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iDa c£u6erculose no €&orio (Breve estudo sobre a sua etiologia e prophylaxia) Dissertação inaugural apresentada á Escola Medico-Cirúrgica do Porto Hntorçio Peneira Barbosa -.P'çXjM.- PORTO TYPOQR. DA EMPREZA "ARTES A. L.ETTRAS„ 8—Ru» da Fabrica—10 1906 / 3 o/g ^.nc

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iDa c£u6erculose no €&orio

(Breve estudo sobre a sua etiologia e prophylaxia)

Dissertação inaugural apresentada á Escola Medico-Cirúrgica do Porto

Hntorçio Peneira Barbosa

-.P'çXjM.-

PORTO TYPOQR. DA EMPREZA "ARTES A. L.ETTRAS„

8—Ru» da Fabrica—10

1906

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£scoía cMeéicQ*®irurgica èo €%orio DIRECTOR

A N T O N I O J O A Q U I M D E M O R A E S C A L D A S

SECRETARIO-1NTERNO JOSÉ ALFREDO MENDES DE MAQALHÃES

CORPO DOCENTE Lentes Pathedraticos

1.* Cadeira —Anatomia descri-ptiva geral Luiz de Freitas Viegas.

2.* Cadeira—Phyaiologia. . . Antonio Placido da Costa. 3.* Cadeira — Historia natural

doa medicamentos e mate­ria medica. . . . . . IlJydio Ayres Pereira do Valle.

4.» Cadeira—Pathologia externa e therapeutica externa . * Antonio Joaquim de Moraes Caldas.

5.a Cadeira—Medicina operató­ria Clemente J. doa Santos Pinto.

6." Cadeira — Partos, doenças daa mulheres de parto e doa recein-nascidos. . . Cândido Augusto Corrêa de Pinho.

7.a Cadeira—Pathologia interna e therapeutica interna. . José. Dias de Almeida Junior.

8 » Cadeira—Clinica medica. . Antonio d'Azevedo Maia. 9.* Cadeira—Clinica cirúrgica . Roberto B. do Rosário Frias.

10.ft Cadeira — Anatomia patho-logica ». • Augusto H. d*Almeida Brandão.

11.* Cadeira—Medicina legal. . Maximiano A. d'Oliveira Lemos. 18.a Cadeira— Pathologia geral,

semeiologia e historia me­dica . . . . . . . . Alberto Pereira Pinto d'A guiar.

13.' Cadeira—Hygiene. . . . João Lopes da S. Martins Junior. 14.» Cadeira—Histologia normal José Alfredo Mendes de Magalhães. 15.a Cadeira — Anatomia topo-

graphica Carlos Alberto de Lima. Lentes jubilados

Secção medica José d1 Andrade Gramaxo* J Pedro Augusto Dias.

Secção cirurg,ca \ Dr. Agostinho Antonio do Souto.

Lentes substitutos I Thiago A. d'Almeida.

Secção med.ca -J J o a q u j m A p i r e 9 ^ j ^ I Antonio Joaquim de Souza Junior.

Secção cirúrgica I v e

Lente demonstrador Secção cirúrgica . . . * . . Vaga. ^

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A Escola não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições.

(Regulamento da Escola, de 23 d'abril de 1840, art. 155.°) i

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Ao meu presidente de these

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Nada de novo encontrarão no presente traba­lho, aquelles que, por penoso dever de oficio, ti­verem de folhear algumas das suas minguadas paginas ; nem tal poderia ser o nosso intuito, por­que, falhando-nos para tal tarefa forças que nos alentassem, innumeras foram as deficiências que não podemos vencer.

Separar do quadro nosographico da cidade o seu typo mórbido predominante, esboçar a largos traços o que se nos affigurou como elemento de maior valor no seu conjuncto etiológico, procu­rando documentar numericamente os seus effeitos, e por ultimo indicar a nossa opinião sobre os meios que, por ventura, possam concorrer para os remediar, tal é objecto do breve estudo que hoje apresentamos.

Ao illustradissimo jury que tiver de nos jul­gar, desde já pedimos a benevolência a que tem direito o condemnado, que não pôde furtar-se á pena irremediável.

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Qonsiôaraçõos geraes

Por um conjuncto de caracteres, que a tornam na actualidade o mais terrível de todos os flagelr los humanos, a tuberculose merece a attenção de todas as collectividades sociaes, que teem conju­gado os seus esforços no sentido de oppôr uma barreira á sua obra demolidora.

A multiplicidade das suas causas, as condições especiaes do seu desenvolvimento tornam um problema complexo a lucta encetada ha alguns annos por différentes paizes da Europa, como se torna evidente, pela mortalidade crescente em al­guns, estacionaria em outros.e muito ligeiramente diminuida em um numero muito restricto.

Esta mortalidade, cuja cifra, em alguns paizes, é elevadíssima, não é, porém, a principal razão do vivo interesse que continua despertando o estudo das medidas therapeuticas e prophylaticas mais seguras para debellar o mal.

São menos as considerações humanitárias, do t

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que as de ordem económica e social, o primeiro e principal motivo da lucta anti-tuberculosa.

Entre nós, como de resto em todos os outros paizes, é sobretudo nas camadas populares, que a tuberculose vai recrutar o maior numero das suas victimas, ferindo os individuos no período da sua maior productividade económica.

A perda de tantas vidas, além de contribuir poderosamente para o depauperamento da raça, representa para a nação o desapparecimento d'um capital social, cuja cifra elevadíssima é um ver­dadeiro desastre económico.

O lado social do problema revela-se ainda muito nitidamente na etiologia da tuberculose considerada como doença popular.

Por isso, e para mais justamente podermos apreciar os meios que teem sido preconisados na lucta anti-tuberculosa, começaremos o nosso tra­balho pela exposição, um pouco resumida, das causas que produzem a doença, nomeadamente as de ordem social, mais numerosas e importantes.

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Causas da tuberculose

I — Causas medicas

BACILLO E CONTAGIO. — A descoberta do agente especifico da tuberculose, por Koch, em Maio de 1882, veio lançar uma nova luz sobre o estudo da sua etiologia, que até ahi tinha sido sempre erroneamente interpretada.

Já alguns annos antes, em Dez. de 65, Ville-min tinha demonstrado que a tuberculose era uma doença infectuosa e inoculavel e indicava, apoz repetidas experiências, a sua transmissibilidade por intermédio dos escarros seccos e reduzidos a poeira, que penetravam no aparelho respiratório com o ar inspirado.

Estas ideias foram muito atacadas e contesta­das, até ao dia em que Koch fez a descoberta do gérmen productor da doença.

O bacillo da tuberculose encontra-se indiffe-rentemente espalhado em todos os meios e em todas as regiões do globo, podendo quasi affir-mar-se que todos os povos lhe pagam um pesado tributo.

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As fontes de contagio são innumeras e de todos os instantes.

Nas ruas e jardins, nos carros de praça, car­ruagens de caminho de ferro e t ramways; nos hotéis, repartições publicas e armazéns ; nos livros e notas de banco ; nas salas de jogos e theatros, nas egrejas e hospitaes, etc., finalmente em todos os pontos onde o homem vive, a sua presença é inevitável.

De egual modo o encontramos em muitos productos da economia humana, principalmente nos escarros e materiaes provenientes de focos tuberculosos.

Muitas vezes, como o mostrou Strauss, o po­demos encontrar nas mucosidades das fossas na-saes, nos indivíduos sãos.

Todas as substancias alimentares e em parti­cular as de origem animal, taes como, leite, man­teiga, carne, etc., podem servir de vehiculo ao baçillo de Koch.

O contagio faz-se também com enorme fre­quência, do individuo doente para o individuo são, porque aquelle fallando e tossindo espalha em torno de si gotticulas de saliva contendo in-numeros bacillos.

O bacillo de Koch encontra pois frequentes occasiões de penetrar no nosso organismo, quer pelas vias respiratórias, quer seguindo o tubo di­gestivo, quer utilisando uma solução de conti­nuidade do tegumento externo ou das mucosas expostas e mal protegidas.

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Mas, se a sua presença no organismo é condi­ção indispensável para que a tuberculose se ma­nifeste, por si' só não basta para crear a doença.

Toda a semente, para germinar, precisa de um terreno apropriado e o mesmo se dá com os agentes pathogenicos.

Para se implantar e pulular na economia, para produzir uma lesão e originar um processo mór­bido, cuja evolução constitue a doença, é neces­sário que o micróbio encontre um organismo cujos meios de defesa estejam paralysados ou entorpe­cidos e que não possa reagir contra o invasor.

No caso contrario, quando o organismo possue um grau sufficiente de resistência, a lucta travada n'estas condições termina quasi sempre pela sua victoria.

Esta lei geral de pathologia verifica-se d'uma forma muito notável para a tuberculose e é ella, sem duvida, que permitte explicar a frequência de antigas lesões tuberculosas, perfeitamente ci-catrisadas, encontradas na autopsia de indivíduos victimados por um accidente ou qualquer outra doença, que não a tuberculose.

Para Brouardel, esta frequência é de metade das autopsias por elle realisadas na Morgue de Paris, em indivíduos de mais de 30 annos, mortos por um accidente e tendo permanecido em Paris mais de 6 ou 7 annos.

Além d'isto sabe-se também que um grande numero de indivíduos continuamente expostos a ser contaminados, 'taes como, medicos, estudantes

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de medicina, enfermeiros, etc., raras vezes con­trariem a tuberculose, nos pontos em que certas medidas hygienicas e prophylaticas são adopta­das e seguidas d u m a forma rigorosa e perma­nente.

É interessante, debaixo d'esté ponto de vista, o facto citado por Boureille, de que em Magde-bourg o dr. Aufrecht observou que de 1880 a 1897, com 34:060 doentes, entre os quaes 3:828 tubercu­losos, não foi atacado nenhum dos 263 enfermei­ros que estavam em contacto com os tysicos.

O mesmo succède nos sanatórios de Gõrbens-furt e de Falkenstein, onde ha mais de vinte annos se tratam doentes ricos (Daremberg).

Esta breve notação de factos, mostra-nos bem que o bacillo, por si só, não dá tantas tuberculo­ses como se poderia julgar.

.Se assim fosse, em vez de 20:000, teríamos nós alguns milhões de tuberculosos.

Vejamos pois, seguidamente, quaes as causas que concorrem para que umas vezes o bacillo se conserve silencioso e outras vezes seja para o or­ganismo um hospede perigoso.

H E R E D I T A R I E D A D E . — As ideias que durante muito tempo dominaram o espirito dos medicos, faziam ver na tuberculose uma doença fatalmente hereditaria e incurável.

Os filhos de tuberculosos, por via de regra, se-

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riam sempre tuberculosos. Negava-se então a con-tagiosidade da tuberculose.

Hoje a origem da tuberculose nas creanças é interpretada por três formas différentes pelos mes­tres da medicina contemporânea.

O primeiro grupo, pouco numeroso, admitte que o bacillo passa do sangue da mãe para o sangue do feto.

Admittem outros, que a creança não herda o bacillo, mas somente uma fraca constituição, isto é, um estado chimico do sangue e plasma cellular que transforma o organismo em um meio de cul­tura favorável á pululação do gérmen tuberculoso.

Finalmente, um terceiro grupo de medicos pensa que a tuberculose se desenvolve nas crean­ças, não por hereditariedade do bacillo ou predis­posição, mas unicamente pelo contagio a que es­tão incessantemente expostas, pela cohabitação intima com os seus pães tuberculosos.

Bem que os auctores e partidários d'estas dif­férentes maneiras de encarar a hereditariedade da tuberculose apresentem em sua defesa argumentos de, para elles, decisivo valor, não devemos comtudo acceitar o exclusivismo das suas opiniões.

A verdade parece residir na adopção simultâ­nea das três opiniões.

Recentes estudos (') sobre este assumpto pare­cem demonstrar que os factos de transmissão do

C1) Dr. Vires—L' Hérédité de la tuberculoie.

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bacillo, de pães a filhos, são mais frequentes do que até aqui se suppunha. Esta opinião é perfei­tamente acceitavel se attendermos aos factos de transmissibilidade do gérmen, que se observa em muitas doenças virulentas, taes como, septicemia, pneumonia, febre typhoide, syphilis, etc.

Portanto, se os filhos de tuberculosos não são congenitamente infectados, são portadores de um terreno intoxicado e favoravelmente preparado para a implantação do bacillo de Koch.

Ao lado d'esta receptividade innata temos a considerar a receptividade adquirida.

O organismo são pôde ser fortemente abalado e reduzido á impotência por um conjuncto de for­tuitas circumstancias. Todas as doenças agudas ou chronicas podem collocal-o em um estado de decadência sufficiente para contrahir uma doença para a qual não parecia originariamente predis­posto.

Estão n'este caso todas as doenças agudas ou chronicas do apparelho pleuro-pulmonar, bronchi­tes, pneumonia, pleurisia, etc. ; as febres eruptivas e doenças infectuosas, muito particularmente a grippe e a febre typhoide.

Todas estas causas tém um papel importante na génese da tuberculose, em geral, mas não nos permittem comtudo explicar esta tão grande des­igualdade social perante a doença, que parece ser o apanágio das classes populares.

Devem ser portanto outras as causas, que pas­saremos a examinar.

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II — Causas sociaes

Podemos reduzil-as a dois grupos distinctos :

a) Alcoolismo e syphilis 6) Condição actual das classes trabalhadoras.

ALCOOLISMO. — A influencia nefasta do alcool sobre o organismo, creando n'elle uma predispo­sição especial para a tuberculose, está hoje fora de contestação, sendo sobretudo nas classes trabalha-

, doras das grandes cidades que a sua influencia se torna bem evidente.

O seu papel phtysiogenico está bem demons­trado pela clinica, a estatística e a medicina ex­perimental.

Em França, De Lavarenne mostrou-o d'uma forma muito clara em um estudo minucioso e muito consciencioso, relativo ao consumo do alcool e mortalidade por tuberculose.

Resumidas se acham as suas conclusões no quadro I, onde se vê que a mortalidade por tu­berculose segue uma linha ascencional parallela á do consumo do alcool.

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Graphico comparativo do consumo do alcool e mortalidade por tuberculose

(Brouardel—La lutte contre la tuberculose)

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Além d'isto (Daremberg), notou-se também que as guarnições militares do Norte davam mui­to mais alcoólicos que as guarnições do Sul, onde os calores do verão são muito mais deprimentes que os frios do inverno.

Se quizermos comparar, ainda debaixo d'esté ponto de vista, a taxa de mortalidade tuberculosa de grandes cidades vemos, por exemplo, que para o Havre, cidade muito alcoólica, é de 508 por 100:000, emquanto é apenas de 180 por 100:000 em Nápoles, onde se bebe quasi exclusivamente agua.

Na Grécia a tuberculose angmenta ha dez an-nos, porque o alcoolismo se desenvolve egual-mente. Bebe-se mais vinho, licores e sobretudo mais «ouzo» (aguardente não rectificada).

Em 1890 observaram-se 1:169 óbitos por tuber­culose em 274 povoações gregas. Em 1897 esta cifra subiu a 1:758 e na Grécia não ha nem misé­ria industrial nem habitações insalubres. (Darem­berg).

A clinica hospitalar mostra também a impor­tância do alcoolismo como factor de tubercu­lose.

Nos hospitaes de Paris, em 252 doentes obser­vados pelo Dr. Jaquet, 180 eram alcoólicos antes dos primeiros symptomas da doença.

Os alcoólicos tornar-se-hiam pois tuberculosos na proporção de 71,42 °/0.

E ' sobretudo no meio operário que os seus ef-feitos se fazem sentir com mais intensidade.

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As causas d'esté phenomeno são sem duvida bastante complexas.

Nas grandes cidades industriaes a familia ope­raria é forçada a abandonar o lar para se dirigir á fabrica. As refeições são tomadas nos estabele­cimentos de vinhos e tabernas, onde o vinho e a aguardente correm abundantemente em detrimen­to d'uma boa e reparadora alimentação.

Em virtude de preconceitos herdados, o ope­rário procura no alcool a energia que só uma boa alimentação lhe poderia fornecer. Muitas vezes, para se esquecer do seu duro e penoso labutar de todos os dias, da triste realidade da sua situa­ção, entra na taberna onde alguns copos de aguar­dente afugentam por instantes do seu espirito a bru­tal oppressão da sua vida de soffrimento constan­te e de duras privações.

Georges Bourgeois, referindo-se em um traba­lho recente ao papel que o alcoolismo representa na génese da tuberculose, faz notar que é princi­palmente nos camponezes que da provincia af-fluem á cidade, trocando a vida tranquilla e sã das suas aldeias pelas enganosas tentações de Pa­ris, que a sua acção perniciosa mais se faz sentir.

Transportado subitamente a um meio absolu­tamente différente, o camponez procura avida­mente os prazeres que melhor convêm á sua na­tureza forte, brutal, nem sentimentalisada, nem in-tellectualisada.

. «Troublé dans sa vie, transplanté, ne tarde pas á se laisser griser par les plaisirs de Paris.

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2 9 .

Entraîné souvent par des camarades, il ap­prend vite á conaitre la porte du marchand de vins et cela d'autant plus que son logement triste et sombre n'a pas pour lui beaucoup d'attraits.» (Bourgeois).

O que a principio era um habito, até certo ponto remediavel, transforma-se rapidamente em uma necessidade imperiosa.

A ' derrocada moral que se opera no operário, succede-se a breve trecho a fallencia orgânica. Vendo rapidamente destruídas as suas melho­res illusões, extenuado por um trabalho excessivo, privado d u m a alimentação reparadora, procura no alcool um linitivo á sua dor, um momento de tréguas na sua existência miserável.

S Y P H I L I S . — E' este outro flagello social que, nas cidades, tende a alastrar d u m a forma extraor­dinária.

CONDIÇÃO ACTUAL DAS CLASSES TRABALHA­D O R A S . — E ' esta uma das' causas mais importan­tes e esta produz as outras.

A vida social soffreu de ha cem annos para cá uma transformação total.

As revoluções politicas successivas, modifican­do os costumes; o desenvolvimento progressivo

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das industrias e as modernas descobertas scienti-ficas produzindo uma transformação completa da actividade humana tornam cada vez mais difficil a lucta pela existência.

A concorrência é enorme, e para vencer é pre­ciso fornecer uma somma de trabalho colossal.

A victoria caberá áquelles que puderem sus­tentar durante mais tempo um prolongado esforço, emquanto os outros irão engrossar esse lugubre cortejo de famintos e miseráveis que povoam as cidades trabalhadoras.

São estes que, victimas do egoismo e da am­bição insaciável dos seus oppressores, irão pagar um pezado tributo á tuberculose, emquanto a hy-pocrisia triumphante lançará sobre elles rápido olhar de compaixão.

O operário moderno é o typo da miséria em todas as suas modalidades.

Habitando os bairros infectos e insalubres das cidades, falhos de ar, de luz; insuficientemente alimentado; extenuado por um trabalho deprimen­te; alcoolizado e syphilizado: reúne em uma pa­lavra todas as condições que depauperam o orga­nismo e lhe diminuem a resistência, tornando-sebem depressa presa do bacillo que a todos os instantes o espreita, esperando o 'momento favorável para o ataque.

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Prophylaxia social anti-tuberculosa

Só o conhecimento perfeito das causas de tu­berculose poderia permittir-nos erigir um syste-ma de medidas tendentes não só a impedir a disseminação do mal, mas também a extinguil-o nos seus focos.

Esse conhecimento data de ha poucos dias, como acabamos de ver.

Não obstante, os nossos antepassados, crendo na contagiosidade da tuberculose, faziam já bôa prophylaxia, tentando impedir por todos os meios a sua generalisação.

As grandes municipalidades do sul da Europa promulgavam por vezes decretos draconianos, re­lativamente ao isolamento do tuberculoso e ao lo­cal occupado por elle.

No século xvi l l , conta Daremberg, na Pro­vença ninguém se servia das roupas de cama e vestuário, objectos de toilette ou de meza por elles utilisados durante a sua vida.

Depois da morte raspavam-se e rebocavam-se as paredes dos aposentos, lavava-se o soalho e queimava-se a roupa.

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Expunham-se ao ar livre durante um anno os moveis e tapeçarias dos seus aposentos.

Em Hespanha, Philippe V promulga egual-mente leis sobre a desinfecção obrigatória.

O mesmo succède em Florença em 1753 e em Nápoles em 1782.

Na Hespanha essas medidas chegam por ve­zes a excessos de brutalidade, sendo o tuberculoso perseguido e escorraçado como qualquer animal damninho, como no caso de Chopin.

Apesar, porém, das sabias demonstrações de medicos illustres, taes como Morton, Morgagni e Vasalva, estas ideias vão pouco a pouco cahindo no esquecimento.

Os medicos modernos negavam energicamen­te o contagio da tuberculose quando, como vimos já, Villemin em 65, o demonstra d'uma forma in­discutível.

Precedentemente, vimos já como se chegaram a precisar as diversas causas de tuberculose e no­meadamente as de ordem social.

Do seu conhecimento deriva logioamenjE esta proposição : a tuberculose nas clases populares e em especial na classe, operaria, é uma consequên­cia das péssimas condições económicas e sociaes d'essas classes.

Comprehende-se portanto que os meios de que devemos lançar mão para luctar proficuamente con­tra a doença, serão aquelles que, d'uma forma directa ou indirecta modifiquem para melhor as condições de vida e de trabalho da massa ope-

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raria, augmentando a sua resistência ao bacille- de Koch.

Vejamos, pois, resumidamente, o que para esse fim se tem feito até agora e quaes os resul­tados obtidos.

A principio a doutrina contagionista domina o espirito dos medicos e todo o esforço se dirige encarniçadamente contra o bacillo.

Espalham-se com profusão escarradores e anti-septicos, fazem-se conferencias populares, distri-buem-se folhetos mostrando os inconvenientes de escarrar no chão, affixa-se nos logares públicos <Avisos» pedindo por favor que não escarrem no chão, ao lado de outro prohibindo-o, sob pena de multa.

Emfim uma guerra sem tréguas com que se pretende dar cabo do «bicho» e libertar a huma­nidade do monstro que a devora.

M a s . . . a despeito d'esta fúria d'exterminio que se apoderou de todos, o bacillo continua in­fatigável na sua tarefa de destruição.

A estatística vem mostrar-nos que todos os annos a mortalidade e morbilidade seguem uma marcha crescente em quasi todos os paizes.

O conhecimento mais perfeito da etiologia da doença imprime á lueta uma nova feição. As causas são outras e portanto outros devem ser os meios de as combater.

Dois paizes, a Inglaterra e a Allemanha, cami­nham na vanguarda do novo movimento, conse­guindo por um systema de medidas prophylaticas,

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racionalmente applicadas, resultados dignos de nota.

Em 1851 a mortalidade por tuberculose em Inglaterra era 2 7,34(IO/000 habitantes. Tinha descido a 16,82 «Vow em 1880.

Como se chegou a estes resultados? — A Inglaterra é um paiz essencialmente in­

dustrial e nós sabemos bem como a tuberculose é mais frequente nas cidades e centros industriaes, que nos campos.

Pela sua situação geographica, possue um clima que predispõe particularmente para as af-fecções inflamatórias do apparelho respiratório.

Além d'isto, o alcoolismo e em geral todas as causas de tuberculose exercem lá a sua acção ne­fasta da mesma maneira que nos outros paizes.

Comtudo, se as causas são proximamente as mesmas, os effeitos, como veremos, são différentes.

E a razão d'esté facto, vamos vel-a já. A Inglaterra possue um systema de legislação

sanitaria perfeitíssimo e rigorosamente applicado. As leis não são obra de legisladores mais ou

menos phantasistas, antes correspondem muito claramente ás necessidades do publico, que acceita sem repugnância todas as medidas hygienicas prescriptas pela lei, o que constitue, sem duvida, a razão dos brilhantes successos obtidos até hoje.

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Desde 1850 que as leis sobre a saúde publica se succedem com regularidade todos os annos t

amplificando e aperfeiçoando as anteriores, em har­monia com os progressos da hygiene.

Para avaliar a sua importância, bastar-nos-ha dizer (Romme), que a Inglaterra dispendeu para a salubridade publica a somma de 120 milhões de francos de 1850 a 1875 e mais de 3 bilhões de 75 a 90.

Em Londres, só a despeza para a demolição e reconstrucção de um bairro sobe a 1:800 con­tos.

A applicação d'estas leis de saúde publica motivou, como era de esperar, uma baixa rápida da cifra obituária geral, reflectindo-se especialmen­te sobre as doenças infectuosas.

Antes de 1875, como o mostram as estatísti­cas citadas por Monod, a mortalidade oscilla va em volta de 23O00/000 habitantes; baixa a ig200/000 em 1880 e a 180 em 87.

Esta diminuição opera-se sobretudo na febre typhoide, sarampo, escarlatina, erysipela, etc., cuja frequência, para algumas, diminue de 50, 60 e mesmo 80 °/0.

As attribuições da auctoridade sanitária local, reguladas pelo «Public Health Act» de 1875, con­sistem em exercer a sua vigilância sobre o abas­tecimento da agua, para que esta seja de boa qualidade e em quantidade sufficiente ; demolir as habitações insalubres ; construir os esgotos neces­sários para uma boa drenagem do solo e conser-

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val-os em condições de não prejudicar a saúde publica.

Assiste-lhe, além d'isto, o direito legal e o po­der de obrigar todo o proprietário de uma casa insalubre a fornecer-lhe a quantidade de agua ne­cessária, e executar os trabalhos á custa do pro­prietário no caso de recusa.

Sob o ponto de vista que nos occupa, a tuber­culose, a influencia d'estas medidas geraes de hy­giene publica affirma-se por uma forma bem clara.

Da analyse das estatísticas de tuberculose, en-contra-se 4,7 % para média de diminuição duran­te o periodo de 55 — 74 e o°/0 para o periodo de 75—94, ou seja uma differença de 2 °/0

a favor d'esté ultimo, isto é, desde a applicação do « Pu­blic Health Act» de 1875.

Não é, porém, este o único factor d'esta baixa notável na mortalidade por tuberculose, que no periodo de 90—94, attinge 17,6 °/e.

Notando que a tuberculose produz maior mor­talidade nas classes operarias, para ellas dirigiu a sua attenção, conjugando os seus esforços no sentido de melhorar as condições materiaes da vida d'estas classes e para esse fim emprehen-deu o saneamento dos bairros insalubres e a cons-trucção de casas hygienicas e baratas.

Aqui ainda intervêm os poderes públicos se­cundando a iniciativa das sociedades que cons­truem casas para operários, promulgando leis, a ultima das quaes, datando de Agosto de 18.90, diz em resumo:

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i.° As municipalidades são obrigadas a de­molir os bairros insalubres.

2." Fechar e demolir as casas insalubres, (Buildings unfit for human habitation), reclamar egualmente a suppressão de construcções que se­jam um obstáculo á hygiene publica (Obstructive Buildings) e fazer entrar no projecto de recons-trucção a creação de casas para operários.

As associações constructoras são hoje muito nu­merosas em Inglaterra e de typo variado.

Limitamo-nos a mencionar algumas sem entrar em detalhes de organisação, porque isso iria além dos limites do nosso trabalho.

Umas são puramente commerciaes, espécie de sociedades anonymas, distribuindo dividendos aos seus accionistas.

Assim são, por exemplo, a— «Artisan's Labou­rers and general Dwellings Company»—fundada em 1867, que dispendeu até hoje mais de 15:000 contos em compras de terrenos e construcção de casas. A «Improved industrial Dwellings Compa­ny»—que existe desde 1863 e que em compra de terrenos e construcções empregou mais de 6:000 contos, possuindo habitações para mais de 27:000 indivíduos.

Um segundo typo comprehende as sociedades de construcção de habitações baratas—«Buildings societies» —espécie de sociedades cooperativas, cujo numero ascendia em 1897 a mais de 2:700, tendo empregado já perto de 600:000 contos.

A rápida enumeração d'estes factos mostra-nos

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já qual a grande actividade desenvolvida na In­glaterra para a reforma da habitação.

Se recordarmos a influencia que a habitação insalubre exerce no desenvolvimento da tuberculo­se, podemos bem concluir que uma tal série de re­formas, fazendo penetrar o ar e a luz na habita­ção do pobre, combate n'uma certa medida os ef-feitos perniciosos do excesso de população e do ar viciado.

Além d'estes, muitos outros factores contri­buem poderosamente para os brilhantes sucessos obtidos n'esta humanitária campanha contra a tu­berculose.

A lucta contra o alcoolismo, que tão elevadas proporções tem attingido nos povos do Norte, é realisada na Inglaterra de um modo pratico e ver­dadeiramente efficaz, pelas ligas anti-alcoolicas e sociedades de temperança.

Em 1896 existiam 7:000 casas de temperança, occupando 56:000 empregados e contando mais de 5.000:000 de filiados, não faliando das sociedades para a educação anti-alcoolica da infância, reunindo mais de 3.000:000 de creancas.

Accrescentemos ainda a situação previlegiada do operário inglez, particularmente favorecido sob o ponto de vista do salário, e pela legislação espe­cial regulando as industrias insalubres, a dura­ção do trabalho das mulheres e creanças, o re­pouso dominical, etc., e teremos tracejado muito largamente a somma de esforços empregados pela Inglaterra para proteger os seus habitantes

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e em especial as classes populares contra a doen­ça.

A Allemanha, assoberbada egualmente pela cifra elevadissima de vidas, que a tuberculose ia dizimando todos os annos, principalmente na sua população operaria, procurou obviar a este perigo crescente e continuo pela pratica de medidas que, embora distanciando-se bastante das da Inglaterra pela sua natureza, não deixam comtudo de ter um alto interesse, comquanto os resultados obtidos não correspondam ao prodigioso esforço emprega­do para as realisar.

E a rasão parece bastante clara. Emquanto a Inglaterra faz essencialmente pro-

phylaxia e accessoriamente therapeutica, a Alle­manha faz exactamente o inverso.

A Inglaterra procura luctar vantajosamente contra a tuberculose, levantando por todos os meios a resistência da sua raça, tentando extin­guir o mal e não attenual-o.

A Allemanha pretende tratar os seus doentes, multiplicando incessantemente o numero dos seus sanatórios, emquanto a Inglaterra procura não ter doentes para tratar.

Foi na Allemanha que germinou e fructificou a ideia dos sanatórios populares.

O extraordinário desenvolvimento que elles

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apresentam hoje deve-se principalmente ao esfor­ço e perseverança das classes operarias.

O operário allemão é protegido contra as vi­cissitudes da vida,—accidentes de trabalho, doen­ças de longa duração, velhice, etc.—, pelas insti­tuições de seguros obrigatórios, principalmente ; seguro contra os accidentes de trabalho, contra a doença, e seguro contra a invalidez e velhice.

Vejamos rapidamente o que elles são e que papel desempenham na lucta anti-tuberculosa.

A primeira das leis, instituindo,o seguro obri­gatório, data de 1884.

Segundo esta lei e modificações que successi-vamente lhe foram introduzidas, o seguro contra a doença é obrigatório para todos os operários in-dustriaes e empregados de qualquer cathegoria, cujo salário ou vencimento annual seja inferior a 2:000 marcos.

Em 1899, o numero dos indivíduos sujeitos pelo Estado ao seguro obrigatório contra a doença orçava por nove milhões.

A organisação do seguro é realisada pelas chamadas «caixas de doença», em numero eleva­díssimo em todo o império allemão e comprehen-dendo typos variados, entre os quaes se destacam, por mais numerosas e importantes, as «caixas de fabrica» e as «caixas profissionaes».

Os rendimentos d'estas caixas provêm das quo-tisações dos seus membros, ordinariamente operá­rios exercendo a mesma profissão, e das quotas-complementares com que contribuem os patrões.

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A quotisação do operário varia de i a 3 ft/0

do seu salário diário; o patrão por seu lado con­tribue com metade da somma paga pelo operário.

Os benefícios que aufere cada um dos asso­ciados são os cuidados medicos gratuitos, medi­camentos e apparelhos necessários para o seu tra­tamento.

Se a doença se prolonga, recebe a partir do terceiro dia, uma indemnisação, chamada de doen­ça, durante três semanas consecutivas. -

Se o operário morre, a familia tem direito a uma indemnisação funerária, que representa vinte vezes o salário diário medio.

O seguro contra a invalidez e velhice f©i ins­tituído em 1899.

E' obrigatório não só para os individuos sujei­tos ao seguro obrigatório contra a doença, mas ainda para os professores, serviçaes, operários tra­balhando no seu domicilio, patrões que occupam só um operário, etc.

A sua organisação diffère sensivelmente do seguro contra a doença, porque em vez de caixas possuindo uma autonomia quasi completa, encon­tramos aqui estabelecimentos funccionando sob a inspecção directa do Estado.

Estes estabelecimentos, em numero de 31 para todo o império, são dirigidos cada um, por um comité composto de delegados dos patrões e ope­rários e por um outro de que fazem parte delega­dos e funccionarios nomeados pelo Estado.

Todos estes estabelecimentos estão sob a vi-

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gilancia da «Repartição Imperial de Seguros», que é encarregada de fixar as taxas das quotisações, di­vidir o excesso das rendas de invalidez e velhi­ce, resolver em ultima instancia as différentes eventualidades, estabelecer estatísticas, etc.

Os associados estão divididos em cinco clas­ses, em relação com o seu salário annual e por­tanto com a quota parte com que contribuem.

As vantagens de que gosa cada um dos asso­ciados são em resumo as seguintes:

Quando um operário adoece, ficando impossi­bilitado de trabalhar, tem direito a uma renda de invalidez, cuja importância é estabelecida do se­guinte modo:

O Estado concede uma somma fixa de 50 marcos.

A esta quantia junta o estabelecimento de seguros uma somma fundamental, que varia entre 60 marcos (i.a classe) e 100 marcos (5.* classe), e uma somma proporcional ao numero e valor das quantias com que cada um contribue.

A renda assim constituída pôde variar entre x75 e 45° marcos por anno.

A ' renda de velhice, que é estabelecida quasi da mesma forma que a precedente, tem direito todo o associado que tenha completado 70 annos de idade.

Por esta descripção, necessariamente muito es-chematica, vemos nós que as condições materiaes de vida do operário allemão, lhe reservam um lo-gar á parte, entre as classes trabalhadoras.

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Vejamos agora como estas instituições de segu­ros favoreceram a lucta anti-tuberculosa.

Desde 1895, o Dr. Gebhardt, director da Liga Hanseatica, notou que a maior parte das rendas de invalidez eram concedidas a tuberculosos, e que estas rendas augmentavam incessantemente e de uma maneira inquietante, de anno para anno.

Tomando para exemplo um d'estes estabeleci­mentos, o de Berlim—Brandebourg, vê-se que o augmenta das rendas para tuberculosos seguiu a marcha seguinte:

9.74 */,. e m 1892 11 » » 1893 18,14 » » 1894 18,14 » • • » !895 24,8 » » 1896

Para obviar a este perigo crescente propõe o Dr. Gebhardt ás instituições de seguros a hospita-lisação dos tuberculosos operários, em sanatórios.

E para mostrar as vantagens que d'esta medi­da advinham não só para as caixas de seguros, mas também para a riqueza nacional, apresenta o se­guinte calculo :

Um operário tuberculoso que já não pôde tra­balhar, fica ordinariamente a cargo da caixa de

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invalidez, dois ou très annos, até morrer. Sendo a sua renda annual em media 235 marcos, custa­rá á caixa 470 a 700 marcos.

'Mas, se, desde o principio da sua tuberculose, o operário fosse internado em um sanatório d'onde sahiria ao fim de três mezes, para retomar o tra­balho, concorrendo a caixa para metade das des-pezas do tratamento (quatro marcos por dia), dis-penderia em 90 dias 180 marcos.

N'estas condições, 1:000 operários tuberculosos custar-lhe-iam 180:000 marcos, emquanto que hoje levam-lhe 400:000 a 700:000 marcos, em renda, durante dois ou três annos.

Um outro calculo, feito pela «Repartição impe­rial de saúde», demonstra com não menos evidencia a importância, sob o ponto de vista financeiro, do tratamento dos operários tuberculosos nos sana­tórios.

Este calculo, baseado egualmente sobre os re­sultados do tratamento hygieno-dietetico, suppõe que em 12:000 tuberculosos, tratados nos sanató­rios, 9:000 sahem ao fim de algum tempo suficien­temente melhorados para retomar o trabalho ainda durante três annos.

Se avaliarmos em 625 fr. o salário medio de «um operário allemão, é fácil ver que estes 9:000 tu­berculosos curados, que trabalharão ainda durante três annos, augmentarão a riqueza social do paiz em 625X9:000X3, ou seja 16.875:000 fr.

Deduzindo de esta cifra as despezas do trata­mento no sanatório e os juros dos capitães empre-

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gados, resta ainda um beneficio social de 8.725:000 francos (').

Foram estas considerações e omxas de egual natureza que levaram o Estado, auxiliado pelas ca­sas de seguros, á construcção dos sanatórios po­pulares. O seu numero é hoje elevadíssimo, pos­suindo camas para 50:000 tuberculosos.

Indicados os meios, passemos agora aos resul­tados.

Satisfazem os sanatórios aos fins para que fo­ram creados ?

A analyse das estatísticas, fornecidas pelos di­versos sanatórios mostra-nos claramente que não. Quasi todos dão, como proporção de curas, a cifra de 70 e 80 °/o.

A cura de que se trata, chama-se cura econó­mica e designa uma melhora tal que, sahindo do sanatório, o doente recupera a sua capacidade de trabalho.

Mas, para que o seu valor fosse real, seria ne­cessário que essa cura se mantivesse durante mui­tos annos.

Ora, de facto, não acontece assim. A estatística, relativa aos tuberculosos trata­

dos no Hospital Geral de Hamburgo, e que pode-ram ser acompanhados durante alguns annos após a sua sahida do sanatório, diz o seguinte :

Em 100 tuberculosos que abandonaram o hos­pital, economicamente curados, morreram :

(*) Eomme—La lutte sociale contre la tuberculose.

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22.5 °/o a o n m de i a 2 annos 44.8 » » » » 2 » 3 » 62,0 » » » » 3 » 4 » 71.9 » » » » 4 » 5 » 7 2 , 1 » » » » 5 » 6 » 76,8 » » » » 6 » 7 » 76.6 » » » » 7 » 8 »

Esta estatística, que dá 30 por cento de sobre­viventes ao fim de 3 annos, permitte avaliar muito approximadamente em 20 °/o ° rendimento do sa­natório relativamente ás curas de longa duração (1).

Não compensam, pois, os sanatórios, como thera-peutica, as enormes sommas empregadas com a sua construcção e dotação.

Como prophylaxia, o seu papel poderá ser mais apreciável, tornando-se o sanatório uma escola de educação anti-tuberculosa.

A França, levada pelos apparentes successos obtidos na Allemanha, pretendeu egualmente cons­truir sanatórios para tratar os seus tuberculosos pobres.

(') Revue Scientifique. Fcv. 1900. Routine.

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Depressa, porém, teve de recuar ante as enor­mes despezas a fazer, cuja importância, nem a be­neficência, nem a caridade publica, são capazes de fornecer.

Mas o perigo continua augmentando e é pre­ciso fazer alguma cousa.

Reunem-se congressos e os projectos surgem de todos os lados, uns irrealisaveis, outros de limi­tado alcance.

Todos os medicos, que procuram organisar a lucta contra a tuberculose, esbarram com duas dif-ficuldades: a difEcil curabilidade da tuberculose, quando não nos primeiros períodos, e o numero immenso (400 a 500:000) dos tuberculosos a tratar.

A Allemanha, parallelamente á construcção dos sanatórios, organisou nas grandes cidades po-lyclinicas para tuberculosos, nas quaes um pessoal medico escolhido dá os seus cuidados aos doen­tes que o vão consultar, durante todo o tempo da doença ou só durante o periodo que precede a sua entrada no sanatório.

Um comité, composto de pessoas beneficientes, occupa-se do doente no domicilio, dá conselhos á mulher, vela pela limpeza do aposento e indica as medidas prophylaticas necessárias.

Calmette (de Lille), ferido por estas conside­rações, apresenta então o seu projecto para a creação do Dispensário.

O papel dos dispensários consistiria: 1.° Em pôr-se em relação com todos os chefes

ou contramestres de fabricas ou officinas, e com

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todos os estabelecimentos que empregam operários protegidos pela lei de seguros contra accidentes.

2." Procurar, graças ás indicações fornecidas pelos chefes ou contramestres, os operários sus­peitos de tuberculose, attrahil-os ao dispensário para lhes dar, sempre que precisem, consultas gratuitas, conselhos á famalia, auxílios monetários ou outros, quando forem obrigados a suspender o trabalho.

3." O Dispensário de cada circumscripção fa­ria visitar frequentemente no domicilio os seus doentes, procurar-lhes-ia occupação ou trabalho em relação com o seu estado de saúde, faria desinfe­ctar os aposentos amiudadas vezes, forneceria es-carradores hygienicos, etc., etc.

A creação d'estes estabelecimentos de assis­tência estaria destinada, segundo o seu auctor, a' desempenhar um grande papel na lucta anti-tu-berculosa.

Além d'isto, a França promove ainda a crea­ção . de sanatórios populares, e sanatórios marí­timos para creanças.

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i£)a tuberculosa no teoria

Causas

Parecerá ocioso que depois da enumeração das causas de tuberculose, que precedentemente dei­xamos esboçada muito ao de leve, voltemos nova­mente a occupar-nos d'ellas em capitulo especial.

Na verdade, estas causas são aqui, na sua ge­neralidade, as mesmas que encontramos em qual­quer ponto do globo, a que nos reportemos ; po­rém, a diversidade do meio faz com que algumas d'ellas se salientem sobre as demais, podendo pois do seu estudo derivar algum ensinamento que nos permitia, a par d u m a interpretação mais perfeita do seu valor phtysiogenico, formular uma opinião mais segura sobre a efficacia dos meios de que maior proveito se pôde tirar para estabelecer uma prophylaxia séria, racional.

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5 o

Assente sobre um solo, na sua maior extensão granítico, a cidade do Porto possue seguramente uma das qualidades naturaes mais apreciáveis para a vida de um aglomerado social.

O granito é em muitos pontos bastante super­ficial, como ainda ultimamente se tem podido vêr, nos cortes de terrenos feitos para o estabeleci­mento das canalisações do novo systema de ex-gôtos.

A s camadas permeáveis de terrenos de allu-vião, que em grande parte o cobrem, são ma­gnificas condições para que as aguas que consti­tuem a toalha subterrânea se conservem n u m es­tado regular de pureza. D'estas boas condições beneficiariam os poços, que d'ella são uma de­pendência.

Infelizmente não succède assim. O solo não é já um filtro depurador, mas sim

uma fonte de continua polluição das suas aguas devido a uma infiltração continua de substancias orgânicas em decomposição.

A via publica, os esgotos muitíssimas vezes transformados em focos de putrefacção, os dejectos domésticos estagnados em fossas não impermea-bilisadas e onde entram em franca decomposição, são outras tantas causas de inquinação das aguas dos poços, na sua maioria inaproveitaveis, como o mostrou claramentente, nas suas analyses, o snr. prof. Ferreira da Silva; o mesmo se dá com grande parte das aguas das fontes, cujas canalisa-

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ções passam por vezes sob as fossas, que vão con­taminar.

As condições climatéricas da cidade, são tam­bém factores de alguma importância.

As variações bruscas de temperatura que se succedem com enorme frequência, a visinhança do rio e do mar, poderosos vaporisadores espa­lhando a cada momento sobre a cidade espessos nevoeiros, os ventos dominantes, quente e húmido de sudoeste, • frio e secco do norte, concorrem em certo grau para o desenvolvimento de affecções inflamatórias do aparelho respiratório, que fica as­sim collocado em condições de minina resistência, para o bacillo de Koch.

Mas, se estas circumstancias de ordem natural de algum modo influem para crear uma predispo­sição especial para a tuberculose, o que particu­larmente constitue o elemento etiológico primor­dial, é a precária situação das classes trabalha­doras, que, em especial, no Porto mais contribue para augmentar a cifra obituária.

Examinemos pois alguns dos factores d'esse producto que se chama «Miséria social» e vejamos que grau de importância revestem para a tubercu-lisação do operário portuense.

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ALCOOLISMO. — Não é este o seu peior inimi­go. Pôde dizer-se affoutamente, embora não ve­nham em nosso auxilio as cifras eloquentes da es­tatística, que o alcoolismo não existe no Porto.

Ha bêbados mas não alcoólicos. O vinho que das visinhas regiões, deriva abundantemente para a cidade é largamente consumido pelos seus ha­bitantes e não lhes é prejudicial pelo alcool que contém, antes pelo què não contém e que é sup-prido por uma série innumeravel de mixordias que os variados chimicos fornecedores lhe sabem accrescentar para maior beneficio dos seus clien­tes.

Durante três annos de frequência escolar do hospital de Santo Antonio, nunca tive occasião de observar algum caso de alcoolismo clássico, e relativamente pouco elevado era o numero das doenças em que o alcool desempenha um papel etiológico preponderante.

INSALUBRIDADE DA HABITAÇÃO E EXCESSO DE POPULAÇÃO. — Aqui, tocamos nós em uma das maiores chagas da cidade.

As casas e bairros insalubres abrangem uma grande parte da sua area predial devendo extremar-se pela sua maior densidade as freguezias da Sé, Victoria, Bomfim, S. Nicolau e parte baixa de Miragaya.

Entre os bairros insalubres avulta sobretudo o

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do Barredo, que em compactas pilhas de húmidos e escuros casinholos se estende do morro da Sé até á Ribeira.

O investigador curioso de coisas passadas, que alguma vez transpoz as barreiras d'esta cidade de porcaria, poderá facilmente encontrar ahi em toda a sua pujança um vivo modelo de burgo me­dieval.

Em infectas e tortuosas ruellas, que em certos pontos não recebem um único raio de sol, abrem-se longos e escuros corredores, ao fundo dos quaes as escadas, escorregadias e estreitas, co­bertas de detrictos de toda a natureza, escassa­mente illuminadas por pequenas jãnellas que se abrem sobre saguões ainda mais acanhados e sombrios, dão ingresso até 3 6 4 andares.

De todos estes prédios exhala-se um fedor in-supportavel, consequência de fermentações de lon­gos annos.

Nos dias chuvosos principalmente, quando uma humidade pegajosa e suja envolve todos es­tes antros de miséria, pôde avaliar-se dolorosa­mente as miseráveis condições em que vive toda esta.gente.

Para completar o quadro, a rapacidade dos proprietários, multiplicou os alojamentos onde se albergam familias de cinco ou seis pessoas, vi­vendo e estiolando-se em nichos de alguns me­tros cúbicos.

E é n'estes quartos que ordinariamente se faz tudo: cosinha-se, come-se, dorme-se, etc. As latri-

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nas que estas casas possuem, muitas vezes inte­riores, são horríveis de ver e descrever.

E ' ahi também que os nossos tuberculosos tossem, escarram, emagrecem e morrem, cercados pelos seus, que ignorantes dos mais elementares preceitos hygienicos, se tornam preciosos instru­mentos de contagio. Ahi as moscas e variados pa­rasitas, attrahidos por toda a casta de imundícies, accorrem de todos os lados, transportando comsi-go e semeando por toda a parte o bacillo de Koch, que pollula sobre estes excellentes meios de cul­tura.

São frequentes os grupos de habitações n'es­tas condições, mesmo nos pontos mais centraes da cidade.

Deixando este, encontramos na cidade um ou­tro género de habitação collectiva, a «Ilha», que deixa tudo a desejar sob o ponto de vista da salubridade.

A propósito d'ella diz o illustre prof. Ricardo Jorge:

«Esta creação caseira do proprietário indíge­na prosperou e multiplicou: não melhorou por certo de construcção nem de aluguer, mas peorou na accumulação, porque as ha que albergam dezenas de famílias.

São renques de cubículos, ás vezes sobrepos­tos em andar, enfiados em coxia de travesso.

Este âmbito onde se apinham camadas de gente, é por via de regra um antro de imundície; e as casinhas em certas 'ilhas, dessoalhadas e mi-

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seraveis, pouco acima estão da toca lobrega d'um troglodita. Existem vários espécimes, dissemina­dos por toda a cidade, mais frequentes no Carva-lhido, Paraiso, Fontinha, S. Victor, Antas, Monte-bello, Fontainhas, etc.

São o coito das classes operarias e indigentes que, mercê d'um aluguer usurário, pagam o seu direito de residência a preço mais subido do que as classes remediadas.» (')

Ainda no mesmo tom, falia o Snr. Dr. Aran­tes Pereira, no seu relatório clinico, do dispensário anti-tuberculoso, de 1900.

«As casas são baixas e a vida dos seus mora­dores, quasi sempre operários, obriga-os a terem fechadas durante o dia as tristes mansardas onde pouco a pouco a humidade, de sociedade com o

fartum humano, vai elaborando um cheiro nausea­bundo especial, que estonteia todos os que o aspi­ram pela primeira vez.

,«As fossas não mereceram cuidado na sua construcção e por isso frequente é darem-se infil­trações enormes tornando viciadíssimo o ar das casas que lhes estão próximas».

A estatistica colhida antes de 99, como subsi­dio para o problema do saneamento, dava a cifra de 1:048 ilhas com [1:129 casas.

(!) Prof. Ricardo Joiige.—Demographia e hygiene da ci­dade do Porto.

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Este numero deve naturalmente subsistir ainda hoje, se não tiver augmentando, attendendo á par­ticularidade que tem o portuense de conservar e ampliar o que possue de mau.

Corresponde a estatistica á area dentro do pe­rímetro da Companhia das Aguas, excluindo Foz, Campanhã, e parte de Lordello, e a uma popula­ção que pôde calcular-se em 120:000 almas. Vê-se que quasi metade da gente do Porto mora e aca-ma-se nas ilhas gerando uma accumulação insalu-berrima.

Para completar este breve estudo da influencia da habitação insalubre e agglomeração excessiva na génese da tuberculose do operário portuense, influencia que reputo de capital importância, seria util conhecer a densidade das diversas zonas, mais povoadas por operários.

Empreguei esforços n'este sentido, mas debal­de, porque nas estações officiaes onde alguns ele­mentos poderia colher nada se sabe a tal respeito.

A titulo de curiosidade apenas, apresento as cifras seguintes, resultado de um inquérito aberto pela direcção do «Comité Central de Académicos e Operários» sobre o analphabetismo e condições económicas do operariado e sua repartição numé­rica, pelas freguezias e bairros mais populosos.

Campanhã, rua e travessa das Eirinhas com as immediações, comporta uma população de cerca de 6:000 operários, na maior parte analphabetos, bem como seus filhos.

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Fontainhas, Corticeira e immediações, 4:000 operários em idênticas condições de ignorância e miséria.

Fontinha, Bomjardim (alto) e Costa Cabral com as suas numerosas ilhas, cerca de 4:000.

Sé e Barredo, 3:000. Miragaya, na parte baixa, 2:000. Massarellos, na parte baixa, 1:000. Arrábida e Lordello, mais de 5:000. Campo Alegre, Bom Successo e Campo Pe­

queno, cerca de 5:000. Cova do Monte e Ramalde, 3:000. Um total de 37:000 operários, bem que esta ci­

fra esteja ainda muito abaixo da verdade, que com suas familias por vezes numerosas, vivem em mi­seráveis condições.

Mais adiante veremos como a tuberculose campeia por estes arraiaes da miséria colhendo innumeras vidas.

I N S U F F I C I E N C Y D E S A L Á R I O . C O N D I Ç Õ E S

ANTI-HYGIENICAS DE TRABALHO.—Na impossibili­dade de estendermos o nosso breve estudo a todas as classes trabalhadoras da cidade, limitar-nos-hemos a considerar uma das mais importantes e numerosas e que mais digna de nota se torna, pela sua miserável situação, tantas vezes publica­mente patenteada. Refiro-me á classe dos fiandei­ros e tecelões.

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A industria de fiação e tecelagem n'esta ci­dade, quer na fabrica de producçâo intensiva, quer no pequeno atelier e ainda na sua forma domes­tica, pelo grande numero de braços que emprega, e pelas condições em que se exerce, servir-nos-ha de typo para o breve estudo e conclusões que te­mos em vista. Desde já devemos annotar a difficul-dade de colligir dados globaes, estatísticas com­pletas sobre este-ramo de trabalho.

Não existem em publicações officiaes, nem nas respectivas associações de classe, nem se encon­tram em publicações adequadas.

Relevem-se pois as deficiências. A industria de tecelagem no Porto, para mais

facilmente se poder estudar, deve dividir-se em três grupos a cada um dos quaes correspondem differenças ou nas condições de hygiene em que se effectuam as tarefas, ou nas cathegorias dos salários.

i.° grupo—As grandes fabricas movidas a va­por : Asneiros, Marinhos, Graham, Companhia Fa­bril de Salgueiros, Companhia Fiação e Tecidos do Porto, Companhia Fiação Portuense, Bahia.

2.° grupo — Pequenas fabricas, cuja resenha seria fastidiosa e sem importância, localisadas na sua quasi totalidade na freguezia do Bomfim.

3.0 grupo — Tecelagem manual exercendo-se: a) em ateliers ; b) nos domicílios.

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A totalidade dos operários occupados é de dif­

ficil estima, apontando nós, apoz informes de com­

petentes, a cifra de 25 a 30:000. Torna­se o calculo bastante dificultoso porque a classe d'operarios que classificamos na sub­divisão b) do 3.0 grupo, tem soffrido varias reducções de pessoal habitando na área da cidade, mercê de repetidas, crises, principalmente desde 1900 para cá.

Em compensação dia a dia se estende para os povoados circumjacentes da cidade, onde ella é praticada, não como industria de que um casal ou familia possa viver, mas como industria subsi­

diaria. Vejamos agora os salários usuaes nos três gru­

pos e as condições hygienicas em que o operário vive nas fabricas.

Na fiação e tecelagem mecânicas (i.° e 2.0 gru­

pos) os salários acham­se como que unificados. São eguaes no grosso dos artefactos, divergindo apenas na obra designada commummente «de cai­

xão » executada com os teares de quatro lança­

deiras, obra essa que é paga differentemente em cada fabrica e para cada tipo de tecido.

Mas o numero de operários que se occupam n'esse género é diminutíssimo.

Tanto na fiação como na tecelagem predomina ■ a mulher, desde a idade de 16 annos. Cada vez se accentua mais a preponderância d'ella, preferida por se contentar com uma jorna mais baixa e não se levantar a miúdo em reivindicações de caracter social. Apenas os serviços de batedores e cardas são

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exclusivos dos homens por exigirem notável força braçal, e também aos mesmos pertencem os servi­ços chamados de acabamento, como a tinturaria, a engommagem e a 'calandragem. N'estes diversos la­bores podemos calcular que a percentagem d'ho-mens seja de 12 a 18 °/0.

A s mulheres que trabalham na fiação (lamina-doras e bancos) obtêm um salário que vai desde 240 a 300 réis diários. Os homens dos batedores e cardas, de 300 a 340 réis. Além d'estes, para auxiliar o serviço, empregam-se muitas creanças desde 12 (edade legal) aos 15 annos.

Os salários d'estes vão desde 60 a 100 réis de jornal diário.

No ramo de tecelagem as ferias semanaes os-cillam entre 1&500 a 2$6oo réis. A differença de­pende da pericia da operaria que trabalha com um, dois, ou três teares. O mais corrente, o que constitue o grosso dos salários, é a feria de 1:800 a 2$ooo réis, o que dá um ganho de 300 a 333 réis por dia de trabalho.

Mas se entrarmos em linha de conta que o tra­balhador labora 6 dias e que a semana tem sete, e por sete dividirmos a feria semanal, todos esses números nos apparecem diminuidos, havendo por conseguinte o respectivo desfalque na ração ali­mentícia.

E assim nos resulta a jorna de 240 réis redu­zida a 205; a de 300 a 257 ; a de 333 a 285 réis !

São estas as médias dos salários nos dois pri­meiros grupos, mas as condições hygienicas em

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que se réalisa o trabalho peoram no z.° grupo. Nenhuma das fabricas do Porto foi construida sob o ponto de vista da hygiene industrial. Em todas ellas as poeiras toldam o ar e apesar dos edifícios do i.° grupo terem grandes salões de fiação ou te­celagem, a ventilação ou é insufficiente, ou se acha combinada por maneira que se não lava o ambien­te. No 2° grupo, salas, ventilação e asseio, é tudo parco e geralmente porco.

De resto, nem a nossa acanhada legislação sa­nitaria industrial, nem as leis de protecção a mu­lheres e menores são cumpridas.

A duração do trabalho nos dois grupos é de 11 horas por dia.

Passemos á tecelagem manual que subdividi­mos em dous ramos.

a) a que se exerce nos ateliers; b) a que se exerce nos domicílios. Importa que comecemos pela segunda, a mais

numerosa e a mais miserável. Em todos os bairros ou ruas excêntricas, como S. Roque, Campanhã, Antas, Lordello, Eirinhas, Monte Pedral, Carva-lhido, etc.; nos cubículos sem ar nem luz das ilhas, se vê o tecelão 12 ou 15 horas por dia deitado ao trabalho. A maioria das vivendas são tão acanha­das e tanta a miséria, que o tecelão dorme por baixo do tear. Rara mulher se emprega n'esta faina.

Ao cabo d'uma semana o operário tira a feria de 600 a 800 réis, tendo ainda de pagar á sua

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custa, canellas, gomma para preparo da peça e carqueja para seccar a mesma!

Quatro ou cinco mil d'estes famintos, que as­sim obteem uma diária de 8o a 11 o reis, se con­tam ainda dentro da cidade.

Nos ateliers manuaes, ou se trabalha no mesmo typo de artefacco inferior que o tecelão isolado produz, e o salário é idêntico, soffrendo raramente uma pequena elevação, ou se dedicam a typos de artefacto qualificado, empregando-se o tear de qua­tro lançadeiras, e n'esse caso os salários sobem desde 400 a 700 réis por dia.

Comtudo as casas que no Porto se consagram somente a obra d'esse género são apenas 4 ou 5 e não exploram em grande escala.

Quanto ás condições hygienicas, dos primei­ros já dissemos o sufficiente quando nos referimos á insalubridade da habitação; dos segundos, são quasi na totalidade installações velhíssimas em que a luz se poupava, e o ar se julgava prejudi­cial, quando em quantidade.

Estas más condições de hygiene notam-se tam­bém na quasi totalidade das ofncinas ou ateliers espalhados pela cidade, onde o acanhado do âmbi­to, o ar confinado e uma excessiva agglomeração de artifices, contribue para o depauperamento con­tinuo d'essas classes.

Figuram em primeira linha, como adiante ve­remos, os alfaiates, costureiras e sapateiros.

* *

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M I S É R I A A L I M E N T A R . — A analyse summaria que vimos fazendo das condições de vida do nos­so operário, leva-nos forçosamente a fazer algu­mas considerações, embora d u m a maneira muito geral, sobre o que é a sua alimentação, quer como quantidade quer como qualidade.

O operário come pouco; e come pouco, porque a exiguidade do seu salário não lhe permitte co­mer o sufficiente. Mas ha mais ainda. O operário também come mal, porque os géneros alimentares que é obrigado a consumir, são por via de regra da peior qualidade.

E ' isto, sem duvida, uma banalidade milhares de vezes repetida, mas nem por isso deixa de ser uma verdade bem pungente.

A ninguém resta duvida de que o operário se não alimenta de molde a sustentar p árduo traba­lho que lhe é exigido. Todos conhecem de sobejo em que consiste essencialmente a sua alimentação quotidiana.

O pão entra n'ella por uma parte maxima. O resto é constituído quasi exclusivamente pelo que elle chama «mistura», metade arroz, metade feijão. A alimentação azotada é-lhe, por assim dizer, ve­dada.

Como compensar, pois, as perdas incessantes produzidas por 10 ou 12 horas de um trabalho sem tréguas ?

Em um estudo sobre o pão que se consome no Porto, que um antigo condiscípulo meu está ela­borando para complemento dos seus trabalhos es-

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colares, vi eu que a média da percentagem de hu­midade apresentada pelas amostras da boroa (o pão do operário) por elle analysadas é de 50 %. Isto é, metade do alimento que toda a gente sup-põe dar força, é . . . agua, que o operário paga bem generosamente.

Consumindo um kilo d'esté pão diariamente e suppondo assim introduzir no seu estômago um bom alimento, o desgraçado ingere 500 grammas de agua, que juntas ao farello, cellulose e outras substancias não assimiláveis, diminuem em muito mais de metade o valor nutritivo do seu principal alimento. E isto quando o pão é feito com farinha!

Que dizer então d'esse caldo sem adubo, d'esse insipido cosi mento de couves que com o pedaço de boroa constitue o almoço da maior parte dos operários e também a maior parte do jantar?

Que percentagem de materiaes nutritivos te­rão essas odiosas tigelladas?

Seria interessante e concludente sabel-o, mas não é preciso ter uma grande imaginação para bem se poder calcular a sua aterradora mesqui­nhez.

Mas a fraude não se limita só ao pão. Todos os dias os géneros de largo consumo, taes como, leite, vinhos, azeites, etc., são fornecidos ao consu­midor em condições impróprias para a alimenta­ção, como bem o demonstram as analyses quoti­dianamente feitas nos laboratórios d'esta cidade.

Para o leite, por exemplo, a percentagem das adulterações é de 80 %.

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Como conseguir, pois, que n'estas deploráveis condições, o operário possa reparar as forças dis­pendidas no trabalho e ainda em cima adquirir a resistência precisa para luctar contra o agente da doença profusamente espalhada pelas suas mise­ráveis habitações?

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Effeitos

Os resultados d'esté conjuncto de morbificas influencias seriam bem fáceis de presumir, sem que para isso tivéssemos de nos soccorrer de alga­rismos, que nos dessem a medida da extensão d'essa prodigiosa colheita que a tuberculose faz annualmente na população portuense.

O costume, porém, de illustrar numericamente assumptos d'esta natureza é hoje seguido por to­dos os que pretendem basear as suas considera­ções e conclusões que, por ventura, d'ahi possam derivar, sobre elementos de indiscutível valor.

E na realidade, nenhum processo mais com-modo se poderia encontrar, do que inserir a miúdo no decurso d'esses trabalhos, cifras, quadros, gra-phicos e outras miudesas, que se agrupam sob a designação simples e rápida de «Estatística » e que, dispensando-nos a leitura das, por vezes en­fadonhas, paginas que as acompanham, em pou­cos instantes nos poriam a par das intenções do seu author.

Este era também o nosso intuito, como o indi-

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cam as breves palavras que abrem a nossa dis­sertação, convencidos de que seria isso fácil tarefa e de alguma importância para regular desenvol­vimento do thema escolhido.

Depressa nos convencemos da dificuldade de realisar o nosso desideratum, em face da exiguida­de dos materiaes que pudemos haver á mão.

Os resultados a que chegamos serão pois ne­cessariamente falseados.

Para os obter tivemos de nos servir dos docu­mentos emanados das repartições, a cargo das quaes está o registo numérico das coisas de saúde e hygiene publicas, cuja organisação e boa ordem enfermam do mesmo mal que todos os restantes serviços de administração publica, como é do co­nhecimento de todos.

Assim, apenas poderemos annotar muito gros­seiramente os effeitos da acção devastadora da tuberculose no Porto, peccando certamente por omissão, mas nunca por excesso.

Os-dados estatísticos que apresentamos foram na sua quasi totalidade colhidos nos « Boletins mensaes de Estatistica Sanitaria » publicados pela «Repartição Municipal de Saúde e Hygiene da cidade do Porto ».

As deficiências e causas d'erro com que de­frontamos a cada passo são bastante numerosas, como facilmente poderá avaliar aquelle que al­guma vez tiver necessidade de os compulsar.

São sobretudo dignos de nota : a falta de uni­formidade da nomenclatura nosographica, o que

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torna impossível a organisação d u m a classifica­

ção regular. Para este facto chamou o snr. Prof. Ricardo

Jorge a attenção dos medicos da cidade, logo apoz a publicação do primeiro boletim, mas pas­

sados bastantes annos ainda as suas palavras não tinham encontrado echo condigno da sua importân­

cia. ■ Ainda para registar, as faltas que provêm

d'uma lamentável indulgência d'alguns membros do corpo medico da cidade, que deviam guardar um pouco mais de decoro no cumprimento dos deveres' da sua profissão (1).

Terminando estas breves, mas justas, conside­

rações que nos suggeriu o serviço da estatistica sanitaria do Porto, vejamos como as cifras, apesar da pouquissima confiança que nos inspiram, vão ainda assim confirmar a opinião —­ já sufficiente­

mente fortalecida pelos resultados apurados no decorrer do precedente estudo sobre a etiolo­

(') A propósito contou­nos ha dias um nosso amigo, co­

nhecedor dos hábitos e costumes do operário portuense, o se­

guinte: O operário muitas vezes para se furtar âs consequên­

cias d'uma desinfecção, pede ao medico da sua associação de soccorros—no que é geralmente attendido — para mencionar na respectiva papeleta uma causa différente da que causou a morte, no caso de doença infectuosa.

E apontou­nos em uma ilha visinha da sua habitação, uma casita em que tinham morrido successivamente tubercu­

losos, três membros da família, sem que uma só vez lá tives­

se entrado o serviço de desinfecção. Simplesmente lastimável !

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gia — , de que é o bacillo de Koch o mais pos-** santé destruidor das forças vitaes da cidade.

M O R T A L I D A D E . —A s múltiplas influencias mor­tíferas, já apontadas, deviam reservar ao Porto um • logar destacado entre as cidades europeias, que mais desoladoramente se notabilisam pela sua elevadíssima cifra obituária.

E na verdade assim é. Se confrontarmos a sua mortalidade geral com a d'aquellas que em tal sentido se lhe possam equiparar, em três somen­te encontramos uma taxa obituária superior á sua: Bucharest, (31,2 °/00) Rouen (32,1) e Moscow (35,8)-

Entre aquellas cuja população é proximamente egual á sua, encontramos uma taxa na generali­dade inferior, como se vê do seguinte quadro:

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Q U A D R O II

CidaõVs

Portsmouth Brighton . Norwich . Haya . . . Havre . . . Rouen . . . Nuremberg Altona . . Stuttgart . Bremen . . Dantzig Liege . . . Gand . . . Trieste . . Christiania Venêsa . . Bolonha . . Lisboa. . . Porto . . .

População em

18!>7

Taxa obituária

média 1890 1897

182,585 17.3 121,401 I5.0 IIO:I54 18,9 191:529 18,9 I IO:470 29,9 112:657 32,1 168:654 22,7 X50:747 20,7 146:661 l8,6 145:385 18,3 i27;27i 24.7 165:404 17,8 159:218. 23.0 162:603 29,0 192:141 18,9 163:254 23.3 149:898 23.4 336:608 27.7 148:458 30,6 (•)

Todas as doenças concorrem com a sua quo­ta parte para este certamen demolidor e algumas em grande escala.

As doenças do apparelho digestivo cuja taxa média é de 524,18 com a maxima 1068, em 1897,

(*) Ricardo Jorge—Demographia e hygiene da cidade do Porto.

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e a minima 208,8 em 1900, estando a sua maxima em relação com os mezes mais quentes do anno (julho, agosto e setembro), para o que contribue a excessiva mortalidade das creanças até aos 5 an-nos, que pagam o maior tributo a estas doenças.

Apoz estas, vêm as doenças do apparelho res­piratório, que dão a taxa média de 431,19 por °%oo> apresentando máximas em correspondência com os mezes frios e húmidos do anno.

Figuram ainda com cifras bastante elevadas as doenças do apparelho respiratório, as affecções do apparelho circulatório, as doenças epidemicas, etc.

Se encararmos especialmente a mortalidade por tuberculose, ainda a supremacia mortifera do Porto se torna evidente.

MORTALIDADE P O R TUBERCULOSE.—O período de 95-901, sobre que incidiu especialmente o nosso estudo, accusa a taxa média annual de 487,4 00/oòo

habitantes, com o máximo de 524,4 em 1899 e o minimo de 436,8 em 1899, como se deduz do qua­dro III.

Acham-se comprehendidas n'este quadro todas as multíplices manifestações do bacillo de Koch, comprehendendo a tuberculose pulmonar, que para o mesmo periodo apresenta a taxa média annual de 339,2 00/000 habitantes. (Quadro IV)

Cotejando estas cifras com as de algumas das cidades estrangeiras mais tuberculigeneas, vemos ainda manter-se a nossa superioridade:

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-r-

Assim, Paris, que é uma das cidades da Euro­pa que maior tributo pagam á tuberculose, pro­duz annualmente 39 óbitos por tuberculose, por 10:000 habitantes.

Depois d'esta, por exemplo, temos Berlim com 23 °/o0, Athenas com 30 °/00, Londres 18 °/00, etc.

A inspecção dos quadros III e IV mostra-nos ainda que, ao contrario do que succède em alguns dos outros paizes, a tuberculose entre nós teima em manter-se proximamente á mesma altura (*) como que querendo mostrar claramente a ineffica-cia dos meios empregados para a combater.

M O R T A L I D A D E P O R FREGUEZIAS.—Ainda aqui a estatistica não nos abandona, vindo mostrar com certo relevo as influencias atraz assignala-

f1) E se estas palavras podem merecer contestação, por­que os números apontados se referem a um período em que nada ainda havia feito em materia de prophylaxia, appella-mos então para os que seguem o inicio do movimento anti-tuberculoso entre nós e chegaremos á mesma conclusão:

Mortalidade por tuberculose pulmonar

1902- 1903 "Ï904 367/7 35Õ~Õ 3tí5,l

Taxas obituárias por °"/0oo habitantes, segundo os dados fornecidos pelas «Tabeliãs preliminares do movimento phy-siologico da população do reino de Portugal» publicada pela Inspecção Geral dos Serviços Sanitários.

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QUADRO 111

Quadro da mortalidade geral por tuberculose no Porto de 1893 a 1901— Média mensal e annual— Dizima obituária por 100.000 habitantes

Dizima obituária Maio Junho Julho Aguslo Set. Out. Nov. Dez Total p o r

67 4 9 5 6

100:000 hab .

72 55 67 4 9 62 5 6 6 8 69 7 5 3 489,3 77 53 6 9 72 54 73 5 6 55 8 4 0 512,9 76 6 3 69 82 72 6 8 53 71 8 0 9 482,9 62 56 5 3 71 63 6 3 51 57 749 436,8 69 76 8 9 77 80 8 0 6 0 75 . 860 524,4 5 8 73 6 5 77 63 6 0 71 37 8 0 4 483,2 67 61 67 7 4 73 81 72 75 8 1 5 482,7

68,7 62,4 63,4 7 3 , i 66,7 68,7 6 i ,5 62,7 804,2 Média annual

Dizima obituária media por 100:000 habitantes 487,4

I

Jan. Ft-V. Março Abril

5 6 6 l 72 66 70 85 88 8 8 68 59 75 5 3 72 71 6 8 62 65 3 8 82 69 6 8 61 78 5 8 75 4 9 68

75,8

67

67,5 60,5

68

75,8 67,5

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i 8 9 5 . 1896 1897 i f i í 1 goo 1901

Ânn os

Média mensal.

QUADRO I V

Mortalidade por tuberculose pulmonar

Jan.

43 54 47 42 44 58 64

50,2

Fev.

35. 53 40 41 29 48 38

42,0

Março

46 65 49 49 66 57 56

55,4

Abril Maio Junho Julho Agosto

42 53 35 4 8 4 4 52 52 31 36 3 8 36 51 3 5 47 47 42 45 3 8 • 3V 4 0

49 5° 57 58 58 61 47 61 57 52 39 4 5 48

43,5

49

46,5

56

45-2 49,0

48

43,5

49

46,5 47-8

Set,

40 29 47 40 5° 41 42

41,2

Taxa obituária média por 0%00 habitantes— 339,2

Out.

39 5 1

50 33 58 39 62

Nov.

54 36 33 37 46 51 53

44,2

Dez.

44 40 49 47 60 31 62

47-5

Total Taxa obituária

por 100:000 hab.

Out.

39 5 1

50 33 58 39 62

Nov.

54 36 33 37 46 51 53

44,2

Dez.

44 40 49 47 60 31 62

47-5

523 536 531 485 625 603 614

339,8 . 327,9 317,7 282,8 381,1 362,0 363,6

Média annual 47,5

Nov.

54 36 33 37 46 51 53

44,2

Dez.

44 40 49 47 60 31 62

47-5 559-5

339,8 . 327,9 317,7 282,8 381,1 362,0 363,6

Média annual

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i895 I8Q6 1897 1898 1899 1900 1901

Annos

T a x a obi tuár ia médi /ooo h a b .

por

.51 A3 48 43 77 80 73

QUADRO V

Óbitos por tuberculose classificados por freguesias

0

a

| 2 S M <H O S

■*î 0 «J m

í 5

2

60 63 55 94 82 76

89

83 1 2 1 104 118

s * o

­ / 16 29 26 50 43 41

420,6 | 325,8 402,4 ! 292,6

36 3 2 56 36 48 56 5 4 .

353-4

79 70 66 71

126 95

11 o

334>5

i 9 28 26 2 1 30 40 29

287,8

18 16 15 17

27 2 1

2 1

15 15 9

16 24 25

346,0 : 262,5

19 28 25

2 1

2r, i-9 12

14 13 14 18

29 21 16 33 21 17 3 1 l 8 ' 2 1

559.8 3 3 !. 5 |

2 97,8 j

15 25 14 38 28

4 1

4 7

412,3 192,4

gilde e Aldoaï™' _ E m 1 8 9 6 f01 'am a n n e 3 r a s á c i d a d e a s * W Í » de Ramalde e Villarinha, coinprehendeido­se debaixo d'esté nome, as freguezias de Nevo­

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das, da habitação insalubre, da agglomeração ex­cessiva, da falta de ar e de luz, das causas de toda a ordem que debilitam e levam á tuberculose.

As freguezias que apresentam cifras mais ele­vadas são: Sé, Bomfim, Ramalde, Massarellos, Pa­ranhos. (Quadro V).

E', como se vê claramente, nas freguezias onde a salubridade deixa tudo a desejar, onde abundam os bairros e habitações insalubres, povoados por milhares de miseráveis operários e indigentes, que a tuberculose faz maiores estragos.

MORTALIDADE P O R PROFISSÕES. — As cifras apuradas dizem respeito só ao anno de igoi , em que apparece pela primeira vez especificada, nos Boletins de Estatística, a mortalidade por tubercu­lose segundo as profissões. D'ellas destacamos as que fornecem maior numero de óbitos e que são :

Alfaiates. 1,7 °/0

Costureiras 3,6 » Criadas de servir 3,2 » Donas de casa 1,8 » Empregados commerçiaes 2,5 » Jornaleiros 3 > | Sapateiros 2,5 > Trabalhadores diversos 2 » Tecelões .• 2,2 »

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Aqui a quebra deve ser muito grande, sobre­tudo para a classe dos tecelões, a mais miserável de todas, mas também a que mais se furta á com-municação official da verdadeira causa de morte, pelo processo que atraz referimos.

Figuram entre os da quota mais elevada as clas­ses dos alfaiates, costureiras, sapateiros e creadas de servir, e para isto contribuem evidentemente a falta de hygiene que se observa em todos os ateliers e officinas espalhadas pela cidade, e a po­sição que são obrigados a manter durante o tra­balho e que compromette em certa medida o bom funccionamento do apparelho respiratório.

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Meios prophylaticos

A lucta contra a tuberculose entre nós, tem-se limitado quasi exclusivamente a medidas de or­dem medica. Curar os nossos tuberculosos actuaes, tal tem sido, por assim dizer, o fim para que con­vergem todos os esforços e todas as iniciativas.

Foi esta a primeira phase do movimento ini­ciado por différentes nações e que representa o periodo da infância da lucta anti-tuberculosa, do qual ainda não conseguimos adiantar um passo, embora esteja bem demonstrada a inefficacia do remédio.

Se é verdade que é importante attender á tu­berculose actual, procurando por todos os meios minorar o soffrimento dos doentes e prolongar-lhes a existência ameaçada, cercando-os de atten-ções e cuidados, muitíssimo mais importante é ainda, pôr em acção todos os recursos que possam limitar no futuro a tuberculose ou mesmo extin-guil-a.

Procurar luctar contra a tuberculose tendo em vista unicamente o dia de hoje, deixando em toda

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a sua actividade todas as causas que contribuem para a generalisação da doença, preparando ao bacillo um terreno precioso, por este continuo de-pauperamento das populações, é gastar tempo e dinheiro inutilmente, porque os resultados serão de insignificante valor.

Todas as obras—sanatórios, asylos, hospitaes, dispensários, etc.—que se propõem fazer thera-peutica, desempenharão pois um papel secundá­rio como elementos de combate e para outro lado devemos dirigir a nossa actividade se qui-zermos fazer uma prophylaxia util e racional.

O problema está claramente estabelecido e a sua solução parece-nos também nitidamente indi­cada.

São essencialmente de ordem social os facto­res de tuberculose; da mesma natureza deverão ser egualmente os meios a oppôr-lhe e especial­mente adequados ao meio considerado.

Quaes deverão elles ser para o caso que, par­ticularmente, nos occupa ?

No Porto é a tuberculose, como acabamos de ver, a consequência immediata d'estes variados agentes :

Insalubridade do solo e da habitação; excesso de população; miséria económica do operário.

O primeiro passo deve ser dado portanto, para o saneamento das casas de operários e bairros in­salubres. O saneamento das casas e cidades é o

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melhor processo de ( prophylaxia. E ' também o melhor dos tratamentos.

Transportemos um tuberculoso d u m bairro populoso e immundo, com ruas estreitas e tortuo­sas e casas sem quintaes ou jardins, para um outro pouco povoado, de ruas largas e habitações hy-gienicas, onde o ar e a luz entram abundante­mente e vel-o-hemos renascer, só por effeito da mudança.

E' por aqui que devemos começar se quizer-mos exterminar todas as doenças infecciosas, so­bretudo a tuberculose.

Os resultados obtidos n'este campo são sur-prehendentes e bastante persuasivos, como já vi­mos quando nos referimos á lucta anti-tuberculosa em Inglaterra e mostram bem que proveito pôde o tuberculoso tirar do saneamento.

O problema do saneamento mereceu já a atten-ção da municipalidade portuense, que iniciou uma obra da maior importância, e vem a ser o sanea­mento do sub-sólo, que pelas suas condições cons-

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tituia uma das principaes causas da forte insalu­bridade da cidade (').

Nada porém se fez ainda para o saneamento da habitação e bairros insalubres.

Tem-se aberto ultimamente, é verdade, novas ruas bordadas de edifícios de agradável aspecto, aformosearam-se alguns bairros na parte mais cen­tral e movimentada da cidade, mas nada d'isto veio modificar um átomo sequer, as condições misera-

0 péssimo estado da suá rede de canalisações sem sys-tematisação nem eonstruceão apropriada, na sua maior parte desmantelladas, contribuindo para produzir uma forte inqui-nação do sub-sólo que, aparte algumas zonas em que esta cifra se eleva, attinge uma profundidade de 2,m50; o systema de fossas fixas condemnavel em absoluto, concorrendo de egual modo para a conspurcaçâo do solo pela estagnação dos deje­ctos em plena putrefacção, e consequentemente para a polui­ção das aguas alimentares, tornaram de inadiável necessidade dotar o agglomerado portuense com um regular systema de esgotos.

Assim o resolveu a Camará Municipal do Porto, e uma nova rede de canalisações em via de construcçâo, estará ter­minada dentro de poucos asnos..

Não nos deteremos nem na descripção do plano adoptado, nem na critica dos seus resultados prováveis, agourando-lhe comtudo um futuro difficil, attendendo ás deficiências que to­dos têm notado na execução do plano, e ao insufliciente abas­tecimento de aguas da cidade, que irá prejudicar sem duvida o seu regular funccionamento.

Naturalmente ainda durante longos annos, a pipa da meia-noite, continuará espalhando por essas ruas os seus ca­pitosos perfumes, para maior delicia do portuense retarda­tário.

*

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veis em que vivem milhares de creaturas, nos bair­

ros e habitações absolutamente condemnados pela hygiene.

Como deverá fazer­se o saneamento? Não nos compete a nós, como medicos, traçar o plano para o realisar. Será isto uma preciosa tarefa para os politicos, economistas e architectes, que não só da­

rão assim um grande passo em beneficio da saúde publica em geral, mas contribuirão também pode­

rosamente para a solução do problema da lucta anti­tuberculosa.

Devemos entretanto observar que, seja qual for o plano adoptado, será preciso attender á qua­

lidade e condições dos seus actuaes habitantes, que o deverão ser também no futuro.

A hygiene da alimentação, quasi esquecida até hoje, deve egualmente merecer­nos cuidados espe­

ciaes. Impõe­se não só a necessidade d u m a fiscalisa­

ção rigorosa dos géneros alimenticios, attenta a fraudulencia constante todos os dias evidenciada, ■mas também o seu barateamento pela extincção do pesadíssimo tributo de consumo com que se acham sobrecarregados, que juntamente com a ga­

nância desmedida dos fornecedores, concorre em extremo para difficultar duplamente a alimentação das classes populares.

A Inspecção Geral dos Serviços Sanitários, de­

cretou medidas que de algum proveito seriam, se

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fossem applicadas com a consciência e severidade necessárias.

Resta em ultimo logar a questão do salário, que constitue sem duvida o lado mais complexo do problema.

A sua solução será provavelmente bastante lon-ginqua ainda, mas temos confiança em que um dia virá em que a força indomável da Justiça levará de vencida esse egoismo feroz do capital que faz da maior parte da humanidade um vasto exercito de esfomeados e opprimidos.

Será preciso porém que as classes trabalhado­ras conscientes dos seus direitos, sustentem porfia-damente uma lucta sem tréguas contra os seus oppressores, conquistando por suas mãos o lugar que lhes pertence no banquete universal da vida.

Só por seu esforço conseguirão que nos seus lares não entre a fome e a doença, que toda a ca­ridade, por mais augusta que seja, nunca poderá aniquilar.

Resumindo e terminando: afEgura-se-nos que é na realisação d'esté conjuncto de medidas, que em breves palavras deixamos apontado, que consis­tirá a verdadeira e racional prophylaxia que po­derá libertar a população portuense do seu mais implacável inimigo.

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PROPOSIÇÕES

Anatomia — A fibra cardiaca é um elemento de transição.

Physiologia — A secreção láctea não é exclusiva da fêmea.

Pathologia geral — A emigração é. uma causa de vulnerabilidade.

Anatomia pathologica — As lesões constatadas na autopsia nada nos dizem da evolução da doença.

Therapeutica—A cosinha é a melhor pharmacia do tuberculoso.

Pathologia externa — Reprovo o uso das injecções de soro gelatinado no tratamento dos aneu­rismas.

Pathologia interna — As variações de temperatura produzida pela fadiga são um precioso ele­mento para o diagnostico precoce da tuber­culose."

Medicina operatória — A extirpação deve ser o processo de escolha no tratamento dos infarta-mentos chronicos.

Obstetrícia—Em muitos casos o aborto provoca­do deve ser preferido ao parto prematuro.

Hygiene—Os tuberculosos pulmonares não devem ser internados no Hospital de Santo Antonio.

Medicina legal —Sem o concurso da bacteriologia, serão incompletos os seus meios de investi­gação.

v 'sto- Pôde imprimir-se.

Alfredo de Magalhães, Moraes Caldas, P r e s i d e n t e . D i rec to r .