identidades juvenis em territórios culturais contemporâneos
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UNIrevista - Vol. 1, n 2: (abril 2006) ISSN 1809-4651
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Identidades Juvenis em Territrios Culturais Contemporneos
Elisabete Maria Garbin
Doutora em Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao UFRG, RS Anderson Corra Rodrigues
Mestrando em Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao UFRGS RS Anglica Silvana Pereira
Mestranda em Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao UFRGS RS George Saliba Manske
Mestrando em Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao UFRGS RS Lisiane Gazola Santos
Mestranda em Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao UFRGS RS Rossana Cassanta Rossi
Mestranda em Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao UFRGS RS Viviane Castro Camozzato
Mestranda em Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao UFRGS RS
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Identidades Juvenis em Territrios Culturais Contemporneos Elisabete M. Garbin, Anderson C. Rodrigues, Anglica S. Pereira, George S. Manske, Lisiane G. Santos, Rossana C. Rossi, Viviane C. Camozzato
UNIrevista - Vol. 1, n 2: (abril 2006)
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Resumo
Percebemo-nos atualmente como sujeitos de uma
condio cultural que atravs de inmeros
investimentos nos modifica, transforma e constitui
diferentes maneiras de ser e estar no mundo.
Dessa forma, entendemos que seja possvel
presenciar espaos e momentos singulares
direcionados a sujeitos especficos nas sociedades.
Nesse apanhado de estudos, investigamos
mltiplos espaos culturais nos quais os jovens e
as juventudes vm sendo constantemente alvos
de investimentos de prticas culturais. Dentre
esses diferentes espaos, destacamos as
pesquisas que estamos desenvolvendo que so: a
produo de jovens lderes para o exerccio de
voluntariado social; prticas culturais que podem
estar constituindo identidades juvenis em espaos
escolares; narrativas de si na Internet como um
dos modos de fabricar sujeitos jovens
contemporneos; diferentes maneiras de ser e
estar punk nos mltiplos espaos sociais;
produes cinematogrficas que versam sobre
HIV, AIDS e sexualidade; representaes das
identidades juvenis femininas em artefatos
culturais miditicos e, ainda, um estudo sobre
msica e identidades juvenis. Para tal,
entendemos que o campo dos Estudos Culturais
um espao frtil para articular diferentes
problematizaes acerca dos temas acima
apresentados. Estas pesquisas oferecem condies
para compreendermos as juventudes numa tica
cultural, possibilitando leituras que considerem os
diferentes aspectos que constituem as condies
nas quais estes sujeitos so produzidos na
atualidade.
Abstract
Currently, we perceive ourselves as subjects of a
cultural condition that through innumerable investments
modifies, transforms and constitutes each one of us in a
different ways of being and of living in the world. In
such a manner, we understand that it is possible to
witness singular spaces and moments directed the
specific subjects in the societies. In this summary of
studies, we investigate multiples cultural spaces in which
the youngs and the youths come being constantly a
target of cultural practices investments. Among these
different spaces, we put in evidence the investigations
that we are developing: the production of young leaders
for the social volunteering exercise; cultural practices
that can be constituting youth identities in the schooling
spaces; narratives of itself in the Internet as a way to
produce young contemporary subjects; different ways to
be and to live as punk in the multiple social spaces;
movie film productions that deal with HIV, AIDS and
sexuality; representations of the feminine youth
identities in media cultural artifacts and, still, a study
about music and youth identities. For such, we
comprehend the Cultural Studies field as a fertile space
to articulate different questions concerning these issues
we presented. These researchs offer ways to understand
youths into a cultural viewing, making possible readings
that consider the different aspects that constitute the
conditions in which these subjects are produced in the
present time.
Palavras-chave: culturas juvenis // estudos culturais // identidades Key words: cultural studies // identities// youth
cultures
O presente estudo, parte do Projeto Integrado Identidades Juvenis em Territrios Culturais
Contemporneos1, filia-se linha de pesquisa Estudos Culturais em Educao do Programa de Ps-
1 Este artigo constitui-se de recorte de dados do Projeto de Pesquisa Identidades Juvenis em Territrios Culturais Contemporneos www.ufrgs.br/neccso/gjovem>, com a coordenao e orientao da Prof Dr Elisabete Maria Garbin, e rene investigaes [projetos e dissertaes de mestrado] com variadas temticas direcionadas s questes identitrias
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Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Apresenta uma fundamentao terica inscrita no campo dos Estudos Culturais de inspirao britnica, sob
influxos de estudos ps-modernos e ps-estruturalistas, assim como pontua a nfase a aspectos
constitutivos dos processos identitrios e representacionais em sete investigaes em andamento. Nesse
apanhado de estudos, investigamos mltiplos espaos culturais nos quais os jovens e as juventudes vm
sendo constantemente alvos de investimentos de prticas culturais. Dentre esses diferentes espaos,
gostaramos de destacar as pesquisas que estamos desenvolvendo, que so: a) Da produo de jovens
lderes: articulaes contemporneas entre liderana e voluntariado juvenil; b) Falando sobre tribos -
prticas culturais produzindo identidades juvenis contemporneas; c) Inventando sujeitos: diferenas e
sensibilidades em tempos de cibercultura; d) Rabiscos sobre identidades juvenis e narrativas punks; e)
Representaes das identidades juvenis femininas em artefatos culturais miditicos impressos; f) No
escurinho do cinema: narrativas sobre HIV, AIDS e sexualidade; e g) Msica e Identidades Juvenis:
possibilidades etnogrficas ps-modernas.
Para tal, entendemos que o campo dos Estudos Culturais um espao frtil para articular diferentes
problematizaes acerca dos temas acima apresentados. Tais pesquisas oferecem condies para
compreendermos as juventudes numa tica cultural, possibilitando leituras que considerem os diferentes
aspectos que constituem as condies nas quais estes sujeitos so produzidos na atualidade.
Sobre a produo de jovens lderes
A pesquisa sobre liderana e voluntariado juvenil, investiga as prticas desenvolvidas nos grupos de
liderana juvenil da Associao Crist de Moos de Porto Alegre, prticas estas que buscam, atravs de
inmeras aes, desenvolver e produzir jovens lderes para o exerccio do voluntariado. O estudo vem sendo
desenvolvido baseado nas seguintes questes: que elementos sustentam as prticas desenvolvidas nos
grupos de liderana juvenil e ao que e como esto articulados? Que jovens e juventudes podem estar
circulando no espao e tempo de investigao desta pesquisa? Como se d a produo de jovens lderes e
quais os efeitos das prticas envolvidas nessa produo? Basta lanarmos um rpido olhar para os diferentes
artefatos culturais2 contemporneos que perceberemos que os jovens e as juventudes, atualmente, vm
ocupando um lugar central nas pautas de discusses nos distintos espaos sociais, constituindo-se um dos
objetos preferidos de investimentos polticos, miditicos, acadmicos, esportivos, religiosos, de movimentos
sociais investimentos culturais enfim em nossas sociedades. No Brasil, segundo Abramo (1997),
possvel percebermos que algumas instituies, tais como associaes beneficentes e organizaes no-
governamentais (ONGs), j h algum tempo - e diria crescentemente - vm destinando programas e
projetos aos diferentes segmentos de jovens no Brasil. A referida autora destaca que h, nas propostas
juvenis produzidas por artefatos e prticas culturais na contemporaneidade, junto ao Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS, vinculado ao Ncleo de Estudos sobre Currculo, Cultura e Sociedade/Neccso. Site: . Traz, tambm dados e reflexes resultantes do Projeto do Pesquisa Msica e Identidades Juvenis - possibilidades etnogrficas ps-modernas com a mesma coordenao. 2 O termo artefatos culturais compreende as produes culturais (textos, registros, imagens, revistas, documentos, pginas da Internet, msicas, entre outros) como objetos imersos em culturas especficas, os quais atuam como significantes e significadores de conjuntos de saberes e possibilidades de pertencer a um registro maior de sentido que permite, por sua vez, que tais artefatos signifiquem de uma determinada maneira. Os artefatos culturais so o resultado de um processo de construo social e constituem um campo de lutas em torno da significao, lutas estas que envolvem relaes de poder e de estabelecimentos de significados (Silva, 1999 p. 134).
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apresentadas por tais instituies, uma preocupao ntida em desenvolver junto aos sujeitos jovens
elementos como cidadania e protagonismo.
Tribos juvenis na escola
J o estudo sobre prticas culturais produzindo identidades juvenis contemporneas que podem
estar constituindo identidades juvenis em espaos escolares tem como objetivo mostrar como
algumas prticas sociais e culturais produzidas por alunos do ensino mdio noturno de uma escola pblica
de Porto Alegre, podem atuar para produzir identidades juvenis nas fendas da vida cotidiana da escola. No
caso desse estudo as prticas culturais que esto sendo enfocadas so provenientes de um projeto criado
pelos jovens alunos do Grmio Estudantil da escola.
Entendemos identidades aqui no como criaes fixas e estveis, mas sim como produes culturais e
sociais que fazem parte de sistemas e prticas de significao, nos quais adquirem sentidos. Dentre estas
prticas de significao, estamos considerando as prticas geradas a partir de um projeto construdo por
jovens alunos do ensino mdio noturno de uma escola pblica de Porto Alegre/RS, por percebermos que
estas possibilitaram a produo e circulao de mltiplas possibilidades de identificaes entre os jovens na
escola.
Cumpre destacar que, na perspectiva de autores tais como, Maffesoli (1998, 2004, 2005) e Filardo et al
(2002) vivemos em um momento no qual os sujeitos estabelecem processos de identificao na interao
com os outros, nas relaes com os grupos. Para os referidos autores, tais processos, denominados como
tribos juvenis ou urbanas, se embasam em novas formas de sociabilidade, que so fluidas e provisrias.
Para Maffesoli (2005) o neotribalismo configura justamente o momento pelo qual a juventude busca nos
grupos as mltiplas formas de se relacionar, estabelecer vnculos afetivos e se identificar ou diferenciar dos
outros. Ou seja, nas tribos/grupos os jovens atravs de processos contnuos de identificao se criam e
[re]criam atravs das vestimentas, dos adornos corporais, das msicas que consomem, das suas atividades
de cio e das manifestaes que expressam suas crenas e valores (Feixa, 1999).
A partir destes argumentos, analisar as prticas sociais e culturais nas quais os sujeitos jovens esto
inseridos em um determinado contexto, no tem como inteno definir e delimitar uma essncia ou
cristalizar uma identidade juvenil contempornea nica. Pretendemos mostrar os efeitos que os diferentes e
mltiplos processos de identificao pelos quais os jovens so subjetivados pode estar produzindo
identidades tambm mltiplas e fragmentadas. Ressaltamos que tomamos neste estudo a[s] juventude[s]
enquanto uma construo contingencial, ou seja, que est ligada as especificidades das condies sociais,
culturais e histricas nas quais est inserida.
Comunidades do Orkut fabricando sujeitos
Em se tratando de identidades virtuais, um dos estudos investiga em algumas comunidades de Orkut
da Internet, a fabricao dos sujeitos contemporneos a partir dos modos pelos quais esto narrando a si e
aos demais nos espaos virtuais, focalizando as redes discursivas que esto nos constituindo, inscrevendo...
A partir da idia de que os discursos e prticas nos posicionam na cultura, nos constituindo como sujeitos
assujeitados a especficos modos de ser, agir, pensar e sentir; procurarei investigar de que modo(s) os
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sujeitos jovens esto enunciando as diferentes formas de estar sendo humano nestes tempos. Tempos em
que as mdias vm produzindo modificaes nos modos dos jovens perceberem a si, aos outros e o mundo
que os cerca, considerando que estamos num mundo que se transmuta rapidamente. Inscritas na esfera
social e cultural, as marcas dessas mudanas, caracterizadas como a descartabilidade, simultaneidade,
compresso do espao-tempo, efemeridade, flutuao das identidades, flexibilidade, centralidade das
mdias, cultura do espetculo e do narcisismo, consumo, entre outras, vem liberando certos fluxos
subjetivantes que atravessam fronteiras e inventam, com isso, novos modos de existncia. Como sujeitos-
alvo, somos crias de um intenso arsenal de tcnicas, estratgias e mtodos que so acionados para que
cada um de ns produza efeitos sobre si mesmos, exercendo um efetivo e produtivo direcionamento da
nossa vida interior. Frente a variadas comunidades do Orkut, alguns questionamentos esto sendo feitos,
tais como: de que formas os diferentes grupos esto sendo narrados? Como so criadas e utilizadas as
estratgias que demarcam as distines entre os ditos normais e anormais? Que modos de existncia
esto sendo produzidos? Que modos de nos relacionarmos com a gente mesmo e com os outros esto sendo
criados na contemporaneidade? Como a sensibilidade (a criao da nossa capacidade de perceber e sentir os
ditos outros) vem sendo construda e, acima de tudo, experienciada? Qual a produtividade dos discursos
analisados (seja para a fabricao dos sujeitos, seja para as relaes estabelecidas na escola ou na vida
social mais ampla)? Posso, ainda, mesmo que temporariamente, apontar os seguintes itens de anlise: a)
valorizao da confisso na Internet como forma de dizer a verdade sobre si mesmo; b) ver como o outro,
muitas vezes transformado em espetculo, construdo a partir de classificaes, particularizaes, que o
instalam na dita normalidade ou anormalidade; c) no movimento de execrao dos sujeitos nomeados como
anormais os jovens forjam as suas identidades e se reafirmam como normais (atitude evidenciada em
vrias comunidades do orkut em que o foco central das discusses gravitam em torno do odiar isto e/ou
aquilo e/ou aquele); d) considerando que cada vez mais os temas discutidos nos espaos miditicos e nos
espaos privados versam sobre questes que envolvem a chamada preocupao consigo mesmo, torna-
se importante analisar o quanto o outro social vem sendo esquecido e negligenciado em prol de discusses
que esvaziam as questes de interesse mais coletivo.
Sobre o 'ser' e 'estar' punk em Porto Alegre
O estudo das narrativas de jovens punks, versa acerca dos investimentos identitrios de jovens que
adotaram o movimento punk como um estilo de vida, na cidade de Porto Alegre. Muitos jovens se
encontram em vrios espaos pblicos da cidade, partilhando e atribuindo significados s suas prticas
culturais, atravs de vestimentas, msicas, bandas, materiais literrios [fanzines e outros] que produzem
por e para jovens punks de todas as partes do mundo.
Shuker (1999), assim como Abramo (1994), destacam o punk como uma subcultura jovem associada
diretamente com a msica, que rapidamente expandiu-se para muitos centros urbanos do mundo. Mesmo
sendo o punk um movimento extremamente urbano, logo sua abrangncia chegou a outros cantos do
planeta, atravs da mdia escrita, televisiva, impressa... Esses jovens, atravs da construo de um estilo
que inclua a msica e um visual chocante e causador de estranheza, manifestavam seus
descontentamentos e seus repdios hegemonia cultural da poca.
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O punk que hoje - h quase trinta anos do seu surgimento - tem visibilidade na cidade de Porto Alegre,
evidencia caractersticas de uma cultura espetacular e heterognea nas vivncias dentro de um mesmo
grupo. Nesse sentido, discutem-se aspectos pertinentes aos processos de identificao desses sujeitos,
atravs das tramas narrativas pelas quais alguns jovens ditos punks narram a si mesmos, narram os 'outros'
e como so narrados em diversos espaos sociais e culturais. Focaliza-se no modo como as narrativas
atravessam e so atravessadas pelas prticas culturais punks.
Dentre os jovens que fazem corpo ao referido estudo, a grande maioria abandonou a escola antes de
concluir o ensino mdio, ou desistiu de ingressar nas universidades. Segundo suas narrativas, a escola no
consegue lidar com os seus jeitos ditos 'estranhos' e 'diferentes' de serem alunos e com os seus saberes
punks. Logo, as narrativas destes jovens, evidenciam os diferentes posicionamentos que ocupam a partir
dos discursos que circulam no meio escolar. Mostram tambm como tais sujeitos posicionam a escola nas
suas vidas e como a representam em materiais produzidos dentro da cultura punk.
A msica produzindo identidades juvenis
Na pesquisa sobre msica e identidades juvenis, a msica vista como tendo um nmero importante de
funes sociais nas vidas dos jovens. Frith (1997), por exemplo, discute que as funes sociais da msica
incluem a formao de identidade, o desenvolvimento de um senso de lugar e de contexto social e o
gerenciamento de sentimentos. Entretanto, enquanto os Estudos Culturais abriram um terreno das suas
investigaes para incluir dimenses variveis de consumo musical e uso da msica na vida dos/as
jovens, investigaes sobre as relaes entre fazer msica, formao de identidades individuais e
coletivas, de acordo com Hudak (1999), permanecem ainda pouco desenvolvidas. Hudak refere-se escola
como um espao primrio de relacionamento entre fazer msica com outros/as e a formao do que define
como identidade sonora e como um ns musical. O autor estabelece uma relao direta entre fazer
msica e formao de identidade e a justifica pelo fato de que a msica provocaria um alinhamento de
tempos interiores entre produtores e ouvintes de msica. O autor chama nossa ateno para a importncia
de se fazer msica na escola e a conseqente coordenao de um tempo comum vivido pelos alunos.
Mercer (In Hudak 1999) observa que todas as identidades, incluindo as musicais, vm do ns, no so
fixas e disponveis para serem desvendadas, mas sim so construdas socialmente num contexto histrico e
cultural especfico. Identidades, afirma ela, no so encontradas, so feitas (...) elas no esto l,
esperando para serem descobertas (...) mas devem ser cultural e politicamente construdas atravs da luta
de antagonismos culturais e polticos (Hudak, 1999, p.448). Segundo Said (1992) a noo de elaborao
musical demonstra uma tendncia da msica para operar dentro de relaes de poder sobre quem est
sendo capturado. O conceito de elaborao musical situa a msica e o fazer musical dentro de um
espao social que est em constante mudana, dinmico e contraditrio. A elaborao musical (como
audincia, como fazer msicas, como falar sobre msicas), nunca se completa, pois mltipla,
contraditria e desigualmente desenvolvida, bem como preenche espaos sociais diferenciados (p.118).
Segundo Garbin (1999), precisamos entender que os signos da cultura popular, as imagens e sons da mdia
dominam cada vez mais nosso senso de realidade e a maneira como definimos a ns mesmos e o mundo ao
nosso redor: vivemos numa sociedade saturada pela mdia. Os processos cotidianos de fragmentao
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somados ao poder da cultura de massa, inscrita em cdigos e estilos, gestos e performances, tm nas cenas
juvenis um terreno prprio para a formao de identidades. Para Bourdieu (1998, p.78, In Garbin 2001, p.
185), "um produto artstico algo que se comunica [ . . . ] de corpo a corpo, como o caso do ritmo da
msica ou a agradvel qualidade das cores, quer dizer, sem que se precise chegar a palavras e conceitos [ .
. . ]". O autor segue argumentando que a arte tambm uma coisa corporal e a msica talvez seja,
simplesmente, a mais corporal. Bourdieu assinala que, talvez, pelo fato de a msica estar vinculada a
'estados de nimo' que so tambm 'estados corporais' e tambm de 'humores', ela cativa, arremata,
comove, move. Sem dvida, os acontecimentos e reaes a determinados gneros e gostos musicais entre
os jovens podem evocar o que Bourdieu denomina de teoria ertica do ritmo "a teoria que invoca uma
concordncia ou uma correspondncia mais ampla, marcada, por exemplo, pela tendncia a produzir
movimentos que seguem o ritmo, entre o tempo da msica e os ritmos interiores" (Fraisse, In Bourdieu,
1998, p.78). Garbin (2001) assinala que, de certa forma, tais observaes parecem vir ao encontro do
entendimento da msica como uma experincia menos racional, e mais ligada a sensaes e emoes.
Assim, se poderia 'falar' sobre msica apenas com adjetivos ou exclamaes. Exclamaes como: que
massa!!!!!!!!!!!!!!!!! ou: vou explodir!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!, ou mesmo: eu AMO ESTA MSICA!!!!!!!!!!!!!!!!!! e
ainda: ooooooooooooo...q legal!!!!!!!!!! adoro esse som, ilustram as observaes de Bourdieu em relao
s sensaes, emoes e a paixo dos jovens quando o assunto so as suas preferncias e experincias
musicais.
A mdia impressa 'ensinando' comportamentos para garotas
A investigao em andamento, sobre as identidades juvenis femininas, analisa as
representaes/descries/fabricaes identidades juvenis femininas em artefatos culturais miditicos
impressos textos jornalsticos. Considerando que esses artefatos so prticas culturais pedaggicas que
operam na constituio de vises de mundo e na constituio de sujeitos governando, subordinando
sujeitos, importante mostrar como se engendram estrategicamente as prticas de inventar e governar
sujeitos e subjetividades, conhecendo os as relaes de poder implicadas nessas prticas, nas quais os
grupos mais poderosos acabam por atribuir e, muitas vezes, constituir/construir/impingir significados a
diversas camadas sociais, especialmente nos/as jovens. Alm disso, importante observar como as
identidades juvenis femininas so representadas/descritas na mdia, considerando que as culturas juvenis
so um dos focos de estratgia de marketing mais usado e que essa desempenha um considervel papel
pedaggico. Ainda, observa-se que as identidades juvenis femininas so muitas vezes
representadas/descritas como sujeitos portadores de uma espcie de dficit de raciocnio, ou mesmo como
um sujeito obediente, comportado, dependente e alm de lhe ser atribudo o papel de me, esposa (ou
estando sempre procura de um relacionamento). Por isso, necessrio examinar como as culturas juvenis
marcam e demarcam lugares de diviso desigual no que diz respeito ao gnero a fim de desmistificar
verdades que posicionam o sujeito jovem feminino como menor em relao ao masculino.
No 'escurinho' do cinema - sobre HIV e Aids
O estudo sobre como alguns filmes narram o HIV, AIDS e a sexualidade, parte da premissa de que o cinema
percebido como um importante artefato cultural tecnolgico que subjetiva e constitui os sujeitos na
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sociedade contempornea. Desta forma est relacionado com as memrias que nos constituem e com
nossas identidades. Essas memrias humanas so (re)pensadas e afetadas pela natureza coletiva, cultural e
social de nossas vidas e pelas representaes dos mltiplas narrativas que nos interpelam. Por isso
entendemos que o que apreendemos com os filmes, faz-nos repensar o nosso prprio modo de vida,
favorecendo-nos reconhecer valores diferentes dos nossos e questionarmos nossos prprios referenciais. Os
filmes no so eventos culturais que funcionam por si, ou seja, no so autnomos, desta forma eles
ganham sentido, a partir das crenas, dos mitos, dos prprios valores e prticas sociais e culturais de uma
determinada sociedade, assim suas narrativas: orais, escritas e audiovisuais ganham forma e se legitimam.
Para o socilogo francs Pierre Bordieu (1998) a relao, das pessoas com o cinema, contribui
profundamente para desenvolver o que pode ser chamado de competncia para ver, em outras palavras,
gera uma disposio, valorizada socialmente, para realizar-se uma anlise, uma compreenso e apreciao
de qualquer histria relatada em linguagem cinematogrfica. Bordieu enfatiza ainda a importncia da
atmosfera cultural que o prprio sujeito est imerso, dependendo das prprias experincias culturais, desta
tica os sujeitos percebero determinado filme de infinitas possibilidades. Ressaltamos ainda, que a
linguagem cinematogrfica extremamente rica, pois articula cdigos e elementos distintos: textos escritos,
som, luz, msica, fala, imagens em constante movimento; desta maneira o cinema tem inmeras
possibilidades de produo, de significados e de constituies de identidades. Para Hall (1997) as
identidades esto sendo descentradas, fragmentadas ou deslocadas, e o autor complementa que estas
identidades mudam de acordo com a forma com que os sujeitos so interpelados ou representados.
Consideramos que as representaes do HIV, AIDS e sexualidade no cinema, implicam decididamente de
que modo a sociedade lida com tais questes, de certa forma legitima discursos e coloca em circulao
comportamentos e atitudes.
Conectados por um fio... Algumas consideraes finais
As conexes dos estudos versam sobre identidades e juventudes. Para tal, o termo identidade no
poderia ser abordado de forma simples e positiva, como nos sugere Silva (2000, p. 74), ao comentar que
[ . . . ] identidade simplesmente aquilo que se [ . . . ]. Nesse sentido, a positividade a que Silva se
refere diz respeito tendncia que temos de pensar a identidade como algo fixo, isto , aquilo que eu sou.
Tal positividade constitui o centro de muitas discusses na perspectiva cultural. Hall (2000) discute no artigo
Quem precisa da identidade?, como o conceito de identidade opera sob rasura, explicitando que este no
deve ser deixado de lado, mas que se trabalhe com ele a partir de contextualizaes. O referido autor, ao
problematizar a identidade no contexto da ps-modernidade, destaca tambm o seu carter relacional, j
que a identidade no pode ser pensada sem a diferena, sem o que lhe exterior.
Desta forma, podemos pensar a identidade e a diferena como construes que no so fixas nem estveis,
ou seja, como produes culturais e sociais que fazem parte de sistemas e prticas de significao, nas
quais adquirem sentidos.
De acordo com Hall (1997, p. 21-22) as transformaes ocorridas no modo de vida das pessoas, tais como:
[ . . . ] o declnio do trabalho na indstria e o crescimento dos servios e outros tipos de ocupao,
com seus diversos estilos de vida, [ . . . ] a diversificao de arranjos familiares; [ . . . ] a redu [ .
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. . ] da autoridade dos padres morais e sociais tradicionais e das sanes sobre as condutas dos
jovens [provocaram impactos de mbito local e global].
Proporcionando assim, as condies de possibilidades para percebermos as mltiplas formas de ser e viver a
juventude na contemporaneidade.
A expanso da cultura e a sua influncia na vida cotidiana, assim como em esferas mais amplas, extrapola
fronteiras e passa a atuar na prpria constituio da identidade.
Desta concepo podemos extrair a idia de que h uma relao nodal entre cultura e identidade, esta
relao pode ser aliada, segundo a teorizao cultural e social, s noes de linguagem e poder (Hall, 1997).
Sendo assim, percebemos a cultura como significados partilhados, e a linguagem, o meio atravs do qual
tais significados so produzidos e colocados em circulao. Nessa perspectiva, denominada por Hall (1997)
de abordagem construcionista da representao, o poder ir atuar e circular produzindo significados ou
identificaes com maior visibilidade e aceitao em detrimento de outros. O poder aqui percebido no
como algo que pode ser exercido por algum ou por uma instituio, mas sim como algo que se estabelece
nas relaes, descentralizado e difuso (Silva, 2003).
Complementando as idias apresentadas at este ponto, as quais trataram a identidade como um conceito
que opera sob rasura, que indissocivel da diferena e est constantemente em movimento atravs do
processo de identificao, gostaramos de salientar a importncia que atribumos s prticas culturais e
sociais que fazem parte do cotidiano dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa. Para isso, buscamos em Hall
(2003) e em Veiga-Neto (2000) argumentos para desenvolver esta idia. Hall delineia trs concepes
diferenciadas de identidade, quais sejam: a do sujeito do Iluminismo, que estaria amparada em um sujeito
centrado e de carter essencialista; do sujeito sociolgico, que compreenderia uma certa estabilidade da
interao entre o sujeito e o mundo cultural; e do sujeito ps-moderno, que seria composto de vrias e,
muitas vezes, contraditrias identidades. Cabe ainda considerar que estas trs divises no tm a inteno
de estabelecer uma idia de evoluo ou transformao da noo de sujeito, mas sim demarcar como tais
noes, criadas ao longo da Modernidade, no fazem sentido diante da nossa atual percepo da
multiplicidade de possveis identidades que podemos assumir, ou identificaes com as quais podemos nos
apegar, ainda que temporariamente.
Ao considerarmos, ento, que no mais compreendemos o sujeito como sendo o portador de uma identidade
fixa e estvel, torna-se difcil estabelecer produtivas reflexes acerca da identidade tomando o sujeito como
o ponto de partida, tal como nos relata Veiga-Neto (2000), ao trazer tona algumas idias de Norbert Elias.
Esse ltimo autor considera o sujeito no como o ponto de partida, mas sim como o ponto de chegada, pois,
se vivemos em um momento no qual a cultura se faz presente nos mais remotos espaos da vida local,
assim como na global, precisamos ento focalizar as prticas sociais, culturais, polticas e econmicas nas
quais o sujeito est inserido.
De modo semelhante, em nosso estudos, direcionamos a ateno no somente para os sujeitos jovens, mas
tambm para as prticas e artefatos culturais experienciados pelos mesmos e seus possveis efeitos nos
processo identitrios, pois nas palavras de Hall (2000) ela (identidade) no , nunca, completamente
determinada no sentido de que se pode sempre, ganh-la ou perd-la; no sentido de que ela pode
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sempre ser, sustentada ou abandonada (p. 106, grifo do autor). Sendo assim, retomando os principais
aspectos os quais denotam a identidade como algo que no fixo nem possui uma essncia, o indivduo
pode ocupar diversas posies de sujeito.
As conexes indissociavelmente imbricadas entre identidade e cultura nos abrem algumas possibilidades
para pensarmos e olharmos para as prticas culturais enquanto aes que colocam em movimento mltiplas
possibilidades de identificao; um jogo de poder no qual os sujeitos se deslocam identificando-se e
diferenciando-se continuamente. Woodward (2000) e Silva (2000) nos alertam para os processos nos quais
as identidades so marcadas em relao s diferenas de forma a valorizar oposies binrias, por
compreenderem que nesta dinmica sempre haver uma hierarquizao, ou seja, a valorizao de um dos
termos da oposio em detrimento do outro. Silva (2000) nos leva, ento, a problematizarmos as relaes
de poder em torno das quais as oposies se organizam, como por exemplo: velho/novo, adulto/jovem.
Observando estes exemplos possvel percebermos que a busca por fixar uma identidade como padro
hierarquiza as identidades e diferenas.
Sendo assim, seria possvel afirmar que no podemos fixar as identidades nem a linguagem, e, por mais
centradas e estveis que elas possam parecer, esta ser apenas uma situao temporria, pois ao mesmo
tempo em que a identidade depende da diferena, a linguagem depende da relao entre os significados
para que possam estabelecer sentidos.
No que diz respeito categoria social juventude(s), Soares (2000) sinaliza, baseando-se em Aris (1986),
que a representao da juventude como uma fase de transio entre a infncia e a idade adulta foi
inaugurada pela Modernidade, configurando-se assim como um fenmeno ocidental moderno. Na
contemporaneidade, esta construo, ou como alguns autores preferem dizer, esta inveno, no se
sustenta, pelo menos na forma como se idealizou; no podemos nos deter em perspectivas que objetivem
categorizar a juventude como uma fase, como um fenmeno biolgico ou um estgio de maturao
psicolgica. Neste sentido, o campo dos Estudos Culturais pode oferecer outras perspectivas ao articular
reas tais como a psicologia e a teoria cultural e social de forma a criar um outro campo terico, no
definitivo ou fixo, mas sim produtivo para aprofundar e problematizar as juventudes nas sociedades atuais.
Nesse sentido, poder-se-ia perguntar: H muitas maneiras de ser jovem?
Margulis e Urresti (1998) enfatizam que no existe uma juventude nica, mas sim juventudes, de acordo
com a classe, o lugar onde vivem, as geraes as quais pertencem e a diversidade cultural. Os autores
buscam dimensionar este amplo e escorregadio conceito propondo algumas referncias para percebermos a
condio de juventude. Enfatizam, tambm, aspectos que considero fundamentais para uma aproximao
das questes que envolvem tal temtica na contemporaneidade enquanto construes sociais e culturais.
Tais noes transcendem classificaes ou categorizaes de cunho biolgico do corpo ou da idade e tomam
outros pontos de anlise para buscar diferentes dimenses desta ampla categoria.
Sendo assim, h diferentes maneiras de ser jovem (Margulis e Urresti, 1998, p. 3) se considerarmos as
mltiplas possibilidades que se apresentam nos planos econmico, social, poltico e cultural. Os mesmos
aspectos tambm so enfatizados por Valenzuela (1998), ao afirmar que um possvel conceito que
abarcasse este amplo campo no qual inserimos os jovens s teria sentido dentro de seu contexto histrico e
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scio-cultural, e que tal conceito ou concepo tem passado por muitas variaes. Ilustrando brevemente as
variaes pelas quais as concepes de juventude passaram, o autor narra que, antes do sculo XX, os
depositrios da condio juvenil eram os membros da classe alta. A partir dos processos de urbanizao,
crescimento econmico, ps-guerra, desenvolvimento dos meios de comunicao, ocorre uma ativao do
jovem da classe mdia. No sculo XVI, eram considerados jovens as pessoas com menos de trinta anos de
idade, e no havia estilos prprios nem identificaes sociais especficas desta etapa, as expectativas das
crianas e dos jovens se definiriam conforme suas classes de pertencimento.
Retomando o quadro de referncia a uma condio de juventude, Margulis e Urresti (1998) apresentam o
conceito de moratria, que traz em cena a questo de classes sociais e configura-se como um perodo de
permissividade que existe entre a maturidade biolgica e a maturidade social. Esta condio se faria
presente na sociedade ocidental a partir dos sculos XVIII e XIX e colocaria para os jovens uma certa
condio de privilgio, mas somente em alguns contextos onde h a ampliao do tempo para preparao
ou formao e prorroga-se o ingresso no mundo do trabalho e a constituio da famlia.
Alm da moratria social, outras dimenses desta condio de juventude tambm so colocadas pelos
autores, tais como: a gerao, o plano corporal, o gnero, o processo de juvenilizao e o movimento de
tribalizao. Tais dimenses so descritas a seguir de forma mais detalhada. Desta maneira, a gerao
desvenda outras categorias que no somente a idade, que nos encaminha para processos de identificao
com referenciais histricos e culturais que permearam diferentes geraes; neste plano situam-se a msica
e os movimentos sociais e polticos. J o plano corporal, no qual o corpo visto como um amplo portador de
sentidos, no traz garantias no que se refere delimitao do que se entende por juventude. Dito de outra
maneira a juventude algo que se deve rastrear alm da aparncia do corpo (Margulis e Urresti, 1998,
p.11). Tambm se pode enunciar a moratria vital, que compreenderia a noo de que os jovens, a
princpio, sem levar-se em conta a violncia, a diversidade social e cultural, teriam um tempo de vida maior
do que os adultos ou geraes passadas.
As questes relacionadas ao gnero tambm incidem na condio de juventude, pois estas desvelam
tempos diferenciados para os jovens conforme o contexto cultural e social. Sobre estas questes, cabe
ressaltar que, medida que avanaram as possibilidades de realizao profissional para as mulheres, ao
adentrarmos o sculo XX, a maternidade foi deixando de ser progressivamente a sua nica forma de
realizao. Tambm importante demarcar que, em diferentes contextos, as conexes entre os aspectos
profissionais, a maternidade/paternidade e o desempenho de papis sociais com as questes de
gnero/juventude sero matizadas pelos referenciais sociais, econmicos e culturais.
O processo de juvenilizao, que est relacionado ao consumo dos signos juvenis, envolve uma complexa
articulao de signos que atravessam o contexto cultural da atualidade (Margulis e Urresti, 1998, p. 5).
Ele se d a partir do grande avano dos meios de comunicao, assinalado a partir da dcada de sessenta.
Desta forma, a constante veiculao de imagens representativas da juventude instaura a valorizao de
uma superficialidade de ser jovem, ou seja, o look juvenil. Sendo assim, possvel que um jovem no
apresente um visual, aparncia ou signos juvenis, assim como tambm possvel que algum que no seja
jovem apresente uma srie de signos juvenis. Nas palavras dos autores a condio social de juventude no
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se oferece de igual maneira a todos os integrantes da categoria [ . . . ] jovem (Margulis e Urresti, 1998, p.
4) .
Por outro lado, Reguillo (2003), sustenta que a realizao tecnolgica tambm instituiu certos padres e
acessos a uma qualidade de vida, mas que este processo no contribuiu para diminuir as desigualdades
sociais e econmicas. O discurso jurdico, associado realizao tecnolgica e s ofertas de consumo
advindos de uma crescente indstria cultural, provocariam uma incoerncia ao instituir um universo de
direitos, deveres, comportamentos sociais, culturais e polticos para os jovens em um contexto no qual no
h possibilidade de inseri-los no mercado de trabalho ou em instituies educativas. Na citao a seguir
ressalta-se que, com o desenvolvimento da indstria cultural, se descobriu nos jovens um promissor
mercado potencial, um imenso e produtivo sistema publicitrio que se dedicou produo de discos,
cinema, TV, roupas, diverso e sonhos juvenis.
[ . . . ] a importncia crescente das indstrias culturais na construo e reconfiguraes constantes
do sujeito juvenil um feito visvel para qualquer observador. O vesturio, a msica e certos objetos
emblemticos constituem hoje uma das mais importantes mediaes para a construo identitria
dos jovens, elementos que se oferecem no somente como marcas visveis de certas agregaes
mas fundamentalmente como o que os publicitrios chamam um conceito, um estilo. Um modo de
entender o mundo e um mundo para cada necessidade, na tenso-identificao-diferenciao. Efeito
simblico [ . . . ] de identificar-se com os iguais e diferenciar-se dos outros [ . . . ] (Reguillo, 2003,
p. 106)
Apesar deste massivo assdio da indstria cultural, Carrano (2000), a partir dos estudos de Abramo (1997)
, destaca que, no Brasil, nas ltimas duas dcadas, boa parte dos estudos acadmicos se destinaram a
refletir sobre as questes relacionadas aos jovens enquanto sujeitos institucionais. Recentemente, as
pesquisas que partem dos prprios jovens e suas experincias, suas percepes, formas de sociabilidade e
atuao (p.23) tm crescido consideravelmente. A partir dos olhares que reduzem, estigmatizam,
pedagogizam ou at mesmo, como denomina Barbero (1998), criminalizam os jovens, se perde de vista
que a abordagem da juventude pela perspectiva da complexidade dos processos culturais, nos auxilia na
percepo das maneiras como os jovens esto reconstruindo o tecido social em inmeros rituais de
solidariedade e expressividade esttica (Barbero 1998, In Carrano 2000, p. 25, grifo do autor).
Para finalizar, Garbin (2005) assinala que a questo central est, ento, em conhecer e entender esta
mistura de nsias e imaginrios juvenis. Para a autora, "certo que a juventude contempornea tem se
caracterizado por suas diferentes culturas, que afloram em muitos lugares, ao mesmo tempo, como a da
gerao zapping, da gerao digital, das caractersticas de nomadismos, da linguagem do 'tipo assim', da
'parada animal', as distintas preferncias musicais, as vestimentas e acessrios, as marcas corporais, enfim,
urge que nos percebamos - e tambm a nossos alunos e alunas - como sujeitos de uma condio cultural
que atravs de inmeros investimentos nos modifica, transforma e constitui diferentes maneiras de ser e
estar no mundo" (2005, s/p).
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