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Page 1: II Caderno De Experiências: Agroecologia E Mudanças - Caatinga
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Caros amigos, caras amigas,

O Caatinga, a Diaconia e o Centro Sabiá têm a alegria de com-partilhar com vocês mais um instrumento de comunicação elaboradonum processo participativo e de construção coletiva do conhecimen-to: o II Caderno de Experiências: agroecologia e mudanças climáticas.

Este Caderno foi construído em um processo onde técnicos etécnicas das entidades e as famílias agricultoras vivenciaram momen-tos ricos de troca e construção de saberes. Todas as discussões, diálo-gos, reflexões e visitas às famílias agricultoras foram feitas a partir deuma temática: as mudanças climáticas. Assunto bastante comentadoentre os agricultores/as, as organizações sociais e nos meios de co-municação.

As práticas desenvolvidas por essas famílias, como: não quei-mar, não desmatar, não usar veneno, não fazer monocultivos e tantasoutras já abolidas por elas, representam a sua luta e a das organiza-ções sociais contra a degradação ambiental do nosso planeta.

Portanto, a pretensão deste Caderno é mostrar a práticaagroecológica de famílias agricultoras que cuidam do meio ambien-te. Elas demonstram que é possível produzir, criar animais,comercializar e gerar renda sem causar destruição das matas, dosrios, dos lagos, das fontes e sem enfraquecer a terra. Em especial,mostra a satisfação das famílias em praticar uma agricultura susten-tável para o seu sítio, sua região, exercendo influência em açõessimilares no seu país e em outras regiões do mundo.

Neste Caderno há exemplos de como é possível se alimentarbem, ter saúde e viver sem destruir a natureza. Esperamos que apre-ciem as histórias aqui contadas pelas famílias agricultoras e as entida-des Caatinga, Diaconia e Centro Sabiá.

Boa leitura!

Apresentação

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

EXPEDIENTE

Este caderno é uma publicação do Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não Governamen-tais Alternativas (Caatinga), da Diaconia e do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá. Coordenação do

Projeto: José Aldo dos Santos, Joseilton Evagelista, Laudenice Oliveira, Lusimar Lima, Marcelino Lima, Reginaldo Alves,Taysa Soares e Verônica Pragana. Textos: Adeildo Fernandes, Adriana Connolly, Alexandre Henrique Pires, Ana Paula Gomes,Ana Paula Pereira, Ana Santos, André Geaquinto, Antonio Holanda Costa, Antonio Marcolino, Ariagildo Vieira, César GaribaldeAlves, Cícero Jeedson, Danielle Alessandra Pizziolo, Diego Barreiro, Edinalva Nunes, Edjane Araújo, Everaldo Valério Teixeira,Geângela Maria de Jesus, Gilvan Severino dos Anjos, Hesteolívia Ramos, Igor Arruda, Iran de Souza Lima Júnior, IrlaniaAlencar Fernandes, Ita Porto, Jailson Lopes, João Alberto Lima de Barros Filho, José Felipe Marra, Joseilton Evangelista,Josenilson Matias, Kalinne Medeiros, Laudenice Oliveira, Leonardo Freitas, Lourisvanda Alves de Souza, Lusimar Lima,Marcelino Lima, Márcio José Romão de Moura, Maria Cristina Aureliano, Mário Farias, Mário Farias, Minéia Patrícia GóesSilva, Rodrigo Ferreira Lopes, Sandro Gusmão, Taysa Soares e Verlândia Morais. Edição e revisão: Marcelino Lima. JornalistaResponsável: Kalinne Medeiros (DRT 2209-PE). Fotos: Arquivos Caatinga, Diaconia e Sabiá. Projeto Gráfico: Marta Braga.Tiragem: 10 mil. Impressão: Provisual Divisão Gráfica.

Agradecimentos

Às famílias agricultoras que acreditam na construção da agricultura familiar agroecológica e na sua multiplicação. Famíliasque trabalham a terra na perspectiva da produção, geração de renda, mas sem perder de vista o compromisso com apreservação ambiental.

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Sumário

1 - AGROECOLOGIA E CRIAÇÃO ANIMAL

1.1. Manejo das plantas forrageiras para sustentabilidade da criação animal

no Semi-árido _______________________________________________________ 07

1.2. Manejo sustentável da caatinga contribuindo para a criação animal ____ 09

1.3. Agrofloresta e criação animal: uma combinação que dá certo __________ 11

1.4. Criação animal: uma boa estratégia na agroecologia __________________ 13

1.5. Abelhas ajudam a preservar a biodiversidade _________________________ 15

1.6. Cuidando da caatinga, preservando a vida ____________________________ 17

1.7. Preservar é a melhor forma de manter a vida _________________________ 19

2 - PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

2.1. Prática da agroecologia substitui queimadas e veneno _________________ 23

2.2. Agroecologia mudando vidas_________________________________________ 25

2.3. Agroecologia: fartura na terra e na mesa _____________________________ 27

2.4. O prazer de difundir a agroecologia __________________________________ 29

2.5. Água e alimentos saudáveis com a agrofloresta _______________________ 31

2.6. Agroecologia: lição de amor à natureza ______________________________ 33

2.7. Agroecologia contribuindo para mudar as práticas do desmatamento e

da queimada ________________________________________________________ 35

2.8. Protegendo o solo, conservando a natureza e a vida ___________________ 37

2.9. Uso de fermentado fortalece lavoura no Sertão ________________________ 39

2.10. Comunidades unidas encontrando soluções de convivência no Semi-árido ___ 41

3 - AS SEMENTES E AS MUDAS NA AGROECOLOGIA

3.1. O resgate das sementes crioulas ______________________________________ 45

3.2. Agroecologia: consciência social e ambiental __________________________ 47

3.3. Produção de mudas para ampliar a agrofloresta ______________________ 49

3.4. Intercâmbio incentiva formação de banco de sementes_________________ 51

3.5. Cuidando e recuperando a caatinga __________________________________ 53

3.6. Resgatando origens e sementes _______________________________________ 55

3.7. Fartura sem agrotóxicos, venenos e queimadas ________________________ 57

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4 - AGROECOLOGIA E SEGURANÇA ALIMENTAR

4.1. Agroecologia, segurança alimentar e sustentabilidade _________________ 61

4.2. Cuidando da horta e construindo a sustentabilidade ___________________ 63

4.3. Fortalecendo a amizade e a segurança alimentar ______________________ 65

4.4. Tecnologia alternativa para segurança alimentar e nutricional__________ 67

4.5. Agroecologia para melhorar o clima e a vida no planeta ______________ 69

5 - MULTIPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO

5.1. Professor vivencia realidade do Semi-árido com alunos ________________ 73

5.2. Jovens unidos contra os agrotóxicos e o desmatamento ________________ 75

5.3. Mulheres garantem renda com preservação e beneficiamento do umbu ___ 77

5.4. Preservando a caatinga nativa e conservando o solo, a água e a forragem____ 79

5.5. Multiplicando a agroecologia e os cuidados com a natureza ___________ 81

5.6. Consciência política para mudar realidade no campo __________________ 83

5.7. Famílias organizadas para produzir ecologicamente ___________________ 85

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CAPÍTULO 1 - AGROECOLOGIA E CRIAÇÃO ANIMAL

Manejo das plantas forrageiras parasustentabilidade da criação animalno Semi-áridoEdemival Ferreira da Silva nasceu e se criou na Comunidade Pau Ferro,

município de Afogados da Ingazeira,Sertão do Pajeú, em Pernambuco. Ele écasado com Dona Antônia, com quemtem oito filhos. A família mora numapropriedade de 37 hectares, dividida emáreas de plantio, pastagem e preserva-ção. Há mais de 20 anos a atividadeprincipal é a criação animal. SeuEdemival possui um rebanho de 40 ma-trizes de ovelhas e cria abelhas nativase com ferrão.

A família procura diversificar asculturas para garantir às criações o ali-mento durante todo o ano. São planta-dos capins, de forma consorciada, mi-lho, sorgo, girassol, guandu, palmadoce, leucena, gliricídia, nim e outras plantas forrageiras. Como estratégia dearmazenamento de alimentos, eles guardam a palha das sementes de milho, guandu,melancia de cavalo e girassol.

Toda forragem dos animais é produzida na propriedade. Em 2006, Edemivalfez um silo, com capacidade para 12 toneladas, utilizando como modelo a tecnologiada cisterna de placa. A estocagem garantiu ração para todos os animais no períododo verão, em 2007. A sobra daração que os animais não conso-mem é utilizada como adubo na-tural. A família também cria abe-lhas nativas da raça Cupira, queproduz um mel muito procuradopelas suas propriedades medici-nais.

Para Edemival, a forma defazer agricultura contribui para ocombate às mudanças climáticas.Por isso, ele ara a terra contra osentido da água, utiliza resto de cul-turas na propriedade como adubonatural e não usa veneno químico.

Família garante sustentabilidade da criaçãoanimal cultivando espécies forrageiras

Seu Edemival e dona Antônia

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“Se eu fosse um gestor, além decontextualizar o currículo escolarpara mudar a mentalidade dascrianças, reuniria todas asexperiências em agroecologiae faria um trabalho deconscientização com ostrabalhadores”.Edemival Ferreira da Silva

O agricultor também faz reflorestamento em sua terra com árvores que podemproduzir forragem para os seus animais. Segundo ele, o Semi-árido poderá virar deser-to, se não houver uma conscientização das pessoas em preservar o meio ambiente.

Trabalhando com organização de comunidades desde 1974, Edemival,atualmente, faz parte da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do municí-pio e é coordenador do Fórum de Políticas Públicas de Afogados da Ingazeira, que éformado por 40 associações rurais e instituições da sociedade civil, como a Diaconia.

A propriedade de Edemival Ferreira da Silva e dona Antônia

Área: 37 hectares.

Atividades produtivas: mel, capim, milho, sorgo, girassol, guandu, palmadoce, leucena, gliricídia, nim e animais.Criação animal: ovelhas e abelhas nativas e com ferrão.

Fontes de renda: da agricultura e criação animal.Organização social: Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais deAfogados da Ingazeira e Fórum Municipal de Políticas Públicas.

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Enriquecimento da caatingacom plantas forrageiras

garante alimentaçãopara criação das ovelhas

do agricultor Cícero Roberto

Manejo sustentável da caatingacontribuindo para a criação animalUma experiência que vem dando certo na criação de ovelhas é a da família

agricultora de Cícero Roberto de Almeida, sua esposa Fabiana e a filha Larissa. Elesresidem no Assentamento Ramada da Quixabeira, município de Iguaracy, Sertãodo Pajeú, em Penambuco, onde moram mais 12 famílias. Desde 2003 Cícero im-plantou uma unidade demonstrativa de manejo da caatinga para fins pastoris, comapoio da Diaconia, do Projeto Dom Helder Camara e da Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária (Embrapa).

O projeto busca garantir alimentação animal para criação de ovelhas pormeio do enriquecimento da caatinga com plantas forrageiras, o rebaixamento deárvores nativas e a rotação de pasto. Os animais se alimentam nas áreas de caatin-ga raleada, porque quando diminui a quantidade de árvores, a vegetação rasteirase desenvolve, produzindo mais pasto. Além disso, a família garante oarmazenamento de alimentos através da ensilagem com forragem da própria pro-priedade.

O sustento é tirado da criação de ovelhas e da produção de milho e feijão.São usados animais de serviço, como o boi, e dona Fabiana cria galinha para oconsumo de casa e a comercialização.

O casal de agricultores já ouviu falarem mudanças climáticas nas notícias de te-levisão. Para Cícero, o desmatamento e aspráticas convencionais de lidar com a terracausam essas mudanças. “Ao invés dedesmatar a caatinga é preciso fazer ralea-mento. Também não se deve utilizar vene-nos químicos”, diz.

Na opinião de Cícero, os efeitos dasmudanças climáticas podem ser combatidosda seguinte maneira: produzir alimentos semuso de veneno; ralear a caatinga e usar aágua racionalmente. Estas práticas ajudarama mudar a vida e o meio ambiente onde con-vivem. E como resultado, a saúde da famíliamelhorou.

CAPÍTULO 1 - AGROECOLOGIA E CRIAÇÃO ANIMAL

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“As autoridadesgovernamentais poderiamdar mais apoio, investindona zona rural e dandocondições às famílias deproduzirem sem ternecessidade de devastar asmatas, preservando oambiente”.Cícero Roberto

A propriedade de Cícero Roberto e Fabiana

Área total: 48 hectares.Atividades produtivas: plantio de milho, feijão, plantas forrageiras e criaçãode animais.Criação animal: ovelhas e galinhas.Fontes de renda: da agricultura e criação animal.Organização social: Associação Comunitária do Assentamento Ramada daQuixabeira-Iguaracy.

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Agrofloresta e criação animal:uma combinação que dá certoDona Terezinha, seu esposo Zuza e os filhos e as filhas sempre trabalharam

em terras alugadas. Há cinco anos, a família conseguiu conquistar um pedaço deterra no assentamento Serra Branca II, próximo ao distrito de Jabitacá, municípiode Iguaracy, no Sertão do Pajeú, Pernambuco. O sonho da família de ter a suaprópria terra é antigo. “Minha filha mais velha fazia mudas com as sementes queencontrava, para serem plantadas no dia em que a gente tivesse a nossa própriaterra”, lembra dona Terezinha.

Em 2005, a família iniciou uma área de agrofloresta, com as mudas que asua filha tinha produzido, sementes que dona Terezinha encontrava nas ruas ealgumas fornecidas pelo Centro Sabiá, durante a realização de um trabalho sobreplanejamento da propriedade e do viveiro de mudas. Atualmente a família trabalhana roça de milho e feijão e naagrofloresta, onde são plantadas frutas,ervas medicinais, milho, feijão, plantasnativas e forrageiras. Na área agroflo-restal existem 36 tipos de plantas.

A família também cria animais.Hoje tem 50 cabeças de caprinos, 11de gado e cerca de 40 galinhas. Gran-de parte da alimentação dos animais éretirada da área de agrofloresta. Com acriação de galinhas, parte da necessida-de de carne da família é atendida, alémde garantir uma produção diária de 12ovos, que também são vendidos paraaumentar a renda. A produção de leiteé de quatro litros por dia e servepara o consumo da família.

Segundo dona Terezinha, asmulheres da casa são responsáveispelo manejo dos animais. Elas tam-bém trabalham na área de agro-floresta e na roça de milho e feijão,além das atividades domésticas. Jáos homens trabalham na roça. Afamília deseja ver a terra cheia deplantas e o aumento da sua cria-ção. “É para melhorar ainda mais aalimentação da família e melhorara renda”, explica seu Zuza.

... e também trabalha na roça

Dona Terezinha cria animais...

CAPÍTULO 1 - AGROECOLOGIA E CRIAÇÃO ANIMAL

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Minha filha mais velha faziamudas com as sementes queencontrava, para seremplantadas no dia em que agente tivesse a nossa própriaterra”.Dona Terezinha

A propriedade de dona Terezinha e seu Zuza

Área total: 6.400m2.Atividades produtivas: frutas, ervas medicinais, grãos e plantas nativas eforrageiras.Criação animal: 50 caprinos, 11 bovinos e 40 aves.Fontes de renda: a família vive da renda gerada pela agricultura e a criaçãode animais, além do salário mínimo que dona Terezinha recebe por ser funcio-nária pública do município, trabalhando como gari.

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Criação animal: uma boaestratégia na agroecologiaA agroecologia, a criação animal, o beneficiamento e a comercialização dos

produtos têm ajudado na melhoria das condições de vida de Dona Tereza e seuCláudio, que nasceram e se criaram na roça, mas, quando casaram foram morar nacidade. Após 17 anos morando na zona urbana, em 1993, resolveram comprar umsítio na comunidade Oiteiro, em Bom Jardim,Agreste de Pernambuco. A propriedade tem2,7 hectares.

Dona Tereza diz que quando chegou paramorar no sítio os vizinhos a ajudaram bastante.“Não comprei um legume: um vizinho trouxe ofeijão o outro o milho. Eles diziam assim: é pravocê fazer a semente. Os meus vizinhos mederam oito criações, umas franguinhas pra fa-zer galinhas”, recorda dona Tereza.

O trabalho com a agrofloresta teve iní-cio em 1997, quando a família resolveu rea-lizar um tipo de agricultura diferente da con-vencional. Na propriedade, só existiam trêspés de coco, um de mangueira e uma laranjeira. Hoje há uma diversidade deespécies de plantas frutíferas e nativas.

A família articula a produção agroecológica com a criação animal. Quandochegou na propriedade, além das oito franguinhas que ganhou dos vizinhos, o casalde agricultores comprou um garrote e um porco para aumentar a criação. Atual-mente, entre suínos e bovinos, a família tem 37 animais, além de cerca de 200galinhas.

As galinhas e os ovos são comercializados na feira agroecológica do Recife.Do gado, dona Tereza beneficia o leite para fazer iogurte, queijo coalho, ricota,doce de leite e manteiga. Destes produtos, o único que é apenas para consumo é amanteiga. Todas as outras coisas são vendidas na feira. “A gente tem os animais,porque essa região é seca, só com a agricultura não dava para tirar nossas despesas.Então, resolvemos criar os animais”, explica dona Tereza.

A criação de galinhas é uma atividade que vem dando resultados bastantesatisfatórios à família. São comercializadas, por semana, cerca de 7 a 10 galinhasabatidas. O quilo custa R$ 10,00. Os ovos custam R$ 5,00 a dúzia. Por semana, afamília vende cerca de 12 dúzias. “Antes eu não criava as galinhas pensando em vendê-las. Com a feira, as pessoas começaram a pedir para levá-las abatidas, além dos ovos”,afirma dona Tereza. Foi a partir do surgimento da Feira Agroecológica do Recife, em1998, no bairro das Graças, que a família de dona Tereza sentiu a necessidade depotencializar sua produção para melhorar a renda. De acordo com ela, depois deretiradas as despesas, a família lucra entre R$ 170, 00 a R$ 200,00, por semana.

Dona Tereza beneficiando o leite

CAPÍTULO 1 - AGROECOLOGIA E CRIAÇÃO ANIMAL

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Do sítio, o casal de agricultores tira quase toda a alimentação da família.“Ultimamente, o que a gente tem comprado é o milho, porque a produção desteano foi pouca, devido à falta de chuva”, explica seu Cláudio. As sobras dobeneficiamento do leite vão para os porcos. A família planta macaxeira ao invés demandioca, porque ela serve para os porcos, as vacas e as galinhas. A segurançaalimentar é outra coisa que dona Tereza destaca. “A alimentação da família melho-rou muito. Hoje, a gente come tudo sem veneno. São produtos saudáveis”, afirma.

“A gente vai no roçado e trazuma macaxeira, já tem o ovoe a galinha. Tem o leite e oqueijo. Tem muita fruta.Tudo do nosso sítio. Nãoprecisa comprar nada disso”.Dona Tereza

A Propriedade de dona Tereza e seu Cláudio

Área: 2,7 hectares.Atividades produtivas: agrofloresta, criação animal, beneficiamento ecomercialização da produção.

Diversidade de plantas: 23 espécies de frutas e 28 espécies diferentesentre leguminosas, raízes, adubadeiras, forrageiras e nativas.Criação animal: cerca de 200 galinhas, 16 cabeças de gado, um barrão(porco), quatro porcas parideiras e 18 porquinhos novos.Beneficiamento da produção: do leite se fabrica: iogurte, doce de leite,ricota, queijo coalho e manteiga; das frutas são produzidos polpas, doces egeléias; do milho são feitos bolo, canjica, munguzá e pamonha; e da macaxeirafaz-se doce, bolo e pão.Comercialização: galinha abatida, ovos, todos os produtos beneficiados efrutas in natura.Fontes de renda: a renda da família saí do sítio, do beneficiamento e dacomercialização da produção, além da criação animal.Organização social: Dona Tereza é coordenadora do Espaço Agroecológico(que organiza as feiras agroecológicas das Graças e Boa Viagem, no Recife), eseu Cláudio faz parte da diretoria da Agroflor, uma associação de agricultoresagroecológicos.

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Abelhas ajudam a preservara biodiversidadeO agricultor Edvanaldo Miguel dos Santos, mais conhecido como Nico, mora

na comunidade de Enjeitado, município de Triunfo, Sertão do Pajeú pernambucano.Ele vive a experiência de ter uma casa cercada por 21 colônias de abelhasnativas da caatinga. Esse jeito de viverpreserva o meio ambiente e traz satisfa-ção para Nico.

A casa foi herdada de sua mãe, netade índia, a quem Nico atribui a sua ligaçãocom a mata, os animais e as abelhas semferrão, em especial. Há 15 anos, quandofoi morar sozinho nesta propriedade, aos28 anos, ele percebeu que as abelhas es-tavam se acabando por conta do desma-tamento da caatinga. “Eu não tinha experi-ência, tirava o mel e pronto. Foi quando vique a caatinga estava se acabando e decidimudar”, afirma Nico que chegou a juntar50 colônias de abelhas.

Hoje, o trabalho do agricultor com as abelhas sem ferrão é, praticamente,alimentá-las com água e mel na época de escassez de florada. A técnica utilizadapor Nico é a seguinte: em uma esponja se coloca uma parte de mel diluído em trêspartes de água. Para evitar as formigas, as colônias devem ser colocadas sobrepedras, queimadas com cimento, e com cinza de fogão ao redor.

Conhecido por sua criatividade, ele desenvolve planos e novas tecnologias,como a de usar um pedaço de mangueira, com uma ponta no ouvido e a outra naentrada da colônia, para identificar o ritmo de trabalho das abelhas. “Pouca movi-mentação, significa que as coisas não estão boas”, afirma. Atualmente estãoarranchadas no quintal de sua casa 16 espécies de cupiras, 3 canudos e 2 moçasbrancas. A colônia mais velha tem, aproximadamente, oito anos.

Na fase em que se encontra, Nico reconhece que precisa avançar, com ini-ciativas de geração de renda com a produção de mel, pois ainda não o comercializa.Segundo ele, há, na própria comunidade, uma procura pelo produto ao preço deR$ 50,00 por litro. Outro passo importante a ser dado é influenciar outros agricul-tores e agricultoras para que possam ter cuidados com os elementos da natureza.Grande parte dos vegetais presentes no Brasil depende, exclusivamente, dapolinização realizada pelas abelhas nativas sem ferrão. Daí a grande importânciade se preservar estas abelhas, evitando-se o desmatamento, as queimadas, o usode agrotóxicos e o extrativismo indiscriminado do mel.

Nico trabalha com abelhas nativas da caatinga

CAPÍTULO 1 - AGROECOLOGIA E CRIAÇÃO ANIMAL

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Minha ajuda é pouca,mas a faço com prazer.Se todos pudessem fazerum pouco também!”Nico

A Propriedade de Edvanaldo Miguel dos Santos (Nico)

Área: 4 hectares.

Atividades produtivas: agrofloresta e criação de abelhas.Criação animal: abelhas e bovinos.Fontes de renda: aposentadoria da mãe e do trabalho na agricultura.Organização social: participa das reuniões da associação comunitária.

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Seu preto e sua esposa,felizes com o trabalho depreservação da caatinga

Cuidando da caatinga,preservando a vidaPreservar a caatinga e produzir milho, feijão e sorgo fazem parte da rotina

de trabalho de seu Oliveiros Costa da Silva, mais conhecido como seu Preto, de suaesposa e dos filhos, residentes na Comunidade São Pedro, na zona rural do municí-pio de São José do Egito, no Sertão do Pajeú, em Pernambuco.

Seu Preto gosta de passar boa parte do tempo andando dentro da caatingapara ver o desenvolvimento das árvores. Há oito anos a família reside nesse localde 17 hectares. Parte do terreno é cultivado com milho, feijão e sorgo. A terra éarada com tração animal. O restante de cultura também é incorporado, servindo deadubo. O terreno é formado por áreas altas, cobertas pela caatinga, e vegetaçãonativa do Semi-árido.

A renda de seu Preto vem da venda de animais e do trabalho como diarista.Ele espera lucrar com os projetos de criação de abelhas e de cabras. “O projeto decriação de cabritos, desenvolvido por meio do Banco do Nordeste, foi um dos melho-res que apareceu para minha família”, afirma. Há um ano, ele participou de umaexperiência com criação de abelhas, promovida pela Diaconia, que até hoje vemsendo acompanhada pela instituição. Para dar suporte à criação de abelhas, seuPreto acessou o Programa de Apoio à Agricultura Familiar - Pronaf.

Preservar a caatinga é uma das lutas de seu Preto, que não utiliza venenopara o controle das pragas. “O nosso jeito de cuidar da terra é diferente. Se encon-tro uma pessoa querendo comprar uma estaca, não vendo”, afirma ele, numa clarademonstração da sua postura contra o desmatamento. O agricultor também ensi-na a outros vizinhos que já sofreram com as conseqüências do desmatamento eviram a importância de preservar a caatinga.

Seu Preto já ouviu falar nas mudanças climáticas do planeta e acha que acausa de tudo isso é o desmatamento, o lixo, a poluição dos veículos. “Na TV agente vê os veículos passando e deixandoaquela fumaça no ar”, diz o agricultor.

CAPÍTULO 1 - AGROECOLOGIA E CRIAÇÃO ANIMAL

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“Se não houver uma mobilizaçãoda parte dos governantespara melhorar a região comtecnologias de armazenamentode água, dando condiçõesde trabalho para muitas famílias,ela poderá virar deserto,com as pessoas indo morarna cidade”.Seu Preto

A propriedade Oliveiros Costa da Silva (Seu Preto)

Área total: 17 hectares.

Atividades produtivas: plantio de milho, feijão, sorgo e criação de animais.Criação animal: ovelhas e abelhas.Fontes de renda: é obtida com a venda de animais e o seu trabalho comodiarista.

Organização social: presidente da Associação de Desenvolvimento Rural Sus-tentável de São Pedro.

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O agricultor em seu sítio

Preservar é a melhor formade manter a vidaAntônio Honorindo da Silva e sua esposa Maria têm 10 filhos, dos quais oito

moram em São Paulo e dois com o casal. Na década de 80 o agricultor foi expulsode suas terras com a construção da barragem de algodões. Em 1989 ele passou amorar no Sítio Socorro, na Vila Algodões, município de Trindade, onde possui 28hectares. Uma das coisas que mais preocupa a família é a situação do meio am-biente, principalmente, da caatinga.

Seu Antônio lembra que aos 7 anos, trabalhando com o pai, ia de casa parao roçado, na Fazenda Julião, andando quase dois quilômetros dentro da caatingavirgem. Hoje, não é possível ver mais isso na região do Araripe, pois o desmatamentoe as queimadas estão enfraquecendo a terra, contribuindo para o desaparecimentode frutas silvestres e animais. Quando tomou posse da terra onde vive, mais dametade já estava desmatada, uma parte cansada e apenas 6 hectares eram decaatinga nativa. As dificuldades de conviver com aterra tão desgastada fez como que oito filhos do casalfossem para São Paulo em busca de trabalho e nuncamais voltaram.

Atualmente, dos 28 hectares da família no Sí-tio Socorro, cinco estão sendo cultivados, 17 se recu-perando e seis preservados com caatinga nativa. SeuAntônio aprendeu a trabalhar corretamente com a ter-ra e as plantas quando decidiu criar abelhas. Ele des-cobriu que o agrotóxico e as queimadas são os maio-res inimigos das abelhas. O aprendizado também ser-viu para preservar a caatinga, onde ele fez um pe-queno bosque com plantas nativas, como aroeira,jatobá, tamboril, imburana, pau ferro, juazeiro,mameleiro, anjico, baraúna, pereiro, jurema, entreoutras. “Hoje eu não arranco nenhum pé de planta,pois todas elas são alimentos para as abelhas”, diz seuAntonio, que está com 50 colméias produzindo melde ótima qualidade e gerando renda.

Entre as práticas adotadas pela família paraobter maior sustentabilidade do sistema de produçãoestão a cisterna de placas, para aproveitar e guardara água da chuva, e o tanque de fermentado, que aduba a horta caseira e asfruteiras. O agricultor, além de manter 6 hectares de caatinga nativa, reflorestouuma pequena área com mudas de sementes nativas e deixou de utilizar veneno equeimar os restos de cultura, que hoje servem de adubo para a terra.

Essas mudanças interferem diretamente na melhoria da qualidade de vidada família. “Adoecemos menos com gripes e dor de barriga, porque temos água boa

CAPÍTULO 1 - AGROECOLOGIA E CRIAÇÃO ANIMAL

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Enquanto vida eu tiver,a minha caatinga seráintocável”.Antônio Honorindo

para beber e ninguém mais está se contaminando com alimentos envenenados”,afirma seu Antônio, que hoje participa do movimento sindical e da associação co-munitária. Os dois filhos que moram com a família estão cursando faculdade.

Outro aspecto positivo foi o aumento da renda com a venda do mel. SeuAntônio explica que hoje ganha mais com menos esforços, pois está mais fácil devender a produção, com a procura maior do que a oferta e mais dinheiro nas mãosdos pobres. Ele reclama que ainda vende quase tudo aos atravessadores. “É precisouma política para melhorar os preços dos nossos produtos”, ressalta o agricultor.

A Propriedade de Antônio Honorindo e Maria

Área: 28 hectares.

Atividades produtivas: plantio de espécies nativas, legumes e frutas.Criação animal: abelha, galinhas, gado (04 vacas de leite).Comercialização: mel, hortaliças, grãos (milho) e fruteiras.Fontes de renda: da agricultura e criação animal.

Organização social: participa ativamente do movimento sindical e da asso-ciação comunitária local.

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

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João de Deus substituiu as queimadas poralternativas que não prejudicam à natureza

CAPÍTULO 2 - PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

Prática da agroecologia substituiqueimadas e venenoNa comunidade de Queimadas, município de Caraúbas no oeste do Rio

Grande do Norte, a prática agrícola da queimada é coisa do passado. Pelo menosno que depender de seu João de Deus, da sua esposa Raimunda Francisca e dosseus três filhos. O modo agroecológicomodificou muito a vida da família, queantes utilizava venenos contra pragas efazia queimadas para plantar culturas tra-dicionais. Hoje a família agricultora nãoqueima e faz uso de outras alternativaspara repelir as pragas, como o extrato denim e a urina de vaca.

A família trabalha numa área pro-dutiva de um quarto de um hectare, ondeplanta mais de dez culturas. Tem o acom-panhamento técnico da Diaconia desde2005, produz agroecologicamente ecomercializa o excedente da produção nafeira agroecológica de Caraúbas, além devender na própria comunidade a cerca40 famílias.

Após a transição do modo conven-cional para o sistema agroecológico, seuJoão de Deus já pode observar algumasalterações no clima. Devido à quantida-de de culturas que tem plantado, a áreaestá mais fria. A qualidade de vida tam-bém melhorou. Hoje a família consomemais verduras e diminuiu o surgimentode doenças, em função da alimentaçãomais saudável.

A renda também foi melhorada. A média dos rendimentos com as vendas éde R$ 70,00 por semana, isso sem contar os produtos que a família consome dopróprio quintal. “Tivemos um aumento de produção em torno de 80%, por ser tudomuito diversificado. Comercializamos na feira agroecológica e na comunidade. Aspessoas valorizam os produtos sem veneno”, afirma João de Deus. A produção deanimais bovinos, galinha e porco também foi ampliada. “Este ano fizemos umasilagem com capim elefante, palha de milho e sorgo, para o sustento dos animaisem períodos de seca”, explica o agricultor, acrescentando que “se todo mundo quevive no campo tivesse a mesma oportunidade de produzir respeitando a natureza,seria tudo muito diferente”.

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Sempre escuto na televisãoassuntos relacionados àsmudanças climáticas. Acreditoque uma das causas são asqueimadas, pois no lugar ondese queima não nasce nada demato no primeiro ano, além dolocal ficar mais quente”.João de Deus

A propriedade João de Deus e Raimunda Francisca

Área: um quarto de um hectare.Atividades produtivas: plantio de frutas, legumes, hortaliças, além de plan-tas forrageiras.

Criação animal: galinha, bovinos e porco.Comercialização: feira Agroecológica de Caraúbas e na comunidade de Quei-madas.

Fontes de renda: da agricultura e criação animal.Organização social: Associação Agroecológica Oeste Verde.

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... criam galinhas, suínos e bovinos

As agricultoras trabalham a terra sem usarqueimadas e....

Agroecologia mudando vidasAs agricultoras Joana Dias da Cunha Neta e Maria das Graças Oliveira Dias

começaram a experimentar a agroecologia no ano passado, na comunidade ondevivem com as suas famílias, conhecidacomo Baixio de Onça, município deLucrécia, no oeste do Rio Grande doNorte. As duas receberam apoio daDiaconia com o fornecimento de man-gueiras e micro-aspersor.

Segundo elas, a forma de cuidarda terra é diferente, dá mais trabalho,mas, em compensação, a produção éde melhor qualidade. As agricultorascontam que trabalham a terra sem utili-zar as queimadas e os desmatamentos.Além disso, o mato serve de coberturapara o solo e de adubo. Joana e Mariadas Graças também afirmam que a ali-mentação das suas famílias melhorou.A comercialização é feita na própria co-munidade e na cidade de Lucrécia. As agricultoras também criam galinhas, suínos ebovinos.

Elas acham que as mudanças climáticas são provocadas pelas queimadas,que acabam esquentando mais a terra. “Sabemos que a queimada é uma forma dese plantar desde os nossos antigos, está na cultura. A gente diz: homem faça umteste, não utilize a queimada. Mas aqui é uma serra e eles acham bonito quandoestá tudo bem limpinho e o solo fica todo nu”, relatam as agricultoras.

Segundo Joana e Maria dasGraças, hoje já é possível observar nacomunidade que as pessoas estãousando menos veneno. “O veneno émais fraco e em menor quantidade”,afirmam. Elas atribuem essa mudan-ça às palestras que acontecem. “Issoajuda o nosso trabalho”, ressaltam. “Ofuturo só Deus sabe. O pessoal fala queno final dos tempos tudo vai aparecer.O que dizem as escrituras sagradasestá acontecendo, a falta de água, dealimento. Só Deus resolve”, afirmaMaria das Graças.

CAPÍTULO 2 - PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“O poder públicopoderia ajudar maistendo mais contatocom os agricultores.Se houvesse maispalestras, informações,conhecimentos,o interesse aumentava”. Joana Dias

A propriedade de Joana Dias e Maria das Graças

Atividades produtivas: criação de animas, legumes, hortaliças e frutas.Criação animal: aves, bovinos e suínos.

Comercialização: na própria comunidade e na cidade.Fontes de renda: da agricultura e criação animal.Organização social: Associação Agroecológica Oeste Verde, Associação deMulheres Agricultoras de Caboré (AMAC) - Lucrécia.

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Chicola aproveita os restos de plantas e produzoutras diferentes

Agroecologia: fartura naterra e na mesaDepois de muita luta para ter o seu pedaço de terra, Francisco Eusébio

Gaudêncio, mais conhecido por Chicola, sua esposa Maria de Fátima Rodrigues eos quatro filhos/as, residentes no Sítio Beira Rio, município de Lucrécia, no oeste doRio Grande do Norte, decidiram tratar da terra na sua propriedade respeitando anatureza e a vida.

Chicola adquiriu a terra há 6 anos.Antes ele trabalhava de forma alugada.“Depois de muito sacrifício fiz minha casi-nha, minha vida sempre foi muito sofrida”,lembra o agricultor. No final do ano de2005, a família de Chicola recebeu apoioda Diaconia com sistema de irrigação, se-mentes de hortaliças e assessoria técnica.Os recursos foram do Fundo Rotativo ecomeçam a ser pagos ainda este ano.

Na sua produção, Chicola não quei-ma, não desmata, procura preservar omeio ambiente, aproveita os restos deplantas e produz outras diferentes, pertoumas das outras. “Eu planto porque gosto muito”, diz Chicola. Ele afirma que nãopulveriza e nem queima a terra onde planta o feijão, que fica mais sadio para oconsumo. O agricultor conta que andou em um plantio de tomate trabalhado comveneno e não conseguiu tirar nada do local, devido à qualidade.

“Tenho produção do mesmo jeito dos outros que usam a praga (veneno).Nessa terra, nunca usei nada de veneno e nunca deixei de comer e nem de produ-zir. Sempre levo para casa batata, manga, maracujá, uma baje de feijão, tudosadio. Minha vizinha me chama de fartura. Nem que sejam ovos, mas eu levo tododia alguma coisa para casa”, relata Chicola, que antes trabalhava mais e aindatinha que dividir a produção com o dono da terra.

O agricultor e a sua família já podem ver os resultados do seu trabalho.Além da saúde da família ter melhorado, a produção aumentou, com novos itenscomo capim, jerimum, feijão, maracujá, manga, couve, coentro, beterraba, ovos,pinha, coco, mamão, graviola, pimenta, pimentão. Seu Chicola também cria ani-mais suínos, bovinos e aves. As vendas são feitas na própria comunidade.

Com relação às mudanças climáticas, Chicola afirma que a quentura agoraestá demais. “Antigamente tinha mais mato e os invernos não duravam tão pouco.Eu acho que isso deve ser por causa do desmatamento”, afirma. O agricultor tam-bém acha que o poder público deveria se preocupar mais com os agricultores,fazendo reuniões, palestras e dando assessoria técnica.

CAPÍTULO 2 - PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Eu sempre me disponho a ensinaraos outros a minha forma de lidarcom a terra. Sempre que eu puder,vou ajudar”.Chicola

A propriedade de Eusébio Gaudêncio (Chicola) e dona Maria de Fátima

Atividades produtivas: feijão, batata, beterraba, coentro, couve, manga,maracujá, ovos, feijão, jerimum, pimenta, pimentão.Criação animal: suínos, bovinos e aves.Comercialização: na própria comunidade.Fontes de renda: da agricultura e criação animal.

Organização social: Associação Agroecológica Oeste Verde.

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Dia de multirão no sítio de Amazias

O prazer de difundir a agroecologiaSeu Amazias Mendes da Silva vem de uma família que aprendeu fazer agri-

cultura plantando solteiro, fazendo limpas e queimando o mato. Interessado emdescobrir outras formas de cultivo que não agredissem o meio ambiente, ele fezpesquisas e, muitas vezes, rece-beu como resposta que para fa-zer agricultura é preciso ter crédi-to, capital para investir. Nada di-minuiu a motivação de seu Ama-zias, que desde 1998 mora coma família no sítio João Claudiano,de 1 hectare, em Cruz de Rebou-ças, Igarassu, Mata Norte dePernambuco.

Em fevereiro de 2007 elee a família começaram a plantarno sistema agroflorestal. Apesarda pequena área, a produção deucerto. É milho, feijão verde, fei-jão-de-porco, limão, laranja, coco,banana, manga, abacate, mamãoe crote, pupunha, graviola, aba-caxi, entre muitas outras coisas.Com os bons resultados, seuAmazias se tornou difusor da agroecologia, disseminando-a entre a família e outrosagricultures. No grupo de agricultores do qual faz parte, ele demonstra preocupa-ção com o processo de formação e conscientização agroecológica. “Fiz a agroflorestana área ao lado do roçado dos meus vizinhos para eles verem o resultado”, afirmaAmazias.

A cada 15 dias, ele realiza um mutirão com as famílias que fazem parte dogrupo. Para aproveitar bem a visita, o dono da propriedade deve elaborar um planode ação para aquele dia. O almoço também é de responsabilidade da família querecebe o grupo. “Pela manhã trabalhamos no campo. À tarde é a vez dos debates,de avaliar o que foi feito, o que falta, as idéias novas e já marcamos a próximareunião”, explica o agricultor. O resultado do trabalho de difusor de Amazias estágerando bons frutos para sua própria família e os outros agricultores, que, sensibi-lizados, deixaram de queimar e estão cultivando plantas que alimentam a terra. Afamília fez opção pela alimentação vegetariana e já consome mais de 40 produtosdo sítio. Com os bons resultados, a família planeja dedicar mais tempo à agrofloresta,ampliar a área de plantio e associá-la à criação de abelhas melíponas. Para isto,estão produzindo mudas e planejando formas de gerar renda.

Consciente da importância do seu trabalho para a preservação das águas e aredução do aquecimento global, Amazias destaca: “se cada um faz um mínimo, um

CAPÍTULO 2 - PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Para iniciar umaagrofloresta não é precisodinheiro, mas conhecimentoe trabalho. Tentei váriasexperiências que não deramcerto. No sistema de plantarno mato deu”.Amazias Mendes

A propriedade de Amazias Mendes da Silva

Área total: 1,0 hectare.Área de SAF: 80 metros quadrados.Diversidade de plantas no SAF: raízes, grãos, vários tipos de frutíferas,nativas e adubadeiras, além de plantas medicinais e flores.Viveiro de mudas: na sua sementeira há uma diversidade de mudas, entreas espécies estão: aroeira, andu, ubaia, uva, manga, graviola, pitomba, acerolae flores melíferas.Criação animal: galinha de capoeira e abelhas melíponas: canudo, mosquito,jataí e urucu.

Fontes de renda: a produção do sítio é utilizada na alimentação da família. Orestante da renda é provém da comercialização de subprodutos com a criaçãodas abelhas, da aposentadoria e das atividades extra agricultura.

Organização Social: a família de seu Amazias participa de um grupo deagricultores de Abreu e Lima e Igarassu que trabalha com agroecologia.

agricultor faz meio hectare, outro faz mais meio, a Mata Atlântica deixa de ser só os7% que ocupa hoje. Tudo o que você faz com a natureza, ela retribui”, afirma oagricultor.

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José Florentino tem uma semen-teira com cerca de 500 mudas

Água e alimentos saudáveiscom a agrofloresta Aos 15 anos, José Florentino dos Santos saiu de Alagoas para Pernambuco

na esperança de construir uma vida melhor. Começou trabalhando de aluguel nasfazendas de gado de Bom Conselho, no Agreste de Pernambuco. Durante o invernoe o verão, seguia para o sul deAlagoas, onde trabalhava com os ir-mãos no corte da cana. Tentou a vidaem São Paulo e, em 1993, decidiuvoltar e se instalar no AssentamentoSerrinha, em Ribeirão - PE.

Seu José Florentino nunca gos-tou de usar veneno na agricultura. Suaprática sempre foi roçar, capinar,encoivarar o mato e queimá-lo paradeixar o solo limpo. No ano 2000 elefoi convidado pelo Centro Sabiá e pelaUniversidade Federal Rural dePernambuco a participar de uma ativi-dade com agricultura agroflorestal. Fi-cou empolgado com o que viu e deci-diu plantar uma área de agroflorestana sua propriedade.

Atualmente, ele possui três áreas de SAF,com uma grande diversidade de plantas produti-vas e adubadeiras de ciclos curto, médio e longo.Também começou a cultivar suas próprias mudase, hoje, tem uma sementeira com cerca de 500mudas. Ele afirma que o seu propósito com aagrofloresta é aumentar o volume de água das fon-tes existentes na região, garantindo que elas setornem perenes. “A forma de produzir é muito im-portante para a conservação e a qualidade da água.Na forma tradicional de produção, principalmenteda cana-de-açúcar, se usa muito veneno, fazendodesaparecer as nascentes de água”, explica JoséFlorentino.

Para o agricultor do Assentamento Serrinha,quatro coisas lhe motivam a trabalhar com o siste-ma agroflorestal: a produção de alimentos sadios, a recuperação e conservação dosolo fértil, a recuperação de nascentes e a não poluição dos rios. “A agroflorestaestá me ajudando na preservação das águas”, afirma Florentino.

CAPÍTULO 2 - PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“A agrofloresta éimportante porque protegea terra, não carece usaradubo de fora e traz aminhoca de volta para osolo. Não tem erosão edeixa a terra fresca,principalmente, no verão”.José Florentino

A propriedade de José Florentino dos Santos

Área total: 6 hectares

Área de SAF: 3 áreas, totalizando 5 hectares.Atividades produtivas: SAF’s como foco.Diversidade de plantas no SAF: há 15 espécies de frutíferas, grãos, raízes,hortaliças, além de diversas nativas, adubadeiras e forrageiras.Viveiro de mudas: tem mais de 500 mudas, entre elas espécies como café,graviola, praiba, imbira vermelha, sombreiro e cupiuba.

Criação animal: galinha de capoeira.Comercialização: participa da Feira Agroecológica da Mata Sul, em Palmares.Fontes de renda: a maior parte é composta pelo SAF’s e pelo plantio de ciclocurto.

Organização social: José Florência é diretor-tesoureiro da Associação do As-sentamento Serrinha e sócio da Associação dos Agricultores e AgricultorasAgroflorestais de Ribeirão (AFLORA).

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Claudeci e Ivonete mudaram a forma de produzir eestão satisfeitos

Agroecologia: lição deamor à naturezaNão desmatar, não queimar, armazenar água, não usar veneno químico,

fazer cobertura morta, arar a terra contra a água e conter a terra com barreiros depedra ou de cerca. Essas são algumas das práticas que dona Ivonete e seu Claudeciencontraram para desenvolver uma agricultura diferente na comunidade de Quei-mada de Zé Vicente, município de SãoJosé do Egito, Sertão do Pajeú, emPernambuco, onde o casal planta evende o que produz.

Tudo começou quando donaIvonete decidiu participar das reuni-ões de um grupo de mulheres, nacapacitação para o Projeto de Quin-tais Produtivos, com apoio da Dia-conia. Ela conta que no início foi difí-cil, pois ninguém era acostumado aplantar para vender.

“Fizemos alguns doces caseiros,mas não conseguimos comercializar,o que acabou nos desanimando”, afir-ma dona Ivonete. Diante disso, ela emais três mulheres continuaram ten-tando o trabalho na agricultura semveneno e conseguiram vencer.

A família melhorou a qualidade de vida e hoje a propriedade tem frutas everduras. Seu Claudeci cuida da produção dos defensivos naturais, além de seresponsabilizar pela criação de animais como boi, vaca, ovelhas, galinhas e patos.Os animais também estimularam o casal no cultivo de plantas forrageiras comogliricídia, leucena e nim.

O resto das plantas é reaproveitado. “Antes eu provocava a terra para virarsertão, agora deixo as plantas para provocar sombra, fazer mais frio, soltar as folha-gens e adubá-la com a sua umidade”, explica dona Ivonete. Com o aumento daprodução, o casal de agricultores começou a comercializar na Feira Agroecológicado município. “Hoje em dia tenho a minha verdura e sem veneno”, comemoraIvonete.

Sobre as mudanças climáticas, eles percebem que, há dois anos, a tempera-tura vem mudando na época das chuvas. “Há noites muito frias e outras quentesdemais”, diz seu Claudeci. Mas eles acham que “as pessoas estão se conscientizandode que mexer com veneno, queimar a terra e acabar com a natureza não é um bomnegócio”, afirmam os agricultores.

CAPÍTULO 2 - PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“As pessoas estão seconscientizando que acabarcom a natureza não é umbom negócio”.Seu Claudeci

A propriedade dona Ivonete e seu Claudeci

Atividades produtivas: verduras, frutas, venenos naturais, plantas forrageirase criação de animais.Criação animal: boi, vaga, ovelhas, galinhas e patos.Comercialização: na Feira Agroecológica de São José do Egito.

Fontes de renda: da agricultura e criação animal.Organização social: Associação Agroecológica do Sertão do Pajeú e Sindica-to dos Trabalhadores e dasTrabalhadoras Rurais de São José do Egito.

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Agroecologia contribuindo paramudar as práticas do desmatamentoe da queimadaNuma área de menos de meio hectare, na comunidade de Campus, no

município de Umarizal, no oeste do Rio Grande Norte, dona Maria de Fátima e seuJoão Batista botam a mão na terra paraproduzir no sistema agroecológico hor-taliças e frutas, além de criarem gali-nhas, ovelhas e porcos. Em 2006 a fa-mília começou a ter a assessoria técnicada Diaconia, contribuindo para modifi-car algumas maneiras de trabalhar e vi-ver na terra.

Antes de trabalhar no sistemaagroecológico, o casal vivia utilizandotécnicas como o desmatamento e a quei-mada, para produção e cultivo de feijãoe milho. A terra também era pulveriza-da com agrotóxicos. “Acredito que umadas coisas que provoca a quentura naterra é a queimada, que, muitas vezes,é criminosa. A gente já fez muitas quei-madas, mas hoje não fazemos. O lixocolocado em locais indevidos tambémprovoca isso”, afirma dona Maria de Fá-tima.

Com uma produção ainda peque-na, os agricultores vendem parte do quecolhem na própria comunidade e paraalguns clientes do município de Umarizal.De espírito empreendedor, dona Fátimainovou no jeito de comercializar, criandoo Disk Verdura, que atende aos clientesna residência.

Com o sistema Agroecológico,o casal garante a sustentabilidade dafamília e tem uma alimentação maissaudável e variada. A maioria dasdespesas da casa é paga com recur-sos que saem dessa pequena áreaprodutiva.

Seu João Batista ao lado da produçãoagroecológica de mamão

Dona Fátima e seus canteiros

CAPÍTULO 2 - PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A família está muito satisfeita com a maneira de trabalhar, pois, além deter uma alimentação de qualidade e saudável, está comercializando os produtos,gerando renda e multiplicando os cuidados com o meio ambiente.

“Antigamente chovia mais naslavouras, os invernos eram maiscontrolados. Se a gente não tentarmudar, as coisas vão ficar cada vezpiores”.João Batista

A propriedade de dona Maria de Fátima e seu João Batista

Área: um quarto de hectare (2.500 metros quadrados = 1 corrente).

Atividades produtivas: plantio de hortaliças, frutas e criação animal.Criação animal: galinhas, ovelhas e porcos.Comercialização: venda na comunidade e no município de Umarizal atravésdo Disk Verdura, que atende aos consumidores em casa.Fontes de renda: a renda é obtida com a comercialização dos produtos.Organização social: Associação Comunitária de Campos e AssociaçãoAgroecológica Oeste Verde.

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Protegendo o solo, conservandoa natureza e a vidaDepois de passar por uma intoxicação, há quatro anos, dona Antônia resol-

veu mudar a maneira de trabalhar na roça, optando por uma agricultura livre devenenos. Ela e o seu esposo, seu José, moram no Assentamento Dezinho Ângelo, a36 quilômetros da cidade de Parnamirim, Sertão do Araripe pernambucano. Gran-de parte dos lotes do assentamento fica localizada em um dos afluentes do RioBrígida, onde as famílias que possuem sistemas de irrigação podem fazer uso daágua em seus plantios.

Com a chegada da água encanada no Assentamento e a passagem de umduto pela propriedade do casal, onde mina a água, a família iniciou o plantio nesseprecioso pedaço de chão, onde começaram com três mudas de coco trazidas daBahia. Hoje eles possuem mais de 20 culturas, sem contar com as plantasadubadeiras e forrageiras, que servem para alimentar a pequena criação, protegero solo e diminuir a evaporação da água.

Apesar de não conhecerem o termo agrofloresta, o pequeno sítio da famíliaé um agroecossistema florestal, com irrigação para as culturas de ciclos curtos, quetêm a sua maior utilidade na alimentação da família. “Quando comecei a plantar,comecei a mastigar”, diz dona Antônia. Depois de tirar o consumo familiar, o quesobra de frutas e hortaliças é comparti-lhado com mais oito famílias vizinhas. Essaé uma das grandes mudanças que donaAntônia comenta, pois o que antes com-prava na feira, hoje, passou a produzir eainda pode dividir com os seus vizinhos.

No ano passado, a família che-gou a colher dez sacas de milho, que foiusado, principalmente, para alimentara criação. Dona Antônia observa que onovo jeito de plantar, deixando tudo alino chão, está conservando a vida. E queas folhas são um bom adubo para a pro-teção do solo. O casal também tem ohábito de socializar os seus conhecimen-tos com a comunidade, provando que épossível plantar uma grande variedadede plantas, misturando tudo e aproveitando a pouca água e o pequeno espaço.

Com relação ao futuro, o casal acredita que se o povo não tiver mais infor-mações sobre o desmatamento e o uso de veneno, as mudanças no clima vãopiorar. “As autoridades governamentais precisam criar condições de geração de ren-da para as famílias, pois muitas coisas ruins acontecem porque não se tem empregoou alternativas de trabalho”, afirma o casal.

Dona Antônia em sua propriedade

CAPÍTULO 2 - PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Antes era difícil verqueimadas e brocas. Hoje,se não tomarmos cuidado,chegará o tempo em quevai estar tudo torrado”.Dona Antônia

A Propriedade de dona Antônia e seu José

Área: 4 hectares.Atividades produtivas: Legumes, frutas e hortaliças, plantas adubadeiras eforrageiras, além de criação animal.

Criação animal: pequeno criatório de gado e galinhas de capoeira. A produ-ção agropecuária serve, principalmente, para o consumo da família.Comercialização: acontece de forma esporádica.Fontes de renda: as fontes de renda da família são variadas, venda de caprinose ovinos, produtos agrícolas, queijo, aposentadoria e benefícios sociais. Alémdisso, seus filhos trabalham como diaristas em outras propriedades.

Organização social: sócios de uma associação.

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Dona Tide conseguiu uma boa safracom as práticas agroecológicas

Uso de fermentado fortalecelavoura no SertãoNem a falta de chuva e de recursos para plantar desanimam dona Clotildes,

conhecida por Dona Tide, que mora com a família na comunidade de Riacho dosNegros, em Santa Filomena, Sertão de Pernambuco. A família agricultora tem par-ticipado de alguns momentos de for-mação, promovidos pelo Caatinga, edespertou o interesse em iniciar aspráticas agroecológicas no seu roça-do.

Ela começou usando fermen-tado, como fortificante para as plan-tas. Em 2007 aplicou o fermentadono milho e no feijão. O resultadoanimou: a praga não atacou muito ea lavoura ficou forte, resistindo porum período maior. Dona Tide conse-guiu uma boa safra em relação aosseus vizinhos, que utilizaram agro-tóxicos. A agricultora planta arroz, feijão, mi-lho, algodão, mamona, mandioca, farinha,além de criar galinha e gado, que produzemovos e leite. Ela também costuma guardar osgrãos para o plantio do próximo ano, tendosempre em casa a semente da terra, semnenhum tipo de transformação genética.

Dona Tide acredita que se o homem seconscientizar da agressão que comete contra anatureza, todos poderão recuperar a vida queestá sendo devastada, mas, se isso não acon-tecer, uma catástrofe maior poderá causar con-seqüências difíceis de serem reparadas. “An-tes a gente estava acostumado com o invernoe sabia quais os meses em que chovia. Agoraas chuvas são curtinhas e não sabemos mais quando chove. De repente, estamos noinverno e a seca bate ressecando tudo. Aí o negócio fica feio e o que plantamos nãodá”, afirma.

Dona Clotildes percebe também que os governantes não estão muito preo-cupados com a degradação da natureza. Ela diz que ainda existem saídas para umavida mais digna e com mais saúde. “Os governantes deveriam contribuir mais paraajudar o povo sertanejo, replantando as matas, construindo mais cisternas e barra-gens para armazenar água”, sugere dona Tide.

CAPÍTULO 2 - PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“A gente vê que as derrubadasdas matas e o veneno vêmdificultando as chuvas.Aqui antes só havia matas,e hoje elas são poucas.Os animais da mata, quasenão se vê”.Dona Tide

A propriedade de dona Tide

Área: 18 hectares.Atividades produtivas: plantio de arroz, feijão, milho, algodão, mamona,ovos, leite, mandioca e farinha.

Criação animal: galinhas e algumas cabeças de gado.Comercialização: sua produção é para o consumo da família.Fontes de renda: aposentadoria.Organização social: Associação Regional Comunitária dos Agricultores doRiacho dos Negros.

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Construção de barragem sucessiva é uma das soluções parafamílias agricultoras de Caraúbas - RN

Comunidades unidas encontrandosoluções de convivência no Semi-áridoA construção da barragem sucessiva é um sonho antigo das famílias

agricultoras das Associações de Cacimba do Meio e Abderramant no município deCaraúbas, no oeste do Rio Grande do Norte. Em 2005 as famílias agricultoras seuniram para construir a primeira barragem sucessiva do rio Umari na comunidadede Poço Redondo, que faz parte da Associação Comunitária de Cacimba do Meio.Essa barragem trouxe muitos benefícios para os agricultores daquela região, que,com a água represada no leito do rio e os cacimbões cheios, plantam feijão, milho,batata doce, macaxeira, hortaliças e capim para os animais.

Com base nessa experiência, os agricultores das duas associações, resolve-ram construir, em 2006, com recursos próprios, a segunda barragem sucessiva dacomunidade de Cacimba do Meio. Mesmo com dificuldades financeiras, as famíliasconseguiram concluir, ainda naquele ano, toda a parte de fundação, o que possibi-litou um aumento nas águas dos cacimbões, motivando ainda mais os agricultores(as)para a conclusão da barragem.

No ano de 2007, os trabalhos foram reiniciados por meio de uma parceriaentre o Projeto Dom Helder Camara, a Prefeitura de Caraúbas, o Projeto Desenvol-vimento Solidário do governo daquele estado, a Diaconia e a Associação Comunitá-ria, beneficiando 66 famílias das duas associações. Para o agricultor Joaquim FelipePereira Filho, conhecido como Quinca Cassote, que mora com a família na comuni-dade de Borracha e é sócio da Associação Comunitária de Abderramant, as barra-gens são uma das soluções para as famílias agricultoras da região.

Há dois anos o agricultor vem mudando a forma de trabalhar na terra,está recuperando a mata ciliar do rio Umari, usa biofertilizante na cultura dofeijão e forma bancos de proteí-nas na propriedade. “Hoje vejo osresultados: meus animais têm umaalimentação melhor, o feijão car-rega mais com o biofertilizante e orio vem deixando de invadir o meubaixio”, explica Quinca Cassote.

A comunidade planeja, como término da barragem, trabalharo processo de gestão das águase a recuperação da mata ciliar dasmargens do rio. Isso permitirámanter o rio e as nascentes vivose contribuirá para o restabeleci-mento do meio ambiente.

CAPÍTULO 2 - PRESERVAÇÃO E PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Hoje vejo os resultados:meus animais têm umaalimentação melhor,o feijão carrega mais como biofertilizante e o rio vemdeixando de invadir o meubaixio”.Quinca Cassote

A experiência dos agricultores de Cacimba do Meio e Abderramant

Atividades produtivas: plantio de feijão, milho, batata doce, macaxeira, hor-taliças e capim.Fontes de renda: da agricultura.

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

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CAPÍTULO 3 - AS SEMENTES E AS MUDAS NA AGROECOLOGIA

O resgate das sementes crioulasNa comunidade Cipó, município de Flores, Sertão de Pernambuco, moram

46 famílias de agricultores familiares. Elas tiram o seu sustento com a produção demilho, feijão, fava, além do criatório de cabras, ovelhas, galinhas de capoeira ebovinos. O nome da comunidade teve origem em função da existência de umagrande quantidade de um tipo de cipó, que era usado para fazer cestos e outrosutensílios artesanais.

A partir das necessidades explicitadas pelos agricultores, no planejamentoda comunidade, realizado no final de 2003, algumas famílias participaram de umintercâmbio em Lagoa Seca, na Paraíba, para conhecer experiências sobre bancode sementes. Ao retornarem, os irmãos Damião e Aldeci se prontificaram a discutira constituição de um banco de sementes comunitário. Com a assessoria do CentroSabiá e o apoio do Sindicato, hoje se discute a importância de resgatar as sementesde milho, feijão, algodão, mamona, entre outras, que anteriormente eram cultiva-das na comunidade.

Articulando outras famílias, que já tinham a prática de armazenamento desementes, o Centro Sabiá repassou 30 garrafas de semente de milho crioulo para acomunidade do Cipó, com o objetivo de estimular a seleção e o armazenamento.Quinze famílias plantaram as semen-tes. Já na primeira safra, mesmo comchuvas fracas, observaram que a pro-dução foi bem além do esperado. “Deum punhado de milho que Damiãoplantou, achamos que íamos chegar a10 sacos. Deram 15 sacos de milhoque é só grão e não tem sabugo nempalha”, afirma orgulhoso o irmãoAldeci.

As famílias da comunidade co-locam a importância dos intercâm-bios, cursos e palestras como momen-tos que favorecem a troca de conhe-cimentos e de experiências. Estes ins-trumentos vêm contribuindo para me-lhorar a seleção das espécies de se-mentes, a durabilidade no armazena-mento e as práticas de cultivo. Paraselecionar as sementes de milho, as famílias observam qual é a planta que produza primeira espiga e identificam a mais graúda. A partir disso, elas concluem que asemente proveniente desta planta resultará numa outra bem produtiva. A mesmaobservação é feita com o feijão. O armazenamento das sementes é feito em silosde zinco e/ou em garrafas plásticas de refrigerantes. O tratamento das sementes éfeito com cinzas.

Famílias da comunidade do Cipó investem naprodução de sementes

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“O que mais estáfazendo a gente sofreré o acesso à água.É não ter águasuficiente. Mas avontade de todos estáprovando que a gentetá querendo”.Raimundo de Izabel

Famílias da comunidade de Cipó

Famílias participantes: cerca de 20 famílias participam do banco de semen-tes.

Atividades produtivas: agricultura agroecológica, produção de sementes cri-oulas e criação de animais.Criação animal: cabras, ovelhas, galinhas e bovinos.Fontes de renda: da agricultura e criação animal.

Organização social: as famílias se organizam em torno do banco de semen-tes e na associação do assentamento.

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Agroecologia: consciênciasocial e ambiental Em 1978 o agricultor José Francisco de Moura saiu do município de João

Alfredo, no Agreste, para trabalhar na cana-de-açúcar na Zona da Mata dePernambuco. Quase 20 anos depois, a usina onde trabalhava, a Central Barreiros,foi à falência e os trabalhadores do engenho Amaraji, em Rio Formoso, decidiramreivindicar o tão sonhado pedaço de terra. Em 1998, o sonho se tornou realidade:as terras do engenho foram desapropriadas e seu Francisco e sua família passarama ser donos de um lote de 8 hectares, que hoje faz parte do assentamento Amaraji.

Na sua terra, Zé Francisco, como é mais conhecido, decidiu mudar os hábitosdo cultivo e partiu para plantar hortaliças orgânicas e outros produtos. Em março de2006 ele conheceu o trabalho desenvolvido pelo Centro Sabiá e, juntamente comfamília, participou de intercâmbios deexperiências com a agroecologia.

A primeira iniciativa foi investirno sistema agroflorestal, cultivandohortaliças. A agrofloresta foi instaladanuma área de fruteiras, para ajudar arecuperar o solo e a melhorar a pro-dutividade dessa cultura. Foram plan-tadas espécies adubadeiras, frutíferas,nativas e lavouras de ciclo curto, quederam um bom resultado. Com dedi-cação, conhecimento e vontade deplantar de forma correta e sustentá-vel, as experiências de Zé Franciscohoje são referência em agroecologiado ponto de vista político, social eambiental.

O trabalho dele também inclui a preservação da Mata Atlântica. Em 2007ele iniciou um viveiro de mudas florestais, que hoje conta com uma diversidade deespécies nativas de mais de três mil mudas. O seu maior desejo é trabalhar oreflorestamento com outras famílias. “A maior importância do reflorestamento érepor o que a gente estragou da natureza. Se cada um planta em cada mês, essepouquinho vai ajudando para, no futuro, salvarmos o planeta”, afirma.

Hoje, com parte da propriedade dentro do sistema agroflorestal, o agricultore a sua família já sentem as mudanças na produtividade, na preservação e no bem-estar das pessoas. O seu objetivo é ampliar essa área, pois boa parte da renda vemda propriedade, sem falar na questão da segurança alimentar. “A gente mereceviver com dignidade depois de tanto sofrimento na palha da cana. A agrofloresta ésaudável para a gente, os animais e a natureza”, afirma Zé Francisco.

A experiência de Zé Francisco é referência emagroecologia

CAPÍTULO 3 - AS SEMENTES E AS MUDAS NA AGROECOLOGIA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Poder produzir o quevai consumir, de formalimpa e saudável, émuito gratificante”.Zé Francisco

A propriedade de Zé Francisco

Área total: 8 hectares.Área de SAF: um terço da área.Atividades produtivas: hortaliças, agrofloresta e criação animal.

Diversidade de plantas no SAF: doze espécies de frutíferas e uma diversi-dade de nativas, adubadeiras e forrageiras.Viveiro de mudas: sementeira com mais de 3 mil mudas. Entre elas as espé-cies praiba, murici, pau-falha, cupiuba e imbira-vermelha.Fontes de renda: 50% vem da propriedade e o restante da aposentadoria.Organização social: atualmente, Zé Francisco é presidente da Associação doassentamento. Já foi diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio For-moso.

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Produção de mudas paraampliar a agroflorestaDepois de morar na cidade grande, trabalhando como ajudante de cozinhei-

ro, João Ribeiro da Silva Filho decidiu retornar à casa dos pais, na comunidade doFeijão, em Bom Jardim. Assim que chegou, em 2003, ele começou a trabalhar coma agricultura agroflorestal, diversificando a produção. No início, João foi muito criti-cado pelos vizinhos, porque plantava várias espécies numa mesma área. Hoje jásão mais de 100 espécies de plantas diferentes na sua agrofloresta.

“Quando comecei a fazer essa área os vizinhos me chamavam de doido,perguntando como eu ia produzir dentro de tanto pau”, lembra. Com a experiênciainiciada, João associou-se à Agroflor, uma associação de agricultores e agricultorasagroecológicos. Lá, ele começou a participar de momentos de formação e inter-câmbio e, nessas atividades, adquiria sementes de espécies diferentes para plantarna propriedade. “Chupei umas pitangas num intercâmbio e fui logo guardando assementes”, recorda.

Usando sacolas plásticas doadaspela Agroflor e reciclando garrafas pet,ele produziu, nos últimos três anos, cer-ca de 2 mil mudas de espécies frutíferas,nativas, adubadeiras e forrageiras. Des-te total, mil foram plantadas na proprie-dade, onde cerca de 70% sobreviveram,algumas frutíferas já estão produzindo.Em 2007, João Ribeiro comercializou 100mudas, obtendo uma renda de R$ 180reais.

Dentro da estratégia de plantarpara aumentar a quantidade de espéciesna propriedade, e, conseqüentemente, aprodução, ele investiu no plantio de es-pécies frutíferas, adubadeiras, nativas eforrageiras. Estas últimas ele usa paraalimentar os animais. Nesse trabalhoJoão conta com a ajuda da mulher e dofilho. Segundo o agricultor, o trabalho com agrofloresta tem favorecido o aumentode plantas na propriedade.

Ele revela que também acabou com as práticas do desmatamento e da quei-mada. “É preciso ter consciência de melhorar cada vez mais para mudar a situação,combatendo, de todas as formas, o aquecimento global, plantando mais árvores. Jápercebo essa mudança no dia-a-dia, pois quando estou trabalhando numa área semplantas o sol é mais forte. E quando estou numa área de agrofloresta é mais frio”,explica João Ribeiro.

Nos últimos dois anos, João produziu 2 milmudas de várias espécies

CAPÍTULO 3 - AS SEMENTES E AS MUDAS NA AGROECOLOGIA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“É preciso ter consciência demelhorar cada vez mais paramudar a situação. Procurarcombater, de todas as formas,o aquecimento global,plantando mais árvores”.João Ribeiro

A propriedade de João Ribeiro da Silva

Área: 0,5 hectares.Atividades produtivas: agrofloresta e produção de mudas.Diversidade de planta: mais de 18 espécies de frutíferas, algumas dehorticultura, ervas medicinais e uma diversidade de árvores nativas, forrageirase adubadeiras.Criação animal: galinhas, caprinos e bovinos.

Fontes de renda: da produção do sítio e da aposentadoria dos pais que mo-ram com ele.Viveiros de muda: em três anos produziu 2 mil mudas de espécies diferen-tes. Mil foram plantadas na sua área.Organização social: João Ribeiro é associado da Agroflor.

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Intercâmbio incentiva formaçãode banco de sementesVencer o medo, o preconceito, apostar e investir no novo que se desenha à

sua frente, não é tarefa fácil para ninguém. Os trabalhadores que decidiram optarpela agroecologia sabem bem o que é isso. Genilza Pereira enfrentou até o marido,Givanilson Pereira, para provar que o plantio dentro do sistema agroecológico dácerto. Casada desde os 13 anos, Genilza, que hoje tem 19, reside há seis anos como marido em uma propriedade de 0,25 hectares, na comunidade de Pedra Branca,município de Cumaru, Agreste de Pernambuco.

O trabalho de Genilza com a agroecologia começou em 2005, quando elaparticipou de uma capacitação sobre agrofloresta, realizada pelo Centro Sabiá. Elarelata que no início ouvia muitos comentários na comunidade de que o trabalhocom a agrofloresta não daria certo. “No começo foi difícil. Quem participou docurso foi chamado de doido. Diziam que não tinha futuro, inclusive, o meu própriomarido me criticou”, recorda Genilza.

Mas ela não desistiu. Começou plantando milho junto com palma e feijão.Plantou aproximadamente 150 mudas de espécies diferentes, 50 resistiram aosperíodos de estiagem e estão bem desenvolvi-das. Hoje a terra do casal é cercada com pinhãobranco, frutíferas, adubadeiras e forrageiras.Estas últimas são usadas para alimentar os ani-mais. Além dessas espécies, há plantas medici-nais.

Genilza também incentivou Givanilson àparticipar dos intercâmbios e das oficinas. “Fi-quei insistindo com o meu marido, até que elecomeçou a participar e me ajudar na agroflo-resta”, conta. Os intercâmbios foram fundamen-tais para que a família começasse a formar umbanco de sementes. Hoje, o casal tem uma di-versidade grande de sementes. Só de fava efeijão são nove espécies diferentes, além de trêstipos de milho, entre outras. “Nos intercâmbiosa gente aprende muita coisa e também arranjamuita semente que não conhecemos. Foi assim que arrumei essas sementes”, expli-ca Givanilson.

No sítio, a agrofloresta interage bem com a criação animal, pois o milhoproduzido alimenta as galinhas, os patos, as cabras e o garrote. O casal de agricul-tores também investe em viveiro de mudas para ter várias espécies e aumentar suaárea de agrofloresta. “Vejo que a produção ainda é pouca, mas, com o tempo, vouter mais produtos para me alimentar e poder comercializar. Estamos pensando emcriar uma feirinha em Cumaru”, comenta Genilza.

Genilza e Givanilson têm um bancode sementes

CAPÍTULO 3 - AS SEMENTES E AS MUDAS NA AGROECOLOGIA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“A agrofloresta recuperaa natureza, pois, cada vezque plantamos árvores,o planeta ganha mais vida”.Genilza

A família percebe que o trabalho com agrofloresta tem uma relação fortecom a questão das mudanças climáticas e demonstra preocupação com o planeta.“As pessoas devem se preocupar mais com o planeta, plantar árvores, ter uma ali-mentação livre de agrotóxico”, afirma Genilza.

A propriedade de Genilza e Givanilson

Área: um quarto de hectare.Atividades produtivas: agrofloresta e criação animal.

Diversidade de plantas: sete espécies de frutíferas, cinco de adubadeiras,além de várias forrageiras, leguminosas e outras vegetais.Criação animal: galinhas, patos, cabras e bovinos.

Fontes de renda: da agricultura.Organização social: o casal participa das atividades da comunidade e dereuniões do Conselho de Combate à Pobreza e à Fome.

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Cuidando e recuperandoa caatinga“Não se faz ainda um manejo correto como deveria ser feito, mas hoje a

forma de trabalhar e agir vem mudando aos poucos esses pontos negativos”. Essedepoimento é do agricultor Oséias Ramalho, que mora no sítio Baixa do Angico, emCaraúbas, oeste do Rio Grande do Norte, com a sua esposa, Maria Jaciara, os seusdois filhos e os pais. Numa área de 130hectares, ele investe na agrofloresta, narecuperação e preservação da caatinga,do cultivo da cajucultura, na criação deabelhas nativas e africanizadas e na pro-dução de mudas de espécies nativas.Antes a família trabalhava com serrariae produção de carvão, devastando equeimando as plantas existentes numaárea de 23 hectares.

Em 2000, Oséias participou deum curso de apicultura na comunidadede Miranda, em Caraúbas, quando ad-quiriu a consciência sobre a preserva-ção do meio ambiente. A partir daí, eleiniciou um trabalho com apicultura, instalando 5 colméias. Também melhorou oscajueiros da propriedade e plantou novas mudas. Com a certeza da importância depreservar o meio ambiente e alcançando bons resultados, o agricultor conseguiuampliar o número de colméias. “De 5 aumentamos para 100, em três anos. Com avenda do mel, compramos mais 107 hectares e ampliamos o apiário. Hoje temos270 colméias. Tudo isso só foi possível porque paramos de fazer queimadas e dedesmatar”, explica Oséias.

Além da abelha africanizada, o agricultor e sua família trabalham com asabelhas nativas como jandaira, amarela e jati. E estão tentando introduzir a moçabranca e a cupira, ameaçadas de extinção na região por conta da exploração damadeira. Em 2003, Oséias começou a plantar árvores exóticas, como o nim e aalgaroba, em uma área de reflorestamento. Ele percebeu que as espécies, por nãoserem nativas, poderiam causar impactos negativos naquela área, como é o casoda algaroba, que é invasora. “Vimos que o correto com a natureza é plantar coisasda região como cumarú, umburana, aroeira, sabiá, joão mole e juazeiro, plantas daprópria caatinga”, afirma Oséias.

A intenção da família com o reflorestamento é recuperar as áreas destruídas,possibilitando renda com um manejo sustentável e aumentando o néctar e o pólempara as abelhas. O agricultor também possui criação de galinhas (inclusive galinhade angola) e bovinos, além do plantio de feijão e hortaliças. A produção da família temsido mais para o consumo. Eles só comercializam mais a castanha e o mel.

Oséias e a filha com sua criação de abelhas

CAPÍTULO 3 - AS SEMENTES E AS MUDAS NA AGROECOLOGIA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Hoje eu tenho a consciência deque a terra é um organismo vivo.Enxergo que as plantasexistentes em meio aos cajueirose a mata nativa são aliadas. Senão mudarmos o jeito de pensare agir, o sertão vai virar deserto,pois só temos extraído do meioambiente e não se repõe nada”.Oséias Ramalho

Oséias está preocupado com o aquecimento global. “Hoje eu vejo que ohomem tem acelerado o processo de aquecimento. É a exploração só visando odinheiro”, ressalta o agricultor, acrescentando que na sua região a causa das mu-danças climáticas são a derrubada da caatinga para a monocultura do cajueiro, aqueimada para fazer carvão e o desrespeito à natureza.

A propriedade de Oséias Ramalho e Maria Jaciara

Área: 130 hectares de área produtiva.

Atividades produtivas: cajucultura, apicultura, meliponicultura, mudas e cria-ção animal.Produção de mudas: nativas da caatinga, como aroeira, sabiá, cumaru.Criação animal: galinhas e bovinos.

Comercialização: de castanha e mel.Fontes de renda: da venda da castanha e do mel.Organização social: Associação Agroecológica Oeste Verde.

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Resgatando origens e sementesRaimundo Nonato, mais conhecido como Nego, morava em São Paulo, onde

era proprietário de uma micro empresa que fabricava roupas masculinas e ganhavauma boa renda. A agitação da maior cidade do Brasil fez com que Nego, há quatroanos, retornasse à terra natal, quando passou a morar no assentamento DezinhoÂngelo, localizado a 36 quilômetros do município de Parnamirim, próximo a um dosafluentes do Rio Brígida.

Nego conta que o seu retorno de São Paulo foi com a intenção de conseguirsementes plantadas pelos seus antepassados. “É uma tradição que a gente nãopode perder. Hoje tenho semente do milho mané res e estou lutando para resgatara do feijão cabeça de gato”, afirma. A experiência de vida de Nego o fez entrar nabatalha contra o desmatamento, a preservação da mata ciliar do Rio Brígida e oresgate de sementes nativas.

Ele vive no assentamento próximo dos parentes e tem na agricultura e emalgumas encomendas de roupas as suas principais fontes de renda. Presidente daAssociação do Assentamento, ele articula, com muita empolgação, a comunidadeem que mora e as vizinhas, para trabalhar com idéias coletivas que ajudem osertanejo a conviver com a oscilação dos invernos. Atualmente, eles estão com aidéia de montar um tanque de fermentado.

O agricultor também não cansa de conscientizar as pessoas sobre os perigosdo uso de agrotóxicos. Ele conta que há três anos se intoxicou e desde então decidiumudar o seu jeito de trabalhar. “O solo onde é aplicado o veneno enfraquecerapidamente, prejudicando a natureza”, observa.

Nego chama a atenção do governo para o desrespeito que existe hoje com acaatinga, pois há uma grande retirada de madeira para ser usada na indústria dogesso. Sobre as questões do assentamento, ele e a sua companheira refletem queo governo poderia orientar mais o assentado, principalmente, com relação à formade produção agrícola e ao financiamento de créditos que promovem o desmatamento.

Nego no seuroçado

CAPÍTULO 3 - AS SEMENTES E AS MUDAS NA AGROECOLOGIA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“ Vim embora de São Paulocom a intenção de conseguirsementes usadas pelos meusantepassados, sementes limpas.Isso é uma tradição que a gentenão pode perder. Essa sementesendo plantada da formacorreta, sem usar veneno,a gente protege a natureza”.Raimundo Nonato

A propriedade de Raimundo Nonato (Nego)

Área: 4 hectares.Atividades produtivas: Legumes, frutas e hortaliças, plantas adubadeiras eforrageiras, além de criação animal, cultivo de sementes e confecção de roupasmasculinas.Comercialização: produz, principalmente, para o consumo da família. Aindanão comercializa os produtos de forma sistematizada.Fontes de renda: a renda mensal da família é obtida com a agricultura e avenda de confecção.

Organização social: presidente da Associação do Assentamento Dezinho Ân-gelo.

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O agricultor Francisco de Assis Teixeirae o seu rebanho

Fartura sem agrotóxicos, venenose queimadasFrancisco de Assis Teixeira, mais conhecido como Assis, e sua esposa, Ino-

cência Valério, a dona Sinhá, ensinam que é possível plantar numa só área semprecisar desmatar. O jeito que a família de Assis trabalha a terra faz a diferença. Ofato de não queimar e não usar agrotóxicos já é um grande serviço que a famíliapresta à natureza. Na propriedade eles conservam plantas medicinais, forrageiras,madeira, abelhas nativas, animais silvestres, entre outras coisas. Também merecedestaque no trabalho de Assis a conservação da caatinga em pé, que resulta napreservação do solo e da água.

Mas a experiência que mais chama a atenção na propriedade é a produçãode sequeiro, principalmente, de milho, feijão e sorgo. Ela tem como referências aadubação orgânica utilizando o esterco do curral e do chiqueiro, o controle depragas e de doenças das plantas através de defensivo natural feito com três plantas(maniçoba, pinha e nim) e a seleção de sementes das três culturas plantadas.

Ao todo, a família possui mais de 200 tarefas de terra cercadas, onde con-serva a caatinga para a produção da madeira de que necessita para fazer cercados(estacas e varas), carvão e lenha. Por ano, o agricultor produz seis sacas de feijão,10 de milho e 38 de sorgo, produção suficiente para alimentar a família e osanimais de terreiro. Assis afirma que o mais importante é ter o feijão de consumogarantido. “Assim a família fica tranqüila o ano inteiro”, destaca.

O solo da propriedade de Assis e Sinhá está melhorando a partir de duasperspectivas que se desenvolvem paralela-mente: a adubação orgânica, feita a cada trêsanos; e a utilização de defensivos naturais,não tóxicos ao ambiente nem as pessoas.Outra coisa muito importante que o casal deagricultores vem fazendo é divulgar o que estásendo feito. “É preciso fazer chegar ao conhe-cimento das pessoas, para que elas tomem cons-ciência do que precisam para respeitar o meioambiente e os seus semelhantes”, afirma Assis.

A família já ouviu falar das mudançasclimáticas, principalmente, as filhas, que as-sistem aos noticiários de TV com mais fre-qüência. O tema preocupa todo mundo, as-sim como os agrotóxicos e os venenos aplica-dos em plantas. “Os venenos são muito ruins para as pessoas”, afirma Assis. Afamília sugeriu se fazer um estudo sobre o uso de venenos e os problemas que elescausam. E denunciar isso de todas as formas possíveis, já que, além de contaminara natureza, os venenos matam e deixam pessoas inválidas.

CAPÍTULO 3 - AS SEMENTES E AS MUDAS NA AGROECOLOGIA

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“A terra enfraqueceu demaispor conta da forma erradacomo as pessoas tratam o solo.Elas não sabem dar à terra oque ela precisa para produzirbem”.Seu Assis

Sobre a região Semi-árida, as expectativas da família de seu Assis e donaSinhá não são nada otimistas. “Se continuar assim, a região vai virar um deserto,porque as plantas diminuem e as águas vão ficar mais escassas”, afirma o agricultor.

A propriedade de seu Assis e dona Sinhá

Área: 200 tarefas, cerca de 65 hectares.Atividades produtivas: plantas medicinais e forrageiras, madeira, milho, fei-jão, sorgo, abelhas de ferrão, animais silvestres.

Criação animal: vacas e ovelhas.Comercialização: vende ovelhas e burregos na feira de Jatobá e tambémcomercializa garrotes.

Fontes de renda: da agricultura e da venda de animais.Organização social: Assis e Sinhá são sócios do Sindicato dos TrabalhadoresRurais. Assis também é sócio-fundador do Caatinga.

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

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CAPÍTULO 4 - AGROECOLOGIA E SEGURANÇA ALIMENTAR

Agroecologia, segurança alimentare sustentabilidadeO poder transformador da agroecologia trouxe muitos benefícios para a fa-

mília do seu Baltazar e dona Josefa, que moram na comunidade Riacho Fundo, nomunicípio de Quixaba, Sertão do Pajeú, emPernambuco. Em 1999 o casal iniciou a produçãoagroecológica, no mesmo período em que aDiaconia começou as primeiras ações no local. Afamília, que começou as atividades participandode encontros de intercâmbio, hoje produz verdu-ras e frutas sem veneno, além de criar galinhas,ovelhas e gado.

Numa área de 19 hectares eles armaze-nam alimento para os animais, através da produ-ção de fenação e silagem. Na propriedade, tam-bém existe uma área de caatinga, que é utilizadacomo madeira para confecção de cercas e pastopara as ovelhas. Árvores como baraúna, pereiro,angico, caatinga, jurema e marmeleiro são preser-vadas.

A família depende pouco de insumos com-prados fora, demonstrando um bom nível de susten-tabilidade. O leite das vacas é transformado emqueijos. Todos os produtos da propriedade sãocomercializados no próprio município, através davenda de porta em porta. “Antes o lucro só davapara as despesas. Hoje ele garante a segurança alimentar e parte da produção écomercializada”, diz Baltazar.

A nova forma de cuidar da terra brindou a família com a possibilidade de sermultiplicadora desse saber para outras famílias. Além disso, a saúde de todos dacasa melhorou, desde que pararam de usar venenos. Eles avaliam que vêm comen-do alimentos limpos, de qualidade e em quantidade suficiente.

O casal já ouviu falar sobre as mudanças climáticas que vêm ocorrendo eacha que são resultados da utilização de agrotóxicos, queimadas e mau uso daterra. “Usar veneno natural, matéria orgânica, não queimar e preservar o meioambiente, são formas de trabalhar na terra e minimizar os efeitos das mudançasclimáticas”, afirma seu Baltazar.

Ele listou algumas atividades que mudaram a vida da família e contribuempara a diminuição dos efeitos das mudanças climáticas: usar irrigação de micro-aspersão, cobrir a área de plantio com folhas e caules resultantes de podas deplantas (cobertura morta), evitar a salinização do solo, usar adubos orgânicos eproduzir plantas e verduras sem veneno.

Seu Baltazar, que hoje depende muito poucodos insumos comprados fora

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Utilizamos práticas ideaispara preservar a terra”.Seu Baltazar

A propriedade seu Baltazar e dona Josefa

Área total: 19 hectares.

Atividades produtivas: plantio de verduras, frutas, além da criação de ani-mais de pequeno, médio e grande porte.Criação animal: galinhas, ovelhas e gado.

Comercialização: venda porta a porta no município.Fontes de renda: da agricultura e criação animal.Organização social: participa da Associação Agroecológica do Sertão do Pajeú- AASP.

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Cuidando da horta e construindoa sustentabilidadeA cada dia, torna-se maior o interesse e o engajamento da juventude na

descoberta da agroecologia. Maria Aparecida Silva de Oliveira, mais conhecidacomo Cidinha, agricultora de 18 anos, é um desses frutos juvenis. Ela mora com osseus pais, Alcides e Noêmia, e os quatro irmãos, no sítio Lagoa de Pedra, municípiode Vertente do Lério, Agreste de Pernambuco. A terra tem 2,5 hectares e é umaherança dos seus avós.

Os primeiros contatos de Cidinha com a agroecologia começaram a partirde 2005, após participar de intercâmbios e cursos promovidos pelo Centro Sabiá.Para começar ela fez uma pequena horta perto da sua casa, num espaço de cercade 150 m², de onde hoje colhe coentro, alface, pimentão, couve, cebolinha, toma-te, entre outros produtos destinados ao consumo da família.

A mãe de Cidinha, dona Noêmia, sempre gostou de manter o seu quintalprodutivo, com espécies frutíferas e nativas, além de canteiros de flores e plantasmedicinais. ”Minha mãe sempre gostou de plantar flores e ervas”, explica Cidinha.“Os vizinhos, quando precisam de alguma erva para remédio, já vêm buscar aqui”,completa dona Noêmia, que costuma produzir mudas de flores e ervas para daraos vizinhos.

O trabalho de mãe e filha influenciou seu Alcides, o pai de Cidinha, que faziaqueimadas, desmatamentos e outras práticas que causam danos ao meio ambien-te. A partir da observação do trabalho delas, ele já não queima, não desmata e atécuida da horta agroecológica junto com Cidinha.Seu Alcides percebeu que o trabalho das duastem gerado resultados positivos como uma ali-mentação mais saudável e a diminuição de gas-tos com a compra de verduras e hortaliças paraabastecimento da família. Além disso, a produ-ção tem aumentado e a qualidade do solo me-lhorado.

De acordo com Cidinha, a família gasta-va cerca de R$ 50,00, por mês, para comprarverduras. Atualmente, esse valor baixou paraR$ 20,00. Isso porque há produtos que elasainda não plantam na horta, como cebola, ce-noura, repolho, etc. Ela e o pai procuram inves-tir na horta para melhorar cada vez mais à pro-dução. O local está se destacando pelo consór-cio que pai e filha estão fazendo, unindo produção de hortaliças e agrofloresta.Dentro dessa área consorciada, a família calcula a existência de 26 espécies deplantas, entre elas: hortaliças, leguminosas, raízes, frutíferas, adubadeiras, nativase adaptadas.

Cidinha com produtos de sua horta

CAPÍTULO 4 - AGROECOLOGIA E SEGURANÇA ALIMENTAR

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Não é muito trabalhoe eu vejo que estouproduzindo alimentosaudável pra gente”.Cidinha

Cidinha diz estar muito feliz com o trabalho. E o melhor, a família está tendooutra visão de como fazer agricultura pensando sempre na natureza.”É importanteque cada um faça a sua parte. Aqui, além da gente ter uma alimentação maissaudável, estamos contribuindo para não prejudicar o meio ambiente”, afirmaCidinha.

A propriedade de Maria Aparecida da Silva (Cidinha) e sua família

Área: 2,5 hectares.Atividades produtivas: agrofloresta e horticultura. Diversidade de plantas: 14 espécies de frutas, nove espécies de horticultura,dez espécies para o consumo familiar, além de uma diversidade de árvoresnativas, forrageiras, adubadeiras, ervas medicinais e flores.Criação animal: cria galinha para consumo da família.Fontes de renda: aposentadoria dos pais e venda de frutas em época desafra. Organização social: Cidinha participa da organização dos jovens e das reu-niões da associação da comunidade.

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Fortalecendo a amizadee a segurança alimentarAs amigas agricultoras Joilma e dona Lourdes moram no assentamento Ser-

ra Branca II, no distrito de Jabitacá, município de Iguaracy, Sertão do Pajeúpernambucano. Fundado em 2001, por meio do crédito fundiário, o assentamentotem como principais atividades produtivas a criação de cabras, a agricultura e afabricação de carvão. Joilma veio para Serra Branca II há 4 anos e dona Lourdesestá há 1 ano.

Casadas e com filhos, as duas decidiram, em abril de 2007, trabalhar nocultivo de verduras a partir da necessidade de alimentos para o consumo da famíliae da geração de renda. O plantio fica nas margens de um açude da comunidade,que é a principal fonte de abastecimento. Para não deixar faltar as verduras, elasfazem o plantio dos canteiros de 8 em 8 dias, garantindo a produção de toda asemana. Atualmente as agricultoras lidam com coentro, alface, cebolinha, pimen-tão e abobrinha.

Com o planejamento de diversificarainda mais a produção, elas pensam em plan-tar pepino, tomate, cereja, batata doce, abó-bora, melancia e maracujá. Querem organi-zar uma sementeira com mudas, principal-mente, de umbu, que nasce naturalmentenos canteiros, devido ao estrumo de caprinos,que se alimentam dos frutos do umbuzeiro.As tarefas são realizadas pelas duas, queficam encarregadas de limpar os canteiros ede aguar as plantas. Quando uma não podeir ao trabalho, a outra o faz. E, quando asduas não podem ir, os seus esposos e filhosfazem as atividades do roçado.

Todo o lucro e as despesas com a hor-ta são divididos entre as duas. A produção da horta elas comercializam no porta-a-porta. Vendem diretamente aos consumidores pelos sítios vizinhos e na cidade,transportando os produtos em carroça de jegue e bicicleta. Hoje, as agricultorasconseguem o dobro de quando vendiam ao atravessador. Por semana, elascontabilizam entre R$ 30,00 e R$ 60,00.

O que sai dos canteiros vai direto para a mesa das duas famílias, melhoran-do significativamente os hábitos alimentares, pois as crianças passaram a gostarmuito de verduras. Joilma e Dona Lourdes também estão envolvidas nas dinâmicasda associação do assentamento, participando das reuniões e assumindo funções.Elas dizem que não trocam o trabalho com os canteiros pelo carvão, pois trabalharcom carvão é muito pesado, além de prejudicar o meio ambiente. Acrescentam,também, que se uniram mais e a amizade entre as duas aumentou.

Joilma leva os produtos da horta diretopara a mesa

CAPÍTULO 4 - AGROECOLOGIA E SEGURANÇA ALIMENTAR

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“O trabalho com os canteiros,além de nos dar renda, fezaumentar a nossa amizade”.Joilma

“Depois deste trabalho,considero Joilma comouma filha”.Dona Lourdes

A propriedade de Joilma e dona Lourdes

Área: cultivam a horta na área coletiva do assentamento, à margem do rio.Atividades produtivas: Horticultura e criação animal.Criação animal: caprinos e galinha de capoeira.

Comercialização: porta a porta nos sítios da comunidade e da cidade.Fontes de renda: vem da venda dos produtos da horta e do trabalho doscompanheiros.

Organização social: participam da Associação do Assentamento Serra Branca II.

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Tecnologia alternativa parasegurança alimentar e nutricionalAprender e multiplicar conhecimentos para garantir a segurança alimentar e

nutricional da comunidade é uma das tarefas do agricultor José Aparecido dosSantos Delmondes, conhecido por Cidinho, que mora na comunidade da Lagoa doPau Ferro, em Ouricuri, Pernambuco. Casado com Adelina Macedo dos Santos e paide 4 filhos, Cidinho articulou a comunidade, um grupo de 12 famílias, para cons-truir um barreiro de lona, tecnologia de armazenamento de água para a produçãode hortaliças.

A comunidade aprendeu a trabalhar a terra cuidando bem dela. Eles nãoqueimam, não desmatam e nem usam agrotóxicos, dando à terra as condiçõesnecessárias para que possa produzir melhor. Além de preservar uma área de 250tarefas de mata nativa, Cidinho e a comunidade utilizam formas simples e práticasque dão resultados, como o uso de defensivo natural para combater as pragas queatingem o roçado. É um óleo extraído da semente do nim, planta originária daÍndia, que age diretamente nas plantas, deixando-as mais fortalecidas e “vacina-das” contra o ataque.

O agricultor também trabalha com medicina alternativa, produzindo amultimistura, um preparo de folhas e grãos ricos em proteínas e vitaminas, queserve como complemento alimentar, principalmente, para crianças e idosos. Eleacredita na força das plantas e na riqueza quea mãe-terra dá aos seus filhos. Cidinho e ou-tras famílias do Sertão do Araripe estão cadavez mais conscientes da importância daagroecologia nas suas vidas. “Dependendo dachuva, produzimos um pouco a mais, mas oque retiramos da terra é para o nosso consu-mo e com a garantia de que são produtos sau-dáveis”, avalia.

Apesar da dedicação e do investimentono trabalho comunitário, Cidinho está preocu-pado com as conseqüências trazidas pelas mu-danças climáticas. Ele diz que os governantesnão se preocupam nem investem em políticaspúblicas mais sérias para o meio ambiente. “Épreciso que se façam cumprir as leis de proteçãoà natureza e à vida na terra. Para isso é necessá-rio que haja uma fiscalização mais séria e com-prometida, para tentar diminuir as queimadas eos desmatamentos que acontecem em todas asregiões do Brasil, principalmente, na nossa, oSertão do Araripe”, alerta Cidinho.

Cidinho articula a comunidade paraconstrução de um barreiro de lona

CAPÍTULO 4 - AGROECOLOGIA E SEGURANÇA ALIMENTAR

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Essas tecnologias alternativasmelhoraram muito as nossasvidas. Não usamos veneno nasnossas plantações, pois temoságua do barreiro de lona esabemos que nossos alimentossão saudáveis“.Cidinho

A propriedade de José Aparecido dos Santos (Cidinho ) e Adelina

Área: 12 hectares.Atividades produtivas: legumes, hortaliças e fruteiras.Criação animal: duas vacas, cabras, galinhas de capoeira e abelhas.Comercialização: caprinos.

Fontes de renda: da produção animal e outras atividades.Organização Social: Associação Comunitária Rural de Lagoa do Pau Ferro eSindicato dos Trabalhadores Rurais.

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Agroecologia para melhoraro clima e a vida no planetaHá três anos, seu Luiz Gonzaga, mais conhecido como Luiz Cariri, sua espo-

sa Maria de Lourdes e os seus filhos começaram a adotar novas práticas no cultivoda terra, mudaram a alimentação, melhoraram a renda e passaram a tratar o meioambiente na Comunidade Santo Antônio I, em Afogados da Ingazeira, no Sertão doPajeú, em Pernambuco.

Tudo começou quando um casal deamigos vizinhos convidou seu Luiz paraparticipar das reuniões da AssociaçãoAgroecológica do Sertão do Pajeú (AASP),com a finalidade de aprender a cultivarplantas sem uso de veneno. A família foibeneficiada com a construção de um silopara armazenamento de alimentos desti-nados aos animais, recebeu uma caixad’água e um sistema de irrigação.

Interessado em conhecer novos sis-temas de plantar e cuidar do meio ambi-ente, seu Luiz começou a participar de en-contros de intercâmbio para melhorar aprodução e a qualidade de vida. Hoje, to-dos os produtos cultivados agroecologica-mente vêm sendo comercializados na Feira Agroecológica de Afogados da Ingazeira,melhorando a vida e a renda da família. “Não precisamos mais comprar algumasfrutas e verduras. Hoje temos expectativas de dias melhores”, afirma seu Luiz.

Com relação às mudanças climáticas que vêm ocorrendo, ele atribui à escas-sez de água de qualidade no mundo. O agricultor lembra que antigamente a comu-nidade tinha locais com águas cristalinas, onde existiam muitos peixes. “Hoje nãose podemos mais utilizar a água nem para beber”, afirma. Para seu Luiz, o queprovoca as mudanças climáticas são as queimadas, o uso de venenos e os esgotosdas grandes cidades.

A forma como seu Luiz e sua família trabalham a agricultura está contribuin-do para melhorar as condições climáticas da terra. “Agora o meu jeito de cuidar daterra melhorou. Antes eu queimava o solo e matava os pássaros, hoje eu os preser-vo”, diz. Essas práticas também têm ajudado a melhorar a relação da família dentroe fora de casa.

Seu Luiz faz um apelo às autoridades no sentido de preservar o Rio Pajeú,que é o cartão-postal da região. E convoca outras famílias agricultoras para seengajarem na sua luta, em associações e outras parcerias, na defesa da preserva-ção do meio ambiente.

Seu Luiz Cariri está satisfeito com a agroecologia

CAPÍTULO 4 - AGROECOLOGIA E SEGURANÇA ALIMENTAR

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A propriedade de seu Luiz Gonzaga dos Santos e dona Maria de Lourdes

Atividades produtivas: plantio de frutas, verduras e legumes.Criação animal: aves e bovinos.Comercialização: na Feira Agroecológica de Afogados da Ingazeira.Fontes de renda: da agricultura e criação animal.Organização social: participa da Associação Agroecológica do Sertão do Pajeú(AASP).

“Atitudes como nãoqueimar nem usar venenoe plantar árvores sãocoisas que podemmelhorar as condiçõesclimáticas”.Seu Luiz

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

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CAPÍTULO 5 - MULTIPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO

Professor vivencia realidadedo Semi-árido com alunos Filho de uma família agricultora, o professor e agricultor familiar Joseilton

Teixeira Salviano mora na cidade e desenvolve ações no campo, na propriedade dafamília, no Sítio Cancelas. Atualmente, Joseilton é diretor da Escola Rural Ouricuri(ERO) e desenvolve um trabalho exemplar de educação contextualizada – baseadana realidade da comunidade em que vive. O fato de ter origem numa famíliaagricultora e conhecer a vida no campo lhe permite perceber e assimilar os proble-mas locais, possibilitando pensar em propostas de desenvolvimento associadas aoseu trabalho como educador.

Para Joseilton, a educação contextualizada desempenha um grande papel,que é o de formar alunos e alunas capazes de refletir sobre os impactos causadospelo homem na natureza. Outro aspecto importante que o professor destaca é apossibilidade de os alunos e as alunas influenciarem seus pais quanto à forma deproduzir, dentro da proposta de educação agroecológica. “Trabalhamos técnicasalternativas de preservação e conservação dos recur-sos naturais, com uma visão de desenvolvimento sus-tentável”, afirma o professor-agricultor.

A partir de sua prática educativa, ele e o qua-dro de professores trabalham técnicas alternativas deconvivência com o Semi-árido. “Depois que comeceia trabalhar a proposta de educação agroecológica mi-nha vida mudou totalmente. Além dos prêmios con-quistados, fui promovido ao cargo de gestor da EscolaRural. Sinto-me um trabalhador feliz onde estouatuando”, afirma. A vivência de Joseilton no mundoda educação tem estimulado outros professores a in-gressarem na educação contextualizada como práticapedagógica libertadora. “Acredito que a implantaçãoda proposta de Educação Agroecológica nas escolaspoderia contribuir para o equilíbrio do clima”, diz.

Segundo Joseilton, as mudanças climáticas sãoprovocadas por uma série de atividades industriais eagressões ao meio ambiente. O principal gás que con-tribui para esta mudança é o carbônico, que, no Brasil, é emitido, principalmente,pelas grandes queimadas, pelos automóveis e indústrias. “Se continuarmos agindodessa forma, o nosso Semi-árido se tornará ainda mais árido. O clima ficará maisquente e a falta de chuva será maior”, ressalta.

É com essa preocupação que o professor-agricultor segue em frente, edu-cando alunos e alunas para a vida e a convivência com o Semi-árido. Joseiltonplanta e cuida da produção de seu próprio roçado nas terras do pai, orientandopara a produção sustentável e não agressiva ao ambiente Semi-árido.

Joseilton Salviano decidiu morarno campo e ensinar os trabalha-dores rurais

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A propriedade de Joseilton Salviano

Área: ¾ de hectare.Atividades produtivas: árvores frutíferas (manga, serigüela, caju, pinha, ma-mão), macaxeira, feijão e milho.

Comercialização: a produção é para o consumo da família.Fontes de renda: sua renda é o salário de professor da rede municipal deensino.Organização social: Sindicato dos Servidores Públicos Municipais.

A educação contextualizadaPode contribuir para o clima esfriarPois a terra esta mais quenteE viver assim não dáMas com educação e informaçãoTudo pode melhorar

Na ERO nos preocupamos muitoPara o planeta melhorarPois se deixarmos queimar nossacaatingaA biodiversidade vai acabarE nós precisamos das árvoresPara ar puro respirar

Estamos aqui preocupadosCom o que está acontecendoTemos medo de tornadosE da falta de água que tamostendoLá no sul chove de maisPessoas afogadas tão morrendo

Com tantos gases poluentesO clima mais quente estáO Semi-árido nordestinoDeserto pode se tornarE eu não quero que isto aconteçaCom minha pátria, meu lar.

Joseilton Salviano

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Jovens unidos contra os agrotóxicose o desmatamentoUm grupo de 15 jovens da comunidade de Santa Maria, em Ouricuri, cultiva

o sonho de ter uma área produtiva e de lazer para a comunidade, com espaço dedebate sobre os problemas e as perspectivas dos jovens da localidade. O grupo foicriado a partir do trabalho da catequese,que fortalece essas atividades. Depoisque chegou a energia, em março de2007, o grupo pensou em desenvolverum trabalho produtivo a partir do plan-tio na margem do lago da Barragem deAlgodões.

Tudo é bem planejado para nãoatrapalhar a contribuição dos jovens naroça dos pais, que, inclusive, ajudam ogrupo da maneira que podem, fazendoeventos para arrecadar recursos. Os jo-vens começaram plantando sorgo e mi-lho, em maio de 2006. O plantio eraaguado com balde, mas, agora uma fa-mília comprou um motor-bomba, de R$ 850,00, que está servindo para irrigar oplantio de horta, fruteiras, grãos, raízes e túberas. Com o incentivo do Caatinga, ogrupo construiu uma caixa d’água elevada, que facilita a irrigação por gravidadedos cultivos. Os jovens também aumentaram a horta e o pomar agroecológico,espaços de produção e demonstrativos para a comunidade.

A forma de trabalhar a agricultura tem causado um impacto positivo nalocalidade, mudando o jeito de cultivar de dezenas de famílias, que antes planta-vam apenas os cultivos de sequeiro (milho e feijão) e não tinham nada plantadocom pequena irrigação nas margens da Barragem Algodões. Atualmente essasfamílias começam a diversificar seus cultivos, produzindo frutas e verduras. Segun-do Maria Teresa, uma das mais atuantes do grupo, o trabalho está sendo importan-te porque mostra que as práticas permitem a conservação do solo, das plantas, dassementes, da água e da própria natureza. Segundo ela, um dos aspectos importan-tes é a não utilização do agrotóxico. Para se defender e fortalecer as plantas, ogrupo de jovens usa o defensivo de nim com detergente.

No grupo, um dos jovens sabe fazer curvas de nível que conserva o solo. Noplantio de milho eles usam o inseticida natural. “Plantamos covas de banana emamoeiro e estamos usando esterco bem curtido de forma dosada: 1 a 3 kg/m2”,explica Maria Teresa. O trabalho do grupo motivou a união entre a comunidade eas famílias. A renda de seis famílias melhorou muito, sendo estimada em um ganhode pouco mais de R$ 500,00 (quinhentos reais), durante seis meses. Hoje estasfamílias vendem na região: pepino, tomate, maracujá, abóbora, batata-doce,

Jovens do Sertão de PE investem naagroecologia

CAPÍTULO 5 - MULTIPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

banana, macaxeira. Duas delas já comercializam no Armazém Empório Kaeteh,espaço agroecológico em Ouricuri.

Um bom exemplo desse trabalho é a família de Maria Teresa, que antesgastava R$ 30,00 com a feira de frutas e verduras e hoje não precisa mais trazeresses produtos de fora. A colheita de maracujá, macaxeira, coentro, alface e cebolajá beneficia as cinco famílias dos 15 jovens. Eles estão levando as experiências deprodução, aprendidas coletivamente, para as suas casas.

Sobre as mudanças climáticas na comunidade, Maria Tereza afirma que exis-tem algumas técnicas e iniciativas que ajudam a diminuir os seus efeitos, comopalestras na escola e na reunião da comunidade, visitas de intercâmbio, apresenta-ção de trabalhos práticos e cartilhas que estimulam a leitura e a organização dejovens. Dessa forma, Maria Teresa acha que hoje há uma preocupação maior com omeio ambiente. “Na comunidade, apenas uma pessoa ainda faz broca e queima.Outras se preocupam em não brocar”, afirma a jovem. Ela diz que o IBAMA estáfiscalizando, para ajudar a reduzir as brocas. A jovem agricultora tem a esperançade que o processo de desmatamento pare por aí.

Área produtiva ds jovens da comunidade de Santa Maria

Área: 1 hectare de área coletiva.Atividades produtivas: frutas, hortaliças, verduras, forrageiras e defensivos.

Comercialização: o grupo de jovens planeja começar a venda na própriacomunidade e no Empório Kaeteh, a partir de junho de 2008, quando a hortaestará totalmente estruturada.

Fontes de renda: seis famílias agricultoras influenciadas pelo grupo já pos-suem renda. O grupo de jovens também arrecada recursos através de torneios,gincanas e festas promovidas no espaço de lazer do grupo.Organização social: Grupo de Jovens da Comunidade de Santa Maria.

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Mulheres garantem rendacom preservação e beneficiamentodo umbuO beneficiamento de frutas, legumes e outros produtos do campo tem aju-

dado a melhorar a qualidade de vida de agricultores como dona Luiza de JesusOliveira, residente na comunidade de Agrovila Nova Esperança, localizada a 22quilômetros de Ouricuri, em Pernambuco. Morando com a mãe e os dois filhos, elacompartilha com a família o trabalho de manejo e colheita do quintal de sua casa,de 1 hectare.

As hortaliças e fruteiras, adubadas pela cobertura morta, são consumidaspela família e comercializadas entre os vizinhos. A plantação é irrigada pelo açudeda comunidade, mas, no tempo de seca, a produção fica prejudicada. “Os governantespoderiam ajudar os agricultores, dando ferramentas para não terem que desmatare degradar o solo. Precisamos de tecnologias que captem água e possam armazená-la para o período da seca”, afirma dona Luiza.

A partir de 2005 foi criado o Grupo de Mulheres da Agrovila Nova Esperan-ça, que trabalha com o beneficiamento de frutas, em especial o umbu, que é nativada região. Entusiasmada com o trabalho, em 2006, dona Luiza entrou para oGrupo e foi eleita presidenta. Hoje a agricultora desenvolve um trabalho de preser-vação do umbuzeiro e com a colheita o Grupo de Mulheres fabrica produtos deriva-dos e comercializa no Empório KAETEH, ponto de venda de produtos agroecológicosem Ouricuri. Ela lembra que antigamente a fruta se perdia na caatinga e não tinhaaproveitamento.

Com o trabalho no Grupo, dona Luiza mudou a sua vida e incentivou outrascompanheiras e companheiros. Hoje, 13 mulheres fazem parte do Grupo e contamcom a ajuda dos maridos, filhos e pais.Com as novas práticas agroecológicas,além de aumentar a renda da família, aagricultora pode colocar comida sem ve-neno na mesa das pessoas, contribuin-do assim para a saúde da família e dosconsumidores.

“O homem, com as tecnologiasavançadas e as indústrias, produzem po-luição, provocando o aquecimento daterra. Se continuar do jeito que está, todomundo queimando e desmatando, nofuturo o Sertão será um deserto, mas,se todos procurarem colaborar, podemosmudar essa situação”, afirma donaLuiza.

Dona Luiza durante processo de beneficiamentodo umbu

CAPÍTULO 5 - MULTIPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Se continuar do jeito queestá, todo mundoqueimando e desmatando,no futuro o sertão será umdeserto, mas, se todosprocurarem colaborar,podemos mudar essasituação”.Dona Luiza

A propriedade de dona Luiza de Jesus Oliveira

Área: 1 hectare.

Atividades produtivas: plantio hortaliças e frutas.Comercialização: com os vizinhos e por meio do Grupo de Mulheres.Fontes de renda: varia de acordo com a renda do Grupo. Nos meses que hácursos, 80% do valor é dividido em partes iguais para as mulheres que traba-lharam, e os 20% restantes é destinado a manutenção do Grupo.Organização social: Grupo de Mulheres da Agrovila Nova Esperança.

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Leninha cuida da terra de forma correta:sem agredir o meio ambiente

Preservando a caatinga nativae conservando o solo e a águaAs lições aprendidas na Escola Rural de Ouricuri (ERO), criada pelo Caatinga

e por famílias agricultoras, mudaram a forma de Eleneuza Gomes de Alencar ver,pensar e tratar o meio ambiente. A agricultora, conhecida por Leninha, reside como marido, seu Antônio Holanda (Totinha) e mais um dos três filhos na comunidadedo Logradouro, no Sítio Campo Grande, Sertão pernambucano. Leninha mora numapropriedade de 99 hectares, dos quais 3 são cultivados com feijão, milho e sorgo; 15estão em estado de pousio (descanso da terra) e os 81 restantes preservados comcaatinga nativa. Além da atividade com a agricultura, a família cria bovinos, ovinos,aves e abelhas.

Na década de noventa, a família co-nheceu o programa de Educação Contex-tualizada (baseada na realidade do local), apli-cado pela Escola Rural de Ouricuri, e perce-beu que a forma convencional como estavatrabalhando agredia a terra e o meio ambi-ente. Na estiagem de 1993 eles salvaram ogado e as ovelhas extraindo e assandomacambira e mandacaru, para o rebanho co-mer. A partir daí, a família despertou paranovas alternativas de manejo e tecnologiasde convivência com o Semi-árido, visando ouso sustentável do sistema produtivo.

Entre as alternativas encontradas, des-taca-se o subsistema de produção earmazenamento de forragem por meio daensilagem. O processo teve início no ano de2000, quando a família procurou orientação técnica para planejar o número deanimais de acordo com a capacidade do suporte forrageiro disponível na pro-priedade. O segundo passo foi plantar bastante sorgo forrageiro e milho no períodode chuvas, e, finalmente, colher a forragem ainda verde e armazená-la para ali-mentar o rebanho no período de estiagem.

Hoje, o sistema de produção da família está bastante avançado na transiçãopara a Agroecologia. A alimentação principal dos animais para o período de estia-gem está armazenada em um silo de mais de 90 m³. “Graças aos ensinamentos daERO, evitamos o desmatamento, não queimamos, não usamos agrotóxicos nemadubos químicos. Com essas práticas conseguimos manter a caatinga, os pássaros emuitos animais silvestres, como o veado, o gato do mato, a raposa, a seriema, entreoutros que já haviam desaparecido. O controle de pragas nas plantas e nos animaisé feito à base de inseticidas naturais, principalmente, a calda da folha do nim”,afirma Leninha.

CAPÍTULO 5 - MULTIPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Aqui no Sertão já percebemos osatrasos no início das chuvas,ventos fora de época e chuvasirregulares. Tudo isso por conta daprática danosa do desmatamentoe de muitas queimadas paraimplantação de roças de pasto”.Leninha

“Também não compramos mais sementes de outras regiões. Guardamos asnossas de um ano para o outro. A nossa alimentação hoje é mais saudável e maisdiversificada”, explica a gricultora. Segundo ela, a principal mudança veio com omanejo do rebanho e a implantação do silo. “Hoje mantemos bem nutridas, emplena seca, cerca de 20 cabeças de gado e 60 ovelhas, e estamos diversificando coma criação de aves e abelhas”, explica. Leninha diz que, atualmente, tem mais tempopara outras atividades, diferentemente do passado, quando o tempo só dava para acriação do gado e o rendimento com a atividade era muito dispendioso.

Na opinião da agricultora, se continuarmos destruindo o meio ambiente, asmudanças no clima vão aumentar. É preciso conscientizar o jovem da importânciade preservar para a sustentabilidade das gerações futuras. Neste sentido, a famíliade Leninha procura conscientizar e multiplicar os conhecimentos adquiridos com asfamílias vizinhas, tendo enfatizado muito a importância de captar e armazenar águade chuva para o consumo da família, além de demonstrar uma grande preocupaçãoem falar para os seus vizinhos que não é preciso desmatar, queimar nem usarveneno, para ter uma boa produção no seu roçado.

A propriedade de Eleneuza Gomes de Alencar (Leninha) e totinha

Área: 99 hectares.

Atividades produtivas: plantio de feijão, milho, sorgo, forragem, produçãode sementes e inseticidas naturais.Criação animal: bovinos, ovinos, aves e abelhas.Comercialização: a comercialização dos produtos é feita na propriedade fa-miliar, diretamente ao atravessador.Fontes de renda: da agricultora.Organização social: sócia da Associação dos Agricultores e Agricultoras doSítio Logradouro e Sítios Circunvizinhos. Sócia e diretora-presidente da Asso-ciação dos Artesãos e Artesãs de Ouricuri.

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Multiplicando a agroecologiae os cuidados com a naturezaCom 14 anos de idade, Adão de Jesus Oliveira começou a conhecer novas

técnicas de tratar a terra e as plantas, ainda como estudante da Escola Rural deOuricuri, criada com apoio das famílias agricultoras e do Caatinga. Hoje, com 30anos, ele trabalha com agricultura familiar agroflorestal e apicultura, na comunida-de de Agrovila Nova Esperança, emOuricuri, Pernambuco, onde residecom a esposa e os dois filhos.

Em 1997 Adão acessou o cré-dito agroecológico do Caatinga pelofundo rotativo, quando adquiriu ovi-nos e iniciou uma atividade produtivaorientada pela agroecologia. Em2000, já mais amadurecido, o agri-cultor recorreu novamente ao créditocom a intenção de iniciar um criatóriode abelhas para diversificar a produ-ção. Nesse momento, com a bagagemdas experiências anteriores, Adão per-cebeu que o seu papel não era sim-plesmente o de desenvolver e diversi-ficar as atividades produtivas, mas deser um multiplicador, já que lidar com as abelhas não dependia apenas dele e desua família, mas, também, da comunidade.

Adão e sua família são conscientes do importante papel que exercem napreservação do meio ambiente e dão uma grande contribuição às questões climá-ticas: não queimam, não desmatam, não usam agrotóxicos e praticam o refloresta-mento da caatinga. O desequilíbrio climático é percebido por meio das chuvasdescontroladas e do frio no mês de setembro, fatos que não são comuns na regiãodo Araripe. “Tudo isso causado pela mão do homem”, afirma Adão, citando algunsexemplos responsáveis por essa destruição na região: desmatamento, trabalho ina-dequado das fábricas de gesso, o lixo jogado a céu aberto e as queimadas.

A roça de Adão é bem diversificada, com milho, feijão, guandu, palma,fruteiras e hortaliças. Sua esposa, Fabiana, cria alguns animais de pequeno portecomo galinhas de capoeira e ovelhas. A alimentação dos animais também é asse-gurada pelo hábito de estocar alimentos através da fenação e do silo forrageiro.Isso faz com que a família não passe por dificuldades na época da seca. Com autilização da agrofloresta, o agricultor consegue desenvolver um trabalho de refe-rência na comunidade, contribuindo para a preservação e a renovação do bioma dacaatinga. Ele planta também outras espécies, como serigüela, cajarana e umbu.

Adão conscientiza outras famílias sobre aimportância da agroecologia

CAPÍTULO 5 - MULTIPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

“Deus deixou a naturezacompleta. E depois há pessoasculpando a Deus pelo queacontece. Deus não é vingativo.É o homem que causa isso”.Adão de Jesus

“Minha renda melhorou bastante. Quem vive nesta região tem que buscaruma alternativa. Com a agroecologia, a gente produz mais tranqüilo”, afirma Adão,que também teve melhoras na alimentação, pois consome produtos diversificados esadios, sem agrotóxicos. Ele atribui os bons resultados alcançados à Associação dosApicultores e ao Caatinga, que deu apoio e assistência técnica, construindo juntosnovas alternativas para a produção.

A propriedade Adão de Jesus Oliveira e Fabiana

Área: 8 hectares, divididos em pequenas parcelas de terra trabalhadas juntocom a família (mãe e irmão).Atividades produtivas: milho, feijão, guandu, palma, fruteiras, hortaliças,serigüela, cajarana e umbu, além dos animais.Criação animal: galinhas, ovelhas e abelhas.Comercialização: feijão verde, verduras e legumes, ovos e carne de bode.

Fontes de renda: da comercialização dos produtos.Organização social: presidente da Associação dos Apicultores de Ouricuri(AAPIO) e participa da Associação dos Trabalhadores Rurais da Agrovila NovaEsperança.

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Seu Cícero e sua família

Consciência política para mudarrealidade do campoEngajado na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais do Sertão do Araripe,

o agricultor Cícero Alves mora no Sítio Santa Fé, município de Santa Filomena,onde vive com a família (esposa e 12 filhos). No final dos anos 70, Cícero seintegrou aos movimentos sociais liderados pela Pastoral Rural da Igreja Católica,que tinha como preocupação mudar a situação sofrida das famílias da região. Eleparticipou de cursos, capacitações e reuniões que ajudaram no desenvolvimentopolítico e organizacional das famílias agricultoras.

Atualmente, ele é presidente da Associação de Moradores da Comunidadedo Socorro, em Ouricuri, Pernambuco. Cícero conta que várias vezes tentou sedesvincular da entidade para se dedicar aos seus trabalhos na roça, mas os associ-ados insistem na sua permanência. Na sua jornada de vida, já enfrentou diversosdesafios que o Sertão do Araripe impõe às famílias que vivem na região. Houvemomentos em que pensou em deixar o local para tentar a sorte em outras cidades,mas a força de vontade e o amor pelo seu trabalho fazem com ele acredite que asituação pode mudar.

A partir dos momentos de formação, Cícero teve contato com as propostasagroecológicas. A família do agricultor já pratica algumas técnicas, como o uso daurina de vaca e do caldo à base de nim, para controlar os insetos que atacam alavoura. Outras práticas são o cultivo consorciado, o uso da silagem e a conserva-ção da caatinga. Segundo os filhos de seu Cícero, agora eles estão deixando decriar gado bovino para trabalhar com pequenos animais como ovinos e caprinos.

Há quatro anos, a família deixou de usar o agrotóxico, substituindo o venenopelo inseticida natural à base de folhas e sementes de nim, e pela urina da vacamisturada com fumo e sabão em pó. Também utiliza o fermentado biológico, garan-tindo, com a soma dessas práticas, uma boa produção sem degradar o meio ambi-ente, além de preservar alguns animais silves-tres. Antigamente, a única fonte de água quehavia próxima à comunidade servia apenaspara os animais, porque era muito salgada.Por meio do Programa Trabalho em Troca deAlimento, do Centro de Tecnologia Alternativade Ouricuri - CTAO, de onde nasceu o Caatin-ga, foi construído um barreiro-trincheira na co-munidade, mudando a vida das famílias.

“Eu tenho a esperança de que a mentali-dade do povo mude para melhor. Espero que aspessoas mudem o seu modo de pensar e agir,para que juntos possamos salvar as nossas vidas.O que eu não entendo é como o homem estásempre olhando para o futuro, mas destruindo o

CAPÍTULO 5 - MULTIPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO

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“Se não houver consciênciapolítica das pessoas, oSertão vai virar deserto”.Seu Cícero

presente”, questiona o agricultor. Para seu Cícero, entre os fatores que provocam oaquecimento global estão as indústrias e usinas. Onde ele mora, o desmatamentofeito pela vizinhança para a formação de pasto ocasiona a improdutividade do solo.Ele acha que isso tem provocado secas prolongadas, poucas chuvas e o desapareci-mento de algumas aves. Muitos animais desapareceram como o loro, o guará, aonça e, agora, até as abelhas. Na opinião do agricultor, as autoridades governa-mentais têm a obrigação de intervir nas práticas que causam as mudanças climáti-cas, “mas elas não cumprem com essa obrigação”, afirma .

A propriedade de Cícero Alves

Área: 90 hectares.

Atividades produtivas: plantio de quatro hectares de capim, dois hectaresde palma, cultivos milho, feijão e sorgo.Criação animal: 60 ovinos, 9 caprinos, 7 bovinos e 12 galinhas.

Comercialização: na comunidade e em feiras convencionaisFontes de renda: são frutos da agricultura.Organização social: é presidente da Associação de Moradores da Comuni-dade do Socorro.

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Reunião das famílias no assentamento Amaraji

Famílias organizadas paraproduzir ecologicamenteNo Assentamento Amaraji, em Rio Formoso, Mata Sul de Pernambuco, vári-

as famílias agricultoras da comunidade vêm se destacando por realizar um trabalhodiferente no cultivo agrícola. Após participarem de intercâmbios promovidos peloCentro Sabiá, 13 famílias do assentamento começaram a trabalhar com a agricul-tura agroflorestal. Estes agricultores e agricultoras eram assalariados na cana-de-açúcar. Em 1998, com a desapropriação do Engenho Amaraji, eles tiveram acessoà terra e hoje investem na produção agroecológica.

As 13 famílias formaram um grupo que se chama Grupo de AgricultoresAgroecológicos de Rio Formoso. Juntas elas totalizam 49 pessoas, sendo 25 jovens.Desde janeiro de 2007, esses agri-cultores e agricultoras vêm realizan-do mutirões nas segundas-feiras napropriedade de uma das famílias.Para eles e elas, esses momentos têmsido de muito crescimento e troca deexperiências.

A produção de hortaliças e fru-tas é o carro-chefe das famílias. Comos conhecimentos adquiridos nos in-tercâmbios e a assessoria do CentroSabiá, elas produzem hortaliçasagroecológicas. Três delas já partici-pam da Feira Agroecológica da MataSul, que funciona em Palmares. Osjovens são os responsáveis pelacomercialização.

Joselânia, uma das jovens, fazparte da coordenação da feira e da Comissão Agroecológica da Mata Sul. Ela trazsempre para o grupo os temas debatidos nos encontros de intercâmbio que partici-pa. José Augusto também procura motivar o grupo. “Nesses dez anos de assenta-mento, esse tem sido um dos momentos mais importantes. A agroecologia tempermitido construir uma relação fraterna entre as famílias. As futuras gerações vãopoder desfrutar do que estamos fazendo hoje”, afirma o jovem agricultor.

Os agricultores e agricultoras do Assentamento também têm buscado o diá-logo com o poder público municipal. O objetivo é obter incentivos e mais visibilida-de para o trabalho que desenvolvem. A Prefeitura de Rio Formoso tem disponibilizadoo transporte para a feira em Palmares. Nas reuniões, o grupo também discute aimportância de participar de espaços públicos, como os Conselhos de Desenvolvi-mento Rural e de Meio Ambiente.

CAPÍTULO 5 - MULTIPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO AGROECOLÓGICO

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“Trabalhar dessa forma é ter uma vidamelhor. É cuidar da vida e, sobretudo, pensarnos filhos e netos. Já estamos vendo adiferença desse novo jeito de cuidar danatureza. Ela, com certeza, vai nos dar arecompensa”.José Luiz, agricultor.

As famílias agricultoras do Assentamento Amaraji

Área de SAF´S do grupo: 5 hectares.

Atividades produtivas: fruticultura.Produção de mudas: nativas.Criação animal: galinha caipira, bovinocultura de corte, suinocultura e pisci-cultura.

Beneficiamento da produção: Doces, passa-de-caju, bolos de macaxeira emandioca,manué e colorau.Comercialização: na Feira Agroecológica de Palmares e na Feira da Agricul-tura Familiar de Rio Formoso.Fontes de renda: da comercialização dos produtos.Organização social: o grupo tem participação no Conselho Municipal de De-senvolvimento Rural do Município e os agricultores Ailton da Paz, José Rosa,Israel Ramos, José Olival e José Francisco, fazem parte da diretoria da Associa-ção do Assentamento, que tem 94 famílias.

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Construir uma proposta de intervenção de educação e desenvolvimentoagroecológico que possa servir de referencial para as políticas públicas

voltadas para agricultura familiar da região Semi-árida brasileira.

Sede:

Av. Engenheiro Camacho, 475 - Caixa Postal, 03 Renascença - Ouricuri/PE - Brasil - CEP: 56200-000Fone: (0xx87) 3874-1258 - E-mail: [email protected] - www.caatinga.org.br

Sede:Rua do Sossego, 355 - Santo Amaro - Recife/PE - Brasil - CEP: 50050-080 - Tel/Fax: (081) 3223.7026 / 3323E-mail: [email protected] - www.centrosabia.org.br

Escritórios de apoio:

AgresteRua Aníbal da Silva Rego, 186 Coqueiro - Surubim/PE - Brasil - CEP: 55750-000Fone: (0xx81) 3634.2404 / (081) 9945.6567 - E-mail: [email protected]ãoRua Joaquim Antas Florentino, 90 - Liberdade - Triunfo/PE - Brasil - CEP: 56870-000Fone: (087) 3846.1643 / (087) 9945.1013 - E-mail: [email protected] Atlântica

Fone: (081) 9115.1903 - E-mail: [email protected]

Plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo

a agricultura familiar agroecológica e a cidadania.

Estar a serviço dos excluídos da sociedade participando da construção solidária da

cidadania, tendo como área preferencial de atuação a região Nordeste do Brasil.

Sede:Rua Marques Amorim, 599 - Ilha do Leite - Recife/PE - Brasil - CEP: 50070-330 Fone: (0xx81) 3221.0508E-mail: [email protected] - www.diaconia.org.br

Casas de Apoio:

Afogados da Ingazeira - Sertão do PajeúRua Pe. Luiz de Góes, 177 - Centro - Afogados da Ingazeira/PE - Brasil -CEP: 56800-000Fone: (0xx87) 3838.1056/3838-3941 - E-mail: [email protected] Pedro Pereira, 460 - Edf. Stª Lúcia - Salas: 301-303 - Centro - Fortaleza/PE - Brasil CEP: 60035-000Fone: (0xx85) 3231.5292/3211.7062 E-mail: [email protected] - Médio Oeste Potiguar

Avenida Divinópolis, 456 - Centro - Umarizal/RN - Brasil CEP: 59865-000 - Fone: (0xx84) 3397.2237/3397.2665E-mail: [email protected]

Rua Piquiá, 7830 - Cidade Satélite - Natal/RN - Brasil CEP: 59067-580 - Fone: (0xx84) 3218.6341E-mail: [email protected]

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II CADERNO DE EXPERIÊNCIAS: AGROECOLOGIA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

O Caatinga, a Diaconia e o Centro Sabiá fazem parte dos

seguintes espaços institucionais:

• Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG)

• Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável (CONDRAF)

• Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social de Pernambuco (CEDES)

• Conselho de Desenvolvimento Sustentável de Pernambuco (CDS/PE)

• Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA/PE e RN)

• Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

• Processo de Articulação e Diálogo (PAD)

• Rede de ONGs da Mata Atlântica

• Rede de Comercialização Agroecológica de Pernambuco (RECAPE)

O Caatinga, a Diaconia e o Centro Sabiá também

são apoiados institucionalmente por:

• BNB: Banco do Nordeste

• CESE: Coordenadoria Ecumênica de Serviços

• CODEVASF: Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco

e da Parnaíba

• CRS: Catholic Relieff Services

• Heifer

• Kindernothilfe

• Terre des Hommes Schweiz

• Vólens/Itinerans

• Ministério do Meio Ambiente

• Projetos Demonstrativos/PDA

• Fundo Nacional do Meio Ambiente

• Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

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