings e subcodings (categorias de análise), com base nos temas abor-dados pelos entrevistados. A Figura 1 apresenta o resultado da análise das duas entrevistas.

Os fatores comuns aos dois depoimentos estão destacados em negrito. Pode-se observar que, apesar de algumas diferenças entre os dois profissionais, existem similaridades de fatores motivacionais.

Esses fatores foram divididos de acordo com a fase de vida relacionada às respostas dos dois

FIGURA 1 | CATEGORIAS DE ANÁLISE IDENTIFICADAS NAS ENTREVISTAS

FONTE: ELABORADO PELOS AUTORES

Decisõessustentáveisna empresa

Fatoresmotivacionaisextrínsecos

Tendências do mercadoStakeholders (clientes)Necessidade de educar funcionários em relação à sustentabilidadeImportância para o negócio/empresa

Valores dos donosContribuir para uma sociedade melhorInovarConvicçãoAbertura ao erro e tomá-lo como aprendizadoInfluência da profissão dos pais

Fatoresmotivacionaisintrínsecos

Oferecer produtose serviços sustentáveis

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esse é um grande marco.” Para o Entrevistado 2, o serviço sustentável

está atrelado à reutilização dos resíduos gerados na construção.

“No segmento específico da construção civil há muito entulho, gera-se muito material para ser jogado fora, e isso era uma coisa que nos incomo-dava, os gestores. (...) Nos chamou a atenção para o fato de que a gente não podia construir pelo sistema convencional. Tinha de ser pela tecnologia e pelo modernismo, colocando peças prontas para evitar esse desperdício.”

FATORES MOTIVACIONAIS EXTRÍNSECOS Em rela-ção aos fatores motivacionais extrínsecos, foi possível perceber, na fala dos dois entrevistados, a relevância dos stakeholders – diferentes de sha-reholders – na tomada de decisão. O Entrevistado 1 menciona a relevância do cliente, e o Entrevistado 2 a dos colaboradores.

“Já temos a cultura na empresa de relacionar com os nossos clientes, e nessa proximidade com o cliente achei uma oportunidade de ir por este viés.”

“Quando você faz isso [inclui a sustentabili-dade nas decisões corporativas], a empresa ganha muito e os funcionários começam a ter mais orgu-lho da organização onde trabalham.”

Outro fator externo destacado pelos dois líde-

res é a necessidade de se adaptar às tendências que surgem no mercado, estando atento ao que outras empresas fazem. A sustentabilidade é vista pelos entrevistados como uma nova tendência de mercado, que deve ser seguida pelas empresas. Esse fator motivacional foi mais frequentemente citado pelo Entrevistado 2, que enfatizou a deman-da do mercado como forte motivação para que começasse a dar atenção à sustentabilidade.

“Atualmente, para você ser empresa nesse país você tem que aprender de ‘tudo’, estar atento a todas as tendências do que acontece.”

“A verdade é que a sustentabilidade é uma necessidade, uma realidade do nosso século.”

Uma preocupação demonstrada pelos entre-

A SUSTENTABILIDADE É VISTA PELOS ENTREVISTADOS COMO UMA NOVA TENDÊNCIA DE MERCADO, QUE DEVE SER SEGUIDA PELAS EMPRESAS

FIGURA 2 | MOTIVAÇÕES E A FASE DE VIDA CORRESPONDENTE

FASE FATORES MOTIVACIONAIS DESTACADOS

Infância à adolescência Valores dos donos;Contribuir para uma sociedade melhorInfluência da profissão dos paisInovarAbertura ao erro e tomá-lo como aprendizado

Primeiras experiências profissionais

ClientesInovar

Experiências da alta gerência Tendências do mercadoNecessidade de educar os funcionários em relação à sustentabili-dadeConvicçãoClientesImportância para o negócio/empresaContribuir para uma sociedade melhor

FONTE: ELABORADO PELOS AUTORES.

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vistados, e que afeta diretamente a execução de suas decisões, é a necessidade e a dificuldade de introduzir a sustentabilidade entre os funcionários da empresa, principalmente os que pertencem a uma geração mais antiga.

“Eu gostaria que um valor a mais que eu pudesse colocar na empresa fosse a sustentabili-dade, mas não sei se é uma coisa tão fácil. É um caminho, não é tão simples isso se transformar em um valor aqui dentro. (...) É a catequização da sustentabilidade aqui dentro, catequizar as pesso-as para entender, tratar isso como valor. É difícil introduzir valores nas pessoas.”

“Então nós temos a tarefa de fazer com que os funcionários com idade mais avançada comprem a ideia da sustentabilidade, porque é uma coisa à qual não estavam acostumados.”

Conforme já mencionado, identificamos na fala do Entrevistado 2 mais fatores motivacionais extrínsecos do que nas respostas do Entrevistado 1. Um dos aspectos abordado apenas pelo Entrevistado 2 é a importância da sustentabilidade para o negócio da empresa. Ela é colocada como parte de qualquer negócio, mesmo que esta não seja a área de atuação do profissional.

“Basta que você esteja antenado, atento e focado, para ver que é natural proteger e dar aten-ção à sustentabilidade. Até para poder ganhar mais dinheiro, porque o material que sai como lixo pode

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ser trocado por material novo e pago, normalmente caro. (...) Você começa a ver que faz falta.”

“Ele [o projeto de meio ambiente] é sempre uma ferramenta do seu objetivo. (...) É uma das etapas de um projeto que você vai fazer (...), mas não é, do meu ponto de vista, o negócio em si, a não ser que se trabalhe com sustentabilidade.”

FATORES MOTIVACIONAIS INTRÍNSECOS Em rela-ção aos fatores motivacionais intrínsecos comuns aos entrevistados, a influência da profissão dos pais nas escolhas profissionais foi fortemente destacada.

“Eu nasci no comércio. Cresci ajudando e vendo minha mãe trabalhar no comércio, então eu aprendi a ser comerciante.”

“Desde o início tive esse foco, apesar de que meu foco maior é o de empreendedor. (...) Foi uma das coisas que mais puxei, que trouxe da família, porque meu pai também era um empreendedor nato.”

A motivação de contribuir para uma sociedade melhor também apareceu na fala dos entrevista-dos.

“Eu trouxe isso, a sustentabilidade, muito mais de uma vontade pessoal, de querer contribuir um pouco, de perceber que a gente pode contribuir para o planeta e que podemos fazer alguma coisa que seja legal.”

“(...) Primeiro começamos fazendo um negó-cio e, assim que criamos um pouco do que vamos fazer, a segunda ou terceira etapa a se preocupar é como a sustentabilidade vai agir, isto é, como isso vai afetar, melhorar ou piorar o nosso planeta.”

Os entrevistados também abordaram a motiva-ção para inovar, um fator motivacional intrínseco importante.

“Eu tenho um perfil de não gostar de fazer igual às coisas que todo mundo faz. Tentar fazer as coisas diferentes. Adoro copiar, mas adoro copiar e melhorar.”

“Na verdade, se a gente percebe que é um negócio interessante, inovador, então pega e faz, independente do produto.”

Um fator enfatizado somente pelo Entrevistado 1 foi a importância dos valores que os donos tra-zem consigo para as tomadas de decisão.

“Os valores de dono e administrador estão dentro dos nossos valores, das nossas crenças. Se

nós donos não tivéssemos as nossas crenças, as nossas vontades, não seria assim. Começa por aí, começa no topo da pirâmide. Você pode ter certeza que isso veio do topo, veio da cultura lá de trás, veio de tudo, e continuou a ser um valor.”

Também foi mencionada pelo Entrevistado 1 a importância da convicção na hora de tomar deci-sões que envolvem a questão da sustentabilidade, pois, em alguns casos, elas exigem sacrificar a empresa.

“Tenho a convicção de que muitas coisas que fiz dentro da empresa, que são sustentáveis, não são economicamente viáveis. Mas, vieram de uma vontade, de uma vocação, acho que minha e da empresa, e nem tudo o que a gente faz em alguns momentos é economicamente viável.”

O Entrevistado 2 destacou o caráter recente da sustentabilidade. Como é um tema relativamente novo na realidade corporativa, estar mais aberto ao erro e encará-lo como oportunidade de apren-dizagem são fatores motivacionais intrínsecos importantes, identificados na fala do Entrevistado 1. Eles não apareceram na fala do Entrevistado 2.

“Nunca na minha escola se falou de reaprovei-tamento, de sustentabilidade, para você ter uma noção de como essa conversa é jovem.”

“[A sustentabilidade foi trazida para a empre-sa] na raça, no treinamento, na tentativa da multiplicação, na disposição de trazer isso, da gente apanhar, errar e aprender com os erros e modificar.”

Mônica Poggiali Árabe é bolsista de pesquisa do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.

Heiko SPitzeck é professor e coordenador do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral. PhD pela Universidade de St. Gallen (Suíça), foi professor de Responsabilidade Corporativa na Cranfield University (Inglaterra) e diretor da Oikos International.

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CONCLUSÕES

Como responsáveis pelas principais decisões, as lideranças exercem um papel fundamental na incorporação da sustentabilidade nas empresas. Sabe-se que diferentes perfis de liderança tomam diferentes decisões. O que levaria, então, um líder com o perfil sustentável a tomar decisões cor-porativas que envolvem questões sociais e ambientais, enquanto outros líderes não se importam com esse tema?

O trabalho desenvolvido por Ricardo Voltolini mostra um caminho para essa resposta, pois todos seus entrevistados mencionam as diferentes experiências que tiveram ao longo da vida. Mas, quais fatores da história de vida influenciariam as lideranças a tomar decisões mais sustentáveis?

A análise das duas entrevistas que realizamos permitiu a identificação de alguns desses fatores. Foram identificados como fatores motivacionais extrínsecos: tendências de mercado, stakeholders, necessidade de educar os funcionários em relação à sustentabilidade e importância para o negócio. Em relação aos fatores intrínsecos, temos: valores dos donos, contribuir para uma sociedade melhor, inovar, convicção, abertura ao erro, e a encará-lo como aprendizagem, e influ-ência da profissão dos pais. Esses fatores foram desenvolvidos pelos entrevistados em diferentes fases de suas vidas, divididas entre experiências do período da infância à adolescência, primeiras experiências profissionais e vivência no cargo de liderança.

Os fatores motivacionais extrínsecos parecem mais relacionados com as experiências da vida profissional, quando já ocupavam o cargo de liderança. Em contrapartida, os fatores motivacio-nais intrínsecos estão mais ligados a experiências pessoais vividas na infância e adolescência. Entretanto, mesmo aparecendo em diferentes fases da vida, os fatores motivacionais mencionados pelos dois líderes foram basicamente os mesmos.

Apesar das divergências, prevalecem as similaridades entre os fatores abordados pelos entre-vistados. Dos dez fatores identificados, 60% foram citados por ambos os entrevistados, enquanto 40% foram citados por apenas um deles. Esse resultado mostra que, de maneira geral, os líderes sustentáveis tomam decisões motivadas pelos mesmos fatores, sejam intrínsecos ou extrínsecos. Além disso, podemos concluir que esses motivadores podem ser adquiridos tanto em experiências

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iniciais de vida quanto na trajetória profissional. Dessa forma, as lideranças que não trazem, na história pessoal, experiências relacionadas à sustentabilidade, podem adquirir essa formação na vida profissional e desenvolver o perfil de líder sustentável.

Essa conclusão nos aponta para um futuro otimista em relação à efetividade dos cursos de formação de lideranças sustentáveis, independente do tipo de experiências vividas por esses líderes. Além disso, a identificação de fatores motivacionais comuns permite o direcionamento do conteúdo a ser desenvolvido nesses cursos.

PARA SE APROFUNDAR NO TEMA

ÁRABE, M.P.; SPITZECK, H. H. A influência da história de vida na tomada de decisões susten-táveis por lideranças corportativas: um estudo de caso. In: ENCONTRO NACIONAIS DA ANPAD, 38, 2014, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2014.

EBERLIN, R. J.; TATUM, B. C. Making just decisions: organizational justice, decision making, and leadership. Management Decision, California, v. 46, n. 2, p. 310 – 329, 2008.

EISNER, S. Reflections on leadership. SAM Advanced Management Journal, p. 47 – 61, 2011.

FAIRFIELD, K.; HARMON, J.; BEHSON, S. Influences on the organizational implementation of sustainability: an integrative model. Organizational Management Journal, p.1–17, 2011. Disponível em: <http://view.fdu.edu/files/influenorgimplesustain.pdf>. Acesso em: 17 mar. 2014.

VOLTOLINI, R. Conversas com líderes sustentáveis: o que aprender com quem faz ou está fazendo a mudança para a sustentabilidade. São Paulo: Senac São Paulo, 2011. 251 p.

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