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HELDER ALEXANDRE MEDEIROS DE MACEDO
(organizador)
(RE)VISÕES SOBRE CARNAÚBA DOS DANTAS
CARNAÚBA DOS DANTAS
2012
Diagramação, capa e projeto gráfico
Helder Macedo
http://heldermacedox.wordpress.com
Imagem da capa e contra-capa
Monte do Galo visto da estrada que leva ao sítio Olho d’Aguinha
Foto
Helder Macedo
Impressão
PerSe Editora (www.perse.com.br)
CATALOGAÇÃO NA FONTE
Fabiana Cristina Dantas Estevam
CRB 15/373
Índice para catálogo sistemático:
1. História cultural 930.85
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação
dos direitos de autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
O organizador da obra não se responsabiliza pelas opiniões, ideias e conceitos emitidos nos textos, por serem de inteira
responsabilidade de seu(s) autor(es).
Impresso no Brasil/Printed in Brazil
Macedo, Helder Alexandre Medeiros de.
(Re)visões sobre Carnaúba dos Dantas. / Helder Alexandre
Medeiros de Macedo (org.). – Florianópolis: Bookess Editora;
Carnaúba dos Dantas [RN]: PerSe Editora, 2012.
190p.
Bibliografia.
ISBN 978-85-8196-100-2
1. Carnaúba dos Dantas. 2. História. 3. Memória. 4. Geografia.
5. Cultura. 6. Sociedade. I. Macedo, Helder Alexandre Medeiros de.
II. Título.
RN/BU/FCST CDU 930.85 (813.2 Carnaúba dos Dantas)
SUMÁRIO
Prefácio ................................................................................................................................................... 7
Maria Isabel Dantas
Apresentação......................................................................................................................................... 12
Helder Alexandre Medeiros de Macedo
“Caetano Dantas, fundador de Carnaúba”? ............................................................................................ 14
Helder Alexandre Medeiros de Macedo
A escrita da luz por Tomaz Alberto Dantas ............................................................................................. 22
Amanda Lins Gorgônio Costa
Eugênia Maria Dantas
Evaneide Maria de Mélo
A melodia dos casos e descasos da Terra da Música ............................................................................... 32
Anna Jacinta Dantas de Medeiros
Márcio Dantas de Medeiros
Emoções e dificuldades na prática docente: caminhos trilhados pelo
professor carnaubense ........................................................................................................................... 47
Rúbia Raquel Dantas Roque
Espaços do conviver e cartografias das sociabilidades em Carnaúba dos Dantas ...................................... 56
Francisca de Assis
Histórias de trancoso e crendices (re)contadas pelos carnaubenses ......................................................... 68
Maria da Paz Medeiros Dantas
Nossos tesouros “quase” perdidos ......................................................................................................... 83
Luiz Carlos Jafelice
O patrimônio imaterial de um povo nos saberes de sua gente ................................................................ 99
Maria de Fátima Lopes de Medeiros
Patrimônio imaterial de Carnaúba dos Dantas: a experiência de um inventário ...................................... 118
Helder Alexandre Medeiros de Macedo
Potencialidade turística do município de Carnaúba dos Dantas ............................................................. 127
Paulo Sérgio Dantas de Medeiros
Uso e ocupação do solo no município de Carnaúba dos Dantas ........................................................... 145
Marciano Dantas de Medeiros
Viajando pelo sabor do chouriço: uma etnografia em Carnaúba dos Dantas ......................................... 154
Marcela Martins de Lima
Warison Carlos dos Santos
Vivendo e celebrando: festas e rituais de um povo sertanejo ................................................................. 164
Maria José Macedo
Referências .......................................................................................................................................... 179
Sobre os autores .................................................................................................................................. 187
7
PREFÁCIO
Maria Isabel Dantas*
O livro (Re)visões sobre Carnaúba dos Dantas é um caleidoscópio da cultura e da história de
Carnaúba dos Dantas. Múltiplas lentes autorais – em aventuras pelo mundo da ciência – presenteiam o
leitor com um leque aberto e colorido contendo uma diversidade de interpretações de fenômenos
socioculturais, naturais e sobrenaturais da vida do carnaubense. Um convite literário para um passeio
imaginário por memórias, fatos, festividades, acontecimentos, contos, causos, lendas, comidas, histórias,
lugares, pessoas... . Interpretações endógenas, heterogêneas, perspicazes e consistentes de nativos.
Prefaciar um livro caleidoscópio é uma tarefa difícil, mas prazerosa; uma oportunidade de olhar
com uma luneta o lugar do meu pertencimento sob um jogo de inúmeros espelhos fragmentados e
temáticos. Um momento (e um livro aberto) para perceber e refletir sobre a dinâmica da vida, sua
continuidade e sua transitoriedade. Também para relembrar, como disse Marshall Sahlins, que “as
culturas são como rios: não se pode mergulhar duas vezes no mesmo lugar, pois estão sempre
mudando”. E se uma das tarefas de um livro é memorizar o passado no presente, como as ondas de um
rio, este livro revela traços da cultura e da história de Carnaúba dos Dantas que já devem ter se esbarrado
no mar e que somente por meio de uma luneta plural e colorida é possível avistá-los. Para outros fatos, os
esforços podem ser menores, é só virar a luneta (ou visitar o lugar) e eles estão ainda por aí.
Na abertura do livro o leitor é saudado com um texto informativo – Caetano Dantas, fundador de
Carnaúba? –, que é mais um lembrete para os desavisados ou desinformados sobre o povoamento de
Carnaúba dos Dantas. Em tom crítico, e, às vezes, rude, Helder Macedo ensina os fundamentos de uma
nova história sobre esse fato histórico. O autor insiste na desconstrução de um imaginário histórico
disseminado pelo pensamento historiográfico determinista e evolucionista e, posteriormente, pelo senso
comum, que atribui esse povoamento a uns poucos “heróis” civilizadores ou colonizadores – Caetano
Dantas Corrêa, Francisco de Azevêdo Dantas/Antonio Francisco de Azevêdo e Antonio Dantas de Maria – e
não ao conjunto de sujeitos que esteve realmente envolvido nesse processo histórico. Uma lição de casa
simples e necessária: a história é feita pelo conjunto dos sujeitos de uma dada realidade sociocultural e
histórica e não somente por aqueles que têm mais capital simbólico e econômico. Um brinde ao leitor de
informações relevantes e críticas que podem subsidiar pesquisas, fazeres pedagógicos e outros estudos
sobre a localidade.
* Maria Isabel Dantas é carnaubense e professora de Arte, Antropologia e disciplinas afins do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN. Mestre e doutora em Ciências Sociais pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde desenvolveu estudos sobre a Festa de Nossa Senhora das Vitórias
do Monte do Galo e sobre o chouriço sertanejo, respectivamente. Atualmente coordena o projeto de pesquisa
Doçaria seridoense: um patrimônio cultural alimentar (FAPERN/CNPq).
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Pela luneta de Amanda Costa, Eugênia Dantas e Evaneide Mélo as fotografias do “poeta da luz”
Tomaz Alberto Dantas saem dos baús empoeirados para atiçar as memórias dos carnaubenses com
crônicas históricas em preto e branco, fragmentos de um passado expresso num álbum patrimonial. Nas
lentes desse exímio escritor da luz – um dos nomes que aparecem nos primeiros inventários sobre esse
ofício no Rio Grande do Norte –, a cultura dessa população está gravada em imagens fluídas – amareladas
e silenciosas – que tecem os fios de um pano-retrato de tempos que lutamos para mantê-lo vivo,
imagética e imaginariamente. Cenas cotidianas e excepcionais registradas pelo fotógrafo, que hoje podem
ser interpretadas ou significadas pelos contemporâneos como parte de um “álbum de história”
descontínuo de modos de vida da população carnaubense. Fotógrafo renomado em Carnaúba e Parelhas,
suas imagens também expressam sua visão de mundo e a perspicácia de um figurinista da beleza (ou um
esteta da realidade). Em suas lentes, o fotografado ganhava uma aparência melhor do que na realidade.
Com as maravilhas técnicas e os fascínios estéticos, o fotógrafo lambe-lambe ainda contribui na
tecelagem de imaginários.
O leitor é conduzido a uma viagem melódica pelo texto – quase musical – de Anna Jacinta Dantas
e Márcio Dantas e a “ouvir” os sons da formação das bandas de música carnaubenses que sempre
abrilhantaram alvoradas, novenas, missas, procissões, desfiles de festejos sociais e religiosos e os corais.
Muitas dessas melodias ecoaram entre mãos agricultoras como as de Felinto Lúcio Dantas, reconhecido
nacionalmente por suas composições de valsas e dobrados, tocadas em bandas musicais de vários lugares.
Em tom maior, os autores denunciam a carência de políticas públicas para o desenvolvimento da
potencialidade musical da localidade, responsável pela perda dos títulos de “uma cidade de músicos” e
“terra da música” que contribuíram na divulgação do município regionalmente.
Em Emoção e dificuldade na prática docente: caminhos trilhados pelo professor carnaubense, a
educadora Rúbia Dantas faz uma reflexão acerca da prática docente em Carnaúba dos Dantas mostrando
encantos e desencantos; o paradoxo entre o prazer em ensinar e aprender e a falta de infraestrutura e de
materiais adequada a condições de trabalho. Para a autora, a atividade do professor é uma vocação e não
como profissão; “mérito de verdadeiros educadores”, a arte do encantamento, dos sonhos, da alegria e
da esperança. Num mergulho pelo universo emocional dos professores, ela descobre os entraves que
contribuem para eles se afastarem de sala de aula e denuncia como muitos desses são obrigados a
exercerem sua prática entre dor e sofrimento. A formação continuada é um dos caminhos para que a
prática docente possa ser um instrumento na formação integral do aluno.
Francisca de Assis nos convida em Espaços do conviver e cartografias das sociabilidades em
Carnaúba dos Dantas a fazermos uma viagem cartográfica pelo subterrâneo da cotidianidade
carnaubense para percebermos os modos de vida dessa família extensa – familiares, vizinhos e amigos –
manifestados em espaços naturais e sociais. Lugares de festividades e de rotinas cotidianas que revelam
como os sujeitos históricos – sitiantes e citadinos – inventam (e inventaram) momentos propícios à
socialização de normas e práticas culturais e à formação de redes de sociabilidades. Fazendas, sítios,
casas, casas de farinha, calçadas, alpendres, varandas, ruas, praças, cemitérios, igrejas, santuários,
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cabarés, cozinhas, terraços, terreiros, clubes, bares, quiosques, campo e quadras de esporte, escolas,
quintais, feiras, mercados, são lugares de memória que passeiam nos imaginários dos nativos (presentes e
ausentes), onde o passado é vivido no presente. Alguns desses momentos só a memória pode dar conta e
outros ainda são vivenciados pela população com grande entusiasmo. As festas familiares e
sociorreligiosas aparecem como as ocasiões de grande efervescência coletiva em que os laços sociais são
reafirmados e os conflitos sociais reatados.
Maria da Paz de Medeiros Dantas nos presenteia em Histórias de Troncoso e crendices
(re)contadas pelos carnaubenses com um imaginário recheado de histórias de trancoso e crendices,
narradas por guardiões da história (ou da tradição), que normalmente são esquecidos pela historiografia
oficial. A autora descreve narrativas orais que divulgam memórias de fatos acontecidos como os causos de
botijas, de almas e de assombrações; lendas e mitos de encantamento e outras crenças como aquelas
associadas às previsões de bom ou mau inverno; as simpatias; os quebrantes; os agouros e as curas
terapêuticas (benzeduras, curas e orações). Também aparecem os lugares de reatualização de crenças,
como as cruzes em locais de desastres. Tentativas mediáticas de entendimento dos sujeitos com o mundo
cósmico, natural e cultural, essa gama de conhecimentos empíricos são patrimônios culturais significativos
para a população que urgem por processos de salvaguarda.
O texto Nossos tesouros “quase” perdidos de Luiz Carlos Jafelice coaduna-se com a discussão de
Maria da Paz Medeiros Dantas, mas reforça a pertinência dos conhecimentos dos “profetas” ou
“conhecedores tradicionais” para o entendimento da vida social e humana carnaubense e para a
socialização e preservação desse patrimônio imaterial entre as novas gerações. São formas plurais de
entendimento do mundo, conhecimentos empíricos relacionados “as coisas do céu, da terra, do
ambiente, da história do município e região e da vida” que podem conviver harmoniosamente com os
conhecimentos científicos, inclusive na escola, onde esses mestres em conhecimentos empíricos assumem
circunstancialmente o papel de professor. Aqui a tradição é vista em suas continuidades e
descontinuidades, e não como um paraíso perdido em busca de descobridores. Trata-se de visões de
mundo que podem reafirmar a ordem instituída e/ou abrir brechas para processos transformativos.
Maria de Fátima Lopes de Medeiros trança as linhas do imaginário carnaubense ao interpretar
memórias sobre modos de fazer, em O patrimônio imaterial de um povo nos saberes de sua gente. Em
seu trançado, o passado é visitado no presente, revelando fazeres e saberes cotidianos e extracotidianos
associados à gastronomia, aos modos a mesa, à construção civil e arquitetônica, à cerâmica utilitária e
artística, ao bordado, ao fuxico, à renda, à cestaria, à escultura em argila e em madeira, à estatuária, à
lavagem e o engomado de roupas, à arte de mamulengos, à confecção de bonecas de pano e a outras
atividades ditas manuais. Um convite a uma viagem compartilhada pelo imaginário carnaubense recheada
de vivências e situações memoriais, alguns delas ainda existentes. Apesar dos processos transformativos,
alguns desses modos de fazer persistem com vigor, como o de telhas e tijolos; a atividade econômica mais
importante do município nas últimas décadas.
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Mas se o leitor sentir-se desconfortado e preocupado diante da diversidade cultural dessa
população e de sua preservação e registro – já que preservar uma cultura é um ato mais complexo do que
somente seu inventário –, poderá ter acesso a alguns dados desse caleidoscópio cultural, por meio do
projeto de pesquisa coordenado por Helder Macedo. O inventário da cultural imaterial de Carnaúba dos
Dantas – objeto de análise no texto Patrimônio cultural em Carnaúba dos Dantas: a experiência de um
inventário – registra patrimônios culturais, arqueológicos, arquitetônicos e naturais de significância
sociocultural e individual para a população. Um acervo composto por saberes e fazeres, festas e
celebrações, formas de expressão e lugares de sociabilidade e de memória que aguarda uma decisão do
poder público municipal para ser reconhecido oficialmente como patrimônio imaterial de Carnaúba dos
Dantas. Muitos dos bens culturais inventariados já são representativos da identidade da população
carnaubense.
Paulo Sérgio Dantas de Medeiros no escrito Potencialidade turística de Carnaúba dos Dantas
aponta as potencialidades turísticas de Carnaúba dos Dantas – um dos municípios do polo turístico do
Seridó – para o desenvolvimento sociocultural e econômico da localidade e para inserção do lugar no
processo de interiorização do turismo potiguar. A despeito da falta de apoio público e privado, o autor
revela inúmeros bens que podem ser tomados como atrativos turísticos, a saber: a culinária, as lendas, o
artesanato, as linguagens artísticas, as festividades, os sítios arqueológicos (complexos da Pedra do
Alexandre, do Xique-Xique e dos Fundões e os sítios da Casa Santa e do Talhado do Gavião), os santuários
e as romarias (Monte do Galo e Santa Rita de Cássia), o Castelo Di Bivar, as ruralidades, a Pedra do
Dinheiro e a Serra da Rajada, dentre outros.
O geógrafo Marciano Dantas em Uso e ocupação do solo no município de Carnaúba dos Dantas
chama a atenção do leitor para a problemática da relação do homem com o meio ambiente: o impacto
da atividade cerâmica no processo de desertificação da vegetação da caatinga e a urgência de planos de
desenvolvimento sustentável para a região. O leitor ainda pode desfrutar de uma explanação da formação
geológica e geomorfológica do solo carnaubense – descrita por meio da mineralogia, da litologia, da
pedologia e da morfologia – e de aspectos do clima, da hidrografia e da vegetação.
Marcela Lima e Warison dos Santos nos servem uma chouriçada temperada com os sabores e
aromas do sertão e ainda discutem simbolismos associados ao consumo de um doce de sangue, o
chouriço. A festa do chouriço é apresentada como um símbolo identitário que passeia pelo imaginário
gustativo dos carnaubenses. A matança de porco torna o momento ainda mais expressivo, uma vez que
juntos a família (em especial, a chouriceira ou mestra de chouriço) pode compartilhar um pouco de sua
riqueza e de seus saberes e fazeres culinários com os parentes, vizinhos e conhecidos. Enquanto o sangue
é transformado em comida, ou melhor, a natureza em cultura, “o perfume do cravo e da canela penetra
em nosso olfato e as labaredas continuam a queimar e provocar mormaço” e a incitar os paladares mais
aguçados. Seja dádiva, comprado ou tirado em rifa, o comensal exigente – nem todo chouriço é bom –
ainda hoje a população pode saborear o doce feito por algumas(uns) mestras(es). Em Carnaúba, é mais
comum à venda do chouriço de porta em porta, ou de forma singular, ao modo de Goreti de Laiô.
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Literalmente na cabeça e pelas calçadas ela apetece a gula dos carnaubenses, com o seu chouriço. É claro
que o frenesi gustativo acontece com aqueles comensais que apreciam a iguaria; pois há muito
simbolismo associado a essa mistura tão inusitada: sangue e doce. Além disso, os autores mostram o
grande potencial nutricional do chouriço devido sobretudo ao sangue – sua matéria-prima essencial.
Completando o movimento do caleidoscópio cíclico, Maria José Macedo traz a tona, em Vivendo
e celebrando festas e rituais de um povo sertanejo, festas e rituais sociorreligiosos (católicos e evangélicos)
e profanas, criados pela população para darem sentidos e significados ao mundo humano, sobrenatural e
social. As festividades sociorreligiosas são formas de celebração, ludicidade, sociabilidade e solidariedade
que permitem entendermos que a religião está no centro da vida social dessa população. A autora analisa
o universo das festas profanas e mostra que algumas delas desapareceram do cenário local, como as
farinhadas e as debulhas de feijão. Diante da diversidade de “momentos lúdicos de sociação” e do caráter
residual de algumas delas, a autora clama pela urgência de registro desses patrimônios imateriais, uma
vez que são momentos de reafirmação e de criação de laços de identidade a um lugar, a uma cultura.
Ao abrirmos a lente da luneta deste livro caleidoscópio desejamos ao leitor mergulhos por
interpretações científicas que veem para alargar outros olhares sobre o mundo humano, social e cultural
de Carnaúba dos Dantas e jamais para torná-los obsoletos e ultrapassados.
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APRESENTAÇÃO
Helder Alexandre Medeiros de Macedo
A ideia que originou (Re)visões sobre Carnaúba dos Dantas nasceu de uma conversa informal com
o amigo e também carnaubense Luciano Pacelli Medeiros de Macedo, doutor em Entomologia pela
Universidade de São Paulo (USP) e, atualmente, professor do Campus Picuí do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). Palestrávamos, na ocasião – em meados de 2010 –
acerca da grande quantidade de estudos realizados no meio acadêmico que tomaram o município de
Carnaúba dos Dantas como recorte espacial, nas mais diversas áreas. Comentávamos, também, da
necessidade de se fazer chegar ao povo carnaubense os resultados dessas pesquisas, ainda que de
maneira resumida, na forma de artigos. Surgiu, então, a ideia do projeto Intelectuais falam sobre
Carnaúba dos Dantas, cuja meta era a de publicar três livros contendo frutos de pesquisas relacionadas ao
espaço da Terra da Música. Cada livro corresponderia, em tese, às áreas das Ciências Biológicas e da
Saúde; das Ciências Humanas, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes; e das Ciências Exatas e da
Terra, Agrárias e Engenharias.
Assumi a coordenação do volume de Ciências Humanas, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e
Artes. Uma chamada de textos foi feita através de convites presenciais, blogs, e-mails e redes sociais,
conclamando pessoas de Carnaúba dos Dantas (ou que mantivessem alguma relação de afinidade
familiar, afetiva ou intelectual com o lugar) para que encaminhassem seus escritos. Dezesseis
pesquisadores responderam ao chamado e o resultado pode ser encontrado nas páginas de (Re)visões
sobre Carnaúba dos Dantas. Lamento, todavia, o fato de que vários investigadores com pesquisas de
suma importância sobre Carnaúba dos Dantas não tenham se juntado ao projeto. Quero dizer, em outras
palavras, que o livro ora apresentado é apenas uma dentre muitas visões acerca da Terra da Música, daí o
motivo da escolha de seu nome: são visões e revisões sobre Carnaúba dos Dantas, com ênfase em temas
ligados à história, à memória, à sociedade e à cultura. Espero que, no futuro, um segundo volume de
(Re)visões sobre Carnaúba dos Dantas possa ser publicado, além das coletâneas das áreas de Ciências
Biológicas e Ciências Exatas, já mencionadas.
Este livro, assim, não tem a pretensão de ser, apenas, um guia de pesquisas científicas acerca de
Carnaúba dos Dantas. Vai mais além, pois se trata de um caleidoscópio – como sabiamente anunciou
Maria Isabel Dantas no Prefácio – de olhares sobre a terra dos Dantas, possibilitado a partir de diversos
lugares de produção e focos de análise. Os leitores carnaubenses (presentes ou ausentes), certamente,
reconhecerão nesse livro Anna Jacinta de Gordiano (ou Anna Jacinta de Cecília), Márcio e Marciano de
Rosilda, Rúbia de Marísia de Antonio Ageu, Tica de Silvério, Da Paz de Gonçalves, Fatoca de Idesite de
Piaba, Paulinho de Zé Firmino, Warison de Elita de Paulo Albino, Nenê de Manoel de Carlinda...
Qualificações que, mais do que representarem um apelido, demonstram o pertencimento dos autores a
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uma ordem, que é a dos filhos do rio Carnaúba, descendentes do mestiço Caetano Dantas Corrêa,
nascidos sob as bênçãos do Monte do Galo e das serras da Rajada, do Piauí e do Marimbondo.
Espero, e penso estar falando pelos demais autores, que a leitura de (Re)visões sobre Carnaúba
dos Dantas possa contribuir para que se conheça melhor o nosso lugar e reafirmar os nossos laços de
pertencimento para com a terra dos Dantas, a Carnaúba do Seridó.
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“CAETANO DANTAS, FUNDADOR DE CARNAÚBA?”
Helder Alexandre Medeiros de Macedo
O leitor pode estranhar o porquê do título deste texto vir entre aspas. Trata-se de uma citação
direta do livro O Coronel de Milícias Caetano Dantas Correia: um inventário revelando um homem1, de
autoria de dom José Adelino Dantas. Há mais de trinta anos o prelado fazia-se a mesma pergunta que,
hoje, enche minha caixa de email2
vinda de estudantes da rede pública e privada, além daqueles que estão
se preparando para prestar as provas do Concurso Público da Prefeitura Municipal de Carnaúba dos
Dantas, a ser realizado em meados de dezembro de 2010. Estes últimos, não bastasse as capciosas
indagações via correio eletrônico, ainda me param na rua ou na escola e têm o cabimento de perguntar,
preocupados com uma possível questão de história local nas provas do concurso: Quem fundou
Carnaúba? Foi Caetano Dantas? Ou foi Antonio Dantas de Maria?
O fato de inquirições como essas ainda perdurarem em Carnaúba dos Dantas é sintomático da
falta de desconhecimento, por parte do grande público, de pesquisas recentes realizadas sobre a história
local, sobretudo aquelas que venho desenvolvendo há quase vinte anos, cujos primeiros resultados, além
de textos e artigos esparsos, foram publicados num livro que organizei3
, que teve maciça distribuição no
cenário local, em especial para os professores da rede pública e privada.
O que mais me choca é que, desde então, alguns professores ainda teimam em receitar pesquisas
escolares para seus alunos ou montarem questionários onde a pergunta-chave Quem fundou Carnaúba
dos Dantas encontra-se em evidência. Tais docentes – perdoem-me por ser franco e rude –, ainda estão
lecionando da mesma maneira que faziam os professores dos anos de 1970 e 1980, quando minha mãe e
eu, respectivamente, aprendemos que Caetano Dantas Corrêa era o fundador de Carnaúba dos Dantas. É
evidente que, nos tempos hodiernos, devemos – refiro-me aos professores, onde me incluo – respeitar as
tendências adotadas nos idos das décadas passadas no que concerne a práticas pedagógicas e
concepções de História. Considero inadmissível, contudo, que professores contemporâneos ainda adotem
tais posturas sobre fundação e fundador, noções que, certamente, contribuem de forma deletéria para a
formação do aluno enquanto indivíduo e sujeito crítico do seu tempo.
Aliás, a que corresponde essa figura do fundador? Segundo o Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa (Objetiva, edição eletrônica, versão 3.0), fundador é: 1. que ou o que funda, edifica, constrói;
2. que ou o que estabelece o princípio de (algo); que ou o que institui; instituidor, iniciador; 3. que ou
aquele que cria (algo) original, que dá origem a; criador, iniciador. Em todos os significados, portanto,
está insculpida a ideia de uma originalidade, de uma anterioridade, do primeiro, do início – características
que são comumente adotadas em aulas de História, quando o professor toma para si a mania de querer
proclamar um valor de ancianidade para os fatos históricos ou para os personagens que se encontram
ligados aos acontecimentos. Dizendo de outra maneira: a busca pela origem tem sido uma constante no
dia a dia de historiadores e professores de História. Talvez esse seja um dos motivos que leva
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determinados historiadores a buscarem incessantemente um fundador para seus municípios, creditando à
figura de um único homem a responsabilidade de ter originado um lugar, uma povoação, uma vila, uma
cidade. E mais ainda quando esse homem era um coronel, político, estadista, proprietário de vastas glebas
de terra, branco e português – ou descendente de lusos.
Esses historiadores têm sua matriz teórica influenciada pela historiografia produzida no século
XIX, que primava pela construção de “histórias locais”, que tivessem um passado comum com o do
Estado Nacional em construção no Brasil, perpassadas por valores como a unidade da nação, o
catolicismo e a cultura ocidental, sobretudo europeia e ibérica. Essa mesma historiografia, conectada ao
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (fundado em 1838) e aos demais institutos surgidos nas
províncias do Império, se mostrava fortemente influenciada pelas teorias deterministas e evolucionistas do
século XIX, que utilizavam a terminologia raça como meio de fixar claramente os grupos e suas
identidades sociais. Em outras palavras: produzir conhecimento histórico – ou disseminá-lo em sala de
aula – enfeixando noções como a de fundação e de fundador é ter a cabeça ainda grudada no século XIX.
Observe, leitor, o que pensava Bertold Brecht (1898-1956) quando criticou a inexpressiva
presença de gente comum na construção de importantes monumentos do passado ou em memoráveis
fatos que aparecem nos livros de História:
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilônia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritarem por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a Guerra dos Sete Anos
Quem mais a ganhou?
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Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas4
O poeta e dramaturgo alemão, nesses versos, ironizava uma concepção de História que dava
ênfases superlativas aos grandes homens no decorrer do processo histórico da humanidade. Ou seja,
questionava até que ponto falar de tantas histórias de reis, imperadores, grandes estadistas, coronéis,
grandes fazendeiros quando era bastante óbvio que essas personalidades não conseguiram viver e fazer
sua história sozinhas, sem participação de outros indivíduos. O poema de Bertold Brecht é facilmente
aplicável à realidade histórica de Carnaúba dos Dantas, quando pensamos nos nomes dos fundadores
aclamados pela historiografia local: Caetano Dantas Corrêa, Francisco de Azevêdo Dantas/Antonio
Francisco de Azevêdo e Antonio Dantas de Maria.
O primeiro historiador conhecido que elevou Caetano Dantas Corrêa (1710-1797) ao status de
fundador de Carnaúba foi José Alberto Dantas (1873-1935). No discurso em que discorreu sobre a
história do vale do rio Carnaúba, por ocasião da bênção do Monte do Galo (1928), José Alberto sustentou
que Caetano Dantas fundou Carnaúba, mas, morreu antes de conseguir deixar um marco que se
destacasse como emblema na “história do país”5
. Após a morte de Caetano Dantas (1797), seus
descendentes teriam ouvido o canto de um galo em cima do Serrote Grande – que, posteriormente
mudou de nome para Serrote do Galo e, já no século XX, para Monte do Galo. Canto esse que seria a voz
da natureza avisando que aquele espaço era o lugar onde deveria ser fincado o marco da fundação de
Carnaúba. E o que seria esse marco? O cruzeiro do Monte do Galo, aquele onde foi depositada a imagem
de Nossa Senhora das Vitórias por Pedro Alberto Dantas – irmão de José Alberto –, dando origem à
história de milagres e peregrinações no santuário.
Esse discurso de José Alberto e a inauguração de um monumento cristão em memória à fundação
de Carnaúba no ano de 1928 influenciou decisivamente os moradores do vale a acreditarem nessa ideia: a
de que Caetano Dantas era o fundador de Carnaúba. A maior evidência disso está no momento de
construção da primeira escola na Povoação de Carnaúba, no fim da década de 1920, por parte do
Governo do Estado. O nome escolhido foi o de Caetano Dantas para o grupo escolar – nome que perdura
até os dias atuais, tendo sido esse estabelecimento educacional inaugurado oficialmente em 1935.
Vinte anos mais tarde, intelectuais, religiosos e descendentes de Caetano Dantas decidiram
promover uma série de eventos em comemoração aos 160 anos de sua morte. Em 1957 foram realizadas
missas solenes em homenagem ao patriarca e inaugurados um obelisco na fazenda Picos de Cima,
município de Acari, onde Caetano Dantas morou com a família e outro em Carnaúba dos Dantas, na
17
praça do centro da cidade – também chamada, coincidentemente, de Caetano Dantas. A aposição de um
monumento dedicado a Caetano Dantas, com efígie feita pelo artista Hostílio Dantas em bronze, inflamou
os ânimos de descendentes da família Azevêdo Dantas – que bradavam contra o texto da placa do
obelisco, onde se exaltava a fundação de Carnaúba por parte de Caetano Dantas. Os temperamentos
acirrados foram contidos pela figura pacificadora de dom José Adelino Dantas, que reescreveu o texto da
placa, colocando Dantas e Azevêdos no mesmo patamar.
A placa do monumento, reescrita pelo bispo da Diocese de Caicó, continha o seguinte texto: “Ao
Coronel de Milícias Caetano Dantas Correia, tronco dos Dantas do Seridó, que irmanados aos Azevedos
povoaram estas terras e fundaram esta cidade. O povo de Carnaúba ufano de tão inolvidáveis ascendentes
perpetua neste monumento o testemunho de sua homenagem e de seu culto”. Ainda que o tom dessas
palavras corresponda à tentativa de mitificar o indivíduo e heroicizar seus passos em vida, a atitude de
dom Adelino Dantas foi sábia e insólita para a época, pois trincou os alicerces do paradigma dominante –
que via na figura de Caetano Dantas o fundador de Carnaúba.
O descontentamento de pessoas da família Azevêdo com a exaltação constante da figura de
Caetano Dantas enquanto fundador de Carnaúba não era momentâneo. Apenas foi reavivado com tons
quentes no momento em que se decidiu comemorar os 160 anos da morte do patriarca da fazenda Picos
de Cima. Bem antes disso, em 1945, o historiador Mamede de Azevêdo Dantas (1875-1956) escreveu
uma “História de Carnaúba”6
onde deu ênfase a outros colonos que teriam estado no vale do rio
Carnaúba antes de Caetano Dantas – como Luís Quaresma Dourado e Brás Ferreira Maciel – e ressaltou o
papel de dois integrantes dos Azevêdos como sendo baluartes do processo histórico que culminou com o
surgimento da Povoação e posterior Vila Carnaúba: Francisco de Azevêdo Dantas e Antonio Francisco de
Azevêdo (1851-1940), pai e filho, respectivamente.
Chiquinho de Azevêdo (como era mais conhecida a pessoa de Francisco de Azevêdo Dantas) era
um pequeno criador de gado e agricultor no sítio Carnaúba e, segundo Mamede de Azevêdo Dantas, teria
doado uma parte de sua terra para que fossem enterrados os vitimados pela epidemia de cólera-morbus
no ano de 1856 em uma espécie de ramada – uma área cercada com ramos para que o gado não
invadisse. Esse pequeno cemitério foi bento pelo padre Tomás de Araújo e a partir de meados da década
de 1860 passou a receber corpos de outros defuntos, tendo sido reconstruído por Antonio Azevêdo no
começo do século XX. Antonio Azevêdo, por sinal, contribuiu com outras importantes ações na história
da Povoação de Carnaúba: deu continuidade à feira livre em 1903 (paralisada desde a seca de 1898);
construiu, em 1904, uma casa na povoação para arranchar os padres que vinham celebrar missas;
coordenou o movimento de construção da Igreja de São José a partir de 1909, partindo da demolição de
parte da antiga capela (benta em 1900); construiu e inaugurou o Mercado Público no início da década de
1920.
As contribuições desses dois homens para as transformações sociais e mesmo urbanas do sítio e
posterior Povoação de Carnaúba foram razões que, certamente, devem ter feito seus descendentes
enraivecerem-se com as excessivas homenagens prestadas a Caetano Dantas Corrêa ao longo da metade
18
do século XX, culminando com a inauguração do monumento comemorativo em 1957. Homenagens
essas que supervalorizavam a figura do patriarca dos Picos e obscureciam a participação que os Azevêdos
tiveram na história local.
A partir da década de 1980 afirmou-se outra corrente historiográfica defendendo mais um
fundador para Carnaúba dos Dantas. Dessa vez foi o historiador Pedro Arbués Dantas (1918-2008) que,
partindo dos relatos de José de Azevêdo Dantas (1890-1929, irmão mais novo de Mamede Azevêdo) e de
uma densa pesquisa em documentos manuscritos e fontes orais, defendeu que o fundador de Carnaúba
dos Dantas foi Antonio Dantas de Maria (1845-1898), que era mais conhecido como Antonio Dantas
Rothéa7
.
As razões alegadas por Pedro Arbués para tal defesa se firmavam nas contribuições que Antonio
Dantas deu para a gradativa transformação do antigo sítio Carnaúba de Cima – área que hoje
corresponde à cidade de Carnaúba dos Dantas: construiu a primeira casa, até onde se tem conhecimento,
no território do sítio, junto com sua irmã, Maria José de Jesus; doou um patrimônio em terras e dinheiro
para construir a capela de são José (morreu antes de ver a capela benta, fato que aconteceu em 1900),
além de queimar caieiras de tijolos para esse mister; enfrentou o movimento da primeira feira do sítio, em
1897, que desapareceu com a seca do ano vindouro. Pedro Arbués negava veementemente que Caetano
Dantas tivesse fundado Carnaúba dos Dantas, por considerar que o período em que o mesmo viveu estava
extremamente longe do evolver do sítio (década de 1860), povoação (1900), vila (1938) e finalmente
cidade (1953).
No início das minhas pesquisas, quando era pupilo de Pedro Arbués Dantas, cheguei a abraçar,
também, essa causa da fundação de Carnaúba dos Dantas estar a cargo de um bisneto de Caetano
Dantas, o conhecido Antonio Dantas Rothéa. Posteriormente, à medida que ia amadurecendo e
efetuando novas leituras na universidade, fui apercebendo-me de como estava sendo egoísta e mesmo
excludente ao dar os créditos de fundador a uma pessoa apenas. Fiquei matutando com meus botões,
ruminando ideias e pensando coisas do tipo:
1) Se Caetano Dantas fundou mesmo Carnaúba, como afirmou José Alberto no começo do século
XX, o que é que ele fundou no século XVIII? Digo isto pois, quando o patriarca da fazenda Picos de Cima
morreu, em 1797, o território que hoje compreende o município de Carnaúba dos Dantas não existia
como tal. Tratava-se de um vale – o do rio Carnaúba – com, pelo menos, quatro fazendas de criar gado
instaladas em seus terraços fluviais: a Riacho Fundo, logradouro do velho Caetano Dantas; a Carnaúba, de
Caetano Dantas (2º); a Xiquexique, de Simplício Dantas; e a Cachoeira da Cruz, de Silvestre Dantas.
Fazendas essas que pertenciam, do ponto de vista político-administrativo, ao município da Vila Nova do
Príncipe (hoje, Caicó) e do ponto de vista eclesiástico, à Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do
Seridó (hoje, Paróquia de Sant’Ana de Caicó). Quando Caetano Dantas morreu, assim, nem mesmo o
município de Acari – ao qual o vale do rio Carnaúba seria incorporado, a partir da década de 1830 –
existia, tampouco a Freguesia de Nossa Senhora da Guia. Indago, pois, ao leitor: Caetano Dantas fundou
Carnaúba?
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2) Chiquinho de Azevêdo doou um pedaço de sua terra para enterrar as vítimas do cólera em
1856, dentre elas, seu irmão, Pedro José Dantas. Terá sido o doador da terra responsável por cortar a
lenha (para fazer a ramada), por cavar as covas dos coléricos, transportá-los e enterrá-los? Peço
esclarecimentos similares para compreender melhor apenas uma das várias ações de Antonio Azevêdo na
Povoação de Carnaúba: a condução do movimento de construção da Igreja de São José, que durou de
1909 até 1915. E vou direto às perguntas. Quem demoliu a antiga capela de são José? Quem projetou e
executou a planta da igreja? Quem trabalhou na ereção das paredes, pintura e cobertura do templo?
Quem foi que construiu o altar-mor? E a torre da igreja, que somente foi ereta de 1913 a 1915, após o
templo ter sido abençoado, quem foi que a construiu? E indago: Chiquinho de Azevêdo fundou
Carnaúba? Antonio Azevêdo fundou Carnaúba?
3) Antonio Dantas de Maria fez, até onde se tem conhecimento, a primeira casa no sítio
Carnaúba de Cima, na mesma época em que sua irmã, Maria José de Jesus, fez a sua. Contribuiu
decisivamente para a construção do primeiro templo religioso do sítio, doando terras, dinheiro e tijolos,
embora tenha deixado o mundo dos vivos antes de ver a capela benta. Pergunto: Teria Antonio Dantas
construído sua casa sozinho? E sua irmã Maria José de Jesus, que construiu a casa de morada na mesma
época, por que também não chamá-la de fundadora? E os tijolos para a construção do pequeno templo?
Quem terá trabalhado nas caieiras? Por fim, indago: Antonio Dantas de Maria fundou Carnaúba?
Reconheço que as questões colocadas nos tópicos anteriores são bastante óbvias. Elas servem,
todavia, para que se possa repensar qual o lugar de um provável fundador em determinado processo
histórico. Não recomendo a professor algum que discuta essa temática em sala de aula, a não ser que seja
para problematizá-la e deixar que os alunos possam construir sua própria noção de verdade histórica a
partir dos fatos, exercendo, dessa forma, capacidade de criticar sua própria realidade.
Caetano Dantas, Chiquinho de Azevêdo, Antonio Azevêdo e Antonio Dantas de Maria têm, cada
um, importância vital no processo histórico de territorialização dos espaços que hoje correspondem ao
município de Carnaúba dos Dantas. O primeiro, embora não tenha morado, até onde se sabe, no vale do
Carnaúba, colonizou essa área com seus filhos, que edificaram fazendas na beira do rio e deixaram
extensa prole, da qual a grande maioria dos carnaubenses é descendente. Chiquinho de Azevêdo e
Antonio Dantas, primos legítimos e bisnetos de Caetano Dantas, estiveram ligados às transformações que
um dos pequenos sítios do vale sofreu a partir de meados do século XIX.
Refiro-me ao sítio Carnaúba de Cima, nas proximidades do cemitério do cólera, que começou a
ser habitado, provavelmente, na década de 1860 pela família de Antonio Dantas e Maria José. Sítio esse
onde, na virada do século (1900), foi erguido o primeiro templo religioso do vale, dedicado a são José,
cuja história está intimamente ligada, é provável, a esforços anteriores de Chiquinho de Azevêdo, José de
Azevêdo Dantas (conhecido como Zuza do Ermo), José Martins de Medeiros e Antonio Dantas de Maria.
Antonio Azevêdo – filho de Chiquinho de Azevêdo e sobrinho legítimo de Zuza do Ermo –, a partir dos
primeiros anos do século XX, foi um indivíduo que concorreu decisivamente para a organização do
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território da pequena Povoação de Carnaúba e para a composição de diversos equipamentos urbanos,
como a feira livre, a igreja, casas e mais o mercado público.
Esses homens tiveram uma importância vital para o processo de formação sócio-histórica de
Carnaúba dos Dantas, mas, é admissível que talvez não tivessem conseguido seus feitos sem a
participação de suas esposas, filhos, parentes, agregados, escravos (índios e negros), trabalhadores e
conhecidos. Estou dizendo, em outras palavras, que é mais sensato estudar história local percebendo as
ligações desses homens – cuja memória chegou até nossos dias – com as pessoas de sua época, ou seja,
apreender o contexto em que os fatos históricos se deram.
Nada mais justo, assim, que falar da importância do coronel Caetano Dantas como povoador do
vale do rio Carnaúba, mas, sem omitir: 1) que é bastante provável que o patriarca da fazenda Picos de
Cima tenha tido um relacionamento extraconjugal com uma cabocla-braba, a índia Micaela
(coincidentemente, é o nome da filha mais velha do coronel); 2) que Caetano Dantas teve diversos
escravos negros, alguns dos quais, possivelmente, ajudaram a erguer as casas das fazendas de seus filhos
no rio Carnaúba; 3) que um dos escravos de Caetano Dantas, o chamado “negro Maurício” era um cativo
que mantinha forte ligação com seu amo, tendo herdado-lhe o sobrenome (chamava-se Maurício José
Dantas Corrêa, após ter conseguido sua alforria) e o próprio ferro de gado da família, hoje conservado no
Museu Histórico Nossa Senhora das Vitórias, no Monte do Galo); 4) que Caetano Dantas era mestiço, filho
de pai português e mãe mameluca (esta, filha de outro português e de uma índia da Capitania da
Paraíba).
O exemplo de Caetano Dantas é apenas um dos possíveis de se explorar ao discutir a temática da
história local em sala de aula. E é evidência, também, de como discutir fundação e fundador é algo
obsoleto, ultrapassado, antiquado e que não condiz com as exigências contemporâneas da disciplina de
História, em especial a prerrogativa de formar cidadãos críticos, capazes de questionar e refletir sobre seu
lugar e sua própria história. Melhor, pois, que elevar Caetano Dantas, Chiquinho de Azevêdo, Antonio
Azevêdo ou Antonio Dantas à honra dos altares, endeusando suas vidas e feitos, é problematizar como
eles e as pessoas do seu tempo contribuíram para o processo de formação sócio histórica de Carnaúba
dos Dantas. Afinal de contas, como cantava o mestre Renato Russo, “O sol nasce pra todos, só não sabe
quem não quer”.
Notas 1 DANTAS, José Adelino. O Coronel de Milícias Caetano Dantas Correia: um inventário revelando um homem.
2 O texto foi produzido no final do mês de novembro de 2010, no contexto de realização de Concurso Público para a
Prefeitura Municipal de Carnaúba dos Dantas.
3 MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Ritmos, sons, gostos e tons do Patrimônio Imaterial de Carnaúba dos
Dantas.
4 BRECHT, Bertold. Sem nome. Adaptado de <http://www.astormentas.com/brecht.htm>. Acesso em: 03 dez 2010.
5 DANTAS, José Alberto. Discurso Official pronunciado pelo Sr. José Alberto Dantas, no dia 25 de outubro de 1928.
21
6 DANTAS, Mamede de Azevêdo. História de Carnaúba escrita em 1945.
7 DANTAS, Pedro Arbués. Roteiros sobre a origem e fundação do lugar. In: DANTAS, Donatilla. Carnaúba dos Dantas -
Terra da Música.
22
A ESCRITA DA LUZ POR TOMAZ ALBERTO DANTAS
Amanda Lins Gorgônio Costa
Eugênia Maria Dantas
Evaneide Maria de Mélo
A Fotografia...
No “álbum de história da condição humana” figuram múltiplas formas encontradas para registrar
a passagem do homem pela Terra. O cinema, a literatura, a arte, a fotografia e a ciência são escritas que
se alimentam presas às páginas desse imenso álbum imaginário, denotando os modos de dizer, de fazer e
de existir do homem. Folheando o álbum, o leitor encontra um fragmento onde se lê: “o homem não foi
capaz de classificar, ordenar, catalogar e quantificar, totalmente, os registros, seguindo uma lógica linear.
As tentativas foram muitas, porém insuficientes. Desistimos. No entanto, pudemos identificar o tema
Fotografia e traduzir o seu significado, qual seja: foto – luz; grafia – escrita. Escrita pela luz”. Na
sequência das páginas amareladas encontra-se uma escrita desgastada pelo tempo e esgarçada pela
memória. Quanto mais se manuseia o livro, mais o leitor se perde em imagens espiraladas sem começo,
meio ou fim, como se obedecesse a uma narrativa mítica.
O leitor ao deparar-se com o conjunto embaralhado de imagens sente vertigens e desequilíbrios.
De forma caleidoscópica pessoas, acontecimentos, paisagens, eventos sociais, domingueiros, domésticos e
cotidianos tomam a cena provocando uma sensação de reconhecimento e estranhamento
simultaneamente. As imagens se impõem traçando um caminho a ser seguido, e o surpreendente é que
neste caminho, mais do que revelações, depara-se com sombras; mais do que vozes, escuta-se silêncios.
É nesse cenário de sombra e silêncio que se tece a história da fotografia de qualquer recanto ou
lugar, estejamos a contemplar as fotografias dos “Carvoeiros” de Sebastião Salgado ou uma família
carnaubense de Tomaz Alberto Dantas.
A história da fotografia é assim: um fragmento, um grão de areia retirado desse imenso livro que
é guardado em uma “biblioteca” construída sobre o terreno movediço da memória e das lembranças.
Como se estivesse a ritualizar o paradoxo da condição humana, a fotografia como o próprio nome sugere,
é uma escrita feita pela luz, mas ao mesmo tempo se cristaliza nas sombras das lembranças e no silêncio
das vozes. Como objeto da memória está sujeita ao esgarçamento do tempo que submete tudo ao seu
poder corrosivo e ao espaço que tende a se modificar constantemente, sem observar que as formas são
desenhos imprecisos da força da mão e do pensamento sobre um terreno selvagem.
A fotografia quer manter vivo aquilo que se desfez como fumaça ao vento. Impõe-se, nesse
sentido, uma presença-ausência ou uma vida morta que sentencia de forma irrevogável a fluidez do
tempo. A poetisa Cecília Meireles foi perspicaz a esse respeito e cita:
23
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim, magro
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, fácil:
Em que espelho ficou perdida
A minha face?
(Retrato - Cecília Meireles)
Ao nos depararmos com uma fotografia antiga é impossível não experimentar os versos da
poetisa impondo-se como questão: Onde foi que nos perdemos? Em que tempo nos modificamos? Ao
tentarmos responder às indagações somos levados pelo impulso de querer contar uma história,
relembrar um acontecimento. Talvez você, caro leitor, também queira contar a sua história que está
gravada em imagens e que se encontram muitas vezes perdidas em “baús de recordações”. Por um
lado é para isso que serve a fotografia: fazer retornar algo que não existe mais e que é impossível ser
vivido novamente, a não ser como uma imprecisa recordação. Por outro, é a possibilidade de alimentar
os meandros da imaginação, testemunhando juntamente com os outros registros os artifícios que o
homem encontrou e encontra para alimentar o desejo da eternidade. A fotografia está no caminho
do meio, entre a eternidade que torna as coisas estáveis e a vida que, alimentando-se da morte, revive
e transcende o vivido. É nesse sentido, que se impõem uma visão de tempo e de história, do vivido e
do imaginado, do real e do ficcional como pares dialógicos que alimentam e são alimentados pela
força da memória. Mais do uma certeza, ela é uma possibilidade, mais do que real, ela é sobre real,
mais do que pontual, ela é semântica. E assim, por mais que escrevamos sobre a fotografia ou
determinada fotografia, haverá sempre algo que não foi dito, que é impossível de ser dito, pois apenas
um fragmento sentido. É um soluço, um riso, uma lágrima, um olhar, um gesto que, ultrapassando a
fronteira da palavra, vai habitar as profundezas da imensidão da alma.
Contemplar a fotografia é adentrar numa espiral, conforme o sentido impresso pelo escritor
pernambucano Osman Lins. Afirma ele que a espiral é desenhada com uma linha muito fina em que:
24
... ao primeiro olhar (...) não nos transmite uma impressão estática: parece-nos, antes,
vir de longe, de sempre, tendendo para os centros, seu ponto de chegada, seu agora;
ou ampliar-se, desenvolver-se em direção a espaços cada vez mais vastos, até que a
nossa mente não mais a alcance. A verdade é que, se a seccionamos nas extremidades,
arbitrariamente o fazemos; fazendo-o, guardamo-nos da loucura. Nem a eternidade
bastaria para chegarmos ao termo da espiral – ou sequer ao seu princípio. A espiral não
tem começo nem fim1.
Sem começo, nem fim. Apenas uma imagem diante de nós. É assim a fotografia. Trágica com o
verbo, fértil para a sensibilidade e a imaginação. Separar verbo e imaginação para tingir a essência da
imagem? Impossível. Onde encontrar inspiração?
Longe da memória como um mecanismo estático de repetição do real, como sugere o
personagem Irineu Funes de Jorge Luis Borges, temos como guia a idéia de que a fotografia participa do
“álbum de história da condição humana” como um alimento que para ser lido alia a literatura, a arte, a
ciência em um jogo recursivo e dialógico.
Nesse jogo, os personagens vão e vem; os lugares aparecem e desaparecem como se quisessem
enganar o leitor. No ziguezague do tempo e do espaço encontramos a história da fotografia no Rio
Grande do Norte. Os registros são poucos e dispersos e na maioria das vezes foram levados na memória
por aqueles que preconizaram esse oficio. Temos um cenário para ser montado. Os primeiros passos
foram dados e podemos diagnosticar as dificuldades como se estivéssemos diante de um grande álbum
desgastado pelo tempo. Os acervos carcomidos pelas traças, acondicionados de maneira inadequada, a
ausência de sistematização a respeito do tema, as informações presas às memórias individuais
representam a dívida da História com a história da fotografia no Rio Grande do Norte.
José Ezelino da Costa, Tomaz Alberto Dantas, Bruno Bougard, Enoque Pereira das Neves são os
nomes que constam dos “primeiros inventários” da fotografia como um ofício, na região do Seridó. Num
processo de arqueologia estamos encontrando não só os fotógrafos, mas reencontrando os fios de uma
história que seguiu trajetórias para além da escrita convencional, predominante na época de suas
existências. Na diversidade de documentos podemos ver os ritmos, as variações, os acordes de uma
sonoplastia que desconcerta a memória linear do tempo, fazendo vibrar uma partitura feita de tons
descontínuos. A semelhança dessa partitura musical é na variação das fontes que podemos encontrar a
sintonia dos discursos e das imagens e construir leituras do espaço, do tempo, da sociedade, da cultura
por meio da fotografia.
O Fotógrafo...
Tomaz Alberto Dantas, primeiro poeta da luz da cidade de Carnaúba dos Dantas, nasceu em 12
de dezembro de 1885, no sítio Xiquexique, à época, pertencente ao município de Acari. Filho caçula de
25
Manuel Alberto Dantas e Maria Joaquina dos Santos, teve seis irmãos e duas irmãs: José Alberto Dantas,
Antônio Alberto Dantas, Pedro Alberto Dantas, Paulino Alberto Dantas, Cassimiro Alberto Dantas, Manuel
Alberto Dantas (2º), Maria Francelina Dantas e Luzia Dantas.
Figura 1 – Família de Tomaz Alberto Dantas
Acervo Particular de Elisabete Dantas de Araújo. Arquivo do Projeto Carnaúba dos Dantas:
inventário do patrimônio imaterial de uma cidade do sertão do RN
Parte de sua história foi vivida na zona rural, nos municípios de Carnaúba dos Dantas e Parelhas-
RN. Em Parelhas ele casou-se em 18 de maio de 1919 com a senhora Ana Rita de Azevedo Dantas, que
era “uma mulher católica, era uma mulher arta e bunita”, diz a senhora Josefa Delmira Dantas5
. Da união
conjugal nasceram quatro filhos: Alberto Dantas, Napoleão Alberto Dantas, Salomão Alberto Dantas e
Maria Aliete Dantas.
Ulisses Bezerra Potiguar também lembra do ofício de Tomaz. Conta-nos que sua residência servia
como estúdio fotográfico. Era uma casa simples, que ele assim descreve:
(....) na sala principal da casa dele, tinha o local, tinha as molduras com as fotografias e
ele fazia o trabalho dele lá no interior da casa. (...) uma sala comum sem nenhum
requinte de coisas modernas, de novas, não, uma sala como qualquer salinha de casa de
interior, onde tinha as molduras e ele lá pra dentro ele tinha a máquina dele, com o
tripé, aquele pano que cubria a cabeça “olha o passarinho que vai sair” fotografava e
pronto, agora o trabalho dele ele fazia à noite, em casa, as revelações, aí eu não tenho
26
condições de dizer primeiro por que nunca tive a oportunidade de ver e segundo
porque também não tive a curiosidade de olhar.3
O cenário que envolvia a vida familiar era compartilhado com a vida profissional. No estúdio eram
feitas principalmente fotografias 3 x 4, no entanto, ele com frequência estendia o seu ofício para além das
fronteiras do estúdio chegando até às praças, às igrejas, aos jardins e às residências urbanas e rurais. Isso
se dava em especial para registrar momentos como casamentos, batizados, primeiras-comunhões,
formaturas e eventos políticos. Nessa itinerância, viveu muitas histórias e fatos marcantes.
Tomaz Alberto Dantas era homem astuto e determinado para enfrentar o inesperado. Em sua
residência havia um letreiro que informava “as setes verdades são seis”, mostrando seu tino filosófico e
sua visão de mundo que se expressava, muitas vezes, em situações inesperadas, tal como uma narrada
por Ulisses Bezerra Potiguar:
(...) uma vez ele [ Tomaz ] acordou com uma zoada em casa a esposa chamando era D.
Maria [ Ana ] (...), aí ela disse Tomaz! Ele disse: o que é? Ela disse tem gente dentro de
casa ele disse: não é possível, quem vai entrar aqui pra roubar, a gente não tem nada,
mas ele levantou-se com aquela calma dele muito tranqüilo e chegou tava o ladrão: Boa
noite deseja alguma coisa? Aí o caba não tinha o que dizer (risos) dentro da casa alheia
de noite. Ele disse: é eu sei que o senhor está aqui atrás de alguma coisa, talvez teja
com fome, né? Talvez teja necessitando de alguma coisa. Dinheiro eu não tenho pra
lidá, mas o senhor ta com fome. Aí o ladrão pra confirmar disse: tô. Ele disse: Maria Rita
faça um café e bote umas bolachas pra ele, que ele é o que a gente tem. Aí sentou-se
na mesa, tomou café com o ladrão, etc, etc. Aí ele disse: agora eu vou orientar o
senhor. Nunca mais entre na minha casa, né por nada não que eu não tenho o que o
senhor roubar, entre na casa do Coronel Florenço, do Coronel Luro, aí deu o nome dos
homens supostamente rico de Parelhas, né? Ele deu o nome de tudinho e cê bata na
porta pra não precisar destelhar a casa, pra num me dá prejuízo (...).4
As posturas que ele estabelecia para solucionar alguns impasses do dia-a-dia reforçavam as
marcas de sua personalidade que se confirmam pela intensidade e expansão dos sentimentos. Exemplo
disso era o quadro de fotografias viradas de cabeça para baixo, que existia no seu estúdio, no qual havia o
letreiro “os velhacos de Parelhas”, indicando as pessoas que encomendavam fotografias e não iam pegá-
las. A estratégia que ele escolheu e cultivou em toda sua existência foi sentir, observar, expressar
plenamente os propósitos de ser autêntico, dono de seus caminhos e de suas opiniões.
Era fotógrafo renomado para a população carnaubense e parelhense, pois dominava as
artimanhas da fotografia em preto e branco com destreza. Assim, não podia deixar de corresponder às
intenções do fotografado, sendo comum ele “ajeitar” as pessoas fossem elas moças, rapazes, senhoras,
27
senhores ou crianças. A importância da pose era fundamental. Por isso era necessário o fotografado
apresentar-se em sua “melhor forma”. Neste sentido, o papel do bom fotógrafo era primar pela beleza
estética, o que exigia muitas vezes do profissional da escrita da luz assumir o papel de figurinista da
realidade que se revelaria posteriormente na fotografia.
O fotógrafo teria que preparar, arrumar e apontar as melhores posições para o retratado. Os
relatos dão conta de que ele assumia com responsabilidade o papel de mostrar a melhor imagem dos
seus clientes. Essa responsabilidade é lembrada pelo senhor Heleno Dantas Azevedo, quando afirma:
(...) É o senguinte, naquela época, as mulheres não usava, o que diabo é aquilo? Sutião
é? Mas aquela época não usava era um pra cima outros pra baixo (risos) me desculpe,
eu disse que era grosseria, mas você disse que eu podia dizer, aí ele ajeitava, “isso é
desleixo de sua mãe” pegava com as duas mão assim aí deixava bem aprumadinho o
trem. Aí tirava a foto.5
O relato do senhor Heleno parece confirmar o fotógrafo como o estetizador da realidade e da
fotografia como o momento que consagra e congela um instante que jamais se repetirá a não ser como
uma lembrança eterna.
Conta o senhor Ulisses Bezerra Potiguar, que certa vez uma cliente se surpreendeu com sua foto,
pois ao recebê-la não se reconheceu na imagem, uma vez que se achava mais bonita pessoalmente do
que na fotografia revelada. O fotógrafo por ser sincero, retrucou: “(...) minha filha não tenho o que fazer
não, porque a senhora de corpo é muito bem feita tem um corpo bonito; agora a sua cara é uma ruma
de merda, esse foi o diagnóstico dele. Ele de uma sinceridade o que vinha ele dizia.”6
Os relatos dão conta de que ele não era um homem de muitas conversas, mas quando era
instigado a se posicionar o fazia de peito aberto, demonstrando sinceridade. Não sendo um homem
afeito a muitas conversas, suas palavras eram tentativas de agradar ao seu “eu” mais profundo do que as
expectativas sociais; caso não estivesse de acordo com a opinião do outro e sendo provocado a responder,
ele não recuava, abria o peito, soltando para os quatro cantos o que para ele era correto.
A história de Tomaz na fotografia enreda a história da fotografia no Seridó, sendo uma das linhas
que tece o imaginário da vida do seridoense. A sua história não está isolada, mas entrelaçada à do seu
amigo José Ezelino da Costa, primeiro fotógrafo de Caicó-RN, com quem ele aprendeu a arte da escrita da
luz, provavelmente entre os anos de 1917 e 1919. Posteriormente o próprio Tomaz assumiu a posição de
“professor”, ensinando essa arte para Heleno Dantas de Azevedo, segundo fotógrafo de Parelhas.
Também estabeleceu contato com Heráclio Pires, químico e farmacêutico que trouxe para o Seridó
modernas técnicas de revelação fotográfica nas primeiras décadas do século XX. As luzes da vida se
apagaram para Tomaz Alberto Dantas em 20 de março de 1971, na cidade de Natal, data em que ele
faleceu.
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Figura 2 – Aliete Regina Dantas (1951)
Crédito: Tomaz Alberto Dantas. Acervo Particular de Elisabete Dantas de Araújo. Arquivo do Projeto Carnaúba dos Dantas:
inventário do patrimônio imaterial de uma cidade do sertão do RN
Figura 3 – Diplomação de Curso de Corte e Costura (1936).
Crédito: Tomaz Alberto Dantas. Acervo Particular de Elisabete Dantas de Araújo. Arquivo do Projeto Carnaúba dos Dantas:
inventário do patrimônio imaterial de uma cidade do sertão do RN
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O Patrimônio...
Nas primeiras décadas do século XX, os elementos disponíveis para se trabalhar a fotografia eram
mais robustos se comparados aos utilizados atualmente. Uma máquina, por exemplo, chegava a pesar
dez quilos, sendo o fotógrafo logo identificado pela quantidade de materiais que carregava para efetuar
seu ofício em ambientes como vias públicas, praças ou em passeios.
Segundo as informações colhidas com pessoas e memórias7
sobre o poeta da luz Tomaz Alberto
Dantas, o contato dele com o mundo das imagens se deu entre as décadas de 10 e 20 do século passado.
Ele recorreu a equipamentos como maleta de couro para transportar produtos químicos necessários à
revelação das imagens, balanças de pesar substâncias químicas, máquinas de modelos diversos, sendo a
mais emblemática a do tipo “lambe-lambe”, lembrada assim pela senhora Josefa Dantas8
“... a máquina
era bem grande, de tripé, e aí ele dizia: olhe o passarinho ali... e pam! Tirava a foto. Era uma alegria com
as crianças...”.
No período em que Tomaz exerceu seu ofício pode-se dizer que era elevado o compromisso do
fotógrafo em filtrar a melhor imagem. Sua arte de fazer se estendia desde a intimidade com as
peculiaridades das máquinas fotográficas, até aos solitários labirintos das câmaras escuras, pois cabia a ele
saber lidar com os compostos químicos para revelar as imagens que se escondiam nos negativos. Seu
Heleno9
registrou na memória os caminhos que Tomaz trilhava para mostrar ao mundo os encantos dos
contrastes entre a luz e a sombra, as maravilhas da “lambe-lambe”:
... Era um caixão da altura busto, pano preto foi assim que ele me ensinou. Já pra
dentro e deixava um buraco um papel vermelho, aí dali a gente revelava ali e pra revelar,
pra fazer o foto, ali ele colocava o... era a chapa, era um vidro sabe? Num quadrozinho
de madeira e abria a janela, fazia com baixo tinha um negócio de revelar, três revelador,
possono, netol, brometo,... e outros dois produtos que eu não tô lembrado. Sabe? A
gente fazia, era tinha que ter uma balançinha para pesar, balançinha para pesar meia
grama porque era 1 grama de uma coisa, 2 gramas de outra e (...) ele fazia né? Ele
colocava a chapa assim abria a porta e ligeiro dava com a mão pra rua e fechava, aí ia
revelar, via, no papel vermelho e se desse quilaro aí perdia...10
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Figura 4 – Família de Manuel Filipe e Maria Dorotéa (1936).
Crédito: Tomaz Alberto Dantas. Acervo Particular de Elisabete Dantas de Araújo. Arquivo do Projeto Carnaúba dos Dantas:
inventário do patrimônio imaterial de uma cidade do sertão do RN
Os materiais citados eram comprados em Campina Grande, no Estado da Paraíba, ou em Jardim
do Seridó, com o senhor Heráclio Pires, que era químico e farmacêutico, embora também exercesse a
profissão de fotógrafo.
Tomaz Alberto foi capaz de captar, enquadrar e enfocar através das lentes da objetiva cenas do
cotidiano da vida sertaneja legando ao tempo e a memória as diversas possibilidades de leituras acerca do
amor, da vida, das festas, do trabalho do homem rural e urbano.
As fotos, cujos versos estão fortemente marcados por poéticas declarações de amor, por sinceros
agradecimentos e por votos de amizade, estão arquivadas em álbuns de famílias, de conhecidos e
desconhecidos de Tomaz, distribuídas espacialmente em cidades como Carnaúba dos Dantas-RN, Jardim
do Seridó-RN, Parelhas-RN e Equador-RN. Essas imagens em preto e branco são crônicas de uma época;
são fragmentos de memória; são bens culturais globais que representam e/ou possibilitam leituras
infinitas, singulares e plurais dos aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos do povo carnaubense,
do povo parelhense e por extensão do povo norte-rio-grandense.
Confia-se que os álbuns protegem fragmentos estéticos de singular beleza. A fotografia como um
bem cultural e de contemplação guarda conteúdos que são suportes para a memória. Folheá-los
representa quase um cerimonial, onde as pessoas se aproximam, se distanciam, riem e choram de
saudades, de tristeza e de alegria.
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Quando se problematiza a imagem estabelece-se um paralelo com elementos intrínsecos às
proposições do Patrimônio Cultural, que para Carlos Lemos engloba um grupo de bens extremamente
diversificados, representativos e importantes para os habitantes de um lugar, de uma região e de uma
nação. Neste sentido, a fotografia como Patrimônio Material e Imaterial de um lugar, de um povo se
constitui como uma narrativa porosa, que se alonga e se retrai, enrijece e flexibiliza as razões de nossa
existência.
A história da fotografia, a vida de Tomaz Alberto Dantas e o imaginário social de Carnaúba dos
Dantas e Parelhas-RN são fontes de informação, são pontos de uma rede que pode nos fazer
compreender um pouco mais sobre o conjunto de valores, de saberes, de fazeres, de regras, de normas e
de estratégias que ampliam a complexificação do “álbum inacabado da história da condição humana”.
Notas 1 LINS, Osman. Revista Entre-Livros, p. 16-9.
2 Dona Josefa Delmira Dantas era mais conhecida como Josefa de João Claudiano pelos conterrâneos carnaubenses.
Era sobrinha de Tomaz e filha do irmão mais velho dos Alberto Dantas, do Xique-Xique. Ela guardava na memória as
vezes que foi fotografada pelo tio. Depoimento concedido por Josefa Delmira Dantas (D. Josefa de João Claudiano, in
memorian) em Carnaúba dos Dantas, no dia 27 de dez.2003.
3 Depoimento concedido por Ulisses Bezerra Potiguar (Dr. Ulisses, in memorian) em Parelhas, no dia 13 de fev. 2004.
4 Idem.
5 Depoimento concedido por Heleno Dantas de Azevedo, residente em Parelhas, no dia 14 de fev.2004.
6 Depoimento concedido por Josefa Delmira Dantas (D. Josefa de João Claudiano).
7 Os informantes que contribuíram com as atividades de pesquisa e sistematização dos dados do Projeto de Pesquisa
“Fotografia e Complexidade: itinerários norte-rio-grandenses”, coordenado pela Professora Eugênia Maria Dantas, do
Departamento de História e Geografia, com vistas a compreender as experiências de Tomáz Alberto Dantas como
fotógrafo foram respectivamente: Ulisses Bezerra Potiguar (in memorian), Júlia Albertina Dantas (in memorian), Josefa
Delmira Dantas (in memorian) e Heleno Azevedo.
8 Depoimento concedido por Josefa Delmira Dantas (D. Josefa de João Claudiano), residente em Carnaúba dos
Dantas, no dia 27 de dez.2003.
9 Seu Heleno aprendeu a fotografar com Tomaz Alberto e o substituiu, quando ele foi embora morar em Natal/RN.
10 Depoimento concedido por Heleno Dantas de Azevedo, residente em Parelhas, no dia 14 de fev. 2004.
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A MELODIA DOS CASOS E DESCASOS DA TERRA DA MÚSICA
Anna Jacinta Dantas de Medeiros
Márcio Dantas de Medeiros
A importância das bandas de música
Música faz bem ao espírito, dizem os sábios. Desde tempos imemoriais a música esteve junto à
humanidade. Em Carnaúba dos Dantas ela tem se manifestado criativamente desde o final do século XIX
até os dias atuais. Como foi bem descrito pelo jornalista Otávio Pinto em 1930,
Carnaúba é a cidade da música, quase todos os carnaubenses são músicos, é uma coisa
congênita do povo. A terra dos instrumentos e da alegria. Há uma harmoniosa banda
de música e quase todas as suas peças, são compostas pelo regente da mesma.
Carnaúba tem dado uma infinidade de músicos, e a arte é, para os carnaubenses, uma
arte divinizada, um ideal sublime, uma espécie de religião à Deusa Euterpe1.
Inicialmente é importante conhecer a origem da nossa música, que foi introduzida pelos
colonizadores portugueses, em meados do século XVIII, quando as primeiras cidades começaram a se
formar no Norte. Originalmente as bandas destinavam-se aos batalhões militares, principalmente em
Recife e Olinda (PE), Salvador (BA) e Natal (RN). Foram os militares que formaram as primeiras bandas,
compostas por dois, três ou quatro instrumentos de percussão - bombo, caixa, surdos e pratos - e por
alguns instrumentos de sopro - trompete, trombone, flauta e clarinete. Herda-se dos militares o
fardamento, geralmente composto de calça, camisa, sapatos, fivela e quepe, a formação (marcha-se ao
som de um dobrado e conforme uma específica disciplina). Dos militares também provém o caráter solene
da banda de música, já que a mesma é usada, nos quartéis, para diversas solenidades e cerimônias. A
própria palavra banda, designa um ornamento militar.
Na região do Seridó a música foi difundida como uma arte e não como um ofício. A influência
musical europeia, provinda dos hinos religiosos da igreja católico-romana, mesclou-se com a rigidez e a
solenidade militares, gerando um novo conceito musical. Não podemos esquecer a influência negra,
calcada na diversidade rítmica dos rituais de dança, luta e defesa, das senzalas. Os sons do atabaque, do
ganzá e do pandeiro, além de outros instrumentos de percussão, deram origem aos mais diversos ritmos
brasileiros, principalmente no Nordeste e nas áreas de influência negra. Nessa região as primeiras bandas
surgiram, até onde se conhece, em meados do século XIX. Na antiga Vila do Jardim (hoje, Jardim do
Seridó) nos anos 50 do século XIX, na Cidade do Príncipe (hoje, Caicó) possivelmente em 1870 e na Vila
do Acari nos anos 80 do mesmo século. O objetivo dessas bandas era, dentre outros, o de abrilhantar os
festejos religiosos.
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A banda de música era a principal forma de expressão da arte musical, seja no campo, seja na
cidade. Seria inconcebível imaginar Carnaúba dos Dantas sem banda de música, embora em alguns
momentos esta situação tenha entrado em contraste com a vontade expressa de governantes em acabar
com formações que existiam. Numa festa de padroeiro ou em outras ocasiões importantes, lá ela está.
Pode faltar foguetão, carro de som, cantores ou até gente, mas nada é mais notável do que sua ausência.
“Uma cidade sem banda é uma banda de cidade”, costumava dizer Dom José Adelino Dantas. A música
está sempre presente e caminhando à frente das demais pessoas, consegue provocar um sentimento
diferente nos que a escutam, um misto de saudade e alegria. Saudades dos que não estão mais, no nosso
convívio, e dos tempos de outrora. Alegria por voltar ao sentido e ao tempo de criança.
O interessante a observar é que as mãos que primeiro executaram os instrumentos, em Carnaúba
dos Dantas eram as mesmas mãos que plantavam feijão, milho e algodão. Mãos de homens simples que
pertenceram a uma terra “humilde que sempre soube cantar ao pé da Serra do Forte2
e ouvir música
misteriosa do Monte do Galo”3
, conforme afirmou Dom Adelino Dantas, que também era músico.
Atualmente, não só homens, mas mulheres e crianças enchem de melodias as ruas da cidade,
evocando as grandes tradições e tocando músicas que seus antepassados compunham e executavam.
Essas músicas que algumas vezes foram dedilhadas em instrumentos fabricados pelos próprios
carnaubenses - como o clarinete de pereiro, chaves de latão e abafador de sola, confeccionados por
Mamede Azevedo, também filho da terra. Infelizmente, observa-se que o desenvolvimento da música em
Carnaúba dos Dantas não recebe o apoio e incentivo que seriam necessários. Esse descaso vai desde a
falta de investimentos financeiros para compra ou conserto de instrumentos, pagamento digno aos
músicos e até mesmo o descaso com o slogan que reflete as raízes da cidade. Carnaúba dos Dantas era
conhecida como Terra da Música, até mesmo nos papéis timbrados da Prefeitura Municipal. Hoje passou
a ser conhecida por um título um tanto infausto, o de Terra Santa que Encanta. Outro fato triste ocorreu
com a homenagem que existia na entrada do CENAR – Centro de Atividades Recreativas. Lá havia um
trecho do Dobrado Estréia, de Felinto Lúcio Dantas, que foi apagado da parede, mas não da lembrança e
da memória dos que frequentavam aquele ambiente.
Espera-se que mais incentivos sejam dados à música, para que ela possa se transmitir e difundir,
com o intuito de que vejamos que em “alvoradas, novenas, procissões e festividades, cidade e banda se
fundem e se confundem, numa linda história”4
. Sentirmos que cada vez a banda “que passa, não passa
passando, passa ficando na criança que ainda existe em nós, na dedicação do seu maestro e
componentes… na saudade do tudo e do nada, no coração, no amor de nossa gente”5
.
Como foram criadas as primeiras bandas
A música é uma tradição muito forte no Seridó. A sua chegada, nessa região, está ligada à
influência da religião católica, pois os padres que estudavam no antigo Recife - e que tiveram como
destino as terras do sertão do Rio Grande do Norte - continham em suas grades de formação a disciplina
Música. A arte de Santa Cecília foi, assim, transmitida pelos sacerdotes aos moradores do Sertão do