ident ecodesign integrando a reciclabilidade no desenvolvi ) · eco-design o conceito e a prática...

9
Ecodesign : Integrando a reciclabilidade no desenvolvimento de projetos Eco-design: Integrating recyclability on design process Medina, Heloisa V. de DSc., Pesquisador, CETEM Centro de Tecnologia Mineral Palavras- chave: eco-design, indústria automobilística, materiais reciclados. Resumo: A atividade de projeto vem se expandindo para incorporar o meio-ambiente desde a seleção dos materiais até a reciclagem. Trata-se de projetar todo o sistema-produto, considerado ao longo de seu ciclo de vida. Esse artigo mostra o eco-design na indústria automobilística ilustrado por um estudo de caso sobre o Modus da Renault. Key-words: eco-design, automotive industry, recycled materials Abstract: Nowadays design process has been enlarged to cope with environmental requirements from materials choice to end of life products recycling. Life cycle analysis is a basic toll for this new and global approach of product design. This article shows how automotive industry is adopting eco-design illustrated by a case study on Renault Modus. Introdução Atualmente as empresas estão sendo instadas a reduzirem os impactos sobre o meio ambiente em toda sua cadeia produtiva. Isso vem sendo buscado através de novas formas de projetar como DFA (Design for Assembly and Dissassembly), DFR (Design for Recycling) e DFE (Design for Environment) já em uso nas indústrias automobilística e eletroeletrônica. Segundo essas novas concepções, os projetos são tão mais eficientes quanto mais permitem uma recuperação rentável dos materiais constituintes dos produtos. Portanto, a atividade de projeto integrada, desde a seleção dos materiais até a escolha das técnicas de montagem e desmontagem do produto, é crítica para a viabilidade da reciclagem. Trata-se de projetar não só o produto mas o chamado hoje de sistema-produto, considerando todo o ciclo de vida desde os inputs (matérias primas e energia) até os outputs (resíduos industriais, componentes e o próprio produto em fim de vida). Na verdade a eco-eficiência de um produto depende de uma gestão de projeto que considere toda a vida do produto desde a concepção até a reciclagem. Par isso é necessário considerar toda a cadeia produtiva, e sobretudo cuidar para que a logística da reciclagem seja viável técnica e economicamente, em outras palavras é necessário que o sistema-produto seja sustentável em todas as suas dimensões: técnica, econômica e ambiental. De fato não é apenas o produto final que conta mas todo um sistema projeto / produção, que, no caso do automóvel, consome energia e materiais em larga escala com impactos diretos e indiretos sobre a economia dos países e a vida das pessoas. A análise do Ciclo de Vida do Produto (ACV) é dos instrumentos dos impactos ambientais causados por um produto e por toda a sua cadeia produtiva, entendendo como “Vida” de um produto todo o período compreendido entre a extração de matérias-primas e seu destino final pós-consumo. Dentre esses impactos o mais visível e preocupante é o descarte de produtos em fim de vida e portanto o indicador mais utilizado em projetos de produtos industriais (de eletrodomésticos a automóveis) para minorar esse impacto é a taxa de reciclabilidade. Essa taxa já foi definida em grandes linhas pela Legislação Européia sobre produtos em fim de vida de forma a permitir sua incorporação aos critérios utilizados na seleção de materiais e processos de forma a integrar a componente ambiental no desenvolvimento de produtos industriais. Conseqüentemente as empresas vêm detalhando e adaptando essa orientação geral em normas internas, como veremos no exemplo do estudo que desenvolvemos na Renault.

Upload: dotruc

Post on 29-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Ecodesign : Integrando a reciclabilidade no desenvolvimento de projetos Eco-design: Integrating recyclability on design process

Medina, Heloisa V. de

DSc., Pesquisador, CETEM Centro de Tecnologia Mineral

Palavras- chave: eco-design, indústria automobilística, materiais reciclados. Resumo: A atividade de projeto vem se expandindo para incorporar o meio-ambiente desde a seleção dos materiais até a reciclagem. Trata-se de projetar todo o sistema-produto, considerado ao longo de seu ciclo de vida. Esse artigo mostra o eco-design na indústria automobilística ilustrado por um estudo de caso sobre o Modus da Renault. Key-words: eco-design, automotive industry, recycled materials Abstract: Nowadays design process has been enlarged to cope with environmental requirements from materials choice to end of life products recycling. Life cycle analysis is a basic toll for this new and global approach of product design. This article shows how automotive industry is adopting eco-design illustrated by a case study on Renault Modus. Introdução

Atualmente as empresas estão sendo instadas a reduzirem os impactos sobre o meio ambiente em toda sua cadeia produtiva. Isso vem sendo buscado através de novas formas de projetar como DFA (Design for Assembly and Dissassembly), DFR (Design for Recycling) e DFE (Design for Environment) já em uso nas indústrias automobilística e eletroeletrônica. Segundo essas novas concepções, os projetos são tão mais eficientes quanto mais permitem uma recuperação rentável dos materiais constituintes dos produtos. Portanto, a atividade de projeto integrada, desde a seleção dos materiais até a escolha das técnicas de montagem e desmontagem do produto, é crítica para a viabilidade da reciclagem. Trata-se de projetar não só o produto mas o chamado hoje de sistema-produto, considerando todo o ciclo de vida desde os inputs (matérias primas e energia) até os outputs (resíduos industriais, componentes e o próprio produto em fim de vida). Na verdade a eco-eficiência de um produto depende de uma gestão de projeto que considere toda a vida do produto desde a concepção até a reciclagem. Par isso é necessário considerar toda a cadeia produtiva, e sobretudo cuidar para que a logística da reciclagem seja viável técnica e economicamente, em outras palavras é necessário que o sistema-produto seja sustentável em todas as suas dimensões: técnica, econômica e ambiental. De fato não é apenas o produto final que conta mas todo um sistema projeto / produção, que, no caso do automóvel, consome energia e materiais em larga escala com impactos diretos e indiretos sobre a economia dos países e a vida das pessoas. A análise do Ciclo de Vida do Produto (ACV) é dos instrumentos dos impactos ambientais causados por um produto e por toda a sua cadeia produtiva, entendendo como “Vida” de um produto todo o período compreendido entre a extração de matérias-primas e seu destino final pós-consumo. Dentre esses impactos o mais visível e preocupante é o descarte de produtos em fim de vida e portanto o indicador mais utilizado em projetos de produtos industriais (de eletrodomésticos a automóveis) para minorar esse impacto é a taxa de reciclabilidade. Essa taxa já foi definida em grandes linhas pela Legislação Européia sobre produtos em fim de vida de forma a permitir sua incorporação aos critérios utilizados na seleção de materiais e processos de forma a integrar a componente ambiental no desenvolvimento de produtos industriais. Conseqüentemente as empresas vêm detalhando e adaptando essa orientação geral em normas internas, como veremos no exemplo do estudo que desenvolvemos na Renault.

Eco-design o conceito e a prática Eco-design, mais que um conceito, é uma forma de projetar novos produtos ou de re-projetar os existentes integrando parâmetros ambientais desde a concepção inicial dos mesmos. Ou seja a própria idéia de fazer um produto passa a ser condicionada pela sua performance ambiental. Forma, função, materiais, produção, consumo, reciclagem ou descarte no fim de sua vida útil tudo é concebido de forma integrada com o meio ambiente. Nesse sentido a termo francês eco-conception expressa melhor a abrangência do conceito. A eco-concepção, que usaremos aqui como sinônimo de eco-design, mais do que um conceito, é um processo de mudança ou de evolução da atividade de projeto que passa a incorporar o meio ambiente como uma das variáveis consideradas em todas as fases do desenvolvimento do produto. Na Europa essa nova forma de projetar tem permitido às empresas atender às exigências da legislação ambiental e até mesmo antecipar-se a elas. Atualmente na Europa três setores estão particularmente visados por essa legislação : as embalagens, o automóvel e os equipamentos e produtos eletro-eletrônicos. A existência de diretivas européias (instrumentos legais da Comissão Européia aprovadas pelo Parlamento Europeu) para esses setores levou-os a adotar e desenvolver abordagens ambientais do tipo ACV Análise do Ciclo de Vida para avaliar a performance ambiental de seus produtos. No nível das empresas políticas ambientais e de reciclagem, normas técnicas internas, banco de dados sobre materiais e processos, métodos e softwares dão apoio à eco-concepção. Assim como o processo de globalização da industria, o eco-design é uma tendência mundial e irreversível neste novo século. Fruto, no plano técnico, de um processo de normalização ambiental crescente, foi inaugurado pela série ISO 14000. Na verdade desde o final do século XX a dimensão ambiental já faz parte dos projetos de produtos ao lado da qualidade (ISO 9000) e das componentes clássicas como as dimensões técnica e econômica do produto. Dentro da visão de ciclo de vida do produto o tripé básico de todo projeto de produto, -custo, qualidade e prazo-, foi ampliado para receber mais componente: a sustentabilidade ambiental, inicialmente representada pela reciclabilidade e pela economia de energia. Segundo Jounot (2004 p.81) “l’eco-conception se caractérise par une vision globale : c’est une approche multicritère (eau, sols, bruit, déchets, matières primaires, énergie…) et multi-étapes. Elle prend en compte toutes les étapes du cycle de vie des produits : depuis l’extraction des matières primaires jusqu’au traitement des produits en fin de vie)....: les attentes des clients, la faisabilité technique, les coûts, la qualité et les délais”. Em nosso estudo de caso visitamos a fábrica Renault em Valladolid (Espanha) responsável pela produção exclusiva do Modus e constatamos que essa unidade industrial tem um Sistema de Gestão Ambiental aprovado para a certificação ISO 14000. Segundo esse sistema todo o processo produtivo é monitorado favorecendo a redução e o tratamento de resíduos e de emissões além de proporcionar uma redução sensível do consumo de água e de energia elétrica. O sistema avalia e corrige os efeitos sobre o trabalhador e o meio ambiente das seguintes situações: vibração, ruído, odor, impacto visual, consumo de água, consumo de matérias primas, consumo de energia, emissões e resíduos industriais, além de monitorar as condições do solo, e das águas. Na visita, pudemos ainda constatar que o projeto orientado para a reciclagem altera também os processos de fabricação e de montagem. Por exemplo, a cola vem sendo substituída por encaixe por pressão. Essas e outras mudanças só foram possíveis devido ao novo design das peças feito expressamente para facilitar a desmontagem para reciclagem. É o caso dos pára-choques e do painel de bordo que hoje já são reciclados para produção de novas peças idênticas. O design da gaveta dianteira (localizada abaixo do banco) foi concebido para ser não só facilmente desmontada para ser reciclada como para facilitar a manutenção, pois a forração é encaixada e removível para limpeza.

Figura 1 : Gaveta dianteira do Modus, mostrada por Lassartesses e Olenyik do Serviço de Reciclagem da Diretoria de Engenharia de Materiais da Renault

Figura 2 : Detalhe da gaveta dianteira do Modus. Fonte : As fotos foram extraídas da revista “Recyclage et Recupération Magazine”, pp.7.

Na Renault a incorporação da reciclabilidade aos critérios de seleção de materiais e de processos de montagem nos projetos de novos veículos já é a prática corrente. Os instrumentos de apoio a essa prática são normas internas como a 00-10-060 –Conception en vue du Recyclage e a 00-10-098 Indicateurs de Recyclage, e softwares como o OPERA (Overseas Program for Economic Recycling Analysis) e do IDIS (International Dismantling Information System) como nos explicou Robert Lassartesses, chefe do serviço de reciclagem:

“O critério reciclabilidade está integrado desde o início do projeto e mesmo antes na fase chamada de pré projeto. Há sempre um responsável pelo aspecto reciclagem (PPC Pilote Prestation Client) que acompanha a equipe do projeto à cada função, à cada etapa. As escolhas de materiais, ainda na fase pré-projeto, é orientada pelo software OPERA que simula a desmontagem do veículo comparando as diferentes opções de materiais e indica o mais adequado em termos técnicos e econômicos. Ou seja o que será efetivamente reciclado ao fim da vida útil da peça ou do automóvel.”i

Desse modo pode-se afirmar que a seleção de materiais orientada para o meio ambiente é feita junto com a escolha do design inicial do automóvel e que a reciclabilidade dos materiais é um dos aspectos mais importantes. Na Renault a reciclabilidade já tem indicadores que facilitam a incorporação desse quesito no desenvolvimento do projeto, como veremos a mais adiante. Além disso a política de reciclagem da empresa vai mais longe ainda e tem como objetivo final a reintrodução de materiais reciclados nos novos modelos de automóveis como no caso do painel de bordo do Modus mostrado na figura 3, onde toda a parte colorida em verde é feita de plástico (PP Poliestireno) reciclado.

Figura 3 : Painel de bordo do Modus (extraída de “Recyclage et Recupération Magazine”, pp. 8) A seleção de materiais durante o projeto vem se tornando assim cada vez mais complexa e exigindo competências múltiplas. O cenário atual é de hiperescolha no sentido de que o leque de opções é cada vez maior. Para uma mesma peça ou função pode-se utilizar materiais tão diferentes como polímeros, metais, cerâmicas ou compósitos, que conjugam dois ou mais desses, com características químicas, físicas ou mecânicas idênticas. Uma primeira seleção tem que ser feita na fase inicial do projeto, quando apenas o design em termos de forma do produto está concluído, e deve se estender pelas demais fase sendo validada a cada passo para aprovação final na fase de industrialização do projeto. Pode-se dizer que a reciclabilidade de um veículo baseia-se fortemente na escolha dos materiais durante seu projeto. Portanto a industria automobilística precisa ser flexível, ágil e inovadora para acompanhar e mesmo propiciar um desenvolvimento dos materiais automotivos de forma a manter sua viabilidade técnica e econômica e, ao mesmo tempo, adquirir competitividade ambiental. Contudo a escolha de um material nunca é uma decisão pontual pois mesmo que ela vise uma função de uma peça ela terá implicações em outras funções ou peças. È todo um sistema que é preciso ser considerado, pois um automóvel é produto múltiplo, complexo onde suas partes são dinâmicamente interdependente. É preciso indicar e prever tudo que for possível pois, uma vez no automóvel, os materiais não serão jamais como em sua origem. Eles terão passado por processos e tratamentos físicos e químicos que dificultarão, em maior ou menor medida, sua recuperação ao fim da vida útil da peça ou do automóvel. Normas Técnicas para o Eco-design na Renault A estratégia Renault para incorporação da componente ambiental reciclagem no desenvolvimento de projetos é fortemente apoiada por normas internas que seguem os preceitos da legislação vigente na Europa e das normas técnicas internacionais das séries ISO. A mais antiga dessas normas, atualmente em reformulação, é a 00-10-060 -Concepção Orientada para Reciclagem- que data de 1994 e foi atualizada em 2002. Seu objetivo é de fixar regras gerais para o desenvolvimento de projetos orientado-os para a redução dos impactos ambientais do automóvel. A aplicação da norma 00-10-060 visa otimizar a rentabilidade da reciclagem desde a concepção inicial do automóvel. Em seu parágrafo 3 a norma estabelece que a concepção orientada para reciclagem deve considerar quatro pontos :

1. a aplicação da norma 00-10-050 “Substancias tóxicas proibidas ou de uso restrito.” 2. a análise da função (da peça ou material) orientada para reciclagem 3. a aplicação da eco-concepção sobre as peças selecionadas para reciclagem, conforme descrito nas

recomendações técnicas específicas ou transversais (norma 00-10-098) 4. a seleção de materiais orientada para reciclagem (Anexo 3: Níveis de separação entre plásticos, Anexo 4 :

compatibilidade entre termoplásticos).

Quanto à seleção dos materiais orientada para reciclagem a norma fixa os seguintes critérios para: - Seleção de um monomaterial sob condição que :

1. existam recicladores no mercado 2. exista matéria prima secundária em volume suficiente (+ que 20000 t. por milhão de Veículos em fim de

vida) para que a reciclagem seja rentável ex: PP. - Seleção de técnicas de montagem com atenção para a

1. compatibilidade química material / processo (principalmente no caso dos plásticos) 2. presença de materiais residuais (a serem evitados no caso dos metais ferrosos: cobre, níquel, estanho,

molibdênio e cromo) - Seleção de materiais reciclados e renováveis deve ser feita

1. desde o início do projeto (o grau de liberdade para escolha dos materiais é maior) 2. e em parceria com os fornecedores para promover o crescimento do mercado

A norma estabelece também que todos as peças devem ser marcadas para proporcionar a rápida identificação dos materiais para reciclagem. E finalmente recomenda que todos esses objetivos devem ser quantificados em cada projeto. A quantificação desses critérios sob a forma de indicadores de reciclagem é dada pela Norma 00-10-98 (2001). Esses indicadores permitem não só integrar a reciclagem nos desenvolvimento de projetos mas também fornecem as bases para um diálogo entre a empresa e seus fornecedores, na medida em que permitem mesurar os avanços realizados por ambos em relação à redução dos impactos ambientais do automóvel. A norma cria um formulário de “Declaração Reciclagem” que identifica o projeto, o material, o fornecedor e as características ambientais e de reciclagem dos materiais e peças. A norma contém ainda um índice de reciclabilidade por função (IRF) bastante complexo constituído de 5 etapas e 11 critérios, listados a seguir:

• Etapa 1 : Conhecimento dos materiais e das funções

Critérios envolvidos: diversidade dos materiais e materiais reciclados

• Etapa 2 : Fator custo do pré-tratamento da peça/material

Critérios envolvidos: materiais e componentes a serem extraídos na fase de pré-tratamento (ex: líquidos e fluidos, baterias e pneus)

• Etapa 3 : Fator custo de desmontagem de separação dos materiais

Critérios Acessibilidade, simplicidade, rendimento tanto dos processos automáticos como manuais.

• Etapa 4: Preconizações para reciclagem

Dois tipos: transversais como técnicas de fixação, marcação ou uso de substâncias tóxicas, e específicas como para pára-choques, espuma de assentos, faróis e etc.

• Etapa 5 : Existência de uma cadeia de recicladores

Considerada em três níveis: valorização do material ou reciclagem propriamente dita; cadeia da reciclagem (ferro-velho, recicladores e produtores de materiais - siderurgistas ou plasturgistas -) e tecnologia de separação dos materiais para reciclagem.

O objetivo dessas e de outras normas internas existentes nas montadoras de automóveis é orientar a escolha de materiais e de processos desde a concepção inicial de um novo modelo. Elas sempre dão uma atenção especial aos plásticos para evitar elementos tóxicos e incompatibilidades que dificultem ou mesmo impeçam sua reciclagem. Entre as recomendações ambientais da Renault associadas aos plásticos está a de evitar ao máximo o uso de cola, pintura com tintas que contenham chumbo.

Materiais reciclados no automóvel: o exemplo dos plásticos na Renault Na Renault o eco-design vem evoluindo desde o início dos anos 90. Essa evolução tem como principal resultado o aumento considerável de peças feitas em material reciclado nos veículos, como nos mostra Lassartesses (2004): “desde o início dos anos 90 nós incorporamos diversas peças em polipropileno (PP) reciclado em diversos modelos.” È o caso dos pára-choques do Megane e Scenic que só não foram estendidos para toda a linha por falta de matéria prima secundária para atendimento da demanda. Ainda segundo Lassartesses (2004) na concepção de novos modelos, a reciclagem é tratada na Renault como os demais critérios do projeto que atendem à demanda dos clientes, ou seja, a segurança, a ergonomia (conforto), a insonorisação (conforto acústico). O responsável pelo aspecto reciclagem determina, em comum acordo com a direção do projeto os objetivos gerais a atingir em termos de reciclabilidade e material reciclado que são em grandes linhas dados pela política ambiental da empresa. Os objetivos gerais são desdobrados por tipo de material e pelas funções que o projeto estabelece. (ex: pára-choques, painéis de bordo, pára-lamas etc). Todas as peças feitas em material reciclado passam por um rigoroso sistema de validação técnica e controle de qualidade coordenado pelo responsável pela Regulamentação, Segurança e Homologação da (RSH) do serviço de reciclagem da DIMAT. Esse controle é ainda mais exigente que o realizado sobre o material primário dito virgem. A evolução do polipropileno reciclado nos modelos Renault, por exemplo, é a prova da eficácia da estratégia adotada. Lassartesses (2004) resume esses resultados : A evolução da incorporação do PP reciclado nas principais peças nos diferentes modelos Renault desde o final dos anos 90 foi a seguinte:

- 1998, o protetor interno do pára-lama dianteiro do Clio II. - 2000, o protetor de carter do Laguna 2. - 2002, o pára-choque do Megane 2, com 35% de material reciclado. - 2004, o painel de bordo do Modus, com 45% de material reciclado.

A projeção atual dessa evolução é de atingir 50 Kg de PP reciclado por veículo até 2016, pode ser visto no gráfico 1 a seguir.

Evolution: Quantité de matière recyclé (PP) par véhicule

0

10

20

30

40

50

60

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

2010

2012

2014

2016

ans

kg

Gráfico 1: Projeção da Quantidade de PP Reciclado nos Veículos Renault até 2016 Fonte: adaptado de Lassartesses R.: Quelle politique d’intégration de matières recyclées dans les véhicules neufs ? Processus et résultats de Renault., Technocentre Renault, 2004 .

Observa-se ainda pelo gráfico1que a quantidade inexpressiva de PP reciclado em 1992 elevou-se a quase 20 Kg em cerca de 10 anos. Em 2003 a proporção média era de 12% de PP reciclado e de 6% para outros polímeros reciclados. A quantidade de PP no automóvel é crescente, fruto de uma política de menor diversificação dos plásticos para concentrar os esforços de reciclagem em um tipo, para o qual o material reciclado é melhor. O objetivo da Renault, segundo Lassartesses, é atingir 50 Kg ainda em 2015 para antecipar-se às exigências da legislação européia. As quantidades de material plástico reciclado (sobretudo o polipropileno), eram de 15 kg em toda a linha do Megane 2 e de 18 kg no Scenic, distribuídos em diferentes peças. O novo Modus que é um modelo bem menor que o Scenic continua essa evolução apresentando 18 kg de PP reciclado, como mostram as partes em verde da figura 4 a seguir.

Figura 4: Peças em material plástico reciclado e material renovável no Modus da Renault. Fonte: Extraída de Lassartesses R.: Quelle politique d’intégration de matières recyclées dans les véhicules neufs ? Processus et résultats de Renault., Technocentre Renault, 2004 . Conclusão O Eco-design ou eco-concepção é uma nova forma de desenvolver produtos globalmente ou seja pensando não apenas na sua produção venda e consumo mas também nos seus antecedentes materiais (se são renováveis ou recicláveis) e nos seus conseqüentes impactos sobre o ambiente ao fim de sua vida útil. Essa prática começou nos anos 90 fruto da pressão legislativa e normativa em relação ao meio ambiente. No caso da indústria automobilística essa abordagem adquire caráter internacional na medida que se trata de um setor globalizado que produz um bem de alto valor, longa vida e grande consumo de material. Observamos pelo exemplo da Renault

que a regulamentação européia e internacional tem seus desdobramentos dentro da empresa que vem evoluindo sua forma de projetar de acordo com as exigências ambientais vigentes. A política de reciclagem da Renault e os instrumentos de eco-concepção de que ela dispõe propicia não só o aumento da reciclabilidade de seus veículos mas também uma economia de recursos não renováveis na medida em que vem re-incorporando matérias primas recicladas em toda sua linha. Essa re-incorporação foi também facilitada pela melhoria dos processos de reciclagem dos plásticos e por conseqüência da qualidade da matéria prima secundária obtida, notadamente no caso do polipropileno. Nosso estudo mostrou ainda que a prática da eco-concepção incorporou não só a reciclagem nos projetos mas emprestou sua abordagem global à política de reciclagem da Renault que agora preocupa-se com a viabilização econômica de toda a cadeia da reciclagem. Isso levou a empresa à reverter, neste início de século, a tendência dominante, até o final do século XX, de diversificação crescente dos materiais automotivos para orientar-se no sentido de uma seleção mais criteriosa dos plásticos, concentram-se sempre que possível nos que apresentam vantagens técnicas e econômicas para reciclagem, como é o caso do PP. Agradecimentos Agradeço a CAPES pela Bolsa de Pós-doutorado na França que possibilitou a realização desse estudo de caso e ao CETEM por ter me permitido realizar essa especialização durante um ano em ecologia industrial, eco-concepção e reciclagem. Gostaria também registrar que a colaboração irrestrita do Diretor de Engenharia dos Materiais Gerard Maeder sem a qual a minha pesquisa não teria sido tão bem sucedida. Agradeço sua atenção e ajuda na organização do meu trabalho do campo tanto na Fábrica de Valladolid como no Technocentre. Gostaria também a cooperação de Robert Lassartesses chefe do serviço de Reciclagem e Mathieux Olenyik que forneceram as bases para esse artigo. Bibliografia:

Abrassart C. et Aggeri F. "La Naissance de l’Eco-conception : du cycle de vie du produit au management environnemental", Responsabilité et Environnement Annales des Mines, janvier 2002, N 25, pp.41-63, série trimestrielle des Annales des Mines, éditions ESKA, Paris. (internet : www.annales.org)

Directive 2000/53/EC of the European Parliament and of the Council, of 18 September 2000, on end-of life vehicles, publicada no Official Journal of the European Communities, em 21 outubro de 2000.

Kernéis H: "Modus, le minispace qui se soucie déjà de sa fin de vie".editorial em Recyclage et Récupération Magazine, 17 septembre 2004 Nº 33, pp.6-11.

Lassartesses R. "Quelle Politique d’Intégration de Matières Recyclées dans les véhicules neufs : Processes et Résultats de Renault, contribution présentée aux Journées Professionnelles organisées par l’ADEME, le 20-21 octobre 2004, à la Maison de la Chimie, Paris. (disponible no site http://www.ademe.fr)

Vigneau B. "La mise en Place de filières de recyclage : l’exemple des plastiques automobiles", thèse professionnelle, 2000/2001, ISIGE, Institut Supérieur d’Ingénierie et de Gestion de l’Environnement ; Ecole de Mines de Paris

Vigneron J., et Patingre JF, éditeurs, 2001, Eco-conception, Concept, Méthodes, Outils, Guide et Perspectives, Ed Economica, Paris, 205 pp.

i Entrevista concedida por Robert Lassartesses à autora em 22 de fevereiro de 2005 por ocasião de uma visita ao Technocentre Renault em Paris. Traduzido do francês pela autora.