identidade a face oculta dos novos movimentos sociais

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uem — ou o quê — se está movendo nos chamados novos movimentos sociais na Améri- ca Latina? Como, por que, para onde? Nossas dúvidas aumentam à medida que proliferam os novos grupos sociais: associações de trabalhadores or- ganizados independentemente ou até em oposição às estruturas sindicais tradicio- nais e aos partidos políticos; loteamentos clandestinos que se organizam em mo- vimentos; núcleos de moradores brotan- do virtualmente em todas as grandes cidades latino-americanas, comunicando- se entre si em nível local e até nacional; inúmeras comunidades de base da Igreja Católica expandindo-se em grandes áreas rurais; associações indígenas irrompendo espontaneamente no cenário político; associações de mulheres e até mesmo gru- pos ostensivamente feministas; comitês de direitos humanos transformando-se em focos de comunicação e consciência social; encontros de jovens; atividades educacionais e artísticas em nível popu- lar; coalizões pela defesa de tradições e interesses regionais; movimentos de defesa do meio ambiente; um tecido irregular de grupos de ajuda mútua entre desempregados e pessoas pobres. Tudo isso para ficar apenas nos exemplos dos três países em que tenho um pouco de experiência pessoal: Brasil, Chile e Peru. E nos mesmos países: criminalidade causada pela fome; bandos assaltando supermercados; milhares de camponeses marchando sobre cidades do interior em busca de comida; uma rebelião armada antimodernista (Sendero Luminoso); es- tigmas de miséria, opressão política e devastação cultural em praticamente to- dos os indivíduos de classe baixa. Para- lelamente a isso tudo, uma tradição bem implantada de partidos políticos, dentre eles uma variedade de partidos leninistas semiclandestinos, e também tentativas de um socialismo renovado e não-leninista (PT no Brasil; Convergência Socialista no Chile), associações profissionais efi- cientes e grupos de influência econômi- ca... É o suficiente para confundir qualquer observador. Nada combina com nada. Não é apenas que a realidade esteja mudando: ela está fugindo a nossos mo- dos de percepção e a nossos instrumentos de interpretação. O que se diz a respeito dos países industrializados da Europa ocidental provavelmente se aplica tam- bém à América Latina: o liame entre os movimentos sociais e o conhecimento do social rompeu-se. Qualquer tentativa de emendá-lo deve partir do doloroso reco- nhecimento da ruptura (Evers, A. & Szankay, 1981). Não sabemos o que sejam estes novos movimentos sociais, e qualquer direção que tomemos em busca de uma nova compreensão, vai levar-nos a erros, em alguma medida- Paradoxalmente, isto diminuiu o medo de errar e limpou a área para "escolas", latino-americanas ou ABRIL DE 1984 11 1. Introdução Tilman Evers

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Movimientos sociales, política

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uemouoquseest movendonoschamadosnovos movimentossociaisnaAmri- caLatina?Como,porque, paraonde?Nossasdvidasaumentam medidaqueproliferamosnovosgrupos sociais:associaesdetrabalhadoresor- ganizadosindependentementeouatem oposiosestruturassindicaistradicio- naiseaospartidospolticos;loteamentos clandestinosqueseorganizamemmo- vimentos;ncleosdemoradoresbrotan- dovirtualmenteemtodasasgrandes cidadeslatino-americanas,comunicando- seentresiemnvellocaleatnacional; inmerascomunidadesdebasedaIgreja Catlicaexpandindo-seemgrandesreas rurais;associaesindgenasirrompendo espontaneamentenocenriopoltico; associaesdemulhereseatmesmogru- posostensivamentefeministas;comits dedireitoshumanostransformando-se emfocosdecomunicaoeconscincia social;encontrosdejovens;atividades educacionaiseartsticasemnvelpopu- lar;coalizespeladefesadetradies einteressesregionais;movimentosde defesadomeioambiente;umtecido irregulardegruposdeajudamtuaentre desempregadosepessoaspobres.Tudo issoparaficarapenasnosexemplosdos trspasesemquetenhoumpoucode experincia pessoal: Brasil, Chile e Peru. Enosmesmospases:criminalidade causada pela fome; bandos assaltando supermercados;milharesdecamponeses marchandosobrecidadesdointeriorem buscadecomida;umarebelioarmada antimodernista(SenderoLuminoso);es- tigmasdemisria,opressopolticae devastaoculturalempraticamenteto- dososindivduosdeclassebaixa.Para- lelamenteaissotudo,umatradiobem implantadadepartidospolticos,dentre elesumavariedadedepartidosleninistas semiclandestinos,etambmtentativasde umsocialismorenovadoeno-leninista (PTnoBrasil;ConvergnciaSocialista noChile),associaesprofissionaisefi- cientesegruposdeinflunciaeconmi- ca...osuficienteparaconfundir qualquerobservador.Nadacombinacom nada. Noapenasquearealidadeesteja mudando:elaestfugindoanossosmo- dosdepercepoeanossosinstrumentos deinterpretao.Oquesedizarespeito dospasesindustrializadosdaEuropa ocidentalprovavelmenteseaplicatam- bmAmricaLatina:oliameentreos movimentossociaiseoconhecimentodo socialrompeu-se.Qualquertentativade emend-lodevepartirdodolorosoreco- nhecimentodaruptura(Evers,A.& Szankay, 1981). Nosabemosoquesejamestesnovos movimentossociais,equalquerdireo quetomemosembuscadeumanova compreenso,vailevar-nosaerros,em algumamedida-Paradoxalmente,isto diminuiuomedodeerrarelimpoua rea para "escolas", latino-americanas ou ABRIL DE 1984 11 1. Introduo Tilman Evers IDENTIDADE: A FACE OCULTA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS no,depensamentoheterodoxoecriati- vo.1Umavezqueoerromaior,obvia- mente,seriainsistiremvelhascategorias, decomprovadainadequao,temosali- berdadedeexperimentar.Decertomodo, estamesmaexperimentaofarparte tambmdomovimento.Comopontode partida,talvezomaisprudentenesse camposeja,exatamente,refletirsobrea rupturaentrerealidadeepercepo:o que,nestesnovosfenmenos,subverte as nossas categorias? Aspginasseguintespretendemser umensaionestadireo.Assuaslimita- esnecessriasestoclarasdesdeoin- cio.Oquequerodizerpodeserresumido em quatro pontos: 1)O poder poltico como categoria cen- tral das cincias sociais uma concepo excessivamentelimitadaparaoenten- dimento dos novos movimentos sociais; o potencial destes no diz respeito prin- cipalmente ao poder, e sim renovao de padres scio-culturais e scio-psqui- cos do quotidiano, penetrando a micro- estrutura da sociedade. 2)O caminho desteprocessocriativo necessariamenteaberto,embrionrio, descontnuo e permeado de contradies, portanto difcildecaptar. Sopassos iniciais na direo de uma sociedade al- ternativa, representando algo como a "parte dos fundos", no organizada, da esfera social, cuja parte da frente a dos reforos mtuos, sistmicos e bem estabelecidos ocupada pela sociedade dominante. 3)Numa primeira tentativa de dar nome direo deste processo, talvez a dicoto- mia "alienao-identidade" aponte algu- mas pistas. 4)Embutida neste processo est a cria- o de seus prprios sujeitos. Estes no podem ser pensados, por enquanto, como entidadessociaisou individualidades completas, mas antes como fragmentos de subjetividade atravessando a cons- cincia e a prtica de pessoas e organi- zaes. 2. Algumas interpretaes atuais: Expandindo a esfera "do poltico" aturalmente, reconhecer que no sabemos exatamente o que sejam estes movimentos no significa que nosaibamos nada sobre eles. Ao contrrio, dispomos de uma quantidade de reflexes parale-las, a comear pelos esforos constantes de auto-reflexo e expresso dos pr- prios movimentos sociais. Talvez uma indicao quanto essncia destes mo- vimentos esteja precisamente em seu empenho marcante dos novos sindi- catos "autnticos" e das comunidades de base da Igreja Catlica, por exemplo em definir a si prprios como novos e diferentes em relao poltica tradi- cional, e em se colocarem como funda- dores e guardies de suas prprias tradi- es e experincias sociais. Aprincipalinvestidanestabuscade identidadeautnomaparecefazer-secon- traaatitudeeprticageneralizadasde tutelagemquetmcaracterizadoa polticatradicionalnaAmricaLatina emrelaoaosmovimentossociais.Isto aplica-seaopaternalismoconservadore manipulaopopulista,tantoquanto interpretaomecanicistadahistriaque osmarxistaslatino-americanosherdaram daTerceiraInternacionalequelhes permitiriaconheceroprocessosocial antecipadamente,legitimando,assim,a vanguardailuminadaquedetmosaber necessrioparacomandaroprocessode gestaodafuturarevoluo.2Deacordo comestaconcepo,aosmovimentosso- ciaiscaberia,namelhordashipteses,o papelde"movimentosdemassa",supos- tamentepoucoestruturados,devendo integrar-sesorganizaesdetrabalhado- res,comoomovimentosocialdoprole- tariado;ouainda,teriamafunode frontspolticosespeciais,destinadosa subordinar-selideranadopartido, nicoorganismoautorizadoa"fazerpo- ltica". Tentandoabandonarasinterpretaes datradiomarxistaque,decertamanei- ra,reforamomonopliopolticodos partidos,osintelectuaislatino-america- nosviramestesensaiosdeaoautno- madosmovimentossociaiscomoum alargamentodaesfera"dopoltico".Os esforosdasditadurasmilitarespara suprimiraparticipaopoltica,fechando oscanaistradicionaisdearticulaotive- ramoefeitoexatamenteopostodepoli- tizarasprimeirasmanifestaessociais pormoradia,consumo,culturapopular ereligio.Surgindoduranteumperodo deprofundacrisedasesquerdasme- nosdevidorepressodoqueaoprprio malogrotericoeprticoacriaode formasnovaseautnomasdeexpresso social foi tanto uma necessidade quanto 1Verascontribuiesde LECHNER,Norbert,Qu significahacerpoltica?,Li- ma,1982;deARAVENA, FranciscoRojas,Autoritarismo yalternativaspopularesen AmricaLatina,SanJos, coleccin25anosFLACSO, EUNED,1982;ouentode MOISS,Joslvaroeou- tros,Alternativaspopularesda democracia:Brasil,anos80, Petrpolis,Vozes/CEDEC, 1982;ouaindaacoleode artigosnonmero64da NuevaSociedad(Caracas): "Nuevasformasdehacerpo- ltica",jan./feb.1983.Os trabalhoseautorescitadosnas notasseguintessoalguns entremuitosexemplos. 2Humavastaliteratura criticandoestaconcepode poltica.PorexemploGAR- CA,HenryPease,"Vanguar- diailuminadayorganizacin demasas",NuevaSociedad (n.64)pp.33-38,jan./feb.; MIRES,Fernando,"Retaguar- diassinvanguardias",Nueva Sociedad(n.61)pp.35-54, jul./ago.1982;LECHNER, Norbert,Revolucinyrup- turapactada,Madrid,traba- lhoapresentadonosimpsio "Caminhosdelademocracia enAmricaLatina",Funda- tionPabloIgresias, 30de maioa5dejunhode1983, mimeo. 12NOVOS ESTUDOS N. 4 umaoportunidade.Agrandediversidade degrupos,cursos,centrosdeajudam- tua,comits,eassimpordiante,"es- pontnea"apenasnosentidodenose- guirplanoscomunsedenoobedecera nenhumcontrolecentral;comefeito,esta "espontaneidade"representaumrduoe paciente"trabalhodeformiga",deorga- nizaoeestruturaodepequenos ncleosnatentativadeenfrentarasagru- rasdoquotidiano.Sehouvequalquer formaorganizativacentralizadaportrs dissotudo,foiaIgrejaCatlica,atravs deseussetoresprogressistas,queem- prestouseutetoparamuitasdestas iniciativas. Paralelamenteemergnciadenovos camposdeaopoltica,comearama surgirnovasformasanlogasde"fazer poltica",etambmosnovosagentes polticos(Lechner,1983;Mires,1982). Deacordocomestalinhadeinterpreta- o,atualmenteatarefaintelectualcon- sisteem"pensaraconstruodeuma novahegemoniaatravsdainterveno diretadasmassas,assegurandoumare- conceituaodapolticaqueampliesua esferaerecupere,enquanto ao vlida, ovastocampopopularcomseuquotidia- no,aceitandodestemodoodesafiode visualizarumprojetosocialapartirdo enfoquedaprticadasclassespopulares" (H.P.Garcia,1983,p.38).Aoinvsde umaperspectiva"partidista",trata-sede exigir uma viso "movimentista".3 steraciocniocujariqueza nomepossvelsintetizar empoucasfrasestempos- sibilitadovaliososavanosno sentidodeumacompreensoadequada dosnovosmovimentossociais.Longede considerarestesavanoscomofalsos,sin- to-meinteiramentealiadoaeles;minha dvidaatondeconseguiroirna buscadenovosconceitos.Creioqueal- gunsparmetrosdasconcepestradicio- naiscriticadasescaparamcrticaecon- seguiraminfiltrar-senointeriordasnovas linhas de pensamento. Basicamente,istoseaplicaidia mesmadaposiocentraldapoltica. Quandofalamosem"repensarapolti- ca"ouem"alargaraesferadopoltico", permaneceintocadaarefernciacentral edefinidoradapolticapropriamente dita.Comoumltimoredutodocentra- lismo conceitual, continuamos a conside- rarapolticacomoumaesferaespecia- lizada,paraaqualcontribuemasvrias manifestaesdavidasocialeapartir daqualestasmanifestaespodemser alteradas.Conseqentemente,aquesto globalorientadoradestanovalinhade pensamentonomudouemrelaoao raciocniotradicional.Reavaliarafuno polticadosmovimentosdebasesignifica queaindaestamosprocurandooseupo- tencialpoltico,apenasapartirdeuma tica melhor.4 Mesmoquandofalamossobremovi- mentossociais,obviamentenoestamos interessadosnosnovosagentessociais queemergemdeles,masnosagentespo- lticos;noestamosprestandoatenos novasformasde"fazerasociedade", masde"fazerpoltica".Numapalavra, nossamedidauniversalcontinuaasera dopoder:oquerepresentamestasnovas prticasconvertidasmoedauniversal de poder? Juntocomospontosderuptura,pa- receramexistirlinhasdecontinuidade semiconscienteemnossamaneiradepen- sar,quefazemcomquetodooprojeto tericopareamaisuma"flexibilizao" develhosconceitosdoqueasuasupe- rao.Alista"oficial"deatorespolticos edeformasdeaoorganizadasemtorno doEstadoedaesferadaproduo,recebe osimportantesadendosda"sociedade civil"edos"movimentossociais".Com isto,aproduocultural,assimcomo todaaesferadareproduo,vem-se aceitascomocampospolticosvlidos (Evers,Mller-Plantenberg,Spessart, 1979).Sobacategoriade"hegemonia" estacrenadequedentrodaperspec- tivadeummovimentoanticapitalista, umarealidademultifacetada(Gramsci)e umaidentidademulticlassista(Laclaue outros)nosoapenasinevitveismas categoricamenteindispensveis.Admite- setambmqueestesnovosatorespolti- cosnosejamsecundriosemrelaoaos partidospolticosmas,nomnimo,equi- valentes. Noobstante,oobjetivoprincipal destareformulaoencontrarmaneira deintensificaropotencialpolticono mbitodarealidaderecentementedes- coberta.Emconseqncia,nofimda discussoemergeafiguradeumnovo partidopoltico(Mires,1983).Novo, diferente,incomparvel,extraordinrio, democrticomas,dequalquermodo, um partido poltico. Nopretendoquestionaravalidade 3 MIRES,Fernando,op.cit., p.35;edomesmoautor: "Acercadelanecessidady lascondicionesquesedanen Chileparaelsurgimientono necessariamenteenplazos inmediatosdeunnuevopar- tidopoltico".Oldenburg, mimeo,agosto 1983. 4 Estafoialinhabsicade meustrabalhosanterioresso- breosmovimentossociaisla- tino-americanos(masnoin- venominha);explicitamen- te,porexemplo, Tilman Evers,ClaritaMller-Planten- berg,StefanieSpessart:"Stadt- teilbewegungundStaat. KampfeinReproductionsbe- reichinLateinamerika",La- teinamerika,AnalysenundBe- richte,Vol.3,Berlin,Olle &Wolter,1979,pp.118-170. (Versoemespanhol:Movi- mientosbarrialesyestado. Luchasenlaesferadela reproduccinenAmricaLa- tina.Bogot:CINEP,1983, ColeccinTeoriaySociedad n.11.)Versoemportugus: MOISSJoslvaro,eou- tros,Cidade,PovoePoder, RiodeJaneiro, PazeTerra/ CEDEC,1981, pp.110-164; vertambmEVERS,Tilman, Osmovimentossociaisurba- nos:ocasodo"Movimento doCustodeVida"in, MOI- SS,J.A.eoutros, Alter- nativaspopularesdademo- cracia,op.cit.,pp.73-98(ver- soemespanhol);Revista MexicanadeSociologia(n. 4),pp.1371-1393,1981.Con- tudo,a"mensagemcentral destestrabalhoseranosen- tidodeafirmarqueopoten- cialpolticoperdeu-sedevi- doaosmtodosde instru- mentalizaodosmovimentos sociaispelospartidosde es- querda,equesuaautono- mia deveria ser respeitada". ABRIL DE 198413 IDENTIDADE: A FACE OCULTA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS destainterpretao: quem poderia negar aimportnciadopoderpoltico?Entre- tanto,pergunto-meseopoderonico ouomaisimportantepotencialparaa transformaosocialquepodemosencon- trar nestes movimentos e grupos. Muitomenospretendopostularaexis- tnciadedomniosdavidasocialisentos depoltica;umacoisaqueaprendemos queasrelaesdepoderpenetramem todososporosdavidasocial.Proponho- me,emvezdisso,acompletaroracioc- nio:estsuficientementeclaroquetoda relaodepoderpermeada,emmedida aindamaior,pelavidasocial?Tratarde polticacomoalgodestacveldarealidade socialno,demodoalgum,umalei natural,masumaconstruohistricada sociedadeburguesaqueestprofunda- mentearraigadanasformasdepercepo degregosetroianos.claroquea secularprticasocialeintelectualdesta separaoteveseussuportesmateriais nasestruturassociais.Assim,umconhe- cimentosocialorganizadoemtornoda abstraodepoderestmuitobemesco- rado na experincia histrica. Contudo,sendoumaconstruohist- rica,nossaprticadiriaacomear pornossomododepercepopode serorientadaparareforarouatenuar estaposiocentraleseparadadopoder. Minhaimpressoqueoelemento"no- vo"dosnovosmovimentossociaiscon- sisteexatamentenacriaodepequenos espaosdeprticasocialnosquaiso podernofundamental;enoconse- guiremosentenderestapotencialidade enquantoaencararmosdongulodeum poder apriorstico. Umaspectoquesugereapossvel insuficinciadasinterpretaesatuais queosurgimentodosnovosmovimentos sociaisnoestvinculadoasituaes polticasespecficascriadaspelasditadu- rasmilitares,nemafragorosasderrotas dospartidosdeesquerda.Encontramos taismovimentosempasescomoa Venezuela,quenosofreurupturana orientaoliberal,ounoPeru,ondea esquerdatemreforadosuainfluncia paralelamenteaosurgimentodenovos movimentos sociais. Ofatodestemesmotermoestarsendo usadoparadefinirnovasformasdema- nifestaosocialtambmempasesin- dustrializados,edeexistiremanalogias bviasentreessesmovimentos,uma indicaoadicionaldequeelesnode- vem sua existncia a um contexto poltico especfico,esimafatoressituadosnas razesdoatualdesenvolvimentosocial das sociedades capitalistas. 3. Pistas para uma compreenso diferente udoissoconduzseguinte pergunta:possvelimaginar queacontribuiohistrica queosnovosmovimentospo- demoferecernoestejanaampliaodo potencialpolticodeumaesquerdare- volucionria,mas,aocontrrio,napos- sibilidadederesgatardastenazesda poltica(inclusivedasdaesquerda)frag- mentosdeumavidasocialsignificativa? Emoutraspalavrasserquea"novida- de"destesmovimentosconsistenofato deteremporobjetivoareapropriaoda sociedadeporsimesma?Frentene- cessidadedeorganizaremargumentoso quepoucomaisqueumaintuio,pro- curareidefenderestaidianumaseqn- cia de quatro teses. Primeira Tese - O potencial transformador dos novos movimentos sociais no poltico mas scio-cultural noshabituamosaencontrar umasriedetraosemcomum namaioriadosnovosmovi- mentossociais(naturalmente, noemtodoseles).Dentreessascarac- tersticasrepetidas,podemosdestacar: umnmerorelativamentebaixodepar- ticipantes;estruturasnoburocrticase atinformais;formascoletivas de tomada dedecises;distanciamentosocialrela- tivamentepequenoentrelideranaede- maisparticipantes;modospoucotericos eimediatosdeperceberecolocaros objetivosdomovimento,etc.Muitos destesgruposestodiretamenteenvolvi- dosematividadesculturais(nosentido maisamplo);outroslanammodam- sica,teatro,dana,poesiaeoutrasma- nifestaesculturaisparadivulgarseus objetivos.Paramuitosmembros,osim- plesfatodaparticipaoimplicaforte apelodecartereducacional,mesmo quandoamotivaooriginriatenhasido umanecessidadematerialcomo,por exemplo,aobtenodereconhecimento legal de reas ocupadas para moradia. 14NOVOS ESTUDOS N. 4 Muitofreqentemente,osobservado- resvemnessascaractersticasumaindi- caodanaturezafracaepr-poltica dessesagrupamentos.Deacordocomesse pontodevista,atividadesculturaisso umacamuflagemtticaouumaingenui- dadepoltica.Eenquantoestesmovimen- tosforemobrigadosasobreviverelutar dentrodeumadadarealidadedepoder, este postulado justificvel. Entretanto,podeserquehajaumou- troladodamoedaemqueestasformas deassociaoeatuaonoapaream negativamentecomoformasimaturasde fazerpoltica,massimpositivamente, embriesdeumavidasocialmenoses- tigmatizadapelosflagelosdocapitalismo atualnasuaversoperifrica.Porquea experinciadacooperaodeveriaser ilegtimanumasociedademarcadapela ferozcompetiopelasobrevivncia?Por querelaespessoaisfundadasembases maisigualitriasdoqueutilitriasdeve- riamserconsideradasimaturasnummeio capitalistacujatendnciaconverter todavidasocialemrelaesdemercado? Acultura,enquantocampooriginrioda expressohumana,terdeesperarpela revoluo?Asolidariedadetemsomente valorinstrumentalnocontextodecertos finspolticos?Ecomrelaosativida- desexplicitamentepolticasdealguns destesmovimentos,comoporexemplo ossindicatos"autnticos"emSoPaulo: porquesuastentativasdejuntarinte- ressessociaiscomaexpressopoltica destesinteressesemsuasprpriasmos deveriamserconsideradasformaspol- ticasmenosvlidasdoqueaquelaspra- ticadaspormediadoresburocrticospro- fissionais? Assim,acapacidadeinovadoradesses movimentosparecebasear-semenosem seupotencialpolticoemaisemseu potencial,paracriareexperimentarfor- masdiferentesderelaessociaisquoti- dianas.evidentequeesteprocessoest ocorrendonossubterrneosdasestrutu- rasdepoder;provavelmentejamaiscon- seguirodesenvolver-sedeformaaut- nomaattransformar-senumaameaa revolucionriasociedadedominante. Mas isto seria relevante? Aconscinciadequeasestruturas sociaisnotmexistnciaforadaprtica socialestcadavezmaisdifundida.As retificaesdestasestruturastecno- logia,interpretaes,leis,etc.no poderiam,porsimesmas,sustentaro sistemadominanteporumminutose- quer, no fossem elas colocadas adequa- damenteemaopelosatoressociais. Soosmilhesdepequenosatosquoti- dianosdeobedinciairrefletidaordem existentequecriam,reproduzemerefor- am as estruturas sociais. Estaprticadiriapr-representada nosindivduosatravsdosmodosde percepo, crenas, valores e orientaes, amaiorpartedelesoperandoinconscien- temente.Nenhumaestruturadedomina- osocialpoderiaresistirsenoexistisse essarepresentaonosplanosscio-cultu- ral e psquico-social. dentrodestaestruturacelularda sociedadequeo"fazerdiferente"quoti- dianodosnovosgrupossociaisguarda suasmetas.Exatamenteporqueesta"mi- crofsicadopoder"dependederealizao subconsciente,atmesmoosmodelos rarosedbeisdeumaprticasocialdi- vergenterepresentamumperigoempo- tencial,pelomenosenquantoatendncia fornosentidodequestionaroau- tomatismoinconscientedaobedincia. Criandoespaosderelaesmaissolid- rias,deconscinciamenosdirigidapelo mercado,demanifestaesculturaisme- nosalienadasoudevaloresecrenas bsicasdiferentes,estesmovimentosre- presentamumaconstantedosedeele- mentoestranhodentrodocorposocialdo capitalismo perifrico. Naturalmente,qualquerresultadoque esperemosdesta"contra-culturamicrol- gica"sapareceralongoprazo.Mas duranteestelongoprocesso,ter-se-de- monstradoalgomuitomaisincontestvel eirreversveldoqueasmuitastransfor- maesabruptasnacpuladopoder, exatamenteporquetercriadorazesna prticadiriaenasorientaesessen- ciaiscorrespondentes,emquesefunda- mentamtodasasestruturassociais.Por essasrazes,eporacreditarquepoltica umelementoconstantedentrodavida socialenoseparadadestaltima,creio queopotencialscio-culturaldosnovos movimentossociaispoderevelar-secomo maispolticodoqueaaoimediata- menteorientadanadireodasestruturas de poder existentes. Quandodiscutoestepontocomminha compaera,suasObjeessurgemdeime- diato.Eladiz:"vocdeveestarpensando nasassociaesdeclassemdiaou,na melhordashipteses,nascomunidades eclesiaisdebasedeSoPaulo,comseu fortecomponentedeclassetrabalhadora. Ossetoresrealmentemarginalizadosda populaopobresimplesmentenotm ABRIL DE 1984 15 IDENTIDADE: A FACE OCULTA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS energiafsicaparaandarporacriando culturapopularenovasformasdeso- ciabilidade.Comrelaocultura,a primeirapreocupaoassegurarasi prpriossuadignidadehumana,oque provavelmenteconsistirnumesforode imitaodaculturadominante.Qualquer formadeassociaocriadaporelesser ditadapormeranecessidadeedesapa- recernomomentomesmoemqueas necessidades mudem". SriasObjees.Aprpriarealidade socialparececonspirarcontraofatode os"novos"movimentossociaisestarem representandoqualquercoisadenovo.Se halgonovo,sobqueformapodemos encontr-lo?Istonoslevaprxima tese. Segunda Tese - A direo desta remodelao contra-cultural de padres sociais est dispersa, fazendo parte de uma utpica "face oculta" da esfera social deformada por sua "face visvel" bviamente,osnovosmovimen- tossociaisestoinseridosnos contextossocialepolticodo- minantesdeseusrespectivos pasesedelrecebemseuscontornos originais.nestequadroqueaquesto dopotencialpolticodessesmovimentos vlidaenecessria,eatanossomodo depercepohabitualadequado.Mas nocaptaremosnadadesubstancialmen- tenovonestesmovimentosolhando-os por este prisma. Seexistiremmesmoelementosnovos, provvelqueapareamsobformasto desajeitadasqueseremosincapazesde avali-lascomotais,anoserqueantes tenhamosadaptadonossasexpectativas. Levandoemconsideraoapressocons- tantedarealidadeexistente,qualquer modeloquenose encaixe perfeitamente aestarealidadeparecerfraco,implaus- vel,fragmentado,desorganizado,descon- tnuo e contraditrio. Aestaalturalembro-medealgoescrito dezanosatrsporNegteKlugeum socilogoeumcineastaquetrabalharam juntoscomculturaproletria:"soba dominaocapitalistaplenamenteesta- belecida,aculturaproletriacoerente apenasnaperspectivadano-emancipa- o;naperspectivadaemancipao incoerente" (Negt &Kluge, p. 485). Assimcomoasociedadeburguesapreci- soudesculosdepremoniesculturais parasuagestao,permanecendoimpro- vveleinconcebvelatosculoXVIII argumentamelesaculturaprole- trianoencontrarsuaprpriaexpres- soatoadventodosocialismo.Na sociedadeatual,aculturaproletria perversamenteorganizadademodoa realarasuasituaodedominada;qual- querelementoemancipatrioqueencon- tremosparecersempredesorganizadoe capenga. Deixandodeladoofatodeeuestar atualmentebemmenossegurosobreo carterproletriodefuturassociedades, essaumaindicaoprecisadadificul- dadequeestamospropensosaenfrentar quandotentamosrepensaropotencial dosnovosmovimentossociais.Nose- remoscapazesdeentenderalgicados fragmentosdanovaprticasocial,ano sernoquadrodeumaprojeoutpica deumasociedadealternativano-capita- lista.Estautopiateriadeserprojetada apartirdosfragmentosdeexperincia socialquetemos,numatentativadees- tabelecerseuhipotticopontodecon- vergncia.Mas,aomesmotempo,isto setornaimpossvelpelapressodaso- ciedadeexistente,que deforma estesfrag- mentosdeixando-ospraticamenteirreco- nhecveis . Alguns exemplos: NoBrasilhconstanteslutasentre posseiros,pequenoscamponesesexpulsos pelaexpansodolatifndiocapitalista, etribosindgenascujasterras os pri- meirosinvadem.claroqueambosso vtimasdomesmosistemadeproprie- dadedaterra,aindaquecolocadosum contra o outro na luta pela sobrevivncia. PorocasiodoIIEncontroFeminista daAmricaLatinaeCaribe,realizado pertodeLima,emjulhode1983,ocor- reramgravestensesentregruposfemi- nistas e mulheres no que respeita eman- cipaofemininaenquantopartedeuma lutasocialgeral.Almdisso,represen- tantesndiasenegrassentiram-seexclu- dasporcausadolocalrelativamentere- finadodaconfernciaepelasaltastaxas deinscrio.Aslsbicasdetectarambar- reiraspsicolgicascontraacolocaode seusinteresses.Todasestasdivisesso muitopalpveisedificultamasolidarie- dadefemininaque,emperspectiva,con- tribuiriaparasuperartodososmecanis- mosdasociedadecapitalistaepatriarcal que criou estas cises. 16 NOVOS ESTUDOS N. 4 Atualmente,noChile,htensescon- siderveisentreastendnciasdeoposi- oidentificadascomalealdadepartid- riatradicionaleosgruposautnomosque surgiramduranteosanosdeditadura, algunsdelesfundadosporjovensqueno tmmemriaativadosanosanteriores a1973.Coloca-se,paraestesgrupos,um dilemapermanentedosnovosmovimen- tossociaisemtodasaspartesdomundo: seroobrigadosaintegrar-sesestrutu- raspolticasestabelecidas paraganhar eficcia,pagandoopreodosacrifciode suas identidades especficas? Ou,finalmente,aobjeocitadapor minhacompaera:paraohabitanteda favelaquegastaseusltimostrocados paratentarimitaropadrodeconsumo daburguesiacomprarparaofilhoo brinquedodeplsticofeitoemHong Kong e anunciado na televiso como aqueleque"todasascrianastm" esteatoobjetivodesubmissotemo significadosimblicodereafirmarsua dignidadehumana.Parausarumaima- gem:osnovosmovimentossociaismar- campresenaaolongodasfranjasda esferasocial,comoreaosvriasdefi- cinciasdasociedadedominantequese manifestamnaperiferiadosistema.Na- turalmente,asociedadenoestorgani- zadadeacordocomosproblemasdape- riferia,esimapartirdasnecessidades daacumulaoedocontrolepolticodos setorescentrais,aosquaistodooresto est relacionado sistematicamente. Aocontrrio,asomadedeficincias nofazsentidoemtermosdesistema, excetoquandoprojetadacontraopano defundohipotticodeumasociedade alternativa.Asociedadedominante, portanto,afacefrontal,iluminadaes- lidadaesferasocial,queexerceuma pressopermanentesobresuafranjacon- testadoraafimdeadapt-lasrealidades depoderexistentes.Autopiapositiva paraaqualapontamosnovoselementos dosmovimentossociaispermaneceainda comoafaceocultanaobscuridadedofu- turo,antecipadasomentepelafantasia social.Nofosseestafranjasemexer, nopoderamossequerimaginarquea esfera tem um lado oculto. Estesmovimentosdispem,ento,das seguintesalternativas:cederaopesoda realidade,aceitandoalgumespaopara respiraretalvezalgumaspitadasdepo- derenquantooposiooficialdentro daestruturadasociedadedominante ao preo de conformar-se a uma posio subordinada;outentarsustentarautono- mamenteumaidentidade,aopreode continuaremfracos,ineficazesepermea- dosdecontradies.Narealidade,ani- cachancedesobrevivnciadosnovos movimentossociaisenquantotaiscon- sistenumaprecriacombinaodeam- basasalternativas.Talvezaexperincia brasileiracomoPartidodosTrabalhado- ressejaoexemplomaissubstancialdesta combinao. Nossaselaboraesdeconhecimento socialsobreestesmovimentossopresas inevitveisdomesmodilema.Doponto devistadopoderapriori,permanecemos noterrenosegurodarealidadeconhecida, contribuindoatmesmo,comestemodo depercepo,paraamanutenodesta realidade.Nopoderemoserrarmuito emnossasanlises,mastampoucocon- seguiremosjustificarporquechamamos essesmovimentosde"novos".Se,aocon- trrio,tentarmoschegaraumacompre- ensodestesnovoselementos,devemos antesadaptarnossosrgosdepercep- oquaseimperceptibilidadedosmes- mos,sabendoqueestamosprocurade algoque,atagora,predominantemen- te"sentidoporsuaausncia"(Bloch,p. 223): uma sociedade mais solidria. Trata-sedeumenfoqueidealista?Pro- vavelmente.Masqualquerpensamento antecipatriodeveserparcialmenteidea- lista.Nopodeexistirumesforode investigaopolticantegrosemutopia; enopodeexistirumaprojeodeuma sociedademaisjustaehumanaparaa AmricaLatinaquenoleveemconsi- deraoosnovosmovimentossociaise suas premonies. Terceira Tese - Os aspectos centrais da construo contra-cultural dos novos movimentos sociais podem ser entendidos a partir da dicotomia "Alienao-Identidade" eumatemeridadejuntaros novoselementosheterogneos destesmovimentossociaisa fimdeinterpret-loscomoas- pectosembrionriosdeumautopiasocial comum,aindamaisaudaciosopreten- deradivinharadireoqueestaconstru- outpicatomar.Poroutrolado,ape- nasantecipaesaudaciosaspodemaju- dar a transformar utopias em realidade. ABRIL DE 198417 IDENTIDADE: A FACE OCULTA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS Nomeumododever,arebeliocon- traasociedadeexistenteembutidanos novosmovimentossociaisnodirigida contraqualqueraspectoespecficodaso- ciedadecapitalista,aindaqueosdiferen- tesmovimentostendamparaaespeciali- zaoemtornodasquestesquetrou- xeramluzcadaumdeles.Ainvestida parecevoltar-secontraaalienaoen- quantotal,sobtodososaspectos.Alie- naodohomememrelaoasimesmo, aoprodutodoseutrabalho,aoutrosse- res humanos e natureza (Krner, p. 26). Nadireooposta,aperspectivafinal a de uma sociedade libertria, igualitria ecomunitria,de"umaassociaona qualodesenvolvimentoplenodecada umacondioparaodesenvolvimento plenodetodos"(Marx/Engels,Manifes- to Comunista). possvelqueestesejaumobjetivo quenuncapoderseratingido;eosim- plesfatodemencion-lonoseriapuro sarcasmofrenterealidadeatualna Am- ricaLatina?Mesmoparasedaropri- meiropassonecessrioterumadire- oemmente;umadasrazesdacrise daesquerdalatino-americanapodesera perdadeutopia,aomenosenquanto perspectiva libertria. Naturalmente,duranteolongopro- cessoderupturacomaalienao,oque podeserderelevnciaprticaparaos movimentossociaisatuaissoosprimei- rosetmidospassosnosentidodetor- narem-sesujeitosdesuaprpriahistria. Talvezanoodeidentidadesejamais adequadaparaesboaroscontedosb- sicosdestesprimeirospassos:tantoa nvelindividualoucoletivo,aprimeira tarefa,difcil,consisteemchegarauma autoperceporealistadesuasprprias caractersticas,potenciaiselimitaes, superandofalsasidentidadesoutorgadas defora,eatravessandoastempestades emquesealternamexcessoeausncia deauto-estima.Fundamentalmente,isto significareafirmaraprpriadignidade humanadiantedaexperinciadiriade misria,opressoedevastaocultural. Noscasosmaisfavorveis,istopodesig- nificarumacontribuioparaacultura popularoumesmoparaaauto-identfi- caonacional,especialmentedepoisde crisessociais.Poderamostraaralinha divisriaentreorganizaessociaistradi- cionaiseocampodosfenmenos"dife- rentes"que,apartirdestabuscadeuma identidadeautnoma,convencionamos chamar de "novos movimentos sociais". Oquesignificaidentidade?Podeser que no haja uma definio precisa para otermo,comotambmpossvelque noexistamdefiniesparaosoutros doistermosqueformamumcontinuum comoprimeiro:"autonomia"e"eman- cipao"."Identidade",provavelmen- te,umadasnoesmaismultifacetadas eintrigantesdascinciashumanas;tom- lacomoumaspectocentraldosnovos movimentossociaisnoumaresposta aosenigmasdestesmovimentos,esim uma pista para as possveis respostas. Otermo"identidade"referetantos aspectosquantootermo"alienao",ao qualsecontrape.Qualquerdominao umausurpaodeidentidadeeque formadedominaodeixoudeseabater sobreaAmricaLatina?Dentrodosli- mitesdesuasforas,nenhummovimen- tosocialpodeiralmdetentarrecuperar fragmentosmuitoespecficosdeidenti- dade,lutandoemum(ouemalgunspou- cos)dosmuitosfrontspossveisdedo- minaoeaceitando,assim,ostatusquo emtodososoutrosfronts.Exatamente porissosoinevitveisascontradies dentrodosmovimentosetambmentre eles,oquelhesdificultaacoesotanto prtica quanto conceitualmente. Contudo,nestesentidodelocusdeum problemacentral,aidiadeidentidade nesseenunciadoouemoutropa- receestarcadavezmaisnamentedos participanteseobservadoresdessesmo- vimentos.Paracitaralgunsexemplosre- centesemuitosincidentais:"Talvez, ograndetemaproduzidopelosmovimen- tossociaisparaaprtica da esquerdaseja aquestodaautonomia",escreveMari- lenaChau,membrodoPT(Chau,1982, p.77).ComrelaoArgentina,Juan CarlosPortantierodefineacriseatual "comoumacrisedeidentidadenuma sociedadecomanecessidadedemudar todososseusvaloresfundamentais" (Portantiero,1983,p.15).Paraocaso chileno,TomsMoulinclamaporuma visodepoltica"naqualocentrode aorepousenareconstruodomovi- mentosocial,declulasdeumahegemo- niaalternativa"(Moulin,1982,p.663). UmfolhetoconvocandoparaoSegundo DiaNacionaldeProtestonoChile,em 4dejulho,resumeaexperinciadoPri- meiroDiadeProtesto(11demaio)como "umsucesso,porquenospermitiure- descobrirnossaidentidadecomopovo livreesoberano".5NaVenezuela,j existe um movimento sintomaticamente 5CitadoporClatitaMller- Plantenberg,Wersinddie SubjektederInteressenver- tretungimneoliberalenWirts- chafts-undGesellschaftsmodell inLateinamerika?,trabalho apresentadoaoseminrio: "Massenkulturundreligiose undsozialeBewegungen", Bielefeld(WestGermany), 7/ 8dej unho1983, mimeo,p. 38.Verdomesmoautor: Lavidaporlavida.Autono- meFrauenkomitees,Indianer- rateundBasisgruppen,in, mesmoautor(ed. ):Frauen undFamilieimchilenischen Befreiungsproze,Frankfurt, Vervuert,1983;etambm berlebenskampfundSelbst- best immung. ZurArbei t er undVolksbewegunginKo- lumbianiscbenStadten,Frank- furt, Vervuert, 1983. 18NOVOS ESTUDOS N. 4 batizadode"MovimentodeIdentidade Nacional".6 Noporacasoqueestaumanoo delongatradiodentrodaliteratura latino-americana.Antes,emaisinsisten- tementequeoscientistassociais,oses- critoreslatino-americanosinterpretaram airresolvida"questonacional"como uma questo de falta de identidade. possvelqueastentativasderesol- vera"questonacional"dentrodospa- radigmasdapolticatradicionalestives- semdesdeoinciodestinadasaofracasso. Pordefinio,identidadealgodotipo faa-voc-mesmo,quenonospodeser dadoporoutreme,menosainda,virda estratosferadopoderpoltico.Deveser construdadesdebaixo,sobreabasede umaprticasocialconscienteeautode- terminadamaisumavez,aspectosque euassocioaosnovosmovimentossociais. Aomesmotempo,osproblemasprinci- paisquecertosmovimentosdevemen- frentartmorigemnadominaoeex- ploraodasclassesmaisbaixas.Assim, tambma"questosocial"estmuito presentenestesmovimentos.Talvez,o elomuitoprocuradoentreaquestona- cionaleaquestosocialpossaefetiva- menteserencontradono"trabalho-de- formiga"diriodestesmovimentospara resgatarsociedadedominantepedaos devidaexpressivaindividualecoletiva. Ademais,provvelqueestetipode existnciadotadadesentidonopossa serencontradoemnenhumoutrolugar. Asaltitudesolmpicasdatotalidadena- cional,deondealgunsherdeirosdateo- riadadependnciaestobuscandoeste elo,estodefinitivamentelongedemais dabasesocialparacaptarestaconstru- o popular. E,quemsabe,esteladoocultodos novosmovimentossociaispodeesconder tambmaprofundanecessidadedarea- valiaodademocraciaenquantonoo centralnombitodasrecentesdiscusses. Aidentidadenopodeserencontrada dentrodeestruturasautoritriase,mais queisso,excluiauniformidade:spode sedesenvolvernadiversidade,quere- querumcenriopolticonoqual"todas asvozes,todas"(comodizumacano chilena)possamserouvidas.Assim,em- borafracosefragmentados,osnovosmo- vimentossociaisdetmumaposiocha- veparaqualquerprojetoemancipatrio naAmricaLatina.Elessoumprojeto emancipatrio. Quarta Tese - Paralelamente a emergncia de um projeto alternativo, os novos movimentos sociais geram os embries dos sujeitos correspondentes odecorrerdacriaodenovos padresdaprticascio-cultu- raledereconstruodefrag- mentosdeumaidentidadeau- tnoma,osindivduoseosgruposcomo umtodoconstituem-seemsujeitosdeste processo.Parasermaispreciso,desen- volvemdentrodesimesmososfragmen- toscorrespondentesdeumnovo"sersu- jeito".Naturalmente,istoimplicauma profundarevisodasconcepestradi- cionaissobresujeitossociaisesobreo processo de sua constituio. Dentrodatradiomarxista,ossujei- tossociaistmexistnciaobjetivaa priori,sobaformadeclassessociais. Elasseconstituemsubjetivamentecomo classeatravsdodesenvolvimentode umaconscinciaqueaospoucosseapro- ximadestarealidadeobjetiva;aconver- soematorespolticospassapelaamplia- odaorganizaoquerepresentaesta conscinciaplenadarealidadeatravsda incorporaodeumnmerocrescentede indivduos. Nadadissoparecesustentarnossacom- preensoatualdosprocessossociaisna AmricaLatina.Nopodemosmaiscon- ceberumautopiapositivacomouma metahistricafixa,aseratingidaatra- vsdemecanismospreestabelecidos;de- vemosimagin-lacomoumprocessolon- goesinuosodeemancipaocujodes- fechosequeexisteumdesco- nhecido.Conseqentemente,osujeitose- riaoindivduoplenamente realizado den- trodeumasociedadedesalienadaem outrostermos,umsujeitonoencontr- velnocomeo,masqueaparecerapenas nohipotticofinaldoprocesso.at quechegueestemomentohaveralgu- masdialticasdifceis:umprogressoem termosdeestruturassociaisdepender deumprogressodosujeitoevice-versa. maisqueprovvelquenohajanada almdeumrudimentarsujeito-por-ser, lutandocontraasinacabadasestruturas- sendo-feitas que lhe correspondem. Seistoforverdade,asconseqncias paraasnossasmaneirastradicionaisde conceituarsujeitoshistricosnopode- riamtermaisalcance.Doisaspectossal- tam vista. ABRIL DE 198419 6 MIERES,Francisco, Alter- nativasdeorganizacinypo- derpopular,NuevaSocie- dad(n.64)pp.47-55,p.53.Alistadecitaespoderia serindefinida.Verporexemplo: SINGER,PauleBrant, ViniciusCaldeira,(org.):O povoemmovimento,Petr- polis, Vozes/CEBRAP, 1980. IDENTIDADE: A FACE OCULTA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS Emprimeirolugar,seoprocessode emancipaojamaisseconclui,tambm permanenteoprocessodeconstituio deseussujeitos.Portanto,nenhumindi- vduoenenhumacoletividadepodemser consideradossujeitostotais-So,emvez disso,portadoresdefragmentosdesub- jetividadeenquantoconseguiremsuperar algunsaspectosdaalienaoeconstru- remalgumascaractersticasiniciaisde uma identidade autnoma. Estamaneiradeconceberosujeito socialcomoumfenmenonecessaria- mentefragmentadoatravessandoacons- cinciaeaprticasociaispodeparecer artificialecontraditrioprimeiravista, umavezque,emnossaatualpercepo, indivduossoexatamenteisto:indivis- veis.Entretanto,refletindoumpouco mais,verificamosqueestasuposiode umasubjetividadetranspessoalanica compatvelcomtudoaquiloquesabemos sobreacomplexaecontraditriacompo- siodaconscinciaindividual.Comre- laocoletividade,apressuposiode heterogeneidaderepousaemaindamais evidncias. Emsegundolugar,aspossveisdire- esdaemancipaosotomultifor- mesquantosoosaspectosdaalienao etodaselassoimportantes!Noh hierarquiaprestabelecidadasmetas emancipatriase,correspondentemente, nohsujeitosontologicamenteprivile- giados (Lechner, 1983, p. 10). Istonosignificanegarquedentro dasestruturassociaisexistampontos nodais,equehbarreirasmaisdifceis emais importantes do queoutrasaserem superadas.Enasociedadecapitalista,ex- ploraoeapropriaoprivadaso,in- discutivelmente,pontosnodais.Masno onicofrontqueimporta,equalquer avanonumadireonovaporexem- plo,scio-cultural,psicossocialre- levante. Istoantiterico?Ofatoquene- nhumaspectodavidasocialtemsidoto inteiramenteeeficazmenteteorizado quantoocampodaeconomiapolticae, claro,basicamenteporMarx.Masser queosoutrosaspectosdavidasocialno existemenquantopossveiscampos deteorizaosimplesmenteporquees- capamaodomniodateoriadeMarxe noforameficazmenteteorizadospor outros?Talvezsejanecessrioumoutro Marxpararefletirsobreproblemascomo patriarcalismo, psicologia da dominao, conscinciaeaohumanas,lingua- gem...Porexemplo,antitericoquan- do passamos de Marx a Freud? 4. So realmente novos os novos conhecimentos sociais? or acaso no foi sempre assim, e apenas nossa percepo que est desajeitadamente colocan- do em dia a realidade? Estas linhas no poderiam ter sido escritas an- teriormente? Sim e no. provvelquetenhasidofalsodesde oinciocolocarasocializaodosmeios deproduocomonicaeabsolutameta deemancipao,eoproletariadocomo seusujeitoexclusivo.E,semdvida,pro- blemascomoidentidade,emancipaoe utopia so temas permanentes. Mastambmbvioqueestespro- blemasestoembutidosnumprocesso histricodemutaesscio-econmicas eculturais,deacordocomoqualcertas questessolevantadaseabandonadas, enquantoespaosseabremefechamno- vamente. Dentrodestaincessantesubstituio denfases,novo,emminhaopinio,o fatodeosmovimentossociaisnoesta- remquestionandoumaformaespecfica depoderpoltico,masaprpriasituao centraldocritriodepoder.Aquesto dareapropriaodasociedadedasmos doEstadotornou-sepensvel.Porqu? Serumrecuoidealistaaosproto-socia- listas e anarquistas do sculo XIX? Notenhorespostadefinitiva,masal- gumasidiasquepodemapontaradire- odabuscadaresposta.Emgrande parte,asestruturaspolticasatuais,da maneiracomoestocorporificadasnoes- tadoburgus,eaindamaisnospartidos leninistas,soumareproduodahierar- quiadafbricacapitalista.Noporaca- soquetenhamevoludocomaindustria- lizaocapitalistaereflitam,emboramais grosseiramente,asutopiassocialistastra- dicionais:expressescomo"desenvolver asforasprodutivas"ou"ditadurado proletariado"soapoteosesdodesenvol- vimento industrial. Aindustrializaocapitalistaatingiu umafasehabitualmentedenominada"ter- ceirarevoluoindustrial".Comagene- ralizao da eletrnica e da ciberntica, 20NOVOS ESTUDOS N. 4 aautomaoeacomunicaotornaram- seaspectosdefinidoresdocapitalismo atual.Todossabemosoqueistoacarreta emsuaversocentralizadoradominante, geradapelocapitaltransnacionalepelo aparatodeestadodasprincipaispotn- ciasocidentais:otrabalhadorindustrial clssicotorna-secadavezmaisraro;o setortercirioinchae,pior,amassade desempregadosaumenta.Comaautoma- odaproduo,aexistnciasocialde indivduosegruposcadavezmaisde- finidaporseuspotenciaisdeconsumo. Emtermosmenoseufemsticos:avida socialestmercantilizadaedesumanizada aoextremo,grandessetoresdapopula- oencontram-semarginalizados,acul- tura,asociedade,aexistnciahumana dotadadesentidoestosendodissolvidas ereduzidasarelaesdemercado,para asquaisnonecessrianenhumaoutra estruturapoltica,exceodeumapo- lticademercadoquereprimaeficiente- mentequalquermanifestaodevidahu- mana,menosaqueladospossuidoresde mercadorias.Emsuaobsessonecrfila, asforasdestrutivasliberadascomater- ceirarevoluoindustrialestoprestes adestruiroambientenaturaldahuma- nidade,senoaprpriahumanidade numaguerranuclear.Defato,aguerra jfoidesencadeada,commilhesdev- timasdaviolnciaoudainanio.Mais umavez,osefeitosnegativosdestarevo- luoestoconcentradosnospasesdo capitalismo perifrico. ParaaAmricaLatina,aconseqncia queprojetossociaiscentradosnaidia deindustrializaoaparentementeper- tencemaopassado,pelomenosdoponto devistadaviabilidade.Numnvelcons- ciente,oequilbrio entre industrializao eemancipao,todefendidoporgera- esdaesquerdalatino-americana,per- deucredibilidade.Analogamente,formas deorganizaoeaoqueimitemopro- cessoprodutivodavelhafbricacapita- listanosomaisplausveis.Hierarquias rgidasseriamaceitveisdesdequepu- dessemserapresentadascomoindispen- sveisparaoprojetosocialquesebusca. Porqueaindasubmeter-seaelasuma vez que este projeto se desvaneceu? Naturalmente,omesmoaplica-seaos tradicionaisprojetosburguesesnaAm- ricaLatina.Humsentimentodifundido debecosemsada.Acriseeconmica corroeuopoucodalegitimidadequeres- tavaemesmoosestadoscaramemdes- crdito. Todosreconhecemqueahegemonia deveserreconstruda.Noporacaso quemuitasdasditadurasmilitaresapre- sentaramprojetoscomapretensodese- remospatriarcasdeumaNovaRepbli- ca;detodas,apenasabrasileiraalcanou umsucessoparcialetransitrio.Masa sensaodeseviverumafasedahistria latino-americanamarcadapelanecessida- deamargadeumprojetofundamental partilhadaportodosossegmentos sociais. Deumcertomodo,onovopadro scio-culturaldasociabilidadediriaque germinounosnovosmovimentossociais partedaqueleesforofundamental:so osembriesdeumacontra-criaopopu- lar,emrespostaaosmalfadadosesforos vindosdecima.Adissoluodeestrutu- rasscio-econmicasestabelecidasede orientaesscio-culturaiscausoujun- tamentecomumadesintegraosocial devastadoraa"liberao"doqueres- tavadepotencialconstrutivonosentido dabuscadecaminhosnovoseaut- nomos. Algunsobservadoresapontarampara ofatoenigmticoquealgunsdosnovos impulsosvindosdestesgruposdebase tmsimilaridadescomaideologiaultra- liberaldeFriedmaneseguidores.Tm emcomum,dizemeles,umaposturaan- ti-estatistaeumarevalorizaodaliber- dadeindividual...Olhandomaisdeper- to,porm,oqueelescompartilhama contemporaneidadedacriseeanecessi- dadedeencontraralgumasoluopara ela.Masasmetasqueestobuscandoso diametralmenteopostas:asoluocen- tralizadoradominantepretendedesmon- tartodasasfunesno-repressivasdo Estado,deixandointactos,eatrealan- do,seusaspectosdedominaopurae abstrataatravsdoaparatorepressivo. Osnovosmovimentossociais,aocontr- rio,noadotamumaposturacontraas funesorganizacionaiseauxiliaresdo Estado,massimcontrasuafacededomi- nao.Aliberdadeindividualmenciona- daporFriedmaneseguidoresaliber- dadedoproprietriodemercadoriasno mercado.Paraosnovosmovimentos sociais,soexatamenteoselementos no-mercantisdentrodasrelaessociais queestosendorevalorizados,eomes- moocorresmanifestaeshumanasem todosseusaspectos,excetonodopoder aquisitivo. Automaoecomunicaonoso "coisasms"emsimesmasepoderiam ser acionadas de modo a realizar velhos ABRIL DE 198421 IDENTIDADE: A FACE OCULTA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS sonhosderealizaohumana.O"lado oculto"dassociedadesatuaisdoqual osnovosmovimentossociaissouma vagapremoniopoderiaestarenco- brindoumaalternativa,popularedescen- tralizadora,aomodelodominantedater- ceirarevoluoindustrial.Noporaca- so,dentrodestesmovimentosreaparecem elementosevalorespr-capitalistaseat pr-mercantis.Nessesentido,o"novo" dentrodestesmovimentostambmo pr-velho. 5. Como ser poltico sem ser apenas isto claroquearealidadedopoder polticoconcreta.Osnovos movimentossociaissoospri- meirosasentiremseupesoem cadapequenatentativaparacriaroutras relaesquenoasdepoder.Resgatara sociedadedapoltica,emsimesma, umatarefapolticaqueexigepoderpol- ticoparaprosseguir.Enumnvelainda maisclssico,avidaquotidianadamaio- riadestesgruposmarcadapelaopres- sopolticaepelamisriaeconmica, tornandocadaparceladepotencialpol- ticoamargamentenecessrioparaaso- brevivncia.Dequemodoestarealidade adapta-seaumabuscaderelaessociais quenosejam,essencialmente,relao de dominao? Aquestodeum"novopartido"deve ser enfrentada, apesar de tudo. Noraroquemovimentossociais, apsumafasedeamplamobilizaoem tornodequestesconcretas,ganhem algumacessosestruturaspolticasesta- belecidas.Emnomedeumaeficcia maior,aslideranasengajam-senessas estruturaseomovimentoentraem decadncia,pelomenosenquantomani- festaoautnticadeinteressessociais determinadoseumaexperinciadevida social intensa. Isto pode ser evitado? provvelquenoopossasertotal- mente.Masalgobastantedistintoevi- tardemaneiraativa(emborainconscien- te)queaconteaqualqueroutracoisa.E esteprecisamenteoefeitodocritrio ainda dominante do potencial de poder. Talvezenquantoresquciodopensa- mentotradicional,emtermosdebasee superestrutura,permanecequaseintoca- dooconsensodequeculturaalgoinfe-rioraos"fatosduros"daeconomiaeda poltica.Muitofreqentemente,encon- tramosautoresanalisandooprogresso (sic)deummovimentosocialapartirdo estgiodemanifestaocultural"ainda pura",viasuasarticulaessociais,ata atuaopoltica.Demodomuitonatural estepercursodescritocomoumcresci- mentodeconscincia.Noduvidamos queseja(seanalisadocorretamente)um crescimentodaconscinciapoltica;o problemaquehoutrasformasecon- tedosdeconscinciasocialqueficam perdidosnestaanlise.Porexemplo,um movimentopeladefesadeumaregio contraadevastaoecolgicaeadesa- gregaosocialprovocadaspelaagricul- turadeexportaoresultarnumenorme avanoemtermosecolgicos,econmi- cos,histricos,regionalsticos,etc.,na conscinciadeseusparticipantes,favore- cendoaindaofortalecimentodelaosde solidariedadeecooperao.Tudoisso podeperder-senomomentoemqueeste movimento"ganharconscinciapoltica" aoindicarseuslderesparacandidatos pelos partidos estabelecidos. Dessemodo,oaumentodopotencial deacordocomocritriodepoderpagao preodadiminuio,alongoprazo,do potencialscio-cultural.Quasequeinva- riavelmente,maispodersignificamenos identidade, mais alienao. Parausarumacomparao:verosmo- vimentossociaisapenassobo enfoquedo podercomopreocupar-seapenascoma porcentagemdecaloriascontidasnuma certaquantidadedepetrleo.Umaques- torazovel,masquepressupepetrleo somenteparaqueimar,edescartaassuas qualidades de transformao qumica. Osmovimentossociaisnopodem existirsemexpressopoltica.Esta,por suavez,devearticularasmetasdomovi- mentocomasalienadasealienanteses- truturasdepoderexistentes.Emtermos dealienaoversusidentidade,aexpres- sopolticadosmovimentossociais, porconseguinte,umapororetrgrada enecessriadesuaexistncia.Extrapo- landoparaaquestodeum"novotipo departido"queemalgumpas,algum dia,poderpretenderseraexpressopo- lticadaamplaculturadosnovosmovi- mentossociais,istosignificaqueestes partidosteriamdeaceitarnoapenaso papel devanguarda, mas tambm de reta- guardaemrelaoaoscontedosdesses movimentos.Teriamqueserconcebidos comoservidoresenocomodonosdos movimentos. Naturalmente, est excluda BIBLIOGRAFIA BLOCH, E. , PrinzipHoff- nung,Frankfurt,Suhrkamp, 1980,7.ed. CHAU,M.,"Notassobrela crisisdelaizquierdaen Brasil", NuevaSociedad,(n.61)pp.67-80,jul./ago. 1982. EVERS, A. &SZANKAY,Z.,("DasgerisseneBand. berlegungenzumVerhal- tnisvonsozialenWissen undSozialerBewegung", Prokla,Berlin,(n.43)pp. 43-59, 1981. 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Afinal, o que so os novos movimentos sociais? stamosdevoltanossaques- toinicial:quemouoquese estmovendonosnovosmo-vimentos sociais?Noincio,indagueiespecificamenteso- breosnovosmovimentosnaAmrica Latina,comalgumaevidnciaempricaa partirdetrspases.Agoraestou deixan- dodeladoestaespecificao:depoisde tudoquedisse,estclaroque,paramim, aessnciadestesmovimentosamesma em qualquer lugar. Nofosseassim,seriainjustificvel usaromesmotermoparadefinirfen- menosaparentementetodissociados como,porexemplo,omovimentoantinu- clearnaAlemanhaOcidentaleumcace- rolazo no Chile (Tilman Evers,1983). claroqueasenormesdiferenasque separamasvriasmanifestaesdames- maessnciadevemserlevadasemconsi- deraodeacordocomcircunstncias histricasespecficas.E,naverdade, esteocampodeestudodosnovosmovi- mentossociais.Foradaperspectivadeste vastocampodeexperinciashistricas, avisogeralquetenteipassarseriaredu- zidaapuraideologia.Evice-versa:sem visogeral,nossosesforosparaentender casosconcretoscorremoriscodeperder oessencial,e,destaforma,contribuirati- vamente para asfixi-lo. essnciadestesmovimentos, creioestemsuacapacidade degerarembriesdeumanova individualidadesocialnova tantoemcontedoquantoemautocons- cincia.Retomandovelhostemasde emancipao e autodeterminao, esta "nova"individualidade,aomesmotem- po, a mais avanada e a mais velha. novatambmnacapacidadedesub- verternossasformasdepercepo.Nos- sosconceitosmonolticosdesujeitoso- cialexplodiramedescobrimosqueo estadoagregadodo"ser-sujeito"noo slido,esimolquidooumesmoogaso- so,queseinfiltraemisturaaosmais variadoselementosdatexturasocial.Pa- radoxalmente,temospensadoosujeito socialcomopassveldeserobjetivadoe utilizadocomoumaferramenta.Agora entendemosquesujeitosocialalgode- finitivaeradicalmentesubjetivo,indele- velmenteligadoexistnciadoshomens e,portanto,toinsubordinadoreifica- oquantoaprpriavida.Ecompreen- demos,afinal,quequandofalamosem sujeitosocialoupolticocomoalgosepa- radodasubjetividadehumana,adistin- o basicamente artificial e analtica. Oqueimplicaumsacrifciodeantigas certezasintelectuais.Masemcompensa- o,ganhamosumcampodeaoerefle- xo infinitamente maior e mais frutfero. Ecomoexplicartudoistoaomorador de uma estera na periferia de Lima? Precisamosmesmoexplicar?Eleco- nheceosobstculosquedeveepossivel- mentepodesuperarnofuturo,talvez melhorqueumtrabalhadorfabrilna AlemanhaOcidental.Seriacinismoafir- marquecadaumdeveocupar-sedesua prpriaemancipaoedeixarqueospo- bresfaamadeles.Oprocessodesupe- raraalienaoterqueusarmecanismos modernosque,porsuavez,noesto livresdaalienao.Qualquerpurismo seria fugir da responsabilidade. Masno hdvidade que sempre que umpassonadireodades-alienao dadocomaajudaalheia,elecontmum elementodere-alienaoedeveserdado novamentepelobeneficiado.Qualquer fragmentodealienaoquesuperado deformaautnomaporumindivduoou porumgrupodeixadeexistirdefiniti- vamente.Estatalvezaajudamaiscon- cretaquealgumpodedaraoutra pessoa. Pelomenosisto.Nssomososnovos movimentos sociais. Outubro, 1983 TilmanEverssocilogoeprofessoradjuntonaUni- versidade Livre de Berlim. Novos Estudos Cebrap, So Paulo, v. 2, 4, p. 11-23, abril 84 7 Isso tudo pressupe um con- ceitodiferentedapoltica. Para uma metfora interessan- te, ver VEGA, Jorge Sanchez, Elajedrezy el Go:Dosfor- mas de hacer poltica? Tra- balhoapresentado noIIEn- controde Chantilly, 2a4de setembro 1983,Paris, CE- TRAL.VertambmGAR- RETN M.Manuel Antonio, Democracia, transicin poltica yalternativa socialista en el capitalismoautoritrio del Cono Sur,Madrid;trabalho apresentado no Simpsio "Los caminos de lademocraciaen AmricaLatina",Fundacin PabloIglesias,30 demaioa 3 dejunho,1983,mimeo, esp.p. 14. 8 Enquanto estava escrevendo estas pginas, recebi uma carta de um colega de Bo- got: "Halguns diasassisti ao Congresso para a funda- o deum"Movimiento Po- pularNacional",organizado por OrlandoFalsBordae outros que poderiam generi- camente serchamadosde so- cialistasno dogmticos.O movimento dever reunir to- dos os movimentos populares, mantendo suas individualida- desrespectivaseexcluindo quaisquer tentativas de instru- mentalizao pela esquerda ( . . . )Apesar disso, ningum duvidaqueeste movimento no existiria sem Fals Borda". Contradiesda realidade! ABRIL DE 1984 23