ilha dos amores

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Os Lusíadas I. O Movimento Literário e Contexto Histórico 1527 – Sá de Miranda retorna da Itália e divulga o novo estilo 1580 – Surgimento da União Ibéria !rini"al inova#ão$ soneto Mimesis$ imita#ão dos lássios %bedi&nia 's regras( busa da "er)ei#ão )ormal *aionalismo – e+uil,brio ra-ão.emo#ão – ra-ão.imagina#ão Im"essoalidade e Universalismo /ntro"oentrismo$ auto a)irma#ão do ser umano em rela#ão ao m edonismo$ valori-a#ão do "ra-er3inteletual4 randes desobertas( mono"6lio do omério mar,timo( lu o e e orte( *e)orma !rotestante e ontra *e)orma3In+uisi#ão49 II. A Obra 1. Características Formais Métria$ 881: versos ;stro)a#ão$ 1102 estro)es de 08 versos *ima$ /</</< 3 er6ios e sá)ios4 antos$ são 10( de e tensão irregular9 2. Características Temáticas /ssunto$ ist6ria de !ortugal – em ordem ronol6gia de =iriato ao >9Manuel ?@leo da narra#ão$ =iagem de =aso da ama 's Andias er6i$ oletivo( o "ovo "ortugu&s 3. Características da Estrutura !ro"osi#ão$ o "oeta anunia o tema do seu anto$ os grandes )e lusitanos9 Sábio rego e Broiano$ rego re)ere se a Ulisses( er6i da %dis omero( +ue navegou de- anos "erdido no mar9 Broiano$ re)ere se a ;néias( er6i de ;neida( de =irg,lio( +ue Br6ia ' !en,nsula Itália9 / !ro"osi#ão e suas arater,stias / valori-a#ão do omem( o antro"oentrismo( o ser umano "ode arroCado( a"a- de dominar os mistérios e "erigos da nature-a9 / sobreviv&nia do Dideal de ru-adaE( a missão "rovidenial d "ortugueses omo agentes da e "ansão do ristianismo9 / valori-a#ão da /ntiguidade lássia9 . % naionalismo e u)a Invoa#ão$ Bágides 3nin)as do BeCo4 >ediat6ria$ rei >9Sebastião . !rinci"ais E"isódios #$arra%&o' a4 ons,lio do deuses <ao é ontra as navega#Fes( "ois teme +ue os "ortugueses su"ere )eitos no %riente9 . =&nus e Marte tomam a de)esa dos lusos9 =iagem$ %eano Andio . /identes atribu,dos a <ao . Interven#ã egada a Momba#a . In,io do disurso de =aso da ama ist6ria dos reis de !ortugal$ onde >9 enri+ue a >9Gernando 1

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Os Lusadas

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Os Lusadas

I. O Movimento Literrio e Contexto Histrico1527 S de Miranda retorna da Itlia e divulga o novo estilo

1580 Surgimento da Unio Ibrica

Principal inovao: soneto

Mimesis: imitao dos clssicos

Obedincia s regras, busca da perfeio formal

Racionalismo equilbrio razo/emoo razo/imaginao

Impessoalidade e Universalismo

Antropocentrismo: auto-afirmao do ser humano em relao ao mundo

Hedonismo: valorizao do prazer(intelectual)

Grandes descobertas, monoplio do comrcio martimo, luxo e exageros na corte, Reforma Protestante e Contra-Reforma(Inquisio).

II. A Obra

1. Caractersticas Formais Mtrica: 8816 versos

Estrofao: 1102 estrofes de 08 versos

Rima: ABABABCC (hericos e sficos)

Cantos: so 10, de extenso irregular.

2. Caractersticas Temticas Assunto: Histria de Portugal em ordem cronolgica de Viriato ao D.Manuel

Ncleo da narrao: Viagem de Vasco da Gama s ndias

Heri: coletivo, o povo portugus

3. Caractersticas da Estrutura

Proposio: o poeta anuncia o tema do seu canto: os grandes feitos lusitanos.

Sbio Grego e Troiano: Grego refere-se a Ulisses, heri da Odissia, de Homero, que navegou dez anos perdido no mar.

Troiano: refere-se a Enias, heri de Eneida, de Virglio, que navegou de Tria Pennsula Itlica.

A Proposio e suas caractersticas

A valorizao do homem, o antropocentrismo, o ser humano poderoso, arrojado, capaz de dominar os mistrios e perigos da natureza.

A sobrevivncia do ideal de cruzada, a misso providencial dos portugueses como agentes da expanso do cristianismo.

A valorizao da Antiguidade Clssica. / O nacionalismo e ufanismo

Invocao: Tgides (ninfas do Tejo)

Dedicatria: rei D.Sebastio

4. Principais Episdios (Narrao)

a) Conslio do deuses

Baco contra as navegaes, pois teme que os portugueses superem seus feitos no Oriente. / Vnus e Marte tomam a defesa dos lusos.

Viagem: Oceano ndico / Acidentes atribudos a Baco / Interveno de Vnus

Chegada a Mombaa / Incio do discurso de Vasco da Gama Histria dos reis de Portugal: Conde D. Henrique a D.Fernando b) Episdio de Ins de Castro

Conselheiros: Pero Coelho, Diogo Lopes, lvaro Gonalves

Escrita para criar nos leitores piedade e terror

O poeta tambm explora a indignao e o dio

O rei D.Afonso poupado / A culpa recai sobre os conselheiros

Cames no explora as razes polticas do assassinato, prefere apresent-la como vtima do amor.c) Velho de Restelo: Personagem alegrico que representa a sobrevivncia da mentalidade feudal, agrria, oposta ao expansionismo e s navegaes, que configuravam os interesses da burguesia e da monarquia.d) Gigante Adamastor

No plano histrico, simboliza a superao dos portugueses.

No plano lrico um dos pontos altos do poema, retomando dois temas constantes da lrica camoniana: o do amor impossvel e o do amante rejeitado.

Adamastor, um dos gigantes filhos da Terra, apaixonou-se pela nereida Ttis. No correspondido, tenta tom-la a fora, provocando a clera de Jpiter, que o transforma no Cabo das Tormentas

III. Canto IX: A Ilha dos Amores Dois feitores portugueses so encarregados de vender as mercadorias, mas so detidos em terra, para retardar a partida da armada portuguesa, a fim de dar tempo a que uma armada muulmana viesse de Meca para a destruir. TIiveram longamente na cidade,

Sem vender-se, a fazenda os dous feitores,

Que os Infiis, por manha e falsidade,

Fazem que no lha comprem mercadores;

Que todo seu propsito e vontade

Era deter ali os descobridores

Da ndia tanto tempo que viessem

De Meca as naus, que as suas desfizessem. O Gama informado disso pelo rabe Monaide e, por isso, decide partir, procurando fazer com que os dois feitores portugueses regressem secretamente armada, mas no consegue o que pretende. Como represlia, impede vrios mercadores da ndia de regressarem a terra e, tomando-os como refns, ordena a partida. Por ordem do Samorim, so restitudos a Gama os dois feitores portugueses e as fazendas, aps o que se iniciou o regresso a casa (estncias 13 a 17). Parte-se costa abaxo, porque entende

Que em vo co Rei gentio trabalhava

Em querer dele paz, a qual pretende

Por firmar o comrcio que tratava;

Mas como aquela terra, que se estende

Pela Aurora, sabida j deixava,

Com estas novas torna ptria cara,

Certos sinais levando do que achara. Vnus decide preparar o repouso e prmio para os portugueses (est.18 a 21). 19Porm a Deusa Cpria, que ordenada

Era, pera favor dos Lusitanos,

Do Padre Eterno, e por bom gnio dada,

Que sempre os guia j de longos anos,

A glria por trabalhos alcanada,

Satisfao de bem sofridos danos,

Lhe andava j ordenando, e pretendia

Dar-lhe nos mares tristes, alegria.

20

Algum repouso, enfim, com que pudesse

Refocilar a lassa humanidade

Dos navegantes seus, como interesse

Do trabalho que encurta a breve idade.

Parece-lhe razo que conta desse

A seu filho, por cuja potestade

Os Deuses faz decer ao vil terreno

E os humanos subir ao Cu sereno.

Dirige-se, com esse objetivo, a seu filho Cupido (estncias 22 a 50), e manda reunir as Ninfas numa ilha especialmente preparada para acolh-los. Ali quer que as aquticas donzelas

Esperem os fortssimos bares

(Todas as que tm ttulo de belas,

Glria dos olhos, dor dos coraes)

Com danas e coreias, porque nelas

Influr secretas afeies,

Pera com mais vontade trabalharem

De contentar a quem se afeioarem.

Nas frguas imortais onde forjavam

Pera as setas as pontas penetrantes,

Por lenha coraes ardendo estavam,

Vivas entranhas inda palpitantes;

As guas onde os ferros temperavam,

Lgrimas so de mseros amantes;

A viva flama, o nunca morto lume,

Desejo s que queima e no consome.

Ali, com mil refrescos e manjares,

Com vinhos odorferos e rosas,

Em cristalinos paos singulares,

Fermosos leitos, e elas mais fermosas;

Enfim, com mil deleites no vulgares,

Os esperem as Ninfas amorosas,

D' amor feridas, pera lhe entregarem

Quanto delas os olhos cobiarem. A Ilha dos Amores, cuja descrio se apresenta nas estncias 52 a 55, era uma ilha flutuante que Vnus colocou no trajeto da armada, de modo a que esta, infalivelmente, fosse encontrada. De longe a Ilha viram, fresca e bela,

Que Vnus pelas ondas lha levava

(Bem como o vento leva branca vela)

Pera onde a forte armada se enxergava;

Que, por que no passassem, sem que nela

Tomassem porto, como desejava,

Pera onde as naus navegam a movia

A Acidlia, que tudo, enfim, podia. Os portugueses desembarcaram na ilha e as Ninfas deixam-se ver, iniciando-se uma perseguio. Para aumentar o desejo dos portugueses, as Ninfas opuseram certa resistncia, apenas se deixando apanhar ao fim de algum tempo, efetuando-se, ento, o casamento entre elas e os marinheiros. Oh, que famintos beijos na floresta,

E que mimoso choro que soava!

Que afagos to suaves! Que ira honesta,

Que em risinhos alegres se tornava!

O que mais passam na manh e na sesta,

Que Vnus com prazeres inflamava,

Melhor expriment-lo que julg-lo;

Mas julgue-o quem no pode expriment-lo. Ttis, a maior, e a quem todo o coro das Ninfas obedecia, apresentou-se a Vasco da Gama, recebendo-o com honesta e rgia pompa. Depois de se ter apresentado e dado a entender que ali viera por alta influio do Destino, tomando o Gama pela mo, levou-o para o seu palcio, onde lhe explicou (estncias 89 a 91) o significado alegrico da Ilha dos Amores: as Ninfas do Oceano, Ttis e a Ilha outra coisa no so que as deleitosas honras que a vida fazem sublimada. 89

Que as Ninfas do Oceano, to fermosas,

Ttis e a Ilha anglica pintada,

Outra cousa no que as deleitosas

Honras que a vida fazem sublimada.

Aquelas preminncias gloriosas,

Os triunfos, a fronte coroada

De palma e louro, a glria e maravilha,

Estes so os deleites desta Ilha.

90

Que as imortalidades que fingia

A antiguidade, que os Ilustres ama,

L no estelante Olimpo, a quem subia

Sobre as asas nclitas da Fama,

Por obras valerosas que fazia,

Pelo trabalho imenso que se chama

Caminho da virtude, alto e fragoso,

Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso,

91

No eram seno prmios que reparte,

Por feitos imortais e soberanos,

O mundo cos vares que esforo e arte

Divinos os fizeram, sendo humanos.

Que Jpiter, Mercrio, Febo e Marte,

Eneas e Quirino e os dous Tebanos,

Ceres, Palas e Juno com Diana,

Todos foram de fraca carne humana. O Canto IX termina com uma exortao dirigida aos que aspiram a imortalizar o seu nome. Todos foram de fraca carne humana.

92

Mas a Fama, trombeta de obras tais,

Lhe deu no Mundo nomes to estranhos

De Deuses, Semideuses, Imortais,

Indgetes, Hericos e de Magnos.

Por isso, vs que as famas estimais,

Se quiserdes no mundo ser tamanhos,

Despertai j do sono do cio ignavo,

Que o nimo, de livre, faz escravo.

93

E ponde na cobia um freio duro,

E na ambio tambm, que indignamente

Tomais mil vezes, e no torpe e escuro

Vcio da tirania infame e urgente;

Porque essas honras vs, esse ouro puro,

Verdadeiro valor no do gente:

Milhor merec-los sem os ter,

Que possu-los sem os merecer.

94

Ou dai na paz as leis iguais, constantes,

Que aos grandes no dem o dos pequenos,

Ou vos vesti nas armas rutilantes,

Contra a lei dos imigos Sarracenos:

Fareis os Reinos grandes e possantes,

E todos tereis mais e nenhum menos:

Possuireis riquezas merecidas,

Com as honras que ilustram tanto as vidas.

95

E fareis claro o Rei que tanto amais,

Agora cos conselhos bem cuidados,

Agora co as espadas, que imortais

Vos faro, como os vossos j passados.

Impossibilidades no faais,

Que quem quis, sempre pde; e numerados

Sereis entre os Heris esclarecidos

E nesta Ilha de Vnus recebidos.IV. Comentrios Finais

Na viagem do gama no descobriu Cames um enredo, mas apenas uma seqncia cronolgica de acontecimentos.

mas ainda: num poema narrativo no podem dispensar-se caracteres humanos e paixes, que so a mola da ao; e entre os protagonistas da viagem tambm Cames no viu caracteres impressivamente humanos, como so os dos poema homricos, apesar da sua proporo sobre-humana.

Os heris camonianos raramente parecem de carne; faltam-lhes carter e paixes.

So, em geral, esttuas processionais, solenes e impassveis.

Na resoluo desta dificuldade de dar unidade dinmica e caracteres ao seu poema, o poeta encontrou a seu favor certas praxes greco-romanas do gnero, que lhe forneceram prottipos de uma intriga entre deuses apaixonados.

Os deuses desejam, palpitam, lutam, so de carne, em contraste com os homens histricos, que parecem de bronze ou de mrmore.

Tudo se passa como se os deuses desencadeassem ainda todas as foras, fsicas ou psquicas que movimentam o mundo sublunar ou fossem eles essas mesmas foras ignotas, mas, ao mesmo tempo, e com certa ironia, neles se traduzissem os mais secretos mbeis humanos.

certo que, por sob a sua histria imaginria de inspirao clssica, o poeta procura ressalvar a possibilidade de uma interpretao positiva, ou, quanto muito, dentro das virtualidades do miraculoso cristo: os contactos de Baco e Mercrio com os homens passam-se em sonho ou em encarnaes humanas. Os prprios deuses poderiam ser foras anglicas, demonacas ou astrolgicas, muito aceites no tempo e pelo prprio Cames. Mas o fato que todo o peso da sugesto potica vai cair no maravilhoso. Com o desfecho do poema a fico mitolgica dissolve-se. Na Ilha dos Amores as deusas marinhas concedem aos nautas, ento de regresso, todas as volpias, e com elas a imortalidade; o Gama substitui Adamastor e Netuno no amor de Ttis, senhora das guas. E neste ponto a mesma Ttis, negando-se, declara que esta mitologia meramente alegrica. Sem ela, contudo, o poema perderia o melhor da sua fora esttica. Formalmente a mitologia desempenha, portanto uma funo central nOs Lusadas: a de lhe dar uma unidade de ao e um enredo dinmico. O que valoriza esteticamente Os Lusadas no so, pois, as qualidades propriamente picas, no o poder de criar heris. So, em primeira evidncia, as qualidades estilsticas com que exprime uma viso luminosa da vida: o verso oratrio em que se vazam os discursos do Velho do Restelo, de Nunlvares, do Gama, da prpria Ins de Castro; as frmulas lapidares, exatas, que se fixaram na memria coletiva nacional, a evocao majestosa dos esplendores do Olimpo e da beleza feminina ; a nitidez e preciso da frase, por vezes prejudicada com transposies e liberdades sintticas modeladas sobre o Latim e com a sobrecarga de aluses mitolgicas; a prodigiosa arte do ritmo, e que aqui se adapta, ora movimentao e ao estampido das batalhas (em cuja narrativa abundam os ritmos onomatopicos) , ora lentido tediosa das calmarias, ora ao ardor espreguiado do desejo amoroso, ora ao paraso cristalino e cantante da ilha de Vnus. Mas Os Lusadas opem s inverosimilhanas dos poemas antigos o seu prprio realismo, e exprimem deveras um senso novo do mundo e das maravilhas reais (Que estranheza, que grandes qualidades! / E tudo sem mentir, puras verdades!). Cames no quis apenas fazer uma enciclopdia histrica, mas tambm uma enciclopdia naturalista, contrapartida quanto possvel real do antigo maravilhoso homrico. Para isso, descreveu impressivamente regies, situaes estranhas e fenmenos naturais mal conhecidos.

Por vezes estas descries atingem a mincia e preciso dos grandes pintores naturalistas do Renascimento, como Drer ou Miguel ngelo; o poeta procura aviv-las recorrendo a imagens precisas: tal a descrio do escorbuto, doena tpica da nova navegao transocenica, a da tromba martima, comparada nas suas vrias fases a uma sanguessuga chupando o sangue, a uma vaporzinho, uma coluna, um p, um cano. Outra caracterstica tambm tipicamente renascentista de Os Lusadas, capaz de suscitar o interesse de um leitor moderno, a palpitao afrodisaca que vibra em todo o poema, exaltao do amoroso ajuntamento, lei do universo que no somente d vida aos malferidos, mas pe em vida os inda no nascidos. Vnus, por cujas lisas colunas os desejos se enrolam como hera, quando, despida, pretende amolecer o poderoso Jpiter, seu pai, a rainha irresistvel do mundo:

No ar lascivos beijos se vo dando.

Ela, por onde passa, o ar e vento

Sereno faz, com brando movimento No se trata de uma ou outra nota ertica a apimentar a narrativa: uma tenso permanente, ressonante a cada pretexto, distendendo-se e repousando finalmente na ilha de Vnus, coroamento do poema, a Ilha Afortunada, a utopia onde Cames condensa a sua mais aguda percepo do maravilhoso real, o maravilhoso do amor:

Oh que famintos beijos na floresta!

E que mimoso choro que soava! A expresso sugestiva e nobilitante deste pan-erotismo uma das razes profundas do maravilhoso pago de Os Lusadas. O mito antigo, ao assumir esta funo, deixa de ser simples alegoria. D corpo visvel a um impulso no racionalizado, a antropomorfizao imaginosa de uma fora vital. Neste sentido o maravilhoso pago mais do que um ornamento retrico; compraz uma curiosidade, alis, faminta de todas as apetncias amorosas e violncias registradas em anedotas mticas ou histricas, portuguesas ou antigas. Assim, nos casos de amor alcanam Os Lusadas a sua maior palpitao humana; o temperamento amoroso inerente nova concepo de heri, o heri portugus camoniano, que no chega a encarnar de todo numa personagem do poema, mas se desprende do conjunto. Nota-se isto na histria do gigante Adamastor, que pretende ser ameaador e terrvel, e acaba por se tornar comovente e deplorvel no choro disforme com que lamenta a irremedivel falncia da sua paixo por Ttis. Sente-se no Adamastor o smbolo de uma experincia amorosa do autor, o desejo desiludido pelo dissipar de uma miragem: que te custava ter-me neste enganoou fosse monte, nuvem, sonho ou nada?

Dir-se-ia que para Cames, como j para a novela arturiana da fase corts, e para os redatores do Amadis, a virilidade da coragem militar se liga to intimamente ao temperamento amoroso como ao desprezo dos bens monetrios.