i universidade de sÃo paulo programa pÓs

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS-GRADUAÇÃO INTERUNIDADES ESTÉTICA E HISTÓRIA DA ARTE I BIENAL LATINO-AMERICANA DE SÃO PAULO, MITOS E MAGIA: Em busca de identidade artístico-cultural JOSÉ DE RIBAMAR NASCIMENTO São Paulo 2011

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

PROGRAMA PÓS-GRADUAÇÃO INTERUNIDADES

ESTÉTICA E HISTÓRIA DA ARTE

I BIENAL LATINO-AMERICANA DE SÃO PAULO, MITOS E MAGIA:

Em busca de identidade artístico-cultural

JOSÉ DE RIBAMAR NASCIMENTO

São Paulo

2011

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JOSÉ DE RIBAMAR NASCIMENTO

I BIENAL LATINO-AMERICANA DE SÃO PAULO, MITOS E MAGIA:

Em busca de identidade artístico-cultural

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da

Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para

a obtenção do Título de Mestre em Estética e História da

Arte.

Linha de Pesquisa: Teoria e Crítica de Arte

Orientadora: Profa. Dra. Daisy Valle Machado Peccinini

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERUNIDADES

EM ESTÉTICA E HISTÓRIA DA ARTE

São Paulo

2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

Dissertação de Mestrado defendida

em 12.04.2011

PERANTE BANCA EXAMINADORA

CONSTITUÍDA PELAS PROFESSORAS

PROFA. DRA. DAISY MACHADO VALLE PECCININI

JULGAMENTO: ______________ASSINATURA:_____________________________

PROFA. DRA. MARIZA BERTOLI

JULGAMENTO: ______________ASSINATURA:_____________________________

PROFA. DRA. DILMA DE MELO SILVA

JULGAMENTO: ______________ASSINATURA:_____________________________

Page 4: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

iv

DEDICATÓRIA

A todos os artistas e críticos de arte que lutam

pela integração da América Latina e do Caribe.

Aos meus pais, in memorian.

À minha família e a todos os amigos.

A todos os meus professores.

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AGRADECIMENTO

Sou grato, especialmente.

À minha orientadora Profª. Drª. Daisy Machado Peccinini pela confiança, incentivo e

compreensão durante todo o período em que me acompanhou neste desafio.

À Profª. Drª. Mariza Bertoli que dialogou comigo ao longo da elaboração desta dissertação,

pela inspiração, amizade e por acreditar que eu conseguiria superar as dificuldades e atingir

este objetivo.

À Profª. Drª. Maria Cristina Machado Freire por ter acreditado em mim, dando a oportunidade

de realizar mais este projeto de vida.

À Profª. Drª. Lisbeth Rebollo Gonçalves pela sugestão do tema e por acreditar que eu

conseguiria desenvolvê-lo.

À Profª. Drª. Dilma de Melo Silva e à Profª. Drª. Carmen Aranha pelo carinho e pelas

observações pertinentes em relação ao projeto de pesquisa.

Ao crítico de arte Alberto Beuttenmüller pela boa vontade com que respondeu às indagações

sobre a sua participação como curador da I Bienal Latino-Americana de São Paulo.

Ao meu irmão Miguel dos Santos Nascimento pela sua dedicação e por sempre me apoiar nos

momentos mais difíceis da minha vida.

Às queridas amigas Eliany Cristina Ortiz Funari e Margarida Nepomuceno pelo apoio de

sempre.

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Capa do catálogo da I Bienal Latino-Americana de São Paulo, Mitos e Magia

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RESUMO

I Bienal Latino-Americana de São Paulo, Mitos e Magia: Em busca de identidade

artístico-cultural.

A presente dissertação de mestrado propõe-se a analisar o processo de criação da primeira e

única edição da Bienal Latino-Americana de São Paulo, que teve como título-tema Mitos e

Magia, realizada no período de 3 de novembro a 17 de dezembro de 1978, na cidade de São

Paulo.

Os registros remanescentes, deste acontecimento, testemunham a importância do encontro

entre críticos de arte, artistas e intelectuais das humanidades em debate sobre as questões

polêmicas relativas às identidades culturais da América Latina, na sua produção artística

contemporânea. O centro dessa discussão girou em torno do tema, sua expansão e seus

limites. Observou a regulamentação da mostra e a análise do processo da I Bienal Latino-

americana de São Paulo, trouxe à luz a falta de um ideário capaz de abranger o universo plural

das nossas culturas.

Palavras chave: bienais; arte latino-americana; identidade cultural; mito; magia; crítica de

arte.

Page 8: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

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ABSTRACT

I Sao Paulo Latin-American Biennial, Myths and Magic: searching for a cultural-artistic

identity.

The purpose of this research is to analyze the process of creation of the first and only edition

of the São Paulo Latin American Biennial, called Myths and Magic, which was held from

November 3rd

to December 17th

, 1978, in Sao Paulo.

The remaining records of this event attest to the importance of this meeting among art critics,

artists and intellectuals of humanities who debated about controversial issues related to

cultural identities in Latin America, in its contemporary production. The focus of their

discussion was the Biennial’s theme, its expansion and limits. The regulation of the display

and the development of the process of the I São Paulo Latin American Biennial were analyzed

in this research. It also raises issues concerning the lack of a body of ideas that comprises the

plural universe of the Latin American continent.

Key words: biennials; Latin American art; cultural identity, myth, magic, art criticism.

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RESUMEN

I Bienal Latino-Americana de San Pablo, Mitos y Magia: en busca de identidad artístico-

cultural.

La presente disertación de máster propone analizar el proceso de creación de la primera y

única edición de la Bienal Latino-Americana de San Pablo, que tuvo como título-tema Mitos

y Magia, realizada en el periodo de 3 de noviembre a 17 de diciembre de 1978, en la ciudad

de San Pablo.

Los registros remanentes de este acontecimiento son testigos de la importancia del encuentro

entre críticos de arte, artistas e intelectuales de las humanidades en debate sobre cuestiones

polémicas relacionadas a las identidades culturales de América Latina en su producción

contemporánea. El centro de esta discusión fue el tema de la Bienal, su expansión y límites.

La investigación observó la reglamentación de la muestra y la análisis del proceso de la I

Bienal Latino-americana de San Pablo y evidenció la falta de un ideario capaz de abarcar el

universo plural del continente latino-americano.

Palabras-clave: bienales; arte latino americana; identidad cultural, mito, magia, crítica de arte.

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LISTA DE SIGLAS MENCIONADAS

ABAPP: Associação Brasileira de Artistas Plásticos Profissionais

ABCA: Associação Brasileira de Críticos de Arte

AICA: Associação Internacional de Críticos de Arte

BLA: Bienal Latino-Americana

CAC: Conselho de Arte e Cultura

CAYC: Centro de Arte y Comunicación

FBSP: Fundação Bienal de São Paulo

FUNARTE: Fundação Nacional de Arte

I BLA: Primeira Bienal Latino-Americana

IDART: Departamento de Informação e Documentação Artística

MAC: Museu de Arte Contemporânea

MoMA: Museum of Modern Art

MBA: Master of Business Administration

SMCSP: Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo

UMLAC: União de Museus da América Latina e Caribe

UNAM: Universidade Nacional Autônoma do México

USP: Universidade de São Paulo

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Imagem instantânea de arquivo. Ao pé do caboclo, apresentado na

abertura da I Bienal Latino Americana...........................................................................

Figura 2 – Victor Grippo, CAYC - Grupo de Los Trece (Argentina), da série Mitos

del Oro………………………………………………………………..….……………………….

Figura 3 – Antonio M. Ruiz (México), TRANQUILINA, 1931.......................................

Figura 4 – Antonio Carlos Fontoura (Brasil), Cordão de Ouro, 1976-1977...................

Figura 5 – Juan Egenau - Chile - BLINDAJE PARA UN TORSO, 1973……….…….

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SUMÁRIO

Introdução......................................................................................................................

Capítulo 1 – Criação da I Bienal Latino-Americana de 1978: Herança Histórica

das Bienais de Artes Visuais.........................................................................................

1.1 Bienal de Veneza paradigma para a criação das Bienais de São Paulo.........

1.2 Das primeiras experiências de Bienais realizadas pelo Museu de Arte

Moderna de São Paulo à XIV Bienal realizada pela Fundação Bienal...............

1.3 Arte Latino-Americana ou a busca de identidade cultural como solução

para a crise da Bienal Internacional de São Paulo?.............................................

1.4 A Crítica e o Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal: a polêmica

em questão...........................................................................................................

Capítulo 2 - I Bienal Latino-Americana de São Paulo: Idéia, Fato e Versão..........

2.1 “Mitos e Magia” um grande espetáculo entre o ideal e o real - utopia ou

realidade?.............................................................................................................

2.2 I Bienal Latino-Americana: vozes da recepção............................................

Capítulo 3 – As Manifestações Artísticas da I Bienal Latino-Americana de São

Paulo: Artistas exemplares e Crítica renovada..........................................................

3.1 Artistas exemplares dos fundamentos da identidade latino-americana:

Cultura Mestiça, Cultura Indígena, Cultura Africana e Cultura Euro-asiática....

3.2 A morte da Bienal Latino-Americana de São Paulo: defesas e acusações....

Considerações Finais.....................................................................................................

Referências.....................................................................................................................

Anexos.............................................................................................................................

Anexo I - Excertos de textos críticos selecionados e alguns comentados sobre a I

Bienal Latino-Americana................................................................................................

Anexo II - Documentos e artigos....................................................................................

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Introdução 13

INTRODUÇÃO

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Introdução 14

A densidade e a qualidade da produção artística em todas as regiões

da América Latina são fatos incontestáveis. O que se questiona, ora

negando, é a existência de uma arte latino-americana como

totalidade, com sentido identitário, capaz de diferenciar-se e

diferenciar-nos no confronto com as matrizes impostas pelas culturas

hegemônicas.

Mariza Bertoli 1

Historicamente, constata-se que a arte latino-americana foi, por muito tempo, pouco

difundida, discutida e reconhecida. Somente a partir dos anos 70, em todas as regiões culturais

da América Latina e do Caribe, pode-se afirmar a existência da excelência da crítica e da arte

latino-americana, como visualidade diferenciada bem observada durante o XLI Congresso

Internacional da AICA (2007)2, que contou com conferências de renomados pensadores da

nossa crítica de arte como Nestor Garcia Canclini (México), Tício Escobar (Paraguai) e

Lisbeth Rebollo Gonçalves, vice-presidente AICA (Brasil). Esse é mais um dos motivos que

suscita o interesse cada vez maior de pesquisar com profundidade sobre essas questões

intrínsecas da história e da crítica de arte. Principalmente aqueles que procuram identificar

quais são os nexos simbólicos que constituem a identidade, presente na produção artístico-

cultural que emerge do cerne criativo da imaginação e da realidade dos artistas que integram a

América Latina. Razão essa, que se acredita ser a única que de fato nos permitirá constatar o

quê constitui propriamente a dita diversidade cultural e, assim, refletir sobre suas

especificidades, originalidades, para então, pensar nas possibilidades de uma imanência de

identidade artístico-cultural presente na arte do Continente e do Caribe.

A importância da consciência das origens culturais de cada comunidade é o que se pode

admitir como fonte de toda a criação para o artista. Movido pela sensibilidade, manifesta no

seu fazer artístico, na extensão de si mesmo com o entorno. No entanto, o reconhecimento

dessa importância é muitas vezes esquecido ou escamoteado na história oficial. Em

contrapartida, desperta a necessidade de investigação e torna-se um desafio para o

pesquisador de arte. Neste estudo, entretanto, trataremos especialmente da produção e crítica

da arte latino-americana.

1BERTOLI, Mariza. A descoberta da Arte Latino-Americana, Casa Latino-Americana – CASLA - Curso Arte e

Cultura da América Latina - Curitiba, 1989. 2 Associação Internacional de Críticos de Arte – A Institucionalização da Arte Contemporânea: a crítica de arte,

os museus, as bienais, o mercado de arte, realizado de 01 a 04 de outubro de 2007 na Universidade de São

Paulo.

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Introdução 15

A presente dissertação propôs-se a pesquisar o processo de criação e realização da I Bienal

Latino-Americana, cuja única edição aconteceu em São Paulo, de 03 de novembro a 17 de

dezembro de 1978, diferenciada de todos os modelos de bienais até então adotados, inovadora

em propor um tema – Mitos e Magia - como fio condutor. Objetivando indagar acerca da arte

e da crítica contemporânea da nossa América, procurou encontrar os denominadores comuns e

explicar a preocupação pela pesquisa e pela análise, com a finalidade do redescobrimento das

nossas origens e discussão da transculturação formadora das nossas culturas.

Em 1978, no momento de realização da I Bienal Latino-Americana, constatou-se que não

havia políticas de investimento para a arte e cultura que propiciasse um evento conforme os

propósitos daquela Comissão Organizadora, fato este que contribuiu sobremaneira para que o

projeto não tivesse a continuidade planejada no Simpósio que discutiu os temas: Mitos e

Magia na Arte Latino-Americana; Problemas Gerais da Arte Latino-Americana; Propostas

para a II Bienal Latino-Americana de 1980. Porém, a falta de investimento financeiro não foi

a única razão para que o projeto não tivesse continuidade, já que a situação política da

América Latina era cabalmente contra qualquer ação que promovesse integração .

Pensar a reação da crítica após a realização da I Bienal Latino-Americana, para verificar até

que ponto ela esteve ou não compromissada com a proposta da Comissão Organizadora da

Fundação Bienal. Demonstrar que nessa Bienal os limites geopolíticos não eliminaram a

extensão da unidade dos diversos territórios culturais, mas - ao contrário - abriram-se às

possibilidades de intercâmbio cultural no Continente e que poderiam também abranger o

Caribe, caso não houvesse o impedimento cabal da ditadura.

Ao estranhar o fato do projeto da Bienal Latino-Americana de São Paulo não ter tido

continuidade, uma questão se abre. Seria um ranço colonialista? Por que os espaços nobres

não são dedicados aos grandes artistas latino-americanos e sim oferecidos aos europeus ou

norte-americanos?

A partir dessas questões essa dissertação quer apresentar reflexões sobre a produção de arte e

crítica na América Latina, tomando a I Bienal Latino Americana de 1978, como foco.

Essa Bienal, realizada no Pavilhão Armando de Arruda Paiva – Ibirapuera, foi uma das

últimas idéias do mecenas Francisco Matarazzo Sobrinho (1898 -1977), que tomou forma a

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Introdução 16

partir da posse do I Conselho de Arte e Cultura, composto por intelectuais de áreas

humanísticas, artistas e críticos de arte como: Jacob Klintowitz, Leopoldo Raimo, Marc

Berkowitz, Maria Bonomi, Yolanda Mohalyi, Sílvia Ambrosini e Juan Acha, responsáveis

pelo programa cultural da Fundação Bienal de São Paulo em 1976. Após uma elaboração de

dois anos, já na gestão do II Conselho de Arte e Cultura, composto por Alberto

Beuttenmüller, Carlos Von Schmidit, Geraldo Edson de Andrade, Luiz Fernando Rodrigues

Alves e Olívio Tavares de Araújo com o apoio da Diretoria e dos poderes públicos da Nação,

foram ouvidos especialistas de diversas áreas do conhecimento. Sociólogos, antropólogos,

psicólogos, profissionais da música, do teatro, da dança, entre críticos de arte, decidiram

juntos instituir o tema Mitos e Magia. O fio condutor desse primeiro evento, sua proposta

fundamental representada pelo tema Mitos e Magia, nasceu, assim, da necessidade de

redescobrimentos das nossas origens. Ameríndios, negros, europeus e asiáticos, somos todos

mestiços. Culturas Híbridas como somos classificados por Garcia Canclini. Como diria

Octavio Paz: A cultura são culturas – somos isso e aquilo.

Ao mesmo tempo, outras necessidades se impõem tais como, discutirmos as más

interpretações sobre a nossa realidade artística, como a falta de reconhecimento e as possíveis

deformações interpretativas que pesam sobre as nossas culturas. Pensar as correntes

ideológicas dos países dominantes e as pressões globalizantes, que sofremos.

A Fundação Bienal de São Paulo ao criar a Bienal Latino-Americana, de acordo com o texto

de apresentação do catálogo, tinha como propósito oferecer aos artistas e intelectuais um

ponto de encontro que possibilitasse o debate para estabelecer o que se poderia chamar de arte

latino-americana. Esse objetivo teria sido alcançado no simpósio proposto para os três

primeiros dias de inauguração da referida Bienal, documentado no primeiro e segundo

volumes impressos Simpósio da I Bienal Latino-Americana de São Paulo 3. Os temas

propostos foram debatidos por trinta e três intelectuais, entre eles destacamos: Darcy Ribeiro,

Ernesto Sabato, Mário Pedrosa, Nestor Garcia Canclini, Adalice Maria de Araújo, Jacob

Klintowitz, Jorge Glusberg, Jorge Romero Brest, Marta Traba e Sílvia Ambrosini, convidados

para o simpósio coordenado pelo crítico de arte Juan Acha4, ensaísta e editor peruano,

radicado no México, defensor da idéia de latino-americanidade nas artes, inclusive foi um dos

3Simpósio I Bienal Latino-Americana de São Paulo, Vol. I e II, patrocinado pelos poderes públicos através do

Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Educação e Cultura – Funart; Secretaria de Cultura, Ciência e

Tecnologia de São Paulo e Secretaria Municipal de Cultura – PMSP. 4ACHA, Juan. Artigo de jornal do Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal.

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Introdução 17

maiores sustentadores da proposta do tema Mitos e Magia para a I Bienal Latino-Americana

com o seguinte argumento:

Primeiro porque transcende o plano artístico visual, vai além, até a essência

cultural, nossas raízes, que nos ligam e nos situam como latino-americanos,

subdesenvolvidos, fazendo parte do Terceiro Mundo, tanto no plano cultural

como político. E dessa investigação de nossa essência, dos traços de união

que temos no passado, podemos partir para a constatação do presente e ter

um posicionamento em relação ao futuro, colocando claramente a América

Latina dentro do contexto mundial. Assim, o tema Mitos e Magia abre um

campo enorme, englobando todas as manifestações culturais que se refletem

politicamente. – Porque esta Bienal foi criada não com o sentido de premiar

apenas – um sentido europeu que conduziu todas as Bienais até hoje. Mas

com o propósito de promover a pesquisa de nosso comportamento traduzindo-

o visualmente. Em todas as Bienais sempre houve uma orientação em relação

a arte como a entende o europeu, o colonizador. Esta é a primeira em que

arte passa a ter um sentido muito mais amplo, de qualquer manifestação

cultural nossa, caracteristicamente latino-americana e voltada para a nossa

essência, onde estão presentes o elemento indígena e o elemento africano.

A proposta desta dissertação não é trazer respostas definitivas, mas propor diálogos,

mostrando um processo: a reflexão crítica sobre a I Bienal Latino-Americana de São Paulo de

1978. Considerando os fundamentos que fizeram dessa idéia uma realidade do ponto vista do

debate crítico, histórico-político e antropológico além do panorama da nossa visualidade

plástica, cria uma indagação sobre o reconhecimento da arte latino-americana, o que não é

pouco.

O interesse por pesquisar a I Bienal Latino-Americana de São Paulo 1978 – Mitos e Magia -

surgiu, sobretudo, da intenção de compreender este grande acontecimento, pioneiro e que se

tornou polêmico pela proposta de abertura do debate sobre a produção artística na América

Latina.

Entender por que um projeto de tal amplitude foi “desaquecido” e deixado no esquecimento?

Perceber se na visualidade plástica que mostra a mestiçagem, o sincretismo, o hibridismo

cultural nesta exposição de arte contemporânea da América Latina, proposta pelo tema da

Bienal, possibilitou identificar o que nos une e nos destaca das matrizes?

Os registros deixados permitem identificar nessa produção artística as marcas de opressão e

resistência, deixadas pelos processos políticos de ditaduras e censuras, que promoveram

terror, suscitando irreparáveis danos para uma geração que vislumbrava consolidar no

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Introdução 18

desenvolvimentismo e no progresso uma nova era de multiculturalidade e justiça social no

Continente e no Caribe.

No 1º. Capítulo, faz-se a remissão à história das bienais, a partir da Bienal de Veneza, que

serviu de modelo para a criação da Bienal Internacional de São Paulo. Aborda-se a questão do

modelo implantado, desde as primeiras bienais organizadas pelo MAM, até a XIV Bienal

Internacional de São Paulo, então promovidas pela Fundação Bienal. Situa-se a Arte Latino-

Americana e as Identidades Culturais no contexto da modernidade. Assim como,

circunscreve-se a polêmica entre críticos de arte e o Conselho de Arte e Cultura da Fundação

Bienal, sobre o tema e o regulamento da Bienal Latino-Americana de São Paulo.

No 2º. Capítulo, discorre-se acerca da experiência, numa perspectiva de reconstrução dos

fatos que fizeram de uma idéia um acontecimento inédito no campo da arte e cultura, na

América Latina. Comenta-se as concepções da crítica de arte em relação à realização da

Bienal Latino-Americana.

No 3º. Capítulo, destaca-se na primeira parte, quatro imagens de obras expostas na I Bienal

Latino-Americana, que caracterizaram as áreas antropológicas da exposição. A segunda parte

trata dos comentários de defesa e de acusação mais relevantes sobre a interrupção do projeto

das Bienais Latino-Americanas.

A dissertação coloca em pauta a importância histórica da I Bienal Latino-Americana de São

Paulo, 1978 – Mitos e Magia – em relação à identidade da América Latina, estabelece este

contorno dentro do contexto político-militar do país e define as motivações no entrechoque

das idéias. Identifica as razões que levaram a interrupção do projeto das Bienais Latino-

Americanas de São Paulo, cuja segunda edição havia sido proposta no Simpósio realizado nos

três primeiros dias da I Bienal, o que não aconteceu.

As fontes utilizadas foram documentos selecionados do Arquivo Wanda Svevo da Fundação

Bienal de São Paulo; do acervo particular da crítica de arte Mariza Bertoli; do Arquivo

Multimeios da Secretaria Municipal de Cultura – PMSP; do Catálogo: I Bienal Latino-

Americana de São Paulo, 1978; e do livro Arte e meio artístico (1961-1981): entre a feijoada

e o x-burguer, da crítica de arte Aracy Amaral. Todo material selecionado contribuiu de

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Introdução 19

maneira fundamental para as reflexões e análises feitas na realização do trabalho, que ora se

apresenta.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 20

CAPÍTULO 1

________________________________________________________________

CRIAÇÃO DA I BIENAL LATINO-AMERICANA DE SÃO PAULO DE

1978

HERANÇA HISTÓRICA DAS BIENAIS DE ARTES VISUAIS

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 21

1.1 BIENAL DE VENEZA - PARADIGMA PARA A CRIAÇÃO DA BIENAL

INTERNACIONAL DE SÃO PAULO

A historia da arte não reconstrói um desenvolvimento progressivo. Esta é

outra singularidade pela qual se diferencia do esquema histórico

convencional. E nada nos proíbe acreditar que a história da arte, da mesma

forma que é a única que contesta a separação entre passado e presente,

também seja a única que escapa a inevitabilidade do progresso.5

Giulio Carlo Argan

A humanidade quase sempre procurou de alguma forma celebrar as suas grandes criações, o

que equivale à vontade de imortalidade que a persegue, isto é, manifesta-se por meio das mais

diversas e inusitadas linguagens em ação, como um ritual. Não obstante, imprime essa

celebração, registrando tais realizações nas páginas da história. Aos atentos, ávidos e

desejosos que buscam o conhecimento das coisas do mundo físico e metafísico, tais

celebrações proporcionam o que se chama de conhecimento sensível a partilhar. Tal

conhecimento comporta o acontecer do mundo interior e exterior, o subjetivo e o objetivo, o

natural e o artificial em seus movimentos e tensões. Assim, podemos pensar que o universo

das artes busca encontrar espaço no tempo, como flores que surpreendentemente brotam nas

rachaduras do asfalto das avenidas movimentadas das grandes cidades, mostrando a força da

natureza e passando a tornar-se parte da vida cotidiana, compondo os fatos que tecem a

história da humanidade.

Um exemplo de celebração que destacamos como o maior acontecimento mundial de artes

visuais é a primeira Bienal de Veneza, criada em 1895. Este grande acontecimento foi sediado

numa região privilegiada da Itália, o Vêneto, em um momento econômico favorável. O

cenário de beleza natural em harmonia com a diversidade. A natureza e as invenções técnicas

da engenharia na superação do terror das invasões tornaram Veneza uma cidade insuspeitada.

A I Bienal de Veneza acomoda a sua modernidade num cenário entre renascentista, barroco e

simbolista, envolto em mistério, nos reflexos dos canais que multiplicam lances de

arquitetura, de pintura e de escultura. Como disse o historiador de arte Louis Hautecouer. “Se

5 ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. Martins Fontes. São Paulo, 1995.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 22

quisermos encontrar o barroco, um barroco que não possa ser qualificado de maneirismo, um

barroco denso, vivo ao mesmo tempo dramático e faustoso, devemos ir à Veneza”.6

Nesse cenário exuberante, Francisco Alambert e Polyana Canhête, cita Ivo Mesquita, no

artigo Veneza como modelo, que comenta sua inspiração:

(...) baseada no modelo das feiras internacionais, realizadas a partir da

segunda metade do século XIX, a Bienal de Veneza, criada em 1895, já fora

concebida como uma estratégia econômica. Após a reunificação da Itália, as

cidades do norte do país (...) apoiadas por investimentos de capital alemão,

lançaram-se num acelerado processo de desenvolvimento e modernização (...)

Devido à singularidade de sua geografia, Veneza, no entanto, não se prestava

à adoção desse modelo de desenvolvimento.7

O resultado alcançado após algumas edições de sucesso, viria se tornar paradigma a ser

seguido por empreendedores que viam nas artes visuais a oportunidade de bom investimento

lucrativo, financeiramente, como socialmente, garantia de status. Empreendedores bem

sucedidos aproveitaram o momento para colocarem-se como adidos culturais, mediadores,

cumprindo assim, um papel importantíssimo em contribuir para inserção de suas cidades

como pólo econômico e ao mesmo tempo difusor de arte e cultura, a exemplo de Veneza.

O final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o Brasil como a maioria dos

países da América do Sul, encontrava-se em processo de desenvolvimento econômico e

cultural. Principalmente, Brasil, México e Argentina que investiam maciçamente no setor da

indústria e na urbanização das cidades.

O crítico de arte Frederico Morais, um dos importantes conhecedores da arte e da realidade

cultural da América Latina, num trecho do seu artigo, Reescrevendo a história da arte Latino-

americana,8 declara que,

Desde os tempos de colonização européia, a principal marca da nossa

marginalização é a ausência da América Latina na história da arte universal.

Segundo uma perspectiva metropolitana, nós, latino-americanos, estaríamos

fatalizados a ser eternamente uma “cultura de repetição”, reprodutora de

6 HAUTECOEUR, Louis. História Geral da Arte: Da Realidade à Beleza. Capitulo XXVI - A segunda metade

do século XVI – Pintura. Tomo II. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1963, p. 245. 7 ALAMBERT, Francisco, CACHÊTE, Polyana Lopes. As bienais de São Paulo: da era do museu à era dos

curadores; (1951-2001): Boitempo, São Paulo, 2004, p.32, In: Ivo Mesquita. “Bienais, bienais, bienais, bienais,

bienais, bienais”. Revista USP. São Paulo, nº. 52, dezembro, janeiro, fevereiro, 2001-2002, p. 74-5. 8 CATÁLOGO da primeira Bienal de Artes Visuais do Mercosul – Apresentação. Porto Alegre: FBAVM, 1997.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 23

modelos, não nos cabendo fundar ou inaugurar estéticas ou movimentos que

poderiam ser incorporados à arte universal.

Em alguns países da América Latina, entretanto, o crescimento das indústrias e das cidades

trouxe ao mesmo tempo conseqüências inevitáveis, uma das mais significativas foi o

enfraquecimento do poder dos antigos grupos oligárquicos, ligados à produção agrícola e com

o controle do Estado. Podemos dizer que os investimentos eram mais na área econômica e

menos na área cultural.

No Brasil, não foi diferente, contudo, na cultura, teve importantes acontecimentos que vieram

proporcionar novos rumos, como exemplo, tivemos uma modernização artística com o

movimento modernista que no seu projeto estético continha um anseio por renovação da arte,

assim como também, uma construção de uma consciência atualizada da cultura nacional.

O modernismo ampliou seus fundamentos não apenas nas artes plásticas, foi mais além,

resultou numa significativa produção, na música e na literatura. Nas artes plásticas

destacaram-se artistas que foram construtores do modernismo brasileiro: Anita Malfatti,

Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Victor Brecheret, Antonio Gomide, Vicente do Rego

Monteiro, Ismael Nery, Lasar Segall e Flávio de Carvalho. Destes, somente Tarsila do Amaral

não participou da Semana de 22, em São Paulo. Outro importante contingente de artistas,

eram imigrantes ou descendentes de imigrantes, constituíram um capítulo sui generis do

processo das artes plásticas, à época da consolidação do modernismo brasileiro. Entre eles,

Zanini, Rebolo, Volpi, Graciano, Pennachi, Bonadei, Joaquim Lopes Figueira, Mick

Carnicelli, Paulo Rossi Osir, Quirino da Silva, José Pancetti e Alberto da Veiga Guignard. Na

literatura a seminal “Macunaíma” de Mário de Andrade, A antropofagia de Oswald de

Andrade. Na música, Villa Lobos etc. Na Argentina, os ideais do movimento vanguardista,

expresso nos poemas e nas gravuras, reafirmados no manifesto Martin Fierro, de Oliverio

Girondo. No México, a forte expressão artística da estética do Muralismo Mexicano,

representado por Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e José Clemente Orozco, entre outros,

em produções apologéticas que exaltam os movimentos sociais de resistência aos

colonizadores.

Conforme registra a história oficial, nos quatro séculos e meio de vida do Brasil, mais

especificamente a partir do fim do Estado Novo, em 1945, os militares obrigaram o populista

Getúlio Vargas a se afastar da Presidência do Brasil, por temerem que o populismo

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 24

estabelecido em seu governo, o levasse a render-se aos apelos da democracia proposta pelos

comunistas. Haja vista que parte significativa da intelectualidade e do povo brasileiro, assim

como, parte do continente americano, via-se irresistivelmente cedendo aos encantos da

ideologia comunista.

A conjuntura brasileira do pós 2ª. Guerra mundial encontrava-se num período no qual se

combinaram democracia, crescimento econômico e desenvolvimento cultural. No

desenvolvimento cultural, ressalta-se a importante fundação da Cinematográfica Vera Cruz

em 04 de novembro de 1949, na cidade de São Bernardo do Campo, no município paulista,

tendo como principais acionistas o produtor italiano Franco Zampari e o empresário brasileiro

Francisco Matarazzo sobrinho. Obteve o seu maior sucesso de bilheteria com o filme “O

cangaceiro” dirigido por Lima Barreto e premiado no Festival de Cannes, França, 1953.

Todavia, deve-se ceder o devido reconhecimento à contribuição do mentor intelectual e

industrial bem sucedido de origem italiana, Francisco Matarazzo Sobrinho, apelidado

“Cicillo”, comissário da representação brasileira na Bienal de Veneza de 1948, que após dois

anos levou uma delegação brasileira para participar, também pela primeira vez, da mostra

veneziana. Experiência essa, que deviria resultar em conhecimento para ser aplicado na

concretização da idéia que tinha Cicillo, de realizar algo parecido aqui no Brasil. Ao mesmo

tempo, ganharia com esse empreendimento notoriedade e respeito ao inserir São Paulo como

pólo, também, cultural, já que se destacava como eixo econômico do Brasil.

Portanto, dessa prerrogativa resultou no processo de elaboração do regulamento da I Bienal de

Internacional de São Paulo, que foi inspirado precisamente no regulamento da Bienal de

Veneza, adaptando-o às características nacionais com a ajuda do então diretor do Museu de

Arte Moderna de São Paulo, Lourival Gomes Machado.

Aracy Amaral, uma das maiores contribuições críticas da época, descreve esse inédito

acontecimento em sua análise sobre a criação da Bienal Internacional de São Paulo, comenta

em seu artigo, A Bienal Latino-Americana ou o desvirtuamento de uma iniciativa.9 Diz que:

9 AMARAL, A. A. Arte e meio artístico (1961-1981): entre a feijoada e o x-burguer. São Paulo: Nobel, 1983,

296.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 25

O momento do surgimento das Bienais de São Paulo, em 1951, correspondeu

a uma época de febricitante movimentação cultural na capital paulista: tempo

do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), da Companhia Cinematográfica

Vera Cruz, da fundação dos Museus de Arte de São Paulo e Museu de Arte

Moderna, com cursos os mais variados revolucionando o conceito

museológico entre nós, além de exposições significativas para a formação de

novas gerações (de 1947 a 1951). A Bienal surgia assim – apesar de quase

como uma iniciativa do acaso, conforme testemunharia Di Prete a Lisbeth

Gonçalves – como uma extensão do Museu de Arte Moderna de São Paulo e

complementando sua função, que era de fornecer, como os demais afins

abertos em todo o mundo ocidental, uma possibilidade de iniciação às

correntes de arte, a partir do cubismo.

A cultura brasileira, em formação nos quatro séculos da sua existência e a partir do marco

histórico do Estado do Nacional vinha, sobretudo, voltada à importação da arte e cultura

européia. Nos anos 1950 a dependência cultural dividiu-se, sob tentáculos dos Estados Unidos

da América. São Paulo, nessa época vivia uma grande efervescência cultural, promovida pelo

crescimento industrial acelerado. As relações entre as classes dominantes do Brasil e a

burguesia internacional, serviam aos interesses capitalistas, cujo, centro no pós-guerra, se

deslocava do continente europeu para os Estados Unidos. As reservas intocadas de riquezas

naturais, nesta parte do continente, representavam um lucrativo negócio, sem grandes

investimentos e expressivo acúmulo de capital que sustentaria em grande parte o

desenvolvimento da Europa e dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, enriquecia a burguesia

agrária brasileira que se tornava industrial. Esse movimento dialético entre o

desenvolvimento industrial e a política populista implementada por Getulio Vargas, favoreceu

o deslocamento do eixo cultural do Rio de Janeiro para São Paulo.

Segundo a crítica de arte Aracy Amaral em comentário no seu artigo A Bienal Latino-

Americana ou o desvirtuamento de uma iniciativa, nos esclarece sobre a importação do

modelo veneziano de fazer Bienal.

Porém, pela própria existência da Bienal de Veneza e os vínculos

imediatamente estabelecidos com aquela entidade como um modelo, a de São

Paulo posicionou-se como uma réplica mais recente, fundada no que se

passava na Itália nos anos pares.10

10

idem

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 26

Como também podemos encontrar sobre esse registro de importação do modelo veneziano, na

exposição de Francisco Alambert e Polyana Canhête, no artigo Veneza como modelo.11

Quando comentam que:

De maneira análoga ao projeto de Veneza, desde a criação do MASP e do

MAM, o projeto da elite cultural e de certos empresários paulistas era criar

em São Paulo um pólo cultural fundado na ultra-modernidade como

referência até mesmo mundial, ao mesmo tempo, poderia contribuir para

internacionalizar (ou “exportar”) a arte brasileira. E para isso, precisavam

“importar” referências. De fato, é desse projeto que surge a Bienal. Na

história de nossa cultura, fomos importando tudo até chegar a importar, no

segundo surto industrializante dos anos 1940-1950, a Bienal de Veneza.

Enfim, o modelo veneziano foi de fato colocado em prática pelo diretor artístico, Lourival

Gomes Machado, como referência exclusiva para a criação da I Bienal Internacional de São

Paulo, o que resultou orgânica e definitivamente em protocolo para as relações internacionais

no campo das artes visuais do Brasil com resto do mundo.

Aracy Amaral em sua análise no artigo, A Bienal Latino-Americana ou desvirtuamento de

uma iniciativa, comenta a da falta de um olhar identitário para o reconhecimento da arte

Latino- Americana, em suas considerações.

Em meio a todas as grandes manifestações artísticas, nós os latino-

americanos, ficávamos meio de pingentes, por assim dizer, nas Bienais, não

nos olhando muito e vendo-nos sempre como um reflexo nativo em versão

subdesenvolvida das correntes européias ou norte-americanas. E que a

discussão sobre arte latino-americana surgia como uma necessidade de

conscientização, uma busca sobre a nossa identidade cultural – um tentar se

assumir em nossa mestiçagem, que caracteriza como única a atmosfera do

continente latino-americano – um apelo à formulação de nossos

denominadores comuns do ponto de vista cultural, para posterior análise do

problema no tempo.12

1.2 DAS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS DE BIENAIS REALIZADAS PELO MUSEU DE

ARTE MODERNA DE SÃO PAULO À XIV BIENAL REALIZADA PELA FUNDAÇÃO

BIENAL.

11

ALAMBERT, Francisco, CANHÊTE, Polyana Lopes. As bienais de São Paulo: da era do museu à era dos

curadores; (1951-2001). São Paulo: Boitempo, 2004, p.33 12

idem

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 27

Ao circunscrever nosso estudo sobre as primeiras bienais, realizadas pelo Museu de Arte

Moderna de São Paulo à 14ª Bienal Internacional de São Paulo, realizada pela Fundação

Bienal, foi imprescindível fundamentar as investigações em autores que do nosso ponto de

vista, fossem insofismáveis e sucintos nas suas reflexões acerca dessas primeiras experiências

de Bienais ocorridas no Brasil. Acontecimentos esses, que antecedem a I Bienal Latino-

americana de São Paulo, que é o objeto deste trabalho de pesquisa e estudo.

Encontramos o que precisávamos para a exposição sobre essas experiências nas análises

publicadas na obra, Bienal Internacional de São Paulo, 1951-2006,13

da crítica de arte Leonor

Amarante, que nos forneceu primorosa contribuição para este estudo. Embora, nesta reflexão

nos limitaremos apenas às analises feitas da I a XIV Bienal Internacional de São Paulo. Que

corresponde às edições que antecedem a I Bienal Latino-Americana, objeto desta dissertação.

Segundo Leonor Amarante, a história brasileira das artes plásticas pode dividir-se em dois

grandes capítulos: o antes e o depois da criação da Bienal Internacional de São Paulo,

organizada em 20 de outubro de 1951 pelo MAM. A partir desta data o Brasil, passou a estar

presente no mapa dos grandes acontecimentos artísticos no âmbito internacional. Inspirada na

exposição mais antiga do gênero, a Bienal de Veneza (1895).

Essa primeira experiência de Bienal atingiu um sucesso inédito no Brasil. Onde as 1.800

obras procedentes dos 20 países participantes puderam ser vistas ao longo de dois meses e

meio, por 50.000 visitantes, quantidade expressiva para a época. Expostas num pavilhão

especial, construído no Trianon, espaço nobre situado na Avenida Paulista, lugar usado para

baile pela alta sociedade.

No Brasil, praticamente não existia intercâmbio de arte e, por sua vez, o público se encontrava

na barreira que supunha o desconhecimento da denominada “arte moderna”, representada por

Pablo Picasso, Fernand Léger, Jackson Pollock, René Magritte, Giorgio Morandi y Alberto

Giacometti, entre os artistas estrangeiros, e por Emiliano Di Cavalcanti, Cândido Portinari,

Lasar Segall, Tarsila do Amaral e Victor Brecheret, entre os brasileiros.

13

IV BIENAL DEL MUSEO DE ARTE MODERNO, 1957, São Paulo, Brasil. ARTE MODERNOAREN

MUSEOAREN IV. BIENALA. Espanha: Fundación Museo Oteiza Fundazio Museoa, 2007, p.p. 253 -287.

Acervo MAC-USP.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 28

É importante observar que, os cubanos, todavia sob o regime capitalista não conseguiram o

apoio de sua embaixada pelo que, vieram por conta própria.

Nessa onda de desenvolvimento cultural, São Paulo começava sua ascensão econômica e

industrial. Embora, existisse um grande abismo entre essa aceleração cosmopolita e os

avanços culturais. Neste sentido, a Bienal surgia como um ponto de equilíbrio e um incentivo

para olhar para frente.

Apesar de seu caráter amador, essa primeira edição serviu de prova para a Bienal

Internacional de São Paulo, transformando-a no evento cultural brasileiro mais respeitado no

estrangeiro.

A II Bienal, de 1953, foi transferida para os edifícios especialmente construídos no Parque

Ibirapuera. Inaugurada em dezembro, prolongou-se até fevereiro de 1954. Integrou as

celebrações do 4º Centenário de São Paulo com um elenco jamais visto no Brasil e traduzia a

evolução da arte contemporânea através das obras de Pablo Picasso, Paul Klee, Georges

Braque, Marcel Duchamp, Oskar Kokoschka, Constantin Brancusi e Walter Gropius, um dos

fundadores da Bauhaus cujas obras receberam sala especial.

Com o Parque ainda em construção, aconteceram algumas situações imprevistas. A

“Guernica” de Picasso foi transportada em caminhão. Foi uma das 75 peças, da sala especial

dedicada a Picasso, que maior impacto causou durante a 2ª edição e que por sua vez, ajudou a

consolidar a Bienal. A obra teve grande repercussão no âmbito internacional.

As salas de exposições especiais dedicadas à arte contemporânea foram chaves nesta edição.

A sala dedicada ao cubismo reuniu 25 artistas atuantes do movimento, entre os anos 1907 e

1925. Sobressaíram as ramificações cubistas na arte abstrata, através das obras de Braque,

Sonia e Robert Delaunay, Fernad Léger, Juan Gris e Francis Picabia, entre outros. O

futurismo italiano estava representado pelas obras de Giacomo Balla, Carlo Carrá, Ardengo

Soffici e Umberto Boccioni, entre outros.

As nove pinturas e onze gravuras de Kokoschka foram suficientes para que a Áustria

brilhasse. A Holanda enviou 20 quadros de Mondrian que abarcavam mais de 30 anos de arte

(1910-1942), serviu para corrigir o erro da representação holandesa que na 1ª Bienal havia

excluído aos artistas de vanguarda. A Noruega contribuiu com 19 pinturas e 50 gravuras de

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 29

Edvard Munch, considerado como um dos pintores mais influentes do expressionismo. A sala

do escultor inglês Henry Moore, contava com 29 esculturas e 40 desenhos, sob a curadoria de

Herbert Read. Entre os brasileiros destacaram-se nesta edição Volpi, Di Cavalcanti e Maria

Martins. Esta edição foi antológica e jamais superada por qualquer outra Bienal em

importância e reconhecimento.

A III Bienal, de 1955, sob a curadoria de Mário Pedrosa, foi inaugurada ainda sob o impacto

da 2ª edição que deu a Bienal de São Paulo uma fisionomia própria. Distante da

experimentada Bienal de Veneza, com 60 anos de experiência e sem a preocupação da

novíssima Quatrienal de Kassel, criada em 1955 e orientada ao mercado, a Bienal de São

Paulo, por sua vez, fez todo o possível por manter a qualidade na sua terceira edição. Mais de

1500 obras de artistas estrangeiros de entre as 1992 que chegaram ao Ibirapuera, se

encontravam expostas no andar superior. As maiores representações eram as pertencentes à

Itália e à França.

Essa edição trouxe para os brasileiros o muralismo mexicano, cuja sala especial contava com

44 gravuras de José Clemente Orozco, Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e Rufino

Tamayo. Pintar muros, dando-lhes vida, era uma idéia que já existia no México havendo sido

desenvolvida nos primeiros 20 anos do século XX, um programa estético-político que deu

certo. Apesar de haver sido mais modesta, demonstrava profissionalismo até pela elaboração

do catálogo.

A IV Bienal, de 1957, foi novamente transferida passando a expor suas obras no Pavilhão das

Indústrias, dentro do mesmo Parque Ibirapuera, lugar onde permanece até hoje. Embora a

troca fosse unicamente física, os critérios de seleção também mudaram e como conseqüência,

84% das obras brasileiras inscritas foram recusadas. A quarta edição foi inaugurada sob um

clima muito tenso e passou à história como uma das mais tumultuadas de toda a trajetória da

Bienal de São Paulo. Os problemas começaram quando foi publicada a lista de corte feita

pelos membros do júri, Lourival Gomes Machado, Lívio Abramo, José Geraldo Vieira, Flávio

d‟Aquino e Armando Ferrari.

Uma das maiores contribuições desta edição foi a revelação, para os brasileiros, da obra do

norte-americano Jackson Pollock, pintor polêmico que morreu aos 44 anos, um ano antes da

inauguração da Bienal. Criador da action-painting, nome fundamental do expressionismo

abstrato, Pollock passou a ser disputado por todos os museus. Esta edição se caracterizou pelo

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 30

símbolo do surrealismo. Dentre os participantes, dois nomes resultaram fundamentais: René

Magritte e Paul Delvaux, ambos pertencentes à mesma geração.

A Bienal de São Paulo teve pinceladas de vanguardismo, apesar da que sua história estar

marcada por fortes tendências conservadoras pelo concessão de prêmios. O Grande Prêmio

concedido ao modernista espanhol Jorge Oteiza, um dos pioneiros da escultura abstrata na

Espanha. Praticamente desconhecido no âmbito internacional, surpreendeu a todos com uma

obra que ele mesmo considerava inacabada para uma Bienal. Oteiza obteve um grande êxito

na Bienal de São Paulo, como pessoa e como artista. Escultor, ensaísta e poeta, suas obras

apresentavam uma mescla de elementos arcaicos e vanguardistas. Com grande

reconhecimento, Oteiza passava a fazer parte do elenco de artistas de grande influência no

circuito internacional da época.

A V Bienal, de 1959, proporcionou a abertura de novos caminhos, apresentou a confrontação

entre produções do Oriente e do Ocidente. São Paulo conheceu a excepcional coleção de Van

Gogh. Além dele, a Holanda também mostrou obras de Karel Appel, Corneille e J. Nanninga,

três pintores do pós-guerra que utilizavam o mesmo repertório de cor. Nesta edição, os

brasileiros tiveram a oportunidade de conhecer uma parte significativa da obra de um dos

artistas portugueses mais importantes - Amadeo de Sousa Cardoso. A França reuniu quatro

séculos de gravuras e desenhos num panorama especial com obras de Édouard Manet, Paul

Cézanne, Auguste Renoir, Paul Gauguin, Raoul Dufy, Edgar Degas, Honoré Fragonard,

Eugène Delacroix e Camille Corot, entre outros.

A Inglaterra optou por enviar três artistas com técnicas completamente diferentes e que

transgrediam as linguagens convencionais: a escultora Bárbara Hepworth, que recebeu o

Grande Prêmio, o pintor Francis Bacon e o gravador Stanley William Hayter. A produção

oriental se confrontou com a ocidental através da belíssima exposição de 100 xilogravuras

Ukiyo-e, escola com mais de 300 anos de tradição. Ando Hiroshigue e Kitagawa Utamaro,

dois nomes que transcenderam a proposta do Japão, foram exibidos ao lado de gravadores

contemporâneos. A pintura moderna japonesa se encontrava representada por Shigejiro Sano,

ex-aluno de Matisse na Academia Julien de Paris, cujas pinturas eram muito superiores às de

Shiryu Morita, expoente da pintura ideográfica.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 31

Para esta quinta edição, o MoMA de Nova York escolheu o pintor Philip Guston e o escultor

David Smith. Além destes, outros dez artistas contemporâneos: Sam Francis, Helen

Frankenthaler, Michael Goldberg, Ruben Kadish, Gabriel Kohn, Alfred Leslie, James

Metcalf, Joan Mitchell e Robert Rauschenberg.

O grupo expressionista Die Brücke (A Ponte) foi a opção alemã para essa edição. Criado em

Dresden em 1905 por quatro jovens pintores, Erich Heckel, Fritz Bleyl, Ernest Ludwig

Kirchner e Karl Schmidt-Rottluf, todos eles autores de pinturas revolucionárias no sentido da

denúncia social.

É importante destacar a apresentação do uruguaio Joaquin Torres-Garcia. A maioria dos 30

quadros que compôs sua sala pertencia à fase construtivista, movimento do qual ele foi

precursor na América Latina. Apesar da chuva que inundava São Paulo, mais de 200.000

pessoas visitaram esta Bienal.

A VI Bienal, de 1961, edição que aconteceu em meio a violentas mudanças sociais, políticas e

culturais que ocorriam no mundo, teve a curadoria do crítico carioca Mário Pedrosa, que deu

preferência às obras de caráter histórico ou museológico. A Bienal completava 10 anos e já

mostrava sinais de esgotamento econômico. Os anos dourados do mecenato da década de 50

ficaram para trás, avistando-se no horizonte uma nova realidade. A Fundação Bienal se

transformou em uma entidade autônoma depois de haver permanecido ligada ao Museu de

Arte Moderna desde 1951. As contas da Bienal apresentavam grandes perdas. Cicillo

Matarazzo tinha um débito particular estimado na época em torno de 30 milhões de cruzeiros

reais (aproximadamente 115 mil dólares americanos da época), o que não permitia que

assumisse encargo do crescimento da Bienal. A solução foi transformá-la em uma entidade

autônoma para obter assim a ajuda do Município e do Estado, no que dizia respeito à

manutenção das exposições.

Para alcançar a contemporaneidade, Pedrosa propôs um mergulho no passado e organizou

várias exposições históricas importantes. Com a intenção de relacionar o barroco brasileiro

com o paraguaio e ressaltar a controvertida importância das missões na América Latina, a

Bienal exibiu A Arte Religiosa das Missões, uma coleção de esculturas realizadas sob o

regime teocrático-paternalista dos jesuítas, entre 1610 e 1667. A exposição provocou de novo

a antiga discussão sobre estas atividades “civilizadoras” na América do Sul. O caráter

museológico também influenciou o Japão que traçou uma retrospectiva de sua caligrafia, por

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 32

outro lado tão influente na arte ocidental. A sala japonesa exibiu 56 obras dentre as quais, as

mais antigas, do século VII, que apresentava traços de caracteres chineses, mostrando a sua

formação. A União Soviética foi uma das grandes decepções do ano. Ao enviar um conjunto

sem brilho de esculturas e gravuras. A maioria delas ligadas ao realismo socialista.

Com um elenco bem diversificado, segundo os comentários de Leonor Amarante, a França

montou sua sala especial com pinturas de Jacques Villon e resultou vencedora com os quadros

de Maria Helena Vieira da Silva, artista de origem portuguesa, naturalizada francesa. A Itália,

heterogênea, insistiu em incluir entre seus 24 artistas o mais reverenciado dos pintores ligados

ao Partido Comunista Italiano, Renato Guttuso. Já os Estados Unidos pouco contribuíram

nesta edição. O México organizou uma retrospectiva considerada pouco expressiva para o

grande José Clemente Orozco. Quanto aos Estados Unidos, não teve participação expressiva,

nesta Bienal.

A VII Bienal, editada em 1963, sem controle sobre o seu crescimento, sofria duras

conseqüências. Com um excesso de artistas, a Bienal começou a configurar-se como uma

exposição extremamente heterogênea e excessiva. Com 5.000 obras procedentes de 55 países,

era de difícil leitura, devido à enorme quantidade de trabalhos acumulados. O expressionismo

abstrato foi o movimento que prevaleceu e premiou alguns de seus ativistas.

Dentre a numerosa representação brasileira mereceu destaque, Yolanda Mohalyi foi a melhor

pintora, com obras expressionistas abstratas, Felícia Leirner, com suas cinco esculturas em

ferro, Roberto de Lamonica foi melhor gravador nacional, Darel Valença Lins, com traços

que harmonizavam a sua visão anárquica do mundo, Renina Katz, Arthur Luiz Piza e Maria

Bonomi com gravuras que mostravam certo frescor numa gráfica severa, Lygia Clark, com

alguns trabalhos da série “Os Bichos”, que envolvia a participação do público. Emil Nolde

foi o artista eleito pela Alemanha Ocidental para figurar em sua sala especial com um

conjunto de gravuras: litos, xilos e águas-fortes.

Cuba apresentou um amplo painel de sua produção, com obras que compreendia desde os

mestres Wifredo Lam e Mariano Rodriguez da primeira geração, até René Portocarrero, cujas

obras foram expostas numa sala especial.

Quatro meses depois do encerramento desta edição, os militares tomavam o poder e

implantavam um regime de força e repressão que se refletiria na cultura brasileira e,

consequentemente, nas Bienais sucessivas.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 33

A VIII Bienal, de1965, inaugurada um ano e meio depois do golpe militar de 1964. O Brasil

começava a viver os primeiros efeitos da repressão. Essa edição se caracterizou pela nova

figuração, concretismo, surrealismo e pop-art. A ascensão de novos movimentos deu a esta

edição uma dinâmica especial, mas foi o surrealismo que predominou, com 200 obras de 60

artistas consagrados, tais como Max Ernest, Jean Arp, Joan Miro, René Magritte, Man Ray,

Paul Klee, Paul Delvaux e Francis Picabia. As pinturas dos surrealistas eram vinculadas ao

grupo apoiado pelo escritor André Breton, mentor intelectual do movimento.

Do México vieram pinturas de dois de seus melhores artistas surrealistas: Leonora Carrington

e Frida Kahlo. As obras do irlandês Francis Bacon, dos belgas Paul Delvaux e René Magritte

que ajudaram a divulgar o movimento surrealista para o grande público, figuravam

igualmente nesta Bienal. O russo Marc Chagall expôs suas pinturas de grandes dimensões. A

argentina Maria Peluffo, uma das mais importantes surrealistas de seu país, apresentou duas

pinturas que foram merecedoras de muitos elogios.

Entre os brasileiros, destacaram numa sala especial as obras de Cícero Dias, Darel Valença,

Felícia Leirner, Fernando Lemos, Franz Weissman, Roberto De Lamonica e Yolanda

Mohalyi. A sala geral brasileira enfatizava os grafismos de Lívio Abramo e de Fayga

Ostrower. Nesta edição, os brasileiros conheceram os trabalhos minimalistas dos norte-

americanos Frank Stella, Donald Judd e Barnett Newman. Para eles, definitivamente, a arte

não significava expressão, mas sim, motivação para a mente.

A França apresentou uma sala interessante, só com desenhos de escultores, desde os anos

quarenta até a fase óptica. A Itália, entre os artistas que se destacaram, figuravam os grandes

Alberto Giacometti e César Baldaccini.

A IX Bienal, de 1967, abriu uma série de edições futuras realizadas durante o regime militar

que permaneceria no poder até 1985. A repressão que se expandia por todo o país não

perdoou a Bienal, as mostras preparatórias nem os artistas mais atuantes. Artistas proibidos de

participar de exposições fora do país, obras rasgadas a fio de espada. Sendo a opressão tão

contundente que gerava uma onda de auto-censura, conforme declaração de alguns artistas.

Próximo à inauguração dessa edição, a Polícia Federal retirou uma obra da carioca Cibele

Varela considerada uma ofensa. Quissak Júnior foi ameaçado com prisão por ter trabalhado a

bandeira do Brasil em sua obra, quando a Constituição da época não permitia o uso do

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 34

símbolo nacional para outros fins. Não obstante e considerando essa proibição, observamos

que os Estados Unidos da América, teve a segunda maior sala da Bienal, denominada

Ambiente USA: 1957-1967, com 900 metros quadrados, em que foi vencedora, a pintura de

Jasper Johns, Três Bandeiras, que sobrepunha, justamente, imagens da bandeira norte-

americana – no mínimo um contra-senso, como comenta a crítica Leonor Amarante.

A pop-art, proveniente de todos os continentes marcou esta edição, conhecida como a “Bienal

da Pop”. A partilha de prêmios reforçou o poderio cultural de Nova York e consagrou

Rauschenberg, artista que resistia à corrente hegemonia do expressionismo abstrato, Roy

Lichtenstein, com seu grafismo de técnicas inovadoras, Claes Oldenburg, com sua obra de

técnica mista, George Segal, com suas instalações cenográficas. A pop-art, por mais que

tivesse sua origem na Inglaterra, foi nos Estados Unidos que encontrou sua melhor tradução e

maior estrela, em Andy Warol.

Segundo a crítica de arte Mariza Bertoli:

A presença marcante da pop-art americana influenciou a nova

figuração brasileira, sobretudo nos planos cromáticos chapados e na

simplificação dos núcleos temáticos, para dar conta de mensagens

incisivas, criando uma figuração de aparência fácil, sem advertência

da sua profundidade, inclusive para driblar a censura.14

Nesta edição memorável, a pop-art compartilhou espaço com a arte cinética. A sala do

argentino Julio Le Parc, com vinte e seis peças que tinham como centro de interesse o

movimento da luz, constituiu um importante ponto de atração. A Venezuela teve uma

participação importante graças ao cinético Carlos Cruz-Diez, premiado com a total

unanimidade do júri. A polêmica com relação à divisão de prêmios, nessa 9ª edição, vinha

sendo provocada por artistas que trabalhavam muito acima da linha do Equador.

Segundo Leonor Amarante, do primitivismo ao construtivismo, passando pelo

abstracionismo, o realismo, o expressionismo, a nova figuração e a pop-art, o Brasil

apresentou, sem demasiado rigor conceitual, uma mostra de todos eles.

A X Bienal, de 1969, enfrentou o maior boicote jamais conhecido na história da arte. Dezenas

de países se negaram a participar devido à violenta repressão do regime militar.

14

Entrevista concedida ao autor, em 11/02/2010

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 35

A Bienal chegou sob a insígnia da repressão, conseqüência do “Ato Institucional nº. 5”,

decretado pelo governo militar em 13 de dezembro de 1968. No Rio de Janeiro, a polícia

invadiu e fechou a exposição do Museu de Arte Moderna onde se encontravam expostas as

obras dos brasileiros que participariam na Bienal de Paris daquele mesmo ano, impedidos de

enviar suas obras. Esta invasão indignou parte da comunidade artística que, a modo de

protesto, decidiu boicotar a X Bienal de São Paulo. Este boicote transcendeu suas fronteiras e

chegou aos Estados Unidos, França, México, Holanda, Suécia e Argentina, onde muitos

artistas se solidarizaram imediatamente com o movimento.

O crítico francês Pierre Restany liderou o boicote no exterior. A revista francesa Le Nouvel

Observateur, deu acompanhamento. Reuniram-se artistas e intelectuais para debater no

Museu de Arte Moderna de Paris, onde elaboraram um comunicado pedindo boicote à Bienal

de São Paulo, que nesse momento já contava com assinaturas de 321 artistas. O manifesto

também chegou aos Estados Unidos por um artigo publicado no periódico The New York

Times.

O muralista mexicano David Alfaro Siqueiros também recusou o convite, solidário com os

brasileiros. Enfaticamente pediu aos artistas do mundo todo que boicotassem a mostra, em

represália ao regime militar. Sob o título Lo Scandalo di San Paolo a gazeta italiana Corriere

della Sera publicava a seguinte manchete: “A Bienal está em perigo devido à situação política

que se vive no Brasil. Nenhum dos italianos selecionados para a mostra „Arte e Tecnologia‟

comparecerá, ainda que suas obras já estejam listadas”. O comissário holandês Edouard de

Wilde, diretor do Stedelijk Museum de Ámsterdam, foi um dos primeiros em aderir ao

movimento. A Holanda permaneceria por espaço de dez anos fora da Bienal de São Paulo, em

conseqüência desse ato solidário. O movimento contou com a adesão de 80% dos artistas

brasileiros convidados, entre eles, Carlos Vergara, Rubens Gerchman, Burle Marx, Sérgio

Camargo e Hélio Oiticica. A Venezuela e a Yugoslávia constituíram casos singulares entre os

países ausentes. Pois, os trabalhos de seus artistas já haviam sido desembalados no Ibirapuera

e se encontravam em fase de instalação quando, os respectivos governos decidiram anular sua

participação na Bienal.

Na denominada “Bienal do boicote”, período em que o socialismo era perseguido no Brasil, a

União Soviética tampouco participou, incorporando-se novamente à Bienal de São Paulo

apenas em 1979.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 36

A XI Bienal (1971), aos 20 anos de existência, foi reflexo do boicote internacional. No

exterior, grande parte dos artistas ignorava a existência do evento brasileiro. A ameaça de

prisão contra o crítico Mário Pedrosa, um ano antes da inauguração desta edição, provocou a

publicação de uma carta aberta no The New York Times Book Review, que conseguiu mais de

100 assinaturas de adesão à causa. Encabeçavam a lista nomes famosos como os de Pablo

Picasso, Alexander Calder, Henry Moore e Max Bill. A Bienal de São Paulo e as Bienais de

Veneza e de Paris do ano anterior, não foram tão diferentes entre si, pela baixa qualidade das

produções. A cultura ainda vivia sob o rescaldo de maio de 1968.

Com o abandono de grande parte dos artistas estrangeiros, os organizadores decidiram

ampliar a representação nacional que, por sua dimensão, acabou transformando-se numa

Bienal dentro da outra. A obra Semana de Arte Moderna de 1922 foi uma homenagem às

vésperas do acontecimento completar 50 anos. Deste modo, Anita Malfatti, que havia falecido

em 1964, era postumamente recordada. A idéia desta edição, era retratar 20 anos de Bienais

e, por sua vez, estabelecer um ponto de encontro entre o passado e as produções mais

recentes. Todavia alguns países se negavam a participar da Bienal, como a União Soviética,

Hungria e Argentina. Esta última só aderiu ao boicote nesta edição, alegando que no Brasil

não havia liberdade de expressão.

A Inglaterra enviou as obras de onze artistas conceituais, interessados em mostrar suas idéias

por meio de técnicas de reprodução como a serigrafia, a fotografia ou a tipografia.

Historicamente, as mulheres sempre tiveram uma produção constante, porém, como sucede

em alguns salões internacionais, nem sempre seus trabalhos obtêm reconhecimento. Durante

os 20 anos de Bienal de São Paulo, apenas duas mulheres foram premiadas: a escultora

inglesa Bárbara Hepworth em 1959 e a pintora de origem portuguesa e naturalizada francesa,

Maria Helena Vieira da Silva que representou a França em 1961.

Eram tempos difíceis para o Brasil e também para a Bienal. Por um lado, o país do milagre

econômico e da conquista do tricampeonato de futebol. O tricampeonato teve tal repercussão,

que passou a ser lícito usar a bandeira no momento, desde que o general presidente do país,

Médici, cobriu-se com ela para comemorar a vitória. Enfim, nesses tempos de repressão e

censura era tudo comandado pela ditadura militar, sobretudo as políticas culturais, e a Bienal

estava inserida nessa vigilância contra a subversão.

Page 37: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 37

A XII Bienal, de 1973, apesar do aparente rigor na seleção dos participantes, foi confusa do

ponto de vista conceitual, formal e de montagem. Uma parafernália de objetos distribuídos

com pouco critério confundia mais do que informava. Essa década marcada pela radicalização

da vanguarda, em suas experiências em busca de uma maior liberdade expressiva, produziu

um aproveitamento simbólico da cultura de base. Assistimos à utilização de objetos

industrializados e à ruptura da noção de obra única. O público deixava de ser um mero agente

contemplativo para ser uma peça fundamental em alguns trabalhos. As salas de exposições

especiais, denominadas de arte e comunicação imprimiram um aspecto lúdico a esta edição.

De maneira geral, a Bienal propunha uma arte que reconhecesse a importância da participação

efetiva do público. Entre dezenas de instalações, foram poucas as que conseguiram manter

idêntica qualidade formal e conceitual. Um dos objetivos principais desta edição era provocar

a participação do público. Esta edição também traduziu plasticamente o sincretismo religioso

disseminado por todo o Brasil. Como na Bienal anterior, o Brasil ocupou grande parte do

pavilhão com salas de exposições especiais. Foram homenageados cinco artistas que,

lamentavelmente, morreram no mesmo ano em que se celebrava esta edição. Foram eles,

Flávio de Carvalho (1899), Tarsila do Amaral (1890), Ivan Serpa (1923), Maria Martins

(1900) e Waldemar Cordeiro (1925). Também a morte de Pablo Picasso, esse mesmo ano, foi

recordada, ainda que com homenagem decepcionante. Os organizadores colocaram junto à

entrada do edifício da Bienal, painéis onde projetavam apenas um retrato do artista e dois de

seus desenhos- homenagem pobre pela estatura do artista. A mesma Bienal exibiu ainda, uma

pequena retrospectiva, de alta qualidade, sobre o pintor russo Wassily Kandinsky, sob a

curadoria de Jacques Lassaigne.

A XIII Bienal, de 1975, se caracterizou por uma mostra importante de vídeo-arte, uma

tendência que começava a invadir as grandes exposições, reafirmando assim, como as demais

edições mostrava o movimento que estava na moda naquele momento, nos considerados

centros da cultura. Ao longo de sua história, a Bienal nunca se preocupou em revelar novos

talentos e sim em premiar aos já consagrados, o ocorrido neste ano não foi diferente. Nesse

ano, a Bienal de São Paulo sofria, talvez, a crise mais séria de sua história. Além de estar

ameaçada pelo corte do orçamento do município de São Paulo, viu sair de cena Francisco

Matarazzo Sobrinho, seu principal protetor, para ser substituído, durante três meses por

Ermelino Matarazzo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 38

A Argentina teve o privilégio de ser o único país latino-americano, a receber o prêmio

principal da Bienal Internacional de São Paulo em seus 26 anos de existência. Isto porque, os

argentinos vieram decididos a ganhar o Grande Prêmio. Com a instalação Signos em

Ecossistemas Artificiais, composta por batatas, conservas, gaiolas, pedaços de carne, galinhas

embalsamadas, arames, terra etc., montaram um universo aparentemente caótico, um

espetáculo cênico grandioso que pretendia abrir um debate sócio-ecológico. Em seu conjunto,

o Grupo de los Trece, procedente do Centro de Artes e Comunicações de Buenos Aires -

CAYC, impressionaram, expuseram complexas questões da natureza política e social e

fizeram pensar o espectador.

A XIV Bienal, de 1977, se caracterizou pelas instalações dispostas cenicamente num mesmo

espaço. Entre dezenas delas uma, as raízes-esculturas de Frans Kracjberg, documentos

ecológicos de suas andanças por terras semi-desertas, que provocavam no artista certo

romantismo comovente. Até o momento, a ecologia não havia sido abordada com a devida

seriedade no Brasil. Estas transposições de formas criadas pela própria natureza imprimiram,

na arte plástica brasileira, um sentimento de defesa do meio ambiente. Essa Bienal não se

fixou somente no gênero instalação, mudou radicalmente sua forma de exposição,

abandonando a representação por países que passou a agrupar as obras por temas. Pela

primeira vez, o CAC da Bienal assumia poderes de decisão. O Conselho estava integrado

pelos críticos Alberto Beuttenmüller, Liseta Levi, Clarival do Prado Valladares e Marc

Berkowitz e pelos artistas Maria Bonomi, Yolanda Mohalyi e Leopoldo Raimo. Essa

comissão se encarregou de definir os critérios para essa edição.

O conhecimento de uma retrospectiva histórica das quatorze edições da Bienal Internacional

de São Paulo faz-se indispensável, para entender o processo provocado pelas crises que

desencadearam a necessidade de mudança de paradigma. Passamos do modelo universalista

objetivo importador para o universalista subjetivo exportador de cultura. O que traduz o

desafio de afirmar um posicionamento crítico de resistência ao determinismo cultural europeu

e norte-americano.

Outro fato bastante significativo que se observa como decisivo para as mudanças ocorridas na

existência da Bienal, foi o boicote sofrido pela ação da censura aliada à repressão política

imposta pela ditadura militar brasileira do período. Assim como, a desvinculação da Bienal

Internacional de São Paulo do Museu de Arte Moderna para transformá-la numa Fundação,

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 39

entidade de caráter privado. Todas essas razões são relevantes por fazerem parte da trajetória

que antecede a realização da I Bienal Latino-Americana.

1.3 ARTE LATINO-AMERICANA OU A BUSCA DE IDENTIDADE CULTURAL COMO

SOLUÇÃO PARA A CRISE QUE ENFRENTAVA A BIENAL INTERNACIONAL DE

SÃO PAULO?

Identidades culturais polissêmicas, “sincréticas”, resistem à homogenização

dos comportamentos e do pensamento, como antídoto às perseguições

políticas, éticas, religiosas e demais formas de obscurantismo.15

Olgária Matos

O processo de construção de conhecimento da estética e da história da arte da América Latina

envolve uma ampla gama complexa de procedimentos argumentativos para romper os

estereótipos arraigados na colonialidade, para usar o termo apropriado de Aníbal Quijano.

No Brasil, o movimento modernista dos anos 20 retomado com ênfase, retorna no pensamento

que defende o projeto político da autonomia cultural e artística, característica mentalidade dos

intelectuais da década de 60. Fundada na busca romântica da identidade cultural desde o

século XIX, é recolocada ironicamente a partir de 22 e revigorada pela politização dos anos

1960. Pode-se dizer que a partir dessa trajetória passou a existir um interesse maior pelo que

se produzia de arte e cultura aqui, e em parte, também para a arte dos nossos vizinhos

continentais. Embora, somente após a segunda metade da década de 70, torna-se mais

explicita a indagação sobre a identidade cultural, formulada nos termos de uma cultura

nacional e popular, acrescida do debate sobre a arte latino-americana. A oposição entre

nacional e internacional desloca-se para latino-americano versus euro-norte-americano.

De acordo com a Historiadora e Crítica de Arte Daisy Machado Peccinini,16

faz-se necessário

instrumentar-se de conhecimento dos conceitos atuais para compreender um suposto

reconhecimento da arte e cultura produzida abaixo da linha do Equador.

15

MIRANDA, Orlando de. Ensaios sobre a Identidade e a Invenção do Indivíduo – Apresentação: Olgária

Matos (Profª. Depto. de Filosofia da USP-SP). São Paulo: Plêiade, Terceira Margem, 2001, p. 9.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 40

Considera-se importante trazer uma reflexão sobre alguns conceitos de modernidade e pós-

modernidade de autores como Charles Baudelaire, Walter Benjamin, Zygmunt Bauman,

Frederic Jameson, bem como, Nicolau Sevcenko, Eduardo Subirats e Gárcia Canclini, que de

fato, trataram desta questão com bastante profundidade.

Segundo Daisy Peccinini, é importante, esta verificação porque trazem conceitos

instrumentais, não somente da “identidade” latino-americana, como também da

contemporaneidade. Em relação às questões que envolvem a tão polêmica Modernidade e

Pós-Modernidade, pode-se promover um valioso entendimento sobre as contribuições que a

poética e a arte, em diálogo com a história, tece para a compreensão do mundo

contemporâneo e as contingências que se abrem para novas formas de reflexão acerca das

identidades culturais do homem comprometido com o seu tempo. Possibilita-se com isso,

levantar questões que enriquecem o debate e as análises sobre as principais concepções

artísticas referentes à questão do Moderno, Pós-Moderno e Contemporâneo. Observa-se a

necessidade de conhecer profundamente o processo em que as principais questões que

envolvem essas temporalidades são postas, como ponte para pensar as identidades culturais

nos termos do tempo e espaços na atualidade, particularmente dessa singular questão na

América Latina.

O modernismo, como se pode constatar conduz o debate da modernidade e depois ele se torna

mais acirrado, com os críticos que tratam de forma mais contundente e elaborada sobre essa

questão aberta. Entretanto, depreende-se que os críticos latino-americanos, concordam em

pelo menos um ponto de ideário que possa revelar o próprio da nossa arte e cultura.

No tópico Nem Culto, Nem Popular, Nem Massivo, o sociólogo mexicano Nestor Garcia

Canclini analisa as idas e vindas da modernidade, entre os cruzamentos das heranças

indígenas e coloniais com a arte contemporânea e as culturas eletrônicas. Segundo o autor, a

história da arte, a literatura e o conhecimento científico haviam identificado repertórios de

conteúdos que deveríamos dominar para sermos cultos no mundo moderno. Por outro lado,

afirma o sociólogo, a antropologia e o folclore, assim como os populismos políticos, ao

reivindicar o saber e as práticas tradicionais, constituíram o universo do popular. As

indústrias culturais geraram um terceiro sistema de mensagens massivas do qual se ocuparam

16

Disciplina: História da Arte Contemporânea – EHA5710, 2º semestre de 2007

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 41

novos especialistas: comunicólogos e semiólogos. Observa o autor, que hoje existe uma visão

mais complexa sobre as relações entre tradição e modernidade. O culto tradicional não é

apagado pela industrialização dos bens simbólicos. Cita exemplos de obras eruditas e ao

mesmo tempo massivas como O Nome da Rosa.

No tópico A Modernidade depois da Pós-Modernidade, o autor se refere às transformações

dos mercados simbólicos que em parte radicalizam o projeto moderno, e de certo modo,

levam a uma situação pós-moderna entendida como ruptura com a anterior. Observa o

estudioso17

, que a bibliografia recente sobre esse duplo movimento ajuda a repensar vários

debates latino-americanos, principalmente a tese de que as divergências entre o modernismo

cultural e a modernização social nos transformariam numa versão deficiente da modernidade

canonizada pelas metrópoles. Ou ao contrário: que por ser a pátria do pastiche e do bricolage,

onde se encontram muitas épocas e estéticas simultaneamente, teríamos o orgulho de ser pós-

modernos há séculos, e mais, de um modo singular. Nem o “paradigma” da imitação, nem o

da originalidade, nem a “teoria” que atribui tudo à dependência, nem a que preguiçosamente

nos quer explicar pelo “real maravilhoso” ou pelo surrealismo latino-americano, conseguem

dar conta de nossas culturas híbridas.

No Brasil, a complexidade trazida pela idéia do pós-modernismo na década de 60 e a

emergência da arte conceitual e a multiplicidade dos meios expressivos, assim como, a

questão das tecnologias, dos meios massivos e a revitalização da pintura, nos anos 70 e 80,

constituiu a grande transformação referente à mudança de paradigmas da sociedade

informacional, da globalização nas duas últimas décadas do século XX e primeira década do

século XXI. Sobretudo, as questões decorrentes do tempo e do espaço, da arte em territórios

expandidos, com hibridismos e instabilidade de imagens, à emergência de novos imaginários,

que balizaram as identidades culturais locais.

A partir da idéia de Identidade Cultural, podemos afirmar com convicção que somos em

grande parte mestiços. Nem brancos, nem pretos, nem índios; brasileiros e não gregos, latino-

americanos e não europeus ou norte-americanos etc., ou seja, neste sentido, a Identidade

Cultural é o que ratifica as diferenças – a multiculturalidade.

17

GARCIA-CANCLINI, N. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo:

EDUSP, 1998.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 42

Acerca da inserção da discussão das Identidades Culturais na América Latina, não se pode

deixar de levar em conta a seguinte reflexão do fundador da Cátedra Simon Bolívar, o

sociólogo e professor da Universidade de São Marcos em Lima-Peru, Aníbal Quijano, no

texto La Paradoja de la Modernidad en América Latina do livro Modernidad, Identidad y

utopia en América Latina, que compara o processo de modernidade européia, consolidada de

certa forma como parte da experiência cotidiana, ao mesmo tempo como prática social e como

sua ideologia legitimatória, com o processo de modernidade existente na América Latina:

En América Latina, por el contrario, y hasta bien entrado el siglo XX, se

instala una profunda y prolongada brecha entre la ideología de la

modernidad e as prácticas sociales, no infrecuentemente dentro de las mismas

instituciones sociales o políticas. En particular, la modernidad es una forma

ideológica legitimatória de prácticas políticas que van claramente en contra

de su discursos, mientras las prácticas sociales modernas son reprimidas

porque no pueden ser legitimadas por ninguna instancia de las ideologias

dominantes.

El uso de la modernidad como ideologia “legitimatória” de prácticas

políticas antagônicas, sirve para apreciar el peso ideológico de la

modernidad en América Latina, a pesar de su aprisionamiento en un universo

social de signo inverso y permite explicar, por ejemplo, la curiosa relación

entre las instituciones nominalmente liberales y un poder conservador, que se

establece com la independência. Y eso no podría explicarse, a su turno, sino

recordando que la modernidad, como movimiento de la conciencia, no era

simplesmente un producto importado y foráneo, sino producto del próprio

suelo latinoamericano, cuando este era todavia fértil y rico território de

mercantilismo, aunque estuviera bajo una dominación colonial.18

Para Quijano, sobretodo, desde o século XIX, a modernidade na América Latina aprende a

viver como consciência intelectual, porém não como experiência social cotidiana. Talvez isso

explique a armadilha de toda uma geração do liberalismo latino-americano nesse século,

obrigado a cultivar a ilusão da modernidade sem revolução. Dessa armadilha, ainda não

conseguimos sair.

Tício Escobar ao tratar no seu artigo Las paradojas del Sur: la cuestión de lo cultural en la

integración, problematiza e defende a sua concepção sobre o conceito de identidade e nos

remete a necessidade de revisar certos termos básicos que mobilizam a tensão integração e

identidade ao admitir que:

El concepto de identidade es bastante problemático. Tradicionalmente la

teoria de la cultura lo ha concebido como supuesto y expresión de sectores

considerados en forma aislada: clases, naciones e comunidades ligadas a un

18

QUIJANO, A. Modernidad, Identidad y utopia en América Latina. Lima: Sociedad e Política Ediciones, 1988.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 43

territorio o a una posición social y provistas de una memória común y de

símbolos característicos que marcan a fuego la conciencia de “nosotros”.

Cualquier contacto asimétrico comprometia la identidad, que podia perderse

como se pierde una virtud demasiado vulnerable: se pensaba que una etnia o

una nación debían guardar celosamente la pureza de sus símbolos so pena de

verse definitivamente invadidos por la colonización cultural.

Esta concepción excesivamente fija de la identidad ha sido dinamizada por

una lectura dialéctica que la define a partir de oposiciones y conflictos: la

diferencia no se estabelece ya desde la interiorización de notas sutanciales de

una cultura sino a partir de una contradición con otra cultura que es su

contracara. La resolución de este choque moviliza continuamente el devenir

social en una dirección utópica señalada por las vanguardas.19

Neste sentido outra importante contribuição para a reflexão sobre a identidade latino-

americana que vale a pena destacar, está num trecho do texto Racionalidad y utopia de

América Latina, de Aníbal Quijano,20

sobre identidade latino-americana, que não pode ser

definida em termos ontológicos, é uma complexa história de produção de novos sentidos

históricos, que partem de legítimas e múltiplas heranças de racionalidade. É, pois, uma utopia

de associação nova entre razão e liberação.

Lisbeth Rebollo,21

destaca duas importantes contribuições do pensamento crítico sobre a

Identidade Cultural da América Latina: José Carlos Mariátegui, no Peru e Mário de Andrade

no Brasil. Segundo ela, nestes dois brilhantes autores, vamos encontrar um projeto estético

que se apresenta pela criação de uma teoria da cultura do Brasil e do Peru. Neste momento,

procura-se a definição de qual é a identidade cultural destes países e qual é a dinâmica dos

seus processos culturais. Além da formas vivas da cultura – presentes na linguagem, no fazer

artístico popular, nas raízes étnicas – a crítica considera que é preciso valer-se de elementos

cosmopolitas internacionais para construir uma arte e uma cultura próprias que, ao mesmo

tempo, mostre a identidade e coloque em foco a atualidade cultural. Consideram essencial

absorver o que vem de fora para criar o novo e inserir-se no mundo contemporâneo. Esta é a

via que apontam para romper com um passado colonial e, produzindo arte nova, ingressar no

circuito ocidental, com personalidade própria.

19

ESCOBAR, Tício. Las Paradojas del Sur: la cuestión de lo cultural en la integración. Ver. Arte e Cultura da

América Latina. Sociedade Científica de Estudos da Arte, FAPESP, s/d. 20

QUIJANO, A. Modernidad, Identidad y utopia en América Latina. Lima. Sociedad e Política Ediciones, 1988. 21

GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Mário de Andrade e Mariátegui: Crítica de Arte e Consciência nacional.

Arte e Cultura da América Latina, Sociedade Científica de Estudos da Arte. Vol. VII, nº. 2, Art. 3, FAPESP,

2000.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 44

Para a crítica de arte Mariza Bertoli22

em sua análise sobre a questão da Cultura e Identidade

na América Latina afirma:

A densidade e a qualidade da produção artística em todas as regiões

da América latina são fatos incontestáveis. O que se questiona, ora

afirmando, ora negando, é a existência de uma arte latino-americana

como totalidade, com sentido identitário, capaz de diferenciar-se e

diferenciar-nos no confronto com as matrizes impostas pelas culturas

hegemônicas.

Explica que, em congressos, seminários e encontros sobre o tema, críticos e teóricos da arte,

com diferentes posicionamentos, têm concordado em um ponto: a urgência de um ideário

para a crítica de arte que possa revelar o próprio da nossa arte.

Aracy Amaral, no artigo, Pensando esta década,23

relata que, a década de 70 foi prolífica no

desenvolvimento da bibliografia na área de artes plásticas (tanto coloniais como

contemporâneas) e fica difícil, num levantamento rápido, tudo mencionar sem omitir

contribuições importantes. Mas já existe hoje uma conscientização, anteriormente inexistente,

o que é bem uma conquista, num país sem maiores preocupações culturais do ponto de vista

de nossos governantes. Exemplo positivo desse despertar foi, sem dúvida, a implantação do

IDART, em São Paulo, para pesquisa de artes, na Secretaria Municipal de Cultura.

Convém lembrar que algumas iniciativas foram feitas, com a intenção de encontrar

alternativas para a solução das crises, por que passava a Bienal Internacional de São Paulo,

uma delas posta em prática foi as Bienais Nacionais. Que de acordo com Francisco Alambert

e Polyana Canhête, essas exposições foram criadas em resposta ao desejo que surgia, já no

fim da década de 1960, entre os membros do Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal,

da realização de uma segunda mostra, também bienal, mas que contaria somente com a

participação de artistas brasileiros. Essa Bienal Nacional seria batizada de Pré-Bienal, e

deveria acontecer sempre nos anos pares, antecedendo as edições da Bienal internacional.

A Pré-Bienal teve sua primeira edição realizada no ano de 1970, e já no ano de 1976 realizaria

sua quarta e última exposição, quando se deliberou sua substituição por outra mostra mais

22

BERTOLI, Mariza. A descoberta da arte latino-americana: breve comentário sobre os documentos inaugurais

da arte latino-americana. In Cultura e Identidade na América Latina. Curitiba: Casa Latino-Americana-

CASLA, 1979. 23

AMARAL, A. A. Arte e meio artístico (1961-1981): entre a feijoada e o x-burguer. São Paulo: Nobel, 1983,

p.328.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 45

abrangente, a Bienal Latino-Americana. Segundo Aracy Amaral,24

não é novidade nenhuma

dizer que achamos que a Bienal de São Paulo continua agônica, as autoridades dotando de

verbas colossais esse organismo culturalmente acéfalo, que “inventou” nesta década duas

Bienais Nacionais (1974, 1976) de duvidoso resultado.

No artigo, Abularach e a janela do ser. Aracy Amaral, em sua crítica diz que a receptividade

e a aceleração das atividades artísticas em nosso continente constituem uma realidade bem

visível para o artista Rodolfo Abularach.25

Este fenômeno é positivo, na medida em que

assinala como a América Latina começa a abrir os olhos para a arte dos latino-americanos em

geral, e não apenas para os valores locais de cada país. Mesmo um deles, considerado isolado

do ponto de vista de intercâmbio cultural, como o Brasil, parece se abrir a um novo tempo, ao

se anunciar, a partir de 1978, a criação, nos anos pares, da Bienal de Arte Latino-Americana,

pela Fundação Bienal de São Paulo. Isso é importante, pois parece refletir uma necessidade de

nos auto-conhecermos, apesar da tradicional indiferença, que é bem mútua, entre os países de

formação hispano-americana e o Brasil. Aracy observa em nota de rodapé26

para explicar que

há um número limitado de artistas latino-americanos conhecidos no Brasil, como Figari e

Torres-Garcia e, entre os contemporâneos, Cuevas, Soto, Cruz-Dies, Omar Rayo. Mas esse

conhecimento é, sobretudo, conseqüência de suas apresentações nas Bienais de São Paulo e

não resulta de um interesse da sistematização, através de um intercambio cultural regular,

inclusive porque a atual legislação alfandegária o dificultaria. Segundo Aracy, pouquíssimos

artistas do Brasil que expõem regularmente na América Latina: Ianelli, Antonio Henrique

Amaral e Noberto Nicola podem ser citados, mas constituem exceções.

No artigo O regional e universal na arte: por que o temor pelo latino-americanismo? Aracy

Amaral, em sua crítica comenta que a América Latina não está “na moda”, como quer

incorretamente ver Frederico de Morais, só porque o “Grupo dos Treze”, de Buenos Aires,

ganhou o Prêmio da XIV Bienal (ou talvez isso se refira à reação que ele vive no Rio de

Janeiro, mas não corresponde ao interesse pela América Latina nos últimos cinco anos,

sobretudo em vários pontos do continente). Inclusive no texto desse crítico, publicado pelo

jornal O Globo, “América Latina e a crise da vanguarda”, 1 de set. 78, onde ele defende a tese

24

idem 25

Rodolfo Abularach, esteve no Brasil, integrando a representação guatemalteca à VI Bienal de São Paulo, em

1961), sobretudo a partir de início da década de 70. AMARAL, A. A. Arte e meio artístico (1961-1981): entre a

feijoada e o x-burguer. São Paulo: Nobel, 1983, p.289. 26

Idem, p. 292.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 46

de que o “arrefecimento que se nota na atividade da vanguarda no plano internacional” seria

coincidência com este atual interesse pela América Latina. (...) E isso de que “a alternativa

para este „beco sem saída‟ da vanguarda internacional estaria aqui na América Latina” me

parece pura imaginação de Frederico de Morais. Afinal, os interessados na América Latina no

curso dos últimos anos são os próprios latino-americanos e não os europeus (por demais

debruçados sobre si próprios), nem tampouco os norte-americanos, em cujo país a maior

indiferença continua proverbial para tudo o que não seja deles ou francês. Há estudiosos

isolados, ou centros de estudos latino-americanos, porém essas raridades estão longe de se

poderem caracterizar como um interesse pela América Latina.

Segundo Aracy Amaral, a dicotomia que se deseja ver entre o latino-americano e universal é

uma falácia:

O excitante “clima” latino-americano proporciona, com todas as suas

incoerências, a possibilidade da existência simultânea de “fazer

artístico” diversos, ao contrário da Europa (onde existe o erudito,

pseudo-erudito, e ponto final), ao passo que neste continente

culturalmente ocupado se acotovelam a forma maciça de expressão

popular (seja na música, no artesanato, nas manifestações paralelas à

sociedade de consumo, nas manifestações populares sejam religiosas,

profanas, esportivas, de evidente substância plástico-visual, sem

mencionar a arte indígena, viva em vários níveis na A.L.), a arte

erudita das elites dos grandes centros urbanos ligados à metrópoles

culturais, criando vanguardas paralelas ou correspondências das

mesmas em nossas terras, e a arte pseudo-erudita, tipicamente

provincial (que aspira, no fundo a se igualar à erudita). Pois somente a

partir do particular, do local, pode-se alcançar a universalidade.27

Daí porque, para Aracy Amaral, o interesse latino-americano por seu próprio continente

ajudará a desfazer essa distorção: poderemos nos ver, no decorrer do processo, com realismo,

assumirmo-nos, em conseqüência, e projetar nosso amanhã a partir da nossa situação real.

Sem falsas idealizações (a América Latina em geral tardou muito, mesmo na pintura, a

registrar a “sua” paisagem física, o que também é bastante sintomático). E essa é uma atitude

de maturidade, à qual só se pode chegar via o que Klintowitz aborda com receio como

“nacionalismo” latino-americano. Um caminho que pode ter seus perigos, mas é crucial na

afirmação de nossa condição terceiro-mundista em desenvolvimento, de uma cultura em plena

gestação.

27

AMARAL, A. A. Arte e meio artístico (1961-1981): entre a feijoada e o x-burguer. Nobel. São Paulo, 1983,

p. 294.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 47

Observa Aracy que mesmo a existência das Bienais de São Paulo não pôde provocar em nosso

país um interesse maior pela arte do continente.

Após o boicote de 1969 à Bienal de São Paulo, em função da censura então existente, os

artistas brasileiros mais conhecidos deixaram de participar da exposição que aos poucos –

com uma imagem que se confunde com a oficialidade – se tornou uma Bienal internacional e

de jovens artistas brasileiros (salvo no caso de retrospectivas). Assim o recurso da Bienal para

aumentar a representação da casa residiu em inventar, para os anos pares, uma Bienal

Nacional, a fim de “integrar”, através da arte, seus representantes de todo o país. Embora com

alguns pontos positivos, a receita revelou-se realmente de total artificialismo, pela dificuldade

de surgimento de valores reais em todos os centros provinciais.

Somente a partir do início da década de 70, entretanto, as queixas que sempre ouvíamos na

América Latina eram de que a Bienal de São Paulo, servilmente ligada à crítica européia,

desconhecia a arte latino-americana, traindo sua vocação que deveria ser, por sua própria

localização, a de divulgar, estudar e projetar internacionalmente a arte dos países de nosso

continente.

Enfim, para Aracy Amaral, infelizmente, a Bienal de São Paulo queimou de saída uma

iniciativa que se asseverava como uma das mais importantes desde sua fundação. Conforme

Alambert e Canhête, em sua análise sobre a XIV Bienal – novas cenas.28

Em 1977, já se iniciaria uma cruzada crítica contra o “eurocentrismo” da

Bienal. O influente crítico Frederico Morais era um de seus grandes teóricos.

Para ele, as bienais até então apenas reproduziam “no plano interno as

linguagens internacionais impostas pelas grandes mostras européias”. Assim,

a história da Bienal estaria submetida a interesses euro-norte-americanos,

carecendo de um programa “visando a defesa da arte latino-americana, a

brasileira inclusive”. A América Latina teria apenas a função de “tapar

buracos” na mostra. E comprovava sua tese com uma análise simples das

regiões do mundo que receberam o Grande Prêmio (“o único que

verdadeiramente conta, principalmente emtermos de mercado”) da Bienal:

até então, a Europa ganhara doze, os Estados Unidos um e América Latina

também um.

Essa crítica tornou-se cada vez mais fluente e forte, num momento de abertura política no

Brasil (e de crises nos países vizinhos), no qual certo sentimento de panamericanismo ainda se

deixava ver em intelectuais que viam sinais de decadência na arte européia e conservadorismo

28

ALAMBERT, Francisco, CANHÊTE, Polyana Lopes. As bienais de São Paulo: da era do museu à era dos

curadores; (1951-2001). São Paulo Boitempo: 2004, p.p. 148-149.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 48

na norte-americana. O vigor da arte latino-americana e a perspectiva de que essa arte pudesse

ter um papel político a desempenhar na união dos povos “oprimidos”, despertava em

intelectuais e artistas de esquerda o desejo de mudar os rumos da Bienal.

Todavia convém trazer para esta reflexão, o que nos diz Argan,29

a arte se manifesta nas

culturas ou nas camadas culturais que, em qualquer tempo e lugar, fundamentam a realidade

social, sempre e tão só no contexto de uma ética de valores, isto é, de uma concepção da vida

como trabalho produtivo, das relações humanas como intercâmbio de experiências da política

como dialética de autoridade e de liberdade.

Como atividade desde as mais remotas origens à burguesia, a arte aparece como uma

atividade tipicamente urbana. E não apenas inerente, mas constitutiva da cidade. E sendo a

arte como fenômeno urbano, nada tem a ver com a legitimidade ou a arbitrariedade da posse

de espaço, o qual produz e a necessidade, para quem vive e age no espaço, de representar de

forma “autêntica ou distorcida” a situação espacial em que age.

Considerando que a criação das Bienais Nacionais, ou Pré-bienais como foram chamadas, não

resolveu a crise promovida pela inexpressiva participação brasileira e latino-americana na

Bienal Internacional de São Paulo, nada mais lógico que buscar alternativas mais audaciosas

que viessem apontar para soluções viáveis, como exemplo, retomar uma das últimas idéias de

Cicillo Matarazzo, que era realizar o projeto de bienais latino-americanas.

Se a exposição desses argumentos não é suficiente para se concluir que surgiu a partir da crise

da Bienal Internacional de São Paulo, a demanda por arte Latino-Americana, e que a forma

creditada tenha sido pela busca de identidade cultural por meio da arte, há, contudo, nesse

contexto, indícios que nos levam a admitir que houve, efetivamente, o reconhecimento da

existência da arte latino-americana, com um ideário crítico a ser desenvolvido. A morte deste

projeto nascente, pleno de estímulos identitários e de desafios para a superação das reações

dentro do próprio universo da crítica de arte, foi diluído pelos personalismos, na fogueira das

vaidades, dentro da armadilha tramada pela ditadura militar.

29

ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 49

1.4 A CRÍTICA E O CONSELHO DE ARTE E CULTURA DA FUNDAÇÃO BIENAL: A

POLÊMICA EM QUESTÃO.

Uma das acusações mais gloriosas, para alguns de nós, é aquela

que se refere ao incitamento, isto é, incitar a intelectualidade

cultural.30

Radha Abramo

O pensamento primoroso de Radha Abramo, realçando o papel da crítica de arte, aponta

ironicamente para a dificuldade imposta pela censura no governo militar e dá o tom das

divisões internas que essa vigilância provocava no campo da cultura.

A história da arte brasileira encontra-se neste momento num sadio digladio. Por um lado

vemos uma crítica que julga saber o que considera ser o melhor para arte brasileira e latino-

americana, e por outro, os membros do Conselho de Arte e Cultura da Bienal de São Paulo

faziam seus encaminhamentos conforme as suas atribuições, nem sempre de acordo com as

deliberações da crítica. Mesmo que tal Conselho fosse originalmente constituído por críticos

importantes, como Alberto Beuttenmüller, Marc Berkowitz, Lisetta Levi e Clarival Valadares

e renomados artistas como Yolanda Mohalyi, Leopoldo Raimo e Maria Bonomi, havia,

contudo, uma censura explícita, representada pelo próprio presidente da Fundação Bienal,

Luiz Fernando Rodrigues Alves.

A polêmica criada em torno do regulamento e do tema único da I Bienal Latino-Americana,

teria sido gerada por certo sectarismo dos críticos em relação às deliberações do CAC,

possivelmente pela desconfiança de que seus membros estivessem defendendo uma política

traçada pela nova diretoria da Fundação Bienal de São Paulo, constituída por Luiz Fernando

Rodrigues Alves, presidente; 1º vice-presidente Justo Pinheiro da Fonseca; 2º vice-presidente

Ernestina Karman; diretor administrativo, Oswaldo Silva; diretor financeiro, Dílson Funaro;

diretor de relações públicas, Armando Costa de Abreu Sodré. No entanto, a despeito das

desconfianças, os membros do CAC se faziam notar pela defesa de uma forma democrática

para a deliberação do tema e do regulamento da Bienal em questão. Tanto é que foram

30

Bienal Latino-Americana: O Regulamento do diálogo: FOLHA DE S. PAULO, 02 de abril de 1978. Arquivo

Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 50

convocadas, nada menos que sessenta e cinco pessoas, entre intelectuais, artistas e críticos, o

que não se pode considerar estreito democraticamente.

Entretanto, a crise em que se encontrava a Bienal franqueou, de certa maneira, um despertar

para o reconhecimento da cultura nacional, sob os auspícios de uma nova mentalidade cultural

da crítica brasileira, que vinha assumindo, desde a década de sessenta, uma posição de

resistência contra os centralismos nacionais e a doutrina cultural colonialista, representada

pela supremacia dos modelos euro-norte-americanos.

Com a intenção de apresentar a discussão que antecede a I BLASP, seguem comentários de

artigos e trechos de artigos, que julgamos serem importantes para o entendimento da

conjuntura e do discurso presentes na época.

Na posse da nova diretoria da Fundação Bienal de São Paulo, o presidente Luiz Fernando

Rodrigues Alves, disse que a FBSP foi uma jornada iniciada, há 27 anos, por Cicillo

Matarazzo, e que agora já permitiria certo amadurecimento, condições de análise, sem com

isso perder seu objetivo de contemporaneidade, de continuar a testemunhar, participar, propor

e promover manifestações culturais, através de todos os meios de comunicação, originários

que são das necessidades gerais da humanidade. Um dos últimos sonhos de Cicillo era a

transformação da Bienal Nacional numa Bienal Latino-Americana, idéia encampada pelo ex-

presidente Oscar Landman e que seria, agora, concretizada.

Neste mesmo artigo a artista Maria Bonomi, como membro do Conselho de Arte e Cultura,

falou sobre a necessidade de melhoria da Bienal:

Solicitamos para a Bienal uma infra-estrutura adequada. Nosso trabalho

sente-se prejudicado pela falta de assessoria, funcionários, montadores,

fotógrafos, tradutores, verbas, para publicações e principalmente consultores

espalhados pelo continente e pelo mundo. Tudo isso permitiria realizar uma

Bienal adulta e menos subdesenvolvida. Para tratar com respeito um trabalho

intelectual de forma responsável, as verbas deveriam atender em sua grande

parte à saúde, à educação e cultura da população. Lembrou ainda, que a

Bienal não é um brinquedo de criança de uso pessoal, mas que pertence à

cidade, ao país, ao continente, ao pensamento dos que estudam e pesquisam e

permanecem eternos através dos tempos.31

31

Bienal latino-americana: Correio Braziliense – Brasília, DF. - 22 de fevereiro de 1978. Arquivo Wanda Svevo

da Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 51

No artigo, Mito e magia na Bienal de São Paulo, escrito pelo crítico de Arte Frederico de

Morais,32

relata que o crítico peruano Juan Acha, que reside no México, participou a convite

da direção da FBSP, das discussões que levaram à definição da linha cultural dessa Bienal, a

ser inaugurada no dia 03 de novembro, com os membros da sua comissão cultural.

Inteiramente dedicados ao exame da arte latino-americana, teriam como tema central Mitos e

Magia que, na sua abrangência, cobriria desde heranças: pré-colombianas e negro-africanas,

as manifestações atuais. Paralelamente à documentação, seria realizado um Simpósio com a

presença de críticos, antropólogos, sociólogos etc., no qual seriam debatidos, além do tema

central, os problemas da arte latino-americana e as propostas para a próxima Bienal.

A crítica de Arte Sheila Leirner, no seu artigo, Mito e magia ou a arte sob rotulação, observa

a difícil tarefa do CAC da Fundação Bienal na seleção de obras que se aproximem do tema

proposto, que abrangeria segundo sua concepção, os setores denominados manifestações,

documentação e simpósio. Antes ainda das reuniões com os críticos Juan Acha, do México, e

Silvia Ambrosini, da Argentina, o Conselho havia decidido o que agora se tornaria oficial. O

tema central desta Bienal, como já estava previsto, seria Mitos e Magia e serviria apenas para

o circuito latino-americano de arte. Com relação às manifestações previstas para o

acontecimento, iria configurar a própria amostragem, dirigida segundo as “origens”

especificas do continente latino-americano. Para ela, não era difícil imaginar, contudo, as

dificuldades que seriam encontradas na escolha de obras que se aproximem como quer a

Bienal, da arte indígena, africana, euro-asiática e mestiça, segundo as suas constantes, seus

elementos iconográficos, seus temas, personagens, signos e símbolos, elementos

compositivos, cor, formas e espaços, materiais e textuais, gestos e ritos.

Adverte a crítica, que o convite de artistas, sem concurso e sem agrupamento por

nacionalidade, seria controvertido pelas omissões que certamente ocorreriam, posto que,

somente uma minúscula parcela da crítica encontra-se reunida para este fim. Mas, sobretudo,

emenda Leirner pela incapacidade natural do pequeno grupo de profissionais de enfrentar tão

complexo e ambicioso projeto. Leirner preocupava-se propriamente com o título, que

considera um rótulo.

Mesmo que não se trate mais de limitar a amostragem da expressão artística

aos domínios de um mecenas e sim aos de candidatos teoricamente mais aptos

a ser bem sucedidos, ao tentar encontrar uma identificação da obra de arte

32

O GLOBO – ARTES PLÁSTICAS: Rio de Janeiro, 02/03/1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 52

com qualquer um dos itens propostos, a Bienal poderá estar cometendo

graves erros de rotulação.33

Conforme o artigo do crítico Roberto Pontual, Uma Bienal só de Mitos e Magia,34

chama a

atenção para a ausência de alguns membros do CAC na reunião para a redação do

regulamento. Porém o professor e crítico Juan Acha, nascido no Peru e residente no México e

a crítica argentina Silvia Ambrosini, estiveram redigindo, conjuntamente com os membros

presentes do CAC o tão esperado regulamento que até o momento não tinha sua redação final

divulgada. Contudo, Roberto Pontual, fornece os pontos essenciais e os comenta brevemente,

em seguida. O fio condutor da I BLASP foi o tema Mitos e Magia que estava, mais ou menos,

estabelecido antes da própria reunião. Optou-se ali por uma estrutura temática, sobretudo no

proposto de pensar os principais denominadores comuns dos comportamentos visuais latino-

americanos – ou seja, reconhecer e recuperar elementos de identidade. Para que essa estrutura

se concretizasse, na mostra e nos eventos paralelos, a Bienal em causa se constituiria de três

setores: manifestações, documentação e simpósio.

No primeiro item do regulamento, foram agrupados segundo suas origens, o indígena, o

africano, o euro-asiático e a mestiçagem. Na área de documentação, propõe-se a participação

dos interessados com documentação em geral sobre o processo latino-americano que

caracteriza mitos e magia. Quanto ao simpósio, compareceriam apresentações e debates em

torno de mitos e magia na arte latino-americana e propostas para as próximas Bienais Latino-

Americanas. Uma das decisões tomadas pelo Conselho foi propor à diretoria da Bienal a

aplicação do dinheiro dos prêmios na confecção de um livro sobre o evento - proposta aceita.

35

A publicação do Regulamento nos dias 15, 16 e 17 de março, desencadeou uma série de

críticas negativas e positivas em relação ao seu conteúdo, como podemos constatar nas

opiniões de vários críticos que se manifestaram a esse respeito. Um dos primeiros

posicionamentos, questionador, põe em pauta o conteúdo do próprio regulamento, é de Jacob

Klintowitz, no seu artigo, Bienal, uma equação só de incógnitas. Ao mesmo tempo, ele faz

considerações positivas, mesmo sem saber no que poderia resultar a iniciativa das mudanças

33

Jornal O Estado de São Paulo, 03/03/1978. Arquivo Wanda Svevo. 34

JORNAL DO BRASIL - Rio de Janeiro, idem. 35

Em novembro, a I Bienal Latino-Americana: FOLHA DE S. PAULO, 10 de março de 1978. Arquivo Wanda

Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 53

propostas pelo Conselho. Jacob observa ironicamente no que considera vagueza, tanto um

problema a resolver como uma abertura possível:

Quem poderá saber? Saiu o Regulamento da Bienal Latino-Americana, mas

vago é a melhor palavra para definí-lo... É uma obra-prima de enunciados

vagos e amplos. Segundo os seus enunciados, tudo é possível ou nada é

possível. O fio condutor, o tema central, mitos e magia, nos deixa perplexos.

Vejamos: 1- O que é arte latino-americana? O Regulamento não responde; 2-

O que são mitos? O Regulamento não responde; 3- Magia também não está

definida.(...) A idéia de reformular as Bienais é uma imposição dos tempos. A

nossa Bienal já nasceu velha. Para a sua sobrevivência é necessária. Mudar.

Acho que estamos todos torcendo pelo seu sucesso. Se latino-americana é

uma solução, ou outra idéia qualquer possa ser, é impossível saber. São

questões complexas. Paradoxalmente, é necessário notar, a própria vagueza

do regulamento pode ser um dado positivo. Onde pode ser colocado tudo,

podemos colocar só coisas significativas.36

Segundo Fernando C. Lemos, no seu artigo, I Bienal Latino-Americana: Mitos e Magia, na

coluna Artes Visuais da Folha de São de Paulo, discorre em seus comentários, acertadamente,

que o tema Mitos e Magia, para muitos, era de difícil delimitação, de conceituação muito

ampla, podendo dar margem a confusões com folclore e primitivismo. Observa que Alberto

Beuttenmüller diz que essa confusão não existirá e o tema não levará a uma interpretação

folclórica:

Que vem a ser mito? Pergunta Beuttenmüller. Numa definição genérica –

responde – é uma tradição que, sob forma de alegoria, deixa entrever um fato

natural, histórico ou filosófico. Como vamos trabalhar com artes visuais

procuramos os elementos dentro de uma alegoria que tenha sua origem no

indígena, no africano no euro-asiático ou ainda na mestiçagem cultural. A

magia – completa Beuttenmüller – por definição é a arte de produzir por meio

de certos atos e palavras. (...) Nas artes visuais a palavra é substituída por

elementos iconográficos ou compositivos e os atos são os ritos dessa magia.37

Fernando C. Lemos traz o pensamento de Jacob Klintowitz, que reafirma que esta Bienal é de

muitas dúvidas e muitas perguntas. A própria convicção – diz – de que existe uma arte latino-

americana, com características diferenciadoras, é uma grande dúvida. O próprio crítico

pergunta ao interlocutor: Deveríamos ter uma Bienal aberta, livre, para qualquer tema? Dá a

resposta: (...) Mito é uma grande discussão... Cita Freud, Jung, Cassirer, Barthes, para

lembrar que tanto idéia como conceito se modificam, se organizam e a discussão aumenta. Na

verdade, parece-me que a discussão do que seja o mito é fundamental para entendermos e

36

Idem. 37

Fernando C. Lemos, I Bienal Latino-Americana: Mitos e Magia, Artes Visuai: FOLHA DE SÃO PAULO –

São Paulo, 19 de março de 1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo e do Acervo Mariza

Bertoli.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 54

modificarmos o social e o individual. Nesse sentido para ele, hoje se repensa a nossa

sociedade e a nossa civilização. E a discussão de mito está na base dessa discussão.

O crítico de arte Jacob Klintowitz em suas reflexões acerca do conceito Magia, circunscreve-

o à realidade das culturas da América Latina, ao discorrer que:

(...) Há o sentido tradicional. É na América ela é muito forte, a nossa

tradição mágica é grande, presente do popular ao erudito. E há também, a

possibilidade de aplicação e transformação da palavra magia para outros

significados. Nesse caso a palavra teria um sentido tão amplo, tão vago que

perderia um pouco a sua importância e mesmo a sua existência. Klintowitz

observa este aspecto: Sabemos apenas que mito e magia não devem ser

entendidos como folclorismo. O que quer dizer: não sabemos o que é, mas

sabemos o que não é. Melhor. O conceito vago e não definidor tem um

aspecto positivo. Nós podemos preenchê-lo de arte e artistas, definir o que

seja a partir da obra de arte.38

Alberto Beuttenmüller, explica as normas decididas para as participações na Bienal Latino-

Americana. Segundo ele, os convites ou indicações não serão através do Itamarati, de governo

para governo, enfim, sem representações oficiais. A própria Fundação Bienal escolherá as

entidades que assumirão o compromisso de indicar os artistas de seus países. Adverte que não

haverá restrições de técnica ou linguagem, desde que os trabalhos estejam dentro do que se

exige. Não visa – aqui esclarece o regulamento – fomentar folclorismos, mas servir o tema

Mitos e Magia de pretexto para a “investigação da realidade cultural existente”. Nessa Bienal,

diz Beuttenmüller, não haverá prêmios (a verba que a Fundação havia reservado à premiação

será aplicada em publicações, catálogos e demais trabalhos relativos às três áreas) se dará

grande importância à documentação daquilo que tenha exercido influências ou esclareça

proposições, desde que caracterizem mitos e magias latino-americanos. Essa documentação

poderá ser: fotografias, textos, objetos, gravações, filmes, vídeos etc., de importância artística,

antropológica, histórica ou sociológica. Por fim o Simpósio. Para este terceiro capítulo de

manifestações da I BLA, serão feitos convites a intelectuais do mundo todo, nas mais diversas

áreas de estudos. Os temas para o Simpósio já estão determinados: 1) Mitos e Magias na arte

latino-americana; 2) Problemas gerais da arte latino-americana e 3) Propostas para as

próximas Bienais Latino-americanas.

A crítica de arte Radha Abramo, no seu artigo Bienal Latino-Americana, com imensa

generosidade diz crer que o aspecto filosófico fundamental dessa Bienal era, sobretudo, do

diálogo aberto, da troca de idéias, da colocação dos problemas, da catarse da intelectualidade

38

Idem.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 55

do chamado Terceiro Mundo. E que essa Bienal não se processaria intramuros, de se expor,

humilde, diante da cultura. Ao contrário, deveria provocar o próprio questionamento e

assumir com a coragem que poucos possuem a questão de discutir, de procurar o consenso e

ensaiar o erro; ou melhor, de construir um projeto cultural.

Radha destaca ainda, a importância política de um movimento que é de dentro para fora,

promovendo um debate amplo sobre em relação à dominação e resistência. Comenta ainda

que a possibilidade de mudança de direção da Bienal, nos 26 anos de vida, que ela considera

concentracionária. Quanto ao problema da identidade, Radha Abramo, reafirma a proposta do

Conselho, da discussão da identidade cultural que: A questão é séria, difícil de ser refletida;

martirizados como somos por teorias pseudo-universalistas, sentimo-nos de repente sós, temerosos de

enfrentar o questionamento proposto, porque ele certamente abalará nossos suportes culturais

colonialistas. Pensar sobre identidade cultural conforme comenta a crítica, é “perigoso” porque

propõe que se assuma posição política, atitude temerária diante da situação de censura do

governo militar, o que fez com que Radha recorresse ao auto-conhecimento como explicação,

citando C. Rogers.

Sobre o tema Mitos e Magia, Radha Abramo, adverte para a complexidade que envolve o

tema e a abertura discursiva que o mesmo propõe, mas mesmo assim, reconhece a boa

vontade da Bienal, ao arriscar-se corajosamente quando propõe para a discussão latino-

americana, duas grandes abordagens do comportamento humano que giram em torno de Mitos

e Magia, dois temas abrangentes, complexos, ricos porque ainda não serviram de instrumento

para qualquer tipo de sustentação ou justificativa cultural, cá neste terceiro mundo. Diz ela, a I

BLA, propõe, portanto, para a discussão dois aspectos da cultura, Mito e Magia; e como a

Bienal está aberta, como necessita da polêmica para existir (porque está implícito no

Regulamento a precisão de gente para discutir o problema proposto) e finalmente, como o

questionamento se centra na cultura contemporânea, infere-se, com a maior facilidade do

mundo, que o comprometimento da intelectualidade será a própria Bienal Latino Americana.

Para Radha Abramo,39

uma das acusações mais gloriosas, para alguns de nós, é aquela que se

refere ao incitamento, isto é, incitar a intelectualidade cultural. Na opinião sempre otimista de

Radha, se até o encerramento da Bienal tivermos conseguido alinhavar, por escrito, algumas

39

Radha Abramo, Bienal Latino-Americana. O Regulamento do diálogo: FOLHA DE SÃO PAULO – São

Paulo, 02 de abril de 1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 56

pequenas dúvidas a respeito da colocação proposta nessa edição, o êxito seria alcançado. Isto

significaria que teríamos semeado o grão necessário para posterior reflexão sobre o papel da

cultura Latino-Americana e afinal sobre o homem latino-americano, porque a arte é

indubitavelmente, segundo ela, uma das manifestações da indagação humana.

O crítico de Arte Frederico Morais, no seu artigo, Bienal: a política do fato consumado,

critica o tema escolhido pela sua generalidade e imprecisão, onde tudo cabe e tudo se exclui.

Sempre fui a favor de um tema ou linha temática, pois me parece que um dos

problemas mais graves da Bienal e de outras mostras congêneres é a falta de

definições, de precisões, de um ponto de vista claro sobre as coisas. É ilusão

pretender colocar todas as questões da América Latina (o Brasil inclusive)

logo de saída, numa primeira e improvisada Bienal Latino-americana.40

Critica ainda, na prática da Bienal, a busca de quorum para as decisões já tomadas. Pois,

segundo ele, a Bienal possuía um conselho de arte e cultura. Frederico de Morais supunha que

caberia a este conselho não apenas formular as diretrizes da política cultural da referida

mostra, no caso específico da BLA, como definir o tema, as atividades paralelas, inclusive de

caráter didático, além de redigir o regulamento e manter contatos com entidades dentro e fora

do país. Convidar artistas para a mostra, críticos e especialistas para o simpósio seria também

função do Conselho, pois seus integrantes recebiam honorários para isso. No entanto, tais

tarefas foram transferidas para os “participantes” da convenção que se realizaria “no próximo

sábado”. O que seria, na prática, impossível. Conclui, dizendo que o objetivo do encontro não

era dialogar, mas oferecer quorum a decisões já tomadas.

A FBSP edita carta de agradecimento aos especialistas convidados para a reunião que se

realizou nos dias 08 e 09 de abril de 1978, com o seguinte conteúdo: 41

Com o objetivo de obter subsídios para selecionar os artistas nacionais que

participarão da I Bienal Latino-Americana, dentro da proposta Mitos e

Magia, conforme os elementos visuais sejam de origem indígena, africana,

euro-asiática ou de mestiçagem cultural, além de obter uma extensa lista de

entidades culturais da América Latina com as quais a Fundação Bienal de

São Paulo deva entrar em contato para a realização dessa mostra e para a

indicação de nomes ao Simpósio. O Conselho de Arte e Cultura, de comum

acordo com a diretoria da Fundação Bienal de São Paulo, convidou

especialistas em diferentes campos, para um encontro nos dias 8 e 9, período

40

Frederico Morais, Bienal: a política do fato consumado: O GLOBO – ARTES PLÁSTICAS - Rio de Janeiro,

05 de abril de 1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo. 41

A Fundação Bienal de São Paulo edita carta de agradecimento aos especialistas convidados para a reunião que

se realizaria nos dias 08 e 09 de abril de 1978: São Paulo, s/d. Arquivo Multimeios, (PL 647) – SMC – PMSP.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 57

integral, com a finalidade de discutir exaustivamente a relação de artistas

brasileiros que já tenham realizado um percurso de conformidade com a

proposição citada.

Das listas apresentadas e discutidas sairão os nomes da representação

brasileira, que será realizada e assim definida por convites e não mais por

inscrição. Conforme regulamento não haverá também premiação nessa I

Bienal Latino-Americana.

A relação de convidados para a reunião nos dias 8 e 9 de abril, consta sessenta e cinco

convidados e não, sessenta ou sessenta e quatro, como foi publicado pela maioria dos jornais

que acompanhavam os encaminhamentos dados pelo CAC da Fundação Bienal: 1) Aline

Figueiredo, 2) Ana Letícia Quadros, 3) Antonio Porro, 4) Aracy Amaral, 5) Arcângelo Ianelli,

6) Bené Fonteles, 7) Benedito Lima de Toledo, 8) Carlos Von Schmidt, 9) Carmem Portinho,

10) Casemiro de Mendonça, 11) Clarival do Prado Valladares, 12) Cláudia Andujar, 13)

Cláudio Villas Boas, 14) Eduardo de Oliveira, 15) Ênio Marques Ferreira, 16) Faya Ostrower,

17) Francisco Bittencourt, 18) Fernando Mourão, 19) Frederico de Morais, 20) Geraldo

Ferraz, 21) Gilda Seráfico, 22) Giselda Leirner, 23) Glauber Rocha, 24) Hélcio Saraiva, 25)

Hugo Auler, 26) João Cândido M. G. Barros, 27) João das Neves, 28) José Alves Antunes,

29) Leo Gilson Ribeiro, 30) Lina Bo Bardi, 31) Lívio Abramo, 32) Lúcio Costa, 33) Luiz

Paulo Baravelli, 34) Maria Eugênia Franco, 35) Mário Chamie, 36) Mário Pedrosa, 37)

Maureen Bisiliat, 38) Maurício Kubrusly, 39) Mino Carta, 40) Miriam Paglia Costa, 41)

Mozart Camargo Guarnieri, 42) Nelson Pereira dos Santos, 43) Norah Beltran, 44) Olívio

Tavares de Araújo, 45) Orlando Villas Boas, 46) Oscar Niemeyer, 47) Paolo Maranca, 48)

Paulo Duarte, 49) Paulo Mendes de Almeida, 50) Pietro Maria Bardi, 51) Radhá Abramo, 52)

Renina Katz, 53) Roberto Pontual, 54) Roberto Schnorrenberger, 55) Rossini Tavares de

Lima, 56) Rubens Gershman, 57) Sábato Magaldi, 58) Sheila Leirner, 59) Ubirajara Ribeiro,

60) Ulpiano Bezerra de Menezes, 61) Walter Zanini, 62) Willy Correia de Oliveira, 63)

Wolfgang Pfeiffer, 64) Zélio Alves Pinto, 65) Iazid Thomè.

As opiniões de sete artistas e críticos sobre o tema Mitos e Magia, como também sobre o

Regulamento, que inevitavelmente serão massacrados de um lado e defendidos de outro, num

grande bate-boca, tornando extremamente difícil um consenso, tal a heterogeneidade das

pessoas presentes em gênero, grau, número, cor, sabor e aroma. No encontro, que certamente

não comparecerá grande número, quer publicamente obter o aval de nomes respeitáveis, cujas

opiniões, entretanto, nada valem porque não serão aproveitadas. A eles será dado o “abacaxi”

para descascar.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 58

Conforme Thomaz Ianelli, o tema escolhido e proposto Mitos e Magia lhe pareceu, a primeira

vista, correto, e que deveria funcionar como introdução à obra. Não poderia, todavia,

desconhecer a ampla extensão que o título sugeria. Muita coisa poderia ser considerada ou

enquadrada, inclusive tendências diversificadas, o que talvez já deixasse de obedecer à risca

ao tema, tornando-o quase um tema livre.

Otávio Araújo considerou o tema pouco feliz. Para ele, Mitos e Magia se prestaria, mais para

um simpósio que reunisse críticos de arte, sociólogos, antropólogos, filósofos e psicólogos

para analisar e debater as reflexões, as idéias, as propostas e as conclusões que o tema pudesse

sugerir e desencadear. Quanto a servir de pretexto para realizar uma Bienal de Arte Latino-

Americana, já parecia pouco feliz, pois deixaria de lado os chamados artistas não figurativos e

muitos outros que os organizadores e a comissão encarregada de formular os convites,

julgassem diferente daquilo que eles entendem por Mitos e Magia. Além de tudo isso, o título

ou tema, era genérico, um tanto vago, pouco específico, dando margem a mil interpretações.

Impossibilitando saber quem se enquadra e quem está fora dos conceitos propostos para essa

Bienal.

Na opinião de Lúcia Fleury, a Bienal deu um corajoso passo à frente, impondo condições.

Pela primeira vez ela livrou-se de um paternalismo histórico, de ter de aceitar bons artistas

porque são bons artistas curricularmente, aprovadíssimos, mas, cuja obra atual, aprovada e

consumida, nada de novo acrescentaria. Por isso, considera inteiramente válida a proposta

Mitos e Magia que de resto vem tocar em veias profundas e comuns deste continente.

Na opinião do artista Nicolas Vlavianos, a Bienal estava desacreditada. Para ele, a Comissão,

ao elaborar o regulamento com os tais temas, assumiu uma posição equivocada, pelas

seguintes razões: primeiro porque instituiu uma divisão arbitrária, não condizente com as artes

plásticas, dando ênfase ao conteúdo e esquecendo a forma – linguagem; segundo porque

estabeleceu uma limitação artificial da produção cultural e artística do meio latino-americano.

Para Vlavianos a inadequação maior, ao escolher este procedimento, foi em relação à própria

dinâmica do movimento plástico. Acredita que a proposição básica de uma Bienal de Artes

Plásticas, seria pôr em discussão a produção cultural e artística do meio, em torno da realidade

e construir sua temática. Ignorando a presença de forças atuantes e conflitantes, no corpo

artístico latino-americano, e escolhendo a priori, não os mais criativos, os mais

contemporâneos, movimentos ou artistas, mas os que se enquadram bem ou mal, na temática

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 59

escolhida. Assim, na opinião do artista a Bienal se isolaria, por excluir uma grande parte da

arte e das tendências, hoje, isolando uma parcela significativa de artistas que não pratica tal

temática.

Enfim, para Nicolas Vlavianos, a Bienal, estava desacreditada junto a grande maioria dos

artistas, aumentando seu distanciamento, criando barreiras, para a produção cultural do meio e

aumentando a confusão, através de propostas impertinentes ao desenvolvimento plástico da

nossa época. Com razão, acreditava que a Bienal tinha uma participação decisiva na formação

da arte contemporânea brasileira. E era melancólico constatar que não conseguiria sensibilizar

o meio artístico do país.

Na opinião de Norha Beltran, em decorrência dos problemas econômicos, ela se vê na

contingência de discordar do artigo 1º do Regulamento da I Bienal, que reza: A BLA surge

para indagar os principais denominadores comuns de nossos comportamentos visuais. Após

resultado de pesquisa e análise das diferentes possibilidades de promover o reconhecimento

das nossas identidades etc. Para ela, não se poderia fazer investigações de denominadores

comuns sem ter uma oportunidade de aglutinar as expressões artísticas, na sua totalidade, ou

pelo menos em grande parte, todas as manifestações de caráter artístico-visual que estavam

sendo realizadas na América Latina. Por exemplo, a Bolívia que era um país de economia

periférica não dispunha de condições necessárias para o envio de vídeos, cinema etc., sendo

também impossível o envio de arte pré-colombiana, como lhe foi sugerido. Era a realidade da

América Latina que não foi considerada. Conclui que as palavras Mitos e Magia estariam

sendo manipuladas, por seu caráter abstrato, que permitia a mistificação, diferenciando a

interpretação de pessoa para pessoa.

Na opinião de Iracema Arditi, uma mostra nos moldes da I Bienal Latino-Americana, era mais

dirigida para uma elite minoritária, dessa forma não poderia atingir padrões de interesse

público, “por estar moldada em intelectualismo pretensioso”. Seria pouco liberal pela

imposição de temas dentro da criatividade. Mitos e Magia, dizia muito e não explicava nada.

Citava o artigo 3º do Regulamento da I BLA, onde diz: Mitos e Magia não deve ser tomado

como tema preconcebido para realizar obras ou “fomentar folclorismos”, mas sim como

promotor da investigação da realidade cultural existente. Para Arditi, tais propostas tão

ambíguas, tão infinitamente discutíveis, resultariam em reação exatamente opostas. Teto,

chão, espaço vital do Pavilhão da Bienal “seriam sediados por índios sob-medida, cobras,

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 60

jacarés, mulatas, candomblés” etc. Enfim, diz que não pretendia se dar ao luxo de criticar,

mas sabia que tantos se inquietavam, no bom sentido do termo, sobre o destino das nossas

principais manifestações artísticas e também se calavam por timidez e recato. Recato que,

segundo a comentarista, só conhece aquele que acalenta a intimidade do convívio de sua obra.

Na opinião de Anésia Pacheco e Chaves o tema Mitos e Magia, se compara ao sexo dos

anjos.42

Para ela, qualquer tema dado a uma exposição, limita suas possibilidades. Tratando-se

de América Latina, não era preciso ser adivinho para imaginar a infinidade de temas que

fatalmente apareceriam. Acreditava que o artista deveria, livremente, apresentar trabalhos

sobre seus problemas, seu mundo e sua circunstância, fosse qual fosse, e como ele a visse.

Porém, concordava que se fossem promovidos debates sobre diversos assuntos propostos da

Bienal e “Arte Mágica”, poderia ser um dos mais interessantes.

A FBSP, em seus encaminhamentos de trabalhos, editou carta com o resultado da reunião

realizada nos dias 08 e 09 de abril, com o seguinte conteúdo: O Grupo de Trabalho incumbido

de decidir o Capítulo DAS MANIFESTAÇÕES, Seção A, do Regulamento da I BLA,

aprovou o seguinte projeto, também aprovado pelo plenário, reunido em 9 de abril do corrente

ano, na sede da Fundação Bienal de São Paulo.43

I. A representação brasileira à Bienal Latino-Americana terá caráter basicamente plástico-

visual, no que se refere à Seção A – DAS MANIFESTAÇÕES.

II. Deverá ser criado um grupo de coordenação, polivalente e consultivo, com atuação junto

ao Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo e grupos regionais com o

mesmo caráter polivalente e consultivo, escolhidos por áreas geográficas, responsáveis pelo

levantamento e remessa do material.

III. Da formação dos grupos – os grupos regionais serão escolhidos por indicação do

Conselho de Arte e Cultura, em comum acordo com o grupo de coordenação.

IV. Ao Conselho de Arte e Cultura e ao grupo de coordenação caberá a avaliação e

agrupamento do material remetido, de acordo com as quatro origens especificadas no Artigo

42

I Bienal Latino-Americana – Vai haver consenso?: FOLHA DE SÃO PAULO – São Paulo, 09 de abril de

1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo e Acervo Mariza Bertoli. 43

A Fundação Bienal de São Paulo, 09 de abril de 1978. Arquivo Multimeios, (PL 646) – SMC – PMSP.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 61

2º do Regulamento da I Bienal Latino-Americana. Os grupos regionais terão por função o

levantamento das manifestações, através de contatos e indicações de artistas, grupos e

entidades, sendo ainda incumbidos de remessa da representação regional.

V. Sugerimos à Direção da Fundação Bienal de São Paulo o envio de um ou mais

representantes delegados para as avaliações do trabalho dos grupos regionais.

Das listas apresentadas e discutidas sairá a representação brasileira à 1ª Bienal da América

Latina, de 3 de novembro a 18 de dezembro, não havendo novas inscrições. Conforme o novo

regulamento da mostra internacional, este ano não há também premiação.44

Segundo Radha Abramo, no seu artigo, Discute-se a I Bienal Latino-Americana.45

Diz que os

convidados pela FBSP para organizarem a I BLASP, apenas trinta e sete convidados

compareceram à reunião marcada para a discussão do regulamento e a indicação dos nomes

dos artistas convidados. Entretanto - comenta a crítica - foi aprovada a formação de grupos

polivalentes, ou seja, grupos compostos por antropólogos, sociólogos, psicólogos, críticos de

arte, arqueólogos músicos etc., que junto com as universidades, os artistas e os museus das

localidades indicariam seus representantes. Deveriam fazer um documento no definiriam a

reflexão sobre a sua própria identidade cultural e listar os objetos plásticos, teatrais e musicais

que merecessem ser apresentados na I BLA, dentro da representação brasileira.

Radha Abramo destaca as importantes participações de Carlos Von Schmidt, Ulpiano Bezerra

de Menezes, Francisco Bittencourt, Sheila Leirner, Aline Figueiredo e outros que não só

puseram em pauta o problema da descentralização das indicações no capítulo das

manifestações como discutiram a respeito da inscrição livre dos artistas à Bienal, visto que

pelo regulamento atual o artista não poderia se inscrever diretamente mas por aqueles

especialistas que o CAC da FBSP indica.

Para o crítico Roberto Pontual, no seu artigo, Encontros e Desencontros, havia uma vontade

de tornar o confronto interdisciplinar, tal iniciativa considerou saudavelmente oportuna. O

44

Bienal de São Paulo faz seleção de artistas para Bienal Latino-Americana: JORNAL DO BRASIL - Rio de

Janeiro, 10 de abril de 1978. (Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo. 45

Radha Abramo, Discute-se a I Bienal Latino-Americana: FOLHA DE SÃO PAULO – São Paulo, 10 de abril

de 1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 62

problema, segundo Pontual, consistia no fato da I Bienal Latino-Americana já estar

demonstrando os velhos defeitos típicos da estrutura que a sustentava, ou seja, a

desorientação. Desempenho ambíguo, o método saco-de-gatos que nunca a abandonaram de

todo, por falta de nascença. Pontual continua relatando que o último encontro havia servido

de exemplo claro para essa situação. Cita Frederico Morais num incisivo artigo publicado

uma semana antes, onde ele dizia que havia saudado os primeiros passos da BLA com algum

otimismo, mas logo depois, teve que restringir o crédito de confiança que dera ao receber e

transcrever o esclarecimento de Aracy Amaral. Ela, revoltada com a maneira pela qual a

Fundação paulista a envolvera, numa pretensa assessoria, para a elaboração do Regulamento

da mostra. Para Pontual, o fato consistia em que a Bienal continuava preferindo o jogo duplo.

Não é convocando pessoas de diferentes áreas para um encontro de fim de

semana que se vai conseguir dar maior amplitude ao evento. Apenas obterá

um aval apressado, sem convicção, fruto de debates e de acordos de

superfície. Mais uma vez, a tática da média, só que agora habilmente

interessada em somar com um número maior de parcelas, para garantir-se

melhor. O mais provável é que o encontro haja servido, sobretudo, para

ratificar opções e posições predeterminadas sem a audiência dos que a ele

foram convocados. A atitude está longe de ser profissional.46

Conforme o artigo, Ausência que não é omissão, do crítico Hugo Auler.47

No dia 31 de

março, a redação do Caderno de Artes Visuais, do Jornal Correio Braziliense, recebeu uma

carta do “amigo” Luiz Rodrigues Alves, presidente da FBSP, convidando para participar de

reunião no prédio da Bienal. Para tal, oferecia hospedagem em um dos grandes hotéis de São

Paulo e passagens de avião. A rigor, estariam na obrigação de atender ao convite, como

também, demonstrar formalmente o interesse em colaborar, segundo relata o autor:

(...) a partir da XIV Bienal Internacional de São Paulo, quando o Conselho de

Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo, impôs e tornou pública a

sua filosofia niilista dirigida no sentido da abolição dos termos obra de arte e

artista criador, da negação total de todos os valores estéticos e da subversão

axiológica dos valores individuais, a ponto de afirmar que doravante os

espaços das Bienais ficariam reservados, não mais à consagração de obras de

arte afirmada, mas à apresentação de experimentações, o que, foram

obrigados a tomar, (...) uma posição frontalmente contrária àquela

heteróclita decisão. Justificam que apoiaram, todavia, induzidos a erro,

quando deram notícia e conta de que, o Conselho de Arte e Cultura havia

recuado, curvando-se à força dos argumentos, no momento em que elaborava

46

Roberto Pontual, ENCONTROS E DESENCONTROS: JORNAL DO BRASIL - Rio de Janeiro, 10 de abril de

1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo. 47

Hugo Auler. Ausência que não é omissão: CORREIO BRAZILIENSE – ARTES VISUAIS. Brasília, DF, 11

de abril de 1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 63

o Regulamento da I Bienal Latino-Americana de São Paulo. Mas logo

retiraram o apoio a partir do instante em que receberam, leram e analisaram

uma xerocópia do regulamento, com o adendo de que o documento se revestia

de autenticidade, e verificaram que, em suas ambíguas e vagas disposições,

em suas linhas e entrelinhas, estava mantida aquela filosofia negativista e era

revelada uma errônea colocação do tema, envolvendo mitos e magias, e uma

equívoca aplicação dos princípios que subsumem a obra de arte e o artista

criador aos processos histórico, antropo-sociológico, artístico e cultural.

A redação do Caderno de Artes Visuais acusa o CAC, que após dois dias do convite

formalizado pessoalmente pelo presidente da FBSP, teve conhecimento de que membros

daquele órgão consultivo e normativo da referida Bienal, já estariam convidando artistas para

que integrassem a representação, bem como contatando entidades estrangeiras e formulando

convites a artistas de outras nações para que participassem da I BLA.

Para Hugo Auler, a presença em tal simpósio preliminar seria frustrante e inútil porque iriam

enfrentar fatos consumados, parcial ou totalmente, o que seria apenas compor o quorum para

a respectiva homologação. Nessas condições, defenderam o direito de negar respaldo a

quaisquer atos e deliberações do CAC, sobretudo quando resultasse de uma filosofia, de uma

regulamentação e de uma interpretação em conflito com a posição, os princípios e as idéias

que diziam defender. O crítico argumentou que a ausência não poderia ser considerada como

omissão. Porque nunca foram omissos, não eram, nem seriam, jamais, em qualquer função

que exercessem, que estivessem exercendo ou pudessem vir a exercer. Comentou ainda, que

apontaram os erros, os equívocos e as omissões em que trabalhava o CAC, e que

apresentaram sugestões para que eles fossem corrigidos, sanados e supridos. Concluiu

dizendo que na leitura freqüente da coluna de artes visuais, esse órgão da FBSP, tinha a

participação deles, quando na realidade divergiam em alta temperatura de suas resoluções.

De acordo com Radha Abramo, no seu artigo, Descentralização da burocracia cultural –

Primeira vitória da Bienal Latino-Americana,48

dos convidados para discutirem, nos dias 8 e

9 de abril, foi escolhida a seguinte pauta: a – indicação da participação brasileira na I Bienal

Latino-Americana; b – indicação de entidades latino-americanas e (extra-continentais) a

serem contatadas para a realização da mesma e; c – indicação dos convidados ao Simpósio. A

pauta sugerida havia sido alterada pelos presentes na abertura dos trabalhos, sendo que no

primeiro dia, levantou-se uma questão: a de que o intelectual não tem condições materiais de

48

Radha Abramo, Descentralização da burocracia cultural – Primeira vitória da Bienal Latino-Americana:

FOLHA DE SÃO PAULO – São Paulo, 12 de abril de 1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São

Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 64

mencionar sequer pessoas ou entidades em âmbito nacional. Em consenso e pela autocrítica

pública, aberta, conclui-se que o intelectual parcialmente domina o movimento cultural dos

centros mais desenvolvidos do país.

Dos convidados, apenas vinte e três compareceram e, representando outros estados do Brasil,

compareceram: Aline Figueiredo, de Cuiabá, Mato Grosso; Bené Fontenelles, da Bahia,

residente em Brasília; Enio Marques Ferreira, do Paraná, e Carmem Portinho e Francisco

Bittencourt do Rio. De outros países compareceram: Lívio Abramo do Paraguai; e Norah

Beltran, da Bolívia. A maioria dos presentes era de São Paulo. A mesa formada pelo

presidente da Bienal de São Paulo, Luiz Rodrigues Alves e o CAC, aprovaram a moção

proposta pelo plenário sobre a organização de grupos de trabalho que discutiriam o temário da

reunião, uma vez que a maioria dos presentes se negou indicar nomes ou instituições a serem

contatadas para a realização da BLA.

Conforme entrevista com Carlos Von Schmidt, publicada com o título, Soluções de caráter

suplementar,49

na sua presença à reunião promovida pela Fundação Bienal, ele disse ter

sentido uma abertura da parte da Bienal, querendo estabelecer um diálogo com a inteligência

brasileira. Comenta que foram informados sobre personalidades de maior importância e

significação, como Darcy Ribeiro, Mário Pedrosa, Ferreira Gullar, Cláudio Villas Boas, Leo

Gilson Ribeiro, Márcio de Sousa, Oscar Niemeyer, Antônio Callado, Glauber Rocha, Lina Bo

Bardi, Pietro Maria Bardi, Roberto Pontual, Aracy Amaral e tantos outros haviam sido

convidados a participar das reuniões. Lamenta a ausência dessas personagens, que sem

dúvida, teriam contribuído com a sua experiência, teriam apontado outras soluções. Eram

cientes que estas soluções somente poderiam ser de caráter suplementar, uma vez que se

deparava com um fato consumado: a existência de um regulamento elaborado, aprovado e

divulgado antes mesmo da convocação para tais reuniões, naqueles dois dias.

Segundo Alberto Beuttenmüller, no seu artigo, A arte visual latino-americana em processo50

,

ocorreu o seguinte. Foi convidado pela FBSP para compor um grupo de trabalho com o CAC,

o crítico peruano Juan Acha, radicado no México, que manteve conversas constantes com ele,

durante sua estada em São Paulo, de quase uma semana. Trabalhando em regime de tempo

49

Carlos Von Schmidt, Soluções de caráter suplementar: Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São

Paulo. 50

Alberto Beuttenmüller, A arte visual latino-americana em processo: O ESTADO DE S. PAULO –

Suplemento Cultural, 14 de maio de 1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 65

integral, no prédio da Bienal, juntamente com a critica argentina, Silvia Ambrosini, o crítico

peruano, colocou diversas questões primordiais para a percepção da produção artística do

chamado terceiro mundo.

Juan Acha, ao falar sobre arte latino-americana, comentou que o problema já fora fartamente

explorado, inclusive com ironia, se, de fato, existia uma arte latino-americana ou não. Chama

a atenção da crítica latino-americana para o fato de muitos pensarem que somos “folclóricos”.

Esse folclorismo, que nos imputam, era indubitavelmente resultado do pensamento

colonizador europeu que, assim, justificava a “nossa cultura primitiva” para poder impor sua

própria cultura. Portanto, Juan Acha admite não haver ainda um ideário para a arte latino-

americana, mas acredita que estamos em processo de consegui-lo, um dia. Observa que no

campo cultural e artístico deu-se quase o mesmo que na indústria – o europeu comprava-nos a

matéria prima e devolvia-nos o produto manufaturado. Ao contrário, o artista latino-

americano importava o modelo e, depois convertia em produto artístico transformado. Com o

passar do tempo, já se podia ver nessa transformação alguns elementos visuais que não

pertenciam à cultura européia, mas era resultado de uma mestiçagem cultural. Enfim, para ele,

o que nos interessa nesse momento é investigar os denominadores comuns e criar as técnicas

necessárias a uma identificação, somatória de nossa cultura com a cultura de fora.

Alguns críticos brasileiros, critica Juan Acha, julgam que em um regulamento se deva definir

o que vem a ser arte latino-americana e sua proposta Mitos e Magia, mas um problema

complexo como esse só poderá ser discutido num simpósio, jamais participar de um

regulamento, ao mesmo tempo sintético e amplo. Juan Acha acredita que é necessário olhar as

obras de arte desse lado da América com outros olhos, sem a utilização das regras, postulados

e axiomas europeus ou norte-americanos e, se possível, sem a própria utilização de meios

estetizantes, pois a Estética não é o fulcro dessa análise, mas sim a procura de uma identidade

cultural e artística, a partir de determinantes sociais que nos colocam todos como irmãos,

embora ainda profundamente desconhecidos entre si. Observa ainda, a ausência de teoria

crítica sobre a arte latino-americana, ocasionando falta de leitura dos nossos principais artistas

e muita confusão com as culturas dominantes – principalmente as européias – dominação que

dura cerca de quatro séculos, impedindo assim o que chamamos identidade da América Latina

no campo das artes visuais, e que começa a ser procurada por artistas, críticos, teóricos e

historiadores de arte.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 66

Alberto Beuttenmüller contesta a falta de informação de alguns críticos brasileiros que

afirmaram que Juan Acha não participou da elaboração do regulamento da Bienal Latino-

Americana. Afirma Beuttenmüller, Juan Acha foi um dos principais artífices, pois quando

chegou, a Bienal só possuía a proposta Mitos e Magia, assim mesmo para ser colocada em

discussão. Acontece que ele, entre suas propostas, possuía a de Mitos e Magia, sendo assim a

escolhida, que teve ressonância em outras propostas, como por exemplo, a tese Mito e Magia

na Arte Catarinense de Adalice Araujo. O CAC da FBSP,51

deliberou que todos os artistas,

críticos de arte, historiadores de arte, antropólogos, sociólogos, psicólogos e todos aqueles

que estivessem trabalhando com o tema Mitos e Magia, poderiam apresentar seus trabalhos e

pesquisas aos membros do Conselho, para análise, estudo e eventual participação na I Bienal

Latino-Americana, a realizar-se em São Paulo, de 3 de novembro a 17 de dezembro de 1978.

Os participantes brasileiros seriam indicados pelo Conselho, assessorados por especialistas, e

os estrangeiros, através de convites de entidades competentes de cada país.52

De acordo com Radha Abramo, no seu artigo, Bienal, uma mostra da cultura latina,53

a

Bienal Latino-Americana não deveria ter procedimentos ortodoxos, nesse sentido não deveria

ter o caráter específico de exposição de imagens. Por tratar-se de uma Bienal de pesquisa, de

uma grande mostra que propunha refletir o nível e a universalidade de sentir e de ver do

continente sul americano. A intenção era colocar o discurso dos povos que atuavam

culturalmente nesta vasta área enfeixada por dois oceanos. Oportunidade essa, que possibilita

trazer à mostra as forças vivas do pensamento condutor do comportamento de milhares de

pessoas que são a relação de culturas ancestrais dos antigos donos da terra, como também

daqueles que aqui se radicaram para a colonização européia territorial e econômica e,

posteriormente, por colonos vindos da Europa e da Asia.

A Bienal Latino-Americana, segundo Radha, pode possibilitar para o país um suculento

laboratório de pesquisa que nos permitiu observar e verificar os componentes da identidade

cultural dos povos participantes, por tratar-se de um campo de pesquisa inédito, visto que pela

51

Assessoria de Imprensa da Fundação Bienal de São Paulo, edita carta em 17 de maio de 1978. MITOS E

MAGIA: ATENÇÃO!: Arquivo Multimeios, (PL 648) – SMC – PMSP. 52

Orlando Carlos Brasil, ABERTAS INSCRIÇÕES PARA A I BIENAL LATINO-AMERICANA: FOLHA DA

MANHÃ. Porto Alegre – Rio Grande do Sul, 24 de maio de 1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de

São Paulo. 53

Radha Abramo, Bienal, uma mostra da cultura latina: FOLHA DE S. PAULO – São Paulo, 06 de junho de

1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 67

primeira vez se processava o levantamento de Mitos e Magia formadores e sustentadores da

arte latino-americana. Para esse desafio, conclamou a intelectualidade brasileira e os artistas a

se movimentarem, participarem da construção desse fertilíssimo laboratório. Todavia, apela

para a consciência da crítica brasileira dizendo que, essa não era a vez de boicotar a Bienal,

mas a vez de influir na sua política cultural. E que era dentro da Bienal que se deveria

questionar tudo – se ela desempenhava ou não seu papel cultural e se essa que se propunha ser

uma pesquisa que possibilitasse algum proveito sócio-cultural. A avaliação, no entanto,

somente se poderia fazer no processo de trabalho coletivo e na disseminação da informação

obtida.

Na opinião de Rubem Valentim, citada no artigo, Bienal Latino-Americana: Os artistas

convidados querem participar. Mas alguns deles não entendem o que se pretende com o tema

Mitos e Magia, de Laura Greenhalgh.54

O artista diz concordar que a temática da Bienal é

confusa e, que talvez, participe dela com um manifesto. Valentim afirma ser o primeiro artista

plástico brasileiro a provocar discussões em torno da questão Mitos e Magia, o que é verdade

e consideramos que deveria ter sido motivo de orgulho para ele, que afirma ter iniciado, há 30

anos, suas pesquisas neste sentido e, desde então, vinha utilizando uma linguagem específica

e pessoal em seus trabalhos. Disse ainda, com razão, ter acabado de se apresentar numa

exposição em Brasília, chamada Mitos e Magia na Arte de Rubem Valentim, com 90 trabalhos

entre esculturas, pinturas, relevos e objetos. Mesmo assim, dizia não saber como participar da

Bienal Latino-Americana. Pois, foi informado por carta, que deveria mostrar trabalho feito

dentro do tema estabelecido, e que ele seria utilizado como documentação. Questiona, que

tipo de documentação eles querem sobre o meu trabalho? Um catálogo? Fotografias?

Documentários cinematográficos? Audiovisual? Conclui que os propósitos da Bienal eram

bons, mas só os propósitos. Acusa que os organizadores não haviam pensado que o tema Mito

e Magia requeria bons conhecimentos de antropologia. Portanto podia prever o que iria

acontecer, entraria de tudo na Bienal. O tema acabaria permitindo uma verdadeira confusão

plástica e conceitual.

Conforme o artigo, Por que Mitos e Magia? Publicado pelo jornal Folha da Tarde – Artes

Visuais, São Paulo, de 03.08.1978. Reedição do artigo, Mitos e Magias (?) na Arte Latino

54

Laura Greenhalgh, Bienal Latino-Americana: Os artistas convidados querem participar. Mas alguns deles não

entendem o que se pretende com o tema Mitos e Magia: O ESTADO DE S. PAULO, 24 de julho de 1978.

Acervo de Mariza Bertoli.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 68

Americana, escrito por Juan Acha, coordenador do Simpósio da I Bienal Latino-Americana,

México, 10.07.1978.55

Destaca alguns trechos importantes deste artigo, onde ele responde

com notável defesa do tema Mitos e Magia da I Bienal Latino-Americana aos protestos de

muitos artistas e objeções de alguns críticos, cujos argumentos, faz-se necessário esclarecer,

observa ele, antes que se tornem destrutivos. Os artistas, com sua habitual e emotiva

espontaneidade, contestam irritados o fato de que a Bienal tenha um tema. Segundo esses

artistas, a Bienal havia de ser aberta e ajustada à qualidade artística, a única – afirmavam –

que garantiria uma avaliação do que realmente estaria acontecendo no mundo da arte;

avaliação que deveria ser a finalidade de toda Bienal. Para eles, em suma, o tema constituía-se

em uma inadmissível imposição, imposição que menosprezava a liberdade artística.

Para Juan Acha, o tema consistia em idéias ou pontos de vista, que responderiam a atual

necessidade imperativa de pesquisar a partir das perspectivas da teoria da arte e que

propunham novas indagações à realidade artística, permitindo o reagrupamento das obras. Os

reagrupamentos, segundo Acha, por sua vez, possibilitariam o descobrimento dos fios

condutores ocultos na sucessão de rupturas artísticas. (...) Nesse sentido, ninguém poderia

duvidar da importância desse novo procedimento de pesquisa. Sobretudo, em uma América

Latina tão carente de conhecimentos sobre a sua própria realidade artística.

Conclui Acha, afirmando que se os artistas contestavam o tema porque permaneciam atados a

critérios duvidosos, porque supõem egocêntrica e equivocadamente, que o tema museográfico

e da produção são a mesma coisa, ou porque o mito do artista os impede de aceitar a urgência

de submeter a arte latino-americana a processos intelectivos. E além do mais, recusam um

tema tão importante como Mitos e Magia, que situava o artista em seu próprio caldo de

cultura e que vai ao fundo das nossas preocupações latino-americanistas, para que daqui nos

seja possível deduzir critérios de qualidade artística que respondam à nossa realidade. Pois

bem, a BLASP tem um Conselho integrado por artistas e críticos, que optou pela pesquisa

como finalidade e que teria decidido Mitos e Magia como tema da I Bienal Latino-Americana,

a ser proposto aos assessores que convocaria. Segundo Acha, por outro lado, era impraticável

o que postulavam os contestadores: que o tema fosse decidido em uma reunião de críticos de

toda a América Latina, ou daqueles de maior representatividade. Em princípio é desejável um

procedimento assim “democrático”, mas este procedimento se deparava com insolúveis

55

POR QUE “MITOS E MAGIA”?: FOLHA DA TARDE – ARTES VISUAIS. São Paulo, 03 de agosto de 1978.

Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 69

questões de tempo e dinheiro. Para ele, talvez a falta de interesse no que se refere à teoria da

arte ou ao seu desconhecimento, estivesse impossibilitando tomar consciência da fecundidade

do tema Mitos e Magia como tema museográfico e teórico-artístico.

Em defesa da escolha do tema da próxima Bienal Latino-Americana de São Paulo, Juan Acha

se manifesta de forma vigorosa: 56

Se foi escolhido um bom tema, que importa o procedimento usual para

escolhê-lo? Na maioria, as críticas centralizam-se em pessoas, instituições e

prestígios e não despertariam maiores atenções, se critérios próprios dos

historiadores de arte e dos críticos, que ainda predominam em nossos meios

artísticos e que fazem essas críticas, não estivessem impedindo, sem intenção

de fazê-lo, a teorização da nossa arte. Teorização essa que hoje deverá estar

acima do historicismo e das críticas que fazem segundo teorias importadas.

Talvez a falta de interesse no que se refere à teoria da arte ou seu

desconhecimento, esteja impossibilitando de tomar consciência da

fecundidade de Mitos e Magia como tema museográfico e teórico-artístico.

(...) Todo homem, coletividade ou cultura, realiza um constante processo de

mitificação e paralelamente desmistifica, uma vez que os mitos envelhecem,

mudam e desaparecem, enquanto os novos vão surgindo. Por isso nos

interessará o processo de nossos mitos, mais do que os próprios mitos;

processo que é o da nossa mestiçagem, criadora e transformadora. Assim

sendo, centralizaremos nossa atenção nos grupos de obras (não nos artistas

isoladamente), para indagar o que essas obras revelam de nosso substrato

mítico e como o transformam. Recuperemos assim os conceitos de mitos e

magia e revalidaremos nossa mestiçagem”.

Ao prosseguir com o debate sobre o tema escolhido, argumenta em defesa, de maneira

enérgica e comprometida, a crítica de arte Mariza Bertoli:

(...) além da descrença na realidade da nossa arte, cuja defesa é considerada

“ufanista” até hoje, a incompreensão do tema foi a principal dificuldade, pelo

próprio desconhecimento da questão do mito, como componente essencial da

produção simbólica e da formação das culturas, numa evidente confusão com

o que se chamava pejorativamente, de “folclorismo”. Esse desconhecimento é

ainda hoje recorrente, até mesmo nos meios acadêmicos.57

A diretoria executiva e o Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo

quando, finalmente, constituíram o Júri de Seleção e de premiação para o concurso do cartaz

da I Bienal Latino-Americana, decidiram que ao projeto selecionado seria atribuído o prêmio

Indústrias Villares, no valor de Cr$ 40.000,00 (quarenta mil cruzeiros). Prêmio que nunca foi

concedido.

56

MITOS E MAGIA: evolução e conceito: JORNAL DO COMÉRCIO – Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1978.

Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo. 57

Entrevista concedida ao autor por Mariza Bertoli em 18.02.2010.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 70

Integravam o júri do concurso: Carmem Portinho (programadora visual), Alexandre Wollner

(designer e programador visual), Alex Perissinoto (publicitário), Ana Letycia (artista plástica)

e Jacob Klintowitz (crítico de arte).

O júri reuniu-se no dia 1º de setembro e fez a seleção e a premiação do cartaz para a

divulgação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo.58

Conforme os artigos: O Estado participará da Fundação Bienal, publicado pela Folha da

Tarde e, com o mesmo título, publicado pelo jornal O Dia. Assim como, foi publicado pelo

Diário de São Paulo, o artigo com o título Governo do Estado também contribuirá com a

Bienal, em 23 de agosto de 1978. Todas essas publicações foram feitas no mesmo dia e com

igual conteúdo, como veremos a seguir:59

Através da Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, o Governo do Estado

terá participação financeira na Fundação Bienal de São Paulo, contribuindo

com a mesma importância fixada para a o Município, em convênio celebrado

em 21 de junho de 1974, no valor de 1 milhão e 500 mil cruzeiros,

reajustáveis a cada exercício.

Tendo em vista a colaboração do Estado nas atividades culturais da

instituição, o prefeito Olavo Setúbal enviou à Câmara projeto de lei

reformulando a cláusula III daquele acordo, já que a partir da aprovação

deste diploma legal, não somente elementos indicados pela Prefeitura devem

participar dos cargos da diretoria da Fundação Bienal, como o próprio

Estado.

De acordo com a cláusula fixada no convênio, a municipalidade integrava a

metade da diretoria executiva, indicando dois membros do Conselho de Arte e

Cultura, o 2º vice-presidente, e os cargos para diretores Administrativo e

Financeiro. Com a alteração do item, coube ao município somente os cargos

de 2º vice-presidente, diretor administrativo e um membro do Conselho de

Arte e Cultura.

Segundo o prefeito, a participação de recursos financeiros do Estado foi

necessária porque as verbas que a entidade vinha recebendo eram

insuficientes para complementar as atividades desenvolvidas pela Bienal e

que compreendem reuniões, debates, congressos, conferências, encontros,

simpósio e exposições de artes de caráter internacional.

Através desse trabalho, ela tem contribuído para estreitar as relações do

Brasil com institutos públicos e particulares de todo o mundo.

58

Assessoria de Imprensa, Rádio e Televisão da Fundação Bienal de São Paulo, destinada a Maria Eugenia

Franco, CONCURSO DO CARTAZ – O JÚRI: CVS/LMM, 23 de agosto de 1978. Arquivo Multimeios, (PL 650)

– SMC – PMSP 59

Estado participará da Fundação Bienal: FOLHA DA TARDE. Com o mesmo título foi publicado pelo jornal

O DIA. Assim como, com o mesmo conteúdo, foi publicado com o título Governo do Estado também

contribuirá com a Bienal publicado no Diário de São Paulo, de 23 de agosto de 1978. Arquivo Wanda Svevo da

Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 71

A Assessoria de Imprensa, Rádio e Televisão da Fundação Bienal de São Paulo, 11.09.1978,

edita carta com o seguinte conteúdo:60

O Júri da Premiação do Concurso de Cartaz da I Bienal Latino-Americana de

São Paulo composto por Alex Perissinoto. Alexander Wolner, Carmem

Portinho, Ana Letycia (não compareceu por motivos de saúde), Jacob

Klintowitz, decidiu não conferir à nenhum projeto apresentado, o Prêmio –

Indústrias Valladares no valor de Cr$ 40.000,00. “Por unanimidade, o Júri

de Premiação considerou a totalidade dos projetos participantes em nível não

representativo, tendo em vista a finalidade primeira a que se propunham”. A

Diretoria Executiva e o Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de

São Paulo acataram a decisão do Júri e aceitaram a sugestão formulada em

ata datada de 1º de setembro, de convocar um profissional da área para a

criação do projeto para o Cartaz da I Bienal Latino-Americana.

A Assessoria de Imprensa, Rádio e Televisão da Fundação Bienal de São Paulo, 24.10.1978,

edita carta com o seguinte conteúdo:61

Indicado pelo Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo

assumiu a direção da montagem da I Bienal Latino-Americana o designer

Alexandre Wolner. Formado pela escola de Ulm, na Alemanha, Wolner

projetou para esta I Bienal Latino-Americana de São Paulo, o espaço e a

programação visual da mostra. Participa da equipe do designer o

coordenador de montagem, Guimar Morelo, antigo funcionário da Bienal.

No artigo: A Bienal. A pesquisa da arte latino-americana, entre Mitos e Magia. Noticia o

debate, em mesa-redonda, com Octávio Araújo, Márcia Demange, Carlos Von Schmidt, Luiz

Fernando Rodrigues Alves, Alexandre Wollner, Olney Kruse e Sandro Vaia, promovido pelo

JORNAL DA TARDE.

Rodrigues Alves foi questionado sobre o porquê de uma Bienal Latino-americana, e por que

ela substituía tão cedo a Bienal Nacional? Por que o tema Mitos e Magia? E o que se podia esperar

dessa Bienal para o Brasil e para a América Latina?62

Ele responde que:

A I Bienal Latino-americana nasceu de uma idéia antiga de Francisco

Matarazzo Sobrinho, que há muito tempo tinha vontade de realizar a idéia.

Em seus últimos tempos na Bienal, Cicillo havia enfatizado e solicitado

mesmo, à diretoria, que ia entrar com a saída dele quando pediu demissão,

60

Assessoria de Imprensa, Rádio e Televisão da Fundação Bienal de São Paul: CVS/CP, 11 de setembro de

1978. Arquivo Multimeios, PL 651 – SMC – PMSP. 61

Assessoria de Imprensa, Rádio e Televisão da Fundação Bienal de São Paulo, BIENAL MONTAGEM:

CVS/lmm, 24 de outubro de 1978. Arquivo Multimeios, (PL 652 – SMC – PMSP. 62

A BIENAL: A pesquisa da arte latino-americana, entre Mitos e Magia. Debate em mesa redonda com Octávio

Araújo, Márcia Demange, Carlos Von Schmidt, Luiz Fernando Rodrigues Alves, Alexandre Wollner, Olney

Kruse e Sandro Vaia, promovido pelo JORNAL DA TARDE, 23.10.1978.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 72

que fizesse a Primeira Bienal Latino-Americana, a que ele queria assistir.

Rodrigues Alves diz estarem fazendo todo esforço para responder à sua

vontade. Ela virá, seguramente, substituir a Bienal Nacional, porque ficaria

demais ter uma Bienal Nacional, uma Latino-americana e outra

Internacional. Essa Bienal Latino-americana tem a parte nacional, então os

artistas nacionais, tomando parte na I Bienal Latino-americana, naturalmente

serão a representação nacional.

Entra em questão a expressão Mitos e Magia. Teria sido Maria Bonomi mesmo quem havia

criado essa expressão? Carlos Von Schmidt diz não saber, porque não participava do

Conselho. Já, Rodrigues Alves respondeu que não foi especificamente a Maria Bonomi.

Comentou que havia sido discutido no colegiado, dentro do CAC. O primeiro o termo que

saiu foi Mitos e Antropofagia, depois, a coisa foi evoluindo até a chegada de Juan Acha a São

Paulo é que tudo foi mais aprofundado, inclusive sabe-se que ele tinha uma lista em que

constava a proposta Mitos e Magia.

Octavio Araújo ao ser questionado se preferiria que a Bienal fosse aberta, respondeu que sim

e justificou que entendia não haver necessidade de colocar um tema para que os artistas

trabalhassem. Segundo o crítico, porque talvez deixasse de fora da exposição um número

considerável de artistas, que poderiam ter o que dizer nessa Bienal. Para Araújo, sendo latino-

americana, essa seria uma das grandes coisas que se faria. Ressaltou a importância dessa

mostra porque, a Bienal de Veneza “era feita inclusive com o propósito de deixar à parte a

América Latina”. E observa que o Brasil não poderia ficar fora desse contexto latino-

americano. Destaca a importância da integração para essa grande conquista.

No artigo, Uruguaia critica a Bienal, a crítica de arte Maria Luiza Torrens, fez sérias críticas

à organização da I Bienal Latino-americana. Inconformada, com razão, pelo fato do seu país

não ter sido convidado para tomar parte do Simpósio, onde Mitos e Magia das Américas serão

debatidos. Disse:

Não aceito explicação nenhuma, é inadmissível o que fizeram com o Uruguai.

Afinal, sempre tomamos parte das manifestações que se realizam no Brasil. E

estamos tão próximos, nossas fronteiras estão aí mesmo... Por que excluir o

Uruguai e, também, outros países sulamericanos do Simpósio? Os resultados

serão incompletos, já que estarão ausentes importantes representantes da arte

latino-americana.63

63

Uruguaia critica a Bienal: FOLHA DE SÃO PAULO – Artes. São Paulo, 01 de novembro de 1978. Arquivo

Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 73

No artigo, Inaugura-se amanhã a Bienal dos Mitos e Magia. Publicado pelo jornal O Estado

de São Paulo, 02.11.1978.64

Onde noticia que depois de muitas discussões, correrias e

controvérsias a inauguração da I Bienal Latino-Americana seria no Parque do Ibirapuera.

Com um tema bastante sugestivo, Mitos e Magia, na atual fase de latinidad, em que o

interesse pela América Latina havia crescido também dentro da área das artes plásticas.

Segundo o artigo, essa Bienal tentaria mostrar o que há de melhor e mais significativo na arte

dos treze países participantes. Nessa perspectiva, a seleção dos artistas foi feita com rigor,

depois de exaustivos debates e de várias consultas a especialistas, realizados pelo CAC da

Bienal. Tomando como exemplo o que havia ocorrido nas Bienais Nacionais, em termos

numéricos, a mostra na Bienal Latino-Americana não iria decepcionar, pois, contava com

obras de cinqüenta artistas brasileiros participantes. A República Dominicana com obras de

dezesseis artistas. A Argentina com sete apresentações individuais. O Peru com obras de seis

participantes. O Chile, a Colômbia, o Uruguai e o Equador, embora sejam países com uma

grande produção simbólica, teriam apresentações modestas. Bolívia e Paraguai, da mesma

forma, teriam poucos representantes.

No artigo, Bienal vai mostrar a arte latino-americana.65

Publicado pelo jornal Diário do

Grande ABC. Informa que como resultado da pesquisa e análise das diferentes possibilidades

de promover o reconhecimento da identidade do homem latino-americano, seria inaugurada

no dia seguinte às 11 horas, a I Bienal Latino-Americana, em solenidade que contaria com as

presenças do ministro Euro Brandão, da Educação e Cultura e do governador Paulo Egídio

Martins, além do hasteamento das bandeiras dos países participantes, reunidos sob o tema

Mitos e Magia, escolhido pelo Conselho da FBSP para esta primeira edição da I Bienal

Latino-Americana, que infelizmente não prosseguiu. Conforme o artigo, seriam expostas as

obras de cento e setenta artistas, a maioria brasileiros, sendo que sessenta e quatro deles, eram

procedentes da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, El Salvador, Equador, Honduras,

México, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai, países que enviaram

representantes. Assim, segundo o artigo, os cento e seis restantes seriam de artistas brasileiros.

No entanto, não há uma precisão nesses dados, já que nem no catálogo editado, correspondeu

ao compromisso da FBSP, que justifica na penúltima página que deixou de figurar

informações referentes a algumas representações nacionais e internacionais, não recebidas

64

Inaugura-se amanhã a Bienal dos “Mitos e Magia”: O ESTADO DE S. PAULO, 02 de novembro de 1978.

Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo. 65

Bienal vai mostrar a arte latino-americana: DIÁRIO DO GRANDE ABC. Santo André, São Paulo, 02 de

novembro de 1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.

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Capítulo 1 - Criação da I Bienal Latino-Americana de São Paulo de 1978 74

dentro do prazo estabelecido pelo regulamento da I BLASP, bem como outras não abrangidas

pelos critérios fixados para a elaboração do catálogo. Em relação ao simpósio que se realizaria

nos três primeiros dias da Bienal, teria como temas: Mitos e Magia na Arte Latino-

Americana, Problemas Gerais da Arte Latino-Americana e Propostas Para as Próximas

Bienais Latino-Americanas.

De acordo com alguns artigos da época, destacam que na realização dessa edição, após a

solenidade de abertura, um grupo de quarenta bailarinos e músicos baianos apresentou o

espetáculo itinerante de dança ambiental Ao Pé do caboclo, cuja coreografia assinada pela

professora Lia Robato, impressionou vivamente os presentes. A Bienal instalada num espaço

de 36 mil metros quadrados, montada pelo designer Alexandre Wollner que projetou o espaço

e a programação visual da mostra, para informar o público sobre o que estaria vendo. Ao

mesmo tempo, seriam fornecidos mapas a todos freqüentadores, indicando a localização dos

estandes.

Enfim, conclui-se que a polêmica em torno do tema, deu ensejo à abertura no sentido

antropológico o que veio fortalecer os conceitos de arte e cultura, dentro da idéia de campo de

produção simbólica, sacudindo os velhos conceitos ainda vigentes de arte pela arte, conforme

se observa no discurso de alguns críticos. A polêmica conceitual vem definir, portanto,

oposições entre grupos de curadores e críticos de vanguarda e aqueles tradicionalistas que

achatavam o tema sob a ótica da estética objetivista, em detrimento das estéticas simbólicas

que privilegiam o relacional, ou seja, uma cooperação interpretativa, entre artista-espectador

por via da obra.

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 75

CAPÍTULO 2

________________________________________________________________

I BIENAL LATINO-AMERICANA DE SÃO PAULO: DA IDÉIA AO

FATO

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 76

2.1 MITOS E MAGIA UM GRANDE ESPETÁCULO ENTRE A UTOPIA E A

REALIDADE.

No estudo e análise de um grande acontecimento, que tem como escopo estruturar-se numa

crítica coerente e que se pretende histórica, o pesquisador não pode prescindir do

conhecimento profundo dos elementos que constituem essa crítica. Tomando esse

conhecimento como paradigma que serve, sobretudo, para a reconstituição dos fatos.

Partindo-se dessa concepção, busca-se o sentido dos fatos, redimensionando-os em princípio

lógico e de referência dentro das complexas e inesgotáveis discussões dos movimentos

culturais que se apresentam ao entendimento. Um pulsar envolvente de manifestação artístico-

cultural, que comove o pesquisador de arte, levando-o a identificar-se e provocando o desejo

de ajudar a ver aquilo que antes era desconhecido.

A pesquisa realizada sobre a I Bienal Latino-Americana de São Paulo, 1978 – Mitos e Magia -

, está fundamentada, nos valiosos documentos, que são fontes precisas do registro deste

acontecimento histórico, das quais foram extraídas informações significativas, que melhor

descrevem o fato pesquisado. Embora, sejam raras e dispersas as publicações feitas na época,

buscou-se as informações em artigos publicados em jornais, livros, catálogo da Bienal Latino-

Americana e entrevistas concedidas ao autor, considerando-se o fato de algumas ausências,

que certamente foram censuradas, já que segundo a FBSP havia um setor de documentação

responsável pelo registro da edição para disponibilizá-lo ao público interessado. Porém, a

documentação encontrada, resumida a duas pastas-arquivo, contendo xerocopia de artigos e

recortes de jornais, está em péssimo estado de conservação e sem nenhuma catalogação, no

arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal. Os “vãos” nessa argumentação fazem supor que

algumas páginas podem ter sido retiradas, por censura.

A Bienal Latino-Americana de São Paulo idealizada por Francisco Matarazzo Sobrinho

(1898-1977), foi retomada a partir de 1976 com a criação do I Conselho de Arte e Cultura da

Fundação Bienal de São Paulo, integrado por críticos e artistas aqui citados: Jacob Klintowitz,

Maria Bonomi, Yolanda Mohalyi, Juan Acha, Alberto Beuttenmüller, Carlos Von Schmidit e

Olívio Tavares de Araújo. Os membros do Conselho assumiram a responsabilidade de

elaborar o regulamento da I Bienal Latino-Americana. Embora somente após dois anos de

germinação com o então instituído II Conselho de Arte e Cultura, composto por Alberto

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 77

Beuttenmüller, Carlos Von Schmidit, Geraldo Edson de Andrade, Luiz Fernando Rodrigues

Alves e Olívio Tavares de Araújo com o apoio da Diretoria e dos poderes públicos da Nação,

depois de ouvidos especialistas das diversas áreas: sociologia, antropologia, psicologia,

música, teatro, dança, críticos de arte, principalmente, decidiram instituir o tema – Mitos e

Magia – como fio condutor dessa primeira edição.

Na entrevista concedida ao autor, por Alberto Beuttenmüller,66

quando perguntado sobre a sua

participação no processo de elaboração do regulamento da I BLASP, ele respondeu que:

Tudo começou em meados de 1976, quando o Conselho de Arte e Cultura

tomou posse. A chamada Bienal Nacional, a que selecionava os artistas

brasileiros para a Bienal Internacional, estava em nível muito fraco,

tomando-se mais um salão com raros artistas de nível. Foi quando resolvi

criar a Bienal Latino-Americana em substituição à Bienal Nacional,

ampliando o conceito de nacionalidade: de Brasileira para Latino-

Americana. Isso está em Ata da posse do Conselho de Arte e Cultura de 1976,

nos arquivos da Fundação Bienal de São Paulo. Pediram-me, então um

regulamento e eu fiz questão que participasse um expert em América Latina

na pessoa do prof. Juan Acha, da Universidade Autônoma do México.

A imprensa noticia que a seleção dos artistas que estariam participando dessa edição, havia

sido feita depois de exaustivos debates e de várias consultas a especialistas, realizados pelo

CAC da Bienal.

Depois de muitas discussões correrias e controvérsias a I Bienal Latino

Americana será inaugurada amanhã, no Pavilhão do Ibirapuera numa área

de 36 mil metros quadrados, onde permanecerá até o dia 17 de dezembro.

Com um tema bastante sugestivo, Mitos e Magia, na atual fase de latinidad,

em que o interesse pela América Latina cresceu também dentro da área das

artes plásticas, a Bienal tentará mostrar o que há de melhor e mais

significativo na arte dos 13 países participantes.67

As dificuldades encontradas pelo CAC foram muitas, porém a vontade de realização do

projeto mostrou-se mais forte, superando as adversidades de uma iniciativa desafiadora que

buscava colocar em prática algo inédito como proposta de visibilidade plástica e de discussão

da arte e cultura dos povos da América Latina, como se pode observar no texto abaixo:68

Depois de 27 anos de existência de Bienais Internacionais e Nacionais,

resolveu a Fundação Bienal de São Paulo, executar a última das geniais

idéias de Cicillo Matarazzo: a criação de uma Bienal Latino-Americana.

66

Entrevista concedida ao autor em 22.07.2010 67

Inaugura-se amanhã a Bienal dos “Mitos e Magia”. O Estado de São Paulo em 02.11.1978. Arquivo

Histórico Wanda Svevo. Fundação Bienal de São Paulo. 68

CATÁLOGO: I Bienal Latino-Americana de São Paulo, 1978.

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 78

A Fundação Bienal de São Paulo deseja com a criação das Bienais Latino-

Americanas, proporcionar aos artistas e intelectuais da América Latina um

ponto de encontro e a possibilidade de – em conjunto – pesquisarem e, se

possível, estabelecerem o que se poderá chamar de arte latino americana. Ao

mesmo tempo os artistas, críticos e intelectuais em geral, dos outros

continentes serão atraídos por esta manifestação e terão oportunidade de

participar ativamente do desenvolvimento cultural da América Latina.

Várias foram as dificuldades, encontradas, mas estamos certos que todas elas

serão amenizadas nas próximas Bienais Latino-Americanas.

Na reconstituição histórica e crítica da I Bienal Latino-Americana de São Paulo, não se pode

prescindir de considerar informações importantes e significativas que ilustram esse momento

de grande realização de um projeto artístico-cultural, que acima de qualquer outro objetivo -

acredita-se - visava valorizar as nossas raízes. Outrossim, possibilitando uma abertura de

espaço para podermos ousar aquilo que temos de mais verdadeiro da nossa

„latinamericanidade‟.69

Conforme o relato feito por Ivo Zanini sobre a sua visita à abertura

da Bienal:

Certamente por causa dos feriados prolongados, não foi das mais concorridas

a abertura, ontem de manhã, da 1ª. Bienal Latino-Americana, no Ibirapuera.

As 11h10, logo após o Hino Nacional, pela Banda da Polícia Militar de São

Paulo, o presidente da Fundação Bienal de São Paulo, Luiz Fernando

Rodrigues Alves leu discurso de 30 linhas, em que evocou Cicillo Matarazzo e

sua idéia de concretizar aquela manifestação. Não houve outros oradores

(...).70

Na opinião de Francisco Alambert e Polyana Canhête, este acontecimento caracterizou-se,

sobretudo, em resposta às reivindicações que há tempos eram feitas por países participantes

da Bienal Internacional, que, no entanto, viam-se prejudicados nas grandes exposições devido

às dificuldades econômicas em que se encontravam.

Uma mostra latino-americana seria resposta também às reivindicações dos

países latino-americanos participantes da Bienal Internacional de São Paulo.

À certa altura parecia ficar evidente o incômodo de outros países latino-

americanos, que ficavam em desvantagem tendo que competir em pé de

igualdade com outras dúzias de países, sem, no entanto, possuir idênticas

condições financeiras para tal, já que desde o princípio a Bienal de São Paulo

69

Latinamericanidade: expressão usada pelo autor, para designar aquilo que julga ser próprio das culturas do

homem latino-americano. 70

Um passeio por mitos e magias na Bienal, de Ivo Zanini, publicado no segundo dia da inauguração da I Bienal

pelo jornal Folha de São Paulo, sábado, 04.11.1978 – Ilustrada -27. Acervo Mariza Bertoli.

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 79

não arcava com as despesas postais e de seguro dos demais países

participantes.71

De fato, este sempre foi um dos maiores problemas enfrentados pelos países mais pobres do

nosso continente para mostrar a sua produção de arte, mas este problema não é só de ordem

econômica, mas também de ordem política.

Participaram quatorze países no Simpósio da Bienal Latino-Americana de São Paulo:

Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru,

República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Observa-se que este último, Venezuela, não

consta na relação publicada no catálogo, presume-se que a edição do catálogo tenha sido feita

antes da confirmação da participação deste país, por não se ter nenhuma outra explicação para

o fato. Portanto, constatou-se que a Venezuela esteve presente no simpósio, mas não foi

encontrado o registro da sua participação na mostra de artes plásticas.

Pela primeira vez na história das Bienais, desde a sua criação em 1951, as obras foram

colocadas no seguro contra fogo, danos ou roubo. Foram expostas das 15 às 22 horas de terça

a domingo no pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera, de 3 novembro a 17 de dezembro.

Com ingresso gratuito às quartas feiras e nos outros dias custou dez cruzeiros para adultos e

cinco cruzeiros para menores e estudantes. Nessa edição não houve monitores, mas cada

visitante pode receber na entrada, um mapa da exposição. A estrutura dispôs salas para

descanso e para fumantes, restaurante e lanchonete, livraria com obras de arte nacionais e

importadas, banco para a aquisição de obras que estariam à venda. O catálogo completo da

Bienal foi colocado à venda na entrada da exposição. Como também uma sala de

esclarecimento aos visitantes, com exemplos didáticos (objetos e palavras) sobre o que são

Mitos e Magia, dentro e fora da arte, preparada especialmente pelo Museu de Arte de São

Paulo – MASP.

A exposição apresentou, além das técnicas tradicionais como: pintura, desenho, fotografia,

escultura e gravura; também mostrou obras conceituais e experimentais e o espetáculo de

dança, Ao pé do caboclo do grupo da professora e coreógrafa Lia Robatto.72

71

I Bienal Latino Americana ou crônica de uma morte anunciada: ALAMBERT, Francisco, CACHÊTE,

Polyana Lopes. As bienais de São Paulo: da era do museu à era dos curadores; (1951-2001). Boitempo, São

Paulo, 2004, p.150. 72

O ESTADO DE S. PAULO - JORNAL DA TARDE. A arte de 14 países. Discutida, explicada, exibida e até

dançada desde 11 da manhã no Ibirapuera. Sexta-feira, 03.11.1978. Acervo Mariza Bertoli.

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 80

A Bienal Latino-Americana contou com a divulgação através da mídia: TV, discos e cartazes,

fato inédito, posto que, nenhuma Bienal havia feito, até então, para chegar ao povo. Iniciativa

essa, defendida por críticos de arte, artistas e jornalistas e pelo publicitário Roberto Duailibi,

que pretendia com a campanha atingir, pelo menos 400.000 (quatrocentos mil) pessoas em

quarenta dias. Seria um fato como qualquer outro se não se tratasse da primeira vez, desde a

sua criação em 1951, que a Bienal empreendia uma campanha publicitária com tamanho

alcance. Preparada, profissionalmente, pela agência DPZ, que nada cobrou por esse serviço.

Um trabalho que orçado em Cr$ 8.000.000 (oito milhões de cruzeiros) custou apenas Cr$

260.000 (duzentos e sessenta mil cruzeiros) à Fundação Bienal, referente a despesas com

custo de material: filmes, impressão do cartaz e do cartazete, dos projetos feitos pelo designer

Alexandre Wolner; a prensagem dos discos também foi gratuita, feita pela gravadora Só Som,

pago apenas o acetato. Lembrando que isto só foi possível, porque Roberto Duailibi, o D da

agência DPZ, era também diretor da Bienal desde 15 de outubro, por indicação da Secretaria

da Cultura do Estado de São Paulo.73

De acordo com o comentário feito por Ivo Zanini, no artigo, Um passeio por mitos e magias

na Bienal. A monotonia foi quebrada quando se iniciou uma frenética dança coreografada

pela professora Lia Robatto e seu Grupo da Bahia. Onde os corredores da Bienal foram

transformados em palco para os bailarinos e percussionistas, transmitiram sons alegres e uma

vitalidade coreográfica que fizeram o público esquecer dos quadros, objetos e obras expostas.

Como também um repentista deu seu recado musical no estande do Cordel, improvisando um

canto para o então ministro Guy Brandão. Neste mesmo comentário, Zanini relata que

Gilberto Salvador, participante também da mostra latino-americana, pediu-lhe um favor, que

anotasse sua declaração sobre esta Bienal: Lamento que Cuba não esteja participando deste

evento artístico, pois lá se encontra um dos movimentos mais importantes da América Latina

na arte de vanguarda atual.

73

O ESTADO DE S. PAULO - JORNAL DA TARDE. No rádio, na tevê, em discos e cartazes: nehuma Bienal

fez tanto para chegar ao povo. Sexta-feira, 03.11.1978. Acervo Mariza Bertoli.

Page 81: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 81

Figura 1 - Imagem instantânea de arquivo. Ao pé do caboclo, apresentado na abertura da I Bienal Latino

Americana.74

O espetáculo de dança, Ao pé do caboclo foi uma irresistível proposta de dança ambiental,

com Lia Robatto e seu grupo. Como bem relata Helena Katz no artigo De repente, a dança

começa e pega o pé, que a preocupação da coreógrafa Lia Robatto, responsável pelo Grupo

Experimental de Dança da Universidade da Bahia,75

primeiro e único curso universitário de

dança do país, com 28 alunos mais nove músicos do Grupo Zambo, continua sendo uma

relação palco-platéia, que rompe com a forma tradicional de apresentação de espetáculos.

Observa-se que esta preocupação não era exclusivamente da coreógrafa, mas também de

outros grupos de dança e teatro da época. No entanto, o espetáculo itinerante de dança

ambiental proposto pela coreógrafa, consegue montar uma verdadeira festa, da qual fica muito

difícil não participar - diz Katz:76

Em primeiro lugar, porque o espetáculo “anda” por todos os espaços da

Bienal, e é preciso correr atrás dele, persegui-lo, adivinhar onde será a

próxima parada. E quando pára, começam a acontecer duas, três

coreografias ao mesmo tempo, mas que também não circunscrevem um único

espaço físico. De repente, quem estava só olhando, se descobre no meio,

74

Arquivo Mariza Bertoli 75

Lia Robatto começou a estudar dança com Yanka Rtzka, uma professora polonesa trazida ao Brasil por Pietro

Maria Bardi, do MASP. 76

Diário de São Paulo: Diário de São Paulo. Ano L – Nº. 15.210 - Debate Político: A Bienal da dependência

Cultural. Fábio Magalhães. São Paulo, 04 de novembro de 1978.

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 82

porque os bailarinos passaram por fora da platéia, transformando-a,

rapidamente, em palco. A movimentação dinâmica obriga a quem se

interessa, a brigar por um melhor ângulo. Assistir ao trabalho de Lia Robatto

torna-se inviável para quem não está disposto a co-participar. Mas se você

tem filhos, este é o melhor programa para o fim de semana de qualquer

criança.

Segundo Katz, Lia preocupava-se que o espetáculo fosse visto como uma manifestação

folclórica. Pois, o que pretendia era pegar o público pelo pé, pelo pé do caboclo, por isso,

ousou lidar com os mesmos elementos que dúzias de grupinhos folclóricos transformaram em

clichês para turistas. Demonstrou ainda preocupar-se pelo deslumbramento pelo exótico que

não lhe interessava, mas o que estava por trás dele, ou seja, o verdadeiro, o não estereotipado.

Ressalta a efemeridade da dança, respeitando seu caráter efêmero nunca remontando nada,

deixando o já feito para trás e partindo sempre para o novo. Conclui que por isso sempre

corria o risco de não organizar eventos comerciais, que por isso poderia não dar certo.

A cerimônia de abertura da I Bienal Latino-Americana, como estava previsto, teve início às

11 horas, no pavilhão das Bienais no Parque Ibirapuera, com a inauguração do ministro da

Educação Euro Brandão. Estiveram presentes à cerimônia, representantes de instituições

oficiais ligadas à Fundação Bienal, entre eles, o chefe do Departamento de Cooperação

Cultural do Itamaraty, Guy Brandão, os secretários de Cultura e do Município de São Paulo,

Max Feffer e Sábato Magaldi, além de diretores da exposição, artistas e críticos de arte.

Embora, ao se considerar que a conjuntura brasileira, sofria as conseqüências de um período

constrangedor de nefasta censura imposta pela ditadura militar, não poderia ser diferente o

resultado, como se pode constatar, na opinião do então ministro da educação Euro Brandão,

ao se referir a arte, a educação e a liberdade de expressão, enfim à cultura em geral, tinham

que “ser vigiadas” como prioridade, “em defesa de uma moralidade do governo”.

Surpreendentemente, ao falar a imprensa, defendeu o controle da censura

sobre as atividades artísticas. “O artista brasileiro – disse – é livre para

criar, existir, inclusive auxílio oficial (sic). No entanto, a censura, que sempre

existiu, deve existir, assim como a polícia, para evitar a degenerescência

humana”. O ministro definiu “degenerescência humana” como “tudo aquilo

que se faça em detrimento da dignidade do homem.77

A censura persecutória implantada pelo ministro, eufemizada por palavras como vigilância,

configurava de fato o que a ditadura militar entendia como forma de controle e manutenção

77

A Bienal da dependência Cultural. Diário de S. Paulo, 4 de novembro de 1978

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 83

do poder. Acredita-se, que a conjuntura atual, declarada democrática, possibilite que este

estudo crítico, denuncie a arbitrariedade e a tirania sob a qual se encontravam os artistas,

críticos, enfim os agentes da cultura e o povo brasileiro. Ao falar de um dos importantes

acontecimentos do último quartel do século XX, realizado na América Latina, acerca da nossa

cultura recorro à memória, como argumento evocativo. O tema Mitos e Magia foi escolhido

para promover uma reflexão profunda e um debate amplo, sobre as questões relativas à

valorização e ao reconhecimento da nossa arte. Dando, assim, uma resposta concreta aqueles

que não reconheceram, e ainda não reconhecem, e nem querem admitir a riqueza cultural dos

povos que vivem nesta parte do planeta.

2.2 I BIENAL LATINO-AMERICANA: VOZES DA RECEPÇÃO

Uma Bienal Latino-americana, resultante do desejo de tantos, que conseguiram se organizar

em torno dessa idéia que era quase um sonho deveria certamente ser apoteótica, levando em

conta a qualidade da nossa produção artística. Porém, considerando a situação política da

América Latina, sob ditaduras atrozes, que por sua vez eram por demais “integradas”, assim,

admitindo-se essa triste realidade, muitos dos artistas mais expressivos encontravam-se

impedidos pela censura de ousar, o que causou vazios que jamais foram preenchidos, como

parte significativa da arte do Continente e do Caribe.

Segundo Jacob Klintowitz, no artigo, Por enquanto, apenas a arte que críticos e instituições

nos deixam ver, referindo-se ao espaço para a arte do século XX, questão colocada pela I

Bienal Latino-Americana de maneira clara, ao propor aos 25 países do continente americano,

expor e caracterizar a arte e a atividade desenvolvida nestes territórios, apesar de ter sido

reduzida a quase metade dos países convidados, devido a diversos problemas, inclusive da

fatídica realidade da delegação oficial, mesmo sem ser essa a intenção, não estaremos vendo a

arte mais profunda e questionadora dos países participantes, mas o que a crítica de arte e as

instituições oficiais julgaram que devemos ver. Klintowitz questiona se o espaço físico da

Bienal é o melhor espaço para a arte, já que existem poderosos veículos para a arte, tais como

a revista, o jornal e a televisão nos informam o que está sendo realizado no mundo. Assim

como a fotografia, o slide, o cinema, o cartaz, são representações e registros da imagem

contemporânea. Diz ele, em contraposição a esses meios, implicam:

Page 84: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 84

(...) o transporte e seleção de telas e esculturas, as instituições políticas

obedientes aos rígidos esquemas de sua formação nacionalista e mercantil,

com alfândegas, burocracia, incompreensão quanto à natureza da obra de

arte, intervenção oficial quanto às obras representativas, aos artistas

favorecidos, etc. Este duro panorama indica algumas possibilidades imediatas

de desenvolvimento e estimula a procura de novas soluções.78

Klintowitz aponta duas possíveis soluções para esses problemas, como a modificação dos

sistemas de participação, que passaria a ser livre a inscrição para os artistas sem nenhuma

espécie ônus, onde teriam as suas participações por meio de slides, registro em super-8, ou

catálogos etc. Independentes de verbas, alfândegas, ministérios de relações exteriores, seleção

crítica, imposições mercadológicas etc. Nestas condições participariam maior número de

artistas sem a necessidade do espaço físico da Bienal. A outra solução, como conseqüência da

primeira seria transformar a Bienal num centro irradiador de cultura e de discussão de novas

idéias, de posse de material inédito, este seria veiculado pela mídia, sem custos mostrar a

criatividade do continente, sob novos moldes expositivos, contaria com a participação de

intelectuais, com a sua seleção particular, a sua visão histórica. Não apenas uma delegação

oficial, mas tantas quantas fossem as idéias. Contudo, tais modificações não teriam a intenção

de eliminar as representações tradicionais que seriam realizadas de acordo com os interesses

oficiais. Tal propósito alargaria o campo representativo e expositivo, abriria áreas de

liberdade, confirmaria que a arte é feita por artistas e não pela crítica de arte e colocaria a

Bienal de São Paulo com o papel de irradiar cultura, capaz de fornecer instrumentos para

museus, galerias, sindicatos e veículos de comunicação, driblaria, assim as dificuldades

oficiais e oficiosas impostas.

No artigo, Palavras, objetos, idéias: a América Latina começa a conhecer-se mutuamente

através da Estética, de Olney Krüse, poder-se-ia inverter a ordem dos três primeiros termos

do título, para idéias, objetos e palavras, deste artigo, adequando a certa lógica numa

concepção crítica. Porém, embora não seja o quê de mais relevante mereça comentário, e sim

destacar o que o autor fala sobre cultura e mito: A cultura é um mito, e, como tal, devemos

acreditar nela, apesar de ser mito mesmo. A Arte é o Mito da Confusão! Polêmica, já nessa

advertência, a I Bienal Latino-americana, é, segundo Krüse, o primeiro levantamento sério

que faz, na América Latina, um continente cujos países não se conhecem mutuamente nem

mesmo através da estética. Observa o oportuno palanque oferecido pela Bienal para um

comício onde os que estão fora poderiam, pela primeira vez, subir para expor suas idéias,

78

O ESTADO DE S. PAULO - JORNAL DA TARDE. Sexta-feira, 03.11.1978. Arquivo Mariza Bertoli

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 85

opiniões e conceitos. Conforme Krüse, desde 1975, a Bienal de São Paulo admitiu,

oficialmente, em seu catálogo:79

(...) a necessidade de um mergulho na realidade cultural-social-política do

nosso País para estabelecer, codificar e exigir respeito em relação à Arte

Brasileira, hoje, isso já não se caracteriza mais por discussões, ameaças,

manifestos. A Arte Brasileira, como se suspeitava, estava muito perto de nós,

ao Norte e Nordeste do Brasil. Hoje, ela enfrenta um confronto com o resto da

América Latina. Resta torcermos para que saia vitoriosa. Mesmo não

havendo prêmios.

Conforme o artigo, Bienal sofre críticas, no dia de sua abertura, esta edição se diferenciou

das anteriores, Bienal Internacional e a Bienal Nacional, porque eliminou a premiação.

Segundo o assessor de imprensa da Fundação Bienal, Carlos Von Schimidt, a preocupação da

mostra atual é apresentar o que há de mais significativo na arte mítica e mágica da América

Latina. Preocupação essa, que não era vista do mesmo modo por muitos artistas plásticos que

consideraram a Bienal fraca, abaixo do nível de representação da arte latino-americana. Na

opinião destes artistas, a exposição era de uma arte bastante servil, uma criatividade voltada à

mentalidade do sistema artístico das galerias, sob os padrões dos marchands. Pode-se pensar

também que os marchands assumiram porque a censura já vinha excluindo artistas

expressivos, deixando ser mostrada uma arte pasteurizada, que servia à comercialização. O

mesmo artigo traz a crítica de Mário Pedrosa, que viu a Bienal como um movimento apenas

interessante, onde encontrou muitos amigos, muitos estrangeiros e de forma irônica muita

alegria, referindo-se ao espetáculo itinerante de dança ambiental Ao pé do caboclo.

O crítico Juan Acha em resposta às críticas feitas à Bienal, afirma que se a grande mostra

fracassar não será por culpa dele, mas, pela nossa própria imaturidade para agrupar as obras

de cada representação nacional através de um trabalho de equipe assessorado por

antropólogos e que outro motivo será pela incapacidade de nosso pensamento pesquisador

para estabelecer nosso coletivo nas obras de nossos artistas. Ao mesmo tempo defende com

veemência a nova fórmula estabelecida pela Bienal, que girará em torno de um tema

escolhido e que tratará da realidade latino-americana, num momento, que nos obriga a

questionar as idéias fundamentais deste novo procedimento de pesquisa desta Bienal Latino-

Americana. Sobretudo, em uma América Latina tão carente de conhecimentos sobre sua

realidade.

79

O ESTADO DE S. PAULO - JORNAL DA TARDE. Sexta-feira, 03.11.1978. Arquivo Mariza Bertoli.

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 86

O tema Mitos e Magia provocou protestos de muitos artistas e objeções de

alguns críticos, cujos argumentos tornam-se destrutivos. “Os artistas com sua

habitual e emotiva espontaneidade, contestam irritados o fato de que a Bienal

tenha um tema. Segundo esses artistas, a Bienal há de ser aberta e ajustada à

qualidade artística, a única – afirmam – que garante uma avaliação do que

realmente está acontecendo no mundo da arte: avaliação que é, e deve ser a

finalidade de toda a Bienal. Para eles, resumindo, o tema constitui-se em uma

inadmissível imposição que menospreza sua liberdade.80

Segundo Acha, o tema consiste em idéias ou pontos de vista que respondem a atual

necessidade imperativa de pesquisar a partir das perspectivas da teoria da arte e que

propunham novas indagações à realidade artística, permitindo o reagrupamento das obras.

Reagrupamento esse, que na concepção dele, possibilitaria o descobrimento dos fios

condutores ocultos na sucessão de rupturas artísticas. Dessa forma, foram abandonados os

agrupamentos segundo gêneros, épocas e tendências, tão anacrônicos e tão caros ao comércio

da arte, aos historiadores de arte e a alguns críticos, respectivamente. Portanto, segundo Juan

Acha, se os artistas contestam o tema é porque permanecem atados a critérios duvidosos, ao

suporem egocêntrica e equivocadamente que o tema museográfico e o da produção são a

mesma coisa, ou ainda porque o mito do artista impede que aceite a urgência de submeter a

arte latino-americana a processos intelectivos, para construir seus ideários de reconhecimento.

De acordo com o pensamento do crítico Juan Acha, os artistas recusam um tema tão

importante como Mitos e Magia que os situa em seu próprio caldo de cultura e que vai ao

fundo das nossas preocupações latino-americanistas, para que dessa maneira nos seja possível

deduzir critérios de qualidade artística que respondam a nossa própria realidade. Enfatiza

Acha em suas considerações que a arte reflete o homem. Consequentemente, o artista latino-

americano imprimirá de alguma forma, o nosso coletivo em suas obras. Já é tempo, portanto,

de estudar nossos elementos míticos e mágicos, para discutir sua procedência, como e porquê,

desejamos transformá-los.

A propósito, o Simpósio da Bienal, propôs um estudo em equipe e em debates abertos. De

acordo com sua concepção, num sentido antropológico a arte faz parte do pensamento mítico

e o revela através de imagens. Além disso, a arte é mágica, na medida em que incorpora

recursos que contribuem para a transformação da realidade. Acrescenta que a busca do

substrato mítico, não só é extensível aos elementos compositivos (cromáticos e formais) de

80

Juan Acha, Mitos e Magia nos simpósios: Diário de S. Paulo – em Cena –. São Paulo, 04.11.1978. Acervo

Mariza Bertoli.

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 87

qualquer obra de arte (abstracionista, geométrica ou não-objetualista), o que, possibilita

estudar os mecanismos sociais de nossos processos mitificadores e desmitificadores. Juan

Acha afirma que o tema foi encontrado através de um procedimento normal da instituição que

organiza a Bienal. No entanto, reclama que esse procedimento tenha sido objeto de duras

críticas. Alega-se, diz ele, que o tema foi uma imposição de São Paulo ou do Brasil aos

demais países latino-americanos. Considerou essas críticas estranhas, e argumentou ser

impraticável o que postulavam os contestadores: que o tema fosse decidido em uma reunião

de críticos de toda a América Latina. Embora defendesse um procedimento democrático.

Colocou que o problema maior era, onde arrumar tempo e dinheiro? Por isso propunha que

nesta 1ª Bienal, durante a realização do Simpósio, fosse discutido o tema da próxima, que se

realizaria em 1980.

Um episódio tragicômico,81

assim foi descrito o incidente entre Mário Schemberg e Juan

Acha. O fato ocorreu quando a convite de Aracy Amaral, pediu a Schemberg, que aceitasse

debater a tese de Romero Brest sobre arte contemporânea. Este por sua vez, pensando na

imagem do Brasil e de seus intelectuais, aceitou o convite com a condição de que relacionasse

o tema com a filosofia de Heidegger, justifica que tal decisão era, para que os estrangeiros não

levassem a impressão de que no Brasil não tinha alguém capaz de discutir filosofia e arte.

Juan Acha, na mesma ocasião por telefone, solicitou a colaboração de Schemberg e

comprometeu-se de enviar-lhe as cópias das teses de Brest. E de fato, no dia 1º de novembro o

correio entregou em sua casa, somente uma cópia da tese. Mais tarde, a secretária de Juan

Acha telefonou a Schemberg, comunicando-lhe que ele deveria debater duas teses: a de Brest,

e a de Jorge Glusberg, fatos estes, ocorridos dentro de 48 horas da abertura oficial dos

simpósios na Bienal. No dia seguinte, feriado de Finados, Schemberg recebeu telefonema

urgente da secretária (...) que segundo ele, a proposta o expunha a algum tipo de ridículo do

tipo: viu como ele não se interessou pelas teses que veio debater? Schemberg que sempre

mantivera as piores relações com a tecno-burocracia da Fundação, indignado foi até o

Ibirapuera, encontrar-se com Acha. Ao chegar disse brincando à secretária – Minha filha você

é do SNI? O que irritou profundamente Juan Acha, que logo respondeu dizendo que sua

secretária era inocente e que o policial naquele episódio era Schemberg. Em meio à discussão

Schemberg preferiu retirar a sua participação dos simpósios.

81

Mário Schemberg e a Bienal- Diário de S. Paulo – Coluna Em Cena – São Paulo, 04.11.1978. Acervo Mariza

Bertoli.

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 88

Depois, sobre uma possível reconsideração de sua decisão, Schemberg a condicionou à

demissão de Juan Acha. E ressaltou que o problema não era pessoal, mas refletia a própria

estrutura da Bienal “anti-democrática, burocrática e desorganizada.” (...) E com ironia disse

ainda: A Bienal está agonizante. A tecnoburocracia tentou injetar vida nova através do tema

Mitos e Magia e saíram à procura de um Dom Juan. E parece que o acharam. Só resta

esperar os resultados.

A crítica de arte argentina Marta Traba, durante a sessão de encerramento do simpósio, foi

interrompida pelo presidente da Fundação Bienal, Luiz Fernando Rodrigues Alves. Houve

um inesperado clamor dos presentes para que ela continuasse a falar, foi então que permitiu

que ela continuasse. Marta Traba retoma a sua fala e faz a sua crítica:82

Minha vinda a São Paulo foi um desperdício de tempo e de dinheiro. As mesas

dos simpósios foram mal organizadas. Ninguém teve acesso aos textos e só

receberam resumos que na verdade, não informavam realmente o espírito da

tese. Ninguém sabe nada do que foi dito durante a realização do simpósio, o

que é lamentável.

Acusa o simpósio de discriminar os jovens que apresentaram comunicados, por não terem

sido levados a sério. Assim como, recrimina muitos países estarem mal representados na

mostra, o que ela considerou resultado de uma forte dominação cultural. Frederico Morais

apoia Marta Traba, sob os aplausos dos presentes. Ao mesmo tempo, procurou amenizar a

situação com Juan Acha, dizendo que ele havia encontrado aqui uma estrutura que não o

deixou trabalhar como queria e, que mesmo assim, ele havia avançado até onde poderia.

Aproveitou para reclamar da falta dos textos das teses para os participantes das mesas-

redondas. Afirmou, que pelo que conhecia da América Latina, a Bienal tinha pouquíssimo a

ver com sua realidade. Para ele, a representação dos países latino-americanos chegava a ser

ridícula pelas ausências sentidas. Critica ainda, que a Bienal teria funcionado apenas na

inauguração e não o tempo todo como deveria. Sugeriu aproximar o debate do simpósio das

obras expostas. Recomendou que para a II Bienal, os temas fossem ligados à África e que

estivessem ligados à vida do continente latino-americano.

A julgar pelas manifestações dos participantes do Simpósio, parece que a censura estava tão

incorporada nas consciências que os críticos não se referiam a ela, quando constatavam

ausências evidentes? Ou será que os registros teriam sido manipulados?

82

A Bienal: um desperdício: Diário de S. Paulo – Em Cena –. São Paulo, 07.11.1978. Acervo Mariza Bertoli.

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 89

Radha Abramo, inconformada com os rumos da discussão, pediu licença ao presidente

Rodrigues Alves para ler um comunicado em defesa da Bienal e diz: Ela significa um

encontro de homens livre, defensores e militantes da liberdade de expressão. É necessária a

reunião de todos as pessoas que almejam uma cultura latino-americana anti-imperialista.

Lamentou a discussão ocorrida entre Juan Acha e Mário Schemberg, considerando como

resultado dos tristes e penosos anos em que o exercício da palavra se configurava com a

própria morte. Encerrou dizendo que a 1ª Bienal Latino-Americana significava o ponto de

partida.

O presidente Rodrigues Alves agradeceu a presença de todos, observou que muitas propostas

para o Simpósio, haviam chegado um dia antes do encerramento, o que não cabia à Bienal a

culpa pelos problemas. Ressaltou que todos os países foram tratados com a mesma dignidade

que mereceram. Mereceram? E que todo o esforço havia sido feito para que a mostra de arte

latino-americana se tornasse uma grande iniciativa. Faltou dizer: Desde que não “ofendessem

as nossas democracias”.

Assim, com o encerramento do Simpósio, a I Bienal Latino-Americana cumpria com a

primeira parte de seus objetivos que era de realizar a discussão da arte latino-americana e os

seus caminhos. Durante quatro dias reuniram-se em São Paulo estudiosos de arte, artistas e

críticos, discutindo quais as possibilidades de afirmação de uma produção artística da

América Latina em contraposição a uma hegemonia européia e norte americana neste campo.

Na sessão de encerramento do Simpósio, Mário Pedrosa foi o último orador, expondo de

improviso a tese Arte de Retaguarda, com espírito lúcido e com a coragem que lhe é peculiar,

reforma posições e avança propondo novas questões culturais. Segundo Fábio Magalhães,

quando tantos intelectuais se confundem num pantanal de conceitos sobre a identidade latino-

americana, Mário Pedrosa iniciou sua intervenção de forma contundente:

A miséria do povo latino-americano é a primeira unidade de nossa América

Latina; o povo latino-americano não é branco, é mestiço, e essa é a segunda

unidade que nos amarra; o povo latino-americano não é livre, é oprimido de

norte a sul, e essa é outra face da nossa unidade; o povo é submisso a um só

destino principal, o destino de ser submetido de alguma maneira ao

imperialismo. Mário Pedrosa, profeta da arte:83

83

Diário de S. Paulo –Em Cena –São Paulo, 08.11.1978. Acervo Mariza Bertoli.

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 90

Mário Pedrosa foi, segundo Fábio Magalhães um dos primeiros críticos a formular questões

artísticas e seu envolvimento social, com uma metodologia própria, que não se apoiava em

questões literárias, foi um dos que mais analisou profundamente os problemas da produção

visual e de seu consumo, ao nível das ideologias que a arte manifestava na representação de

seu tempo. Foi também, um dos propulsores do movimento construtivo brasileiro e atuou,

sobretudo, no grupo Neo-Concreto.

O crítico peruano Mirko Lauer84

comenta que Mário Pedrosa não é apenas uma das mais

destacadas figuras da crítica latino-americana, como também um símbolo na luta pela

democracia em que estão empenhados os povos latino-americanos. Na sua opinião as

proposições colocadas ao intervir no Simpósio da Bienal foram no sentido de que a grande

arte está dentro de, e vinculada a um exercício espiritual de liberdade, fazendo um aporte

esclarecedor dos novos caminhos da criação no continente.

O escritor argentino Ernesto Sábato, que diz sentir-se à vontade para repudiar qualquer

vertente de violência, seja de qualquer origem, é reconhecido por seus méritos em quase todo

o mundo. Dispensado de qualquer critério subjetivo de comparação, Ernesto Sábato, tem seu

lugar garantido entre os mais importantes escritores da América Latina. A sua breve presença

em São Paulo, para proferir uma rápida conferência no simpósio da Bienal Latino-Americana,

quase teria sido despercebida, não fosse, pela presença no mesmo dia de Darcy Ribeiro, um

dos participantes mais destacados do debate.85

A I Bienal Latino-Americana, na opinião de Walmir Ayala, resultou de uma conscientização

da realidade continental da América Latina, no sentido de testar seus valores, cotejar a valiosa

fonte de criatividade da nossa cultura, com antecedentes tão honrosos e particulares, podendo

talvez, a partir disso, impor-se com uma imagem independente, em resposta à opressão

colonialista euro-norte-americana.

Walmir Ayala pergunta por que importamos a maioria dos nossos temas e linguagens? O

crítico diz que é hora de darmos uma resposta a isso, e a Bienal Latino-Americana teria

possibilidade de “abrir fogo” neste sentido. Ayala concorda com o tema escolhido e acredita

84

Mirko Lauer, nascido en (Zatec, 1947 ex Checoslovaquia). Bachiller en Letras, (PUCP), 1972. Magister en

Literatura Peruana y Latino-americana, (UNMSM), 2000. Poeta, ensayista y periodista. Considerado un de los

más influyentes intelectuales del Peru. 85

Quase despercebido, Sábato em São Paulo: O ESTADO DE S. PAULO, 09.11.1978. Arquivo Wanda Svevo.

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Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 91

ser oportuno para o levantamento de valores culturais latino-americanos. Lamenta a ausência

de Rubem Valentim, que na opinião dele, seria, sem dúvida, o “carro-chefe da coletiva” e que

bastaria trocar as 106 participações por um número limitado e expressivo de participantes e,

porque não, por um único artista como Rubem Valentim.86

Já havia uma previsão negativa, segundo Frederico Morais, devido ao desprezo sofrido por

diversos países da América Latina, em duas décadas de Bienal Internacional. Essa relação foi

marcada pela ausência de qualquer projeto no sentido mais amplo, como também de qualquer

política visando a defesa da arte latino-americana, pela submissão aos interesses euro-norte-

americanos, o que refletiu em frustrações.

Para os dirigentes da Bienal, a função da América Latina, diz Frederico Morais, com muita

razão, quase sempre foi de tapa-buracos e engordar as participações estrangeiras.

Os países andinos e da América Central, desprestigiados pelos organizadores, ocuparam

sempre os locais de difícil acesso, escondidos, no pavilhão Armando Arruda Pereira do

Ibirapuera. Houve, contudo, uma mudança, a partir do movimento que ampliou o número de

críticos latino-americanos na composição do júri de premiação, como se observou na XIV

Bienal, quando o grande prêmio foi dado ao Grupo de Los Trece, da Argentina.87

A organização da mostra tratou de fornecer aos visitantes, logo na entrada, um mapa

completo, onde constava a colocação dos estandes, países aos quais pertenciam e dados sobre

a arte que estava sendo mostrada, já que não havia monitores.88

No domingo (12.11.1978), o grande happening Mitos Vadios, organizado por Ivald Granato,

foi um dos episódios mais divulgados dessa Bienal, embora constituísse um repúdio à sua

realização. O episódio se compôs da presença de alguns artistas que se “manifestaram”,

alguns poucos espectadores, na sua maioria absoluta, jornalistas, marchands, e figurantes

habituais das inaugurações.89

Para responder as severas críticas à Bienal Latino-Americana, Walmir Ayala argumenta:

86

Walmir Ayala, A Bienal latino-americana: o tema em questão: A Notícia –-. Rio de Janeiro, 10.11.1978.

Acervo Wanda Svevo 87

Bienal de São Paulo: O desencontro da América Latina: O GLOBO – Rio de Janeiro, 10.11.1978. Acervo

Mariza Bertoli. 88

Bienal continua aberta para os visitantes: Jornal do Brasil – Rio de Janeiro, 11.11.1978. 89

Como foi a contestação à Bienal: Jornal da Tarde – São Paulo, 14.11.1978. Arquivo Wanda Svevo.

Page 92: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Capítulo 2 – I Bienal Latino-Americana de São Paulo: da Ideia ao Fato 92

que mais do que demanda, houve máxima responsabilidade, humildade

e soma de esforços, além do registro de expressão numérica, verificado

na roleta de entrada da Bienal de 3 a 17 de novembro. A visitação foi

de 30.000 pessoas. Conforme o crítico, representava 30.000

indagações, áreas fertilizantes de questionamentos que valem mais do

que o labirinto de nossas imaginações delirantes. Pediam coletividade,

diálogo, consideração. Não gestos épicos ou veredictos rançosos. Lá

estava o espaço da Bienal com muitos espectadores, jovens na sua

maioria. (...) Festa-lição e que perpetua a experiência que a faz

vitoriosa.90

Radha Abramo, em suas considerações sobre a I Bienal Latino-Americana, comenta que ao

buscar material relativo ao tema Mitos e Magia, constatou que a edição concentra num mesmo

período e espaço, os níveis sócio-culturais dos países que dela participam, no conjunto

complexo de mostras plástico-visuais que são significativas do comportamento geral latino-

americano. Isto porque todas as culturas têm seus Mitos e Magias, revelados através dos

costumes, das crenças, das lutas na preservação da vida e no combate diuturno à morte. Diz

ainda:

Ora, se partirmos da hipótese de que a arte é a expressão da relação dialética

homem natureza e essencialmente sensorial (catártica) é possível se aceitar

que a produção cultural plástico-visual configure todos os níveis de

comportamentos humanos. Assim, uma Bienal que se centre em “Mitos e

Magia” certamente configura, através das mostras expostas, os processos

sócio-culturais dos quais se nutrem os povos participantes. Como o tema

proposto vincula a exposição à pesquisa desses “Mitos e Magia” depreende-

se que ele, ao ser definido, implica ação, ou seja, induz à coleta, busca

confronto, dúvida, reconhecimento de padrões e normas culturais dos grupos

que elaboram o levantamento dos dados materiais para a mostra. A pesquisa

em questão, todavia, depende dos processos sócio-culturais adotados e das

dotações econômicas disponíveis para tal empresa. As mostras expostas na

Bienal, portanto, são processadas em níveis diferentes e necessariamente

diferenciadas uma das outras. Adeptos de uma visão antropológica de arte,

visão essa sustentada por uma postura filosófica que reconhece a cultura

como culturas de classes, seria temerário refletir a produção ”Mitos e

Magia” comparando-a a outras mostras, a outras obras, presentes ou não à

exposição.91

A partir dessa reflexão profunda de Radha, que serve como alerta para que toda e qualquer

crítica seja conduzida sob fundamentação, no sentido de evitar os sofismas que levam à

superficialidade como forma, e a alienação como objetivo. Portanto, não se pode conceituar

uma apresentação dizendo que uma é melhor do que a outra, e sim, diferente.

90

Walmir Ayala, Visitação e Simpósio: A Notícia – Rio de Janeiro. s/d. Arquivo Wanda Svevo. 91

Radha Abramo, Coca versos solidão: Folha de São Paulo, 24.11.1978. Acervo Wanda Svevo.

Page 93: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 93

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

CAPÍTULO 3

________________________________________________________________

AS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS DA I BIENAL LATINO-

AMERICANA DE SÃO PAULO: ARTISTAS EXEMPLARES E CRÍTICA

RENOVADA

Page 94: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 94

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

3.1 ARTISTAS EXEMPLARES DOS FUNDAMENTOS DA IDENTIDADE LATINO-

AMERICANA: CULTURA MESTIÇA, CULTURA INDÍGENA, CULTURA AFRICANA E

CULTURA EURO-ASIÁTICA

Antes de iniciar a abordagem é imprescindível esclarecer que esta Bienal não propunha

exclusivamente uma mostra de obras de arte da América Latina. Embora a exposição de obras

servisse de vetor material para circunscrever apreciações sobre a temática proposta pelo CAC

da FBSP. Fazendo remissão a opinião de Radha Abramo, no seu artigo, Bienal, uma mostra

da cultura latina,92

já citada no capítulo I desta dissertação, a Bienal Latino-Americana não

deveria ter procedimentos ortodoxos, nesse sentido não deveria ter o caráter específico de

exposição de imagens. Por tratar-se de uma Bienal de pesquisa, de uma grande mostra que

propunha refletir o nível e a universalidade de sentir e de ver do continente sul americano. A

intenção era colocar a questão da identidade dos povos que atuavam culturalmente nesta vasta

área enfeixada por dois oceanos.

As imagens apresentadas são cópias xerográficas do Catálogo da I Bienal Latino-Americana.

É uma edição extremamente simples em preto e branco, com exceção da capa, produzida em

verde e amarelo-laranja.

A seleção das quatro imagens das obras com diferentes linguagens da arte contemporânea,

aqui apresentadas, foram escaneadas do catálogo da I Bienal Latino-americana. Estas imagens

não representam seleção por valor ou gosto do autor, mas apenas como exemplares de cada

foco do tema, conforme se colocaram os artistas. Ou seja, a escolha feita limitou-se

contemplar o critério da divisão por áreas antropológicas proposta para a mostra.

Considerando a baixa definição das imagens em preto e branco, que constam neste catálogo,

não foi possível fazer uma leitura crítica que permitisse participar do discurso desta Bienal

com o distanciamento devido que a retomada do tema propicia, hoje. Assim, esta amostragem

é apenas um dos enfoques possíveis, entre os que poderiam figurar em uma apreciação crítica,

92

Radha Abramo, Bienal, uma mostra da cultura latina: FOLHA DE S. PAULO – São Paulo, 06 de junho de

1978. Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo.

Page 95: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 95

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

se houvesse material fotográfico ou a possibilidade do acesso ao acervo original participante

dessa mostra.

Mitos e Magia de Origem Mestiça

Figura 2 - Victor Grippo, CAYC - Grupo de Los Trece (Argentina), da série Mitos del Oro.

Mitos del Oro foi a instalação de um conjunto de obras conceituais que aludem a diversas

formas de multiculturalismo, com a utilização de materiais diversos como líticos, orgânicos

eletrônicos e acrílicos – que, juntos, fazem pensar a saga da mestiçagem. Composta de

diversos elementos cobrindo uma área de 720m², com obras de Alfredo Portillos, Clorindo

Testa, Jacques Bedel, Jorge Glusberg, Jorge Gonzalez Mir, Leopoldo Maler, Luis Benedict,

Luiz Pasos, Vicente Marotta e Victor Grippo. Integrantes do Grupo de Los Trece, que

participou de exposições no Instituto of Contemporary Arts, Londres, 1973; Internacional

Culturel Centruum, Amberes, 1074; Palais de Beaux Arts, Bruxelas, 1975; Palazzo dei

Diamanti, Ferrara, 1975; Museu Lousiana, Copenhagem, 1976; Museu de Arte

Contemporânea, Caracas, 1976; Fundación Joan Miró, Barcelona, 1977; XIV Bienal

Internacional de São Paulo, São Paulo, 1978 (prêmio Itamaraty).

A escolha da obra de Victor Grippo, integrante deste conjunto, acima ilustrada, deve-se à

mensagem que ela enuncia. Justificando a representação da Argentina como um território

mestiço, com forte componente europeu na sua formação cultural. A mensagem que a obra

contém denuncia e estimula à reflexão para uma consciência latino-americana.

Page 96: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 96

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

Mitos e Magia de Origem Indígena

Figura 3 - Antonio M. Ruiz (México), TRANQUILINA, 1931.

Óleo sobre tela; 57cm x 47cm

Retrato honorífico da sua gente, com trajes étnicos. De forte expressividade, acentua as curvas

da estética maia quiche, no perfil da mulher, como uma homenagem ao seu povo. Antonio M.

Ruiz (1897-1964) é considerado, como Roberto Montenegro, como um dos destacados

artistas indigenistas mexicanos. O artista conta que teve influências de pintores flamencos,

que pintavam miniaturas com temas populares em chapas de metal ou madeira. Essas

influências são percebidas em suas obras notáveis feitas em pequenas dimensões, onde

executou a sua preferência pelas delicadas pinceladas que compõem suas efígies ou figuras

Page 97: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 97

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

populares. Seus amigos o chamavam carinhosamente de “El Corzo” ou “El Corzito” por se

parecer fisicamente com a figura pintada pelo artista espanhol Zuloaga em que retrata um

toureiro. Antonio Ruiz exerceu vários cargos docentes nas áreas de desenho e pintura. Viajou

a Hollyhood em 1926, onde se especializou em cenografia. Foi nomeado professor de

cenografia e perspectiva na Escuela de Artes Plásticas de la UNAM em 1938. Realizou vários

trabalhos de cenografia para espetáculos de teatro, cinema e dança. Participou de exposições

no México, Havaí e Estados Unidos.

A escolha da obra TRANQUILINA, 1931 de Antonio M. Ruiz, quis destacar essa gama de

retratos honoríficos que compõem um acervo que foi arma identitária de artistas indigenistas,

como uma opção modernista, sobretudo no México e, na Região Andina, com Hector Poleo e

Sabogal.

Mitos e Magia de Origem Africana

Figura 4 - Antonio Carlos Fontoura (Brasil), Cordão de Ouro, 1976-1977.

Filme em 35mm, colorido, som ótico, 70 minutos.

Page 98: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 98

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

No centro da narrativa está a aventura fantástica do personagem Jorge, um escravo protegido

de Ogum, que recebe a missão de lutar pela sua liberdade e a de seu povo, livrando-os do

cativeiro vivido em Eldorado, lugar esse, onde a modernidade tecnológica existe ao lado de

formas primitivas de trabalho. Mitos e Magia servem aqui como o alimento, o próprio cerne

da obra, por ser Cordão de Ouro uma lenda. Sonhada pelo autor que ao acordar escreve toda a

narrativa. O filme sincretiza elementos culturais afro-brasileiros com elementos da cultura de

massas (quadrinhos, televisão) e propõe uma linguagem neo-primitiva. Participam do filme os

atores Zezé Motta, Jofre Soares, Antonio Pitanga, sendo o personagem central vivido pelo

capoeirista Nestor Capoeira. Participam ainda grupos de capoeira, candomblé, maculêlê e

umbanda. Antonio Carlos Fontoura é diretor, produtor e roteirista de cinema e televisão.

Realizações: argumento, roteiro e direção dos filmes: Heitor dos Prazeres, 13 minutos, cor,

1965; Ver e Ouvir, 18 minutos, cor, 1966; Copacabana me Engana, 100 minutos, preto e

branco, 1968; Ouro Preto e Scliar, 10 minutos, cor, 1969; O Último-Homem, 10 minutos, cor,

1969; Gal, 8 minutos, cor, 1970; Mutantes, 10 minutos, cor, 1970; Wanda Pimentel, 7

minutos, cor, 1972; A Rainha Diaba, 100 minutos, cor 1973; Chorinhos e Chorões, 10

minutos, cor, 1974; Arquitetura de Morar, 10 minutos, cor, 1975; Cordão de Ouro, 70

minutos, cor, 1976-1977; Preparação de roteiros para dois novos filmes: A Vida como ela É e

Latin Lover. Elaboração de textos para série de televisão Ciranda, Cirandinha, TV Globo.

A escolha do filme Cordão de Ouro de Antonio Carlos Fontoura deve-se, sobretudo, a

abordagem da mitologia africana, que sobreviveu no Brasil por meio do sincretismo com a

cultura do branco, como também pela beleza plástica com que utilizou os recursos visuais

para alcançar a ficção proposta pelo enredo que se desenvolve cheio de efeitos inesperados.

Portanto, esta obra é sem dúvida alguma apropriadíssima ao tema Mitos e Magia, que tinha

como principal objetivo discutir o entrelaçamento das identidades culturais da América

Latina.

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Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 99

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

Mitos e Magia de Origem Euro-Asiática

É um dos importantes representantes da renovação da escultura chilena da década de 60. Com

seu estilo muito pessoal mostra a dicotomia da produção manual e a industrial entre o ser

humano e a máquina. Suas esculturas em bronze revestidas por chapas de alumínio, são de

requintada elaboração técnica e as texturas de interessante efeito plástico, lembrando

armaduras, gaiola ou prisão. Simbolicamente, revelam aspectos da mitologia grega, em sua

misogenia peculiar, como comenta a crítica de arte Mariza Bertoli:

Essas obras do chileno Egenau me lembram muito a “Palas Atena” (1987),

de Francisco Brennand, onde ele revela todo o drama da “deusa” dos olhos

flamejantes, envolvida pela lorica, para defendê-la dela mesma. A lorica,

couraça com placas de ouro era o escudo encantado da guerreira, tinha

Figura 5 - Juan Egenau - Chile BLINDAJE PARA UN TORSO, 1973

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Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 100

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

simbologia contraditória, é proteção da exterioridde, mas, ao mesmo tempo,

provoca as fantasias da intimidade. Uma espécie de prisão onde a mulher,

presa no destino da deusa, espia o mundo através do capacete, numa imensa

nostalgia. Ambos os artistas sentem a obsessão de redimir as mulheres

oprimidas, além de referir-se ao “mal estar da cultura”, como diria Freud .93

Fantasias, aspirações e angústia. Remete à idéia de uma liberdade aprisionada pela moral de

uma sociedade castradora e preconceituosa, onde toda nudez é proibida e punida. Como se

pode perceber nas obras de Egenau, estão centradas no corpo humano, como recurso da

reflexão das relações entre o corpo e a sociedade. Uma representação entre humanidade e

máquina numa inter-relação quase orgânica, tão forte é a repressão.

Juan Egeneau realizou estudos no Instituto Alonso de Ecrilla Universidad Católica de Chile;

Universidad de Chile; Instituto Statale D’Art di Firenze (Itália); Rhode Usland School of

Design (EUA). Professor de pintura e escultura na Universidade do Chile. Participou de

numerosas exposições entre as quais o Festival de Rhode Island EUA; Museu de Arte de São

Paulo e Ministério da Educação, Buenos Aires. Obteve o segundo (1965) e primeiro (1967)

prêmios na Bienal de Escultura do Chile, Santiago; Prêmio de Honra no Salón de Verano de

viña del Mar, 1968 e Grande Prêmio do Certamen Nacional de Artes Plástica, Chile, 1976.

A escolha da obra BLINDAJE PARA UN TORSO, 1973 de Juan Egenau (1927-1987),

justifica-se pelo momento vivido, unindo a repressão política a repressão sexual secular e,

ainda a uma referência a questão da cultura como interdição, como defende Mariza Bertoli, ao

referir-se ao “mal estar da cultura”.

3.2 A MORTE DA BIENAL LATINO-AMERICANA DE SÃO PAULO: DEFESAS E

ACUSAÇÕES

São muitas as razões e emoções para o fim da Bienal Latino-Americana de São Paulo, o que

se coloca aqui são momentos do debate na intenção de compreender.

Aracy Amaral, na sua crítica severa escrita no artigo A Bienal Latino-americana ou o

desvirtuamento de uma iniciativa, como o próprio título do artigo induz, se refere à falta de

profissionalismo, demonstrado no amadorismo da organização da Bienal. Segundo Aracy,

essa era uma prova inequívoca da incompetência do Conselho de Arte e Cultura na realização

93

Entrevista concedida ao autor em 11.01.2011

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Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 101

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

do projeto da Bienal Latino-Americana. O que se pode inferir dessa crítica feita pela crítica é

que foram utilizadas táticas mal planejadas e inapropriadas para atingir uma estratégia,

indefinida pelos inexperientes membros do CAC. Comenta:

Infelizmente, a Bienal de São Paulo queimou de saída uma iniciativa que se

asseverava como uma das mais importantes desde sua fundação. Ao

contrário, continuou a agir de acordo com a improvisação e a falta de

profissionalismo que tem pautado sua performance nos últimos anos. Tão

deficiente se mostrou o Conselho de Arte e Cultura em relação à problemática

da arte latino-americana que mesmo depois da vinda de Juan Acha, que os

assessorou para a conceituação do tema, foi preciso ainda apelar para

sessenta (e depois ainda mais quatro) personalidades das mais diversas

áreas, para aconselhar o dito Conselho a como executar a Bienal Latino-

Americana: uma conseqüência da ausência total de autocrítica, ao mesmo

tempo, que um atestado de incompetência que esse mesmo Conselho se

passou... Agindo precipitadamente, e adivinhando que sessenta não viriam – a

algo a que foram “participados” e não “convidados” – a direção da Bienal

tentou ainda trazer elementos de outros Estados, a fim de envolvê-los num

jogo mal programado. (...) Afinal, a Bienal Latino-Americana não é para os

latino-americanos, mas parece ser sobre a América Latina. E talvez, na

verdade, o evento, conforme a tradição, não objetive o consumo interno, a

comunicação dentro do continente, mas de destine à exportação, isto é, à

observação de europeus e americanos que virão para um acontecimento,

esperam eles, pleno de exotismo.94

Observa-se que Aracy, não faz nenhuma referência à censura imposta pelo regime militar,

situando assim, a Fundação Bienal e o seu Conselho de Arte e Cultura como instituição

paralela à realidade vivida no país, e ignora os desacordos de dentro da própria instituição

tutora, que assumia o desafio de buscar através da arte e cultura um entendimento mais

profícuo entre e a cerca dos países localizados abaixo da linha do Equador e do Caribe.

Considerando a temática dessa Bienal, Mitos e Magia, a intenção dos organizadores foi a de

tentar achar, em meio aos “escombros”, o que ainda existia de uma cultura esfacelada por

outra cultura dominante. Buscar “restos” que nos permitiriam identificar a “cultura autêntica”

e, ao mesmo tempo, abrir um caminho para as novas tendências.95

O tom desse comentário,

depreciativo, coloca o testemunho cultural do nosso tempo como resto, e classifica a cultura

como modelo subalterno.

94

AMARAL, Aracy, Arte e meio artístico (1961 -1981): entre a feijoada e o x-burguer. A Bienal ou Latino-

americana ou o desvirtuamento de uma iniciativa (1978). São Paulo: Nobel, 1983. 95

Reflexões sobre a Primeira Bienal Latino-Americana de São Paulo: CORREIO DO POVO – Porto Alegre,

RGS, 21.12.1978. Arquivo Wanda Svevo.

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Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 102

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

No artigo, Secretário receberá hoje as denúncias sobre a Bienal. Sobre a polêmica entre

Beuttenmüller e Rodrigues Alves. O secretário da Cultura do município de São Paulo, Sábato

Magaldi, ficaria sabendo as razões que levaram seu representante Alberto Beuttenmüller, a

demitir-se do cargo do Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal, além de realçar outras

irregularidades que vinham acontecendo na Bienal.

Alberto Beuttenmüller deixou a Bienal porque tanto Luiz Rodrigues Alves, presidente da

Fundação, como Carlos Von Schimidt, membro do Conselho e assessor de imprensa da

entidade, tiveram uma atitude fascista e quiseram impor uma vontade particular, sem

seguirem os caminhos normais de uma democracia. E depois porque decidiram deixar aos

dois o caminho livre, para escolherem o futuro da Bienal. Entretanto, para entender o

acontecido, faz-se necessário retornar ao mês de junho, quando então expirava a gestão dos

membros do C.A.C mas, como havia a Bienal Latino-Americana para ser realizada, eles

seriam reconduzidos ao cargo, por decisão do próprio presidente da Fundação, Rodrigues

Alves. Duas semanas antes, fora realizada uma eleição entre os membros do Conselho e a

artista plástica Maria Bonomi foi escolhida como presidente, tendo como vice-presidente

Beuttenmüller. Depois ela saiu. E naturalmente, Beuttenmüller deveria ter assumido, o que

não ocorreu. Passados alguns dias, ele reivindicou seus direitos e foi apoiado pela maioria do

Conselho, à exceção do presidente da Fundação Bienal, Rodrigues Alves, e do assessor de

imprensa Carlos Von Schimidt. Mais por motivos pessoais – esclarece Beuttenmüller –

porque não queriam que eu assumisse. Rodrigues Alves queria uma nova eleição para que

Von Schimidt assumisse a presidência do Conselho. (...) Depois disso, contudo, começou,

segundo ele, um verdadeiro boicote às decisões do Conselho, inclusive com sonegação de

informações por parte de Rodrigues Alves e Von Schimidt. Conclui dizendo Minha atitude só

podia ser essa mesmo. Afastar-me, porque sou contra qualquer ditadura e qualquer

passionalismo. Lá há pessoas que se consideram donas da verdade, embora não sejam

especialistas em artes plásticas.96

Depois de mais de dois meses de apurações, o crítico Alberto Beuttenmüller, concluiu seu

relatório sobre a atuação da Diretoria da Fundação Bienal, onde relata também, o uso

indevido da verba de Cr$ 6.000.000 (seis milhões de cruzeiros) e o entregou ao Secretário de

Cultura, Sábado Magaldi que imediatamente acionou sua assessoria jurídica e entrou em

contato com a Fundação Bienal para averiguar as denúncias feitas pelo seu representante na

96

O ESTADO DE S. PAULO, 28.11.1978. Arquivo Wanda Svevo.

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Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 103

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

FBSP. Haja vista, Beuttenmüller afirmava haver testemunhado diversas irregularidades

acontecidas nos seus dois anos e meio de atuação no C.A.C. Segundo ele, até mesmo, quando

as irregularidades vinham à tona, nenhuma providência era tomada. Uma das questões que

levantou foi: a péssima situação financeira que se encontrava a Fundação Bienal.

Beuttenmüller diz não acreditar que a Fundação tivesse respostas para todas as irregularidades

apontadas no seu relatório. Inclusive porque algumas envolviam a questão moral. Portanto,

segundo ele, não acreditava em nenhuma resposta, porque faltariam com a verdade.

Beuttenmüller disse: os dois meses que haviam passado, serviram para que a Bienal pusesse

em ordem algumas questões pendentes denunciadas no relatório. Fala ainda de um

telefonema da artista plástica Maria Bonomi, membro do CAC, sobre a existência de

assinatura de atas de 1977, na gestão da presidente Yolanda Mohalyi. Diz não saber como isso

era possível, já que a mesma havia falecido. Aguardava o parecer da direção da Bienal e que

não se omitiria se as respostas não fossem convincentes, já que o caso tratava do uso indevido

de verba pública, portanto, o povo tinha o direto de saber o que era feito com o seu dinheiro.97

Beuttenmüller enfim, recebe a resposta da Bienal, afirmando que havia engano da parte dele,

e que estavam provando que as verbas a que o crítico se referia tinham sido usadas

corretamente. Em resposta, Beuttenmüller não dá um parecer definitivo, já que seu advogado

e a assessoria jurídica da Secretaria de Cultura do Município iriam estudar mais

profundamente o assunto, comprometendo-se junto com o secretário de cultura Sábato

Magaldi, fazer uma declaração pública. Quanto às denuncias respondidas pela diretoria da

Fundação, estaria analisando para saber se deveria aceitá-las ou não como definitivas, por

isso, esperava o parecer dos advogados.

No entanto, a imprensa que procurava dar acompanhamento ao caso, publicou o artigo

Denúncias sobre a Bienal ainda sem solução, no O Estado de S. Paulo em 23 de fevereiro de

1979, sobre o relatório que continha as denúncias administrativas e de ordem financeira

contra a Fundação Bienal, feitas por Beuttenmüller. Após a extensa defesa da Fundação

enviada ao secretário da cultura Sábato Magaldi, este por sua vez, comprometeu-se em se

pronunciar após o parecer de Beuttenmüller sobre o impasse. Beuttenmüller deu seu parecer,

em entrevista concedida ao autor (22/07/2010):

97

Público saberá tudo sobre o desvio de verba na Bienal: Folha de São Paulo, 22.02.1979. Arquivo Wanda

Svevo.

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Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 104

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

Após ter feito as acusações ao então presidente Rodrigues Alves, que

substituiu Oscar Landman, que teve um AVC e ficou em cadeira de rodas.

Rodrigues Alves demonstrou ser corrupto, desviando dinheiro da Fundação

em benefício próprio. O problema é que eu tinha de denunciar, uma vez que

eu era representante da Prefeitura, através da Secretaria de Cultura da

Prefeitura de São Paulo (...), e as verbas, que estavam sendo desviadas, eram

verbas públicas. As demissões foram individuais, depois que todos souberam

dos desvios do dinheiro público pela família Rodrigues Alves. Quando

assumiu a presidência da Bienal, o Dr. Luiz Rodrigues Alves, colocou o filho

como contador, a filha como secretária e sua esposa, d. Maria Rodrigues

Alves, como sua assessora direta. Esta senhora tinha um buffet e acabou

ganhando uma licitação para explorar o restaurante e lanchonete usando o

nome do motorista na referida licitação. Infelizmente, o Sábato Magaldi, na

época secretário de cultura da prefeitura paulistana, aceitou a auditoria

realizada por antigo contador da própria entidade, contador este que aprovou

parte de suas próprias contas. Chamei a atenção do Secretário, mas ele

aceitou a auditoria viciada. Foi quando pedi minha demissão em janeiro de

1979. Sábato Magaldi disse-me, então, que Rodrigues Alves ia processar-me

pelas acusações. Respondi que ele poderia processar-me, porque eu tinha

todas as provas da prevaricação, mas nunca fui demitido e nem processado.

Em tempo: 1989, Maria Rodrigues Alves foi demitida da presidência da

Bienal de São Paulo porque usava material e funcionários em obras de sua

casa de praia.98

Na intenção de obter argumentos que melhor elucidasse a contribuição do tema que norteou

as discussões acerca das identidades culturais da América Latina, realizadas entre críticos de

arte, a opção foi transcrever parte da entrevista anexa, concedida pelo curador Alberto

Beuttenmüller.

Outra questão de grande relevância colocada oportunamente, sobre a nova visualidade da arte

Latino-Americana, coloca em pauta a representatividade dos países participantes dessa

primeira e única edição.

Alberto Beuttenmüller quando questionado sobre quais experiências serviram de paradigmas

para resultar numa possível apreciação da produção das artes visuais latino-americanas num

acontecimento aberto ao público, considerando-se o estado de exceção, ele responde que:

Como ficou claro, a I Bienal Latino-Americana não iria resolver todos os

problemas latino-americanos das artes visuais, mas era um início de reflexão

sobre a arte da AL. Alguns países entenderam a nossa proposta, outros, como

a Colômbia, na qual o construtivismo é muito forte, não aceitaram o tema

Mitos e Magia. Sabemos, porém, que as bienais de alto nível são as

polêmicas.99

98

Entrevista com Alberto Beuttenmüller, realizada em 22.07.2010. Concedida ao autor (Conforme cópia em

anexo). 99

idem

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Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 105

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

Entretanto, a proposta de tema único lançada pela Bienal de São Paulo, foi interpretada por

alguns artistas e críticos de arte como limitadora, o que desrespeitava a criatividade e

possibilitava certa confusão no meio artístico, em decorrência de sua extensão. Na opinião de

Beuttenmüller a I Bienal Latino-Americana de São Paulo, correspondeu ao tema – Mitos e

Magia – proposto. Pois, segundo ele:

Porque havia a divisão: mitos e magia da raça negra; mitos e magia da raça

branca e mitos e magia dos índios da AL, e creio que houve, com exceções, a

aceitação de que somos mestiços. Alguns países não vieram porque não

gostaram e nem entenderam os temas da I Bienal Latino-Americana, queriam

uma bienal de vanguarda, mas nós queríamos exatamente discutir nossas

raízes que, inclusive, eram superiores às dos europeus que nos invadiram e

nos colonizaram culturalmente. Dou apenas um exemplo: o calendário maia é

superior inclusive ao nosso gregoriano atual. Foi realizado há quase dois mil

anos pelos maias da Guatemala, Belize, El Salvador, México etc., entretanto,

o mundo não segue o calendário maia, mas o que foi ratificado pelo papa

Gregório XIII.100

Pode-se dizer que a Bienal Latino-Americana, propunha encontrar por meio da visualidade

contemporânea os elos das culturas dos países fisicamente tão próximos, mas que parecem

distantes por falta de convivência. Nesse acontecimento os elementos mostram a face da

identidade foram destacados pelo curador como debate de idéias. Infelizmente as discussões das

mesas do seminário que a bienal ficou de publicar em livro e jamais publicou, segundo Beuttenmüller

diz ter participado de algumas mesas, onde os especialistas de fora trouxeram uma grande contribuição

às discussões tanto da identidade latino-americana quanto da arte de seus países sedes.

As ausências sentidas nessa Bienal, de países como Cuba, Venezuela, Belize, Costa Rica,

Guatemala, Haiti, Nicarágua e Panamá, comprometeram a vivência da multiculturalidade que

nos distingue. A despeito da iniciativa do curador de convidar todos os países, era evidente

que constrangimentos diplomáticos e proibições explícitas, da ordem da censura ocorreriam,

além da insegurança diante do desafio representado pelo tema.

Observando o documento elaborado e rubricado por Aracy Amaral, no qual constam as

questões propostas para a reunião de consulta entre críticos convidados da América Latina,

optou-se pela sua reprodução, porque este documento norteou as discussões que selaram os

destinos da Bienal Latino-Americana. Esse documento começa colocando uma questão

relevante sobre o objetivo principal desse projeto. Seria relativo ao campo de produção

100

ibidem

Page 106: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 106

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

artística, ou seja, o conhecimento dos artistas e do meio cultural..., ou a difusão da arte latino-

americana para o mundo? Apresenta, sob um suposto viés democrático, alternativas que vão

desde propostas por períodos da história da arte ao destaque das novas tendências, e às

mostras quadrienais, complicando a decisão dos críticos, desviando o eixo do discurso que era

a II Bienal Latino-Americana.

Na integra essa pauta diz:

1 – O que lhe parece ser mais significativo para as artes e o meio artístico da

América Latina:

1.1. O mútuo conhecimento dos artistas e do meio cultural de nossos países

dentro da América Latina.

Ou

1.2. A divulgação para o mundo do que se faz em Arte na América Latina?

2 – Em que medida considera que um evento artístico exclusivamente latino-

americano como o propiciado pela Bienal deva enfatizar:

. as novas tendências na arte

. a arte contemporânea entendida como o século XX

. a arte dos períodos pré-colombiano, colonial e republicano

3 – Como vê:

. Apresentação conjunta constantemente das manifestações dos três períodos

. Alternar a projeção das diversas épocas

.apresentar primeiramente com enfoques interdisciplinares retrospectivas de

caráter didático-informacional

. somente arte contemporânea e novas tendências

4 – Como vê uma Bienal Internacional onde ênfase especial seja dada à

América Latina?

O documento traz ainda três anexos:

Anexo 1: Considera possível a participação de seu país, caso as Bienais de

Arte da América Latina ocorram bienalmente em São Paulo?

Anexo 2: Como considera, de ponto de vista de veiculação e divulgação para

o exterior, da produção artística de seu país, se uma Quadrienal

Internacional de Arte em São Paulo, e uma Quadrienal de Arte Latino-

Americana ocorressem sempre nos anos ímpares? Exemplo:

1981 – Quadrienal Internacional e 1983 - Quadrienal Latino-

Americana.

1985 – Quadrienal Internacional e 1987 – Quadrienal Latino-

Americana.

1989 – Quadrienal Internacional e 1991 – Quadrienal Latino-

Americana.

Anexo 3: Ou tem outra posição pessoal acerca dos eventos internacionais de

arte contemporânea?101

101

FBSP. Arquivo Multimeios: PL.653 – SMC – PMSP

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Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 107

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

Num texto com erros de formulação e gramaticais, a FBSP, em nota promove Reunião de

Consulta de Críticos da América Latina, nos dias 16, 17 e 18 de outubro de 1980,

provavelmente assinado por Aracy Amaral, em seu conteúdo o documento informa que por

ocasião da suspensão da Bienal Latino-Americana, que deveria realizar-se naquele ano,

definia uma reunião que tornaria mais ativa a participação direta dos meios culturais da

América Latina no preparo dos envios dos países do Continente às Bienais Brasileiras. Para

isso, foram convidados críticos do México, América Central e Sul, num total de 40 pessoas.

Os critérios estabelecidos eram: confirmação da presença, envio de questões a cada

participante e sugestões para o início dos debates na reunião. A reunião, por sua vez, trataria

da consulta recíproca para obter um parecer final dos críticos de arte convidados, sobre a

forma como a América Latina deveria estar presente nas exposições de São Paulo, diante das

circunstancias, visando atender às necessidades informacionais, de difusão da obra e de

articulação entre os produtores de arte latino-americanos.

O documento traz os nomes que confirmaram presença, em ordem alfabética dos países:

Rafael Squirru e Jorge Glusberg da Argentina; Nohra Beltran e Gonzalo Rodriguez da

Bolívia; Milan Ivelic e Nena Ossa do Chile; Eduardo Serrano e German Rubiano Caballero da

Colômbia; Manuel Mejia do Equador; Roberto Cabrera da Guatemala; Pompello del Valle de

Honduras; Ida Rodriguez Prampolini e Jorge Alberto Manrique do México; Miguel Angel

Fernandez e Tício Escobar do Paraguay; Ernesto Ruiz de la Mata de Porto Rico; Mariane de

Tolentino da República Dominicana; Angel Kalemberg e Maria Luisa Torrens do Uruguay e

Manuel Espinoza da Venezuela.

A reunião contaria ainda com a participação especial de Glória Zea Uribe, presidente do

Instituto Colombiano de Cultura e do Museu de Arte Moderna de Bogotá e de Sebastian

Romero, diretor Executivo da UMLAC. A confirmar estaria a senhora Sofia Imber, diretora

do Museu de Arte Contemporânea de Caracas, e o senhor Horácio Safons, secretário da

Associação Argentina de Críticos de Arte.

A representação brasileira, conforme o texto, que está com o verbo no futuro do presente

simples, “deverão” estar presentes, o que ainda não estavam confirmadas as presenças de

Aline Figueiredo, de Cuiabá; Márcio Sampaio, de Belo Horizonte; Frederico Morais, Wilson

Coutinho e Ferreira Gullar, do Rio de Janeiro; de São Paulo, Walter Zanini, Fernando C.

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Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 108

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

lemos, Alberto Beuttenmüller, Jacob Klintowitz, Sheila Leirner, Ivo Zanini e Aracy Amaral,

pelo CAC da FBSP, Esther Emilio Carlos e Casemiro Xavier de Mendonça. Como

representantes de órgãos culturais Paulo Sérgio Duarte, pela FUNARTE, e Ana Maria M.

Beluzzo, pelo IDART, da SMCSP, Adriano de Aquino pela ABAPP; Carmem Portinho, pela

ABCA-Brasil e Lisetta Levi pela ABCA-Brasil.

O documento informa ainda que paralelamente à Reunião de consulta à FBSP, convidou os

dirigentes da UMLAC – União de Museus da América Latina e Caribe a realizar em São

Paulo, a reunião anual de seu Comitê organizador integrado por Angel Kalemberg, Glória Zea

Uribe, Aracy Amaral e Manuel Espinoza. Sob a presidência de Gloría Zea Uribe a entidade

propunha a organização de exposições sobre arte latino-americana a partir dos museus

filiados, com a intenção de um recíproco conhecimento da contribuição plástica do

Continente, e em decorrência de circulação dessas mostras através dos diversos países. Por

fim o documento informa que a reunião estaria aberta ao público interessado. E que o local e

o cronograma da reunião era o seguinte: 16.10.1980, às 9:30 – abertura dos trabalhos em

reunião e plenária, no auditório do MAC da USP, no Parque Ibirapuera.

Aracy Amaral, membro do C.A.C, num discurso de defesa da Arte Latino-Americana, e ao

mesmo tempo, de acusação à maioria dos críticos presentes nos dias 16, 17 e 18 de outubro de

1980, que decidiram pela não continuidade da Bienal Latino-Americana de São Paulo, como

está escrito no texto:

Numa manifestação insofismável de descrença em sua própria arte como

valor autônomo, na preocupação de se manterem atrelados ao sistema de arte

dos grandes centros do mundo (o que já na trajetória cotidiana de um artista

de nosso continente ocorre usualmente), no temor pelo isolacionismo (como

se os críticos de outros continentes não viessem a América Latina para ver o

que aqui acontece), mais de 30 críticos de vários países do Continente e do

Brasil, reunidos em São Paulo, a 16, 17 e 18 de outubro passado, votaram

pelo fim das Bienais da América Latina organizada a partir da Bienal de São

Paulo.102

A Fundação Bienal sob a nova gestão presidencial de Luiz Villares é que assume a decisão,

que ainda causa polêmica. Segundo Aracy Amaral, após o debate, com o texto final aprovado

pelo plenário, com a avassaladora maioria de críticos votando a favor de uma “Bienal

Internacional”, com ênfase na arte da América Latina, foram 23 votos de um total de 36

102

AMARAL, A. A. Arte e meio artístico (1961-1981): entre a feijoada e o x-burguer – Críticos da América

Latina votam contra uma Bienal de arte latino-americana. São Paulo: Nobel, 1983, 358.

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Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 109

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

votantes, respeitando ainda a maioria dos países, o documento foi redigido originalmente em

espanhol, como ora reproduz-se na íntegra:

La Reunión de Consulta de Críticos de Arte de la América Latina, convocada

por la Fundación Bienal de San Pablo, para formular un cuerpo de

recomendaciones sobre las características y objetivos que debe adoptar la

Bienal, luego de un amplio debate realizado del 16 al 18 de octubre há

resuelto:

Capitulo I

1. Que las Bienales sean de caracter internacional, con énfasis en lo

latinoamericano, entendiendo por énfasis no solo un espacio o

selección cuantitativa, sino la estructuración orgánica de la

representación.

2. Ampliar el espectro de la Bienal incorporando otros medios propios

del lenguaje visual y artístico contemporáneo.

3. Dar prioridad a la participación del público, a quien

fundamentalmente debe estar dedicada la Bienal.

4. Que la muestra no quede definida por la existencia de pabellones

nacionales, aunque la invitación sea por paises.

5. Que la actividad de la Bienal no se reduzca tan solo a una exposición

bienal, sino que se la mantenga como un centro de actividad cultural

permanente.

Capitulo II

1. Crear un Comité Consultivo de integración latinoamericana,

responsable de proponer y coordinar los poyectos operativos de la

Bienal. Asimismo, designar curadores que tengan a su cargo el

cumplimiento de cada proyecto.

Capitulo III

1. Incrementar la información y la documentación, difundiéndola de modo

sistemático.

2. Realizar una documentación visual y teórica circulante que afirme,

desarrolle y mantenga en el tiempo, los logros de la Bienal.

3. Estudiar soluciones a los problemas endémicos de infraestructura. Por

ejemplo: aduana, montaje, seguro y manipulación de obras.

4. Incentivar la participación privada como medio complementario para

el financiamento de los proyectos de la Bienal.103

Na nota divulgada pela Fundação que traz as mesmas recomendações em português sobre as

características e objetivos que a Bienal adotou, após ter sido lida e aprovada na sessão final da

reunião de consulta de críticos de arte da América Latina e assinada por Aracy Amaral,

German R. Caballero, Horacio Safons, Nena Ossa, Jorge Glusberg, Jorge Alberto Manrique,

Damian Bayon, Frederico Morais, Angel Kalemberg, Luiz M. La Corte, Tício Escobar, Milan

103

AMARAL, A. A. Arte e meio artístico (1961-1981): entre a feijoada e o x-burguer – Críticos da América

Latina votam contra uma Bienal de arte latino-americana. (p.358-359). Nobel. São Paulo, 1983, p.p. 358-359.

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Capítulo 3 - As manifestações artísticas da I Bienal latino-americana de 110

São Paulo: artistas exemplares e crítica renovada

Ivelic e Eduardo Serrano. Informa ainda que a FBSP, editaria um volume contendo os

comunicados apresentados, os debates, as recomendações e moções finais. Este documento

passaria pela análise da Diretoria da Fundação e comunicadas as suas conclusões.104

A despeito do tom empolgado do discurso da crítica Aracy Amaral, em defesa da arte latino-

americana, as opiniões sobre as causas da interrupção deste projeto são divergentes. Em

entrevista ao autor, Beuttenmüller responsabiliza Aracy Amaral pelo fim da Bienal Latino-

Americana: A Aracy Amaral, que armou em 1980 um encontro de críticos da AL apenas para acabar

com I Bienal Latino-Americana, porque não era uma idéia dela, com ajuda do Walter Zanini.

Comenta:

Fiquei pasmo, pois pensei que a Aracy Amaral, que sempre defendeu a

América Latina e foi casada até com artista latino-americano, iria apoiar,

nunca destruir uma idéia tão próxima do passado dela como crítica de arte.

Eu achava naquela época que a Bienal Latino-Americana tinha mais interesse

do que a Internacional.105

O crítico argumenta que a Bienal Latino-Americana não pode cumprir seu papel, a tarefa de

apontar e desvelar a identidade não é coisa pouca, levaria tempo, era apenas o princípio de um

projeto a desenvolver através de décadas:

O projeto era de longo prazo. Somente poderíamos responder, depois de

umas quatro ou cinco bienais com esse tema. Por isso, até hoje não sabemos

se descobriríamos essa identidade. Infelizmente, a crítica Aracy Amaral, que

me substituiu na curadoria, acabou com a Bienal Latino-Americana, quando

na edição de 1980 resolveu convidar os críticos da A.L. para acabar com a

BLA, com o argumento de que não haveria dinheiro para os países cumprirem

duas bienais. Percebia-se neste encontro de críticos da A.L. que todos vieram

já com o voto marcado. Hoje, com a Bienal do Mercosul, sabemos que há

dinheiro para todas as bienais.106

Mesmo que a Bienal Mercosul não seja nem mesmo a sombra do que seria um projeto de

integração cultural ou descolonialidade como afirma Mariza Bertoli.

104

FBSP, 18 de outubro de 1980. Arquivo Multimeios, PL.655 – SMC – PMSP. 105

Entrevista concedida ao autor em 22.07.2010. 106

idem

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Considerações Finais 111

CONSIDERAÇÕES FINAIS

________________________________________________________________

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Considerações Finais 112

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Duvido da neutralidade no trabalho científico, ainda que seja uma pesquisa sobre documentos

considerados históricos. A pesquisa é um caminho, um meio e não um fim, pois todo aquele

que se dedica à pesquisa é porque procura explicações confiáveis sobre determinado

acontecimento que julga importante conhecer, portanto, não existe outro modo de coerência e

honestidade do pesquisador que quer a verdade das coisas, que não seja pela tomada de

posição. Sem um ponto de vista pessoal, a pesquisa torna-se fria compilação sem

posicionamento.

Enfim, acredita-se, que a conjuntura atual, presumidamente democrática, possibilite que este

estudo crítico, além de discorrer sobre um dos mais importantes acontecimentos acerca do

tema arte e cultura da América Latina, realizado no Brasil, no período de chumbo da ditadura,

possa contribuir para reacender um amplo e profícuo debate com a intenção de reabilitar a

proposta do projeto das Bienais Latino-Americanas.

Parece-nos necessário e urgente colocar essa hipótese, na medida em que, indubitavelmente é

uma das formas de integração dos povos da América Latina.

Os movimentos artísticos eclodem simultaneamente em todo o Continente, em momentos

considerados identitários, como acontece também com as iniciativas de integração cultural

que se espalham por todos os territórios. Tal como na década de 1970, quando grande parte da

América Latina se encontrava sob o jugo de ditaduras militares, atualmente, este também é

um momento de forte evocação identitária, pelas pressões do mundo globalizado. Ressaltam-

se principalmente, as vitórias políticas democráticas dos povos do Continente. Se naquela

época a utopia nascia do medo, da censura e da auto-censura, agora ela nasce do júbilo da

liberdade que se anuncia.

O desafio, porém, continua, bem como a responsabilidade do muito que ainda resta fazer. Isto

porque vivemos o período da indústria cultural no campo das artes e da cultura, o que

significa o domínio do capitalismo internacional subvencionando as artes em todas as suas

manifestações para servir de vitrine promocional de interesse de empresas transnacionais ou

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Considerações Finais 113

multinacionais, que reduzem as identidades culturais ao pitoresco e ao exótico, mediante

recursos do espetáculo para diversidades.

A hipótese a ser defendida na verdade é que na conjuntura político-cultural “fechada”,

isolada, do Brasil e também dos países vizinhos, evidenciou-se a ausência de uma integração

significativa entre esses países que, desde início, inviabilizaria o sucesso desta I Bienal nos

moldes traçados para objetivos que deveria atingir. Por outro lado, a ausência de políticas

culturais estratégicas e específicas para América Latina, políticas essas, comprometidas com a

busca de denominadores comuns, definidos, claros e não de forma ufanista como querem nos

responsabilizar aqueles que devastam as nossas culturas impondo paradigmas que servem na

maioria das vezes apenas para afirmar o poder hegemônico que exercem no mundo.

É de fundamental importância essa reflexão em defesa da „latinamericanidade‟, múltipla,

híbrida e complexa, aqui se soma a finalidade de conscientizar politicamente incentivando

iniciativas que com mais afinco, busquem apoio e soluções que superem os preconceitos, na

ordem de separatismo e intolerância entre os artistas latino-americanos. Outra reflexão seria a

de, com pretexto deste trabalho, tentar explicar quais os elementos e de que forma se

articulam, algumas identidades artístico-culturais simbolicamente manifestadas e resultantes

da mestiçagem dos povos da América Latina e Caribe.

Continua a necessidade de uma mostra de arte que efetivamente possa dar conta do universo

das culturas Latino-Americanas. Um encontro de críticos se faz necessário para que se

constitua em conselho curatorial e se desenvolvam tarefas de atualização do que se possa

considerar a visualidade contemporânea da América Latina e Caribe. Contudo, não se trata de

uma defesa ufanista, mas da preocupação necessária de projetos identitários frente ao mundo

globalizado, que venha, sobretudo, fortalecer e a união e a solidariedade entre os povos

vizinhos, e principalmente preservar a riqueza e a complexidade das identidades.

Toda a dificuldade de interpretação do discurso crítico, é que devido à censura exercida com

mão de ferro durante todo o governo militar, levou os críticos a fazerem afirmações figuradas,

ambíguas, que devem ser compreendidas no seu sentido de época; às vezes não ditas. Por essa

razão recorre-se a muitas citações para dizer o que se pensa e deseja sobre aquela realidade

vigiada.

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Considerações Finais 114

A I Bienal Latino-Americana poderia ter sido apoteótica, concentrando a riqueza da produção

artística, porém a falta de interesse de alguns artistas, a censura e a interdição de grupos

expressivos de artistas importantes, lamentavelmente tenha deixado vazios que jamais serão

preenchidos. A Bienal Latino-Americana não teve morte serena, segundo a crítica de arte

Mariza Bertoli. De fato, ela afirma que:

Os seus ideólogos travaram batalhas acirradas, defenderam pontos de vista

dissidentes, de forma apaixonada. Apesar da vigilância permanente e

opressiva da censura causando divisões, a decisão da não continuidade das

Bienais Latino-Americanas permanece como um questionamento que não foi

respondido e que continua em aberto. Desde os documentos de época às

entrevistas recentes, a pesquisa leva a concluir que se trata de um projeto

estético político ainda não suplantado. Precisamos ser foto-grafados na nossa

arte, para sermos sujeitos da nossa cultura.107

A Bienal Latino-Americana continua agonizando? Esta dissertação quer colocar em discussão

a possibilidade da retomada desse importante projeto, tendo a perspectiva do momento atual

evocativo das identidades face à globalização. Aliás a Bienal não morreu, pois, continua

interessando à pesquisa e vive no ideal de muitos críticos que crêem na arte latino-americana.

No desenvolver da pesquisa, ficou evidente que na I Bienal Latino-Americana de São Paulo,

havia certa visão inocente, até ingênua de uma grande latinidade, que com o passar do tempo

desembocou numa extensa complexidade, mas isso não implica na morte das vozes das raízes

culturais que compõem a identidade do Continente. Nesse sentido, a I Bienal Latino-

Americana deu o primeiro passo para sua valorização e reconhecimento. A efervescência da

crítica e dos artistas, foi um movimento de tal magnitude que precedeu a edição da própria

Bienal, demonstrou a profundidade do tema e o forte desejo identitário de construir pontos de

vista críticos para dar conta das originalidades que nos diferencia. Nesse sentido, pensou-se na

possibilidade da itinerância, percorrendo o continente, respeitando o resultado da votação dos

países participantes ao final de cada gestão responsável pelo evento.

Enfim, as considerações histórico-críticas desta dissertação tem o vivo propósito de trazer à

tona no fluxo da história atual o projeto vivo das Bienais Latino-Americanas.

107

Entrevista concedida ao autor em 11.012011.

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Referências 115

REFERÊNCIAS

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Entrevista com Mariza Bertoli. São Paulo, 18 de fevereiro de 2010

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Entrevista com Mariza Bertoli. São Paulo, 11 de janeiro de 2011

Page 122: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexos 122

ANEXOS

________________________________________________________________

Page 123: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 123

ANEXO I

________________________________________________________________

EXCERTOS DE TEXTOS CRÍTICOS SELECIONADOS, COM ALGUNS

COMENTÁRIOS DO AUTOR, SOBRE A I BIENAL LATINO-

AMERICANA (ORDEM CRONOLÓGICA)

Page 124: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 124

Conforme o artigo, Bienal latino-americana, publicado pelo jornal Correio Braziliense –

Brasília, DF. - 22 de fevereiro de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de São

Paulo).

“Na posse da nova diretoria da Fundação Bienal de São Paulo, constituída por Luiz Fernando

Rodrigues Alves, presidente; 1º. Vice-presidente Justo Pinheiro da Fonseca; 2º. Ernestina

Karman; diretor administrativo, Oswaldo Silva; diretor Financeiro, Dílson Funaro; diretor de

Relações Públicas, Armando Costa de Abreu Sodré, disse o novo Presidente que a Fundação

Bienal de São Paulo é uma jornada iniciada há 27 anos por Cicillo Matarazzo, e que agora já

permite um certo amadurecimento, condições de análise, sem que com isso perca seu objetivo

de contemporaneidade. A Fundação Bienal de São Paulo de continuar a testemunhar,

participar, propor e promover manifestações culturais, através de todos os meios de

comunicação, originários que são das necessidades gerais do Homem. “Um dos últimos

sonhos de Cicillo era a transformação da Bienal Nacional numa Latino-Americana, idéia

encampada pelo ex-presidente Oscar Landman e que será agora concretizada”.

A artista Maria Bonomi, como membro do Conselho de Arte e Cultura falou sobre a

necessidade de melhoria da Bienal. “Solicitamos para a Bienal uma infra-estrutura adequada.

Nosso trabalho sente-se prejudicado pela falta de assessoria, funcionários, montadores,

fotógrafos, tradutores, verbas, para publicações e principalmente consultores espalhados pelo

continente e pelo mundo.

Tudo isso permitiria realizar uma Bienal adulta e menos subdesenvolvida. Para tratar com

respeito um trabalho intelectual de forma responsável, as verbas deveriam atender em sua

grande parte à saúde, à educação e cultura da população. Lembrou ainda, que a Bienal não é

um brinquedo de criança de uso pessoal, mas que, pertence à cidade, ao país, ao continente, ao

pensamento dos que estudam e pesquisam e permanecem eternos através dos tempos”.

Conforme o artigo, Arte afirmada e arte experimental, publicado pelo jornal Correio

Braziliense – Brasília, DF. - 28 de fevereiro de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da Fundação

Bienal de São Paulo).

“Em verdade, confessamos que, em matéria de arte, sua filosofia e sua sociologia, e,

consequentemente, de estética e de psicologia da criação, os nossos deuses não são de modo

algum os deuses do Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo, o qual, sem

incluir todos os seus membros visto, como cremos não haver sido unânime essa tomada de

posição, resolveu adotar uma filosofia niilista refletindo o pensamento dos “autênticos

aventureiros”, para usar da expressão empregada por Max-Pol Fouchet, justamente aqueles

que pretendem representar a arte contemporânea. E não são porque não concordamos com a

abolição dos termos “obra de arte” e “artista criador” e por sua substituição pelas expressões

“projeto” e “autor” e com a destinação aquele órgão que pretende das às Bienais de São

Paulo, reservando exclusivamente os seus espaços para a apresentação de experimentações

que, na quase totalidade de suas manifestações, se reduzem a processos de “anarquismo”.

Conforme o artigo do critico de Arte Frederico Morais, Mito e magia na Bienal de São Paulo,

publicado pelo jornal O Globo – Artes Plásticas - Rio de Janeiro, 02 de março de 1978.

(Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de São Paulo).

”O crítico Juan Acha peruano residente no México, participou, a convite da direção da

Fundação Bienal de São Paulo, e juntamente com os membros de sua comissão cultural, das

discussões que levaram à definição da linha cultural da Bienal deste ano, a ser inaugurada no

Page 125: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 125

dia 03 de novembro. Inteiramente dedicada ao exame da arte latino-americana, terá como

tema central “Mito e Magia”. Este, na sua abrangência, cobrirá desde heranças pré-

colombiana e negro-africana as manifestações atuais. Paralelamente à documentação, será

realizado um Simpósio com a presença de críticos, antropólogos, sociólogos etc., no qual

serão debatidos, além do tema central, os problemas da arte latino-americana e propostas para

a próxima Bienal”.

Como se pode observar, não havia uma definição do tema, mas o conteúdo que deveria

abordar.

Conforme o artigo da socióloga e critica de Arte Sheila Leirner, “Mito e magia” ou a arte sob

rotulação, publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, 03 de março de 1978. (Arquivo Wanda

Swevo da Fundação Bienal de São Paulo).

Antes ainda das reuniões com os críticos Juan Acha, do México, e Silvia Ambrosini, da

Argentina, o Conselho de Arte e Cultura da Bienal de São Paulo já havia decidido o que agora

é oficial. O tema central desta Bienal será, como já estava previsto, Mitos e Magia e servirá

apenas para o circuito latino-americano de arte. O regulamento da mostra deste anos, todavia

ainda não foi divulgado, restando apenas o conhecimento de que esta linha diretriz será

sustentada de três maneiras: manifestações, documentação e simpósio.

O primeiro item, ou seja, as manifestações previstas para o acontecimento, irá configurar a

própria amostragem que será dirigida segundo as “origens” especificas do continente latino-

americano. Não é difícil imaginar, contudo, as dificuldades que se encontrarão na escolha de

obras que se aproximem, como quer a Bienal, da arte indígena, africana, euro-asiática e

mestiça, segundo as suas constantes, seus elementos iconográficos – temas, personagens,

signos e símbolos – elementos compositivos – cor, formas e espaços, materiais e textuais,

gestos e ritos.

Parece claro que o convite de artistas (sem concurso e sem agrupamento por nacionalidade)

não será apenas controvertido pelas seguras omissões que irão ocorrer, posto que é somente

uma minúscula parcela da crítica que se encontra reunida para este fim. Mas, sobretudo, pela

incapacidade natural do pequeno grupo de “profissionais” enfrentar tão complexo e

ambiciosos projeto.

Mesmo que não se trate mais de limitar a montagem da expressão artística aos domínios de

um mecenas e sim aos de candidatos teoricamente mais aptos a ser bem sucedidos, ao tentar

encontrar uma identificação da obra de arte com qualquer um dos itens propostos, a Bienal

poderá estar cometendo graves erros de rotulação.

Conforme o artigo do critico de Arte Roberto Pontual, Uma Bienal só de “Mitos e Magia”,

publicado pelo Jornal do Brasil - Rio de Janeiro, s/d. (Arquivo Wanda Swevo da Fundação

Bienal de São Paulo).

Reuniu-se durante quase toda a semana passada, na Capital paulista, o Conselho de Arte

Bienal de São Paulo. Originalmente formado pelos artistas Yolanda Mohalyi, Leopoldo

Raimo e Maria Bonomi, bem como pelos críticos Clarival Valladares, Lisetta Levi e Marc

Berkowitz, e o jornalista Alberto Beuttenmüller, alguns desses membros do Conselho não

estiveram presentes à reunião. Em compensação, a ela compareceram Juan Acha – crítico e

professor nascido no Peru e hoje vivendo no México – e a crítica argentina Silvia Ambrosini,

Page 126: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 126

que foi um dos cinco participantes do júri da última Bienal Internacional de São Paulo, em

fins de 1977. O primeiro veio convocado especialmente: a segunda, por conta própria. E o que

estiveram fazendo juntos, em horas e horas de encontros, trabalho e discussões? Estiveram

redigindo o tão esperado regulamento da 1ª Bienal Latino-Americana de São Paulo, a abrir-se

em novembro deste ano.

A redação final do regulamento ainda não foi divulgada. Mas dela já posso fornecer os pontos

essenciais e comentá-los brevimente, em seguida. O fio condutor da 1ª. Bienal Latino-

Americana de São Paulo será o tema Mitos e Magia – tema, aliás, que parece estava mais ou

menos estabelecido antes da própria reunião. Optou-se ali por uma estrutura temática

sobretudo no proposto de investigar os principais denominadores comuns dos

comportamentos visuais latino-americanos – ou seja, reconhecer e recuperar elementos de

identidade. Para que essa estrutura se concretize, na mostra e nos eventos paralelos, a Bienal

em causa se armará de três setores; manifestações, documentação e simpósio.

Conforme o artigo, Em novembro, a I Bienal Latino-Americana, publicado pelo jornal Folha

de S. Paulo, 10 de março de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de São

Paulo).

A Fundação Bienal de São Paulo, presidida pelo atual dirigente da Bienal, Luiz Fernando

Rodrigues Alves, durante a reunião foi lido o regulamento da exposição, que permanecerá

aberta ao público até 17 de dezembro.

O tema “Mito e Magia” abrangerá os setores denominados de Manifestações, Documentação

e Simpósio. No primeiro item estarão agrupados segundo suas origens, o indígena, o africano,

o euro-asiático e a mestiçagem.

Na área de documentação, a Bienal Latino-Americana propõe a participação dos interessados

com documentação em geral sobre o processo latino-americano que caracteriza mitos e magia.

Quanto ao simpósio, comparecerá apresentação e debates em torno de mitos e magias na Arte

Latino-Americana e proposta para as próximas Bienais Latino-Americanas.

O Conselho de Arte e Cultura, propôs (e a diretoria da Bienal aceitou) a aplicação do dinheiro

dos prêmios na confecção de um livro sobre o evento.

Conforme o artigo, Arte autóctone da América Latina, publicado pelo jornal Correio

Braziliense – Brasília, DF. – 11 de março de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da Fundação

Bienal de São Paulo).

Há alguns dias falamos quanto é difícil uma arte brasileira, agora posta em questão, onde, as

dificuldades são enormes no que se refere a noção de uma arte latino-americana,

principalmente quando se a quer restrita as suas conotações com mitos e as magias de

diferentes grupos étnicos, portanto, da arte e da cultura primitivas de diversos povos e

civilizações compreendidos na amplidão da mesma região continental. Cremos até mesmo

que a eleição dessa temática teve por finalidade estabelecer um confronto entre distintas

influências das identidades culturais nacionais na capacidade estética de expressão do artista

criador de cada um dos países da América Latina, e fixar a altura da memória nacional, ou

seja, o grau de submissão à arte e à cultura imemoriais porque atávicas em cada uma das

noções que sofreram a colonização da Espanha e de Portugal.

A mais bela arte pré-colombiana está na obra da civilização Maya.

Por essa razão é que, sem embargo de diferenças de mitos, magias e formas, historiadores há

que vêem como derivações daquela civilização, as dos Quíchuas e dos Aymaras, que se

instalaram no sul do Equador, no alto do Amazonas, no noroeste da Bolívia e no Peru.

Page 127: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 127

Por sua vez, civilização Maya soube impor-se em determinadas regiões do México, tanto

assim que há historiadores sem nenhuma dúvida acerca de sua influência na civilização

Tolteca, população nahuatl, vinda do noroeste da América do Norte, razão por que há quem

diga que aos Toltecos seria devida a criação da arte na América Central.

Conforme o artigo de Gilberto Amaral, publicado pelo jornal Correio Braziliense – Brasília,

DF. – 13 de março de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de São Paulo).

A primeira conseqüência, na área cultural, da visita do presidente venezuelano Carlos Andrés

Pérez ao Brasil aconteceu no mês passado: a Fundação Bienal de São Paulo e o Museu de

Arte de São Paulo receberam um grupo de intelectuais, artistas, críticos, jornalistas,

dramaturgos e poetas da Venezuela, que vieram tratar da participação de seu país na Bienal

Latino-Americana e de uma exposição de artes plásticas. Integrava o grupo o pintor Alírios

Palácios, um dos representantes na Bienal Internacional.

É publicado o Regulamento da I Bienal Latino-Americana de São Paulo. Por Ernestina

Karman, no jornal Folha da Tarde – São Paulo, 15 de março de 1978. (Arquivo Wanda Swevo

da Fundação Bienal de São Paulo e do Acervo de Mariza Bertoli). Pelo jornal Correio

Braziliense – Brasília, DF. – 16 de março de 1978, de autoria desconhecida. (Arquivo Wanda

Swevo da Fundação Bienal de São Paulo). Por Ernestina Karman, (Versão Final), publicado

pelo jornal Folha da Tarde – São Paulo, 17 de março de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da

Fundação Bienal de São Paulo).

A publicação do Regulamento desencadeou uma série de críticas, negativas e positivas, em

relação ao seu conteúdo.

Conforme o artigo do critico de Arte Jacob Klintowitz, Bienal, uma equação só de incógnitas,

publicado pelo Jornal da Tarre – São Paulo, 18 de março de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da

Fundação Bienal de São Paulo).

Quem poderá saber? Saiu o Regulamento da Bienal Latino-Americana, mas vago é a melhor

palavra para definí-lo... É uma obra-prima de enunciados vagos e amplos. Segundo os seus

enunciados, tudo é possível ou nada é possível. O fio condutor, o tema central, mitos e magia,

nos deixa perplexos. Vejamos: 1- O que é arte latino-americana? O Regulamento não

responde; 2- O que são mitos? O Regulamento não responde; 3- Magia também não está

definida.

A idéia de reformular as Bienais é uma imposição dos tempos. A nossa Bienal já nasceu

velha. Para a sua sobrevivência é necessário mudar. Acho que estamos todos torcendo pelo

seu sucesso. Se latino-americana é uma solução, ou outra idéia qualquer possa ser, é

impossível saber. São questões complexas. Paradoxalmente, é necessário notar, a própria

vagueza do regulamento pode ser um dado positivo. Onde pode ser colocado tudo, podemos

colocar só coisas significativas!

Conforme o artigo de Fernando C. Lemos, I Bienal Latino-Americana: Mitos e Magia, Artes

Visuais. Publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 19 de março de 1978. (Arquivo Wanda

Swevo da Fundação Bienal de São Paulo e do Acervo Mariza Bertoli).

Page 128: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 128

A Fundação Bienal informa que após vários meses de trabalho, em colaboração com

especialistas brasileiros e de outros países da América Latina, o Conselho de Arte e Cultura

(formado por Iolanda Mohalyi, presidente; Alberto Beutenmüller, secretário; Marc Berkowitz,

representante da ABCA; Leopoldo Raimo; Luiz Fernando Rodrigues Alves, presidente da

Bienal e Clarival Valladares, que será dentro de dias substituído por Jacob Klintowitz) definiu

o posicionamento da I Bienal Latino Americana. Informa ainda que foram consultados o

mexicano Juan Acha, a argentina Silvia Ambrosine, Aracy Amaral, diretora da Pinacoteca do

estado, Fernando Mourão, diretor do Centro de Estudos Africanos da USP, o antropólogo

Antonio Porro e a gravadora Renina Katz, professora da FAU-USP.

Resultou disso tudo o estabelecimento do tema: Mitos e Magia. Um tema para muitos de

difícil delimitação, de comunicação um tanto elástica, podendo dar margem a confusões com

folclore e primitivismo.

Alberto Beutenmüller acha, entretanto, que essa confusão não existirá e o tema não levará a

uma exposição folclórica. “Que vem a ser mito”? Pergunta Beutenmüller. “Numa definição

genérica – responde – é uma tradição que, sob forma de alegoria, deixa entrever um fato

natural, histórico ou filosófico”. “Como vamos trabalhar com artes visuais procuramos os

elementos dentro de uma alegoria que tenha sua origem no indígena, no africano no euro-

asiático ou ainda na mestiçagem cultural”. “A magia – completa Beutenmüller – por definição

é a arte de produzir por meio de certos atos e palavras. Nas artes visuais a palavra é

substituída por elementos iconográficos ou compositivos e os atos são os ritos dessa magia”.

“A magia – esclarece – aí não deve ser entendida como, por exemplo, macumba, mas como

elemento erudito saído do terreiro”.

Alberto Beutenmüller faz referência ao capítulo I do Regulamento, como esclarecedor das

intenções da I Bienal Latino-Americana, isto é, “indagar os principais denominadores comuns

de nossos comportamentos visuais (...) promover o reconhecimento de nossa identidade, uma

das mais constantes e fundamentais preocupações na América Latina”.

Jacob Klintowitz, que deverá nesta semana assumir seu posto no Conselho, acha que esta

Bienal é de muitas dúvidas e muitas perguntas.

“A própria convicção – diz – de que existe uma arte latino-americana, com características

diferenciadoras, é uma grande dúvida. E a idéia de fazer uma Bienal Latino-Americana

atrelada a um tema, Mitos e Magia, é outra grande dúvida”.

O próprio Klintowitz faz a pergunta: “deveríamos ter uma Bienal aberta, livre, para qualquer

tema?”

A resposta vem em seguida: “Primeiro a discussão do que seja mito e magia. Mito é uma

grande discussão... Freud, Jung, Joseph L. Hendersen, Barrws Dunhan, Cassirer, Barthes... a

idéia e o conceito se modifica, organiza, a discussão aumenta. Na verdade, parece-me, a

discussão do que seja o mito é fundamental para entendermos e modificarmos o social e o

individual. Hoje se repensa a nossa sociedade e a nossa civilização. E a discussão de mito está

na base dessa discussão. Retornam os conceitos antigos, a discussão de terra, ar, fogo, água

mãe, duidas, cristianismo.

“Alguns pesquisadores – prossegue – não oficiais colocam mesmo em cheque a própria

civilização judaico-cristã, como uma contrafação uma destruição dos mitos eternos,

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Anexo I 129

tradicionais, fundamentais, pertencentes ao que o homem é, eternamente, aos arquétipos. É

uma longa conversa.

“Existe também a formação uma mitologia moderna se aceitarmos a possibilidade de um mito

sem transcendência. Tudo isso é um assunto que se discute. E, agora, discute-se, começa-se

pelo menos, a pensar no mito latino-americano. Talvez isso seja, verdadeiramente um mito...”

Jacob Klintowitz fala da Magia: “Magia é a mesma coisa. Há o sentido tradicional. É na

América ele é muito forte, a nossa tradição mágica é grande, presente do popular ao erudito. E

há também, a possibilidade de aplicação e transformação da palavra magia para outros

significados. Nesse caso a palavra teria um sentido tão amplo, tão vago que perderia um

pouco a sua importância e mesmo a sua existência”.

O regulamento da I Bienal Latino-Americana na verdade põe o tema, mas não o explica.

Klintowitz observa este aspecto: “Sabemos apenas – pela leitura do Regulamento – que mito e

magia não devem ser entendidos como “folclorismo”. O que quer dizer: não sabemos o que é,

mas sabemos o que não é. Melhor. O conceito vago e não definidor tem um aspecto positivo.

Nós podemos preenchê-lo de arte e artistas, definir o que seja a partir da obra de arte.

“Dessa maneira voltamos às origens, a arte precede ao conceito teórico e filosófico”. “O que é

um ponto fraco do regulamento é, paradoxalmente – conclui – o seu aspecto mais forte e

dinâmico, pois possibilita as modificações”. Está no Regulamento que a Bienal Latino-

Americana se subdividirá em três áreas: “Manifestações”, “Documentação” e “Simpósio”.

Alberto Beutenmüller afirma com segurança que na área das manifestações caberá apenas os

artistas eruditos cuja temática esteja enquadrada dentro das limitações do tema, sem qualquer

possibilidade de transformar o evento em festa folclórica, mesmo porque não aceitarão

inscrições daqueles que não estiverem dentro dos critérios estabelecidos. Os participantes

serão indicados por especialistas que a Fundação Bienal pretende convidar para este fim.

“Serão – fala Beutenmüller – intelectuais de nomeada ao nível de um Mário Pedrosa, Aracy

Amaral, Frederico Morais, Paulo Duarte, Clarival do Prado Valadares, Aline Figueiredo,

Renina Katz, Ferreira Gullar e outros. Serão intelectuais não só nas áreas das artes, mas

antropólogos, historiadores, sociólogos etc.”.

A Bienal pretende dos convidados, obter, além dos nomes de artistas, nomes das instituições

capazes de fornecer elementos de documentação e ainda idéias para a realização do simpósio.

A I Bienal Latino-Americana se realizará de 3 de novembro a 17 de dezembro próximos, com

os participantes agrupados segundo suas realizações isto é, as origens dos mitos e magias

presentes em suas obras: indígena, africana, euro-asiática e mestiça. Estes três aspectos são

explicados no Regulamento:

Indígena – Mitos e Magia derivados da cultura de grupos étnicos pré-colombianos e

contemporâneos.

Africano – Mitos e Magia nos diferentes momentos de transmutação de sua dinâmica sócio-

cultural.

Euro-asiático – Mitos e Magia resultantes de influencias européias ou asiáticas transformadas

e integradas à cultura latino-americana.

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Anexo I 130

Mestiçagem – Mitos e Magia recriados, reformulados como geradores de novas formas de

criatividade latino-americana.

E explica também: Cada uma destas fundamentações pode manifestar-se nos seguintes

elementos visuais: 1 – iconográficos (tema e personagem, signos e símbolos); 2 – compositivo

(de cor, de formas e espaços, de materiais e texturas, de gestos e rituais).

Beutenmüller exemplifica com o nome de alguns artistas que poderão ser recomendados para

a I Bienal Latino-Americana: Rubem Valentim, Valdir Sarubi, Eunibaldo Tinoco, Ramosa,

Guershman (pelo tema futebol), João Câmara (série política). Quanto á participação dos

artistas de outros países latino-americanos, explica que as recomendações serão através de

entidades do melhor conceito, de cada país, que se encarregará se relacionar seus artistas,

sempre dentro das regras estabelecidas. “Os convites ou indicações – fala – não serão através

do Itamarati, de Governo para Governo, não havendo, portanto, representações oficiais”. A

própria Fundação Bienal escolherá as entidades que assumirão o compromisso de indicar os

artistas de seus países. Não haverá restrições de técnica ou linguagem, desde que os trabalhos

estejam dentro do que se exige. Não visa – aqui esclarece o regulamento – fomentar

folclorismos, mas servir o tema Mitos e Magia de pretexto para a “investigação da realidade

cultural existente”.

Nesta Bienal em que não vai se conferir prêmios (a verba que a Fundação havia reservado à

premiação será aplicada em publicações, catálogos e demais trabalhos relativos às três áreas)

se dará grande importância à documentação daquilo que tenha exercido influências ou

esclareça proposições, desde que caracterizem mitos e magias latino-americanos. Essa

documentação poderá ser fotografias, textos, objetos, gravações, filmes, vídeos etc., de

importância artística, antropológica, histórica ou sociológica.

Por fim o Simpósio. Para este terceiro capítulo de manifestações da I Bienal Latino-

Americana, serão feitos convites a intelectuais de todo o mundo nas mais diversas áreas de

estudos. “O Simpósio – diz Beutenmüller – começará já no primeiro dia, com a inauguração,

indo até 6 de novembro”. Os temas já estão determinados: 1) Mitos e Magias na arte latino-

americana; 2) Problemas gerais da arte latino-americana e 3) Propostas para as próximas

Bienais Latino-americanas.

Conforme o artigo da crítica de arte Radha Abramo, Bienal Latino-Americana. O

Regulamento do diálogo. Publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 02 de abril de 1978.

(Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de São Paulo).

Creio que o aspecto filosófico fundamental da Bienal Latino Americana é este: do diálogo

aberto, da troca de idéias, da colocação dos problemas, da catarse da intelectualidade do

Terceiro Mundo.

Esta Bienal não se processa intramuros, ela se expõe, humilde, diante da cultura. Provoca o

próprio questionamento e assume com a coragem que poucos possuem, a questão de discutir,

de procurar o consenso e ensaiar o erro; ou melhor, de construir um projeto cultural. Isto só é

possível a partir deste momento, no qual o Regulamento da Bienal cria um plano aberto para a

indagação sobre os problemas culturais contemporâneos e descreve um movimento, o

primeiro na sua curta e sofrida história, de dentro para fora. Esse movimento indica pelos

traços implícitos nos mecanismos atuais desenvolvidos e propostos tanto pelo Conselho de

Arte e Cultura como pela Direção da Bienal, o rompimento de um universo concentracionário

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Anexo I 131

que alimentou a jovem e cândida (o significado é esse mesmo, de otimismo) instituição nestes

26 anos de amostragem cultural.

O PROBLEMA DA IDENTIDADE.

A Bienal Latino Americana centra-se na discussão do problema da identidade cultural. A

questão é séria, difícil de ser refletida; matrizados como somos por teorias pseudo-

universalistas, sentimo-nos de repente sós, temerosos de enfrentar o questionamento proposto,

porque ele certamente abalará nossos suportes culturais colonialistas. Pensar sobre identidade

cultural é temerário porque esta ação nos remete ao auto-conhecimento e como bem fez o

eminente filósofo Carl R. Rogers, o auto-conhecimento anuncia “a emergência do

comprometimento” no sentido de que “o mal de nossa época é a falta de propósito, a falta de

significado, a falta de comprometimento por parte dos indivíduos.

A grande e oportuníssima proposta da Bienal Latino-Americana é essa: a da reflexão sobre a

identidade cultural deste Terceiro Mundo, termo eurocentrista que designa povos de cultura

subjugadas.

MITOS E MAGIA

A Bienal, no entanto, arrisca-se corajosamente quando propõe para a discussão latino-

americana duas grandes abordagens do comportamento humano que giram em torno de Mitos

e Magia – vejam, dois temas abrangentes, complexos, ricos (pois, pois) porque ainda não

serviram de instrumento para qualquer tipo de sustentação ou justificativa cultural, cá neste

terceiro mundo.

Esta Bienal Latino Americana, propõe portanto para a discussão dois aspectos da cultura,

Mito e Magia; e como a Bienal está aberta, como necessita da polêmica para existir (porque

está implícito no Regulamento a precisão de gente para discutir o problema proposto) e

finalmente, como o questionamento se centra na cultura contemporânea, infere-se, com a

maior facilidade do mundo, que o comprometimento da intelectualidade será a própria Bienal

Latino Americana.

“Uma das acusações mais gloriosas, para alguns de nós, é aquela que se refere ao incitamento,

isto é, incitar a intelectualidade cultural”.

“Se no encerramento da Bienal tivermos conseguido alinhavar, por escrito, algumas pequenas

dúvidas a respeito da colocação proposta por ela, VIVA. Isto significa que teremos semeado o

grão necessário para posterior reflexão sobre o papel da cultura Latino-Americana e afinal

sobre o HOMEM latino-americano, porque a arte é uma das manifestações da indagação

humana”.

Conforme o artigo do critico de Arte Frederico Morais, Bienal: a política do fato consumado,

publicado pelo jornal O Globo – Artes Plásticas - Rio de Janeiro, 05 de abril de 1978.

(Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de São Paulo).

“Mitos e Magia”, contra o qual muitos já se insurgem. Na sua generalidade e vaguidão,

afirmam, tudo cabe e tudo se exclui. Sempre fui a favor de um tema ou linha temática, pois

me parece que um dos problemas mais graves da Bienal e de outras mostras congêneres é a

falta de definições, de precisões, de um ponto de vista claro sobre as coisas. É ilusão pretender

colocar todas as questões da América Latina (O Brasil inclusive) logo de saída, numa primeira

e improvisada Bienal latino-americana.

Page 132: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 132

Apenas quorum para as decisões já tomadas.

A Bienal tem seu conselho de arte e cultura. É de se supor que cabe a este Conselho não

apenas formular as diretrizes da política cultural da Bienal, e no caso específico da bienal

latino-americana, definir o tema, as atividades paralelas, de caráter didático, redigir o

regulamento, manter contatos com entidades dentro e fora do país, convidar artistas, (para a

mostra) e críticos e especialistas (para o simpósio) etc. Para isso existe o Conselho, para isso

recebem honorários seus integrantes. No entanto, tais tarefas foram transferidas para os

“participantes” da convenção do próximo sábado. O que será, na prática impossível. A

conclusão não pode ser outra, o objetivo do encontro não é dialogar, mas oferecer quorum a

decisões já tomadas.

Na entrevista concedida e publicada pelo jornal Correio do Povo. Porto Alegre – Rio Grande

do Sul, de 08 de abril de 1978. Com o título: Jacob Klintovicz acredita que o papel da crítica

é entender obra.

“No que se refere ao desenvolvimento global da arte, (...) Hoje vivemos aspectos de um país

muito grande, opondo-se a aspectos de um país muito grande, opondo-se a aspectos de um

país ainda muito pequeno. As artes refletem”, conclui, “a situação total do país, onde há uma

censura medieval, onde não temos ainda uma indústria cultural, e onde vivemos socialmente

um quadro de contrastes, e onde, como já disse, os órgãos culturais não são dirigidos por

homens de cultura, mas por políticos.

A Fundação Bienal de São Paulo, edita carta resultado da reunião convocada para os dias 08 e

09 de abril com seguinte conteúdo na íntegra. São Paulo, 09 de abril de 1978. (Arquivo

Multimeios, (PL 646) – SMC – PMSP).

O Grupo de Trabalho incumbido de decidir o Capítulo DAS MANIFESTAÇÕES, Seção A,

do Regulamento da I Bienal Latino-Americana, aprovou o seguinte projeto, também aprovado

pelo plenário, reunido em 9 de abril do corrente ano, na sede da Fundação Bienal de São

Paulo.

I. A representação brasileira à Bienal Latino-Americana terá caráter basicamente plástico-

visual, no que se refere à Seção A – DAS MANIFESTAÇÕES.

II. Deverá ser criado um grupo de coordenação, polivalente e consultivo, com atuação junto

ao Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo e grupos regionais com o

mesmo caráter polivalente e consultivo, escolhidos por áreas geográficas, responsáveis pelo

levantamento e remessa do material.

III. Da formação dos grupos – os grupos regionais serão escolhidos por indicação do

Conselho de Arte e Cultura, em comum acordo com o grupo de coordenação.

IV. Ao Conselho de Arte e Cultura e ao grupo de coordenação caberá a avaliação e

agrupamento do material remetido, de acordo com as quatro origens especificadas no Artigo

2º do Regulamento da I Bienal Latino-Americana.

Os grupos regionais terão por função o levantamento das manifestações, através de contatos

e indicações de artistas, grupos e entidades, sendo ainda incumbidos de remessa da

representação regional.

V. Sugerimos à Direção da Fundação Bienal de São Paulo o envio de um ou mais

representantes delegados para as avaliações do trabalho dos grupos regionais.

Assinatura dos elementos presentes ao plenário, cujo voto foi favorável ao presente projeto:

Page 133: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 133

A Fundação Bienal de São Paulo edita carta de agradecimento aos especialistas convidados

para a reunião que se realizaria nos dias 08 e 09 de abril de 1978, com o seguinte conteúdo na

íntegra. São Paulo, s/d. (Arquivo Multimeios, (PL 647) – SMC – PMSP).

Agradecemos antecipadamente a publicação da seguinte notícia: Bienal convida especialistas

Com o objetivo de obter subsídios para selecionar os artistas nacionais que participarão da I

Bienal Latino-Americana, dentro da proposta “Mitos e Magia”, conforme os elementos

visuais sejam de origem indígena, africana, euro-asiática ou de mestiçagem cultural, além de

obter uma extensa lista de entidades culturais da América Latina com as quais a Fundação

Bienal de São Paulo deve entrar em contato para a realização dessa mostra e para a indicação

de nomes ao Simpósio. O Conselho de Arte e Cultura, de comum acordo com a diretoria da

Fundação Bienal de São Paulo, convidou especialistas em diferentes campos, para um

encontro nos dias 8 e 9, período integral, com a finalidade de discutir exaustivamente a

relação de artistas brasileiros que já tenham realizado um percurso de conformidade com a

proposição citada.

Das listas apresentadas e discutidas sairão os nomes da representação brasileira, que será

realizada e assim definida por convites e não mais por inscrição. Conforme regulamento não

haverá também premiação nessa I Bienal Latino-Americana.

Relação de convidados para a reunião de 8 e 9 de abril de 1978.

1) Aline Figueiredo, 2) Ana Letícia Quadros, 3) Antonio Porro, 4) Aracy Amaral, 5)

Arcângelo Ianelli, 6) Bené Fonteles, 7) Benedito Lima de Toledo, 8) Carlos Von Schmidt, 9)

Carmem Portinho, 10) Casemiro de Mendonça, 11) Clarival do Prado Valladares, 12) Cláudia

Andujar, 13) Cláudio Villas Boas, 14) Eduardo de Oliveira, 15) Ênio Marques Ferreira, 16)

Faya Ostrower, 17) Francisco Bittencourt, 18) Fernando Mourão, 19) Frederico de Morais,

20) Geraldo Ferraz, 21) Gilda Seráfico, 22) Giselda Leirner, 23) Glauber Rocha, 24) Hélcio

Saraiva, 25) Hugo Auler, 26) João Cândido M. G. Barros, 27) João das Neves, 28) José Alves

Antunes, 29) Leo Gilson Ribeiro, 30) Lina Bo Bardi, 31) Lívio Abramo, 32) Lúcio Costa, 33)

Luiz Paulo Baravelli, 34) Maria Eugênia Franco, 35) Mário Chamie, 36) Mário Pedrosa, 37)

Maureen Bisiliat, 38) Maurício Kubrusly, 39) Mino Carta, 40) Miriam Paglia Costa, 41)

Mozart Camargo Guarnieri, 42) Nelson Pereira dos Santos, 43) Norah Beltran, 44) Olívio

Tavares de Araújo, 45) Orlando Villas Boas, 46) Oscar Niemeyer, 47) Paolo Maranca, 48)

Paulo Duarte, 49) Paulo Mendes de Almeida, 50) Pietro Maria Bardi, 51) Radhá Abramo, 52)

Renina Katz, 53) Roberto Pontual, 54) Roberto Schnorrenberger, 55) Rossini Tavares de

Lima, 56) Rubens Gershman, 57) Sábato Magaldi, 58) Sheila Leirner, 59) Ubirajara Ribeiro,

60) Ulpiano Bezerra de Menezes, 61) Walter Zanini, 62) Willy Correia de Oliveira, 63)

Wolfgang Pfeiffer, 64) Zélio Alves Pinto, 65) Iazid Thome.

Conforme o artigo, I Bienal Latino-Americana – Vai haver consenso? Publicado pelo jornal

Folha de S. Paulo, 09 de abril de 1978. (Arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São

Paulo e Acervo Mariza Bertoli). Neste artigo contém o depoimento de sete artistas e críticos.

Para essa discussão, a Fundação Bienal endereçou carta-convite a 60 personalidades, das mais

diferentes áreas culturais ... Esta reunião visa a obter dos convidados a indicação dos

nomes dos artistas brasileiros que participarão (se aceitarem a indicação), das entidades

latino-americanas e extracontinentais que por sua vez indicarão, em seus respectivos países,

os artistas que deverão estar presentes e de elementos que integrarão o corpo de

conferencistas para o Simpósio que transcorrerá paralelamente.

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Anexo I 134

Tanto o tema “Mitos e Magia” quanto o próprio Regulamento serão inevitavelmente

massacrados de um lado e defendido de outro, num grande bate-boca, tornando extremamente

difícil um consenso, tal a heterogeneidade das pessoas presentes em gênero, grau, número,

cor, sabor e aroma.

O encontro – a que certamente não comparecerá grande número – quer publicamente obter o

aval de nomes respeitáveis, cujas opiniões, entretanto, nada valem porque não serão

aproveitadas. A eles será dado o abacaxi para descascar.

Opinião de Thomaz Ianelli: Tema correto.

“Mitos e Magia”: o tema escolhido e proposto parece-nos, a primeira vista, correto, e que

deverá funcionar como introdução à obra. Não podemos, todavia, desconhecer a ampla

extensão que o título sugere. Muita coisa poderá ser considerada ou enquadrada, inclusive

tendências diversificadas, o que talvez já deixaria de obedecer à risca ao tema, tornando-o

quase livre, automaticamente.

Opinião de Otávio Araújo: Tema pouco feliz.

“Mitos e Magia” se prestaria, a meu ver, mais para um simpósio que reunisse críticos de arte,

sociólogos, antropólogos, filósofos e psicólogos para analisar e debater as reflexões, as idéias,

as propostas e as conclusões que o tema possa sugerir e desencadear.

“Quando a servir de pretexto para realizar uma Bienal de Arte Latino-Americana, já me

parece pouco feliz, pois deixaria de lado os chamados artistas não figurativos e muitos outros

que os organizadores e mais a comissão encarregada de formular os convites, julgarem

divorciados daquilo que eles entendem por “Mitos e Magia”.

Além de tudo isso, o título ou tema, é genérico, um tanto vago, pouco específico, dando

margem a mil interpretações. E a gente fica sem saber quem se enquadra e quem está fora dos

conceitos propostos para essa Bienal”.

Opinião de Lúcia Fleury: Um passo corajoso.

“Pessoalmente acho que a Bienal deu um corajoso passo à frente, impondo condições.

Pela primeira vez ela livrou-se de um paternalismo histórico, de ter de aceitar bons artistas

porque são bons artistas curricularmente, aprovadíssimos, mas cuja obra atual, aprovada e

consumida, nada de novo acrescenta.

“Por isso, acho inteiramente válida a proposta “Mitos e Magia” que de resto vem tocar em

veias profundas e comuns a este continente.

Opinião de Nicolas Vlavianos: Bienal desacreditada.

“Parece-me que a comissão, ao elaborar o regulamento com os tais temas, assumiu uma

posição equivocada, pelas seguintes razões:

“1º - Institui uma divisão arbitrária, não condizente com as artes plásticas dando ênfase ao

conteúdo e esquecendo a forma – linguagem”.

“2º - Estabelece uma limitação artificial da produção cultural e artística, do meio latino-

americano”.

Mas a inadequação maior, ao escolher este procedimento, é em relação à própria dinâmica do

movimento plástico.

Page 135: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 135

Acredito que a proposição básica de uma Bienal de Artes Plásticas, seria de pôr em discussão,

a produção cultural – artística do meio, hoje e em torno dessa realidade, construir sua

temática.

Ignorando a presença de forças atuantes e conflitantes, no corpo artístico latino-americano, e

escolhendo a priori, não os mais criativos mais contemporâneos, movimentos ou artistas, mas,

os que se enquadram, bem ou mal, na temática escolhida, a Bienal exclui uma grande parte da

arte e suas tendências de hoje, isolando-se e isolando a parcela dos artistas que não pratica tal

temática.

A Bienal, já desacreditada junto a grande maioria dos artistas, aumenta seu distanciamento,

criando barreiras, para a produção cultural do meio e aumentando a confusão, através de

propostas impertinentes ao desenvolvimento plástico da nossa época.

Acredito que a Bienal teve uma participação decisiva na formação da arte contemporânea

brasileira. E é melancólico constatar que hoje, não consegue sensibilizar o meio artístico do

país.

Opinião de Norha Beltran: Problemas econômicos.

Vejo-me na contingência de discordar pelos seguintes motivos: O artigo 1º do Regulamento

da I Bienal diz textualmente: “A Bienal Latino-Americana surge para indagar os principais

denominadores comuns de nossos comportamentos visuais. Como resultado de pesquisa e

análise das diferentes possibilidades de promover o reconhecimento de nossas identidades

etc., etc.

Não se pode fazer investigações de denominadores comuns sem ter uma oportunidade de

aglutinar em sua totalidade, ou pelo menos em grande parte, todas as manifestações de caráter

artístico-visual que estão sendo realizadas atualmente na América Latina.

A Bolívia é um país de economia periférica, portanto, não dispõe de condições necessárias

para o envio de vídeos, cinema etc., sendo também impossível o envio de arte pré-

colombiana, como me foi sugerido. Esta é a realidade da América Latina que não foi

considerada.

Para terminar, sinto que as palavras “Mitos e Magia” estão sendo manipuladas, dado que elas,

por seu caráter abstrato, permite sua mistificação, diferenciando a interpretação de pessoa

para pessoa.

Opinião de Iracema Arditi: Dirigida à elite.

Parece-me que uma Bienal nos moldes da 1ª Latino-Americana, mais dirigida para uma elite

minoritária, de forma alguma poderá atingir padrões de interesse público. Quando digo

público, digo massa. Essa Bienal já está moldada em intelectualismo pretensioso, pouco

liberal, repito considerando a imposição de temas dentro da criatividade.

Mitos e Magia diz muito e não explica nada. Exemplo: Artigo 3 do Regulamento da 1ª Bienal

Latino-Americana: “Mitos e Magia não deve ser tomado como tema preconcebido para

realizar obras ou fomentar folclorismos, mas sim como promotor da investigação da realidade

cultural existente.

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Anexo I 136

Tais propostas tão ambíguas, tão infinitamente discutíveis, resultarão em reação exatamente

opostas. Teto, chão, espaço vital do Pavilhão da Bienal serão sediados por índios “sob-

medida”, cobras, jacarés, mulatas, candomblés etc.

Não pretendo me dar ao luxo de criticar (palavra medonha), mas sei que tantos outros se

inquietam – no bom sentido do termo – sobre o destino de nossas principais manifestações

artísticas e também se calam por timidez e recato. Recato, algo que só conhece aquele que

acalenta a intimidade do convívio de sua obra.

Opinião de Anésia Pacheco e Chaves: O sexo dos anjos.

Penso que qualquer tema dado a uma exposição, limita suas possibilidades. Tratando-se,

então, de América Latina, não é preciso ser adivinho para imaginar a infinidade de temas que

fatalmente apareceriam.

O artista, creio, deve livremente apresentar trabalhos sobre seus problemas, seu mundo e sua

circunstância, seja qual for, e como ele a vê.

Estou de acordo que se promova debates sobre diversos assuntos propostos da Bienal e “Arte

Mágica” pode ser um dos mais interessantes.

Conforme o artigo, Bienal de São Paulo faz seleção de artistas para Bienal Latino-

Americana, publicado pelo Jornal do Brasil - Rio de Janeiro, 10 de abril de 1978. (Arquivo

Wanda Swevo da Fundação Bienal de São Paulo).

A Fundação Bienal de São Paulo resolveu convidar 64 especialistas de diversas áreas para

discutir nomes de artistas, entidades da América Latina e relação de nomes para a 1ª Bienal

Latino-Americana, dentro da proposta Mitos e Magia.

Das listas apresentadas e discutidas sairá a representação brasileira à 1ª Bienal da América

Latina, de 3 de novembro a 18 de dezembro, não havendo novas inscrições. Conforme o novo

regulamento da mostra internacional, este ano não há também premiação.

Observa-se que da lista de convidados publicada por este jornal, constam seis nomes que não

estão na lista publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 09 de abril de 1978. São eles: Carmem

Portinho, Mário Pedrosa, Maureen Bisilliat, Maurício Kubrusly e Iazid Thomé.

Conforme o artigo da crítica de arte Radha Abramo, Discute-se a I Bienal Latino-Americana.

Publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 10 de abril de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da

Fundação Bienal de São Paulo).

Dos 60 convidados pela fundação Bienal de São Paulo para organizarem a 1ª Bienal Latino-

Americana de São Paulo, apenas 37 compareceram ontem à reunião marcada para a discussão

do regulamento e a indicação dos nomes dos artistas convidados.

Ocorre que foi aprovada a formação de grupos polivalentes, ou seja, grupos compostos por

antropólogos, sociólogos, psicólogos, críticos de arte, arqueólogos, músicos etc., que junto

com as universidades, os artistas e os museus das localidades que indicarem seus

representantes façam um documento no qual definam a reflexão sobre a sua própria

identidade cultural, e aqueles objetos (plásticos, teatrais, musicais) mereçam ser apresentados

na 1ª Bienal Latino-Americana, dentro da representação brasileira.

Page 137: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 137

Carlos Von Schmidt, Bezerra de Menezes, Francisco Bittencourt, Sheila Leirner, Aline

Figueiredo e outros não só colocaram em pauta o problema da descentralização das indicações

no capítulo das manifestações como discutiram a respeito da inscrição livre dos artistas à

Bienal, visto que pelo regulamento atual o artista não pode se inscrever diretamente mas por

aqueles especialistas que o Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo

indica.

Conforme o artigo do critico de Arte Roberto Pontual, Encontros e Desencontros, publicado

pelo Jornal do Brasil - Rio de Janeiro, 10 de abril de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da

Fundação Bienal de São Paulo).

(...) Um encontro convocado pela Fundação Bienal de São Paulo para tratar da 1ª Bienal

Latino-Americana, (...) objetivos básicos do encontro: a) indicação da participação brasileira

na 1ª Bienal Latino-Americana; b) indicação de entidades latino-americanas (e

extracontinentais) a serem contatada para a realização da referida mostra, e c) indicação dos

elementos a participarem do Simpósio que, na mesma ocasião, a acompanhará.

Tudo bem. A vontade de tornar o confronto interdisciplinar é saudavelmente oportuna. O

problema consiste em que o encaminhamento dessa 1ª Bienal Latino-Americana já está

demonstrando os velhos defeitos típicos da estrutura que a sustenta – a desorientação, o

desempenho ambíguo, o método saco-de-gatos que nunca a abandonaram de todo, por falta de

nascença. O último encontro serve de exemplo claro para isto – como mostrou Frederico

Morais num incisivo artigo da semana passada. Eu mesmo, que havia saudado os primeiros

passos da Bienal Latino-Americana com algum otimismo, tive que restringir o crédito de

confiança que lhe dera ao receber e transcrever aqui o esclarecimento de Aracy Amaral,

revoltada com a maneira pela qual a Fundação paulista a envolvera numa pretensa assessoria

para a elaboração do Regulamento da mostra. O fato é que a Bienal continua preferindo o

jogo duplo. Não é convocando 60 pessoas de diferentes áreas para um encontro de fim de

semana que vai conseguir dar maior amplitude ao evento. Apenas obterá um aval apressado,

sem convicção, fruto de debates e de acordos de superfície. Mais uma vez, a tática da média,

só que agora habilmente interessada em somar com um número maior de parcelas, para

garantir-se melhor.

O mais provável é que o encontro de anteontem e ontem haja servido sobretudo para ratificar

opções e posições predeterminadas sem a audiência dos que a ele foram convocados. A

atitude está longe de ser profissional.

Conforme o artigo, I Bienal Latino-Americana, publicado pelo jornal Correio do povo. Porto

Alegre, 11 de abril de 1978.

A Fundação Bienal de São Paulo com o objetivo de selecionar os artistas nacionais para a I

Bienal Latino-Americana, dentro da proposta “mitos e magia”, resolveu convidar 64

especialistas de diversas áreas para discutir nomes de artistas, entidades da América Latina

que devam ser contadas e relação de nomes para o simpósio.

Das listas apresentadas e discutidas sairá, assim, a representação brasileira à I Bienal Latino-

Americana que se realizará de 3 de novembro a 18 de dezembro, não havendo mais

inscrições. Conforme o novo regulamento da mostra internacional, não haverá também

premiação.

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Anexo I 138

A relação geral dos convidados abrange as áreas de antropologia, sociologia, arquitetura,

cinema, teatro, balé, música erudita e popular, além de artistas e críticos de artes visuais.

Conforme o artigo, Ausência que não é omissão, de Hugo Auler. Publicado pelo jornal

Correio Braziliense – Artes Visuais. Brasília, DF. - 11 de abril de 1978. (Arquivo Wanda

Swevo da Fundação Bienal de São Paulo).

Surpreendentemente no dia 31 do último mês, recebemos uma carta do nosso amigo Doutor

Luiz Rodrigues Alves, Presidente da Fundação Bienal de São Paulo. (...) honrava-nos com um

convite para que participássemos de trabalho, cujo local foi a sede daquela instituição, no

Pavilhão Engenheiro Armando Arruda Pereira, no Parque Ibirapuera, e para o que nos

oferecia hospedagem em um dos grandes hotéis de São Paulo e passagens de avião. A rigor,

estaríamos na obrigação de atender ao convite tanto mais quanto a respectiva formulação

estaria a demonstrar formalmente o interesse pela nossa colaboração. Acontece, entretanto,

que, a partir da XIV Bienal Internacional de São Paulo, quando o Conselho de Arte e Cultura

da Fundação Bienal de São Paulo impôs e tornou pública a sua filosofia niilista dirigida no

sentido da abolição dos termos obra de arte e artista criador, da negação total de todos os

valores estéticos e da subversão axiológica dos valores individuais, a ponto de afirmar que

doravante os espaços das Bienais ficariam reservados, não mais à consagração de obras de

arte afirmada mas à apresentação de experimentações, fomos obrigados a tomar, também de

público, nesta coluna de artes visuais, e mantê-la em qualquer lugar ou situação, uma posição

frontalmente contrária àquela heteróclita decisão. Apoiamo-lo, todavia, induzidos a erro,

quando nos deram notícia e conta de que o mesmo Conselho de Arte e Cultura havia recuado,

curvando-se à força de nossos argumentos, no momento em que elaborava o Regulamento da

I Bienal Latino-Americana de São Paulo. Mas logo retiramos o nosso apoio a partir do

instante em que recebemos, lemos e analisamos uma xerocópia da citada regulamentação,

com o adendo de que o documento se revestia de autenticidade, e verificamos que, em suas

ambíguas e vagas disposições, em suas linhas e entrelinhas, estava mantida aquela filosofia

negativista e eram reveladas uma errônea colocação do tema, envolvendo mitos e magias, e

uma equívoca aplicação dos princípios que subsumem a obra de arte e o artista criador aos

processos histórico, antropossociológico, artístico e cultural. E mais uma vez demonstramos

os erros e os equívocos em que se debatia o Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal

de São Paulo. Ademais, dois dias após a recepção do convite que nos foi feito e formalizado

pessoalmente pelo Presidente da Fundação Bienal de São Paulo, tivemos conhecimento de

que membros daquele órgão consultivo e normativo dessa instituição, já estariam convidando

artistas pátrios para que integrassem a nossa representação, bem como contatando entidades

estrangeiras e formulando convites a artistas de outras nações para que participassem da I

Bienal Latino-Americana.

(...) Nessas condições, a nossa presença em tal simpósio preliminar seria frustânea e inútil

porque iria enfrentar fatos consumados parcial ou totalmente, formando apenas o quorum

para a respectiva homologação, da qual participaríamos necessariamente porque estaríamos

integrando, posto transitoriamente, um colegiado, e, dificilmente, seriam tornadas do domínio

público as nossas decisões em contrária. Assiste-nos o direito de negar o nosso respaldo a

quaisquer atos e deliberações do Conselho de Arte e Cultura, mormente quando eles resultam

de uma filosofia, de uma regulamentação e de uma interpretação em conflito com a nossa

posição, os nossos princípios e as nossas idéias.

Mas a nossa ausência não poderá ser tida como omissão, porque nunca fomos, não somos,

nem seremos jamais omissos em qualquer função que já exercemos, que estamos exercendo

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Anexo I 139

ou possamos vir a exercer. Temos apontado os erros, os equívocos e as omissões em que

labora o Conselho de Arte e Cultura, e apresentado sugestões para que eles sejam corrigidos,

sanados e supridos. A nós, pare-nos que, na leitura freqüente desta coluna de artes visuais,

esse órgão da Fundação Bienal de São Paulo, tem tido a nossa participação, quando

divergimos em alta temperatura de suas resoluções.

Conforme o artigo da crítica de arte Radha Abramo, Descentralização da burocracia cultural

– Primeira vitória da Bienal Latino-Americana. Publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 10

de abril de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de São Paulo).

Dos sessenta convidados para discutirem, nos dias 8 e 9 passados, a seguinte pauta: a –

indicação da participação brasileira na I Bienal Latino-Americana; b – indicação de entidades

latino-americanas e (extra-continentais) a serem contatadas para a realização da mesma e; c –

indicação dos convidados ao Simpósio, apenas vinte e três compareceram ao Pavilhão

Armando de Arruda Pereira. A pauta sugerida foi alterada pelos presentes, pois na abertura

dos trabalhos, dia 8, pela manhã, levantou-se uma questão: a de que o intelectual não tem

condições materiais de mencionar sequer pessoas ou entidades em âmbito nacional. Em

consenso e pela auto-crítica pública, aberta, conclui-se que o intelectual parcialmente domina

o movimento cultural dos centros mais desenvolvidos do país.

Dos outros estados do Brasil apenas compareceram ao encontro promovido pela Bienal: Aline

Figueiredo, de Cuiabá, Mato Grosso, Bené Fontenelles, da Bahia, residente em Brasília; Enio

Marques Ferreira, do Paraná, e Carmem Portinho e Francisco Bittencourt do Rio; Lívio

Abramo do Paraguai; e Norah Beltran, da Bolívia. A esmagadora maioria dos presentes de

São Paulo; leve-se em conta que estes representavam 10% dos convidados.

A mesa formada pelo Presidente da Bienal de São Paulo, dr. Luiz Rodrigues Alves e o

Conselho de Arte e Cultura aprovou a moção proposta pelo plenário sobre a organização de

grupos de trabalho que discutiriam o temário da reunião, uma vez que a maioria dos presentes

se negou indicar nomes ou instituições a serem contatadas para a realização da Bienal Latino-

Americana.

Conforme a entrevista com Carlos Von Schmidt, publicada com o título Soluções de caráter

suplementar. Do Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de São Paulo.

Carlos Von Schmidt, diretor do Museu de Arte Brasileira da FAAP, que esteve presente à

reunião promovida pela Fundação Bienal, disse à editoração do caderno Artes Visuais que nas

reuniõe de 8 e 9 últimos, sentiu-se uma abertura da parte da Bienal, querendo estabelecer um

diálogo com a inteligência brasileira.

Segundo Carlos Von Schmidt foram informados – disse – personalidades de maior

importância e significação, como Darcy Ribeiro, Mário Pedrosa, Ferreira Gullar, Cláudio

Villas Boas, Leo Gilson Ribeiro, Márcio de Sousa, Oscar Niemeyer, Antônio Callado,

Glauber Rocha, Lina Bo Bardi, Pietro Maia Bardi, Roberto Pontual, Aracy Amaral e tantos

outros foram convidados a participar das reuniões. Lamentavelmente não tivemos a presença

dessas personalidades que sem dúvida, teriam contribuído com a sua experiência e

reconhecido saber para outras soluções.

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Anexo I 140

Sabíamos – prossegue Carlos Von Schimidt – que estas soluções somente poderiam ser de

caráter suplementar, uma vez que deparamos com um fato consumado: a existência de um

regulamento elaborado, aprovado e divulgado antes da convocação para as reuniões naqueles

dois dias.

Como é sabido, fomos convocados, através de um convite, para a indicação da participação

brasileira à I Bienal Latino-Americana e também para a indicação de entidades de nosso

continente e extra-continente a serem contatados para a organização da Bienal em pauta. E

também para a indicação dos participantes do Simpósio que se realizará paralelamente.

Conforme o artigo, A arte visual latino-americana em processo. De Alberto Beuttenmüller,

publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo – Suplemento Cultural -, em 14 de maio de 1978.

Convidado pela Fundação Bienal de São Paulo para compor um grupo de trabalho com o

Conselho de Arte e Cultura, daquela entidade, visando ao regulamento da I Bienal Latino-

Americana, que será realizada de 3 de novembro a 17 de dezembro, o crítico peruano Juan

Acha, hoje radicado no México, manteve com este redator discussões constantes durante sua

estada em São Paulo de quase uma semana. Trabalhando em regime de tempo integral, no

prédio da Bienal, juntamente com a critica argentina, Silvia Ambrosini, o especialista colocou

diversas questões primordiais para a percepção do produto artístico do chamado terceiro

mundo latino.

Ao comentar sobre Arte latino-americana Juan Acha diz:

O problema já foi fartamente explorado, inclusive com ironia, se, de fato, existe uma arte

latino-americana ou não. A resposta vem fulminante: “Eu gostaria de chamar a atenção da

crítica latino-americana para o fato de que muitos pensam que somos folclóricos. Esse

folclorismo, que nos imputam, é resultado do pensamento colonizador europeu que, assim,

justificam a nossa cultura primitiva para poderem impor sua própria cultura. Por isso mesmo,

não conseguimos obter uma arte latino-americana, que realmente não existe, mas estamos em

processo de consegui-la, um dia. No campo cultural e artístico deu-se quase o mesmo que na

indústria – o europeu comprava-nos a matéria prima e devolvia-nos o produto manufaturado.

Ao contrário, o artista latino-americano importava o modelo e, depois: convertia-o em

produto artístico transformado. Com o passar do tempo, já se podia ver nessa transformação

alguns elementos visuais que já não pertenciam à cultura européia, mas era resultado de uma

mestiçagem cultural. O que nos importa agora é investigar esses denominadores comuns e

criar as técnicas necessárias a uma identificação, somatória de nossa cultura com a cultura de

fora.

Alguns críticos brasileiros julgam que em um regulamento se deva definir o que vem a ser

arte latino-americana e sua proposta “Mitos e Magia”, mas um problema complexo como esse

só poderá ser discutido em nível de um Simpósio, jamais participar de um regulamento, ao

mesmo tempo sintético e amplo. Por isso, o crítico Juan Acha acredita que é necessário olhar

as obras de arte desse lado da América com outros olhos, sem a utilização das regras,

postulados e axiomas europeus ou norte-americanos, e, se possível, sem a própria utilização

de meios estetizantes, pois a Estética não é o fulcro dessa análise, mas sim a procura de uma

identidade cultural e artística, a partir de determinantes sociais que nos colocam todos como

irmãos, embora ainda profundamente desconhecidos entre si. Juan Acha observa também “a

ausência de teoria crítica sobre a arte latino-americana, ocasionando falta de leitura dos

nossos principais artistas e muita confusão com as culturas dominantes – principalmente

européias – dominação que já dura cerca de quatro séculos, impedindo assim a chamada

Page 141: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 141

identidade da América Latina no campo das artes visuais, e que começa a ser procurada por

artistas, críticos, teóricos e historiadores de arte”.

Por falta de informação, alguns críticos brasileiros afirmaram que Juan Acha não participou

do regulamento da Bienal Latino-Americana. Ele próprio foi um dos artífices principais, pois

quando chegou, a Bienal só possuía a proposta “Mitos e Magia”, assim mesmo para pôr em

discussão. Acontece que o próprio Juan Acha, entre suas propostas, possuía a de “Mitos e

Magia”, sendo assim a escolhida.

Conforme a carta da Assessoria de Imprensa da Fundação Bienal de São Paulo, de 17 de maio

de 1978, com seguinte conteúdo na íntegra – Agradecemos a divulgação: (Arquivo

Multimeios, (PL 648) – SMC – PMSP.)

Mitos e Magia: Atenção!

Dia 17 do corrente o Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo reuniu-se,

e entre as decisões tomadas, deliberou que todos os artistas, críticos de arte, historiadores de

arte, antropólogos, sociólogos, psicólogos e todos aqueles que estiverem trabalhando com o

tema Mitos e Magia, poderão apresentar seus trabalhos e pesquisas ao Conselho para análise,

estudo e eventual participação na I Bienal Latino-Americana, a realizar-se em São Paulo de 3

de novembro a 17 de dezembro de 1978. Para maiores informações dirijam-se à Fundação

Bienal através de correspondência – caixa postal 7832 – ou telefone (011) 275-4390.

CVS/CP

Conforme o artigo, “Mitos e Magia” na I Bienal Latino-Americana de São Paulo. Publicado

pelo jornal Folha de Goiás – Goiânia, 19 de maio de 1978.

Na I Bienal Latino-Americana de São Paulo serão estudados, num sentido mais amplo, os

indígenas – Mitos e Magia derivado da cultura de grupos étnico-culturais; pré-colombianos e

contemporâneos; o africano, Mitos e Magia nos diferentes momentos de transmutação de sua

dinâmica sócio-cultural; o euro-asiático, Mitos e Magia resultante de influências européias ou

asiáticas transformadas e integradas à cultura latino-americana; a mestiçagem, Mitos e Magia

recriados, reformulados como geradores de novas formas de criatividade latino-americana.

Cada uma destas fundamentações podem manifestar-se nos elementos visuais seguintes a

saber: Iconográficos, tema personagens, signos e símbolos; Compositivos, de cor, de formas e

espaços, de materiais e texturas, de gestos e rituais.

Serão aceitas todas as linguagens, bem como todas as técnicas e processos que contenham os

elementos mencionados, já que Mitos e Magia não deve ser tomado como tema preconcebido

para realizar obras ou fomentar folclorismos, mas sim como promotor da investigação da

realidade cultural existente.

A inscrição das obras será fundamentada no ponto de vista histórico, sociológico ou

antropológico quanto ao seu conteúdo mágico ou mítico, a fim de se apoiar a investigação que

é meta principal desta Bienal Latino-Americana.

Conforme o artigo, Abertas inscrições para a I Bienal Latino-Americana, de Orlando Carlos

Brasil. Publicado pelo jornal Folha da Manhã. Porto Alegre – Rio Grande do Sul, 24 de maio

de 1978.

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Anexo I 142

O Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo reuniu-se recentemente e,

entre as decisões tomadas, deliberou que os artistas, críticos de arte, historiadores de arte,

antropólogos, sociólogos, psicólogos e todos aqueles que estiverem trabalhando com o tema

Mitos e Magia, poderão apresentar até o dia primeiro de setembro seus trabalhos e pesquisas

ao Conselho para análise, estudos e eventual participação na I Bienal Latino-Americana, a

realizar-se em São Paulo de três de novembro a 17 de dezembro de 1978.

Mitos e Magia é a proposição pelo Conselho da Bienal para o primeiro evento latino-

americano nas áreas das manifestações, da documentação e do simpósio. Ela surge, de acordo

com o regulamento que está sendo distribuído, para indagar os principais denominadores

comuns de nossos comportamentos visuais. Os participantes brasileiros serão indicados pelo

Conselho de Arte e Cultura, assessorado por especialistas, e os estrangeiros, através de

convites de entidades competentes de cada país.

Conforme o artigo da crítica de arte Radha Abramo, Bienal, uma mostra da cultura latina.

Publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 06 de junho de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da

Fundação Bienal de São Paulo).

A Bienal Latino-Americana, a realizar-se em novembro não têm procedimentos ortodoxos; ou

seja, não tem o caráter específico de exposição de imagens. Trata-se de uma Bienal de

pesquisa, de uma grande mostra que refletirá o nível e a universalidade de sentir e de ver do

continente sul americano. A Bienal será o discurso dos povos que atuam culturalmente nesta

vasta área enfeixada por dois oceanos. Mostrará as forças vivas do pensamento condutor do

comportamento de milhares de homens que são a relação de culturas próprias dos antigos

donos da terra e daqueles que aqui se radicaram para a colonização territorial e econômica.

A Bienal Latino-Americana criará para o país um suculento laboratório de pesquisa que

permitirá observar e verificar os componentes da identidade cultural dos povos participantes.

Trata-se de um campo de pesquisa inédito, visto que é a primeira vez que se processa o

levantamento de Mitos e Magia formadores e sustentadores da arte latino-americana.

Para tal empresa é preciso, no entanto, que a intelectualidade brasileira e os artistas se

movimentem, participem da construção desse fertilíssimo laboratório.

Esta não é a vez de boicotar a Bienal. Esta é a vez de influir na sua política cultural. (...) É

dentro da Bienal que se deve questionar tudo – se ela desempenha ou não seu papel cultural e

se esta que se propõe ser uma pesquisa trará algum proveito sócio-cultural. A avaliação, no

entanto, somente se fará no processo de trabalho coletivo e na disseminação da informação

obtida.

O projeto da Bienal Latino Americana se reportará à cultura de povos de níveis e padrões

semelhantes e esta é uma bela oportunidade para especialistas fechados nos seus laboratórios,

sejam eles artistas, intelectuais liberais ou professores universitários redistribuírem de forma

mais coerente – por exemplo, na Bienal porque suas portas estão abertas ao visitante de todas

as classes – a renda cultural sonegada nestes anos.

Uma forma possível de redistribuição dos meios de produção cultural é participar da Bienal.

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Anexo I 143

Conforme o artigo, Por que “Mitos e Magia”? Publicado pelo jornal Folha da Tarde – Artes

Visuais, São Paulo, 03 de agosto de 1978.

(Trechos do artigo, Mitos e Magias na Arte Latino Americana, publicado por Juan Acha no

México em 10 de julho de 1978).

Diante dos muitos protestos de artistas e objeções de alguns críticos em relação ao tema único

– “Mitos e Magia” – da I Bienal Latino-Americana, a ser aberta em São Paulo dia 3 de

novembro próximo, o crítico e professor de arte Juan Acha, coordenador do Simpósio da I

Bienal Latino-Americana, escreveu um artigo, que publicaremos na íntegra:

“O tema Mitos e Magia” da I Bienal Latino-Americana, a inaugurar-se em São Paulo no

próximo dia 3 de novembro, provocou protestos de muitos artistas e objeções de alguns

críticos, cujos argumentos torna-se necessário esclarecer, antes que se tornem destrutivos. Os

artistas, com sua habitual e emotiva espontaneidade, contestam irritados o fato de que a

Bienal tenha um tema. Segundo esses artistas, a Bienal há de ser aberta e ajustada à qualidade

artística, a única – afirmam – que garante uma avaliação do que realmente está acontecendo

no mundo da arte; avaliação que o dever ser a finalidade de toda Bienal. Para eles, em suma, o

tema constitui-se em uma inadmissível imposição, imposição que menospreza sua liberdade.

Hoje, o tema consiste em idéias ou pontos de vista, que respondam a atual necessidade

imperativa de pesquisar a partir das perspectivas da teoria da arte e que proponham novas

indagações à realidade artística, permitindo o reagrupamento das obras. Os reagrupamentos,

por sua vez, possibilitarão o descobrimento dos fios condutores ocultos na sucessão de

rupturas artísticas. (...) ninguém pode duvidar da importância desse novo procedimento de

pesquisa. Sobretudo, em uma América Latina tão carente de conhecimentos sobre sua

realidade artística.

Cabe, pois, concluir e afirmar que se os artistas contestam o tema é porque permanecem

atados a critérios hoje duvidosos, porque supõem egocêntrica e equivocadamente, que o tema

museográfico e da produção são a mesma coisa, ou porque o mito do artista lhes impede de

aceitar a urgência de submeter a arte latino-americana a processos intelectivos. E além do

mais, recusam um tema tão importante como “Mitos e Magia”, que situa o artista em seu

próprio caldo de cultura e que vai ao fundo de nossas preocupações latino-americanistas, para

que daqui nos seja possível deduzir critérios de qualidade artística que respondam a nossa

realidade. (...) Pois bem, a Bienal latino-americana de São Paulo tem um Conselho integrado

por artistas e críticos, que optou pela pesquisa como finalidade e que teria decidido “Mitos e

Magia” como tema I Bienal Latino-Americana, a ser proposto aos assessores que convocaria.

(...) Por outro lado resulta impraticável o que postulam os contestadores: que o tema fosse

decidido em uma reunião de críticos de toda a América Latina, ou daqueles de maior

representatividade. Em princípio é desejável um procedimento assim “democrático”. Mas este

depara-se com insolúveis questões de tempo e dinheiro.

Talvez a falta de interesse no que se refere à teoria da arte ou seu desconhecimento, esteja

impossibilitando tomar consciência de fecundidade de “Mitos e Magia” como tema

museográfico e teórico-artístico.

Conforme o artigo, Mitos e Magia: evolução e conceito. Publicado pelo Jornal do Comércio –

Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1978.

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Anexo I 144

Transcrição das declarações do crítico mexicano Juan Acha, em defesa da escolha do tema da

próxima Bienal Latino-Americana de São Paulo:

“Se foi escolhido um bom tema, que importa o procedimento, que importa o procedimento

usual para escolhê-lo? Na maioria, as críticas centralizam-se em pessoas, instituições e

prestígios e não despertariam maiores atenções, se critérios próprios dos historiadores de arte

e dos críticos, que ainda predominam em nossos meios artísticos e que fazem essas críticas,

não estivessem impedindo, sem intenção de fazê-lo a teorização de nossa arte. Teorização

essa que hoje deverá estar acima do historicismo e das críticas que fazem segundo teorias

importadas. Talvez a falta de interesse no que se refere à teoria da arte ou seu

desconhecimento, esteja impossibilitando de tomar consciência da fecundidade de “Mitos e

Magia” como tema museográfico e teórico-artístico. (...) A arte reflete o homem.

Consequentemente o artista latino-americano imprimirá, de alguma forma, o nosso coletivo

em suas obras. Partindo desse premissa, falamos, durante muito tempo, de nossa identidade e

de nossa necessidade de reconhecê-la, assim como dos denominadores comuns de nossa

sensibilidade particular e, portanto, de estudar nas próprias obras nossos elementos míticos e

mágicos, para discutir sua procedência e como e porque estamos transformando-os. (...) Todo

homem, coletividade ou cultura, realiza um constante processo de mitificação e paralelamente

desmistifica, uma vez que os mitos envelhecem, mudam e desaparecem, enquanto novos vão

surgindo. Por isso nos interessará o processo de nossos mitos, mais do que os próprios mitos;

processo que é o de nossa mestiçagem, criadora e transformadora. Assim sendo

centralizaremos nossa atenção nos grupos de obras (não nos artistas isoladamente), para

indagar o que essas obras revelam de nosso substrato mítico e como o transformam.

Recuperemos assim os conceitos de mitos e magia e revalidaremos nossa mestiçagem”.

Conforme carta da Assessoria de Imprensa, Rádio e Televisão da Fundação Bienal de São

Paulo, destinada a Maria E. Franco, de 23 de agosto de 1978, com o seguinte conteúdo na

íntegra: (Arquivo Multimeios, (PL 650) – SMC – PMSP).

Concurso do cartaz – O Júri

A Diretoria Executiva e o Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo

comunicam que já constituíram o Júri de Seleção e premiação para o Concurso do Cartaz da I

Bienal Latino-Americana a ser inaugurada dia 3 de novembro. Integram o Júri:

Carmem Portinho (programadora visual), Alexandre Wollner (designer e programador visual),

Alex Perissinoto (publicitário), Ana Letycia (artista plástica) e Jacob Klintowitz (crítico de

arte).

Ao projeto selecionado será atribuído o prêmio Indústrias Villares, no valor de Cr$ 40.000,00

(quarenta mil cruzeiros).

O Júri reunir-se-á dia 1º de setembro e fará a seleção e a premiação que divulgará a I Bienal

Latino-Americana de São Paulo.

CVS/LMM

Conforme o artigo, Estado participará da Fundação Bienal, publicado pelo jornal Folha da

Tarde, com o mesmo título foi publicado pelo jornal O Dia. Assim como, com o mesmo

Page 145: i UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA PÓS

Anexo I 145

conteúdo, foi publicado com o título, Governo do Estado também contribuirá com a Bienal,

pelo jornal Diário de S. Paulo, 23 de agosto de 1978.

Através da Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, o Governo do Estado terá

participação financeira na Fundação Bienal de São Paulo, contribuindo com a mesma

importância fixada para a o Município, em convênio celebrado em 21 de junho de 1974, no

valor de 1 milhão e 500 mil cruzeiros, reajustáveis a cada exercício.

Tendo em vista a colaboração do Estado nas atividades culturais da instituição, o prefeito

Olavo Setúbal enviou à Câmara projeto de lei reformulando a cláusula III daquele acordo, já

que a partir da aprovação deste diploma legal, não somente elementos indicados pela

Prefeitura devem participar dos cargos da diretoria da Fundação Bienal, como o próprio

Estado.

De acordo com a cláusula fixada no convênio, a municipalidade integrava a metade da

diretoria executiva, indicando dois membros do Conselho de Arte e Cultura, o 2º vice-

presidente, e os cargos para diretores Administrativo e Financeiro. Com a alteração do item,

ao município cabe somente os cargos de 2º vice-presidente, diretor administrativo e um

membro do Conselho de Arte e Cultura.

Segundo o prefeito, a participação de recursos financeiros do Estado foi necessária porque as

verbas que a entidade vinha recebendo eram insuficientes para complementar as atividades

desenvolvidas pela Bienal e que compreendem reuniões, debates, congressos, conferências,

encontros, simpósio e exposições de artes de caráter internacional.

Através desse trabalho, ela tem contribuído para estreitar as relações do Brasil com institutos

públicos e particulares de todo o mundo.

Conforme o artigo, I Bienal Latino-Americana, do Arquivo Wanda Swevo da Fundação

Bienal de São Paulo,

O Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo comunica que, das 99

propostas enviadas, 15 serão apresentadas na I Bienal Latino-Americana, na área de

Manifestação, saber: Adalice Araújo (Mito e Magia na Arte Catarinense: Cascaes e Heil);

Antonio Valentim de Oliveira Lino (“Lembranças de Aparecida”) Antonio Walter Bacchi

Garcia, Maria Helena Rosas Fernandes e Rosicler Martins de Almeida Rodrigues (Mito e

Magia das Gravações Rupestres de Itapeva); Berenice Toledo e Bernardo Caro (O Alfabeto

Deformado, Metamorfose Gráfica); Eddy Tricerri André (O Mito do Diplomata); José

Ricardo Dias (Totem); Lia de Carvalho Robatto (“Caboclo” – elementos visuais:

iconográficos e compositivos – ênfase aos gestos e rituais); Márcia Demange (Muiraquitã);

Niobe Xandó “..º fluir mágico e o registro dos signos...); Sigisfredo Mascarenhas (Pipas e

Papagaios); Sylvia Rodrigues e Maria Luiza Campos (Mito e Magia na TV – TV Viva II);

Sérgio Bezerra de Pinheiros (Quipus – Mito e Magia em uma Comunicação Codificada),

Sérgio Nicolaj Pastura; Thais Azambuja Penna (Thais A.) (Índio e Magia); João Calixto

(Carnaval).

Dez propostas participarão na área de Documentação: Carlos Francisco Moura (“Figuras de

Proa do Tocantins e Carrancas do São Francisco” e “Figuras de Proa Portuguesas e

Brasileiras”); Cláudia Andujar (Vida Espiritual e Mitológica do MundoYanomami); Cybele

Varela (Arte Corporal dos Índios Brasileiros); Lea Correa Pinto (“Os Ovonautas” – Mitologia

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Anexo I 146

Cosmogônica Pré-Colombiana); Luiz Ernesto M. Kawall (Literatura de Cordel); Maureen

Bisiliat (Filme 16mm, cores – “Iniciação do Yaôs... da Roça de Candomblé Yansã-ôla-

Dolòque do Babalorixá Otaviano Rodrigues de Araújo...Vila Aracília..São Paulo”; Mazda

Perez (“Santeiros Fazendeiros de Milagres” – documentário fotográfico); Norma Benguel

(Filme); Osmar Pisani (As Bruxas e os Lobisomens de uma ilha chamada Desterro); Ronald

Horst Sperling (“Matéria, Fluídos, Fenômenos”).

Conforme o artigo, Tema para Bienal causa controvérsia, publicado pelo jornal O Popular –

Goiânia – Goiás, 25 de agosto de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de São

Paulo).

O tema “Mitos e Magia” da I Bienal Latino-Americana, a inaugurar-se em São Paulo no

próximo dia 3 de novembro, provocou protestos de muitos artistas e objeções de alguns

críticos. Os artistas, com sua habitual e emotiva espontaneidade, contestam irritados o fato de

que a Bienal tenha um tema. Segundo eles, a Bienal há que ser aberta e ajustada à qualidade

artística, a única – afirmam – que garante uma avaliação que deve ser a finalidade de toda

Bienal.

Para os artistas, em suma, o tema constitui-se em uma inadmissível imposição, que

menospreza sua liberdade.

Conforme carta da Assessoria de Imprensa, Rádio e Televisão da Fundação Bienal de São

Paulo, de 11 de setembro de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de São

Paulo).

O Júri da Premiação do Concurso de Cartaz da I Bienal Latino-Americana de São Paulo

composto por Alex Perissinoto. Alexander Wolner, Carmem Portinho, Ana Letycia (não

compareceu por motivos de saúde), Jacob Klintowitz, decidiu não conferir à nenhum projeto

apresentado, o Prêmio – Indústrias Valladares no valor de Cr$ 40.000,00. “Por unanimidade,

o Júri de Premiação considerou a totalidade dos projetos participantes em nível não

representativo, tendo em vista a finalidade primeira a que se propunham”. A Diretoria

Executiva e o Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo acataram a

decisão do Júri e aceitaram a sugestão formulada em ata datada de 1º de setembro, de

convocar um profissional da área para a criação do projeto para o Cartaz da I Bienal Latino-

Americana.

CVS/CP

Conforme o artigo, Uruguaia critica a Bienal. Publicado pelo jornal Folha de S. Paulo –

Artes. São Paulo, 01 de novembro de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de

São Paulo).

A crítica de arte do Uruguai, Maria Luiza Torrens, fez sérias restrições à organização da 1ª

Bienal Latino-americana. Ela esta inconformada pelo fato do seu país não ter sido convidado

para tomar parte do Simpósio que se iniciará às 18 horas do dia da abertura do certame,

quando Mitos e Magias das Américas serão debatidos. Diz ela: Não aceito explicação

nenhuma, é inadmissível o que fizeram com o Uruguai. Afinal, sempre tomamos parte das

manifestações que se realizam no Brasil. E estamos tão próximos, nossas fronteiras estão aí

mesmo... Por que excluir-se Uruguai e, sei também, outros países sulamericanos do

Simpósio? Os resultados serão incompletos, já que estarão ausentes importantes

representantes da arte latino-americana.”

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Anexo I 147

Conforme o artigo, Inaugura-se amanhã a Bienal dos “Mitos e Magia”. Publicado pelo jornal

O ESTADO DE SÃO PAULO, 02 de novembro de 1978.

Depois de muitas discussões, correrias e controvérsias a I Bienal Latino-Americana será

inaugurada, amanhã, no Parque do Ibirapuera, numa área de 36 mil metros quadrados, onde

permanecerá até o dia 17 de dezembro. Com um tema bastante sugestivo, “Mitos e Magia”, na

atual fase de latinidad, em que o interesse pela América Latina cresceu também dentro da área

das artes plásticas, a Bienal tentará mostrar o que há de melhor e mais significativo na arte

dos 13 países participantes.

A seleção dos artistas foi feita depois de exaustivos debates e de várias consultas a

especialistas, realizados pelo Conselho de Arte e Cultura da Bienal. A exemplo do que ocorre,

em termos numéricos, nas Bienais Nacionais, a Latino-Americana não irá decepcionar, pois,

só do Brasil participarão 50 artistas. A República Dominicana mostrará obras de 16 artistas. A

Argentina contará com 07 apresentações individuais. O Peru mostrará obras de 06

participantes. O Chile, a Colômbia, o Uruguai e o Equador terão apresentações modestas.

Bolívia e Paraguai também terão poucos representantes.

Conforme o artigo, Bienal vai mostrar a arte latino-americana. Publicado pelo jornal

DIÁRIO DO GRANDE ABC. Santo André, São Paulo, 02 de novembro de 1978.

Resultado de uma pesquisa e análise das diferentes possibilidades de promover o

reconhecimento da identidade do homem latino-americano, será inaugurada amanhã às 11

horas, a 1ª Bienal Latino-Americana, em solenidade que contará com as presenças do ministro

Euro Brandão, da Educação e Cultura e do governador Paulo Egidio Martins, além do

hasteamento das bandeiras dos países participantes. A mostra será instalada no prédio da

Fundação Bienal, no Ibirapuera.

Mitos e Magia é o tema que o Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo

escolheu para a I Bienal Latino-Americana. Serão expostos trabalhos de 170 artistas, sendo

que 64 deles são procedentes da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, El Salvador, Equador,

Honduras, México, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai, países que enviaram

representantes. Os demais, são brasileiros. (...) E , finalmente, o simpósio, será sobre os

seguintes temas: Mitos e Magia na Arte Latino-Americana, Problemas Gerais da Arte Latino-

Americana e Propostas Para as Próximas Bienais Latino-Americanas.

Após a solenidade de abertura na I Bienal Latino-Americana, um grupo de 40 bailarinos e

músicos baianos apresentará o espetáculo itinerante de dança ambiental Ao Pé do caboclo,

cuja coreografia é assinada pela professora Lia Robato. A proposta é a recriação coreográfica

de diversos aspectos da figura do caboclo, entidade do culto afro-brasileiro e símbolo

patriótico de grande significado popular na Bahia.

Instalada num espaço de 36 mil metros quadrados, a Bienal foi montada pelo designer

Alexandre Wollner, formado pela escola de Ulm, na Alemanha. Wollner projetou o espaço e a

programação visual da mostra, a fim de fazer com que o público obtenha informações do que

está vendo. Ao mesmo tempo, serão fornecidos mapas a todos freqüentadores, indicando a

colocação dos estandes.

(Acontecimentos paralelos, importantes sobre o contexto da Arte Latino-Americana).

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Anexo I 148

Conforme o artigo do critico de Arte Frederico Morais, Mito e magia na Bienal de São Paulo,

publicado pelo jornal O Globo – Artes Plasticas - Rio de Janeiro, 02 de março de 1978.

(Arquivo Wanda Swevo da Fundação Bienal de São Paulo).

Já está constituído o júri da I Bienal Ibero- Americana de Pintura, que vai ser realizada na

capital do México, entre 21 de junho e 22 de julho. O pintor Rufino Tamayo, o arquiteto

Oscar Urritia, do Instituto Nacional de Belas Artes, do México, e os críticos Luís Gonzáles

Robles (Espanha), Antonio Rodrigues (México) e Frederico Morais (Brasil) compõem o júri

da Bienal, aberta a todos os artistas de fala portuguesa ou espanhola, mesmo que não residam

em seus países de origem. Patrocinada pelo Instituto Cultural Domecq, esta nova Bienal

oferecerá três polpudos prêmios aquisitivos de 500 mil, 200 mil e 100 mil pesos, ou seja,

aproximadamente, CR$ 370, CR$ 150 e CR$ 75 mil. O primeiro desses prêmios é, pelo

menos, o dobro do prêmio maior de nossa Bienal de São Paulo.

Conforme o artigo do critico de Arte Roberto Pontual, Ainda a América Latina, publicado

pelo Jornal do Brasil - Rio de Janeiro, 06 de março de 1978. (Arquivo Wanda Swevo da

Fundação Bienal de São Paulo).

Nos próximos dias, estarei divulgando aqui a estrutura e os participantes da terceira edição da

série Arte Agora, patrocinada pelo Jornal do Brasil e a Light; com data de inauguração

estabelecida para 08 de junho próximo, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ela

obedecerá ao tema América Latina: Geometria Sensível. Por último, chega a notícia de que

um dos cinco membros do júri da I Bienal Ibero-Americana de Pintura, a ter lugar na Cidade

do México entre junho e julho vindouros, será um brasileiro: o crítico Frederico Morais.

Outra notícia relevante é que o CAYC, de Buenos Aires – a quem coube o prêmio maior da

última Bienal Internacional de São Paulo, do ano passado, e que estará expondo no Museu de

Arte Moderna do Rio de Janeiro a partir de 21 de março – criou dentro da sua estrutura um

centro de Documentação de Arte e Arquitetura para a América Latina.

Outra oportunidade de circulação do artista brasileiro, agora em âmbito mais amplo do que o

latino-americano, é a 10ª. Conferência Internacional de Escultura, que se realizará na cidade

canadense de Toronto, de 31 de maio a 04 de junho vindouros, onde o Brasil estará presente.

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Anexo II 149

ANEXO II

________________________________________________________________

DOCUMENTOS PRINCIPAIS

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