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Universidade Estadual de Maringá 27 e 28 de abril de 2010
NARRATIVAS MIDIÁTICAS E IDENTIDADES JUVENIS
SILVA, Franciele Alves da
FABIANO, Luiz Hermenegildo Agência Financiadora – CAPES
Narrativas e sociedade contemporânea:
Os indivíduos têm um modo peculiar de compreender, agir e relacionar-se com o mundo
à sua volta. É a cultura que fornece essas características peculiares, constituindo o modo
como os homens interagem, se organizam e criam sentido para as ações que realizam. A
cultura, portanto, é o que caracteriza o mundo humano: são as idéias, a produção dessas
idéias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades e os sentidos para se
realizá-las.
Nas diferentes sociedades e épocas os homens elaboraram e elaboram sua cultura, bem
como os meios para transmiti-la aos membros do seu grupo, sob a forma de
conhecimentos, experiências, tradições, etc. As transformações que ocorreram na
sociedade ocidental desde a consolidação do sistema capitalista desenvolveram
diferentes modos de se elaborar, apreender e transmitir a cultura. Uma das
características mais marcantes da sociedade contemporânea é a influencia do amplo e
contínuo desenvolvimento tecnológico nas diversas esferas sociais, inclusive na cultura.
Desse modo, conforme Theodor W. Adorno (1986, p.68), em Capitalismo tardio ou
sociedade industrial? a atual sociedade pode ser considerada tanto industrial, porque o
desenvolvimento das forças produtivas tornaram o trabalho industrial um modelo de
sociedade. Como, por outro lado, a sociedade também caracteriza o capitalismo tardio
devido às relações sociais que se estabelecem nas diversas instâncias sociais e nas quais
cada indivíduo tem um papel/função determinada.
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A novidade é que as necessidades se tornaram um meio para justificar a reprodução do
sistema econômico e não a finalidade a que se destine seu funcionamento. Forças
produtivas e relações de produção formam uma identidade, isso quer dizer que há uma
unificação tecnológica e organizatória que não atua apenas na produção material, mas
também na produção cultural. Ou seja, o desenvolvimento técnico passa a nortear as
relações que se estabelecem para além do âmbito do trabalho.
Para o historiador Eric Hobsbawn (1995), em A era dos extremos, o século XX pode ser
considerado um período de profundas transformações globais, no qual se destaca,
principalmente, a dissolução da memória histórica, ou seja, os indivíduos não ligam
suas experiências ao contexto público em que vivem. Assim, “a destruição do passado –
ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das
gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do
século XX.” (HOBSBAWN, 1995, p. 13).
Desse modo, o século XX oferece um paradoxo: é caracterizado pelos avanços
tecnológicos e científicos, grande produção de riquezas, aumento da população,
melhorias nas condições de vida, desenvolvimento dos meios de comunicação e
transporte, entre outras coisas. No entanto, ocorreram períodos de grandes crises (como
as duas guerras mundiais), que afetaram diversas esferas da sociedade como a
economia, a cultura e a política; além disso, não se conseguiu acabar, ou amenizar, as
desigualdades sociais, pelo contrário, elas se acirraram mais.
Estas mudanças oferecem um breve panorama sobre o contexto que subsidiou o
desenvolvimento das atuais formas de se “narrar” o mundo, de elaborar e reelaborar a
cultura. Sobretudo, pode-se ressaltar que esta conjuntura é marcada pela “desintegração
dos velhos padrões de relacionamento social humano, e [...] a quebra dos elos entre as
gerações, quer dizer, entre passado e presente.” (HOBSBAWN, p.25). Ou seja,
vislumbra-se uma exacerbação dos valores individualistas em detrimento da vida
coletiva. O passado perde seu elemento de conexão (de transmitir experiências) entre o
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individual e o coletivo; as relações pautam-se em experiências transitórias, criadas e
terminadas no presente.
A questão da experiência (Erfahrung) – esta entendida como o cultivo do saber
transmitido de geração em geração – no mundo capitalista se insere na problemática
trazida por Walter Benjamin (1994) em seus estudos sobre a modernidade. Nestes
estudos o autor apresenta uma crítica sobre a necessidade de reconstrução da
experiência e elaboração de uma nova forma de narratividade. As rápidas mudanças nas
condições de vida promovidas pelo capitalismo/técnica distanciam os grupos humanos
porque prejudicam a assimilação de uma experiência compartilhada. Isso tem gerado
um distanciamento das gerações, um comprometimento do diálogo e da troca e o
isolamento do indivíduo.
Em vista disso, este trabalho objetiva compreender de que forma as narrativas –
entendidas como instrumentos de formação social – contribuem para a constituição da
identidade dos jovens e para a inserção destes na vida social. Propõe-se verificar, ainda,
em que medida essas narrativas, ao atuarem como estimuladoras de identidades
estreitas, contribuem para a constituição de tribos ou comunidades fechadas, que
dificilmente dialogam com diferenças ou grupos sociais com idades distintas. Tendo em
vista que a cultura atual é marcada pela tecnologia nos referimos às narrativas
midiáticas, cuja estruturação perpetua o imediatismo e o consumo, focando
especialmente às que se voltam para o público jovem.
Este contexto, no qual as formas de agir mudam rapidamente e as realizações acabam
por não se solidificarem, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman denomina de vida
líquida. Segundo Bauman (2005) em seu livro homônimo, a vida líquida traz o
problema de uma identidade moderna que se estrutura na vivência do presente. O jovem
se vê inserido num processo em que é preciso estar em constante mudança, porque a
constituição da identidade depende de sua inserção e manutenção em uma lógica
“moderna”.
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Os discursos predominantes nessa sociedade carregam uma noção de indivíduo que
exige que este seja “singular”, “diferente”, “único”. Com isso, conforme Bauman (2005,
p.26), a imposição de ser diferente gera na verdade semelhantes por “terem de seguir a
mesma estratégia de vida e usar símbolos comuns”, a individualidade torna-se um
“imperativo universal”. Assim, a individualidade carrega uma contradição insolúvel:
que é precisar da sociedade para se realizar e esta, por sua vez, oferece os meios para
alcançar a individualidade embora esta não se realize.
O consumismo, por sua vez, aparece como fonte dos meios para se construir, preservar
e renovar a individualidade. A luta pela singularidade se torna motor para a produção e
consumo em massa. A economia de consumo, por sua vez, é veloz e rotativa, logo as
coisas se tornam “ultrapassadas” rapidamente e ser indivíduo termina por se caracterizar
pelo poder de consumir/ter dinheiro (BAUMAN, 2005, p.36-37).
Nesse contexto de uma sociedade moderna, estritamente marcada pelo consumo, que
consideramos a importância de uma reflexão sobre narração que ultrapasse a
superficialidade do “comumente aceito” para entendermos como tem se dado a
constituição do sujeito moderno diante das narrativas que o permeiam.
Identidade e possibilidades formativas:
Narrar para Benjamin (1994, p.200) consiste na arte de intercambiar experiências,
prática que está em vias de extinção na modernidade. A constante busca pelo novo (que
rapidamente se torna obsoleto) deteriora as experiências e o que tem se constituído são
experiências empobrecidas, as quais estão deixando de ser comunicáveis. “O conselho
tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria. A arte de narrar está
definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção”.
(BENJAMIN, 1994 p. 200-201).
Esse processo de deterioração das narrativas de que fala Benjamin (1994) não pode ser
considerado como mera característica da modernidade. Tal como as forças produtivas
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evoluem e modificam a dinâmica não só do mundo do trabalho, conceitos como os de
história, memória, identidade também sofrem transformações históricas.
Assim, conforme as contribuições teóricas de Walter Benjamin, a análise das narrativas
pode ajudar a compreender os dilemas da modernidade como, por exemplo, a perda por
parte dos indivíduos da capacidade de constituir experiências autênticas, de refletir
sobre sua existência, sobre o cotidiano e sobre a prática da cidadania.
O advento das tecnologias de informação e comunicação, por exemplo, permitem que
tenhamos acesso a notícias do mundo todo: as últimas tendências da moda, os conflitos
entre palestinos e israelenses, a vitória do primeiro negro à presidência dos EUA, o
aumento do desemprego e dos índices de criminalidade, as belezas dos desfiles de
carnaval, as novas fórmulas de emagrecimento, etc.
No entanto, não conseguimos inverter os péssimos índices de desempenho educacional,
combater a corrupção política e o desmatamento ilegal, (embora estejam estampadas
inúmeras informações em diversos veículos da mídia). Assim, apesar de termos muitas
informações (que já vêem acompanhadas das devidas explicações), a relação que
estabelecemos com estes não promove uma experiência formativa duradoura. As
informações e experiências têm que ser “consumidas” rapidamente; exigem-se respostas
imediatas, que geram uma percepção automática e a incorporação de impressões
superficiais.
Pode-se dizer, conforme Bauman (2005), que o conhecimento tornou-se descartável,
logo é preciso constante atenção para descartá-lo quando não for mais útil e substituí-lo
por outro. A educação nesse contexto se tornou perene, o conhecimento não é mais
construído como durável. Logo, “mais precisamente no ambiente líquido-moderno a
educação e a aprendizagem, para terem alguma utilidade, devem ser contínuas e
realmente por toda a vida” (BAUMAN, 2005, p. 155). A formação assim é um processo
inconcluso que deve ser exercido continuamente, de modo que a prática da cidadania
também seja algo contínuo e significante para o indivíduo.
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Para tanto se deve levar em conta que a escola precisa compreender essa lógica de
consumo em que os jovens estão inseridos e a qual oferece uma forma de participação e
inserção que se afasta do objetivo da educação de fornecer uma formação voltada para o
exercício da cidadania.
Segundo Néstor Canclini (1999, p. 37), em Consumidores e Cidadãos: conflitos
multiculturais da globalização, os indivíduos têm encontrado resposta para seu
reconhecimento como cidadãos por meio do consumo privado de bens e dos meios de
comunicação de massa “do que nas regras absolutas da democracia ou pela participação
coletiva em espaços públicos”. Por isso, para se refletir sobre essa função da educação
de formar cidadãos é premente, parafraseando Canclini, considerar a cidadania
vinculada às práticas que dão sentido de pertencimento na atualidade: o consumo, neste
caso especialmente, o de bens culturais.
A pesquisa Adolescentes e Jovens do Brasil: participação social e política,realizada em
âmbito nacional pelo IBOPE Opinião em 2007 com mais de 3000 jovens, apresenta um
estudo sobre o perfil da juventude brasileira, incluindo os principais problemas
enfrentados, o acesso a direitos básicos (saúde, educação, cultura, trabalho,esporte,
lazer,etc.), relação com a família e comunidade, e perspectivas e expectativas acerca das
políticas públicas para juventude. No campo da cultura/lazer a pesquisa constata que
35% dos jovens apontam a televisão como principal fonte de entretenimento e a internet
como principal meio de comunicação para 21%, atrás apenas do telefone.
Destaca-se, portanto, para estas análieses as narrativas midiáticas circunscritas no
âmbito televisivo e as de internet. No campo televisivo, pretende-se enfocar narrativas
para jovens como, por exemplo, a novela Malhação (veiculada pela Rede Globo a mais
de dez anos), que tem como foco prioritário o mundo adolescente e o ambiente escolar.
Na área da internet destaca-se as redes de relacionamento e comunidades virtuais, como
o Orkut, pela relação com os programas televisivos (blogs e sites de novelas,
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comunidades de fãs, etc.), e por expressarem uma das formas como o jovem “narra” seu
mundo.
A intenção é compreender como tais discursividades interferem na formação da
identidade e logo na constituição de hábitos sociológicos irracionais. “Irracionais” no
sentido de que podem cooperar com a constituição de um homem desmemoriado e
dotado de um comportamento repetitivo, reificado e passivo. Mas, ao mesmo tempo,
busca-se refletir sobre quais as possibilidades dessas narratividades oferecerem
elementos formativos mais consistentes para a subjetividade do sujeito.
Nesse sentido, é que se pretende abordar a reflexão sobre as narrativas midiáticas como
possibilidade de se evidenciar as articulações entre o público e o privado que tem
emergido dos meios de comunicação para os jovens, bem como evidenciar como estes
reelaboram estes significados para sua vida cotidiana.
Narrativas midiáticas e Identidades Juvenis: inscrição teórica
Para se aprofundar uma temática referente à constituição de identidades juvenis na
modernidade é preciso esclarecer o que é ser jovem hoje e como se dá a construção de
representações a respeito da juventude no campo das tecnologias midiáticas.
Primeiramente, destacamos que o a categoria jovem e adolescente não são termos
estáticos, pelo contrário, encontram-se em contínuo processo de discussão, o que
significa que sua definição está ligado ao contexto político, cultural e histórico em que
está inserido. De acordo com a Secretaria Nacional de Juventude, jovens são os
indivíduos compreendidos entre 15 e 29 anos. Já para o Estatuto da Criança e do
Adolescente entre 12 e 18 anos incompletos o indivíduo é considerado adolescente e
jovem entre 18 e 29 anos. Como este estudo pretende enfocar estudantes do Ensino
Médio (gerealmente entre a faixa etária de 14 a 18 anos) utilizaremos o termo “jovens
adolescentes”.
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De acordo com Cirlene Cristina de Sousa (2008), no artigo Os fios constitutivos da
interação: televisão, juventude e escola, na perspectiva de Dayrell e Abramo, é possível
destacar as instituições tradicionais (escola e família) e os meios de comunicação como
fontes de produção de imagens e representações acerca da juventude. Segundo Sousa,
no campo das instituições, a juventude é um período de transitoriedade, cujas
experiências se constituem em uma passagem para a vida adulta. Por outro lado, a
juventude também é descrita como período de conflitos, de busca de liberdade e prazer,
e do jovem como sujeito de direitos.
Nessa perspectiva, toma-se o sentido de “ser jovem” a partir da apreensão do contexto
histórico em que se insere essa geração, bem como das diferenças e desigualdades que
marcam os espaços de convivência de cada jovem, como a escola, e de seus modos de
ação e compreensão do cotidiano.
Desse modo, o tema da constituição da identidade na modernidade por meio dos
discursos produzidos na sociedade, levando-se em conta o contexto tecnológico que se
consolidou, tem perpassado diversos estudos na atualidade1. Para a fundamentação
teórica desse projeto destaca-se os estudos desenvolvidos pelos intelectuais da Escola de
Frankfurt, especialmente os de Theodor Adorno e Walter Benjamin. Os pensadores
frankfurtianos tinham a proposta central de formular uma teoria crítica acerca da
racionalidade da sociedade burguesa, enfatizando a questão da cultura e da ideologia na
constituição do sujeito. Esta perspectiva aponta para uma abordagem da realidade pela
análise da formação da consciência social comprometida pelas ideologias (ADORNO,
1999).
1 Essa afirmação se constituiu a partir da leitura de artigos sobre estudos relacionados à identidade, mídia, juventude e práticas sociais pesquisados em sites de busca. Dentre as leituras realizadas pode-se destacar a contribuição dos seguintes artigos para esse projeto: Os fios constitutivos da interação: televisão, juventude e escola, de Cirlene Cristina de Sousa; Cenas urbanas e culturas juvenis: cidade, consumo e mídia no Brasil de 60 e 70, de Rose de Melo Rocha; Mídia Educativa ou Educação Midiática? Os tortuosos caminhos da cidadania, de Manuela Barros e Erotilde Honório; Cinema e Walter Benjamin: para uma vivência da descontinuidade, de Cássio dos Santos Tomaim; Mídia e Juventude: experiências do público e do privado, de Rosa Maria Bueno Fischer; Ter atitude: escolhas da juventude líquida, de Sarai Patrícia Schmidt; Programação televisiva e socialização, Márcia Gomes.
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Um dos aspectos essenciais da filosofia de Benjamin é o desenvolvimento de uma
espécie de “Teoria da narração”, cujo cerne consiste em uma reflexão crítica sobre os
discursos da história e da prática. Essa reflexão está diretamente ligada à questão da
experiência (Erfahrung) entendida como o cultivo do saber transmitido de geração em
geração (BENJAMIN, 1994. p. 09).
Segundo Benjamin (1994), na obra Magia e técnica, arte e política, no mundo
capitalista as condições para a realização da arte de contar, ou seja, a transmissão de
experiência foram suprimidas e esta tornou-se uma prática empobrecida. Isso se dá
porque para a transmissão da experiência em seu sentido pleno é necessário que o ritmo
entre a vida e a palavra se dê de forma comunitária, opondo-se ao ritmo do trabalho
industrial.
Diante disso, Benjamin (1994) aponta para a necessidade de se resgatar as promessas da
modernidade (de liberdade, emancipação humana, progresso técnico, etc.) que não se
efetivaram e propor uma análise de desconstrução do passado para se reelaborar o
presente. Esta preocupação vai de encontro com as formulações do companheiro
frankfurtiano Theodor Adorno que propõe uma crítica ao Iluminismo (Alfklärung) à
medida que este acabou por não realizar sua proposta humanística.
As ponderações de Adorno (1999), no ensaio Conceito de Esclarecimento, nos revelam
que a promessa do iluminismo de esclarecer os homens pela razão na verdade reificou o
sujeito no processo técnico. Nessa conjuntura de evolução do modo de produção
capitalista, marcada por um amplo desenvolvimento técnico, as narrativas se tornaram
empobrecidas. Ou seja, temos a configuração de um processo de mercantilização da
cultura e de criação de padrões homogeneizantes promovidos pela indústria cultural. Os
avanços técnicos ao invés de tornarem as relações mais humanizadas incentivam o
consumo por meio da cultura.
Desse modo, o consumo se torna na modernidade um fator marcante das relações
sociais e da constituição da identidade do indivíduo. As experiências se descortinam em
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um ambiente de incertezas constantes, de reinícios e modos de vida descartáveis; as
relações são fluídas, ou como descreve Zygmunt Bauman, são líquidas. A vida líquida
traz o problema da identidade, que se centra em viver o presente, ou melhor, “consumir”
o presente.
As coisas e objetos são classificados de acordo com o padrão destes como objetos de
consumo, ou seja, como bens que são descartáveis e plenamente substituíveis. As
pessoas vivem com medo de serem também descartadas no lixo, por isso há uma
constante preocupação em se manterem no “progresso”. Assim, a identidade que se
configura na modernidade líquida requer um “constante auto-exame, auto-crítica e auto-
censura. A vida líquida alimenta a insatisfação do eu comigo mesmo” (BAUMAN, 2005
p. 19).
Tem-se, então, um mundo exterior que se pauta em um valor instrumental. O papel da
educação nessa realidade é transformar o mundo humano de modo que seja possível
uma “[...] reconstrução do espaço público, hoje em dia cada vez mais deserto, onde
homens e mulheres possam engajar-se numa tradução contínua dos interesses
individuais e comuns, privados e comunais, direitos e deveres.” (BAUMAN, 2005 p.
163).
Daí a importância de uma educação para a cidadania, que consiga se efetivar em meio
às práticas consumistas e passageiras que privilegiam primordialmente a “satisfação”
individual. Entretanto, é preciso compreender que elementos formativos as narrativas
consolidadas nesse contexto das tecnologias da informação e de consumo têm oferecido
ao indivíduo (jovem). Esta compreensão deve levar em conta que o consumo nos
discursos atuais aparece como fator agregador,ou seja, de inclusão nas diversas esferas
sociais.
Segundo Néstor Canclini (1999, p.37), as formas de exercer a cidadania sempre
estiveram ligadas à capacidade de apropriação e aos modos de usar os bens de consumo.
Porém, as diferenças quanto ao acesso aos bens de consumo supunham serem
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compensadas pela igualdade em direitos abstratos (votar, representar-se por partidos e
sindicatos). Junto com a crise política e das instituições outros modos de participação se
fortaleceram. O desenvolvimento das tecnologias audiovisuais de comunicação, por
exemplo, se constituíram como um dos principais instrumentos para o exercício da
cidadania no século XX.
A questão é que antes as identidades se definiam por essências a-históricas
(nacionalismo, etnias, tradições) e agora se definem no consumo; sua configuração
passa a depender daquilo que se possui ou que se pode chegar a possuir. Os meios de
comunicação, nesse sentido, inseriram as massas populares na esfera pública, mas
deslocaram o desempenho da cidadania em direção às práticas de consumo.
Por considerar que as narrativas expressam o modo como uma sociedade transmite e
perpetua sua cultura, um estudo sobre estas requer que além de desvelar suas
peculiaridades atuais, destacando-as no campo midiático, é preciso compreender a
conjuntura em que elas se estabelecem e como são apreendidas. Ou seja, é necessário
evidenciar, nesse caso, como os jovens são impactados pelas narrativas e como estes
compreendem e externalizam essa formação em suas práticas sociais.
Metodologia como guia
Este texto é produto do projeto de pesquisa para o mestrado em educação da
Universidade Estadual de Maringá. O método proposto é o da perspectiva de análise
qualitativa, ou seja, busca a compreensão da realidade pelo universo dos significados,
dos valores e atitudes. Entende-se, nesse sentido, os fenômenos humanos como parte da
realidade social, “[...] pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar
sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade partilhada com
seus semelhantes” (MINAYO, 2007, p. 21). Nessa perspectiva, esse estudo pretende
verificar como os jovens têm elaborado representações sociais a partir da sua relação
com as narrativas midiáticas.
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Cabe destacar que as narrativas midiáticas a serem estudadas para esta pesquisa, a saber,
programas televisivos e comunidades virtuais, foram eleitas por serem citadas,
conforme as fontes consultadas, como as de uso mais freqüente de jovens brasileiros.
O desenvolvimento da pesquisa abrangerá o levantamento e análise de fontes
bibliográficas sobre hábitos de jovens urbanos brasileiros realizados nos últimos cinco
anos para situar o impacto das narrativas contemporâneas em suas práticas sociais. A
partir da definição desse panorama será possível uma análise do discurso de alguns
programas televisivos mais assistidos e comunidades virtuais mais visitadas pelos
jovens, tendo como referencial o conceito de experiência de Walter Benjamin.
A utilização desse referencial teórico-metodológico tem o objetivo de “desconstruir” as
narrativas, procurando um entendimento para além do sentido explícito e reconhecido
que estas expressam (BENJAMIN, 1994 p.15). Para isso, leva-se em conta, sobretudo, o
entendimento do objeto de análise (os jovens) sobre estes discursos que os formam e
que são, ao mesmo tempo, formados por ele.
Ressalta-se que o perfil do público estudado compreenderá cerca de 20 jovens da faixa
etária dos 14 aos 18 anos (idade em que geralmente estão cursando o ensino médio) da
cidade de Maringá, preferencialmente de escola pública. Com este universo de
indivíduos serão realizadas entrevistas abertas acerca da apreensão destes sobre as
narrativas estudadas e o impacto destas em suas práticas sociais. Este instrumento
metodológico busca dar maior profundidade às reflexões da pesquisa, que é considerada
aqui como uma “forma privilegiada de interação social” e por isso “está sujeita à mesma
dinâmica das relações existentes na própria sociedade” (MINAYO, 2007, p. 65).
Portanto, a pesquisa é em si uma relação social, na qual, parafraseando Ecléa Bosi
(1994), somos sujeitos enquanto indagamos e objeto quando ouvimos e registramos as
informações. Constrói-se com isso uma relação de alternância entre pesquisador e
pesquisado, na qual o primeiro busca um posicionamento que questione suas próprias
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percepções da realidade para se elaborar uma reflexão para além do “aparentemente”
instituído.
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