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Ilegalidade na cobrança do ISSQN das sociedadescorretoras de segurosPor Oliver Alexandre Reinis em 9 de setembro de 2008
1. Contrato de Corretagem
Para a real aferição da subsunção de uma determinada atividade negocial, tal qual a
corretagem de seguros, a uma hipótese de incidência tributária (norma legal que cria um
fato jurídico embasador de um tributo, quando da ocorrência de um determinado fato da
vida), mister se faz, em um momento inicial, a análise dos institutos que norteiam referida
atividade negocial.
Assim, antes de estudarmos a possibilidade de cobrança do ISSQN sobre a atividade de
corretagem, cumpre analisarmos mais detidamente esta mesma atividade.
A guisa de definição, disciplina a Lei nº 4.594/64 que:
“Art. 1º. O corretor de seguros, seja pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente
autorizado a angariar e a promover contratos de seguro, admitido pela legislação vigente,
entre as sociedades de seguros e as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou
privado.”
Tal definição é repetida, com pequenas alterações, pelo Decreto-lei nº 73/66 e pela
Circular SUSEP nº 127/00:
“Art. 122. O corretor de seguros, seja pessoa física ou jurídica, é o intermediário
legalmente autorizado a angariar e promover contratos de seguro entre as sociedades
seguradoras e as pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. (Decreto-lei nº 73/66).”
“Art. 2º. O corretor de seguros, pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente
autorizado a angariar e promover contratos de seguro entre as sociedades seguradoras e
as pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, devidamente registrado, conforme as
instruções estabelecidas na presente Circular. (Circular SUSEP nº 127/00).”
Ou seja, trata-se a atividade de corretagem, exercida tanto pela pessoa jurídica quanto
pela pessoa física, atividade de intermediação ou mediação.
Ora, “intermediação” e “mediação” são formas de composição de interesses, com o auxílio
de um terceiro imparcial, que nada decide, mas apenas auxilia as partes na busca de uma
solução. Tenha-se como exemplo o mediador extrajudicial, que figura na busca de
soluções de litígios, através de acordos, e que labora de forma independente das duas
partes litigantes, haja vista que, se com qualquer delas tivesse alguma espécie de relação
de subordinação, ainda que decorrente de contrato de prestação de serviços, seria parcial
em sua atuação, o que desconfiguraria o instituto da mediação em si.
O mediador fica no meio, não está nem de um lado e nem de outro, não adere a nenhuma
das partes.
As Sociedades Corretoras de Seguros, na qualidade de meras intermediárias, são
legalmente autorizadas a angariar e promover contratos de seguro entre seguradoras e
pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.
Desta forma, as sociedades corretoras têm natureza jurídica atípica, ou seja, “não são
enquadradas como empresas prestadoras de serviços, comerciais, nem tampouco
industriais, fazendo com que o recolhimento de suas contribuições sociais se dê de forma
Olá, Oliver Reinis
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diferenciada. Tanto assim, que essas pessoas jurídicas não recolhem as contribuições
devidas aos Serviços Sociais Autônomos, como é o caso das contribuições para o
SESC/SENAC, SESI/SENAI, SEST/SENAT, SESCOOP, SENAR e SEBRAE, mas sim um
adicional de contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários”, conforme nos
ensina Manuel de Freitas Cavalcanti Júnior(1).
Ou seja, as receitas das sociedades corretoras de seguro são, exclusivamente, decorrentes
de intermediações de contratos, categoria não enquadrada em “prestação de serviços”.
Vale ressaltar, novamente, que o corretor ou a sociedade corretora não é parte, não fica
nem de um lado nem de outro de qualquer dos contratantes, não representa nenhuma das
partes envolvidas na negociação, não fala nem por um nem pelo outro, permanece no
meio. O corretor transmite a oferta à procura e realiza diligências para que o terceiro se
enquadre as condições do comitente. No caso em tela, podemos afirmar que o corretor de
seguros não se posiciona a favor nem do segurado, nem tão pouco da Seguradora, ele
realiza a oferta à procura e busca enquadrar as necessidades do primeiro às condições da
segunda.
É um terceiro que não figura nos contratos, tendo como característica a circunstância de
manter-se alheio aos negócios que agencia, não se confundindo com o procurador, o
comissário, o locador de serviços, que figuram como partes contratantes.
Nesse sentido, vale trazer à baila o art. 722, do NCC, que assim regulamenta os contratos
de corretagem em geral:
Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de
mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a
obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.
Assim, do arcabouço legal apresentado, podemos extrair três características essenciais aos
contratos de corretagem:
a) não existir relação de dependência entre o corretor e as demais partes envolvidas;
b) o corretor ser obrigado a possuir autorização legal para sua atividade;
c) o corretor não representar especificamente qualquer das partes envolvidas (sociedade
seguradora ou segurado).
Para a análise que nos cabe aqui, qual seja, a incidência ou não do ISSQN à atividade de
corretagem, interessa-nos especificamente o item a supra. Assim vejamos.
O artigo 722 do Novo Código Civil é claro e peremptório ao afirmar que caracteriza o
contrato de corretagem o fato do mesmo só poder ser travado entre pessoas que não
possuam entre si qualquer relação de dependência, citando claramente em seu texto os
contratos de “mandato” e de “prestação de serviços”. Sem nos alongarmos muito nesta
análise, podemos afirmar ainda ser impossível caracterizar-se como corretor um
funcionário ou preposto de uma das partes envolvidas no negócio travado entre a
sociedade seguradora e terceiros (pessoa física ou jurídica).
Desta feita – e sob a ótica que nos interessa para este estudo, podemos afirmar que o
contrato de corretagem não é um contrato de prestação de serviços, sob nenhuma
espécie, haja vista que, caso o corretor de seguros esteja ligado a qualquer das partes
interessadas, sob a égide de um contrato de prestação de serviços, viola frontalmente o
art. 722 do NCC e não pode com nenhum deles firmar contrato de corretagem.
Ou seja, ai estará prestando um serviço ou atuando como empregado de uma das partes,
o que impossibilita que com qualquer delas firme contrato de corretagem.
Trata-se de questão de prejudicialidade clara, no âmbito contratual. Caso a parte atuante
na intermediação trave contrato de prestação de serviços qual qualquer das outras partes
no negócio (segurado ou seguradora), não pode ser considerado corretor, haja vista que
entre eles não pode haver contrato de corretagem, por ofensa ao art. 722 do NCC.
Por outro lado, caso não haja vinculação por contrato de prestação de serviços, entre
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nenhuma das partes, poderá ser travado entre elas contrato de corretagem!
Em resumo, o contrato de corretagem obsta o contrato de prestação de serviços e o
contrato de prestação de serviços obsta o contrato de corretagem!
Ora, frente a esta constatação, se a atividade de corretagem de seguros não decorre de
um contrato de prestação de serviços, mas sim de instituto jurídico próprio – a saber,
contrato de corretagem, que tem suas balizas definidas no NCC, não pode esta mesma
atividade ser considerada serviço pela legislação tributária.
Aceitar isso seria aceitar a transmudação do conceito civil de corretagem – previsto em
Lei, somente para garantir ao Fisco nova fonte de custeio, ilegalmente – ilegalidade esta
que afronta claramente o art. 110, do Código Tributário Nacional.
E, nas palavras do saudoso Ministro Luiz Gallotti, em julgamento proferido no Supremo
Tribunal Federal:
“Como sustentei muitas vezes, ainda no Rio, se a Lei pudesse chamar de compra o que
não é compra, de importação o que não é importação, de exportação o que não é
exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na
Constituição” (RTJ nº 66, pág. 165).
No mesmo sentido, a recente jurisprudência do Superior Tribunal Federal, em questão
análoga a presente, ao enfrentar a questão referente à cobrança de ISS sobre a atividade
de locação de bens móveis, fixou que “os institutos, as expressões e os vocábulos” têm
sentido próprio no direito civil, que deve ser observado quando da instituição das normas
tributárias, in verbis:
“TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a
glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE
SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre
Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o
tributo considerado a contrato de locação de bem móvel. Em direito, os institutos, as
expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de
serviços com a de móveis, práticas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de
observância inafastável – art. 110 do Código TributárioNnacional.” (RE nº 116.121-3/SP,
Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio, PLENO, publicado no D.J. de 25/05/2001).
Vale trazer a lume, ainda, trecho do brilhante voto do Min. Marco Aurélio, que bem elucida
a questão: “Em face da Constituição Federal e da legislação complementar de regência,
não tenho como assentar a incidência do tributo, porque falta o núcleo dessa incidência,
que são os serviços. (…)o legislador complementar, embora de forma desnecessária e que
somente pode ser tomada como pedagógica, fez constar no Código Tributário o seguinte
preceito: ´Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de
institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do
Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias´. O
preceito veio ao mundo jurídico como um verdadeiro alerta ao legislador comum, sempre a
defrontar-se com a premência do Estado na busca de acréscimo de receita.(…) Em síntese,
há de prevalecer a definição de cada instituto, e somente a prestação de serviços,
envolvido na via direta do esforço humano, é fato gerador do tributo em comento.”
2. Hipótese de Incidência do ISSQN
Neste ponto, cumpre consignar que o Sistema Tributário Nacional recebeu rigoroso
tratamento pelo Constituinte de 1988, que delineou, em precisas linhas, os campos
materiais de incidência dos impostos.
Nesse sentido, a Constituição Federal atribui aos Municípios a competência tributária para
instituir o imposto sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, I
“b”, definidos em Lei Complementar” (artigo 156, IV, da CF).
Desta forma, o ISS, de competência dos Municípios, tem como fato gerador a prestação,
por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço de
qualquer natureza.
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Sem maiores dificuldades, vê-se que a tributação deve incidir sobre serviços. Ora, frente a
isto, toda e qualquer análise referente à hipótese de incidência do ISS deve partir, sempre,
da análise e compreensão do alcance e significado do termo “serviço” e das atividades nele
enquadradas pela legislação do ISSQN, bem como da análise das atividades negociais e
profissionais exercidas pela sociedade, para a aferição de sua subsunção ou não, ao termo
“serviço”, como feito no item anterior deste estudo.
E para o exercício desta análise, o interprete – labore ele no campo legislativo ou judicial,
deve sempre estar atento ao fixado pelo art. 110 do Código Tributário Nacional, que
“ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de
consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou
implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os
elementos tributários”(2), in verbis:
“Art. 110. A lei tributária não poderá alterar a definição, o conteúdo e o alcance de
institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do
Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”
Em face disto, uma vez que a atividade “corretagem de seguros” se encontra elencada na
lista de serviços integrante da Lei Complementar 116/2003 (em seu item 10.01), impõe-se
a análise desta atividade, com fulcro no ordenamento jurídico brasileiro e nos institutos de
direito privado, para a aferição de sua legalidade.
Todavia, conforme verificamos na análise levada a cabo no item anterior, a inclusão da
referida atividade – corretagem de seguros, na lista em questão, configura nítida
ilegalidade, haja vista que a mesma, por óbice legal, não pode ser enquadrada na
categoria jurídica de “prestação de serviços”.
3. Conclusão
Resta clara, destarte, a inconstitucionalidade e ilegalidade do item 10.01, da Lista de
Serviços, anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
Sua inconstitucionalidade decorre da ofensa ao artigo 156, IV, da CF, que garante aos
Municípios o direito de cobrança do ISSQN somente de serviços de qualquer natureza, não
compreendidos no art. 155, I “b”, sendo certo que a cobrança da exação em questão, de
atividade não enquadrada no conceito de “serviço”, é transbordação do direito de tributar
do Ente Federativo.
Já a ilegalidade vem da não-observância do artigo 110, do Código Tributário Nacional,
quando da inclusão do item nº 10.01, na Lista de Serviços supra mencionada, haja vista
que o legislador quis, com isso, dar ao instituto de direito privado “corretagem de seguros”
conotação e classificação diversa que a fixada pelo art. 722, do Novo Código Civil.
Notas
(1) Júnior, Manoel de Freitas Cavalcanti, In “Questões Polêmicas Envolvendo a Tributação
da COFINS das Sociedades Corretoras e Instituições Financeiras”, Revista de Direito
Tributário da APET, ano I, edição 04 – 2004, MP Editora, págs. 135 – 165.
(2) STF – Recurso Extraordinário 357.950-9 – Rel. Min. Marco Aurélio
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Oliver Alexandre Reinis
Advogado em São Paulo, SP. Sócio de FRR Advogados. Pós-graduando em
Direito Administrativo e Ambiental. Especialista em Direito Empresarial e
Tributário. Membro da APET - Associação Paulista de Estudos Tributários,
ex-Juiz Conciliador do Juizado Especial Federal Previdenciário de São
Paulo.
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