ilê axé jitolú para o mundo. ah se não fosse o ilê...

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O Bloco Ilê Aiyê acaba de divulgar a apostila para o tema do carnaval de 2014, intitulado “Do Ilê Axé Jitolú para o mundo. Ah se não fosse o Ilê Aiyê!”. Caro(a) Compositor(a): Estamos lhe fornecendo o material de pesquisa do nosso tema para o Carnaval de 2014: Do Ilê Axé Jitolu para o mundo. A h! Se não fosse o Ilê Aiyê. A intenção do Ilê Aiyê é contar e cantar a história do carnaval baiano antes da criação do bloco, os desdobramentos que ocorreram com a criação do bloco e os frutos advindos desse importante fato histórico. Vamos abordar o contexto histórico em que o bloco foi criado, os motivos que levaram a união daqueles jovens do bairro da Liberdade a fundar o sucesso que hoje é o Ilê Aiyê. Um grupo de jovens que, imersos no mundo da cultura negra tradicional na Bahia os candomblés e sambas moradores de um bairro popular e majoritariamente negro apropriadamente chamado Liberdade, seduzidos pela “onda soul” que atravessou o país empolgando a juventude negra no final dos anos 70, inspirados pelas lutas globais de emancipação racial; resolvem formar um bloco só com negros, o “Ilê Aiyê”, mundo negro numa tradução livre. Este ato inaugural é o ponto de partida para o início das interpretações sobre as mudanças na identidade negra e nas relações raciais. Como costumo dizer, “antes os negros só serviam para carregar alegorias”. O Ilê Aiyê surge dentro do Ilê Axé Jitolu, com as bênçãos da Yalorixá Hilda Jitolu, com a intenção de mudar o paradigma do carnaval de Salvador. Ao longo dos seus 40 anos, abordou vários assuntos ligados à temática negra, nos seus temas de carnaval. Temáticas que nunca estiveram contidas nos currículos escolares do Brasil. Assim, de 1976 a 1988 todos os temas do Ilê contaram parte da história do continente negro, como por exemplos:

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O Bloco Ilê Aiyê acaba de divulgar a apostila para o tema do carnaval de 2014, intitulado “Do

Ilê Axé Jitolú para o mundo. Ah se não fosse o Ilê Aiyê!”.

Caro(a) Compositor(a):

Estamos lhe fornecendo o material de pesquisa do nosso tema para o Carnaval de 2014: Do Ilê

Axé Jitolu para o mundo. A h! Se não fosse o Ilê Aiyê.

A intenção do Ilê Aiyê é contar e cantar a história do carnaval baiano antes da criação do bloco,

os desdobramentos que ocorreram com a criação do bloco e os frutos advindos desse importante

fato histórico. Vamos abordar o contexto histórico em que o bloco foi criado, os motivos que

levaram a união daqueles jovens do bairro da Liberdade a fundar o sucesso que hoje é o Ilê Aiyê.

Um grupo de jovens que, imersos no mundo da cultura negra tradicional na Bahia – os

candomblés e sambas – moradores de um bairro popular e majoritariamente negro

apropriadamente chamado Liberdade, seduzidos pela “onda soul” que atravessou o país

empolgando a juventude negra no final dos anos 70, inspirados pelas lutas globais de

emancipação racial; resolvem formar um bloco só com negros, o “Ilê Aiyê”, mundo negro numa

tradução livre. Este ato inaugural é o ponto de partida para o início das interpretações sobre as

mudanças na identidade negra e nas relações raciais. Como costumo dizer, “antes os negros só

serviam para carregar alegorias”. O Ilê Aiyê surge dentro do Ilê Axé Jitolu, com as bênçãos da

Yalorixá Hilda Jitolu, com a intenção de mudar o paradigma do carnaval de Salvador. Ao longo

dos seus 40 anos, abordou vários assuntos ligados à temática negra, nos seus temas de carnaval.

Temáticas que nunca estiveram contidas nos currículos escolares do Brasil. Assim, de 1976 a

1988 todos os temas do Ilê contaram parte da história do continente negro, como por exemplos:

Watusi, em 1976; Zimbábue, em 1981; Angola, na comemoração dos seus 10 anos, em 1984 e

Senegal, em 1988.

A partir do final da década de oitenta, o bloco começa a voltar-se para a questão educacional.

Sobre influência da Yalorixá Hilda Jitolu, é criado, dentro do seu Ilê Axé Jitolu, a Escola Mãe

Hilda. As práticas educacionais existente na Escola Mãe Hilda, desde 1988 se torna o foco

principal da Lei 10.639/03, promulgada pelo Presidente Lula e que obriga a inclusão das

histórias de lutas e resistências povo negro no currículo escolar.

Em 1992 o bloco criou a Banda Erê, a principal ação educativa voltada para as crianças e jovens

do Ilê Aiyê, no Curuzu-Liberdade. Este processo educativo começou com aulas de percussão

para meninos como forma de envolvê-los em uma atividade lúdica e, ao mesmo tempo,

propiciar-lhes o acesso ao mundo da cultura negra produzido pelo Ilê Aiyê.

Em 1997 foi criada a Escola Profissionalizante do Ilê Aiyê que faz parte da estratégia da

Entidade de consolidar o seu projeto de autossustentação.

A Criação do Ilê Aiyê, em meados da década de setenta, desencadeou a criação de outros blocos

afro, o que mudou a configuração do carnaval de Salvador a partir da década de oitenta.

O seu trabalho é de fundamental importância para o Ilê Aiyê que desde a sua fundação tem como

objetivo narrar histórias do povo negro, para que através da consciência e educação conheçamos

a verdadeira história.

Desejamos a todos e todas boas músicas e mais um bom Festival de Música Negra do Ilê Aiyê

que ocorrerá nos meses de outubro, novembro e dezembro.

Axé,

Antonio Carlos dos Santos Vovô

ILÊ AXÉ JITOLU – MÃE HILDA JITOLU – ILÊ AIYÊ DO CURUZU

Breves Antecedentes para Relembrar

Mãe Hilda Jitolú – Guardiã da Fé e da Tradição Africana. Eterna guardiã e líder espiritual do Ilê

Aiyê.

“… Yá Hilda Jitolu, Obaluaê

Meu candomblé, meu tripé

Minha Mãe Hilda adupé…”

Comando Doce, de Juracy Tavares e Ulisses Castro

Em 1923 nasce uma liderança sócio-cultural-religiosa predestinada, a um especial lugar no

mundo. Ela fez história, preservou culturas, educou gerações: Hilda Dias dos Santos Jitolu, Mãe

Hilda, senhora de saberes, senhora de Ilês.

Em 1950, ela casou-se com Waldemar Benvindo dos Santos, dessa união nasceram cinco filhos:

Antonio Carlos Vovô, Hildete Valdevina – Dete Lima, Vivaldo Benvindo; Hildemaria Georgina,

Hildelice Benta – todos dos Santos, por nascimento e por escolha da região do candomblé.

Em 1942 Mãe Hilda se torna yaô iniciada pelo seu Pai de Santo, o Babalorixá Cassiano Manoel

Lima, que lhe confere a sua digina de origem do Gêge Mahi. Em 1952 nasce um novo Egbé na

Bahia: o ILÊ AXÉ JITOLU.

“Daí segui minha estrada” – Hilda Jitolú

A família, o Egbé, cresceu entre seus filhos e filhas biológicos e espirituais, que seguem a

religião da então Iyá, e pouco a pouco vão se tornando filhos e filhas de Santos Ogans e Ekedes,

dando continuidade à história e memórias, de ações religiosas, culturais e educacionais que aí se

desenvolvem.

Essa história tem suas raízes desde longos tempos, partindo do tradicional Terreiro Cacunda de

Yayá, de onde após a partida do seu Babalorixá Sr. Cassiano Manoel Lima, ela se torna filha

religiosa da Yalorixá Constância, Mãe Tança.

A então Yalorixá Hilda Jitolu, sempre foi uma filha e irmã querida, trocando obrigações, visitas,

bênçãos, amizade, experiência e fundamentos religiosos entre mitos e rituais com sua família de

origem.

É nesse contexto de sabedoria, acolhimento, lições de vida e religiosidade, que se fortalecem as

interações entre Mãe Hilda e seus antepassados e ancestrais.

“… Mãe Preta, 30 anos de fé

Dos quais destinados

Ao culto do candomblé…”

Mãe Preta, de Jailson e Apolônio

Filha de Obaluayê e Oxum, ela vem do gege e do nagô. Ela é do Daomé e da Nigéria, com suas

nações que aqui no Brasil e na Bahia interagem, entre nagôs, bantus, zulus, fulas, cabindas,

mandingas, wolofs, serres, minas, ashantis, entre tantas outras nações, regiões, culturas e

civilizações africanas, do Continente e da diáspora.

A força do Ilê Axé Jitolu ao Ilê Aiyê

Esta é a origem do Ilê Axé Jitolu

Uma fonte de Educação, Cultura, Religião e Cidadania;

Uma mina de Axé que vai se preparando na luta cotidiana;

Um nascente;

Uma casa geradora, criadora;

Uma casa de cultura negra;

Um semeador de vidas, da palavra sagrada, de expressões de fé, entre mitos e rituais, que por sua

vez, alimentam, fortalecem, recriam processos educacionais, manifestações culturais, e

momentos de louvor a quem deve ser louvado, sob a benção e proteção, dos Orixás, Inquinces,

Voduns e Caboclos.

Do Ilê Axé Jitolu nasce o Ilê Aiyê e transcende para o mundo

“… Foi em 1974, se lembra pretinha

Nós dois éramos apenas namorados

Apaixonados, cheio de prazer

Quando vi o Ilê passar por mim

Cantando assim, que bloco é esse…”

Tentação Negra, de Caj Carlão e Suka

É dessa força e dessa energia vital do ILÊ, AXÉ JITOLU que nasce na Bahia, e transcende para

mundo, o Ilê Aiyê em 1974, por iniciativa e liderança de Antonio Carlos dos Santos Vovô, e

Apolônio de Jesus – Popó, com o reconhecido grupo de jovens negros do Curuzu.

O Axé Jitolu e o Ilê Aiyê sob o comando, inspiração e poderes espirituais de Mãe Hilda,

crescem, se ampliam, revigoram esperanças, e ultrapassam horizontes, tornam-se um porto de

abrigo, um verdadeiro ancoradouro para milhares de pessoas na Bahia, no país e em alguns

espaços no mundo, por onde o Ilê vai passando em diferentes continentes; Africano, Asiático,

europeu, americano do norte, sul, central, Caribe e Antilhas;

Tudo começou do Ilê Axé Jitolu para o Mundo. O Carnaval, desde 1975, parte do Terreiro de

Mãe Hilda, o Ilê Axé Jitolu.

“Era um dia de domingo, eu mais Apolônio sentamos no largo, voltando de Itapuã, ficamos

conversando, aí surgiu a idéia de fazer um bloco e foi a primeira vez que surgiu esse termo afro,

bloco-afro. Toda a influência com a questão do black, da música black, do movimento negro

americano, da forma de se vestir e tudo isso. E nós descemos, eu desci, conversei com Mãe, ela

achou a idéia legal.

Era final de outubro, começamos a espalhar a idéia. Aí surgiu o nome. Aí já se voltou tudo para a

África, um nome africano. Fizemos uma enquete. O pessoal sempre votando Ilê Aiyê… Aí

começou a se pensar em ensaio, instrumento. Os ensaios lá em cima na lavanderia, começaram a

surgir as primeiras musicas. Lio fazia a música na época. Lio cantava também. Apolônio fez

musica também. Buziga apareceu. Paulinho Camafeu quando soube do bloco, aí veio aqui, e fez

essa música, uma das três músicas (a gente fazia musica na hora) que é esse clássico hoje, Que

bloco é esse?”. (Falas do Presidente do Ilê Aiyê – Antonio Carlos dos Santos Vovô)

Esse é o bloco quente que você parou pra ver

Ele é o mundo negro, ele é o Ilê Aiyê

Bloco quente, de Apolônio

O diretor Vivaldo dos Santos narrou aos jornalistas sobre a presença ostensiva da polícia em

1975. Eles fizeram uma espécie de “segurança particular”. A fama do pessoal da linha 8, era de

não agredir, mas também não levar desaforo para casa nesse carnaval. A primeira vez que se

cantou “Que bloco é esse?” Para que toda cidade soubesse, que era o Ilê Aiyê, hoje sua passagem

pelo circuito principal da maior festa da cidade é ansiada, valorizada, elogiada. Salvador.

24.02.2001.

HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

“… Eu sou Ilê, sou Ilê Aiyê

Um instrumento da raça

Eu sou negro cultura, sou Ilê Aiyê…”

Instrumento da Raça, de Aroldo Medeiros

Mas como era o Carnaval de Salvador antes da criação do Ilê Aiyê?

O Trio Elétrico foi criado em 1949 por Osmar Macedo e Dodô, desfilando em 1950. Esse fato

histórico abriu caminho para o desenvolvimento do chamado “carnaval participação moderno”

em Salvador. Nessa mesma época, surgem outras organizações no carnaval, a exemplo do Afoxé

Filhos de Gandhi, fundado em 1949, que se tornou uma marca da resistência negra no carnaval.

Nesse período havia blocos de inspiração orientalista como o famoso “Mercadores de Bagdá” e

“Cavaleiros de Bagdá” entre outros. Haviam ainda os chamados blocos de embalo de inserção

territorial em determinados bairros como o “Barroquinha Zero Hora”, “Barrabas” da Liberdade,

os “Miseráveis” da Cidade Baixa, etc. Além disso, despontavam as escolas-de-samba, como os

“Ritmistas do Samba” da rua da Preguiça, A “Juventude do Garcia”, originária da antiga

batucada “Filhos do Garcia”. Em 1963, surgem os “Amigos do Politeama” e os “Filhos do

Tororó”, descendentes do cordão carnavalesco “Filhos do Tororó”. Todas estas organizações

seguiam convivendo com os tradicionais afoxés e mais uma infinidade de entidades

carnavalescas.

“Sorrindo da vida mais linda

Vocês tem que ver

Os crioulos felizes do bloco Ilê Aiyê…”

Vida mais linda, de Buziga e Willians

A reentrada da elite baiana na cena do carnaval de rua enquadrou-se na esfera de lutas por

redefinições de identidade de classe/raça, protagonizadas pelo surgimento dos chamados blocos

de “barão” – ou de classe média branca – como “Os Internacionais”, “Os Lords” e “Os Corujas”.

O primeiro destes blocos de “barão” teria sido “Os Fantasmas” fundado em 1957 por moradores

do bairro do Barbalho. De dissidências deste surgiram “Os Internacionais”, em 1961 e “Os

Corujas”, em 1962, que se consolidaram como os principais blocos da elite até o surgimento dos

blocos de trio nos anos 80.

Além de toda esta variedade, a partir do final dos anos 60 passaram a existir também os blocos

de índio, que seriam fundamentais para a reafricanização, agregando grande massa de jovens

negros de origem popular. Estes blocos de índio tinham uma filiação direta com as escolas de

samba. Integrantes da “Juventude do Garcia”, por exemplo, passaram a constituir a partir de

1966 o “Cacique do Garcia”, primeiro bloco de índio de Salvador, assim com os “Filhos do

Tororó” vieram a constituir os “Apaches do Tororó”.

Nos anos 1970, os clubes carnavalescos não permitiam a entrada de jovens negros, não de

maneira declaradamente racista, mas utilizando a barreira determinada pelos preços altos que os

jovens negros pobres não podiam pagar. Quando começam as mudanças na estrutura econômica

e social com a construção do Centro Industrial de Camaçari, isso resultou numa melhoria das

condições de vida da população. Então, jovens com melhores condições procuravam estes clubes

e a entrada lhes era negada. Um bom exemplo foi o de Fernando Andrade, que teve negada a sua

entrada no Bloco “Os Lords”. O desenvolvimento dos grupos chamados blocos-afro tem sua

origem no Bairro da Liberdade e adjacências. Um grupo de jovens formou o chamado Zorra

Produções, que organizava passeios, campeonatos de futebol e festas. O grupo começou no Ilê

Axé Jitolu influenciado pelo Movimento Afro Americano e pelos processos de independência

dos países africanos.

Esses jovens negros elegem a arena do carnaval como espaço de declinação de um discurso

determinado que fez eco evidente às reivindicações por justiça presentes no manifesto do

“Embaixada Africana” de 1897. O Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê surge na esteira da formação dos

Estados Nacionais Africanos, da luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos, da “onda”

do “Black Rio” e é o responsável por um novo “renascimento” negro-baiano. Investidos de um

discurso eminentemente político contra a discriminação racial, eles saem às ruas no carnaval de

1975, com o propósito de mostrar a cultura negra de origem africana, através da língua iorubá,

indumentárias, penteados, adornos e ritmos africanos fazendo política e cultura no carnaval,

política de ensinar o que era ser negro.

“Kain osé emim, vou descer de Ilê

E para quem não se ligar mogba olorum babá…”

Kain osé emim, de Heron

Em 1º de novembro de 1974, o Ilê é fundado e tem como (espaço físico) o Terreiro de

Candomblé Ilê Axé Jitolu, casa de Mãe Hilda e Vovô, dois dos fundadores, junto com Apolônio,

Jailson, Dete, Lili, Macalé, Ana Meira, Auxiliadora, Sergio Roberto, Aliomar, Vivaldo e Eliete.

O objetivo desses jovens negros, moradores do Curuzu/Liberdade e adjacências, estudantes,

trabalhadores, era se divertirem no carnaval, com uma proposta de bloco que valorizasse as suas

culturas e exaltasse a mãe África. Inicialmente o nome do bloco era ”PODER NEGRO”, mas

como o país vivia na ocasião (1974) um regime de Ditadura Militar, a Polícia Federal, após

algumas horas de interrogatório e pressão psicológica, obrigaram os jovens a trocar o nome, a

fim de que o Bloco fosse inscrito registrado e liberado para sair no carnaval.

O Ilê Aiyê fez a sua primeira aparição em fevereiro de 1975, no tradicional circuito do Carnaval

da Bahia (Campo Grande x Praça da Sé) sob olhares assustados, vaias, tímidos aplausos e um

aparato policial. Os quase cento e cinqüenta jovens negros cantavam uma língua “embolada”,

dançavam uma dança até então proibida (ijexá) usavam tecidos estampados amarrados ao corpo

e cabelos naturais com penteados assustadores!

“… Que bloco é esse? Eu quero saber

É o mundo negro,

que viemos mostrar para vocês.

Somos crioulo doido, somos bem legal…!

Temos cabelo duro… Somos Black Pau!…

Que bloco é esse, de Paulinho Camafeu

Mas, na Quarta-feira de Cinzas, o principal jornal da cidade, o jornal A Tarde, exibiu a seguinte

manchete: “… Uma mancha negra no Carnaval da Bahia… uma nota dissonante no carnaval...”.

A partir desta data, nunca mais Salvador pôde esconder a sua população majoritariamente negra

no Carnaval. O vermelho, o amarelo, o preto e o branco passaram a fazer parte do figurino da

blackitude baiana. O Ilê impôs uma nova estética, abraçada por homens, mulheres e crianças.

Imprimiu um novo jeito de ser negro, mudou o ritmo, o tom e a cor dessa cidade de São

Salvador.

“… Nós conseguimos reunir uma média de cem pessoas fundadores do Ilê Aiyê. Muita gente

ficou com medo de sair por causa da Ditadura. Mas a musicalidade, desde o início alavancou o

Ilê, chamava-se samba de quadra”. (Antonio Carlos Vovô)

“… Todo mundo se envolveu na idéia. Lili vinha fazer inscrição, Auxiliadora, a namorada de

Apolônio, Dete aqui do Curuzu, todo mundo se envolveu, começou a vir gente de fora da

Liberdade. Depois eu mais Apolônio partimos para convidar os Diretores. Lio mesmo, não

andava com a gente, ele veio por causa do bloco, quem andava com a gente era Ademário, o

irmão dele. Nós chamamos Jailson, convidamos Macalé, Ana Meire, Eliete, Vivaldo, Roberto.

(Antonio Carlos Vovô)

Os carros alegóricos do Ilê Aiyê

Visando dar um destaque especial ao Tema e a Rainha do Bloco, o Ilê Aiye criou carros

alegóricos que ficaram para sempre na memória dos foliões. Quem não se lembra dos carros das

Rainhas do Ilê nas décadas de setenta e oitenta? Eram verdadeiras obras de arte feitas por

Raimundo Carvalho conhecido como “Mundinho” e o saudoso Nilton, imbatíveis nas suas

criações: “O Navio Negreiro”, “A Cabaça” e o “Opaxorô”.

OS TEMAS DO ILÊ

“… Saudando Sonho dos Palmares

O Ilê Aiyê se revelou…”.

Sonho de Palmares, de Ary e Evilásio

O primeiro ano de desfile do Ilê Aiyê, fevereiro de 1975, uma das maiores preocupações dos

seus idealizadores, fundadores do Bloco, era a divulgação do nome, seu significado, sua

mensagem, seus objetivos, sua afirmação, chamando atenção da população para aderirem àquele

novo chamamento: __ “O grito da raça”! E o desejo de atrair adeptos e chamar a atenção era tão

grande que os próprios dirigentes se tornavam, naquele momento, grandes compositores a

exemplo de Aliomar, Jailson e Apolônio.

Atrair adeptos para essa grande causa tinha como apelo principal a MÚSICA.

“Aquela moça…

que tá na praça…

tá esperando, o bloco da raça…

quem é ele… vou lhe dizer…”

Aquela Moça, de Nego Tica

As músicas tema do Ilê Aiyê obrigatoriamente tinham um refrão em Yorubá, uma marca

registrada do bloco, indicativo de uma forte relação dos seus compositores com as religiões de

matriz africana. Afinal, a maior herança do Ilê Aiyê era ser filho do Ilê Axé Jitolu de onde o

Bloco as assimilou: valores, princípios, o toque, as cores, a indumentária, os adereços, o estilo e

o respeito ao sagrado.

Anos depois da fundação do Ilê, criou-se uma nova categoria além do samba tema, que foi o

samba poesia, onde o compositor podia se expressar livremente, desenvolvendo conteúdos

musicais de protesto, de elevação da estima de homens e mulheres, da cidadania, etc.

1975 ILÊ AIYÊ 1976 WATUTSI 1977 ALTO VOLTA

1978 CONGO – ZAIRE 1979 RWANDA 1980 CAMERUN

1981 ZIMBABWE 1982 MALI – DOGONS 1983 GHANA – ASHANTI

1984 ANGOLA 1985 DAOMÉ 1986 CONGO

1987 NIGÉRIA 1988 SENEGAL 1989 PALMARES

1990 COSTA DO MARFIM 1991 REVOLTA DOS BÚZIOS

1992 AZÂNIA

1993 AMÉRICA NEGRA O SONHO AFRICANO

1994 UMA NAÇÃO AFRICANA CHAMADA BAHIA

1995 ORGANIZAÇÃO DE RESISTÊNCIA NEGRA

1996 A CIVILIZAÇÃO BANTU

1997 PÉROLAS NEGRAS DO SABER

1998 GUINÉ CONAKRY

1999 A FORÇA DAS RAÍZES AFRICANAS

2000 TERRA DE QUILOMBO

2001 ÁFRICA VENTRE FÉRTIL DO MUNDO

2002 MALÊS – A REVOLUÇÃO

2003 A ROTA DOS TAMBORES NO MARANHÃO

2004 MÃE HILDA JITOLU GUARDIÃ DA FÉ E DA TRADIÇÃO AFRICANA

2005 MOÇAMBIQUE VUTLARE (o saber)

2006 O NEGRO E O PODER “Se o PODER é bom, eu também que o PODER”

2007 ABIDJAN – ABUJA – HARARE – DAKAR – Ah! Salvador se você fosse assim…

2008 CANDACES - As Rainhas do Império Méroe

2009 ESMERALDAS A Pérola Negra do Equador

2010 PERNAMBUCO UMA NAÇÃO AFRICANA

2011 MINAS GERAIS – Símbolo de Resistência Negra

2012 NEGROS DO SUL. Lá também tem!

2013 GUINÉ EQUATORIAL – Da herança pré-colonial a geração atual

Umas das ações mais fortes e concorridas do Ilê nos seus primeiros anos, além dos ensaios no

Barro Preto, eram os festivais de músicas, os quais estavam diretamente ligados aos temas

daquele ano.

“…Cada pedaço de chão

Cada pedra fincada

Um pedaço de mim

Ilê Aiyê, o povo bantu ajudou construir o Brasil…”

Heranças Bantu, de Paulo Vaz e Cissa

Os festivais representavam tudo para o bloco, pois nele além da música que conduziria os foliões

às ruas no Carnaval, reunia os compositores que tinham a oportunidade de expressar os seus

sentimentos africanistas. Os intérpretes fizeram escola na área, um jeito muito especial de cantar

nunca antes visto; todos queriam que a sua música fosse cantada, por isso os Festivais do Ilê

eram muito concorridos e festejados com fogos de artifício, panfletos com as letras das músicas e

torcidas organizadas. Tudo isso produzido pelos próprios compositores e cantores das músicas

concorrentes.

A importância dos Compositores na história do Ilê Aiyê

“… Se me perguntar de que origem eu sou

Sou de origem africana

Eu sou com muito orgulho, eu sou…”

Minha origem, Vicente de Paulo

Foram os compositores os maiores escritores, poetas e historiadores que fizeram “educação de

massa” contando a nossa verdadeira história e elevando a nossa estima, resgatando os nossos

valores, exaltando as religiões de matriz africana, elegendo os nossos heróis e heroínas e

lideranças do passado e da contemporaneidade. Para eles a nossa gratidão, agradecimento

profundo e reconhecimento pelo grande trabalho realizado em prol da afirmação da identidade

do nosso povo.

Expressões como “Barro Preto”, “Coral Negro”, dentre outras, foram criadas por César

Maravilha. O Ilê Aiyê homenageia todos os compositores na pessoa do grande César Maravilha,

com o nome do troféu do Festival de Música, o Pássaro Preto, o cantador, como prova da

referência e importância que ele e todos os compositores tiveram na história do bloco.

“…Para aqueles que nos criticam por despeito

Façam como nós

Procurem alguma coisa inventar…”

Ilê Ilimitado, de Edy Fran

A seguir uma relação com os nomes de alguns desses poetas do passado e do presente: Aliomar

(Lio), Jailson, Apolônio, Jorjão Bafafé, Paulinho do Reco, Cesar Maravilha, Nilton Fernandes,

Mundão, Geraldo Lima, Buziga, Ademário, Môa do Catendê, Beto Jamaica, Miltão, Haroldo

Medeiros, Valfredo Reluzente, Milton Boquinha, Julinho Leite, Valter Farias, Suka, Cuiúba,

Edifran, Edson Xuxu, Valmir Brito, Cissa, Nelson Rufino, Paulinho Laranjeiras, Guiguio,

Marcos Boa Morte, Vicente de Paulo, Alberto Pita, Aloísio Menezes, Tote Gira, Marito Lima,

Nem Tatuagem, Itamar Tropicália, Adailton Poesia, Genivaldo Evangelista, Cláudio do Reggae,

Guza, Eloi Estrela, Gilson Nascimento, Zenilton Ferraz, Jose Carlos Cabelo, Guellwar, Odé

Rufino, De Neve, Reizinho, Gibi e Paulo Vaz.

OS ENSAIOS / A QUADRA

“… Meu filho onde você estava

Já passou da zero hora

Você vem chegando agora…”

Pai e Filho, Valfredo Reluzente

Vale um destaque muito especial, aos ensaios do Ilê Aiyê. Era o espaço de aglomeração da

população negra, espaço de encontro de confraternização. Era o espaço da alegria pelo

reencontro, do falar livre, dos falares e trocas de saberes, da exibição de modas, estéticas,

cabelos, roupas, danças, gingados, criatividades, coreografias. Era o espaço da liberdade de

criação. E era nesse clima que aconteciam os festivais onde compositores e cantores passavam a

ter visibilidade, fama e respeito no mitiê da negrada.

Os diretores fundadores, amigos próximos, adeptos da causa eram os compositores. Surgem

vários cantores, que na verdade ficaram conhecidos como “puxadores de bloco”.

Eram personagens, verdadeiros atores que tinham a capacidade de cantar, conduzir o bloco com

animação, conduzir a massa, a bateria, saudar a todos e incansavelmente sozinho, fizeram uma

revolução no Carnaval da Bahia. A música de Gerônimo, apesar de ser de uma época posterior,

retrata bem essa situação. “Eu sou Negão”, “Meu coração… é a liberdade… Sou do Curuzu…”.

“… O negrume da noite reluziu o dia

O perfil azeviche que a negritude criou…”

Negrume da noite, Paulinho do Reco

Nos três a cinco primeiros anos do surgimento do Ilê Aiyê houve uma revolução, as músicas

produzidas pelo Ilê eram cantadas com o corpo, alma e o coração – elas traduziam a nossa

história – nosso canto era o grito de uma raça e o nosso corpo traduzia tudo isso através da dança

e coreografias que surgiam a cada ano nas “quadras” dos blocos afro.

Miro, César Maravilha, Heron, Lazzo Matumbi, Bailado, Barabadá, Beto Jamaica, Guiguio,

Adelson, Graça Onashilê, Altair (in memórian) e Reizinho são alguns dos maiores e melhores

intérpretes, cantores e puxadores de bloco de estilo próprio de todos os tempos.

No início, os ensaios aconteciam no Curuzu, no espaço que ficou conhecido como senzala do

Barro Preto, no meio da Ladeira do Curuzu. Em meados da década de oitenta, os ensaios

passaram a acontecer no Forte Santo Antonio Além do Carmo, foi lá, em pleno ensaio do Ilê, que

foi gravado o Canto Negro I, o primeiro LP de música afro, em 1985. No final da década de 90, o

Ilê Aiyê volta para o Curuzu, realizando seus ensaios que eram considerados verdadeiras festas

de largo. Em 27 de novembro de 2003, é inaugurado o Centro Cultural Senzala do Barro Preto,

local onde acontecem os ensaios do bloco atualmente.

RAINHA DO ILÊ / FESTA DA BELEZA NEGRA

“… Minha crioula, vou cantar para você

Que estais tão linda, no meu bloco Ilê Aiyê

Com suas tranças e muita originalidade…”

Deusa do Ébano, Geraldo Lima

Quando do surgimento do Ilê Aiyê na década de setenta, negro não era sinônimo de beleza,

principalmente as mulheres negras que ocupavam o último degrau de uma sociedade racista e

machista. Em se tratando de mulher negra, a situação ainda era (e continua sendo) mais grave.

Contudo, desde o seu primeiro ano, o Ilê Aiyê, já pensava em colocar uma rainha no bloco

representando a raça, visto que até então só se via e falava em Rainhas brancas, inclusive nos

blocos Cruz Vermelha e Fantoches da Euterpe. Assim, em 1976, o Ilê tem a sua primeira Rainha

que foi Mirinha, filha de Santo de Mãe Hilda, que muito bem representou a beleza das mulheres

negras naquela ocasião.

No quinto ano de fundação do Bloco, Sergio Roberto, idealizou a Noite da Beleza Negra que

seria uma noite especial somente para a escolha da Rainha. Este evento ocorreu em 1980, uma

festa marcante que dentre várias candidatas foi escolhida Sandra, uma referência na dança afro,

samba duro, samba de caboclo, uma performance que revolucionou a dança afro, sem ferir o

sagrado. Todos se lembram até hoje desta Rainha que ficou como referencia para as Rainhas que

vieram depois.

“… Oh minha beleza Negra

Oh minha Deusa do Ébano

Cultura negra Ilê Aiyê,

escrita no seu corpo nú…”

Deusa do Ébano II, de Miltão

Hoje, a festa da Beleza Negra faz parte do calendário oficial das festas pré-carnavalescas, com

repercussão nacional, atrações musicais locais e de outros estados e nos últimos quatro anos, com

transmissão direta da TVE. São trinta e cinco anos de Festa da Beleza Negra, um evento que tem

como objetivo maior mostrar a beleza da mulher negra através da dança, indumentária, adereços,

penteados, conhecimento da sua ancestralidade e da sua negritude.

Passados 35 anos, temos em vários saldos positivo fruto deste Concurso de Beleza Negra. Hoje

as nossas ex-Deusas do Ébano, dentro do entendimento do Ilê, ainda são majestades

reconhecidas e prestigiadas. Algumas delas estão fora do país – Alemanha, França, Itália. Outras

em outros estados. Algumas se tornaram empresárias e empreendedoras bem sucedidas,

professoras, outras já com mestrado, a caminho do doutorado.

Mas, o mais importante deste concurso é que ele incentivou essas jovens para o estudo e a

pesquisa e motivou as mulheres a conquistarem o seu espaço no mercado de trabalho, na

academia, na sociedade. Foi a maior política de ação afirmativa para as mulheres negras desta

cidade. Esta festa geralmente acontece 15 dias antes do Carnaval.

OS MESTRES DE BATERIA

“… Imagina Ilê, tentaram lavar minha consciência

Dizendo que nada tem a ver

Com esse meu ser revolucionário…”

Jeito de ser, Gibi

Bafo, Carneiro, Neguinho do Samba, Mestre Valter, Mestre Prego, Jacó, Mestre Senac, além dos

mais novos Marivaldo Paim e Mario Pam Rafael Andrade (in memorian) e Carlos Kehindê,

fizeram história e criaram fama com o apito na boca e a baqueta na mão, a frente dos

“batuqueiros dos blocos afro, especialmente do Ilê Aiyê onde tudo começou. Além de ficarem

famosos, se tornaram um marco, uma referência na revolução rítmica que ocorreu no Carnaval

da Bahia – reafricanizaram o Carnaval.

Qual seria a origem desses grandes Mestres? De onde eles vieram? Com certeza eles vieram dos

Terreiros de Candomblé, alabês, tocadores dos 3 tambores sagrados, escolas de samba,

batucadas, afoxés. Oriundos dos Ritmistas do Samba, Vai Levando, Bafo de Onça, Apaches,

Filhos da Liberdade, Cacique do Garcia, Comanches, etc. Esses velhos Mestres de Bateria são os

verdadeiros inventores de uma batida nova, tirada do sagrado e recriada, sem ferir os princípios

religiosos. Tudo que veio depois dos anos setenta, foi em consequência, do que estes gênios de

percussão reinventaram. Eles deixaram uma base pronta para a criação e novas batidas, inclusive

a do samba-reggae, atribuída sua invenção ao Mestre Neguinho do Samba, que como vimos

acima, também teve uma passagem pelo Ilê Aiyê.

“… É tão hipnotizante, negão

O swing dessa banda

A minha beleza negra

Aqui é você quem manda…”

Charme da Liberdade, de Adailton Poesia e Valter Farias

Dois percussionistas da “velha guarda” da Band’Aiyê merecem destaque: Valdir Lascada, com

passagem em várias entidades, dentre elas Apache do Tororó, Comanche, Secos e Molhados,

Cacique do Garcia, Ritmistas, Calouros da barra, Filhos da Liberdade, Vai Levando, Lords,

Corujas, Internacionais, Orquestra Vivaldo Conceição e Reginaldo de Xangô. E o grande Deri do

Ilê que ainda toca com a mesma maestria de outrora.

A riqueza e variedades rítmicas que ecoavam no Carnaval de Salvador, fazia com que, mesmo a

distância, pudéssemos identificar as batidas do Muzenza, do Ilê Aiyê, do Olodum, do Araketu,

da Puxada Axé e do Badauê, inconfundíveis aos ouvidos de qualquer um.

Ao longo desses 40 anos, muitas coisas mudaram “batuqueiros”, “ritmistas” ou

“percussionistas”, seja qual for o nome, como os Mestres ou Maestro de Baterias (que um dia

também foram “batuqueiros”), fizeram uma revolução rítmica nesta cidade. A seguir uma relação

com os nomes dos grandes ritmistas do início da Band’Aiyê: Deri do Ilê, Tico, Gambá, Anselmo,

Jorge Ceguinho, Regi Nigrinha, Ari, Luizinho, Murumba, Val Caçolão, Baiaco, Dinho Maluco,

Bob Cabeça, Eron, João Bocão, Papito, Duricão, Caveirinha, Cabeça Branca, Virgílio, Edinho

Porquinho, Tamanca, Deri Neguinho, Valdir Capenga, Valdir Duzentos, Estivador, Calembê

Mario Tetetê e muitos outros.

Outros personagens que fizeram parte da história do Ilê Aiyê

Jota Cunha, artista plástico que ao longo de 25 anos, foi o criador artístico-visual da identidade

do Ilê Aiyê, Waldeloir Rego, historiador, Radovan, belga que ajudou na escolha do nome do

bloco e Edno, criador da Inebrás Som e responsável pelos primeiros carros de som do Ilê, criador

das orelhas dos trios, tendência que começou com o Ilê Aiyê e hoje é comum em todos os trios

elétricos.

ILÊ AIYÊ – MUITO MAIS QUE UM BLOCO AFRO

“… Te adoro Ilê, tenho orgulho Ilê

É o mais pleno e invulgar respeito

A sua trajetória tornou-se um monumento

“Irreverente dessa nossa história…”.

Ilê para somar, Valmir Brito, Armando Áras e Lavis Meneses

Antônio Carlos dos Santos Vovô, inúmeras vezes afirma entre amigos, em palestras e entrevistas

que o seu maior desejo ao fundar o Ilê Aiyê, era ser apenas um carnavalesco, nada mais. Mas,

com o decorrer do tempo, o Ilê Aiyê se tornou um Centro de referência da comunidade do

Curuzu/Liberdade e adjacências para solução de vários problemas, como por exemplo,

providenciar emprego aos jovens, vagas nas escolas públicas para as crianças, até as mais graves

questões sociais. Por conta disso o Ilê Aiyê tem hoje:

Escola Mãe Hilda

A Escola Mãe Hilda nasce por iniciativa de Mãe Hilda dentro dos espaços do Ilê Axé Jitolu.

Em 1988, algumas crianças com dificuldade de aprendizado vieram à filha de Mãe Hilda

pedindo aulas de reforço escolar. O resultado alcançado fez com que outras mais viessem. Mãe

Hilda, que sempre sonhou fazer de seu terreiro também um espaço de educação formal,

conseguiu, junto ao então secretário de educação, Dr. Edvaldo Boaventura, o mobiliário

necessário para atender às crianças, começando, assim, o funcionamento da escola no barracão

das festas sagradas.

A Escola Mãe Hilda, ao mesmo tempo homenageia a sua fundadora e incorpora à Educação

fundamental a cultura religiosidade negra, e a convivência no interior de um Terreiro de

Candomblé, sob o comando de sua própria diretora Ialorixá, Mãe Hilda Jitolu, incorporando

valores e práticas de Candomblé no cotidiano da Escola.

Hoje a Escola Mãe Hilda oferece educação para os níveis Educação Infantil e Ensino

Fundamental – Ciclo I, ministrados em dois turnos, matutino e vespertino, para crianças na faixa

etária de 07 a 12 anos de idade. Tem como objetivo principal formar cidadãos conscientes e

capazes, oferecendo conteúdos e habilidades necessários à inserção no ambiente social de forma

digna e adota como eixo temático a equidade racial e de gênero.

Nos seus 25 anos de existência, a Escola Mãe Hilda atendeu aproximadamente 2.000 crianças da

comunidade do Curuzu e bairros vizinhos como IAPI, Pero Vaz, Caixa D’Água, São Caetano,

Fazenda Grande do Retiro, Largo do Tanque, dentre outros.

Escola de Percussão Banda Erê

“… Ei não, não, não me deixe aqui

Me leva com você

Menino da Banda Erê…”

Encanta Erê, Guiguio

A Banda Erê é a principal ação educativa voltada para as crianças e jovens do Ilê Aiyê, no

Curuzu-Liberdade, cidade de Salvador. Este processo educativo começou em 1992 com aulas de

percussão para meninos como forma de envolvê-los em uma atividade lúdica e, ao mesmo

tempo, propiciar-lhes o acesso ao mundo da cultura negra produzido pelo Ilê Aiyê.

A partir de 1995, com a criação do Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê, a Banda Erê

passa a ministrar para seus alunos e alunas, conteúdos de cidadania, história, literatura, saúde

corporal, percussão, dança, canto e coral. A Banda Erê torna-se uma escola de arte e educação

voltada para o resgate e expansão dos valores culturais de origem africana.

Além de dar iniciação ao mundo da arte negra às crianças e jovens, a Banda Erê é a principal

fonte de renovação do quadro artístico da Band’Aiyê, a banda profissional do Ilê Aiyê.

A Banda Erê tem em seu currículo apresentações em cidades brasileiras como Porto Alegre, São

Paulo e Rio de Janeiro, além de já ter realizado uma turnê internacional na Alemanha e na

França.

Projeto de Extensão Pedagógica – PEP

Foi criado em 1995 com o objetivo de sistematizar e ampliar as ações educacionais que o Ilê

Aiyê já realiza desde a sua fundação. Nas escolas da rede pública são desenvolvidos cursos para

professores, supervisores e orientadores educacionais, sobre história e a cultura afro-brasileira

com aprofundamento no estudo de questões étnicas e pluralidade cultural. A capacitação é

realizada por educadores do projeto citado.

“Elevar a autoestima é a sua missão

Consciência negra é a sua sina

Fabricando interlocutores de cidadania

Mostrando pro mundo desigual, a covardia…”

Diferentes, mas iguais, de Mario Pam e Sandro Teles

Escola Profissionalizante do Ilê Aiyê

Ao observar a crescente dificuldade dos jovens em capacitar-se para o mercado de trabalho, o Ilê

Aiyê resolveu ampliar suas atividades na área pedagógica criando uma Escola que permitisse a

estes jovens acesso a uma formação profissionalizante, de forma gratuita, e dessa forma

aumentando suas possibilidades de realização pessoal e profissional. Permitindo-lhes, inclusive,

o exercício profissional como autônomo. Exercício este que os transforma, no decorrer do tempo,

em fonte geradora de empregos.

E assim, em 1997 foi criada a Escola Profissionalizante do Ilê Aiyê. Ela faz parte da estratégia da

Entidade de consolidar o seu Projeto de auto-sustentação. Além das aulas práticas dos cursos

profissionalizantes e teóricas de matemática e português são ministradas aulas de cidadania onde

a questão da história do negro e do racismo é visualizada. A escola oferece os cursos de Estética

Afro e Eletricidade Predial, tendo como pré-requisitos básicos jovens na faixa etária entre 18 e

29 anos e que estejam cursando o ensino médio ou tê-lo concluído. As aulas são ministradas de

segunda a sexta, na sede do Bloco o Centro Cultural Senzala do Barro Preto, na Rua do Curuzu.

Outros cursos oferecidos são os de confecção de calçados, bolsas e acessórios, informática, corte

e costura e ajudante de cozinha.

Os valores que orientam as lições de vida do Ilê Aiyê

“… A esperança do povo

Que vivesse num mundo melhor

Liberdade, igualdade e respeito

Eu quero direitos, sem preconceito…”

Esperança de um povo, de Reizinho

Os valores que orientam a formação das pessoas no bloco são culturais-religiosos, a fé na vida e

nas pessoas, a confiança em si e nas outras pessoas, a fé, sobretudo, na força e proteção dos

ancestrais, o respeito pelo ser humano, pelas pessoas mais velhas, pelos que precisam de

incentivo à coragem, à disposição para as lutas, a partilha, a troca, a solidariedade, a vida em

comunidade.

“Se não fosse Ilê Aiyê

A onda onde mergulhamos e trocamos beijos

O que seria de mim o que seria de você…”

Romance do Ilê, de Tote Gira

AH! SE NÃO FOSSE O ILÊ AIYÊ

“A força de nossa cultura vai chegar a qualquer parte do mundo”. Acredita o nosso Presidente

Vovô, para ele tempos de dificuldades renova resistência.

E nessa perspectiva que estamos celebrando nossos 40 anos de resistência no Ilê Aiyê. Entre

vida, resistência, trabalho, muita luta de superação dos obstáculos, sobretudo aqueles que dão

origem a filosofia do bloco: a preservação da cultura negra, o respeito e o crescimento das

religiões de origens africana e afro-brasileiras, a autoestima, a consciência negra, e

principalmente os alicerces que constituem a luta do combate ao racismo e as desigualdades

raciais hoje continuadas através das Ações Afirmativas, inclusive a lei 10.639/2003.

É essa ancora de forças, que sustenta o Ilê Aiyê, na crença a cada dia renovada nos Orixás,

Inquinces, Voduns e Caboclos.

“… Se escurecer

Pode dizer que é o Ilê

É tão bonito demais

Amanhecer com você…”

Argeu Portela

O Ilê Aiyê é referência para o povo negro na Bahia e no Brasil

“A semente foi semeada

No Barro Preto Curuzu

Germinou nasceu Ilê Aiyê…”

Nação Ilê, de Lucinha Ouro Preto.

Esta fase retrata as contribuições do Ilê para a Bahia e o Brasil a se enxergarem como nações

negra e mestiça:

Reafricanização do Carnaval da Bahia, música dança, ritmo, toque, moda, estética,

colorido, adereços e figurino;

Os Trios Elétricos aderiram aos atabaques;

Abriu espaço para o surgimento de mais de cinqüenta blocos afros e afoxés nos anos 80;

Valorização e respeito através de seminários, debates, campanhas, temas do bloco,

músicas e homenagens:

As religiões de matriz africana

Baianas do acarajé, feirantes

As yalorixás e babalorixás

Através das letras das músicas:

Elevou a estima das mulheres e homens negros

Descortinou os nossos heróis e heroínas negros

Recontou a nossa verdadeira história

Louvou e ovacionou os verdadeiros heróis e heroínas da nossa história de

resistência negra

Cantou a epopéia de Zumbi dos Palmares e ajudou o governo reconhecer o 20 de

novembro como data nacional de referência da luta negra no Brasil

Foi o primeiro Movimento Negro Organizado na Bahia após o golpe da ditadura militar,

na década de 60 e deu lastro para o surgimento de muitas outras instituições de caráter

sócio-racial. Além, de ser palco e plateia principais para o MNU difundir as suas

diretrizes, objetivos e proposições;

Encabeçou o movimento para que a Bahia fosse o 1º Estado Brasileiro a incluir nos

Currículos das escolas de 1º e 2º graus o ensino de História Africana e Afro Brasileira

(1986);

Responsável e pioneiro na formação de percussionistas, compositores e maestros de

blocos afro;

Responsável por uma escola de puxadores e cantores de bloco-afro, inimitáveis nas suas

formas de cantar e interpretar: Cesar Maravilha, Heron, Bailado, Barabadá, Lazzo

Matumbi, Guiguio;

Primeiro bloco afro que oportunizou uma mulher na em sua ala de canto (Graça

Onashilê);

Primeiro bloco afro a realizar capacitação para professores da rede pública estadual e

municipal na área da temática africana e afro-brasileira;

“Cadernos de Educação do Ilê”, fruto dos Temas de Carnaval, foram os primeiros

materiais didáticos que chegaram às escolas para subsidiar os professores para o ensino

da História e Cultura Africana e Afro-brasileira;

Nossas identidades continuariam escondidas, manipuladas, escamoteadas, negadas,

agredidas;

Nossas vestimentas não teriam a nossa alegria de vestir vermelho, amarelo, preto;

Nossas cores não seriam reconhecidas, respeitadas, vizibilizadas;

Nossas línguas ancestrais, de nossos antepassados continuaram dialetizadas, consideradas

crioulos;

Nossas belezas continuariam a ser negadas, desrespeitadas, desmerecidas, zombadas,

descaracterizadas;

Nossa feminilidade continuaria a ser estuprada, explorada, escravizada;

Nossa história continuaria negada, distorcida, escondida, colonizadas. Mitos e

preconceitos esconderam por muito tempo, o verdadeiro rosto da África;

Nossa cultura continuaria ser folclorizada, relegada a momentos de folguedos, pintada

para motivos de divertimentos e zombaria;

Nossa inteligência continuaria a ser considerada menor, desvalorizada, reduzida,

hierarquizada;

Nosso ritmo ainda seria ocidentalizado, negando o nosso gosto pelo ijexá que vem da

África;

Os poderes públicos continuariam a relegar a um plano inferior as manifestações culturais

e religiosas não ocidentais, não europeias;

As gravações de nossas músicas continuariam subjugadas às imposições dos que detém o

poder da mídia, das gravadoras, das empresas que tratam da difusão da música, da cultura

e da religião no país;

Nossa religião continuaria a ser desconsiderada, desrespeitada, interpretada como

feitiçaria, magia, macumba;

São Inúmeras as contribuições que o Ilê proporcionou com o seu surgimento, teimosia insistência

e persistência numa cidade tão negra, contudo tão racista. As demais contribuições,

desdobramentos e avanços a partir do surgimento do Ilê e outras entidades, fica a critério de cada

um de nós que poderá traçar uma “linha do tempo”: antes do Ilê e depois do Ilê.

“… Eu não tenho a força só porque sou o primeiro

É simplesmente por ser ilê

O quilombo dos negros de luz…”

Negros de luz, Xuxu e Cuiúba