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ILHAVIRTUALPONTOCOM SEGUNDO TRIMESTRE 2014 Abr-jun 2014

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ILHAVIRTUALPONTOCOM

SEGUNDO TRIMESTRE 2014

Abr-jun 2014

EDITORIAL

Mais uma vez está na tela de seu

computador uma nova edição de nosso

informativo literário.

Neste número, temos uma entrevista

com o engenheiro, acadêmico e escritor

José Ewerton Neto, um dos mais significati-

vos prosadores do final do século XX e

início de século XXI no Maranhão. Temos

também no aperitivo literário uma breve

passagem do livro Ânsia do Prazer, de au-

toria de nosso entrevistado.

A futura historiadora e membro da

Comissão Maranhense de Folclore nos brin-

da com um artigo sobre a folclórica e hoje

quase esquecida figura de José Negreiros,

atleta e pai de santo que teve seus mo-

mentos áureos no Maranhão e no Brasil,

chegando inclusive a inspirar composições

do grande Ary Lobo.

Temos, além do livro em destaque e

de sugestões de leitura, também uma ho-

menagem aos escritores falecidos neste

ano de 2014, que tem sido extremamente

cruel para as letras.

Boa Leitura

Página 2 ILHAVIRTUALPONTOCOM

ENTREVISTA

Página 3 NÚMERO 23

O Maranhão já teve uma série de bons romancis-

tas. Muitos deles reconhecidos em todo o país e até

mesmo no exterior, como é o caso de Aluísio Azevedo,

Coelho Neto e Josué Montello. Nas últimas décadas, no

entanto, parece que o interesse pelas narrativas mais

longas vem diminuindo em nosso Estado. Mesmo assim

alguns escritores ainda encontram fôlego para a produ-

ção de romances e novelas, sem descuidar dos demais

gêneros narrativos. Esse é o caso do premiadíssimo es-

critor José Ewerton Neto, autor de livros como o Pra-

zer de Matar (depois rebatizado como O Ofício de Ma-

tar), ânsia de Prazer, O Infinito em Minhas Mãos e O

Menino que via o Além, entre outros.

Nesta Edição do Ilhavirtualpontocom, teremos o

prazer de conhecer um pouco mais desse homem que

se dividiu entre os números e as letras e que soube con-

ciliar uma trajetória de sucesso na engenharia e uma

carreira no campo da ficção e nas crônicas que publica

todos os sábados no jornal O Estado do Maranhão.

Escritor diversas vezes agraciados em concursos

literários, membro da Academia Maranhense de Letras

e assíduo frequentador de eventos literários, José Ewer-

ton Neto conversas nas páginas seguintes sobre diver-

sos assuntos, sua carreira, seu estilo, sua obra e seus pla-

nos. Quem quiser acompanhar a carreira desse escritor

pode acessar seu blog, cujo endereço é:

www.joseewertonneto.blogspot.com.br

ILHAVIRTUAL—Como a literatura entrou em sua vida e quais foram suas influên-cias literárias para começar a escrever?

A literatura entrou em minha vida através das histórias em quadrinhos e, depois, da poe-sia. Cometi meus primeiros po-emas, criança ou pré-adolescente, ao perceber que tinha algum domínio da escrita pelas boas notas nas redações que fazia no colégio e pelo pra-zer de ler poesias. Mas o pri-meiro romance não adaptado que li com prazer foi A Marca do Zorro que tirei uma vez da estante de minha tia. Era um livro, para a criança de então, muito volumoso o me fez, ao deparar com a ausência de fi-guras, ficar muito desconfia-do. Foi então que descobri to-do o deslumbramento que po-de haver em uma sequencia de palavras, mesmo sem ima-gens.

ILHAVIRTUAL—Poeta. Contista. Romancista. Cronista. Qual des-sas atividades literárias é mais desafiante para você e qual dá mais prazer?

Acho que a crônica e a poesia (quando surge a inspiração) dão mais prazer em serem executadas, porque o resultado tende a ser imediato e o seu desenvolvimento menos árduo. Já o conto e o ro-mance, nem sempre são tão pra-zerosos, tem de haver o exercício da paciência e da dedicação, da luta com as palavras nos dias em que o resultado não é bom, e da luta também com os personagens quando estes parecem se rebelar e ficarem inconsistentes com aquilo que se pretende. Como se estives-sem dizendo: “Você não está sa-bendo lidar comigo, ou minha his-tória não é por aí.” Mas o prazer final de se conseguir chegar à con-clusão de um romance, não se compara!

Página 4 ILHAVIRTUALPONTOCOM

Em seus livros as situações narradas fogem bastante

ao convencional, chegando mesmo a beirar o inusita-

do. De onde vem a inspiração para a construção de

seus histórias?

Lembro um escritor famoso que quando perguntado sobre

como fazia para escrever um romance respondeu que era

muito simples: Uma letra maiúscula no começo , um ponto no final e no meio uma

ideia. Anedotas à parte, acaba sendo mais ou menos isso, a inspiração surge sempre

de uma ideia inicial que pode ser um acontecimento visto de jornal, uma pergunta

( como Ei, você conhece Alexander Guaracy?), ou um sentimento pessoal tendo ne-

cessidade de se expressar, a partir do qual, aos poucos surge a ideia.

Quanto ao inusitado, acho que surge espontaneamente como maneira de recriar a

realidade ( impossível evitar o clichê) , revesti-la talvez, mas sem perde-la vista. Não

sendo intencional não se trata, a meu ver, do formato do realismo mágico, onde o

mágico se socorre da realidade, ao invés de a realidade se socorrer do mágico, o que

é bem diferente .

Qual de seus livros já publicados é o seu preferido? Por quê?

Talvez seja o Prazer de Matar, por ter sido o que me sinalizou o rumo literário e o pri-

meiro livro que publiquei. Comecei a escrever por impulso, sem saber que se tornaria

um livro. E só o escrevi porque estava convalescendo de uma cirurgia, o que me per-

mitiu ficar em casa, distante de tantas possibilidades da vida.

Dos livros que você já leu ao longo da vida há algum que você tinha vonta-

de de haver escrito?

Claro, vários. Todos os que me dão especial prazer na leitura e que são, ao mesmo

tempo, muito bem escritos, o que nem sempre coincide. Já nem vou citar os clássicos,

Don Quixote de la Mancha, o Morro dos Ventos Uivantes, ou o Apanhador no Campo

de Centeio ( na área juvenil) etc. mas cito, de repente, dois romances pouco conheci-

dos, até mesmo no circuito literário brasileiro : O Quarto do Bispo de Piero Chiara e

Tony@ Susan de um escritor americano quase que totalmente desconhecido no Brasil,

Austin Wright.

Página 5 NÚMERO 23

Na hora de escrever, você segue algum ritual específico?

Tem alguma mania em particular durante a tarefa de escre-

ver?

Nada de especial. Sento-me diante do computador e só preci-

so que o computador esteja cooperando e de silêncio, muito

silêncio. (Ausência de preocupação e de coisas para resolver,

também ajuda muito). Mas poesia, claro, só consigo com ca-

neta. Aliás, uma pergunta que me surge agora: será que al-

guém consegue escrever poesia sem auxílio de caneta, dire-

tamente, no computador?

Você recebeu a tarefa de suceder a José Chagas na colu-

na Hoje é dia de... Quais são os critérios para você esco-

lher o tema de sua crônica semanal?

O tema sempre surge de um acontecimento do quotidiano,

que tenha repercussão e seja de interesse geral, como, por

exemplo, A Copa do Mundo, agora. Ou outro qualquer, de

preferência bizarro a ponto de se tornar risível, mas nem

sempre esse acontecimento aparece, ou consigo desenvolvê-

lo a tempo. Neste caso, recorro a algum tipo de informação

passada que tenha essas características (para isso guardo em

uma caixa de sapato recortes de

jornal ou de revistas diversos com

informações históricas, científicas,

esportivas, ou relativos a celebri-

dades, todos selecionados sob o

critério “Isso pode dar uma crônica,

vou guardar”).

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Você já recebeu diversos prêmios literários ao longo de sua carreira. Qual deles foi

o mais significativo para sua carreira e qual o que tem mais valor sentimental?

O mais significativo acho que foi o recebido pela novela infanto-juvenil O Menino que via o Além que, depois de premiado num con-

curso em São Luiz e reeditado em São Paulo, recebeu uma condecoração da FNLIJ (Fundação Nacional do livro Infanto-Juvenil)

como Altamente Recomendável para leitura de estudantes em escolas. Isso ajudou que o livro tivesse sido republicado pela editora

Escrituras, de São Paulo, em uma terceira edição com 15 mil exemplares que foram adquiridos pela Prefeitura de Belo Horizonte

para distribuição em sua rede de escolas municipais. Lamento, porém, que isso nada tenha significado para diretores de escola e

responsáveis pela seleção dos paradidáticos das escolas maranhenses, pois nunca foi escolhido aqui, em sua terra. Oferecido à

Secretaria de Educação, há mais de três anos, nunca recebi resposta.

Dá para viver de literatura no Maranhão de hoje?

Não dá nem para sobreviver, e uma razão é o que acaba de ser exposto acima. Repetindo o que disse um escritor norte-americano

a respeito da atividade literária ( e olha que era um escritor norte-americano que em média ganha, no mínimo, vinte vezes mais que

um escritor maranhense com equivalente prestígio): “A única vantagem de um sujeito ser escritor é que ninguém o chama de burro,

por ganhar tão pouco!”.

Quais são os planos para os próximos lançamentos?

Devo estar lançando, ainda este ano, provavelmente na Feira do Livro, a terceira edição do livro O oficio de matar suicidas, que

sairá com o selo da Arte Pau Brasil , de São Paulo, um conglomerado editorial do qual fazem parte também a Escrituras e a Girafa.

E, em edição local, o livro O A-B-C, bem –humorado de São Luís, contendo crônicas escritas no jornal o Estado do Maranhão, sobre

São Luís e tendo como tema principal, brincadeiras sobre o linguajar local, inspiradas, entre outros, no livro Maranhão na Ponta da

Língua do escritor e mestre José Neres e Lindalva Barros.

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José Ewerton Neto, Wilson Marques e Geraldo Iensen—uma talentosa geração

José Pio Coelho, cujo epíteto Zé Negreiros lhe acompanhou até o fim da vida, era um homem de muitas facetas e que ganhou fama nos jornais a partir da década de 1950, tendo sido um dos primeiros pais de santo a apa-recer na imprensa de forma positiva, num tempo em que as campanhas de depreciação do conjunto material e hu-mano da religião afro-brasileira eram intensas.

Relatos constituintes através da memória oral su-gerem que Negreiros seja o apelido que José Pio Coelho ganhou quando era jogador do Sampaio. Como seu nome era José, ficou Zé para diferenciá-lo de outros jogadores. Por ser negro, acrescentaram Negreiros.

Sua figura, observa o historiador A. Evaldo A. Barros (2007, p. 240; 268), era construída, sobretudo, re-lacionada a acontecimentos inesperados. Nessa perspecti-va, os títulos de reportagens de jornais dos anos 1950 que o tinham como figura central são exemplares: “governadores e parlamentares que se elegem por causa de Negreiros”, “pobres que enriquecem do dia para a noi-te”, “até o Moto - popular time de futebol do Estado -, teria sido campeão por causa de Negreiros”. O fato é que Negreiros ia conquistando projeção inclusive fora do Ma-ranhão, e alguns diziam que ele seria “o maior macum-beiro do Maranhão”, “superior ao Joãozinho Dagoméia, do Rio de Janeiro”. Negreiros estava atrelado a múltiplas dinâmicas sociais que marcaram os meados do século XX.

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José Negreiros:

“pulava e brincava, rufava o pandeiro”

Por Reinilda de Oliveira Santos

(Aluna do Curso de História da Universida-

de Estadual do Maranhão - Membro da

Comissão Maranhense de Folclore)

“Zé Negreiros na roda do coco Pulava e brincava rufava o pandeiro

Juliana deu um nó na saia Desafiando Zé Negreiro”

Ary Lobo

Negreiros se tornara um afamado pai de santo do tam-bor de mina no Maranhão, enfermeiro, maçom, circense, fun-dador do bloco de carnaval Cadete da Lua, ex-combatente do exército brasileiro, jogador do Sampaio Corrêa Futebol Clube e pai de 28 filhos, além de dar conta de várias esposas. Um dos seus filhos, Jose Itabajara Coelho, seu sucessor, ao se referir às diversas companheiras do seu genitor, destacou: “meu pai era um homem vaidoso”. Nasceu em 1897, vivenciou grande parte do Século XX, até ser vitimado por um acidente vascular cere-bral no ano de 1983.

Filho do carpinteiro José Alexandre Coelho e da lava-deira Maria Joana Coelho que, segundo seu filho, “lavava rou-pas, como se dizia na época, para casa de branco”. Negreiros nasceu e cresceu no Lira, um bairro ludovicense de operários que, no início do século XX, era considerado bairro periférico, longe do centro comercial da cidade. Seus poderes mediúnicos afloraram desde cedo, tendo em vista o contato com terreiros da vizinhança, como a Casa das Minas e Casa de Nagô. No início teve dificuldades para aceitar a sua espiritualidade, tendo por isso, em fins dos anos 1930, fugido com um circo para o Rio de Janeiro. Entretanto na sua volta descobriu ser inevitável, passando então a incorporar o caboclo Légua Bogi Bua e, a partir da proximidade com essa entidade, adentrou a vida espi-ritual, com terreiro funcionando inicialmente na rua da Palha e depois na rua da Cruz, centro de São Luís.

Em meados do século XX, período marcado por cons-tantes perseguições, sobretudo da polícia aos terreiros de mina da cidade, seu filho explica a permanência da casa de culto do pai no centro em razão das “boas relações”: “Meu pai era ami-go de gente importante, existia um respeito com ele, a polícia era amiga dele e o sistema fazia parte do terreiro.” Depois se mudou para o bairro do Turu, onde fundou o terreiro destinado ao seu Légua, em 1945 com sua então cônjuge. Após o término dessa relação, em fins dos anos 1970, mudou-se, juntamente com seu terreiro, para o bairro da Jordoa, no qual dava sessão e consultas e fundou outro no bairro do Tirirical, destinado ao Índio Canela, outra entidade presentificada nas práticas do ter-reiro.

Negreiros era devoto ferrenho de São Judas Tadeu e São Raimundo Nonato, típicas figuras do catolicismo romano, tanto que dedicou o seu terreiro do Turu a proteção do último. Carregava consigo somente entidades masculinas como seu Légua Bogi Bua, caboclo Itabajara, João de Una, Boço Jara, dentre outros. Entretanto, fazia obrigações para entidades femi-ninas e também caboclas, que incorporavam apenas nos seus filhos de santo: como Jurema, Janaina, Iemanjá, Zé Pilintra, Exu caveira, Tranca rua, Pomba Gira e Pretos Velhos.

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NOTAS

“Tambor de mina é a designação popular no Maranhão para a reli-gião de origem africana que, em outras regiões do país, recebe denominações como candomblé, xangô, batuque, macumba e etc.; é o nome de uma religião afro-brasileira desenvolvida por antigos escravos africanos e seus descendentes” (FERRETI,2009) FONTE DA LETRA DA COM-POSIÇÃO: JOSÉ NEGREIROS (vinil).[1979/1982?], São Luis-

MA. FONTE DA IMAGEM: Jor-nal Pequeno: 03 de outubro de 1951. pág. 03. Este artigo foi publicado ini-cialmente no Boletim da Co-missão Maranhense de Fol-clore nº 56—julho de 2014.

“No terreiro do meu pai frequentavam todos os tipos de pes-soas, do alto ao baixo escalão da sociedade, ele atendia todos de for-ma igual”, destaca seu filho José. E continua: “ele recebia muitas pes-soas de fora, especialmente do Rio de Janeiro e Belém, (cidade para qual preparou muitos filhos de santo), desde políticos a figuras afama-das da TV, como a atriz global Elizabeth Savala, com quem manteve uma boa amizade”. Na verdade, é interessante perceber o papel dele na disseminação da religião na sociedade. A partir de análise de docu-mentação de época, Barros (2007, p. 269) aponta que “pais-de-santo como Negreiros tiveram o mérito de difundir o tambor de mina a to-dos os níveis da sociedade maranhense.”

Este pai de santo manteve significativas relações de camarada-gem com importantes políticos, donos de jornais, médicos e membros de outras esferas sociais, que lhe garantiram muitos benefícios, facili-tando com isso, não só a tranquilidade nas suas casas de culto, como também sua projeção positiva no seio da alta sociedade. Sua fama foi crescendo a ponto de se tornar manchete de jornal, a exemplo do que apontava A Pacotilha (1954), jornal ludovicence do período: “gente da alta sociedade na casa de Zé negreiros”, destacando assim a sua importância. Em virtude da sua percepção como vidente vários dele-gados de polícia recorreram ao seu terreiro com o objetivo de desven-dar casos de difícil solução. Segundo seu filho, “até o Vasco da Ga-ma, quando veio jogar aqui na cidade, foi à casa dele para conhecê-lo, já que à época diziam que quem não o conhecesse não conhecia São Luis”.

Através da leitura dos jornais da época e das interpretações dos relatos do seu filho é possível perceber o papel desse pai de santo no alargamento do universo religioso do cenário social ludovicense, principalmente quando este tira do ambiente tradicional elementos de sua religião e possibilita que outras pessoas o conheçam. Foi o caso da apresentação de um espetáculo de Negreiros e suas filhas de santo intitulado “Lamento de Xangô”, apresentado no final da década de 1970, no teatro Artur Azevedo. A montagem teatral fora considerada, naquele contexto, uma afronta para a sociedade, já que um negro, so-bretudo membro de religião de matriz africana, se apresentava no principal teatro da cidade.

Enquanto a Casa das Minas, naquele momento era objeto de estudo dos intelectuais, a Casa de Zé Negreiros tinha sobre si os olha-res da imprensa, o que pode ser percebido através de reportagens de Masson e de Azoubel para os jornais Pacotilha e O Globo, em 1954. Estes cobriram três dias de festa em seu terreiro no mês de agosto, fazendo uma leitura diferente da que era feita até então por parte da imprensa, naquele momento. “Os tambores de mina outrora definidos somente como macumba ou feitiçaria, ou simplesmente bailes, pas-sam a ser vistos como uma religião. ” (BARROS, 2007, p. 271)

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Outro ponto que marca a sua influência no período em destaque foi a gravação de um dis-co patrocinado pela rádio Difusora, em seu terreiro, que contava a vida do seu Légua, bem como vários casos ali ocorridos. Esta ação torna-o um dos primeiros pais de santo do Maranhão a gra-var um vinil. Foi um homem de grandes amizades com importantes figuras do ramo da música como é o caso do cantor e compositor Ary Lobo, que fez algumas músicas dedicadas a ele, sendo a mais conhecida o “Coco da Juliana”:

Coco da Juliana (Ary Lobo)

Formara a roda de coco/

Na casa de Juliana/ A coisa lá tava boa /

Durou mais de uma semana/ As mulheres que tava animada /

Dançava e brincava naquele salão/ Cantava o coco praiano/ Com grande animação /

Zé negreiro na roda do coco / Pulava e brincava rufava o pandeiro/

Juliana deu um nó na saia/ Desafiando Zé Negreiro/

Surgiu um sujeito valente/ Cheio de aguardente/ Com a foice na Mao/

Dizendo aqui não tem homem/ Procurando confusão/

Juliana gritou para o povo/ Aqui ninguém briga porque eu não quero/

Passou a mão no trabuco/ Mandou o sujeito para o cemitério.

Dos muitos filhos de santo e dos 28 filhos biológicos, somente um seguiu os passos do pai, Itabajara Coelho, de sua esposa Dinair Alves de Souza Coelho. Este acompanhava o pai em viagens, inclusive para fora do Brasil, como Guiana Francesa e Espanha. Tendo assumido o ter-reiro com este ainda em vida e com certa resistência deu continuidade às obrigações. Embora por problemas internos não mantenha todas as festividades que ocorriam no tempo de seu pai, foi res-ponsável pela preparação de muitos filhos de santo que, posteriormente, constituíram seus terrei-ros.

Em 1968 Negreiros foi vitimado por um primeiro AVC, que o deixou com sequela, uma deficiência no braço e na perna direita. Contudo, mesmo com certa limitação, se manteve firme nas obrigações com o terreiro, passou os anos seguintes trabalhando sem descanso, recebendo “sermões” do seu médico, Gabriel Cunha. Porém, em 30 de outubro de 1983, com 86 anos, veio a falecer no Hospital Geral de São Luís, deixando um legado de história vivida, lembrada com ale-gria pelo filho José Itabajara, que está organizando um livro intitulado, contos de um terreiro, em que relata experiências vivenciadas por ele e pelo pai.

Referências

BARROS, A. Evaldo A. O Pantheon: Culturas e Heranças Étnicas na Formação de Identidade Maranhense (1937-65). Salvador: PÓS-AFRO/FFCH-UFBA/CEAO, Dissertação de mestrado, 2007. FERRETI, Sergio, 1937. Querebentã de Zomadônu: etnografia da casa das minas do Maranhão- 3 ed- Rio de Janeiro: Pallas, 2009.

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Página 12 ILHAVIRTUALPONTOCOM

O ano de 2014 vem sendo extremamente cruel para com as letras. Mal passamos da

primeira metade do ano e já temos motivo para lamentar o passamento de diversos

escritores. Como nem todos os autores falecidos faziam parte do chamado cânone

literário, algumas mortes não tiveram cobertura da imprensa, mas mesmo assim tive-

ram a ausência sentida por parte dos admiradores de suas obras.

Logo no início do ano, faleceu o poeta argentino Juan Gelman, homem que

viveu na pele os horrores da ditadura e transformou o próprio sofrimento e a ausên-

cia dos entes queridos em versos de excelente qualidade. Outro nome de ressonância

mundial que também fisicamente se calou foi o do colombiano Gabriel García Már-

quez, o criador do universo mágico de Macondo e ganhador do prêmio Nobel de Lite-

ratura. O sofrimento do autor de Cem Anos de Solidão foi amplamente divulgado e

sua morte causou comoção entre seus leitores e o público em geral.

A literatura nacional perdeu também alguns escritores de grande importân-

cia. De um dia para outro, perdemos o talento narrativo de João Ubaldo Ribeiro e o

pensamento crítico de Rubem Alves e da poesia de Ivan Junqueira. O primeiro era

conhecido por seus contos e romances extremamente bem elaborados e carregados

de humor, de fina ironia e de densidade social. Livros como Viva o Povo Brasileiro,

Sargento Getúlio e A Casa dos Budas Ditosos são bastante populares e inscreveram o

autor na constelação dos grandes romancistas brasileiros.

Rubem Alves por sua vez foi um dos mais marcantes educadores do Brasil.

Um pensador na melhor acepção da palavra, sempre preocupado com os rumos da

educação no Brasil e com as relações entre a aprendizagem e o bem-estar físico e

mental. A obra desse educador, embora já seja bastante apreciada, ainda precisa ser

mais estudada e analisada, para que sua essência seja posta em prática.

Ivan Junqueira, poeta e crítico literário, dono de grande erudição e de uma verve poé-

tica inigualável, soube transformar tudo o que tocou em poesia, uma poesia viva e

que transbordou as fronteiras do eu para banhar-se nas águas da universalidade. Jun-

queira partiu depois de prestar relevantes serviços à cultura brasileira, seja pelo talen-

to poético, seja pelo senso crítico que lhe permitiu ser reconhecido ainda em vida

como um dos grandes nomes das letras brasileiras modernas.

PERDAS LITERÁRIAS

Por José Neres

(Professor, pesquisador e editor do Ilhavirtualpontocom)

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Nem bem os amantes da literatura se recuperavam do choque

causado pela morte dos escritores acima citados, os jornais anunciam o

falecimento de Ariano Suassuna, um dos mais populares autores da litera-

tura contemporânea brasileira. Reconhecido como um dos gênios das le-

tras nacionais da metade do século XX e início do século XXI, Suassuna dei-

xou-nos obras que acabaram imortalizadas no imaginário do povo, mesmo

daquelas pessoas que não tiveram acesso a seus livros, pois muitos de seus

trabalhos foram adaptados para a TV e para o cinema, como é o caso do

Auto da Compadecida, um dos grandes sucessos da dramaturgia nacional.

No Maranhão também diversas perdas foram sentidas neste ano.

A começar pelo historiador, contista e cronista Wilson Pires Ferro, que logo

no primeiro mês cumpriu sua jornada no mundo terreno, deixando-nos

como herança livros como Quando eu era Pequenino e Depois que o Sol se

Põe.

Outro passamento bastante sentido foi o do cronista e porta José

Chagas. Reconhecido ainda em vida como um dos maiores literatos do

Maranhão e muito apreciado por seu público, seja por sua prosa, seja por

seus versos magistralmente construídos, Chagas será eternamente lembra-

do por livros como MaréMemória e os Canhões do Silêncio, duas obras de

extrema qualidade técnica e que demostram um escritor maduro e consci-

ente de seu papel como formador de opinião, sem abrir mão da arrojada

tessitura poética.

Ubiratan Teixeira, jornalista, teatrólogo, cronista e ficcionista, foi

outro nome que deixou um vazio em nossas letras. Dono de um estilo in-

confundível que privilegiava as classes menos abastadas da sociedade,

denunciando as mazelas sociais e dos descasos para com a cultura do Esta-

do, o Velho Bira, como também era conhecido, imprimiu suas digitais nas

letras não só do Maranhão, mas de todo o Brasil, ao produzir livros como

Vela ao Crucificado e o Dicionário de Teatro, obra indispensável para quem

aprecia as artes cênicas.

Menos conhecido do grande público, mas admirado pelos aman-

tes das letras, o prosador Ariel Vieira de Moraes também partiu neste

2014. Mesmo fisicamente distante do Maranhão há vários anos, a obra de

Ariel deve ser considerada como uma das mais sólidas de nossa literatura.

Livros como O Anjo Modernista, Na Hora de Deus – Amém e A Cobra Divi-

na são verdadeiras obras-primas de um autor que ainda teria muito a ofe-

recer para nossa cultura.

Essas perdas são irreparáveis. Mas fica o consolo de saber que

esses intelectuais em muito contribuíram para que nosso universo fosse

mais belo, mais poético, mais suave e infinitamente mais cheio das ricas

alegorias criadas por esses homens iluminados com o dom de transformar

ideias em palavras, em magia e em vida.

Nosso muito obrigado a todos eles.

Página 14 ILHAVIRTUALPONTOCOM

Ela me carregava de um lado

para o outro. Acho que tinha receio de

que a sua empregada ou qualquer outra

pessoa descobrisse, e a modificação que se

estampava no seu rosto era tão visível que

eu escutava frequentemente: “Oh, Lídia,

você parece tão bem! Que anda fazendo?”.

Algumas chegavam a ser maliciosas: “Puxa

vida, menina, você está divina! Arranjou na-

morado novo. Vamos, fala pra gen-

te... Nunca mais vi você de mal hu-

mor... Quem é esse gato fantástico?”

significativamente ou não, ela aperta-

va a bolsa com força numa mensa-

gem inconscientemente talvez, en-

quanto eu escutava com atenção re-

dobrada entre escovas, pulseiras, ba-

tons, cartão de crédito, etc... Mas o

etc não continha mais preservativos.

Quem quiser saber como se sente o narrador desse roman-

ce, que é um vibrador, deve ler A ânsia do Prazer, de José

Ewerton Neto.

Página 15 NÚMERO 23

Quem aprecia a estreita relação entre a His-

tória e a Literatura deve ler esse

livro organizado pelos pesquisado-

res Yuri Costa e Marcelo Cheche

Galves. Na segunda parte do volu-

me, há diversos comentando o

perfil intelectual de autores como

Gonçalves Dias, Aluísio Azevedo,

Maria Firmina dos Reis, Clodoaldo

Freitas, Frederico José Corrêa e

Odorico Mendes.

O livro está disponível em diversas

livrarias da nossa cidade.

COSTA, Yuri; GALVES, Marcelo Cheche. Ensaios de

Biografia e História do Maranhão. São Luís: Café e

Lápis, 2011. 424 pp.

SUGESTÃO DE LEITURA

Ilhavirtualpontocom é uma publicação online trimestral que tom como objetivos divulgar

e promover a cultura maranhense, seus autores e suas obras. O informativo é dirigido e

editado por José Neres e sua equipe de colaboradores.

FOLHAS RESPINGADAS DE ACASO

Antônio Ailton

para as grandes chuvas

a silhueta na distância

traz antiguidades

no imenso pátio

só pra lua ouvir

faz pipi nas calças

ah, luas de lama

duas poças para dormir

fuça aqui fuça ali

plantadas em casa

as samambaias nos xaxins

sonham primaveras

CANTINHO DA POESIA