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IAHR AIIH XXIV CONGRESO LATINOAMERICANO DE HIDRÁULICA PUNTA DEL ESTE, URUGUAY, NOVIEMBRE 2010 SIMULAÇÃO NUMÉRICA E VERIFICAÇÃO EXPERIMENTAL DA POSIÇÃO DA SUPERFÍCIE LIVRE DE UM RESSALTO HIDRÁULICO EM UM CANAL RETANGULAR André Luiz Andrade Simões 1 , Harry Edmar Schulz 2 , Rodrigo de Melo Porto 3 1,2,3 Departamento de Engenharia Hidráulica e Saneamento, 2 Núcleo de Engenharia Térmica e Fluidos Departamento de Engenharia Mecânica, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Brasil, 1 [email protected], 2 [email protected], 3 [email protected] RESUMO: Este artigo contém metodologias e resultados vinculados ao estudo experimental e numérico da posição da superfície livre de um ressalto hidráulico. A posição da superfície da água foi simulada com as equações de Saint-Venant atreladas à equação de resistência de Darcy-Weisbach e com as equações de Navier-Stokes médias de Reynolds com diferentes modelos de turbulência. Aspectos numéricos das equações hiperbólicas são explorados, a exemplo da aplicação do método de von Neumann para análise da estabilidade. A metodologia experimental consistiu no uso de um sensor ultra-sônico para aquisição das posições da superfície livre. A avaliação de grandezas estatísticas mostrou que as amplitudes das amostras apontam valores discrepantes. Uma metodologia para rejeição de tais valores é apresentada. Observou-se também que, para o ressalto hidráulico estudado, há correlação entre as quantidades estatísticas e a agitação da superfície livre. Isto sugere o uso dos dados de posição de superfície livre para estudos de suas características. No que tange ao método numérico, o sistema hiperbólico permitiu a identificação da posição do ressalto. Os resultados calculados com as equações de Navier-Stokes e o modelo k- sobrepuseram-se bem ao perfil experimental. ABSTRACT: This paper contains methodologies and results of numerical and experimental studies of the position of the free surface of a hydraulic jump. The position of the water surface was simulated with the Saint-Venant equations, the Darcy-Weisbach equation and the Reynolds averaged Navier-Stokes equations using different turbulence models. Numerical aspects of hyperbolic equations are discussed, such as the method of von Neumann for the stability analysis. The experimental methodology involved the use of an ultrasonic sensor to measure instantaneous free surface positions. The assessment of statistical quantities showed that the amplitudes of the oscillations obtained from the samples point to eventual discrepancies height values. A methodology to discard theses values is shown. Correlations were also observed between statistical quantities and the agitation of the free surface, showing that statistical results about the free surface position may help in the understanding of the hydraulic jump characteristics. Considering the numerical method, the hyperbolic system allowed to identify the hydraulic jump position. The numerical results calculated from the Navier-Stokes and k- model overlapped well the experimental profile PALABRAS CLAVES: Equações de Navier-Stokes, equações de Saint-Venant, ressalto hidráulico, sensor ultra-sônico.

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IAHR AIIH

XXIV CONGRESO LATINOAMERICANO DE HIDRÁULICA

PUNTA DEL ESTE, URUGUAY, NOVIEMBRE 2010

SIMULAÇÃO NUMÉRICA E VERIFICAÇÃO EXPERIMENTAL DA

POSIÇÃO DA SUPERFÍCIE LIVRE DE UM RESSALTO HIDRÁULICO EM

UM CANAL RETANGULAR

André Luiz Andrade Simões1, Harry Edmar Schulz

2, Rodrigo de Melo Porto

3

1,2,3Departamento de Engenharia Hidráulica e Saneamento,

2Núcleo de Engenharia Térmica e Fluidos – Departamento

de Engenharia Mecânica, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Brasil, [email protected],

[email protected],

[email protected]

RESUMO:

Este artigo contém metodologias e resultados vinculados ao estudo experimental e numérico da

posição da superfície livre de um ressalto hidráulico. A posição da superfície da água foi simulada

com as equações de Saint-Venant atreladas à equação de resistência de Darcy-Weisbach e com as

equações de Navier-Stokes médias de Reynolds com diferentes modelos de turbulência. Aspectos

numéricos das equações hiperbólicas são explorados, a exemplo da aplicação do método de von

Neumann para análise da estabilidade. A metodologia experimental consistiu no uso de um sensor

ultra-sônico para aquisição das posições da superfície livre. A avaliação de grandezas estatísticas

mostrou que as amplitudes das amostras apontam valores discrepantes. Uma metodologia para

rejeição de tais valores é apresentada. Observou-se também que, para o ressalto hidráulico estudado,

há correlação entre as quantidades estatísticas e a agitação da superfície livre. Isto sugere o uso dos

dados de posição de superfície livre para estudos de suas características. No que tange ao método

numérico, o sistema hiperbólico permitiu a identificação da posição do ressalto. Os resultados

calculados com as equações de Navier-Stokes e o modelo k- sobrepuseram-se bem ao perfil

experimental.

ABSTRACT:

This paper contains methodologies and results of numerical and experimental studies of the position

of the free surface of a hydraulic jump. The position of the water surface was simulated with the

Saint-Venant equations, the Darcy-Weisbach equation and the Reynolds averaged Navier-Stokes

equations using different turbulence models. Numerical aspects of hyperbolic equations are

discussed, such as the method of von Neumann for the stability analysis. The experimental

methodology involved the use of an ultrasonic sensor to measure instantaneous free surface

positions. The assessment of statistical quantities showed that the amplitudes of the oscillations

obtained from the samples point to eventual discrepancies height values. A methodology to discard

theses values is shown. Correlations were also observed between statistical quantities and the

agitation of the free surface, showing that statistical results about the free surface position may help

in the understanding of the hydraulic jump characteristics. Considering the numerical method, the

hyperbolic system allowed to identify the hydraulic jump position. The numerical results calculated

from the Navier-Stokes and k- model overlapped well the experimental profile

PALABRAS CLAVES:

Equações de Navier-Stokes, equações de Saint-Venant, ressalto hidráulico, sensor ultra-sônico.

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INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

O ressalto hidráulico é uma onda estacionária que ocorre na transição de um escoamento

supercrítico para um escoamento subcrítico. Como ilustrado na Figura 1, o escoamento é altamente

turbulento, com recirculação na região do rolo do ressalto, apresentando intensa incorporação de ar.

Devido à elevada mistura e às tensões cisalhantes intensas geradas pelo ressalto hidráulico, ele é

utilizado eficientemente tanto como um dissipador de energia (em bacias de dissipação de energia)

como para misturar componentes utilizados na purificação da água (em estações de tratamento).

(a) (b)

Figura 1. - Desenho esquemático de um ressalto hidráulico (a): Simbologia: Fr = número de Froude, os

subscritos 1 e 2 correspondem às seções de escoamento supercrítico e subcrítico, respectivamente, hc =

profundidade crítica; ressalto estabelecido durante o experimento (b).

Nos projetos que utilizam ressaltos hidráulicos, a sua posição pode ser controlada com estruturas

adaptadas às calhas de escoamento. Entretanto, em projetos nos quais simulação computacional é

utilizada, eventualmente as calhas no domínio numérico são mantidas livres de obstáculos ao longo

de distâncias consideráveis, sendo que o ressalto se posiciona de acordo com os parâmetros

hidráulicos fornecidos. A grande sensibilidade do posicionamento para com os valores utilizados

faz com que o projetista tenha que saber as faixas aplicáveis ao seu estudo. O estabelecimento

prático dessas faixas remete à realização de estudos experimentais e suas comprovações numéricas.

Neste sentido, este trabalho teve como objetivos apresentar resultados experimentais para o perfil da

superfície livre de ressaltos estabelecidos em um canal retangular e horizontal e simular a posição

do mesmo com o uso das equações de Saint-Venant associadas à equação de resistência de Darcy-

Weisbach. O terceiro objetivo consistiu em empregar modelos de turbulência associados às

equações de Navier-Stokes médias de Reynolds para simulação bidimensional do ressalto.

MATERIAIS E MÉTODOS

Modelo matemático

Para simular a posição do ressalto hidráulico foram empregadas as equações de Saint-Venant em

uma dimensão. Tais equações formam um sistema hiperbólico obtido a partir da conservação de

massa e de quantidade de movimento para um escoamento unidimensional, monofásico e com

distribuição de pressões hidrostática. Para um canal retangular de fundo horizontal, as equações

escritas na forma conservativa compõem o seguinte sistema:

f

22 ghI

2

ghhV

xt

)hV(

0x

)hV(

t

h

[1]

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em que: h = altura de escoamento (perpendicular ao fundo), V = velocidade média ao longo da

seção transversal, g = aceleração da gravidade, If = declividade da linha de energia. Assumiu-se

também que o coeficiente de Boussinesq é unitário. O sistema 1 pode ser reescrito como uma única

equação vetorial, com a seguinte forma:

sx

)q(f

t

q

[2]

Os vetores da equação 2 são definidos da seguinte maneira:

f

21

1

22

2

2

1

ghI

0s ;

2

gq

q

q

q

)q(f ;q

q

hV

hq

Com as hipóteses atreladas ao sistema 1, fica evidente que ele não é capaz de representar

adequadamente o ressalto hidráulico. Apesar disto, há uma solução h(x,t), no sentido fraco, que é

uma descontinuidade entre os níveis subcrítico e supercrítico. Sendo o ressalto uma onda que ocorre

entre os mesmos níveis, considera-se aqui que a descontinuidade possa representar

aproximadamente a posição média do ressalto. Sobre este tema, Gharangik e Chaudhry (1991)

apresentaram resultados obtidos com as equações de Boussinesq e Saint-Venant resolvidas

numericamente com os métodos de MacCormack e o esquema dissipativo two-four. Eles

compararam os seus resultados dados experimentais e utilizaram a equação de Manning.

Métodos numéricos

Embora a metodologia numérica para problemas semelhantes ao do ressalto hidráulico seja

conhecida, uma descrição detalhada é aqui apresentada já vinculada ao problema hidráulico

proposto. Entende-se que esta abordagem torna mais didática a apresentação da metodologia e

facilita o seu entendimento ao profissional específico da área. Entre os métodos numéricos

existentes, adotou-se o de Lax-Friedrichs para a solução do sistema 1. Embora seja um esquema

numérico de primeira ordem no tempo e no espaço, esse método fornece resultados aceitáveis para

malhas suficientemente finas, o que não é um problema em casos unidimensionais como o deste

trabalho. O método de Lax-Friedrichs é uma variação sutil e necessária do esquema centrado. No

esquema centrado, as derivadas espaciais são aproximadas por diferenças finitas centradas de

segunda ordem no instante “n” e as temporais por diferenças finitas avançadas de primeira ordem

na posição “i”, como apresentado a seguir:

x2

)q(f)q(f

x

)q(f n1i

n1i

[3]

t

qq

t

qn

i

1n

i

[4]

Há um grave problema com a escolha das aproximações 3 e 4 para os sistemas hiperbólicos de um

modo geral, que é a instabilidade numérica. Para um sistema hiperbólico linear é possível provar

que o esquema centrado é incondicionalmente instável. Com o intuito de verificar a estabilidade de

um método numérico, normalmente é utilizada a análise de estabilidade de von Neumann. Como o

sistema deve ser linear para que essa análise seja empregada, considera-se um estado de referência

“0” que permite definir h = h0 + y e V = V0 + v, em que h0 e V0 são constantes e y e v são

perturbações em torno desses valores constantes. Inicialmente, empregando a regra do produto, a

equação 1 é reescrita na forma não-conservativa, como apresentado a seguir:

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0x

hg

x

VV

t

V

0x

hV

x

Vh

t

h

[5]

Substituindo as definições anteriores para h e V na equação 5 e eliminando as derivadas de

constantes, obtém-se:

0x

yg)

x

vv

x

vV(

t

v

0)x

yv

x

yV()

x

Vy

x

vh(

t

y

0

00

[6]

Desprezando os termos que envolvem produtos de flutuações, o sistema 6 é linearizado, assumindo

a seguinte forma:

0x

yg

x

vV

t

v

0x

yV

x

vh

t

y

0

00

[7]

Aproximada com o esquema centrado, a equação 7 pode ser escrita da seguinte maneira:

0v

y

x2

tV

x2

tgx2

th

x2

tV

v

y

x2

tV

x2

tgx2

th

x2

tV

v

y

10

01

v

y

10

01

n

1i

1i

0

00

n

1i

1i

0

00n

i

i1n

i

i

[8]

A aplicação do método de von Neumann requer a identificação das matrizes A e B presentes na

seguinte relação:

n1n UTBUTA [9]

em que: TU é um operador de translação. Para a equação 8, as matrizes são:

10

01A0 ,

10

01B0 ,

x2

tV

x2

tgx2

th

x2

tV

BB0

00

11 .

Note-se que = -1 corresponde à posição i-1 da malha espacial, = 0 ao índice i e = 1 ao índice

i+1. Para n+1 identifica-se as matrizes A e para o instante n as matrizes B. O próximo passo

consiste em calcular o símbolo do esquema numérico, definido como:

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)Ikexp(B)Ikexp(A)k(S

1

[10]

em que: S(k) = símbolo ou raio espectral, k Rm

e I = unidade imaginária. Substituindo as

matrizes, vem:

)ee(

x2

tV

x2

tgx2

th

x2

tV

10

01)k(S IkIk

0

00

[11]

Das relações trigonométricas elementares, sabe-se que eIk

-e-Ik

= 2Isenk. Substituindo na equação 11

e somando as matrizes, vem:

1Isenkx

tVIsenk

x

tg

Isenkx

th1Isenk

x

tV

)k(S0

00

[12]

Se o módulo de um dos autovalores do símbolo for maior do que a unidade o esquema é instável.

Sendo assim, é necessário calcular os autovalores de S(k), o que pode ser feito com a solução da

função característica.

1IsenkghVx

t

1IsenkghVx

t

)]k(S[autov

ksenIx

tgh)]k(S[autov1Isenk

x

tV

00

00

22

2

20

20

[13]

Nota-se na equação 13 a definição do número de Courant (Cn):

00n ghVx

tC

[14]

Teorema 1. O esquema numérico centrado é incondicionalmente instável.

Prova. |autov[S(k)]|>1 Cn.

A partir dessa conclusão de cunho geral, de que o esquema centrado não é adequado para as

equações linearizadas, verifica-se que o problema do ressalto hidráulico representado pelo sistema

original (equação 1) não pode se utilizar desse esquema. O método de Lax e Friedrichs, já

mencionado, altera o esquema centrado com o uso da seguinte aproximação para a derivada

temporal:

t

)qq(2

1q

t

qn

1i

n

1i

n

1i

[15]

Seguindo os mesmos procedimentos, é possível demonstrar a condição de estabilidade do método

de Lax-Friedrichs. O sistema 7 discretizado com este método assume a seguinte forma:

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0v

y

5,0x2

tV

x2

tgx2

th5,0

x2

tV

v

y

5,0x2

tV

x2

tgx2

th5,0

x2

tV

v

y

10

01

n

1i

1i

0

00

n

1i

1i

0

001n

i

i

[16]

Portanto, o símbolo é:

kcosIsenkx

tVIsenk

x

tg

Isenkx

thkcosIsenk

x

tV

)k(S0

00

[17]

Calculando os seus autovalores, obtém-se:

kcosghVx

tIsenk

kcosghVx

tIsenk

)]k(S[autov

00

00

[18]

Teorema 2. O método de Lax-Friedrichs é estável se Cn < 1.

Prova. O módulo do segundo autovalor de S(k) é:

1C11)1C(ksenkcosksenC)]k(S[autov n2n

2222n

2

Esta conclusão aponta para a conveniência do uso do método de Lax-Friedrichs para o estudo do

ressalto hidráulico, aqui feito com a equação 1. Sob a forma de gráfico, a Figura 2 ilustra o

comportamento de |autov[S(k)]| para diferentes números de Courant. Uma descrição detalhada do

método de análise empregado pode ser encontrada em Dautray e Lions (2000) e, uma abordagem

um pouco diferente, em Chaudhry (2008, p.392).

0

0,4

0,8

1,2

0 1 2 3

|au

tov

[S(k

)]|

k

Cn = 0,25

Cn = 0,50

Cn = 0,75

Cn = 1,0

Cn = 1,2

Figura 2 – Comportamento de |autov[S(k)]| em função de Cn

Autovalores do Jacobiano de f(q)

Novamente traduzindo o problema matemático diretamente para a sua aplicação hidráulica,

apresenta-se o desenvolvimento que leva aos autovalores deste problema, uma vez que possuem um

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sentido físico claro e são parâmetros relevantes na determinação das condições de contorno. Os

autovalores do Jacobiano de f(q), assim como os autovalores da matriz convectiva do sistema

hiperbólico 1, correspondem às velocidades absolutas das ondas. A matriz Jacobiana de f(q),

denotada por D[f(q)], é calculada da seguinte maneira:

1

212

1

22

2

2

1

2

2

1

1

1

q

q2gq

q

q

10

q

f

q

f

q

f

q

f

)]q(f[D [19]

Os autovalores 1 e

2 da matriz anterior são determinados como apresentado a seguir:

0gqq

q

q

q20

q

q2gq

q

q

10

det 121

22

1

22

1

212

1

22

ghV

ghV

2

1

[20]

Para escoamentos subcríticos e supercríticos os autovalores são reais e diferentes entre si, condição

que caracteriza o sistema 1 como hiperbólico. Além de auxiliar na classificação das equações,

existem duas utilidades fundamentais para os autovalores de sistemas hiperbólicos. A primeira delas

está associada à definição do número de Courant:

ghVx

tCn

[21]

Para que o método de Lax-Friedrichs seja estável, Cn deve ser menor ou igual à unidade. Os

autovalores também são empregados para a definição adequada das condições de contorno. Se o

escoamento é supercrítico os autovalores são positivos e, se o escoamento é subcrítico, um

autovalor é positivo e o outro é negativo. Observando o comportamento da solução de problemas

hiperbólicos no espaço-tempo, verifica-se que as informações são transportadas ao longo de curvas

características, com velocidades (dx/dt) iguais aos autovalores.

Figura 3. - Condições de contorno

Na extremidade esquerda do ressalto (i = 1) os autovalores são positivos (ver Figura 3), portanto,

devem ser fixados q1 e q2 nessa posição. No contorno direito (subcrítico) uma variável deve ser

imposta, já que 2<0. A segunda variável deve assumir valores que correspondam ao que ocorre

junto ao contorno. Para tanto, pode-se empregar uma extrapolação de primeira ordem do tipo

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q(Nx,t+t) = q(Nx-1,t), embora seja preferível utilizar a característica positiva, obtida com o

método das características e apresentada a seguir (ver Porto, 2006, p.489):

dtgIdhgh

gdV f [22]

Integrando esta equação ao longo da característica positiva, o resultado é:

)hh(

gh

gItgVV n

1Nx1n

Nxn

1Nx

n1Nxf

n1Nx

1nNx

[23]

Como hipótese, assumiu-se que a celeridade e da declividade da linha de energia são constantes ao

longo da curva característica. Quanto às condições iniciais, pode-se conceber diferentes situações,

como V(x,0) = 0 e h(x,0) = h0 ou, como realizado neste trabalho, adotar h(x,0) calculado com a

solução da equação diferencial ordinária obtida a partir do sistema 1 quando não há variações

temporais. As velocidades em t = 0 são iguais a q/h(x,0) (q = vazão específica). A equação de

Darcy-Weisbach foi utilizada para calcular If e o termo fonte “s” da equação 2 foi calculado por

meio de uma média entre os seus valores em i+1 e em i-1 de forma explícita.

Obtenção experimental do perfil da superfície livre

Os experimentos foram realizados no Laboratório de Hidráulica da Escola de Engenharia de São

Carlos da Universidade de São Paulo. Parte do canal utilizado nos experimentos é ilustrada na

Figura 4. O canal é retangular, possui largura (B) igual 41 cm e paredes de concreto liso. O trecho

utilizado para o estabelecimento do ressalto fica entre um vertedor de parede espessa e uma

comporta, utilizada para controlar a posição do ressalto.

Figura 4. - Desenho esquemático do aparato experimental

Para obtenção do perfil da superfície livre, utilizou-se um sensor ultra-sônico com resolução de 1

mm ligado a um notebook por meio de uma porta USB. Para cada posição x ao longo do canal

foram obtidas 2000 profundidades com 50 amostras/s. De acordo com o fabricante, as ondas

sonoras emitidas pelo sensor viajam a uma velocidade próxima de 343 m/s e formam um cone com

ângulo () situado entre 15º e 20º e área da base menor correspondente ao emissor, que possui

diâmetro igual a 3,7 cm (ver Figura 4). Testes realizados para este trabalho mostram que pode

assumir valores menores, próximos de 7º. Um vertedor triangular de parede delgada situado na

extremidade esquerda do canal forneceu a carga H correspondente à equação de Thomson (Q =

1,4H5/2

) para o cálculo da vazão.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Amplitudes

A amplitude ao longo de x, definida como A(x)=max(h)-min(h), é uma das medidas importantes

para este tipo de experimento, pois fornece indicações sobre a existência de valores discrepantes. A

observação visual da superfície livre em conjunto com os valores de A(x) apresentados na Figura 5a

permite afirmar que há valores discrepantes nas medidas, uma vez que a oscilação da superfície

livre não pode assumir amplitudes altas, como 25 cm, por exemplo. Tal afirmação está

fundamentada na observação física desse ressalto. Sendo a sua altura média aproximadamente igual

a 14,7 cm, é pouco provável que A = 25 cm corresponda à amplitude de oscilação da superfície

livre deste ressalto hidráulico. Adicionalmente, durante a realização do experimento foram

observadas ejeções de porções de água ou de grupo de gotas, além das individuais, na direção

vertical e para os lados, com trajetórias aproximadamente parabólicas, como ilustrado na Figura 5b.

Foi considerada a possibilidade de que essas ejeções estariam sendo registradas pelo sensor. Testes

foram então realizados com fragmentos de papel com formas e tamanhos equivalentes às do fluido

lançado para fora do escoamento, que mostraram que o sensor é capaz de detectar a presença das

mesmas, utilizando a freqüência de 50 amostras/s. Nesses testes foram efetuados lançamentos

horizontais e aproximadamente parabólicos (isto é, com inclinação inicial e lançamento direcionado

para cima), sendo que no segundo caso houve mais ocorrências de detecção.

0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 3.50

0.05

0.1

0.15

0.2

0.25

0.3

0.35

x [m]

A [

m]

(a) (b)

Figura 5. - Amplitudes das medidas ao longo de x (a); esquema de ejeções de água e algumas trajetórias (b).

Entre as diferentes formas de representação dos dados de uma amostra, os diagramas de caixas são

interessantes porque fornecem informações sobre simetria e variabilidade. A construção dos

mesmos utiliza os quartis (qr) e a amplitude interquartil (AIQ). A Figura 6 contém a representação

gráfica deste tipo para algumas posições (em que: i=1,2,...,67) ao longo do canal.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

0.05

0.1

0.15

0.2

0.25

0.3

h [

m]

i (i=1,2,...,67)

Figura 6. - Diagrama de caixas para os primeiros trinta pontos de medição

Observa-se que em cada caixa há uma linha vermelha horizontal. Essa linha corresponde ao

segundo quartil do grupo de dados e, quanto mais próxima do centro da caixa ela estiver, mais

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simétrica será a distribuição dos dados. A extremidade inferior da caixa corresponde ao primeiro

quartil e a superior ao terceiro quartil, portanto, os extremos da caixa encerram 50% dos dados. Os

símbolos “+” correspondem a valores de h e só são representados quando excedem os limites qr1-

AIQ e qr3+AIQ, sendo esses os valores discrepantes. Como convenção, utiliza-se = 1,5,

embora esse valor possa ser escolhido de forma conveniente para estudos específicos.

Resultados com amostras sem valores discrepantes

O uso de diagramas de caixa pode ser uma alternativa para identificar valores discrepantes de uma

amostra, assim como o critério de Chauvenet, por exemplo. Neste trabalho, os erros presentes nas

amostras originais foram extraídos com base na observação dos resultados expressos por meio dos

diagramas de caixas. Essa opção, assim como o critério de Chauvenet, é considerada como uma

primeira aproximação, não sendo um método exato para eliminar os valores discrepantes. A decisão

de excluir uma medida, sempre que possível, deve considerar a observação experimental e outras

possíveis informações acerca do fenômeno estudado. Ao excluir medidas, a média e o desvio

padrão são alterados e, como ilustrado na Figura 7, podem surgir novos valores discrepantes para a

amostra alterada. As novas amostras possuem 1819 valores, ou seja, 181 medidas a menos para

cada posição em x, formando uma matriz com 1819 linhas e 67 colunas. Assim, a metodologia aqui

seguida foi de utilizar os diagramas de caixa apenas uma vez, informando todos os detalhes das

exclusões feitas.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

0.05

0.1

0.15

0.2 h [

m]

i (i=1,2,...,67)

Figura 7. - Diagrama de caixas para as primeiras trinta posições, construídos com amostras alteradas.

As amplitudes calculadas com as amostras alteradas são menores do que as originais, com valor

máximo inferior a 10 cm na região do rolo do ressalto hidráulico, como indicado na Figura 8.

0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 3.50

0.02

0.04

0.06

0.08

0.1

x [m]

A [

m]

(a) 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 3.50

0.05

0.1

0.15

0.2

0.25

0.3

0.35

x [m]

A [

m]

(b)

Figura 8. - Amplitudes para as amostras alteradas (a) e originais (b)

Comportamento de outras quantidades estatísticas ao longo do ressalto

O perfil médio da superfície livre, o comportamento do desvio padrão amostral de w = dh/dt

(velocidade vertical extraída dos registros), o desvio padrão da altura de escoamento e os

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coeficientes de assimetria e de curtose são apresentados na Figura 9. As observações experimentais

mostraram que o valor de w pode envolver ruídos que afetam a medida precisa da velocidade

vertical da superfície livre, sobretudo na posição do rolo do ressalto e a jusante dele. Isto porque, à

medida que a superfície livre oscila verticalmente, há também transporte de bolhas e a ocorrência de

ondas ao longo de x, que podem eventualmente gerar desvios. Como pode ser notado na Figura 9b,

o desvio padrão adimensionalizado de w assumiu um valor máximo na região de intensa

recirculação do ressalto hidráulico e aproximadamente coincidente com a posição em que ocorre a

profundidade crítica, o que são características que apontam esta medida como adequada para

localizar o rolo e obter informações de sua agitação. Entre o ponto de máximo e x/hc igual a 20, o

valor de DP(w)/Vc é proporcional a 1/(x/hc)6/5

. No intervalo 20<x/hc<30, DP(w)/Vc possui um valor

médio próximo de 0,07, seguindo uma assíntota para um valor constante. Com base em tais

observações, como já foi mencionado, verifica-se que o desvio padrão de w é uma estimativa

razoável para a agitação do meio. O desvio padrão da profundidade do escoamento DP(h)

apresentou uma distribuição ao longo de x semelhante à obtida para w, sendo este um conjunto de

dados que indica mais uma vez que as grandezas estatísticas aqui avaliadas prestam-se

adequadamente ao estudo das características macroscópicas do ressalto hidráulico.

0,00

0,12

0,24

0 2 4

h [

m]

x [m]

x = 3,5 m(comporta)

L = 3 m

(a)

0

0,15

0,3

0,0

0,9

1,8

2,7

0 10 20 30

DP

(w)/

Vc

h(x

)/h

c

x/hc

h(x)/hc

DP(w)/Vc

h(x)/hc = 1

(b)

0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 3.50.002

0.004

0.006

0.008

0.01

0.012

0.014

0.016

0.018

x [m]

DP

(h)

[m]

(c) 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 3.5-0.4

-0.2

0

0.2

0.4

0.6

0.8

1

x [m]

a3 [

-]

(d)

0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 3.5

2.5

3

3.5

4

x [m]

a4 [

-]

(e)

Figura 9. - Resultados experimentais. Simbologia: DP = desvio padrão amostral; Vc = (ghc)0,5

; hc =

profundidade crítica; a3 = coeficiente de assimetria e a4 = coeficiente de curtose. Fr1=3.

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Os coeficientes de assimetria e de curtose, definidos com o terceiro momento e o quarto momento,

respectivamente, assumiram valores máximos na região do rolo do ressalto hidráulico. Os valores

dos coeficientes de assimetria indicam que a superfície livre do escoamento subcrítico oscila de tal

modo que as suas distribuições de probabilidades possuem simetrias mais acentuadas do que

aquelas da região de escoamento supercrítico e da região de recirculação. Os coeficientes de curtose

obtidos mostram que os pontos experimentais apresentam distribuição próxima à gaussiana, com

desvios maiores na região do rolo.

Comparação entre resultados numéricos e experimentais

Os resultados numéricos para a equação 1 foram obtidos para o trecho 0 x L = 3,0 m e podem

ser vistos na Figura 10. Observa-se que os pontos experimentais apresentam excelente concordância

com a solução numérica, como ilustrado pela Figura 10a. Entretanto, cabe mencionar que o

comportamento suave de h(x) ocorreu devido ao efeito difusivo do método de Lax-Friedrichs. É

esperada uma descontinuidade como solução da equação 1, e não uma curva suave. Para max(Cn)

próximo de um e para a malha adotada, a Figura 10b contém uma comparação entre os dados

experimentais e numéricos. Percebe-se com essa imagem que max(Cn) 1 reduz o efeito difusivo,

embora não o elimine plenamente.

0 1 2 30

0.05

0.1

0.15

0.2

x [m]

h [

m]

t = 300s

numérico

experimental

(a) 0 1 2 30

0.05

0.1

0.15

0.2

x [m]

h [

m]

t = 300s

numérico

experimental

(b)

Figura 10. - Comparação entre os resultados numéricos e experimentais: (a) max(Cn) = 0,49 e x = 0,03 m;

(b) max(Cn) = 0,98 e x = 0,015 m. Dados: t = 0,0051 s; h(0,t) = 0,05 m; h(L,t) = 0,2 m; f = 0,003 (fator de

resistência da equação de Darcy-Weisbach).

Independentemente do valor de Cn e x, a variação total da profundidade da água e a posição do

ressalto hidráulico foram bem reproduzidas, considerando o valor f=0,003 para o fator de

resistência da equação de Darcy-Weisbach. Esta informação prática, concernente ao valor de f, é

relevante para o projetista, uma vez que é o parâmetro ajustável que posiciona o ressalto hidráulico.

A presente metodologia permite que baterias de experimentos e simulações sucessivas sejam

efetuadas, localizando as faixas de profundidades e de f que determinarão a posição mais provável

dos ressaltos em calhas similares.

SIMULAÇÃO EM DUAS DIMENSÕES

Considerações iniciais

O nível mais elevado para a simulação do ressalto hidráulico consistiria em resolver as equações

diferenciais que representam os princípios de conservação de massa, energia e quantidade de

movimento em três dimensões e em regime não permanente, para todas as escalas do movimento

turbulento. Atualmente essa alternativa ainda é inviável. Para ilustrar a dificuldade em utilizar

simulação numérica direta para um ressalto hidráulico, pode-se lançar mão da teoria de

Kolmogorov. Inicialmente, é interessante escrever o número de Reynolds associado ao número de

Froude com a seguinte forma:

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Frgh

Re

3

[24]

Assumiu-se que a altura de escoamento h é o comprimento característico do escoamento

correspondente às grandes escalas. De acordo com a teoria de Kolmogorov, a relação entre as suas

micro-escalas e as grandes escalas de comprimento é dada por:

4/3ReL

[25]

Combinando as equações 24 e 25, com L = h, e reconhecendo que o número de graus de liberdade

para turbulência tridimensional é proporcional a h/ (Lesieur, 2008, p.205-206), pode-se escrever:

4/933

Frghh

[26]

A equação 26 fornece um valor aproximado para o número de graus de liberdade. Com h = h2 =

0,20 m e Fr = Fr2 = 0,4 (o subscrito 2 denota a seção com escoamento subcrítico), esse número é

próximo de 2,3x1011

, valor que revela a dificuldade existente quando se pretende efetuar simulações

numéricas diretas com elevados números de Reynolds. O número de graus de liberdade, nesse caso,

representa o número de pontos de uma malha numérica tri-dimensional que deveria ser construída

para simular o ressalto. A dificuldade prática está no armazenamento de todas as variáveis

calculadas (memória) e na velocidade dos cálculos a serem realizados para cada ponto, que,

atualmente, são insuficientes para viabilizar a obtenção de resultados. Como tentativa de superar a

impossibilidade de uso das leis de conservação escritas para grandezas instantâneas, aplicadas para

escoamentos com elevados números de Reynolds, as equações são reescritas em termos de

grandezas médias. Assumindo a hipótese de escoamento incompressível, que é aplicável a um

ressalto hidráulico, a equação de conservação de massa e a equação de conservação de quantidade

de movimento assumem as seguintes formas:

0V [27]

1gVV

t

V [28]

Nestas equações V é o campo vetorial de velocidades e é o tensor das tensões. Para um fluido

newtoniano, o uso das equações constitutivas para combinado com a equação 28 resulta nas

conhecidas equações de Navier-Stokes para escoamentos incompressíveis. Tais equações reescritas

em termos de grandezas médias são conhecidas como equações de Navier-Stokes médias de

Reynolds, que possuem um uma incógnita adicional denominada tensor de Reynolds. Como o

processo de obtenção das equações médias não produz equações adicionais, mas apenas novas

incógnitas, o resultado é um problema aberto, com um sistema que contém mais incógnitas do que

equações. Esse problema, conhecido como problema de fechamento da turbulência, teve como fruto

a proposição de uma série de modelos aproximados para o fechamento do sistema de equações,

dentre os quais, pode-se mencionar: o modelo de Boussinesq, o modelo de uma equação que

envolve o cálculo da energia cinética turbulenta (k), o conhecido modelo de duas equações k- que,

além de k, envolve o cálculo da taxa de dissipação de energia por unidade de massa (), o modelo

de duas equações k- ( = /k) e os modelos denominados modelos de tensões de Reynolds. No

caso de transferência unidimensional de massa, Schulz et al. (2010) apresentam um método

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estatístico que “fecha” as equações de turbulência, uma vez que se mostra que todas as grandezas

estatísticas podem ser expressas como função de um número finito de parâmetros básicos. Trata-se

de uma proposta que se mostrou viável no transporte de massa e que deve ter desdobramentos

futuros. Carvalho (2002) empregou um modelo de turbulência do tipo RNG k-e para a simulação de

ressaltos estabelecidos em domínios retangulares bidimensionais. Com o uso do mesmo modelo de

turbulência, Carvalho e Martins (2009) estudaram o escoamento em vertedores em degraus com

soleiras terminais que proporcionavam a formação de ressaltos sobre os degraus. Arantes et al.

(2005) empregaram um dos modelos de tensões de Reynolds para simular um ressalto hidráulico em

um domínio retangular tridimensional e em regime variável.

Resultados numéricos e experimentais

Neste trabalho foram realizadas simulações bidimensionais em um domínio semelhante ao

experimental, apresentado anteriormente. O software adotado para a solução das equações é uma

versão comercial que possibilitou o uso do modelo k-, do modelo RNG k- e modelos de tensões

de Reynolds. Foram testadas algumas configurações para a malha que, em todos os casos, era do

tipo não-estruturada. Entre os refinamentos testados, utilizou-se uma condição de refinamento

uniforme, refinamento adaptativo na superfície livre e um refinamento não uniforme com maior

resolução na região prevista para o escoamento de água, como apresentado na Figura 11. O método

de discretização das equações utilizado pelo programa é o de volumes finitos e o tratamento da

superfície livre é feito com o método denominado volume de fluido. Os cálculos foram efetuados

com a hipótese de regime estacionário e os resultados mostraram que não há o estabelecimento

desse regime, mas sim de um regime permanente. As definições para tais regimes utilizadas neste

trabalho correspondem à minimização dos resíduos quando o regime é estacionário e à oscilação

dos resíduos em torno de um valor médio bem definido quando o regime é permanente. Considera-

se que a ocorrência de regiões com grandes recirculações, na posição do rolo do ressalto hidráulico,

foi responsável pelo estabelecimento das oscilações.

Os resultados que apresentaram melhor concordância com o perfil médio experimental foram os

obtidos com o modelo k-. A Figura 11a contém o campo escalar da grandeza fração de vazios (C).

Nota-se que a posição da superfície livre das regiões com escoamento supercrítico e subcrítico

apresenta excelente ajuste com os dados experimentais. Observa-se também que o rolo do ressalto

hidráulico obtido numericamente permaneceu em uma posição próxima à posição média

experimental.

Figura 11. – Comparação entre a posição média da superfície livre experimental (círculos cheios) e os

resultados numéricos obtidos com o modelo k- - (a); Detalhe da malha utilizada – (b).

CONCLUSÕES

Este trabalho apresenta um estudo experimental e numérico para a obtenção do perfil da superfície

livre de um ressalto hidráulico com número de Froude próximo de três. Alguns aspectos

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fundamentais relacionados ao uso do modelo hiperbólico foram discutidos, tendo sido dada especial

atenção à estabilidade numérica. Cálculos bidimensionais também foram realizados com o uso de

modelos de turbulência. A metodologia experimental para a obtenção do perfil da superfície livre

envolveu o uso de um sensor ultra-sônico que possibilitou a aquisição de dados a uma taxa de

amostragem de 50 amostras/s. Com os dados obtidos de tal maneira, estudou-se a variação de

grandezas estatísticas ao longo do ressalto. As amplitudes das amostras permitiram concluir que a

ejeção de gotas contamina as amostras com valores espúrios, que não correspondem à posição da

superfície livre. O comportamento do desvio padrão e dos coeficientes de assimetria e de curtose

fornece informações acerca da agitação do meio, que é mais intensa na posição do rolo do ressalto.

A metodologia experimental aqui proposta mostra-se adequada para estudar características

macroscópicas de ressaltos hidráulicos. O perfil médio obtido experimentalmente apresentou

excelente sobreposição com a solução das equações de Saint-Venant para um número de Courant

máximo aproximadamente igual a 0,49 e com um fator de resistência igual a 0,003. Nesse caso, os

procedimentos seguidos mostram que o fator de resistência pode ser utilizado como parâmetro de

ajuste na localização do perfil ao longo da calha, uma metodologia que se mostra útil para

projetistas. As simulações em duas dimensões com o uso das equações de Navier-Stokes médias de

Reynolds associadas a diferentes modelos de turbulência mostraram que o movimento variável de

regiões do escoamento próximas ao rolo do ressalto não possibilitam a sua simulação (para o

número de Froude testado) em regime estacionário de tal maneira que os resíduos sejam

minimizados. A despeito desta conclusão, o perfil médio experimental se sobrepôs satisfatoriamente

ao obtido com o modelo k-e nas regiões de escoamento supercrítico e subcrítico. Além disso, o rolo

do ressalto obtido numericamente permaneceu posicionado próximo ao valor médio para a posição

do rolo experimental.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às instituições brasileiras CNPq, FAPESP e CAPES (processo 2201/06-2).

REFERÊNCIAS

Arantes, E.J.; Botari, A.; Porto, R.M.; Bernardo, L. (2005) Simulação numérica do escoamento em um

ressalto hidráulico utilizando uma ferramenta de fluidodinâmica computacional. Anais do XVI Simpósio

Brasileiro de Recursos Hídricos, João Pessoa-PB.

Carvalho, R.F. (2002) “Acções hidrodinâmicas em estruturas hidráulicas: Modelação numérica do ressalto

hidráulico” Tese (Doutorado), Universidade de Coimbra, Portugal.

Carvalho, R.F.; Martins, R. (2009) “Stepped spillway with hydraulic jumps: application of a numerical

model to a scale model of a conceptual prototype”. Journal of Hydraulic Engineering, ASCE, Vol. 135, No.

7, pp. 615-619.

Chaudhry, M. H. (2008) Open-channel flow. Springer.

Dautray, R.; Lions, Jacques-Louis. (2000) Mathematical Analysis and Numerical Methods for Science and

Technology. Springer, Berlin.

Gharangik, A.; Chaudhry, M.H. (1991) “Numerical simulation of hydraulic jump”. Journal of Hydraulic

Engineering, ASCE, Vol. 117, No. 9, pp. 1195-1211.

Lesieur, M. (2008) Turbulence in fluids. 4ª ed. Springer.

Porto, R. M. (2006) Hidráulica Básica. Projeto Reenge, EESC-USP.

Schulz, H. E., Simões, A.L.A., Janzen, J.G. (2010) Statistical Approximations in Gas-Liquid Mass

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Kyoto, Japan, May 17-21, Kyoto University, pp. 15-16.