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I INFORMAÇÃO E PERCEPÇÃO DE RISCO SOBRE HEPATITES VIRAIS: UM ESTUDO COM ESCOLARES Rosangela Gaze'; Kália de Carvalho Affonso'; Carlos Arany'; Diana Maul de Carvalho'; Luiz Fernando Tura' 'Mestranda e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2 Médica Sanitarista da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro; ' Mestrando do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Médico Sanitarista da SMS - Silva JardimlRJ; 'ProFessor Adjunto do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva e do Departamento de Medicina Preventi va/UFRJ . RESUMO: Neste artigo avaliamos o nível de informação e a percepção de risco dos estudantes, entre 12 e 21 anos, de escolas públicas no IV distrito sanitário do Rio de Janeiro. Foram aplicados 30 I questionários com perguntas relacionadas à percepção de risco e informação sobre as hepatites virais (HV), sendo analisados através de análise categorial e da proporção de acertos. 57,5% dos alunos eram do sexo feminino. O desconhecimento da existência de vacina (64,12%), da transmissão sangüínea (61,1 %) e da sexual (83,7%) foi constatado, enquanto 62,5% dos sujeitos conheciam a transmissão hídrica. O desconhecimento do risco sexual e da necessidade do uso de preservativo foi sugestiva das conseqüências que a desinformação pode ocasionar. A análise categorial das associações revelou cinco temas: "doença" (medo/ morte , contagiosidade e percepção orgânica), "repertório de sintomas", "práticas terapêuticas", "perigo" e "dimensão emocional do adoecimento", O repertório de sintomas e práticas terapêuticas traduziram a dimensão indi vidual da percepção da doença. O risco provavelmente serviu como estrutura de coletivização do adoecimento incorporando uma dimensão emociomil, relacionando as HV com questões de "qualidade de vida". Destacou-se como fundamental o esboço de uma estrutura cognitiva que apresentava elementos simbólicos ligados ao individual e coletivo. Palavras-chaves: hepatites virais; percepção de risco; estudantes. 157 ABSTRACT: In this article we evaluate the information levei and risk perception of students, between 12 and 21 years,ofpublic schools in TV health region of the city of Rio de Janeiro. Questionnaires (301) were applied relating risk perception and knowledge about viral hepatites (VH), and were analysed through categorial analysis and ralio of ascertainement. Female sex was slightly predominant (57,5%). The unfamiliarity with vaccine existence, blood and sexual transmission was respectivelly 64,1%,61,1 % and 83.7%, albeit 62,5% oF ali subjects were familiar with water transmission. The unfamiliarity with sexual risk and the need for condom use was suggesti ve of the consequences that disinformation can cause. The categoria I analysis of the assoeiations disclosed 4 subjects: "illness" (fear/death, contagious and organic perception), "repertoire of symploms", Utherapeutical practices", " danger" and "emotional dimension of illness". Background for therapeutics and symptoms, might forecast the individual dimension for perception ofhealth. Risk for disease was probably enrolled on how sociely perceived illness, incorporating an emotional dimension, relating HV with "Iife quality." We have found the presence of a cognitive structure linking symbolic elements of individual and collective di mensions. Key-words: viral hepariris; risk perceprion; studellls. Gad. Saúde Coleto 5 (2), 1997

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I

INFORMAÇÃO E PERCEPÇÃO DE RISCO SOBRE HEPATITES VIRAIS: UM ESTUDO COM ESCOLARES

Rosangela Gaze'; Kália de Carvalho Affonso'; Carlos Arany'; Diana Maul de Carvalho'; Luiz Fernando Tura'

'Mestranda e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2 Médica Sanitarista da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro; ' Mestrando do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Médico Sanitarista da SMS - Silva JardimlRJ; 'ProFessor Adjunto do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva e do Departamento de Medicina Preventi va/UFRJ .

RESUMO: Neste artigo avaliamos o nível de informação e a percepção de risco dos estudantes, entre 12 e 21 anos, de escolas públicas no IV distrito sanitário do Rio de Janeiro. Foram aplicados 30 I questionários com perguntas relacionadas à percepção de risco e informação sobre as hepatites virais (HV), sendo analisados através de análise categorial e da proporção de acertos. 57,5% dos alunos eram do sexo feminino. O desconhecimento da existência de vacina (64,12%), da transmissão sangüínea (61,1 %) e da sexual (83,7%) foi constatado, enquanto 62,5% dos sujeitos conheciam a transmissão hídrica. O desconhecimento do risco sexual e da necessidade do uso de preservativo foi sugestiva das conseqüências que a desinformação pode ocasionar. A análise categorial das associações revelou cinco temas: "doença" (medo/ morte , contagiosidade e percepção orgânica) , "repertório de sintomas", "práticas terapêuticas", "perigo" e "dimensão emocional do adoecimento", O repertório de sintomas e práticas terapêuticas traduziram a dimensão indi vidual da percepção da doença. O risco provavelmente serviu como estrutura de coletivização do adoecimento incorporando uma dimensão emociomil, relacionando as HV com questões de "qualidade de vida". Destacou-se como fundamental o esboço de uma estrutura cognitiva que apresentava elementos simbólicos ligados ao individual e coletivo.

Palavras-chaves: hepatites virais; percepção de risco; estudantes.

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ABSTRACT: In this article we evaluate the information levei and risk perception of students, between 12 and 21 years,ofpublic schools in TV health region of the city of Rio de Janeiro. Questionnaires (301) were applied relating risk perception and knowledge about viral hepatites (VH), and were analysed through categorial analysis and ralio of ascertainement. Female sex was slightly predominant (57,5%). The unfamiliarity with vaccine existence, blood and sexual transmission was respectivelly 64,1%,61,1 % and 83.7%, albeit 62,5% oF ali subjects were familiar with water transmission. The unfamiliarity with sexual risk and the need for condom use was suggesti ve of the consequences that disinformation can cause. The categoria I analysis of the assoeiations disclosed 4 subjects: "illness" (fear/death, contagious and organic perception), "repertoire of symploms", Utherapeutical practices", "danger" and "emotional dimension of illness". Background for therapeutics and symptoms, might forecast the individual dimension for perception ofhealth. Risk for disease was probably enrolled on how sociely perceived illness, incorporating an emotional dimension, relating HV with "Iife quality." We have found the presence of a cognitive structure linking symbolic elements of individual and collective di mensions.

Key-words: viral hepariris; risk perceprion; studellls.

Gad. Saúde Coleto 5 (2), 1997

INTRODUÇÃO

o conceito de hepatites pode ter vários enfoques dependendo do aspecto a ser enfatizado. No contexto da Saúde Pública, agrupam-se, sob a denominação de hepatites , doenças que não são necessariamente de origem infecciosa acompanhadas ou não de icterícia. Embora se assemelhem em muitos aspectos, diferem quanto à etio logia, características epidemiológicas, imunológicas, clínicas e patológicas e apresentam prognóstico, prevenção e controle diversos (GAZE, 1993). A multiplicidade de mecanismos de transmissão - eoleTaI, parenteral, vertical e sexual- propicia sua rápida propagação e adia a instituição de medidas de controle.

Se, por um lado, esta multiplicidade etiológica é fonte de problemas, por outro, oferece oportunidade ímpar para a avaliação das condições de saúde relativas às infecções de transmissão sangüínea. sexual e hídrica. Como a infecção pelo vírus da hepatite A (VHA) ocorre em faixas etárias tão mais precoces quanto piores forem a qualidade e a cobertura do saneamento básico, sua prevalência pode ser considerada como um indicador das condições sanitárias e, de maneira mais ampla, da qualidade de vida. A prevalência da infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) poderia servir para avaliar o impacto das medidas preventivas preconizadas para as DST. Quanto à infecção pelo vírus da hepatite C (VHC), seu monitoramento poderia ser utilizado como indicador da qualidade do sangue.

As medidas preventivas referentes às hepatites A e E são voltadas para a implantação de sistemas de saneamento básico de qualidade, além de ações de educação em saúde. Para as hepatites B e C, está recomendado o uso de preservati vo sexual, o controle rigoroso da qualidade do sangue e o uso de material perfuro-cortante descartável e não compartilhado. Para a hepatite B, existe ainda vacina segura e eficaz.

O conhecimento dos modos de transmissão e das medidas preventivas de uma infecção pela população facilita, e até mesmo viabiliza, a prevenção e o controle.

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Portanto, o presente estudo priorizou a obtenção de informações sobre o conhec imento dos escolares sobre estes tópicos.

Embora alguns indicadores de saúde, no Município do Rio de Janeiro (MRJ), como a mortalidade infantil e por doenças infecto-parasitárias, venham apresentando melhora significativa, os muitos desafios a serem superados continuam preocupando as autoridades sanitárias.

Em regiões de características demográficas heterogêneas como o MRJ, onde populações de classes sócio­econômicas elevadas convivem com outras menos privilegiadas e vários bolsões de pobreza, o processo saúde-doença reflete esta diversidade. Portanto, a prevenção e controle de algumas infecções endêmicas ainda necessitam ser implementados e novas estratégias vêm sendo tentadas.

Os costumes e as crenças da coletividade influem no crescimento e desenvolvimento do ser humano, em todas as suas fases, sendo que o conhecimento das características sócio-culturais de uma comunidade é necessário para que se obtenha êxito nas tentativas de melhoria da saúde. Neste sentido, a mobilização do apoio popular tem demonstrado ser de grande valia na transformação desta realidade.

O planejamento de intervenções para a prevenção e o controle de uma doença transmissível requer informações sobre o agente etiológico, fatores biológicos e ambientais e, ainda, sobre o hospedeiro humano. Fatores humanos de grande complexidade costumam influir no desenvolvimento e nos resultados das ações implantadas; algumas vezes são a parte mais importante do problema e a informação e participação da comunidade nas soluções agiliza o alcance das metas.

A identificação de aspectos como falsas crenças, percepções, práticas, atitudes e conhecimento da população em relação ao evento investigado é fundamental para o planejamento racional e efetivo de intervenções.

No contexto da implementação da rotina de imunização nas unidades de cuidados básicos de saúde da vacina da

1 ,

hepatite B e levando-se em consideração a existência de escassa produção sobre o tema no que se refere a percepção de risco de infecção das hepatites em geral, torna-se relevante o desenvolvimento de tais estudos.

SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA NA XX R A DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

O diagnóstico etiológico dos casos de hepatites virais tornou-se possível na rede pública do ERJ a partir de 1992. Até esta data, a noti ficação era efetuada apenas com o diagnóstico clfnico-bioqufmico de hepatite sendo os casos, consolidados como hepatites de etiologia não especificada.

Em relação aos portadores assintomáticosdas hepatites B eC, em 1991 , foi implantada a obrigatoriedade da noti ficação de doadores de sangue soropositivos para o VHB e, em 1993, o mesmo ocorreu para o VHC (SES-RJ/l990 e SES-RJII993).

Com estas mudanças na rotina da vigilância epidemiológica das hepatites virais, ocorreu maior estímulo à notificação, não impedindo, contudo, que a subnotificação ainda seja muito importante.

Considerando que 90% dos casos de hepatites virais são assintomáticos, além da subnotificação existente, grande parte das infecções perrnanecedesconhecida por não demandar assistência médica. Outro falO relevante é o percentual significativo de hepatites de etiologia não especificada.

Analisando-se os dados de notificação da XX Região Administrativa (XX RA) das hepatites de etiologia não especificada, série histórica de 1979 a 1993, observa-se uma incidência média anual de 25,73 casos! I ()()()()() hab. com limite mfnimo esperado de 3,47 e máximo de 48/100000 hab. Em 1980, ocorreu um aumento do número de casos, com incidência de 56,04/ 100000 hab. e a representação gráfica mostra uma curva com flutuação periódica dos níveis endêmicos de cinco em cinco anos (Gráfico I). Em 1996, as notificações de casos de hepatites virais mostram que 42, I % eram registrados como B, 12,4% como C e 45,5% não foram especificados. Como se vê, nenhum caso de hepatite A foi identificado. Nos EUA, de 1982 a 1993, 47% dos casos agudos foram atribufdos à hepatite A, 34% à B, 16% à C e 3% tinham marcadores negativos para os vírus A, B e C, não havendo referência aos não especificados (coe, 1997).

GRÁFICO I: HISTÓRIA PREGRESSA DE HEPATITE

Apesar da subnotificação . a freqüência observada justificaria maiores esforços para a prevenção e controle destas infecções, como a inclusão em programas de educação e saúde de doenças de

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veiculação hfdrica e DST. Com a análise e divulgação dos resultados obtidos nesta pesquisa e estudos posteriores. acreditamos ser possível subsidiar estratégias que viabilizem O cumprimento destes objetivos.

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METODOLOGIA

o objetivo geral da pesquisa foi estudar a percepção de risco e o nível de inrormação dos estudantes de 1° e 2° graus de escolas públicas da XX RA do Município do Rio de Janeiro.

A seleção desta área como piloto para elaboração de um modelo de estudo que pudesse posteriormente ser aplicado a outras populações, baseou-se no fato de se tratar de região bem delimitada do ponto de vista geográfico, além de ser longa a experiência de trabalho conjunto do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva IUFRJ e Centro Municipal de Saúde Necker Pinto.

Neste estudo foi realizado um teste de associação de palavras e aplicado um questionário com 19 questões abertas e fechadas , sendo estas referentes à identificação, caracterização, percepção de risco, história pregressa de hepatite, conhecimentos sobre mecanismos de transmissão e medidas preventivas. Os sujeitos eram esclarecidos da não obrigatoriedade de responderem aos instrumentos de pesquisa, apesar dos mesmos não conterem a identificação do aluno e da respectiva escola.

Foi realizado pré-teste do instrumento para verificar se seu conteúdo

correspondia aos objetivos propostos e se era bem entendido pelos sujeitos. Após análise dos dados obtidos, foram realizadas as correções necessárias.

A amostra utilizada roi composta por 301 estudantes, compreendidos na raixa etária de 12 a 21 anos, do I ° e 2° graus, de 06 escolas públicas da XX RA selecionadas, aleatoriamente, a partir da listagem existente na Coordenadoria Regional da Secretaria Municipal de Educação.

Neste artigo serão apresentados os resultados da análise dos dados referentes à informação e à percepção dos estudantes.

INFORMAÇÃO DOS ALUNOS SOBRE HEPATITES VIRAIS

Na amostra considerada, 57,5% dos estudantes são do sexo feminino e 42,5 % do masculino. A idade média do grupo correspondeu a 14,75 ± 1,83 anos, com amplitude de 12 a 21 anos, estando 85,4% na raixa etária de 13 a 16 anos (Tabela I). OS alunos estão matriculados no 10 e 2° graus, distribuídos entre a 6' e 8' série e 10 e 20 anos, respecti vamente. Vale ressaltar que 87,4% estão entre a 6' e 8' série do I ° grau (Tabela 2).

TABELA 1: DISTRffiUIÇÃO DOS ESTUDANTES SEGUNDO SEXO E IDADE

IDAD FEMININO % MASCULINO % TOTAL % 12 3 1 ,00 1 0,33 4 1,33 13 46 15,28 30 9 ,97 76 25,25 14 50 16,61 34 11,30 84 27,91 15 35 11,63 26 8,64 61 20,27 16 21 6,98 15 4,98 36 11,96 17 10 3,32 8 2,66 18 5,98 18 2 0,66 3 1,00 5 1,66 19 - - 5 1,66 5 1,66 20 2 0,66 4 1,33 6 1,99 21 4 1,33 2 0,66 6 1,99

TOTAL 173 57,48 128 42,52 301 100,00

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1 •

1 1

i

r

TABELA 2: DISTRIBUIÇÃO DOS ESTUDANTES SEGUNDO IDADE, GRAU E SÉRIE ESCOLAR DE MATRÍCULA

PllMElFIO GRAU SEGNJO GRAU TOTAL IDADE 6' aérie "fi aérie 8' aérie l ' aérie 2." série

F % F % F % F % F % F % 12 - - 4 1,34 - - - - - - 4 1,34 13 20 6,00 51 17,00 4 1,34 - - - - 75 25,08 14 5 1,67 20 6,00 59 19,73 - - - - 84 28,09 15 7 2,34 9 3,01 41 13,71 2 0,67 2 0,67 61 20,40 16 3 1.00 11 3,68 18 6,02 - - 3 1,00 35 11,71 17 2 0,67 2 0,67 1 0,33 7 2,34 6 2,01 18 6,02 18 - - - - 4 1,34 - - 1 0,33 5 1,67 19 - - 1 0,33 1 0,33 1 0,33 2 0,67 5 1,67 211 - - - - - - 5 1,67 1 0,33 6 2,01 21 3 1.00 3 1,00 6 2,01 TOTAL 37 12,37 98 32,78 128 42,81 18 6,02 18 6,02 299 100,00

Nota: Dois estudantes não informaram série em que estavam matriculados.

Um pequeno contingente (5.6%) mencionou hepatite na história patológica pregressa (Gráfico 2). Diante deste fato, pode-se levantar a hipótese de que muitos estudantes provavelmente não referiram a doença no passado por ela ter se apresentado de forma assintomática, não sendo, conseqüentemente, diagnosticada. Diversos estudos, por exemplo os de KASH[WAGI ( 1983) e LEMON ( 1992), têm encontrado altos percentuais de infecções inaparentes por VHA. Em nosso país, FERRE[RA el ai. ( 1996) em estudo soro-epidemiológico sobre a hepatite A realizado em Porto Alegre, em grupos populacionais distintos , constataram a ex.istência de 90% de fonnas inaparentes do ponto de vista clínico. Por outro lado, não se pode esquecer que os países em desenvolvimento apresentam altas taxas de prevalência para o VHA, como mostrou a investigação de KILPATRICK e ESCAMILLA ([986). Estes autores verificaram a soroprevalência de 100% de anti-VHA total em crianças de oito anos de idade. Resultado semelhante foi encontrado por PANUTT[ el aI. ( 1985) ao verificarem que 100% das crianças da mesma idade, em

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São Paulo,já apresentavam anticorpos totais contra o vírus da hepatite A, ou seja, possufam imunidade permanente contra hepatite A. Portanto, em nossa amostra, compreendida entre os 12 e 2 1 anos, é possível que esta prevalência seja semelhante.

Ao avaliar se tinham informação da existência de mais de um tipo de hepatite, 68,0% informaram que não sabiam da existência de múlt iplas etiologias desta doença, ou mesmo pensavam que esta di versidade não ex istia, ou não responderam à questão. O escasso conhecimento sobre esta multiplicidade etiológica pode demonstrar um entendimento enviesado do problema e, deste modo, expor a risco indivíduos que adquiriram um determinado tipo da doença. De maneira geral, os estudantes demonstraram pequeno conheci mento sobre as hepatites. em concordância com O observado por outros autores, como MOORE (I 997). Tal fato deve ser considerado na elaboração de programas educativos e assistenciais.

Vale ressaltar que, apesar de 64, I % dos estudantes terem referido não saber da

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existência de vacina contra hepatite e de 8.3% negarem sua existência. aproximadamente 47,0% destes indicaram a vacinação como medida preventiva para a doença (Tabela 3). A aparente

contradição .entre o conhecimento sobre a existência de vacina contra hepatite e a recomendação de vacinação como medida preventiva pode ser reflexo da innuência geral de diferentes campanhas de vacinação.

TABELA 3: DISTRIBUIÇÃO DOS ESTUDANTES SEGUNDO CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE VACINA CONTRA HEPATITE E POSSIBILIDADE DE

PREVENÇÃO POR VACINAÇÃO

NAO SIM NÃO SABE SEM IESFOSTA TOTAL

VACINAR F % B 53 94 4

159

2,66 17,61 31,23 1,33

52,82

Uma observação interessante é que, embora 62,5% mostrassem saber que a água ou alimentos contaminados por fezes podem transmitir hepatite e que 72,5% tenham informado que a ingestão de água tratada é uma medida preventiva, apenas 39,2% consideraram que residir em local saneado, com adequado esgotamento de dejetos seja igualmente importante (Tabelas 4 e 5). O fato da maioria dos

V/lON/II;JIl) NAOV/lOtwI SEMIESFOSTA TOTAL

F % F % F % 17 17 95 2

131

5,65 5,65

31,56 0,66 43,52

4 4 3

11

1,33 1,33 1,00 3,65

25 8,31 74 24,58 193 64,12 9 2,99

SUjeitos mostrar que tem informação sobre a importância da ingestão de água tratada e de menos da metade considerar que o adequado esgotamento seja igualmente necessário para a prevenção de hepatites, pode sugerir por parte da população uma valorização relativa quanto a beneficiamentos sobre o abastecimento de água em relação ao sistema de esgotamento sanitário.

TABELA 4: DISTRIBUiÇÃO DOS ESTUDANTES SEGUNDO CONHECIMENTO DA

TRANSMISSÃO FECAL-ORAL E DA PREVENÇÃO POR INGESTÃO DE ÁGUA

TRATADA

TRANSMISSAO AGUA TRATADA FECAL-ORAL SIM % NAO % TOTAL

SIM 167 89,78 19 10,22 186 NÃO 41 45,05 50 54,95 91 NÃO RESPONDEU 10 76,92 3 23,08 13 TOTAL 218 75,17 72 24,83 290

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TABELA 5: DISTRIBUIÇÃO DOS ESTUDANTES SEGUNDO CONHEClMENTO DA

TRANSMISSÃO FECAL-ORAL E DA PREVENÇÃO PELA DISPOSIÇÃO

ADEQUADA DE DEJETOS

TRANSfoISSAO DISPOSIÇAO ADEQUADA DE DEJETOS FECAL-oRAL SIM %

SIM 97 52,15 NÃo 19 20,88 NÃo RESPONDEU 2 15,38 TOTAL 118 40,69

Cerca de 61 , 1 % dos sujeitos desconheciam que a transfusão de sangue se constituísse em veículo de disseminação de determinados tipos de hepatites (Tabela 6). Trata-se de um fato interessante uma vez que é de conhecimento geral a transmissão transfusional destas infecções em nosso meio. Uma outra variável que deve ser considerada é que a prática tradicional de triagem de doadores nos serviços de hemoterapia, na qual é obrigatória a pergunta sobre história pregressa de

NAO % TOTAL 89 47,85 186 72 79,12 91 11 84,62 13 172 59,31 290

hepatite. se constitui em mais uma oportunidade de disseminação da informação sobre a possibilidade desta forma de transmissão. É possível que uma das explicações para este desconhecimento resida no fato de que somente 7,4% dos sujeitos tinham mais de 18 anos, idade a partir da qual a doação torna-se permitida . Além disso, a incorporação da novidade da AIDS faz com que a atenção para o perigo de transmissão transfusional de doenças esteja a ela referida.

TABELA 6: DISTRIBUIÇÃO DOS ESTUDANTES SEGUNDO CONHEClMENTO DE

CATEGORIAS DE TRANSMISSÃO SANGÜÍNEA

CATEGOFIAS SIM % NAO TRANSFUSAO 97 32,23 184 AGULHA 85 28,24 196 -Nota: • Não respondeu

Ainda a respeito da transmissão sangüínea, 65, I % informaram desconhecer a transmissão por meio de agulha contaminada. Acresce o fato de que, do total da amostra considerada, cerca de 6.6% dei xaram de responder esta questão (Tabela 6). Ao mesmo tempo, ao se explorar a informação sobre as medidas destinadas à prevenção da transmissão sangüínea não-transfusional, a freqüência de respostas para o risco do uso de material médico-odontológico-hospitalar foi igual ao do uso de agulha contaminada (76,74%).

163

% N.R· % TOTAL % 61,13 20 6,64 301 100,00 65,12 20 6,64 301 100,00

A concomitáncia observada de baixo nível de informação sobre a transmissão sangüínea não-transfusional e a respectiva prevenção quanto ao uso de material médico-odontológico e agulhas contaminadas , pode sugerir que haja também falta de conhecimento quanto à transmissão pelo compartilhamento de agulhas em práticas de uso de drogas que provocam dependência química. É interessante atentar para o fato de que o conhecimento mais difundido, inclusive pelos meios de comunicação social , é o do

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,~----------------------------------------------------

risco de contaminação pela reutilização de agulhas em práticas diagnósticas e terapêuticas. Constatações semelhantes têm sido verificadas em estudos sobre prevenção da AIDS (TURA, 1997). F ica uma indicação para i nvestigações posteriores no sentido de esclarecer este problema.

Um contingente importante (85,5 %) informou ignorar a transmissão sexual, ao mesmo tempo que somente 19.3% indicaram o uso do preservativo como medida de prevenção de hepatite (Tabela 7). Estes resultados estão de acordo com os estudos de CÂMARA el

ai. (1996), que analisando fatores de risco para hepatite B entre estudantes de

medicina e enfermagem . durante uma campanha de vacinação contra hepatite B, verificaram que 53,2% deles não usavam preservativos em suas relações sexuais. Ou ainda com os de FERNANDES e MANZANARES (1997) que referiram, em estudo a respeito de escolares e saúde. que os alunos apresentaram alto grau de desinformação sobre algumas enfermidades de transmissão sexual. O desconhecimento da existência de risco e da necessidade do uso de preservativo nas relações sexuais, observado entre estes estudantes nesta investigação, revela uma das conseqüências da falta de infonnação sobre o temae de intervenções nesta área.

TABELA 7: DISTRIBUIÇÃO DOS ESTUDANTES SEGUNDO CONHECIMENTO DA TRANSMISSÃO SEXUAL E DA

PREVENÇÃO POR USO DE PRESERVATIVO

RELAÇAO SEXUAL USO DE PRESERVATIVO NAO

NAO 215 SIM 5 NÃO RESPONDEU 12 TOTAL 232

PERCEPÇÃO DE RISCO

O estudo de percepções sobre problemas de saúde deve ser um dos elementos a ser considerado na elaboração de projetos e programas de educação e saúde que se proponham a ultrapassar os modelos tradicionais e que valorizem a dimensão simbólica destes processos educativos. Neste estudo procura-se conhecer as percepções que os escolares têm acerca das hepatites virais.

A caracterização da dimensão simbólica pode ser realizada através de análise de associação ou evocação livre de palavras. Neste contexto, a partir de uma palavra ou frase indutora. cada sujeito

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% SIM % TOTAL % 74,14 33 11 ,38 248 85,52 1,72 24 8,28 29 10,00 4,14 1 0,34 13 4,48

60,00 56 20,00 290 100,00

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associa espontaneamente uma outra como resposta. A análise deste conjunto torna possível a discussão acerca do estereótipo social, definido como "a representação de um objeto (coisas, pessoas, idéias) mais ou menos desligada de sua realidade objetiva, partilhada pelos membros de um grupo social com uma certa estabilidade " (BARDIN, 1979, p.51).

Dentro desta proposta metodológica, após expli cação do funcionamento da técnica, apresentou-se aos alunos a seguinte frase indutora: quais as três primeiras palavras que lhe vêm à cabeça qualldo ouve falar em hepatite?

Em seguida as associações realizadas foram tabuladas segundo a

I

ordem de sua enunciação (pa lavra I, palavra 2 e palavra 3) observando-se que foram elaboradas 705 associações de 269 palavras diferentes, correspondendo à média de 2,3 evocações por sujeito (Quadro I).

Ainda nesta etapa do processo de análise, o corpus constitufdo pelas diferentes palavras enunciadas foi agrupado segundo critérios de identidade , sinonfmia ou proximidade semântica, o que permitiu à

QUADRO I: RESUMO DOS RESULTADOS DA ANÁLISE DA EVOCAÇÃO

Número de suieitos 301 Número de palavras diferentes associadas 269 Número total de evocacões Média de evocacões por sujeito

equipe proceder a uma análise categorial, através da utilização de unidades de significação. Dando continuidade a este processo criou-se, a partir destas unidades, 14 categorias que, no decorrer das oficinas de trabalho, deram origem a temas onde a representação construfda pelos estudantes sobre hepatite revela alguns elementos simbólicos de suas percepções acerca desta doença.

Este processo permitiu evidenciar que as 10 associações mais freqüentes em relação à hepatite foram : doença, quadro clínico , morte e qualidade de vida, cuidados, saneamento. medo, contágio, prevenção e fatores predisponentes (Quadro 2).

A análise do material foi realizada através de uma estratégia metodológica em que se buscou articular dois procedimentos distintos: a proposta de Vergés (1992; 1994) de caracterização prototípica do núcleo central e sistema periférico das representações soc iais e a análise temática do corpus constituído pelas categorias das associações realizadas.

O primeiro procedimento se baseia na verificação da freqüência e da ordem média de evocação das palavras ou categorias associadas, o que torna possível apontar os elementos associados

t65

705 2,3

com maior freqüência - aspecto coletivo - e o que em menor tempo exponha a ordem estabelecida pelo sujeito em sua evocação aspecto individual (SÁ, 1996). A freqüência de evocação é encontrada pelo somatório das freqüências em que a palavra foi evocada em cada posição. A ordem média de evocação é obtida ponderando-se com peso 1 a evocação feita em primeiro lugar, com 2 em segundo, e 3 o terceiro. O somatório destes produtos dividido pelo somatório das freqüências da palavra associada nas diversas posições indicará a ordem média de associação da palavra. A média aritmética dos valores das ordens médias de associação de cada palavra corresponderá à média das ordens médias de associação. Para evitar um viés de análise , foram desprezadas as categorias cujas freqüências simples foram inferiores a dez.

Deste modo pôde-se observar que doença e quadro clínico são as duas categorias que mais conjugam os dois aspectos - individual e coletivo - da percepção que estes estudantes têm sobre hepatite. uma vez que apresentaram freqüências acima da freqüência média (50,3) e foram mais prontamente associadas (Quadro 2).

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QUADRO 2: ESTUDANTES SEGUNDO AS CATEGORIAS EVOCADAS E ORDEM MÉDIA DE EVOCAÇÃO.

eateaaria Palavra 1 Palavra 2 Palavra 3 Total OME Cuidado 5 32 33 70 2,4 Contágio 7 7 14 2,5 Doença 13 26 23 18 1,4

Falores Predisponentes 8 8 1,0 Falores de Risco 4 4 5 13 2,1

Informação 5 - 5 1,0 Medo 9 11 12 32 2,1 Morte 14 37 23 74 2,1

Prevenção 3 1 6 10 2,3 Quadro Clinico 43 59 37 13 1,9

Oualidade de Vida 16 29 30 75 2, 1 Perigo 7 7 4 12 2,3

Saneamento 11 16 13 40 2,1 Afastamento do Problema 10 10 7 27 1.9

Tolal 26 23 20 70 19'

'Ordem Média de Evocação; ' Média das OME.

Buscando evidenciar os sentidos latentes nas categorias encontradas, procedeu-se à análise temática do corpus constituído pelas categorias evocadas. Este processo orientou a leitura, ou melhor, a interpretação deste material problematizando as categorias encontradas na etapa anterior. Neste contexto, durante as oficinas de trabalho, se configuraram quatro blocos temáticos a partir dos quais foi possível revelar aspectos da complexa inter-relação entre as categorias apresentadas. Os blocos temáticos trabalhados - doença, risco, medo e qualidade de vida - permitiram qualificar a percepção acerca das hepatites e discutir as interfaces entre as dimensões do individual edo coletivo envolvidas neste processo.

O primeiro destes, denominado de doença, inclui a associação desta palavra, sem outros qualificativos, que nesta condição teve a maior freqüência simples de evocação (18,4%), e suas qualilicações que correspondem a 30,1 % do total de associações referentes a doença. Os adjetivos a qualilicar a doença se apresentam divididos em três dimensões. A primeira delas empresta à entidade um sentido de gravidade - doetlça braba, doetlça muito grave, doença que causa coisas ruins, doença muito ruim, doença que pode ser fatal - que se torna relevante ao se

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relacionar este terna a questões como medo e morte. A segunda dimensão relaciona-se ao potencial de contágio da doença -doença contagiosa, doellça que pega fácil, doença trallsmissível-, falo que analisado em conjunto com questões referentes a risco apontam para uma possível percepcão coletiva do processo de adoecimento; segue­se em terceiro lugar, respostas que qualificam a hepatite como uma "doença do ffgado"- doetlça que ataca o f(gado, doetlçado fígado. A referência orgãnica para a doença - "fígado" - tem destaque quando se leva em consideração as poucas associações referentes ao vírus, fato que revela, ainda que em tempos distintos, uma incorporação do discurso médico sobre esta doença.

A análise deste primeiro lema possibilita uma triangulação com a morte e o medo, refletindo uma percepção mais global do fenômeno hepatite, que aponta para limitações e riscos cotidianos assim como para o medo do desconhecido. Esta percepção é de certa forma ratificada e reforçada quando se observa que cerca de 75,0% dos sujeitos declararam sentir medo de adquirir hepatite. Os três primeiros motivos alegados para justificar o medo foram "pode matar" (21 ,0%), "pelos males que pode causar" (20,9%) e "pode passar para os outros em casa" (15,8%) confinnando o constrangimento causado

.

pelas limitações impostas ao cotidiano e o medo de transmitir a doença para a famnia (Tabelas 8 e 9). Em estudos anteriores, também se observou que 14,2% dos usuários de serviços odonto lógicos na região metropolitana do Rio de Janeiro associavam Hepatite B a medo (TURA el aI. , 1996) evidenciando-se deste modo uma preoc upação que já se manifesta na população em geral.

o tema doença servirá como eixo de análise e como fio condutor da discussão. Ao se analisar as associações relat ivas ao contágio, que qualificam a categoria doença, aparece uma diferença importante entre estas associações e outro grupo que relaciona diretamente "hepatite" a conceitos clínicos e práticas terapêuticas. A partir desta constatação torna-se possível a comparação entre os dois temas

TABELA 8: DISTRIBUIÇÃO DOS ESTUDANTES SEGUNDO SEXO E REFERÊNCIA

A MEDO DE HEPATITE

RESPOSTA FEMININO MASCULINO TOTAL F % F % F %

SIM 137 45,51 89 29,57 226 75,08 NÃO 32 10,63 35 11 ,63 67 22,26 NÃO RESPONDEU 4 1,33 4 1,33 8 2,66 TOTAL 173 57,47 128 42,53 301 100,00

TABELA 9: RAZÕES ALEGADAS PARA SENTIR MEDO DE HEPATITE

CONTEUDO PODE MATA

PELOS MALES QUE PODE CAUSAR

PODE PASSAR PARA OUTROS EM CASA

NÃO QUER DAR TRABALHO AOS OUTROS

NÃO PODERÁ ESTUDAR

PODE SER DISCRIMtNAIlO

NÃO PODERÁ MAIS BEBER

OUTROS

TOTAL

denominados "repertório de sintomas e práticas terapêuticas" ou quadro clínico e percepção de r isco, que refletem as percepções destes adolescentes sobre a doença em duas dimensões: a individual e a coletiva.

Den tro da dimensão individ ual, tendo por base as questões relacionadas ao quadro clínico e tratamento da hepatite, chamam atenção as referências freqüentes à icterícia, o mais comum dos sintomas

167

F % 11 21 ,08 11 20,90 B5 15,86 70 13,06 67 12,50 35 6,53 20 3,73 34 6,34

536 100,00

relacionados à doença. Outro fato relevante diz respeito ao senso comum acerca do tratamento adequado para a hepatite, onde o açúcar, o repouso e a gordura aparecem de maneira natural, como um saber popular acerca da doença. A análise da dimensão individual caracteriza a doença que agora toma forma, individualiza-se em sintomas e práticas, fato que favorece a compreensão do que estes sujeitos temem no que se reFere a doença.

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Sob a temática do risco reúnem-se associações como: água contaminada, saneamento, enchentes, higiene, drogas. agulhas contaminadas e sangue, assim como relações sexuais. Revelam-se percepções de risco ligadas a mecanismos de transmissão da doença e a fatores tidos como predisponentes, que configuram um conjunto de condições para o desenvolvimento da doença. Neste quadro se destacam condições relac ionadas à alimentação e as referências a "bebidas", Ainda dentro do te ma risco pode-se encontrar subsídios para a discussão acerca das possíveis relações entre fatores de risco e prevenção, reunidas sob esta temática. Dentro deste contexto. torna-se importante destacar as associações que qualificam a hepatite como uma doença contagiosa, grave, que pode matar e, sobretudo, as freqüentes referências ao medo.

Nas justificativas para não ter medo, surpreendeu que 42,9% dissessem que "já que podemos ficar doentes mesmo não adianla temer", sugerindo uma percepção de acomodação em relação à possibilidade de adquirir uma doença, estando impotentes diante do fato, desconhecendo particularmente se u dire ito de ser protegido. Não foi observada correlação entre a presença de hepatite no passado destes sujeitos e o medo de adq uiri-Ia no prese nte, em bora 7,5 % dos sujeitos afirmassem não ter medo por apresentarem hepati te em sua hi s tória patológica pregressa (Tabe la 10). Deste modo, a história patológica pregressa de hepalite não se relacionou com o sentimento aLUal de medo.

O risco serve como estrutura

provável de coletivização do processo de adoecimento abrindo uma dimensão nova da percepção acerca da hepatite. Neste momento a doença deixa de ser percebida co mo uma entidade e assume a materialidade dos fatores ambientais como enchentes e valas negras e, coletivos, como a utilização de agulhas contaminadas e referências ao sangue.

Finalmente o quarto tema complementa os anteriores incorporando uma dimensão emocional ao processo de adoecimento e relacionando a hepatite com uma série de questões denominadas de qualidade de vida. Sob esta temática agrupam-se categorias que associam à hepatite palavras como tristeza. A dimensão emocional revela aspectos como as restrições e imposições decorrentes de prescrições médicas, indicando possíveis dificuldades e resistência à medicalização da vida cotidiana. Ainda outras nuanças podem ser percebidas dentro da análise deste tema como, por exemplo. a questão da discriminação ligada à forte referência ao contágio e ao sentimento de tristeza ao se perceber doente.

A associação de palavras compreendida como uma medida de economia na percepção da realidade, capaz de organizar alguns elementos simbólicos simples que infonrnarn a percepção do real (BARDIN,1979), no que se refere à hepatite foi capaz de revelar aspectos importantes com relação à doença. Deslaca-se como fundamental, dentro desta perspectiva, o esboço de uma estrutura cognitiva que apresenta elementos simbólicos ligados às três dimensões: individual, co letiva e emocional.

TABELA 10: RAZÕES ALEGADAS PARA NÃO SENTIR MEDO DE HEPATITE

CONTEUDO F % JÁ QUE VOU FICAR DOENTE MESMO, NÃO ADIANTA TEMER 57 42,86 CUIDA DA SAÚDE 42 3 t ,58 NUNCA FICA DOENTE 12 9.02 JA TEVE HEPATITE 10 7 ,52 NÃO CHEGA PERTO DE DOENTE DE HEPATITE 6 4 ,5 t OUTROS 6 4,51 TOTAL 133 100,00

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t

,

r ,

COMENTÁRIOS FINAIS

Com os resultados obtidos, pôde­se constatar que uma parcela significativa da população estudada desconhece aspectos fundamentais dos mecanismos de transmissão e medidas preventivas das hepatites virais. Este falo observado durante o desenvolvimento desta investigação, aliado aos riscos ambientais e socioculturais de se contrair a doença. indica o potencial de aplicação desla melodologia na elaboração de programas educalivos, que objetivem a prevenção das hepatites virais.

REFERtNClAS BffiLlOGRÁFICAS

Espera-se que a divulgação destes resultados possa contribuir para minimizar os problemas oriundos da falta de informação de grupos populacionais específicos e de profissionais de saúde e educação. Outras pesquisas direcionadas para a elaboração de métodos efeti vos de divulgação de informações básicas sobre prevenção das hepatites virais necessitam ser desenvolvidas.

Agradecimentos: CMS NECKER PINTO pelo fornecimento das nOli l'icações.

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