iii – pobreza e exclusÃo...

30
III – POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL

Upload: vuongdung

Post on 09-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

III – POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL

85 Brasil: o estado de uma nação

III – POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL

fato amplamente conhecido que as desigualdades socioeconômicas noBrasil destacam-se como das mais elevadas entre os países do TerceiroMundo. Mais do que isso, evidências há de que nos últimos 50 anos essas

desigualdades1 tenham se mantido com surpreendente estabilidade, apresentandoapenas na última década e de forma ainda bastante incipiente, ainda quealvissareira, pequena redução em seus níveis.

Alguns dos resultados obtidos na última década são animadores no que se refereà evolução dos indicadores sociais brasileiros. Com exceção do setor desaneamento, os demais indicadores de acesso aos serviços básicos de saúde,educação, habitação e transportes mostraram importantes progressos, revelandoque, mesmo com reduzido crescimento econômico, as ações públicas tiveramresultados efetivos e animadores. Como conseqüência, mantidos os níveis deinvestimentos da última década e as atuais tendências demográficas, a taxa demortalidade infantil, que se reduziu de 52,0 mortos com menos de um ano deidade por grupo de 1000 nascidos vivos em 1989 para 30,1 em 2000, deverá sereduzir para cerca de 6,4 em 2050.

A questão básica que se coloca neste cenário é se apenas o crescimentoeconômico – como o obtido em 2004 e o que se prenuncia para 2005 – é suficientepara reverter o quadro de desigualdade e reduzi-lo de forma consistente. A retomada do crescimento, mesmo que moderada, se sustentada por alguns anos,certamente deverá produzir efeitos positivos na redução da pobreza e em suas maistrágicas manifestações, a indigência e a fome, mas são pouco conhecidos seusefeitos sobre as desigualdades.

Dessa forma, o crescimento econômico deve ser visto como condição necessáriapara reduzir a pobreza e elevar a qualidade de vida no país, em particular, nasgrandes metrópoles brasileiras, mas não suficiente. A prazo mais longo, a questãocentral se resume na identificação dos requisitos necessários e suficientes paragarantir a sustentabilidade de um novo ciclo de expansão da economia brasileiracom efetiva e contínua redução das desigualdades de bem-estar.

1. A POBREZA E A EXCLUSÃO SOCIAL SÃO REALMENTE ELEVADAS NO BRASIL?

Pobreza e exclusão social são difíceis de definir e medir. Ambas são situações queapresentam múltiplas dimensões e tendem a se modificar em função do momentohistórico, das condições da economia, de fatores culturais e das diversidades regionais.

86Brasil: o estado de uma nação

Mobilidade social – É adescrição dos movimentosde um indivíduo ou grupode indivíduos segundo araça, idade, níveleducacional etc., entrediferentes segmentos,camadas ou estratos dasociedade. Pode referir-se aindivíduos de uma mesmageração (intrageracional) ouentre indivíduos (porexemplo, com vínculofamiliar) referentes agerações diferenciadas notempo (intergeracional). Na prática, a maioria dosestudos sobre mobilidadesocial preocupa-se comidentificar a direção(ascendente, descendente ouneutra) e a intensidade dosdeslocamentos entreestratos de renda, gênero,raça e posição no mercadode trabalho.

Na prática, a pobreza é associada àinsuficiência de renda. Diz-se, por-tanto, que um indivíduo ou umafamília é pobre quando a soma de seusrendimentos não lhe permite satisfazeras necessidades básicas de alimen-tação, transporte, moradia, saúde eeducação. Por sua vez, exclusão social éinterpretada de maneira mais ampla eabrange, além da renda, restrições àmobilidade social (intra e inter-gerações) derivadas de condições comoraça, sexo, tipo de ocupação, condiçãosocioeconômica, além de fatores cultu-rais, institucionais e políticos.

1.1. Pobreza: como medir?

A insuficiência de renda é um critériofácil de ser entendido como elementodeterminante da pobreza. Mas comomedi-la? A forma mais utilizada parte docusto de uma cesta básica de alimentosconsiderada adequada do ponto de vistanutricional e/ou calórico. Em seguida,supondo que a alimentação deverepresentar aproximadamente metadedo orçamento necessário para oatendimento de todas as necessidadesbásicas, estima-se a renda mínimanecessária para superar a condição depobreza. Essa renda passa a serconhecida como a “linha de pobreza”.

É evidente que esse procedimentocontém um grau razoável de subje-tividade, uma vez que tanto acomposição da cesta como o seu custovariam em função do clima, de hábitosalimentares regionais e de fatoresculturais, entre outros. Além disso, aestimativa dos recursos necessáriospara o atendimento das demais neces-sidades básicas que não as alimentaresé arbitrária e também varia regional-mente. Por esse motivo, as estimativasfeitas no Brasil quanto ao número depobres apresentam grande discre-

pância, pois dependem dos critériosutilizados por cada pesquisador.

No Brasil, uma referência básica paracaracterizar a insuficiência de renda é ovalor do salário mínimo. Assim, podemser considerados pobres aqueles cujarenda é inferior a meio salário mínimo.Entre os pobres, são considerados indi-gentes aqueles cuja renda não é sequersuficiente para se alimentarem adequa-damente. Por esse critério, seriamindigentes os indivíduos que ganhassemmenos de uma quarta parte do saláriomínimo. Aplicado a domicílios, esse mes-mo procedimento toma por base a rendapor morador, supondo uma ocupaçãomédia de quatro pessoas por domicílio.

Além dos diferentes critérios paradefinição das linhas de pobreza eindigência, a medição desses fenô-menos pode apresentar resultadosdiversos, ainda que se utilizem asmesmas fontes estatísticas, censosdemográficos e as Pesquisas Nacionaispor Amostra de Domicílios (Pnads),dependendo da forma como os dadosdemográficos e monetários são trata-dos. Assim, por exemplo, quando sãoutilizados dados das Pnads, tende-se asubestimar os quantitativos de pobrese indigentes, tendo em vista a nãocobertura de algumas áreas rurais daregião Norte. De forma similar, varia-ções na forma de cálculo do valor realda renda implicam diferentes mensu-rações da pobreza e da indigência (verRocha, setembro de 2004).

Como não há uma metodologiapadrão para definição da linha depobreza, adotou-se como referência osalário mínimo, posto que é oparâmetro utilizado nas regras deelegibilidade da maioria dos programassociais de governo, em particularaqueles destinados à transferência derenda. Para efeito de comparabilidadeno tempo, adotou-se como salário

87 Brasil: o estado de uma nação

Os censos demográficos ou pesquisas especiais, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios(Pnad), a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) ou a Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV), divulgadasnas publicações oficiais do IBGE, são as fontes das estimativas sobre a pobreza no Brasil. A análise desseconjunto de informações socioeconômicas possibilita a montagem de um quadro bastante completo daevolução e das causas da pobreza no país nas últimas décadas. Contudo, eventuais alterações na definiçãodos conceitos básicos, mudanças nos desenhos das amostras ou intervalos de tempo irregulares naaplicação das pesquisas criam problemas para fazer comparações e dificultam o encadeamento das sérieshistóricas.

O desenho das amostras utilizadas nas pesquisas especiais, como a Pnad, a POF e a PPV, assegura arepresentatividade estatística das informações coletadas nas nove regiões metropolitanas criadas pelasLeis Complementares nº 14, de 8/06/73, e nº 20, de 1/07/74, e que mais recentemente incluíram o DistritoFederal. As informações das Pnads são divulgadas segundo quatro níveis de agregação, a saber: Brasil,regiões metropolitanas, áreas urbanas não metropolitanas e área rural. Convém lembrar, entretanto, que,para fins de análise, o agregado “urbano não metropolitano” representa um somatório muitoheterogêneo de cidades e vilas, independentemente de tamanho, estrutura ou localização geográfica.

QUADRO 1 – Em que se baseiam as estimativas sobre pobreza no Brasil

mínimo de “referência” aquele vigenteem setembro de 2002 e, para os outrosanos, obteve-se o salário mínimoequivalente, ou seja, de igual poderaquisitivo, deflacionando-se o seu valornominal pelo respectivo INPC nacional.

Com base no critério descrito,estima-se que, em 2002, cerca de 49milhões de pessoas e 10 milhões dedomicílios brasileiros poderiam serconsiderados pobres, algo em torno de29% da população do país e 22% detodos os domicílios daquele ano. Dessaparcela, 18,7 milhões de pessoas e 3,7milhões de domicílios seriam classifi-cados como indigentes ou em condi-ções de pobreza extrema2.

1.2. Faces da exclusão social

A noção de exclusão social é bemmais abrangente do que a de pobreza.É usual o entendimento de que esseconceito representa fenômenos multi-dimensionais e deve, portanto, sercaracterizado por seus principais atri-butos. Assim, além do critério darenda, deve incorporar fatores (econô-micos e não econômicos, entre eintergerações) tais como moradia,condições de educação, saúde, nutri-ção, lazer etc. capazes de restringir oacesso, no presente ou no futuro, doindivíduo ou da família a níveis debem-estar mais elevados.

Nesse sentido, a exclusão socialpode ser entendida como um me-canismo ou conjunto de mecanismosque fazem com que um indivíduo oufamília, independentemente de seuesforço ou mérito, esteja limitado emsua possibilidade de ascensão socialpresente ou tenha artificialmentereduzida a probabilidade de ascensãofutura. O fenômeno da exclusão socialassim estaria associado a mecanismosinstitucionais, políticos e culturais quepodem impor restrições à mobilidade

social efetiva ou potencial devido afatores como posição do indivíduo nomercado de trabalho, escolaridade, cor,sexo e origem socioeconômica. Issopara não falar em outros aspectos nemsempre levados em conta, como oexercício do direito à cidadania e umaampla participação política.

A exclusão social pode também servista sob um outro enfoque, ou con-ceito associado à idéia de “vulnera-bilidade social” (Cohn, 2004). Nessecaso, a exclusão social refere-se à

88Brasil: o estado de uma nação

marginalização de determinados seg-mentos sociais (em geral pobres combaixa escolaridade, negros e mulheres)em relação aos benefícios gerados pelodesenvolvimento. Em qualquer doscasos, o fato é que exclusão social estáintrinsecamente associada à noção demobilidade social.

1.3. A questão da mobilidade social

A mobilidade social no Brasil foiintensa ao longo do século XX, comoafirmam Pastore e Valle Silva (2004).Dos anos 50 aos 70 predominaram asoportunidades de ascensão criadaspelo mercado de trabalho, configu-rando um tipo de mobilidade “estru-tural”. Nas décadas seguintes, passou aprevalecer a mobilidade do tipo“circular” ou por trocas. Com isso, parauma pessoa subir é necessário queoutra libere uma vaga. Tal mudançaestaria indicando que o mercado estáse tornando mais competitivo e sugereque qualificação, educação e com-petência são hoje requisitos do mer-cado de trabalho mais relevantes doque costumavam ser no passado.

Do ponto de vista da relação entremobilidade e geração, Pastore e ValleSilva apontam para o que chamaram de“encolhimento” da base da pirâmidesocial. Ou seja, em 1973 o percentualdos chefes de família que pertenciam aoestrato baixo inferior (especialmente nomeio rural) era maior do que opercentual dos seus filhos que seencontravam, 25 anos mais tarde, nessemesmo estrato inferior. Esses autoreschamam ainda a atenção para oaumento da participação relativa dosestratos médios e para os significativosganhos na posição relativa (25%) dotopo da estrutura social brasileira(estratos alto e médio superior).Segundo eles, “a crescente raciona-

lização dos processos produtivos, arevolução tecnológica e o aumento dacompetição exigirão uma substancialmelhoria na qualidade do fator trabalhopara que a ascensão social prossiga”.

Outro estudo, que aborda o período1973 – 1996 (Scalon, 1999), ressalta aassociação entre mobilidade social ecrescimento da economia. Como resul-tado do rápido processo de industriali-zação e urbanização ocorrido nadécada de 70 e das novas oportuni-dades de emprego, a mobilidade socialaumentou significativamente entre1973 e 1982. Com a interrupção dodinamismo da economia, não foramregistrados novos avanços nas décadasseguintes. O comportamento da taxade mobilidade pode ser visto no gráfico1, que também destaca o ganho obtidopelas mulheres entre 1982 e 1988,período em que se beneficiaram docrescimento do emprego público.

A análise do comportamento dataxa absoluta de mobilidade socialindica o progresso na escala dahierarquia social. Ou seja, mostra, emcada grupo, a porcentagem de filhosque alcançaram posições mais elevadasdo que as de seus pais. Ela deve sercomplementada com outra medida decaráter relativo – a de desigualdade deoportunidades de progresso social –que mede as chances de filhos de paismais bem situados na escala dahierarquia social de permanecerem nasmesmas posições de seus pais emcontraposição às chances de filhos depais que ocupavam os níveis inferioresdessa escala ascenderem ao seu topo.

Quando se comparam a origem dospais e o destino dos filhos para osdistintos grupos sociais, evidencia-seque a desigualdade de oportunidadesde ascensão social também diminuiudurante o “milagre econômico” dosanos 70 (Costa Ribeiro, 2004). Em 1973,

89 Brasil: o estado de uma nação

as chances de filhos de profissionaisliberais e de administradores de altonível permanecerem nessas posições era2.600 vezes maior do que os filhos detrabalhadores rurais chegarem lá. Avantagem dos primeiros caiu para 500vezes em 1996, embora ainda sejamuito elevada. A melhoria foi maisacentuada para as mulheres: avantagem das filhas do primeiro grupocaiu para 300 vezes em 1996, emrelação às filhas de trabalhadores rurais.

Apesar da melhoria observada, asdesigualdades de oportunidades deascensão social no Brasil são grandesquando comparadas a outros países,como pode ser visto no gráfico 2. Nele,quanto maior é o coeficiente queassocia a origem dos filhos e o destinodos pais, menor é a chance relativa demobilidade. Um coeficiente igual àunidade indica que os filhos estariamocupando a mesma posição de seuspais. Vê-se, portanto, que na segundametade dos anos 90 a sociedadebrasileira era ainda mais rígida do que

as sociedades européias no início dadécada de 70, e bem mais rígida do quea sociedade chilena do início desteséculo (Costa Ribeiro e Scalon, 2001).

Estudos recentes mostram ainda quepersistem as dificuldades de ascensãosocial entre os brasileiros negros. Elescomprovam que os indivíduos negros epardos nascidos nos estratos mais altosda estrutura social brasileira (pessoal denível superior, gerentes, assessores etc.)correm mais risco de descer na estruturasocial do que as pessoas brancas,independentemente da escolaridade.

Quando os dados sobre pobreza eexclusão social no Brasil são comparadoscom os de países de renda média porhabitante equivalente à brasileira,conforme o critério adotado pelo BancoMundial (ver tabela 1), nossos índicespodem ser considerados bem elevados.Isso indica que as dificuldades paraavançar na redução da exclusão social nopaís são consideráveis, a despeito dadiminuição no número de pobresocorrida na última década.

Paísesseleciona-

dos na categoriade renda

médiainferior

90Brasil: o estado de uma nação

Tabela 1 – Indicadores sociais para países selecionados da categoria de rendamédia inferior

Pop, total (1000 hab.)

(2003)

Renda per

capita(US$) (2003)

Médiaanual decresci-mento

da rendaper capita

(%), (1990-2003)

Taxa demortalida-de infantil

<1 ano(2003)

% deAdultosalfabeti-

zados(2000)

Apropria-ção darendadom.

pelos 40%inferiores

(1992-2002)(%)

% da Pop,

abaixo de US$ 2 por dia

Gastosdo gov.central

alocados à Saúde(1992-2004)(%)

Gastos do gov.central

alocados à Educação

(1992-2004)(%)

Fonte: Unicef, "Childhood under Threat. The State of the World´s Children 2005"; ILO, "World Employment Report 2004-2005,Poverty, Income and Working Poor", World Development Indicators,Data-Query.Obs.: A população abaixo de US$2 por dia representa as percentagens da população vivendo com menos de US$ 2,15 por dia aospreços internacionais de 1993.

Bolívia 8.808 890 1,0 53 85 13 34,3 9 24

Brasil 178.470 2710 1,2 33 87 8 22,4 6 6

China 1.304.196 1100 8,5 30 85 14 46,7 0 2

Egito 71.931 1390 2,5 33 55 21 43,9 3 15

Irã 68.920 2000 2,4 33 76 15 7,3 6 7

Peru 27.167 2150 2,1 26 90 11 37,7 6 7

Romênia 22.334 2310 0,5 18 98 21 20,5 15 6

Turquia 71.325 2790 1,3 33 85 17 10,3 3 10

Ucrânia 48.523 970 -4,7 15 100 22 45,7 3 7

91 Brasil: o estado de uma nação

Indicadores sociais – São asestatísticas da realidadesocial do país, em saúde esaneamento básico,educação, trabalho erendimento, domicílios,famílias, grupospopulacionais e trabalho decrianças e adolescentes,entre outros aspectos.Servem como base paraorientar políticas públicas eavaliar sua eficácia notempo. O principal órgão deapuração de indicadoressociais no país é o InstitutoBrasileiro de Geografia eEstatística (IBGE), mas háindicadores importantes nosministérios e instituiçõespúblicas e privadas,nacionais e internacionais.

Renda domiciliar/familiarper capita e rendaindividual/pessoal – A renda domiciliar oufamiliar per capita é obtidadividindo-se a renda total(de todas as fontes) dasfamílias/domicílios pelonúmero total de membrosdas famílias/moradores dosdomicílios. A rendaindividual ou pessoal éestimada dividindo-se osomatório de todas asrendas das pessoas pelonúmero total de pessoas.

2. O QUE MUDOU ENTRE 1993 E 2002?

2.1. Direitos constitucionais e estabilidade monetária

Vários fatores contribuíram decisiva-mente para a evolução positiva dosindicadores sociais na última década,entre eles a ampliação dos direitossociais na Constituição de 1988 e apreservação do poder aquisitivo dapopulação possibilitada pela estabili-dade monetária alcançada pós-real.

Do ponto de vista dos indicadores depobreza, assim como dos atributos dospobres e indigentes, o efeito dos fatoresmencionados pode ser aferido por meiode informações sobre a evolução e acomposição do rendimento pessoal edomiciliar, levantadas pelas Pnads emáreas metropolitanas, áreas urbanas nãometropolitanas e áreas rurais3, para osanos de 1993, 1996, 1999 e 2002. Asdatas selecionadas permitem observar ocomportamento da renda per capitaindividual e familiar em momentosrecentes da economia brasileira: 1993(pré-Plano Real), 1996 (consolidação doPlano Real), 1999 (final da década etransição para a retomada do cres-cimento) e 2002.

Convém assinalar que, além dascondições da economia, o comporta-mento da renda per capita é influen-ciado:

• por fatores de natureza demográ-fica, como o número de depen-dentes e de membros da famíliaque participam do mercado de tra-balho; em momentos de criseeconômica, por exemplo, geral-mente aumenta a participação demembros da família no mercado detrabalho para compensar a quedano rendimento familiar;

• pela variação dos rendimentos dotrabalho devido à produtividade damão-de-obra, legislação trabalhista,salário mínimo etc.;

• pelas transferências de renda decor-rentes, na sua maioria, dos direitossociais previdenciários ou assisten-ciais (a chamada rede de proteçãosocial4); e

• pela distribuição agregada da rendada economia.

Os gráficos 3, 4 e 5 mostram aevolução da renda per capita, respecti-vamente, do total dos domicíliosbrasileiros, dos domicílios pobres e dosdomicílios indigentes, em valores abso-lutos para o Brasil e para as regiões me-tropolitanas, áreas urbanas não-metro-politanas e áreas rurais, nos anos sele-cionados do período 1993-20025. A tabela 2 complementa esse quadro,enfocando o crescimento percentualda renda per capita para as mesmascategorias, com base no valor de 1993.

Em primeiro lugar, note-se que arenda domiciliar per capita do total dedomicílios brasileiros apresentou ummodesto crescimento real, de apenas6,6% no período 1993-2002, em con-sonância com o fraco desempenho daeconomia na década. No mesmo perío-do, entretanto, a renda dos pobrescresceu 11,6% e a dos indigentes,14,2%6, revelando a tendência decli-nante da incidência da pobreza. Alémdisso, os dados revelam ganhos dosindigentes dentro do grupo dos pobrescomo um todo.

Outra constatação importante re-sulta da comparação entre domicíliosrurais. Enquanto o rendimento médiodo conjunto dos domicílios ruraisbrasileiros caiu entre 1993 e 2002 (-5,8%), os ganhos mais notáveis derenda real per capita ocorreram nosubconjunto dos domicílios pobres

92Brasil: o estado de uma nação

(17,2%) e indigentes (20,4%) localiza-dos no meio rural. Isso em grandeparte é explicado por aumentos reaisno valor das aposentadorias detrabalhadores do campo. Como reflexodo reduzido desempenho econômiconas principais atividades industriais, o

crescimento da renda média dosdomicílios metropolitanos brasileiros(2,8%) situou-se bem abaixo da médianacional e, portanto, bem abaixo dosganhos de renda real dos domicíliosmetropolitanos pobres (3,6%) e dosindigentes (4,2%).

93 Brasil: o estado de uma nação

Tabela 2 – Índice de evolução da renda familiar per capita, 1993-2002

Estratos de renda

Índice de evolução da renda familiar per capita 1993-2002 (base 1993=100)

Unidades espaciais 1993 1996 1999 2002

Fonte: Pnad. Elaboração: Afonso Arias.Nota: (*) Pobres e não-pobres. A rigor as estimativas enviesam os verdadeiros valores da renda domiciliar per capita para o paíscomo um todo, uma vez que a cobertura dos municípios brasileiros na Pnads é parcial para o agregado rural.

1. Pobres 100 103,0 105,5 111,61.1. Regiões metropolitanas 100 108,9 102,6 103,61.2. Urb.n-met. 100 100,7 104,11 107,71.3. Rural 100 100,9 109,4 117,2

2. Indigentes 100 96,2 106,1 114,21.1. Regiões metropolitanas 100 100,4 105,8 104,21.2. Urb. n-met. 100 91,4 100,1 108,41.3. Rural 100 99,2 111,9 120,4

3. Total (*) 100 109,3 104,4 106,61.1. Regiões metropolitanas 100 113,8 103,4 102,81.2. Urb.n-met. 100 107,5 105,6 105,31.3. Rural 100 93,1 96,7 94,2

A decomposição da renda per capita,segundo seus principais componentes,permite observar a evolução da rendado trabalho (ver gráficos 6 e 7) parapobres e indigentes e o crescimento dos“benefícios constitucionais e outrasrendas” (ver gráfico 8), que incluiaposentadorias, pensões, doações defamiliares e subsídios de programas detransferência de renda. É importanteressaltar que essas rendas são con-sideradas fundamentais para a subsis-

tência dos pobres e indigentes e, comotal, são um instrumento básico da redede proteção social. Em outras palavras,a evolução do componente “benefíciosconstitucionais e outras rendas” revelaos eventuais avanços ou retrocessos dasrendas que não provêm do trabalho dospobres e indigentes e, como tal, podeser utilizada para avaliar a importânciadesses rendimentos nas regiões metro-politanas, nas áreas urbanas não-metropolitanas e no meio rural.

Programas detransferência de renda –Corresponde genericamenteao conjunto de programaspúblicos e privados que têmcomo propósito redistribuiro total da renda, de modo aprivilegiar os segmentosmais pobres da população.No setor público, além dosprogramas mais abrangentesdo governo federal, como oBolsa-Família, há iniciativasde governos estaduais emunicipais.

94Brasil: o estado de uma nação

A contribuição do mercado detrabalho, como era de se esperar, foidesfavorável no período assinalado.Durante os primeiros anos do PlanoReal, os rendimentos médios dotrabalho atingiram o patamar de R$ 624 por domicílio, declinando para

R$ 558 em 2002. Essa queda foicompensada por um aumento naparticipação de membros da família nomercado de trabalho – da ordem de4,3% no período – e pelo crescimentodo componente “benefícios constitu-cionais e outras rendas”.

95 Brasil: o estado de uma nação

tiva na composição da renda per capitade domicílios pobres e indigentes apartir de 1996, diante da ampliaçãodas outras rendas, entre as quais sedestacam os novos programas gover-namentais de concessão de bolsas afamílias pobres.

2.2. Pobreza e desigualdades emum contexto de baixo crescimento

A redução da pobreza pode resultardo crescimento da renda per capitae/ou de uma maior eqüidade nadistribuição da renda existente. Estu-dos recentes (ver Barros et alii, 2001)sugerem que a pobreza tende a sermais sensível a alterações no grau dadesigualdade de renda do que avariações no ritmo do crescimentoeconômico, posto que este, na maioriadas vezes, requer prazos de maturaçãomaiores para produzir resultados emtermos de redução da pobreza. Sendoassim, os ganhos de renda per capitados domicílios pobres a partir de 1996,embora insuficientes para alterar osindicadores de desigualdade nadistribuição da renda, refletem-se nosnúmeros que medem a pobreza e aindigência no país.

Com efeito, e de acordo com osdados apresentados no gráfico 9, onúmero absoluto de domicílios pobresno país decresceu cerca de 1,6 milhãode unidades entre 1999 e 2002,interrompendo a seqüência de peque-nos e sucessivos incrementos anuaisverificados entre 1993 e 1999. A inci-dência relativa da pobreza domiciliarque apresentava trajetória declinanteao longo de toda a década teve quedasmais acentuadas no último triênio7. Em2002, a pobreza abrangia 10,3 milhõesde domicílios (22,1% do total) (vergráfico 10).

Renda real – É o somatóriodas rendas de todas asfontes, eliminado o efeitodas variações de preços nomesmo período em que arenda foi apurada.

O impacto da estabilidade mone-tária na renda dos pobres é reveladocom clareza quando comparamos acontribuição da renda do trabalho paraa renda per capita de domicílios pobrese indigentes e para a renda per capitado total de domicílios brasileiros. Comomostram os gráficos 6 e 7, a renda dotrabalho cresceu 12,5% para os domi-cílios pobres e 11,7% para os indi-gentes, contra uma queda de 0,4% namédia nacional.

Os ganhos de renda tanto para osdomicílios pobres quanto para osindigentes podem ser, em grande parte,explicados pelo aumento do valor realdo salário mínimo. Outros atributosindividuais podem estar associados aosganhos de renda, principalmente amelhoria da escolaridade nesses seg-mentos (ver tabela 7 adiante). No que serefere ao contingente de pobres, oaumento do salário mínimo é o principalresponsável pelos acréscimos reais darenda do trabalho e, secundariamente,pelos benefícios constitucionais. No casodos domicílios indigentes, a situação seinverte e os benefícios tornam-se com-parativamente mais relevantes paraexplicar os ganhos de renda real percapita. Nos dois casos, os resultadosexpressam o efeito acumulado dosdireitos constitucionais e da estabilidademonetária na renda domiciliar daquelesque vivem abaixo da linha da pobreza.

Uma vez constatado o peso dos bene-fícios constitucionais na formação darenda média domiciliar de pobres e indi-gentes, importa examinar, em maioresdetalhes, a composição desses bene-fícios e o seu comportamento ao longodo período em foco. Com esse propó-sito, o gráfico 8 destaca a importânciarelativa das aposentadorias e pensões narenda per capita desses domicílios.

Apesar da sua importância, asaposentadorias perderam posição rela-

96Brasil: o estado de uma nação

97 Brasil: o estado de uma nação

Embora todas as regiões tenhamexperimentado diminuição no númeroabsoluto de domicílios pobres, a quedamais expressiva ocorreu nas áreas rurais:a redução foi de 1,1 milhão de domi-cílios rurais pobres e 627 mil indigentesentre 1999 e 2002 (ver gráficos 9 e 11).Isso fez com que o número de domicí-lios rurais pobres se aproximasse do dedomicílios metropolitanos em igualsituação e aumentasse a diferença emrelação aos domicílios pobres localiza-dos em áreas urbanas não-metropo-litanas. Estes concentravam, em 2002,pouco mais da metade (50,7%) dos 10,3milhões de domicílios pobres do país.

A evolução da pobreza pessoalsegue padrões bastante similares aosobservados nos domicílios, embora,obviamente, os números sejam bemmais elevados. Assim, a redução naquantidade de pessoas pobres (5,4milhões) observada entre 1993 e 2002ocorreu quase exclusivamente nasáreas rurais e concentrou-se no último

triênio (ver gráficos 12 e 13). Em 2002,último ano do período focalizado, apobreza abrangeu o expressivo contin-gente de 49 milhões de pessoas(29,2% da população brasileira), dasquais 18,7 milhões (11,2% do total)enquadravam-se na categoria deindigentes (ver gráficos 14 e 15). Nessemesmo ano, os maiores bolsões deindigência localizaram-se nas áreasurbanas não-metropolitanas e alcan-çaram cerca de 8,6 milhões de pes-soas, o que equivale a 9,5% dapopulação residente nessas áreas. Já asregiões metropolitanas abrigavam emtorno de 3,1 milhões de indigentes –6% da população residente nasmetrópoles – no mesmo ano. Essesdados indicam um processo de urba-nização da pobreza, especialmente aextrema, com um expressivo númerode pessoas dependentes de programasgovernamentais dirigindo-se para ascidades médias e para as metrópolesbrasileiras.

98Brasil: o estado de uma nação

99 Brasil: o estado de uma nação

100Brasil: o estado de uma nação

Na evolução dos indicadores sociaisbrasileiros, os resultados obtidos nasdécadas mais recentes são bastantevariados. Com exceção do setor desaneamento, os indicadores de acessoaos serviços básicos de saúde, educa-ção, habitação e transportes têmmostrado progressos importantes (vertabela 7 adiante). De acordo com oIBGE, a expectativa de vida do brasileiro,que era de 70,4 anos em 2000, deveráser de 81,2 anos em 2050 e, mantidas astendências demográficas, a taxa demortalidade infantil, que em 2000 erade 30,1 mortos com menos de 1 ano deidade por grupo de 1 mil nascidos vivos,deverá se reduzir para 6,4 em 2050. Pelolado negativo, a taxa de desocupaçãomanteve-se elevada, passando de 11,5%em 2002 para 12,9% em 2003 eretornando ao patamar anterior em2004, e o número de mortes porhomicídio em 100 mil habitantes subiude 19,2 para 27,8 casos no período1992-20028.

2.3. A “metropolização da pobreza”

Entre as mudanças que vêmocorrendo na sociedade brasileiradestaca-se o agravamento da pobrezae da exclusão social nas regiõesmetropolitanas. Além dos problemasque acarreta, a expansão da pobrezametropolitana não encontra arranjosinstitucionais que contribuam para aeficácia das políticas governamentais.Estas raramente consideram a novageografia da exclusão9 e seus requisitosquanto à tomada de decisões e àcoordenação das ações que cabem àsdiferentes unidades da Federação.

A preocupação com o rápidoagravamento das desigualdades sociaisnas grandes cidades deu origem àexpressão “metropolização da pobre-za”, que se justifica em termos quanti-tativos e das transformações qualita-tivas que estão ocorrendo nas regiõesmetropolitanas a partir de meados daúltima década (ver quadro 2).

Para ressaltar a natureza do processo de metropolização da pobreza, Ramos e Ferreira (2004)destacam quatro argumentos que ilustram esse fenômeno, conforme a seguir apontado.

• Entre as transformações espaciais mais notáveis ocorridas no mercado de trabalho brasileiroentre 1993 e 2002, uma das mais relevantes deveu-se ao crescimento do desemprego nasregiões metropolitanas como um todo e nas do Sudeste em particular. A taxa de desocupaçãonas regiões metropolitanas cresceu de 9,3% em 1993 para 13,2% em 2002, ao passo que a taxanacional elevou-se de 6,3% para quase 10% no mesmo período.

• O setor formal, entendido como o conjunto dos postos de trabalho protegidos pela legislaçãotrabalhista, decresceu de 55,5% em 1993 para 49,7% em 2002 nas aglomerações metropo-litanas e cresceu de 37,5% para 38,4% no país como um todo. Isso explica, em certa medida,a propagação da informalidade nas regiões metropolitanas.

• A evidência empírica também sugere que as oportunidades de emprego para a mão-de-obracom baixa qualificação (ocupação de trabalhadores com quatro a sete anos de estudo) vêmse reduzindo nas regiões metropolitanas.

• O crescimento da participação das mulheres entre os desocupados foi maior nas regiões me-tropolitanas (16,1%) e no Sudeste do que a média nacional (11,7%) em 2002. O mesmodestaque para as regiões metropolitanas e o Sudeste é observado no caso da desocupaçãoentre os chefes de família.

QUADRO 2 – O que concorre para a metropolização da pobreza

101 Brasil: o estado de uma nação

A observação do gráfico 16 acrescentaoutras evidências da metropolização dapobreza no nível do domicílio. Nota-se,nesse exemplo, que a percentagem dedomicílios com o chefe desocupado é

maior nas metrópoles do que na médiado país. Além disso, as diferenças entreas taxas de desocupação do chefe sãobem mais expressivas nos domicíliospobres e indigentes das metrópoles.

Vale lembrar que, durante osperíodos de estagnação econômica oude crescimento lento, as atividadesmuito sensíveis à queda no consumo,como a produção de bens de consumodurável, são as primeiras a seremafetadas, e que uma parcela conside-rável dessas atividades localiza-se nosgrandes centros urbanos. Daí a estreitarelação entre as taxas de variação doPIB nacional ao longo das diferentesfases do ciclo econômico e as taxas daocupação nas metrópoles, especial-mente quando comparadas com ascidades de porte menor. Em conse-qüência, domicílios pobres e indigentes

localizados nas regiões metropolitanasforam os mais afetados pela crise daeconomia no período. Neles a renda dotrabalho se reduz durante o período eé menor o peso dos benefíciosconstitucionais sobre a renda familiar.

A importância dos domicílios metro-politanos pobres chefiados por mulherese com participação significativa decrianças e adolescentes (menores de 15anos de idade) que trabalham é outradimensão relevante da pobreza metro-politana. Nesse aspecto, a situação dasregiões metropolitanas se aproxima dosíndices nacionais. Isso mostra que apressão por complementação de renda

102Brasil: o estado de uma nação

também é intensa nas metrópoles,embora a utilização de crianças com essafinalidade, nos domicílios chefiados pormulheres, venha se reduzindo ao longodo período 1993-2002. Ressalte-se queessa redução tem se mostrado bem maissignificativa entre os pobres e indi-gentes, com destaque para estes últi-mos, dada a preocupação nacional coma eliminação do trabalho infantil e aampliação de programas governamen-tais com esse objetivo.

Um aspecto que diferencia a pobrezametropolitana das demais é suacontribuição para o processo de degra-dação urbana por meio da invasão eocupação ilegal de áreas públicas eprivadas, como é o caso das áreas depreservação ambiental e de proteção demananciais. Mas vale notar que esse éhoje um problema que não se restringeàs grandes aglomerações metropolita-nas, mas começa a se alastrar por

cidades médias e regiões de agriculturadecadente.

Outro aspecto que caracteriza asgrandes metrópoles são as precáriascondições de moradia das populaçõesde baixa renda. Dados da tabela 3,baseados na Pesquisa sobre Padrão deVida (PPV), do IBGE, destacam a maiorparticipação de favelas, casas de cômo-dos e cortiços no total dos domicíliosurbanos, no período 1996-1997. Entreas seis regiões metropolitanas exa-minadas, o Rio de Janeiro apresentou amaior percentagem de domicílios abaixodos padrões mínimos de moradia,seguido de perto por Salvador e Recife.No Rio de Janeiro e em Salvadorpredominam as favelas, enquanto emRecife as casas de cômodos e os cortiçossão a maioria. Fortaleza e São Paulo têmas menores taxas de participação defavelas, cortiços e casas de cômodos nototal dos domicílios metropolitanos.

Tabela 3 – Regularização de Domicílios – Regiões Metropolitanas do Nordeste eSudeste: 1996-1997

Unidade espacial

Condomínios,casas,

apartamentos e construções

isoladas regularizadas

Favelas ouconjuntos

não-regularizados

(a)

Casas decômodos

ou cortiços(b)

(a)+(b)

Fonte: IBGE – Pesquisa sobre Padrão de Vida (PPV).Obs.: Os números entre parênteses indicam as participações das unidades espaciais na soma do Nordeste e do Sudeste, incluindo-se nesse total o Nordeste rural e o Sudeste rural.

(Em % do total de domicílios)

RM Fortaleza 96.3 1.9 1.8 3.7(0.9) (2.9)

RM Recife 90.0 3.2 6.8 10.0(1.8) (11.7)

RM Salvador 89.5 9.8 0.7 10.5(5.5) (1.3)

RM B. Horizonte 94.5 4.2 1.3 5.5(3.3) (3.0)

RM R. Janeiro 86.3 8.9 4.8 13.7(20.1) (33.6)

RM São Paulo 94.9 4.9 0.2 5.1(17.6) (2.2)

NE Urbano Não-Metropolitano 90.4 7.7 1.9 9.6(29.6) (22.6)

SE Urbano Não-Metropolitano 99.1 0.0 0.9 0.9(17.9)

PPV (Pesquisa sobrePadrão de Vida) – É aversão brasileira da pesquisapor amostragem do tipoLiving standard measuresstudy, cujo conceito desurvey foi idealizado peloBanco Mundial em 1980 edesde então tem sidorealizada em diversos paísesdo mundo (Costa doMarfim, Rússia, Peru, Vietnãe Tanzânia). A PPV, por suascaracterísticas, oferece umretrato detalhado doshábitos de consumo dapopulação, além de disporde conjunto ímpar deinformaçõessocioeconômicas. Foirealizada pelo IBGE em1996-1997.

103 Brasil: o estado de uma nação

3. POR QUE OS NÍVEIS DA POBREZA E DA EXCLUSÃO SOCIAL NO BRASILSÃO TÃO ELEVADOS?

Para a grande maioria da populaçãoé difícil entender por que uma eco-nomia do porte da brasileira não temsido capaz de evitar que o Brasilcontinue entre os que exibem índiceselevados de pobreza e padrões ina-ceitáveis de exclusão social.

Não há resposta simples parafenômenos tão complexos quantoesse. É certo, porém, que a explicaçãodeve começar pelo exame dosatributos individuais que possibilitama obtenção de melhores empregosentre a população pobre ou indigente,pelas características do mercado detrabalho brasileiro e dos seus aspectosinstitucionais.

3.1. Deficiências do mercado detrabalho, padrões de ocupação e informalidade

A inclusão social por meio docrescimento econômico depende, pri-mordialmente, do funcionamento domercado de trabalho. Do lado da ofer-ta de mão-de-obra contam a demo-grafia e a economia. A primeira deter-mina as pressões de demanda porempregos (crescimento da populaçãoque alcança a idade de trabalhar), asmudanças na distribuição espacial daforça de trabalho (migrações internas)e as características da população quebusca melhores oportunidades de em-prego e remuneração (mobilidadeocupacional). A segunda interfere naparticipação nesse mercado, ou seja,na possibilidade de acesso a melhoresempregos ou na necessidade de man-ter ou reduzir as perdas de renda fa-miliar em situações de crise econô-mica, por meio da busca por emprego

por um número maior de pessoaspertencentes a um grupo familiar (taxade participação). Pelo lado dademanda, o comportamento do mer-cado de trabalho depende de mu-danças na estrutura produtiva daeconomia e nos níveis de produtivi-dade (tecnologia) do trabalho.

Os atributos relevantes para a aspossibilidades de inserção de pobres eindigentes no mercado de trabalho,assim como para a sua mobilidadeocupacional, estão reunidos na tabela4. Vale ressaltar que a taxa departicipação (PEA/PIA) para o paíscomo um todo atinge seu pico (61,2%)no ano de 2002. Curiosamente, essataxa para pobres e indigentes situa-seabaixo da média nacional em todos osanos selecionados, com exceção dosadolescentes de 10 a 14 anos e dosidosos, com mais de 60 anos (vergráfico 17). Ou seja, a baixa renda e acrise econômica levam para o mercadode trabalho a população infanto-juvenil de famílias pobres e indigentes,assim como os aposentados, quebuscam complementar a renda fami-liar. Para os demais grupos de idade,menores taxas de participação depobres e indigentes no mercado detrabalho refletem maiores dificuldadesde encontrar qualquer forma deocupação nesse mercado. Taxas departicipação e de desocupação sãofaces opostas de uma mesma moeda.Assim, taxas de participação baixas edecrescentes de jovens e adultoscorrespondem a taxas de desocupaçãoaltas e crescentes no período ana-lisado. Convém destacar a situação dosjovens de 15 a 24 anos, para os quaisa taxa de desocupação cresceu cercade 68%, no caso dos indigentes, ecerca de 48%, no caso dos pobres,entre 1993 e 2002 (ver capítuloJuventude no Brasil).

Taxa de participação – É aproporção dos indivíduosocupados ou buscandotrabalho no total da mão-de-obra disponível para aatividade econômica. Écalculada como o quocienteobtido pela soma dosocupados com os que estãoprocurando trabalhodividido pelo total daspessoas com 10 anos oumais. Trata-se de umindicador da disponibilidadede mão-de-obrapotencialmente utilizável naatividade econômica.(Jannuzzi, Paulo M.Indicadores Sociais no Brasil.Campinas, Alínea Editora,2001, pág. 89).

104Brasil: o estado de uma nação

Tabela 4 – Brasil: atributos individuais dos indigentes e pobres no mercado detrabalho* por sexo, cor e faixa etária

Atributos IndividuaisIndigentes Pobres Total Indigentes Pobres Total

1993 2002

Fonte: Pnad.Notas: *População com 10 anos e mais; 1 Taxa de participação=PEA/PIA.100; 2 Taxa de desocupação={1-ocupados/PEA}.100; 3 Inserção formal=ocupados c/carteira+estatutários/Total ocupados.100.

Taxa de Participação1 59.2 57.8 60.9 56.4 57.6 61.2Sexo Masculino 75.6 74.7 75.8 70.2 71.7 73.1

Feminino 44.4 42.5 46.8 43.9 44.6 50.2Raça ou Cor Negra 55.9 59.2 61.5 54.2 58.7 61.5

Não-Negra 60.8 55.7 60.4 57.5 55.9 61.0Faixa Etária 10 a 14 28.7 26.0 21.1 19.4 18.1 12.6

15 a 24 61.4 61.8 66.2 55.3 58.7 63.025 a 59 73.2 72.7 75.6 72.1 73.9 77.8

60 e mais 29.9 31.2 34.0 29.0 33.6 31.0

Taxa de Desocupação2 13.0 9.8 6.3 19.8 13.5 9.2Sexo Masculino 13.7 9.1 5.5 18.5 10.9 7.4

Feminino 12.0 10.9 7.6 21.8 17.3 11.7Raça ou Cor Negra 11.4 9.2 7.1 19.2 13.4 10.4

Não-Negra 16.5 10.7 5.7 21.0 13.6 8.2Faixa Etária 10 a 14 7.0 8.1 9.5 9.1 8.9 11.3

15 a 24 17.0 15.4 11.8 28.6 22.9 18.125 a 59 12.8 8.4 4.3 18.4 11.4 6.5

60 e mais 4.6 2.2 1.0 7.9 3.6 2.6

Inserção Formal3 11.2 22.2 37.5 10.4 20.7 38.4Sexo Masculino 12.6 26.2 38.8 11.8 23.4 38.4

Feminino 9.0 15.6 35.4 8.1 16.5 38.4Raça ou Cor Negra 9.7 19.4 31.4 10.3 19.2 32.9

Não-Negra 14.7 26.9 42.3 10.5 23.1 43.0Faixa Etária 10 a 14 0.0 0.3 1.9 0.0 0.3 0.7

15 a 24 8.4 18.4 34.9 8.1 15.9 36.025 a 59 14.0 27.5 43.5 12.3 25.4 42.8

60 e mais 10.1 10.0 13.5 5.4 6.3 12.5

105 Brasil: o estado de uma nação

Da mesma forma, as mulherescombinam baixa participação com altadesocupação. Neste último caso, épreciso ressalvar que a inserção dasmulheres pobres no mercado formal detrabalho cresceu como resultado dasgarantias concedidas ao trabalhodoméstico. Quanto aos negros, não seobservam mudanças significativas nastaxas de participação no mercado detrabalho. Elas se mantiveram estáveis epróximas da média nacional. Estima-seque a probabilidade de um negro serpobre é quase duas vezes maior que amesma probabilidade para um branco(Henriques, 2001).

Em geral os negros também expe-rimentam maiores dificuldades do queos brancos para fazer com que aescolaridade adquirida signifique as-censão na hierarquia ocupacional.Além disso, independentemente donível de escolaridade, os negros ten-dem a se concentrar nos estratosocupacionais mais baixos, o que sugerea existência de barreiras para convertera educação formal em renda e emmelhores posições na estrutura ocupa-cional (Hasenbalg e Valle e Silva, 1999).

De acordo com o que se poderiaesperar em um período de estagnaçãoeconômica, as taxas de participaçãocresceram de forma quase generaliza-da nas regiões metropolitanas, paracompensar a disseminação do desem-prego aberto e a forte contração dorendimento médio do trabalhadorformal. Nessas áreas, a maior desvan-tagem dos jovens pobres se revela comclareza quando comparada à situaçãodos mesmos no contexto nacional.Conforme mostra a tabela 4, para opaís como um todo no ano de 2002, ataxa de desocupação entre jovens de15 a 24 anos ficou em 18,1%, en-quanto para pobres e indigentes dessafaixa etária a média foi de 22,9% e

28,6%, respectivamente. Já nas regiõesmetropolitanas, onde a competição émais acirrada, a taxa de desocupaçãoentre os jovens pobres de 15 a 24 anoschegou a quase 40% e, entre osindigentes, ultrapassou 52%, contrauma média geral de apenas 26%. Essesnúmeros destacam a importância deiniciativas voltadas para melhorar aspossibilidades de inserção de jovenspobres no mercado de trabalho, paraque possam se beneficiar do aque-cimento econômico, o que contribuiriapara reduzir os índices de criminalidadee delinqüência nas grandes cidades.

Os dados da tabela 4 revelamtambém um modesto avanço do em-prego formal ou protegido, que abran-ge os empregados regidos pela Conso-lidação das Leis Trabalhistas (CLT) e osservidores públicos. Em relação ao totalde pessoas ocupadas, o empregoformal passou de 37,5% em 1993 para38,4% em 2002, após uma curtaretração em 1999. Contudo, esseavanço não favoreceu as camadas maispobres da população, para as quais jáera precária a cobertura da legislaçãotrabalhista. A inserção formal nomercado de trabalho caiu de 22,2%para 20,7% para os pobres, e de 11,2%para 10,4% para os indigentes, noperíodo selecionado. Como observadoanteriormente, apenas as mulherespobres melhoraram sua posição nomercado de trabalho, com o cres-cimento da prática da carteira assinadano trabalho doméstico. Quanto àdistribuição espacial, a ampliação dosocupados formais beneficiou as áreasurbanas não-metropolitanas e pena-lizou as grandes metrópoles.

A dinâmica do emprego formalreproduz-se no número relativo decontribuintes da Previdência Social, quese manteve dentro do estreito intervalosituado entre 39% e 41%, ou seja,

Desemprego aberto –Corresponde ao conjuntodos trabalhadores ocupadose com carteira assinada,sendo um conceitocomumente associado aocomportamento do setorformal da economia.Nessestermos, a taxa dedesemprego abertocorresponde à soma dosindivíduos desocupados eprocurando trabalho comcarteira assinada divididopelo total da populaçãoeconomicamente ativa(ocupados +desempregados). Trata-se deum indicador que costumaser utilizado nomonitoramento daconjuntura econômica.

106Brasil: o estado de uma nação

praticamente estável durante todo operíodo examinado. Mulheres e negrossão os grupos mais afetados pela faltade cobertura previdenciária obrigatória.Os indicadores também mostram que onúmero relativo de contribuintes para aPrevidência vem caindo entre pobres eindigentes. Tal declínio configura umquadro social preocupante, uma vezque favorece a manutenção dessascondições e limita a eficácia daPrevidência como instrumento decombate à pobreza (ver tabela 5).

Hasenbalg (1979) e Zucchi (agosto2004) corroboram a observação anteriorao destacar que as transformaçõessocioeconômicas resultantes do cres-

cimento econômico não têm sido capa-zes de contrabalançar os efeitos perver-sos causados pelas desvantagens que apopulação pobre enfrenta para inserir-se no mercado de trabalho e alcançarmobilidade ocupacional, principalmenteos negros e as mulheres. Essas dificul-dades, que já são grandes, tendem a seagravar com o aumento das exigênciasde qualificação da mão-de-obra e acompetição por melhores condições derenda e de ocupação. Aumenta,portanto, a prioridade que devem ter aspolíticas voltadas para promover oacesso desses grupos ao sistemaeducacional e a outros bens e serviçosindispensáveis para a ascensão social.

3.2. Restrições de acesso aosserviços sociais básicos

Limitações de acesso a bens eserviços essenciais – como moradia,água, saneamento, transporte, e saúdee educação – são fatores relevantespara as chances de mobilidade socialda população pobre. Para aferir adimensão dessas limitações, utilizam-seindicadores de acessibilidade dos do-micílios pobres e indigentes a essesserviços. A melhoria do acesso a tais

serviços equivale a acréscimos signi-ficativos de renda real para os mora-dores desses domicílios.

A tabela 6 reúne alguns dos principaisindicadores relativos a características dosdomicílios: as condições de conforto,representadas, entre outros, pelo núme-ro de cômodos por domicílio, e um índi-ce de densidade, medido pelo númerode moradores por cômodo. Outrosíndices importantes são a disponibili-dade adequada de água, eletricidade,esgoto e a coleta de lixo (ver quadro 3).

Tabela 5 – Mercado de trabalho – Previdência Social

Atributos individuais

Atributos do mercado de trabalho – contribuintes para a Previdência Social1

Indigentes Pobres Total Indigentes Pobres Total

1993 2002

Fonte: Pnad. Nota: 1 Contribuintes da Previdência/PEA.Obs.: População com 10 anos e mais. Em milhões de indivíduos.

9.1 20.8 40.9 8.6 19.3 41.0Sexo Masculino 10.0 24.7 43.9 9.7 22.2 42.3

Feminino 7.8 14.6 36.3 6.9 15.1 39.3Raça ou Cor Negra 8.0 17.6 31.3 8.4 17.6 32.8

Não-Negra 11.8 25.9 48.6 8.8 22.0 48.0Faixa etária 10 a 14 0.0 0.3 1.8 0.0 0.3 0.6

15 a 24 5.9 14.7 30.8 5.7 12.6 30.725 a 59 11.6 26.5 50.0 10.4 24.2 48.2

60 e mais 10.9 12.6 22.0 6.8 8.3 19.2

107 Brasil: o estado de uma nação

Tabela 6 – Condições de acesso à infra-estrutura domiciliar, 1993-2002

Atributos dos domicílios 1993 2002 1993 2002 1993 2002

Domicílios indigentes Domicílios pobres Total de domicílios

Fonte: Pnad.

Tamanho médio do dom. 3,80 3,24 3,61 3,45 3,99 3,87(moradores/domicílios)

% dom. c/5 ou mais 31,31 23,78 28,15 25,65 33,23 30,98moradores

% com 3 ou mais 31,87 22,81 28,04 23,56 21,16 18,57moradores/dormitório

% de dom. c/ água 39,67 56,76 52,22 64,39 78,54 83,39encanada ou poço

% de dom. com 66,09 79,53 75,96 84,59 90,32 93,02luz elétrica

% de dom. ligados à 17,12 26,21 23,43 29,42 47,68 51,16rede ou c/ fossa séptica

% de dom. com 37,88 48,93 45,89 54,22 70,27 73,35coleta de lixo

De modo geral, ocorreram melhorias significativas nos índices que medem

o acesso dos domicílios brasileiros à infra-estrutura social básica: água,

energia elétrica e coleta de lixo. Entre estes, destacam-se o acesso à

eletricidade e à água, disponíveis para mais de 80% dos domicílios brasileiros.

Note-se que os mais expressivos avanços ocorreram entre os domicílios mais

pobres, em particular aqueles que apresentam condições de extrema

pobreza.

Destoa desse quadro o esgoto sanitário, pois o acesso dos domicílios

brasileiros a ele está em torno de 50%. Nesse aspecto, as condições são ainda

piores nos casos dos domicílios pobres e indigentes. Menos de 30% dos

primeiros estão conectados à rede pública de esgotos ou dispõem de

sistemas mais simples (fossa séptica). No caso de domicílios indigentes,

apenas 26% dispõem de algum sistema de saneamento. Em razão das graves

conseqüências da ausência de acesso ao saneamento básico para a saúde

pública e para os moradores desses domicílios, essa situação constitui um

sério problema, que pede soluções urgentes.

QUADRO 3 – Os desafios da infra-estrutura básica no Brasil

108Brasil: o estado de uma nação

Sensíveis melhorias também foramregistradas nas condições de ocupaçãodos domicílios pobres e indigentes, comredução no número de moradores porcômodo e na densidade de ocupação(número de moradores por domicílio).Convém notar que é nos municípiospobres que a densidade é um problemarelevante, já que em geral a áreaconstruída é muito reduzida. Particular-mente relevante é a queda nos índicesque medem a proporção de domicíliospobres e indigentes que apresentammais de três moradores por dormitório,limite utilizado para que uma moradiaseja considerada inadequada.

3.3. Escolaridade e acesso à escola

O nível de escolaridade de umindivíduo relaciona-se diretamentecom sua qualificação para o trabalho ereflete as condições que ele tem paracompetir por uma melhor inserçãonesse mercado. Nesse sentido, o inves-timento em educação é uma dasdimensões fundamentais para comba-ter a exclusão e assegurar a mobilidadesocial. É importante, pois, analisar oquesito escolaridade na populaçãobrasileira, especialmente entre os po-bres e indigentes. A tabela 7 reúnedados relevantes para esse fim.

Tabela 7 – Atributos individuais – escolaridade* por sexo e cor

Atributos individuaisIndigentes Pobres Total Indigentes Pobres Total

1993 2002

Fonte: Pnad. Obs.: * População com 7 anos e mais.

Analfabetismo 35.6 30.7 16.2 25.4 24.1 11.9(15 anos e mais)

Sexo Masculino 38.3 30.7 15.8 28.6 24.1 12.1Feminino 33.3 28.9 16.6 22.5 21.1 11.7

Raça ou Cor Negra 40.8 35.7 24.3 28.0 26.0 17.3Não-Negra 25.5 20.9 10.0 20.4 17.3 7.5

Fora da escola 20.4 17.4 11.2 5.0 4.3 3.0(entre 7 e 14 anos)

Sexo Masculino 21.8 18.7 12.1 5.1 4.7 3.4Feminino 18.9 16.1 10.4 4.9 3.9 2.7

Raça ou Cor Negra 22.1 19.7 14.7 4.8 4.5 3.8Não-Negra 16.4 13.2 7.8 5.4 3.8 2.3

Com primeiro grau 10.1 13.2 31.1 17.7 21.4 43.6completo (15 anos e mais)

Sexo Masculino 9.3 12.6 30.0 15.6 19.4 42.0Feminino 10.8 13.8 32.0 19.5 23.3 45.1

Raça ou Cor Negra 7.8 10.6 21.2 15.8 19.0 33.8Não-Negra 14.7 17.0 38.5 21.2 25.1 51.6

Com segundo grau 3.1 4.1 16.4 6.0 7.9 26.0completo (15 anos e mais)

Sexo Masculino 2.8 3.8 15.7 5.0 6.7 24.2Feminino 3.3 4.4 17.1 6.8 9.0 27.6

Raça ou Cor Negra 2.0 2.9 9.3 4.9 6.5 17.4Não-Negra 5.2 5.9 21.9 7.9 10.0 33.0

Freqüentam curso 0.6 0.7 6.8 0.7 0.9 9.8superior (15 anos e mais)

Sexo Masculino 0.7 0.7 6.8 0.7 0.8 9.2Feminino 0.5 0.6 6.9 0.8 0.9 10.4

Raça ou Cor Negra 0.1 0.2 2.4 0.3 0.4 4.1Não-Negra 1.5 1.3 10.2 1.5 1.5 14.5

(Em %)

109 Brasil: o estado de uma nação

Logo de início observa-se que oindicador de analfabetismo entre pes-soas com idade igual ou superior a 15anos apresentou progressos ao longoda década. Em 2002 o analfabetismoabrangia quase 12% da populaçãobrasileira dessa faixa etária, mostrandouma redução de cerca de quatro pontospercentuais em relação a 1993. Entre

pobres e indigentes, ainda que a quedano índice de analfabetismo tenha sidomais expressiva, uma em cada quatropessoas nessa faixa etária, em 2002, eraanalfabeta. Apesar do avanço, esseritmo é lento e, se for mantido nofuturo, os próximos dez anos não serãosuficientes para erradicar o analfabe-tismo10 no país (ver gráfico 18).

Progressos mais expressivos foramalcançados quanto ao contingente dejovens com idade entre 7 e 14 anos quenão freqüentavam a escola. Em 2002,esses jovens que se encontravam àmargem do ensino obrigatório repre-sentavam apenas 3% da populaçãototal, contra uma participação de 4% a5% para os jovens pobres e indigentesna mesma faixa etária. O ritmoacelerado do avanço fica evidentequando se constata que o índice decrianças entre 7 e 14 anos fora daescola era quase quatro vezes maior

dez anos antes, em 1993. Deve serressaltado que a exclusão escolar eramais elevada nas áreas rurais e nasáreas urbanas não metropolitanas eentre homens negros11, quando com-parada com os índices referentes àsgrandes metrópoles. Parte dos avançosregistrados no período deve-se àadoção de programas governamentaisque condicionaram a concessão debenefícios financeiros para famíliaspobres à obrigatoriedade da freqüên-cia escolar pelos jovens com menos de14 anos.

Ensino obrigatório – A Emenda Constitucional nº 14, de 13/09/96,estabelece que é dever doEstado a garantia do ensinofundamental, obrigatório egratuito, inclusive paratodos que a ele não tiveramacesso na idade apropriada(dos 7 aos 14 anos).

110Brasil: o estado de uma nação

Nos outros níveis de ensino osindicadores registram maiores deficiên-cias e menores avanços, especialmenteentre pobres e indigentes. A diferençaentre a proporção de pobres eindigentes com o segundo grau com-pleto e a média nacional para o mesmoíndice era da ordem de 4 a 5 vezes em1993 e não se alterou significativa-mente em 2002. Já no caso da fre-qüência ao ensino superior, os res-pectivos índices, que já eram dez vezesmenores para pobres e indigentes em1993, registraram um pequenoaumento nessa defasagem dez anosdepois. Em 2002, apenas 6% dosindigentes e 8% dos pobres com 15anos ou mais conseguiram terminar osegundo grau e menos de 1% freqüen-tava cursos superiores.

Mesmo reconhecendo os resultadosao longo do período em foco no com-bate ao analfabetismo e promoção doacesso à escola, em 2002 menos dametade da população com idade igualou superior a 15 anos tinha conseguidocompletar o primeiro grau. No caso dospobres e indigentes, apenas uma emcada cinco pessoas estava nessacondição.

Esses números revelam que asdeficiências da escolaridade básicaconstituem uma limitação severa àmobilidade social no país e às possi-bilidades de superar a pobreza pormeio de melhor inserção no mercadode trabalho. Dados os avanços já regis-trados no acesso à escola, é necessárioagora enfatizar a melhoria da qualida-de do ensino e a ampliação do nível deescolaridade para promover a inclusãosocial. Tal prioridade é indispensávelpara evitar que o sistema educacionalbrasileiro concorra, como argumentamalguns autores, para perpetuar asdesigualdades e limitar as oportunida-des de ascensão social.

4. QUE MEDIDAS SÃO NECESSÁRIASPARA CONCILIAR O CRESCIMENTODA ECONOMIA COM A INCLUSÃOSOCIAL?

São ainda pouco conhecidos osefeitos da retomada do crescimentoeconômico sobre as desigualdadessociais. A experiência brasileira sugereque um crescimento liderado poratividades produtivas voltadas para ocomércio exterior poderá, nos mo-mentos iniciais, agravar a concen-tração econômica e demográfica nasgrandes cidades, em particular nasregiões metropolitanas. Se issoacontece, as desigualdades regionaisse ampliam e as migrações para osgrandes centros são reativadas emmoldes semelhantes aos do passado,trazendo novas pressões sobre omercado de trabalho metropolitano esobre a demanda por serviços urbanosnessas regiões. Todavia, à medida queo crescimento se sustente e seconverta em um ciclo duradouro deexpansão da economia, seus bene-fícios difundem-se para as demaisregiões e para os setores domésticos,contribuindo para a redução dasdesigualdades espaciais e das pressõesiniciais sobre as metrópoles.

Crescer é indispensável, mas não ésuficiente. O combate à exclusão socialprecisa combinar crescimento susten-tado com um esforço redobrado demelhoria das políticas sociais. Sob essaperspectiva, a política educacional e amelhoria do acesso à infra-estruturasocial devem assumir uma clara priori-dade. Contudo, investimentos sociaisnão apenas competem com outrosinvestimentos voltados para o aumen-to da competitividade da economiacomo também esbarram na escassezde novas fontes de financiamento. O desafio consiste, portanto, em tentar

111 Brasil: o estado de uma nação

compatibilizar a escassez de recursoscom padrões mais seletivos de gastoscom a infra-estrutura social.

Uma das dificuldades a seremcontornadas para melhorar a eficáciadas ações sociais do governo está nofato de que a educação, a saúde e ainfra-estrutura social são supridas porestados e municípios, em boa partecom recursos provenientes de transfe-rências feitas pela União. Apenas noscasos de serviços tipicamente locais,como limpeza urbana e iluminaçãopública, o município tem condições definanciar parcialmente esses serviços,embora as tarifas cobradas raramentecubram os custos da prestação dessesserviços.

A escassez de recursos públicos temservido de justificativa para con-centrar a aplicação dos recursos dis-poníveis em programas que bene-ficiam diretamente os mais pobres,fortalecendo a tese da focalização daspolíticas sociais. A despeito do méritoda argumentação que sustenta essatese, focalização e universalização nãodevem ser vistas como alternativas, esim como estratégias complementaresno plano mais geral das políticas go-vernamentais de combate à pobreza eà exclusão social.

De acordo com o aqui exposto, aampliação dos direitos sociais e a expansão de programas de transfe-rência de renda para segmentos maisdesfavorecidos da população foramimportantes para reduzir a pobreza,mas não suficientes para reverter oquadro de exclusão e de desigualdadessociais. Para tanto, é necessário, con-forme assinalam Delgado e Theodoro(2005), adotar políticas de fomento àprodutividade do trabalho e de apoio à produção familiar e microem-presarial, assim como criar condiçõesque concorram para melhorar as

oportunidades de ascensão do traba-lhador informal, tendo em vista queformas de produção e de organizaçãodo trabalho não assalariadas são per-manentes e não um estágio prévio àcondição de assalariado. O que nãoprecisa ser permanente, contudo, é aprecariedade do trabalho informal.

É importante também rever opadrão de financiamento das políticassociais. Cardoso Jr. e Castro (2005)observam que os benefícios geradospor essas políticas para os mais pobrespodem ser parcialmente anulados pelofato de sobre eles mesmos recair umaparcela importante do ônus que cor-responde ao seu financiamento.

NOTAS

1 Desigualdades aqui interpretadas no seu sentido mais amplo, isto é, incluindo não apenas os aspectoseconômicos associados à insuficiência da renda corrente dos indivíduos ou famílias, mas também às condiçõesde acessibilidade aos serviços da infra-estrutura social, às oportunidades de ascensão social, à participaçãopolítica etc.

2 Com relação às variações da incidência de pobreza para o período de 1993 a 2002, outros cálculos, que con-sideram linhas de pobreza regionalizadas, ou que fazem uso de outros deflatores, por exemplo, encontramresultados diferentes, alguns com tendências similares entre os extremos da evolução, mas com uma dinâmi-ca interna distinta (ver, a respeito, Henriques, 2000, e Cepal, 2004).

3 Essas informações foram organizadas por Afonso Arias especialmente para a redação deste capítulo.

4 Para uma discussão bastante completa dos fatores determinantes da renda per capita, ver Barros et alii (2004),capítulo 1.

5 A bem da verdade, os totais calculados pelas Pnads subestimam os totais nacionais uma vez que não abrangemalgumas áreas rurais localizadas em estados (Tocantins, por exemplo) da região Norte.

6 Note-se que esses resultados se consolidaram na segunda metade do período em análise, ou seja, durante osanos de maior crescimento do PIB (2,8%).

7 A Pnad 2003 acaba de ser divulgada e, de acordo com algumas estimativas preliminares feitas pela FundaçãoGetúlio Vargas, teria ocorrido em 2003 uma recidiva da pobreza pessoal, mais precisamente um leve acréscimo na incidência relativa de pobres. Caso essas estimativas se confirmem, este terá sido o primeiroponto de reversão na tendência declinante da pobreza.

8 IBGE; Jornal do Brasil (JB) de 4/11/2004 e JB de 31/08/2004.

9 Ou, mais precisamente, as principais vertentes de mudança que vêm ocorrendo recentemente na distribuiçãoespacial da pobreza e da exclusão social.

10 IBGE, Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, Coordenação de Indicadores Sociais, e JB de 4/11/2004.

11 Pretos e pardos possuem características socioeconômicas bastante similares e, por isso, grande parte dos estudos disponíveis os reúne em um único grupo, denominado “negro” (Valle e Silva, 1999; Henriques, 2001;e Hasenbalg e Valle e Silva, 1999).