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EDER PIRES DE CAMARGO UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS SOBRE REPOUSO E MOVIMENTO DE PESSOAS CEGAS 1

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EDER PIRES DE CAMARGO

UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS SOBRE

REPOUSO E MOVIMENTO DE PESSOAS CEGAS

1

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EDER PIRES DE CAMARGO

UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS SOBRE

REPOUSO E MOVIMENTO DE PESSOAS CEGAS

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências da

UNESP – Câmpus de Bauru, como um dos requisitos

para a obtenção do título de Mestre em Educação para

a Ciência – Área de Concentração: Ensino de

Ciências.

Orientador: Prof. Dr. Luís Vicente de Andrade Scalvi

Bauru

2000

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EDER PIRES DE CAMARGO

UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS SOBRE

REPOUSO E MOVIMENTO DE PESSOAS CEGAS

BANCA JULGADORA

DISSERTAÇÃO PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

Presidente e Orientador

2º Examinador

3° Examinador

Bauru,..............de.................de 2000

3

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Em memória dos meus queridos avôs José

Toniões Filho e Enoch Pires de Camargo

Por todo amor demonstrado, e pelos exemplos

que foram, por isso, jamais os esquecerei.

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AGRADECIMENTOS

Ao Eterno, doador da vida que está sempre presente, independentemente das

circunstâncias.

À Erica, minha irmã querida, que foi meus olhos e minhas mãos durante este

período de mestrado. Tenho certeza que todo o dinheiro do mundo não pagaria tal

demonstração de amor e por isso, este agradecimento para mim é o principal.

À minha mãe Elisabete, que sempre me ajudou na leitura de textos, nos

conselhos e no incentivo, fazendo do meu sonho seu próprio sonho.

Ao meu pai Elio, que esteve sempre presente ao meu lado dando todo o

respaldo necessário, tanto do ponto de vista afetivo quanto do financeiro, do qual eu gostaria

de destacar a utilização de seu automóvel em viagens até a UNESP de Bauru.

Ao meu irmão Elinho e ao meu cunhado Kiko, que foram meus motoristas

particulares.

Ao meu orientador Prof. Dr. Luís Vicente de Andrade Scalvi, que foi paciente,

me ensinou a ser organizado, acreditou em meu trabalho, trouxe significativas contribuições à

pesquisa aqui desenvolvida e tornou-se, principalmente nestes três últimos anos de

convivência, um grande amigo.

Aos professores Dr. Décio Pacheco e Dra. Lizete ........... , que foram

fundamentais em suas críticas, proporcionado através disto, reflexões, novas leituras, e

esclarecimentos.

À professora Dra. Tânia Moron Saes Braga, minha co-orientadora que

contribuiu significativamente para a escolha de bibliografia especializada na área de ensino

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para portadores de deficiência visual, bem como, para o processo de uma melhor

compreensão de questões relacionadas à pessoa cega.

Ao professor Dr. Roberto Nardi, responsável em despertar meu interesse na

pesquisa de ensino de Física.

Às minhas amigas Carla e Ana, secretárias da Pós-Graduação da Faculdade de

Ciências, que sempre foram atenciosas, amáveis e educadas.

Ao “Lar escola Santa Luzia para cegos” que permitiu a realização das

entrevistas com seus alunos.

Aos amigos João, Claudete, Iara, Jorge, André e Laércio, pelo interesse,

disposição e paciência demonstrados na ocasião da realização das entrevistas.

Aos participantes do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências, à todos os

professores que lecionaram as disciplinas que cursei e aos alunos do Programa de Pós-

Graduação.

Aos amigos Paulo Angélico, que ajudou com idéias e sugestões, por ocasião

da elaboração do Anteprojeto de Pesquisa; Cristiano Langona, meu professor particular de

inglês; Donizete Salgado, Adriano Mineto e Marcelo Machado.

Às amigas Marli e Rosângela, que me ajudaram na tradução e na leitura de

textos.

Aos mestres Edevar Moretto, Guerino Teles Junior e Ivan Régis Montanholi,

por todo incentivo e confiança depositados.

Às minhas avós, aos meus tios, e aos meus primos, pessoas de valor estimado.

Ao meu amigo Fábio, que sempre me incentivou a fazer Pós-Graduação.

À minha grande amiga Sandra Regina Teodoro, companheira de estudos desde

a época da Graduação, e presença garantida nos momentos de alegrias e dificuldades.

À FAPESP, pela bolsa concedida neste último ano.

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Certa vez, um camponês chamados Nunez, numa escalada perigosa, ao separar-se de seus companheiros de caravana, caiu de uma montanha e descobriu o Vale dos Cegos. Lembrando-se do dito popular “em terra de cego, quem tem um olho é rei”, aspirou governar o Vale. Descobriu, porém, que isso não era tão fácil quanto esperava e que sua visão não era sempre uma vantagem.

Quando foi encontrado por três homens do Vale, eles tentaram descobrir quem era aquela estranha criatura.

- Vamos levá-lo para os mais velhos. – disse Pedro.- Grite primeiro – disse Correa –senão poderemos assustar as crianças.Assim, eles gritaram e Pedro foi na frente e pegou Nunez pela mão para guiá-lo até as casas.- Eu posso ver – disse, puxando-lhe a mão.- Ver? – perguntou Correa.- Sim, ver – respondeu Nunez, virando-se em sua direção e tropeçando.- Seus sentidos são ainda imperfeitos – disse o terceiro cego – Ele tropeça e diz palavra sem

sentido. Guie-o pela mão.- Como você quiser – disse Nunez e deixou-se guiar, rindo.Parecia que eles nada sabiam de visão.Nunez começou a perceber que muito da imaginação dos cegos havia desaparecido com sua

visão e eles haviam feito para si, um novo mundo, onde predominava a sensibilidade do ouvido e do tato. Lentamente, Nunez percebeu que ele estava errado em esperar que as pessoas ficassem impressionadas com sua origem e habilidades. Pensavam que ele fosse um novo ser e eram incapazes de entender suas sensações. E, assim, após entender que não aceitariam suas explanações sobre a visão, calou-se e começou a ouvir o que tinha para lhe dizer.

E chegou o dia em que Nunez apaixonou-se por Medina e queria casar-se com ela. O pai, Yacobs, solicitou uma reunião dos mais velhos para decidirem o que fazer. Eles estranhavam muito as falas e comportamentos de Nunez. Após um tempo de discussão, o velho Yacobs comentou:

- Algum dia ele estará tão só quanto nós.A vontade de curá-lo de suas peculiaridades permanecia.Após algum tempo, um dos mais velho, o grande médico entre eles, expôs sua idéia criativa:- Examinei Bogotá – era assim que o chamavam – e o caso é claro para mim – disse. –

Penso que muito provavelmente ele deverá ficar curado.- Isso é o que eu sempre desejei – disse o velho Yacobs.- Sua mente está afetada – observou o doutor cego.Os mais velhos concordaram, murmurando:- Bem, o que o afeta?- Ahm? – disse o velho Yacobs.- Isto – disse o doutor, respondendo à pergunta. – Estas coisas esquisitas chamadas olhos,

que existem para fazer uma agradável e macia depressão na face, estão doentes. Isto está afetando sua mente. Seus olhos são muito grandes e seus cílios e pálpebras movem-se. Assim, sua mente está sendo prejudicada.

- É – disse o velho Yacobs – É isso.- E eu penso que para curá-lo completamente, precisamos fazer uma operação fácil para

remover esses olhos.- E, então, ele ficará são?- Sim, ele ficará perfeitamente são e se tornará um excelente cidadão.- Graças a Deus, pela Ciência – disse o velho Yacobs, e foi contar a Nunez sua intenções.No Vale, é a fala do cego que constitui maioria; é ela que passa a ser ouvida por Nunez,

quando este descobre que a sua não leva a nada. Assim, uma outra maneira de perceber o mundo aparece e com ela conceitos, valores e crenças se impõem em nome da Ciência.

No mundo dos videntes, como não poderia deixar de ser, a fala que se impõe, é a daqueles. Seria absurdo negar este fato. Antes, ele deve ser considerado para que se possa identificar os conceitos, valores, definições do que é comum ditados pelo sentido da visão, pois este, quando utilizado como referencial na educação do Deficiente Visual, impede-o de compreender, levando-o a uma aprendizagem mecânica.

Weels apud Masini, 1990

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ÍNDICE

Lista de Figuras ______________________________________________________ 10

Lista de Tabelas ______________________________________________________ 11

1- INTRODUÇÃO _____________________________________________________ 16

1.1- Motivação do Trabalho _________________________________________ 16

2- OS CONCEITOS DE REPOUSO E MOVIMENTO PARA O SENSO

COMUM __________________________________________________________ 5

2.1- Concepções Alternativas ________________________________________ 5

2.2- A Física do Senso Comum e a Velha Física _________________________ 7

2.3- Principais Relações entre Conceitos do Senso Comum e Conceitos

da Velha Física ________________________________________________ 12

3- A VELHA FÍSICA ___________________________________________________ 15

3.1- A Física Aristotélica ___________________________________________ 15

3.2- Os Problemas de uma Terra em Movimento_________________________ 21

3.3- Física do Impetus ______________________________________________ 24

4- TENTATIVA DE ESTABELECER UMA RELAÇÃO ENTRE O

DESENVOLVIMENTO E A QUESTÃO DA EXCEPCIONALIDADE _________ 27

4.1- Deficiência: Um Fenômeno Social ________________________________ 27

4.2- Visão Psico-social da Deficiência Visual ___________________________ 29

4.3- Cegos não Sentem sua Cegueira __________________________________ 34

5- METODOLOGIA ___________________________________________________ 35

5.1- Sujeitos Experimentais _________________________________________ 36

5.2- Procedimento _________________________________________________ 37

6- ALGUNS RESULTADOS OBTIDOS ___________________________________ 39

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6.1- Convicções de um sujeito Amostral (S1) ____________________________ 39

6.2- Convicções de S1 ______________________________________________ 42

6.3- Análise das Convicções de S1 e suas Relações com o Modelo de

Movimento de Aristóteles e do Impetus ____________________________ 59

7- POSSÍVEIS VANTAGENS DA AUSÊNCIA DE VISÃO NA FORMAÇÃO

DE ALGUNS MODELOS CIENTÍFICOS ________________________________ 67

8- CONCLUSÕES _____________________________________________________ 69

9- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ____________________________________ 71

Apêndice I: Galileu e Aristóteles: Um diálogo através dos Tempos _______________ 76

Apêndice II: Transcrição na íntegra da entrevista concedida por S1 ______________ 83

Tabela de identificação das idéias de S1 ___________________________________ 119

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LISTA DE FIGURAS

Figura 3.1: Antipristasis ________________________________________________

Figura 3.2: “Voltará a cair?” Esta velha gravura em madeira, extraída da

correspondência de René Descartes, ilustra uma experiência proposta pelo

Padre Mersenne, contemporâneo e amigo de Galileu, para verificar o

Comportamento dos corpos que caem. “Retomberat-il?” – pergunta a legenda.

A bala de canhão voltará a cair de novo para baixo?____________________________

Figura 1A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um tubo

reto, é encurvada.______________________________________________________

Figura 2A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um

tubo encurvado, é encurvada. ____________________________________________

Figura 3A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um

tubo encurvado, é retilínea. ______________________________________________

Figura 4A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um tubo

reto, é retilínea. _______________________________________________________

Figura 5A: Representa a trajetória de uma esfera após abandonar o fio que a

fazia girar. ___________________________________________________________

Figura 6A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um tubo

encurvado, é oscilatória. ________________________________________________

Figura 7A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um tubo

reto, é oscilatória. _____________________________________________________

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LISTA DE TABELAS

Tabela 6.1: Relação do número de idéias com o número de convicções de

cada sujeito___________________________________________________________

Tabela 6.2: Relação entre sujeitos que expressaram C1 e as idéias que justificam

essa convicção ________________________________________________________

Tabela 6.3: Relação entre sujeitos que expressaram C2 e as idéias que justificam

essa convicção ________________________________________________________

Tabela 6.4: Relação entre sujeitos que expressaram C3 e as idéias que justificam

essa convicção ________________________________________________________

Tabela 6.5: Relação entre sujeitos que expressaram C4 e as idéias que justificam

essa convicção ________________________________________________________

Tabela 6.6: Relação entre sujeitos que expressaram C5 e as idéias que justificam

essa convicção ________________________________________________________

Tabela 6.7: Relação entre sujeitos que expressaram C6 e as idéias que justificam

essa convicção ________________________________________________________

Tabela 6.8: Relação entre sujeitos que expressaram C7 e as idéias que justificam

essa convicção ________________________________________________________

Tabela 6.9: Relação entre sujeitos que expressaram C8 e as idéias que justificam

essa convicção ________________________________________________________

Tabela 6.10: Relação entre sujeitos que expressaram C9 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.11: Relação entre sujeitos que expressaram C10 e as idéias que

11

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justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.12: Relação entre sujeitos que expressaram C11 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.13: Relação entre sujeitos que expressaram C12 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.14: Relação entre sujeitos que expressaram C13 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.15: Relação entre sujeitos que expressaram C14 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.16: Relação entre sujeitos que expressaram C15 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.17: Relação entre sujeitos que expressaram C16 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.18: Relação entre sujeitos que expressaram C17 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.19: Relação entre sujeitos que expressaram C18 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.20: Relação entre sujeitos que expressaram C19 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.21: Relação entre sujeitos que expressaram C20 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.22: Relação entre sujeitos que expressaram C21 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.23: Relação entre sujeitos que expressaram C22 e as idéias que

12

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justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.24: Relação entre sujeitos que expressaram C23 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.25: Relação entre sujeitos que expressaram C24 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.26: Relação entre sujeitos que expressaram C25 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.27: Relação entre sujeitos que expressaram C26 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.28: Relação entre sujeitos que expressaram C27 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.29: Relação entre sujeitos que expressaram C28 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.30: Relação entre sujeitos que expressaram C29 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.31: Relação entre sujeitos que expressaram C30 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.32: Relação entre sujeitos que expressaram C31 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.33: Relação entre sujeitos que expressaram C32 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.34: Relação entre sujeitos que expressaram C33 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.35: Relação entre sujeitos que expressaram C34 e as idéias que

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justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.36: Relação entre sujeitos que expressaram C35 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.37: Relação entre sujeitos que expressaram C36 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.38: Relação entre sujeitos que expressaram C37 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.39: Relação entre sujeitos que expressaram C38e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.40: Relação entre sujeitos que expressaram C39 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.41: Relação entre sujeitos que expressaram C40 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.42: Relação entre sujeitos que expressaram C41 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.43: Relação entre sujeitos que expressaram C42 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.44: Relação entre sujeitos que expressaram C43 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.45: Relação entre sujeitos que expressaram C44 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.46: Relação entre sujeitos que expressaram C45 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.47: Relação entre sujeitos que expressaram C46 e as idéias que

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justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.48: Relação entre sujeitos que expressaram C47 e as idéias que

justificam essa convicção _______________________________________________

Tabela 6.49: Relação da convicções com o grupo de sujeitos que a expressaram____

Tabela 6.50:Relação das convicções com as teorias aristotélicas e do impetus _____

Tabela 6.51: Relação entre grupos de sujeitos e características das convicções _____

Tabela 6.52: Relação entre cada sujeito e seu respectivo grupo de convicções ______

Tabela 6.53: Relação entre cada sujeito e as características de suas convicções _____

Tabela 6.54: Relação entre as convicções e o paradigma aristotélico de

movimento___________________________________________________________

Tabela 1B: Identificação das idéias de S1 através da enumeração das linhas do

texto transcrito ________________________________________________________

15

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1INTRODUÇÃO

1.1- Motivação do Trabalho

Neste trabalho, os objetivos são o estudo das concepções alternativas de

pessoas cegas sobre os conceitos físicos de repouso e movimento, e a comparação entre tais

concepções e modelos científicos desenvolvidos historicamente. Para isso, foram

selecionados, quatro sujeitos cegos de nascença e dois que perderam a visão logo na infância,

até os cinco anos, visto que estes indivíduos passaram a maior parte de suas vidas, sem

enxergar e por outro lado, nos pareceu de fundamental importância, uma análise comparativa

entre as concepções desses sujeitos.

Como aponta Masini (1990), ao se excluir a observação visual de um

indivíduo, uma outra maneira de perceber o mundo aparece e com ela, conceitos, valores e

crenças se impõem em nome da ciência. No mundo dos videntes, como não poderia deixar de

ser, a fala que se impõe é a daqueles. Seria absurdo negar esse fato. Antes, ele deve ser

considerado para que se possa identificar os conceitos , valores, definições do senso comum

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ditados pelo sentido da visão, pois este, quando utilizado como referencial na educação do

deficiente visual, impede-o de compreender, levando-o a uma aprendizagem mecânica.

Merleau-Ponty, (1971) afirma que cada um sabe do mundo a partir de sua visão

pessoal ou de sua experiência, sem a qual os símbolos da ciência nada significariam. Desta

forma, analisando o exemplo da queda de um corpo, o estímulo visual forneceria dados

capazes de contribuir para a formação de um modelo explicativo do fenômeno, divergente do

científico, ou seja, há influência da massa no tempo de queda, pois é isto que videntes

observam quando uma pedra e uma folha de papel aberta são abandonadas da mesma altura

simultaneamente. No caso de uma bola chutada horizontalmente por um jogador em uma

superfície áspera, o princípio da inércia poderia ser mal interpretado por pessoas não peritas

em Física, graças à não trivialidade observacional da força de atrito, já que a bola pára após

percorrer alguns metros. Tais exemplos reforçam as relações entre algumas concepções

alternativas e modelos científicos desenvolvidos historicamente como os do impetus e o

aristotélico. Portanto se evidencia aqui a importância das observações visuais nas relações

explicativas de fenômenos físicos, principalmente sobre as concepções de repouso e

movimento que estão sendo estudadas nas últimas décadas, e isto é fator fundamental na

dúvida de que a ausência de observação visual poderia ou não representar semelhanças ou

diferenças em tais concepções de pessoas não portadoras do já citado estímulo.

Portanto, conhecer quais são as concepções alternativas que uma pessoa cega

possui de um determinado fenômeno, é pré-requisito básico para se ensinar conceitos deste

fenômeno a ela e uma das formas para se obter o conhecimento de tais concepções é, de

acordo com Masini op. cit., observar as descrições destes fenômenos feitas com palavras do

cotidiano, por essas pessoas. Desta forma, essas descrições, que revelam uma “consciência

ingênua”, são condições para se chegar ao fenômeno (aquilo que se mostra), pois é uma

consciência anterior a qualquer classificação ou explicação

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Meu interesse pelo tema surgiu enquanto ainda era aluno de graduação em

Licenciatura em Física. Sempre acreditei na importância do ensino para o desenvolvimento

total de qualquer indivíduo, e na transformação no sentido de perspectivas futuras, que a

educação escolar é capaz de proporcionar a todos aqueles que a ela têm acesso. Pelo fato de

ser portador de deficiência visual parcial e professor de Física, me preocupei inicialmente em

desenvolver algum tipo de estudo que enfocasse metodologias de ensino à pessoas cegas.

Quando ingressei no curso de Mestrado em Educação para Ciência da Universidade Estadual

Paulista – Câmpus de Bauru, comecei entrar em contato com alguns trabalhos que se

preocupavam em analisar concepções alternativas de senso comum de assuntos variados

dentro da Ciência, especialmente na Física. Ficava surpreso com estes estudos, pelo fato de

que eles procuravam diagnosticar concepções e relacioná-las com modelos históricos, e

faziam-me refletir sobre minhas convicções. A impressão que me dava é que havia em minha

cabeça dois tipos de Física, sendo que uma delas era invocada por mim para que eu pudesse

exercer a minha profissão, e que se contradizia com a outra muito mais espontânea que me

pegava de surpresa em meus pensamentos livres. Conclui que havia limitações em meu

aprendizado acerca do movimento e sua natureza, e que a superação de tais limitações jamais

se daria sem uma análise das próprias convicções particulares, e da trajetória evolutiva

histórica que estes assuntos percorreram.

Decidi que seria de fundamental importância traçar os seguintes objetivos para

minha pesquisa:

1) Estudar as concepções espontâneas de deficientes visuais sobre repouso e

movimento,

2) Estabelecer uma relação entre tais concepções com modelos historicamente

desenvolvidos,

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3) Procurar compreender de que maneira a ausência de visão influencia na

formação de modelos científicos,

4) Verificar a contribuição que pessoas cegas podem dar para o ensino de

Física devido à formação de seus modelos fenomenológicos ,

5) Fornecer subsídios especialmente à professores de Física que lecionam para

deficientes visuais.

Um grande número de estudos sobre o desenvolvimento cognitivo sugere que a

capacidade das pessoas deficientes visuais para ouvir e se comunicar oralmente tem permitido

que desenvolvam as suas capacidades intelectuais o suficiente para terem um desempenho

dentro das normas nos testes padronizados, e apesar da ausência de visão provocar

significativas mudanças nas relações dos indivíduos com os meios social e físico, a presente

dificuldade em questão, não pode ser encarada como fator incapacitador e/ou excludente, pelo

contrário, deve ser explorada e considerada como um diferenciador capaz de fornecer

informações sobre a realidade física.

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OS CONCEITOS DE REPOUSO E MOVIMENTO PARA O SENSO COMUM

2.1- Concepções Alternativas

Nos últimos 25 anos tem-se dado um enfoque significativo a um estudo sobre

concepções alternativas de estudantes a respeito de conceitos físicos (Eckstein, Shemesh,

1993). Esses trabalhos têm demonstrado o quanto as noções dos estudantes se diferem do

pensamento científico atual e o quanto a instrução formal tem se mostrado ineficaz na

mudança de tais noções (Twigger et. al., 1994).

Sob a óptica construtivista o referido problema pode ser compreendido através

da análise de alguns aspectos. A existência destas concepções é explicada através do

argumento de que elas são construídas pelos estudantes muito antes deles receberem qualquer

tipo de instrução formal, com a finalidade de se compreender o mundo ao seu redor

(Lochhead e Dufresne, 1989). Segundo tal perspectiva, há a necessidade, por parte dos

estudantes, de uma análise dos seus próprios conceitos, a fim de que possam ser questionados

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e substituídos por novos mediante sua ineficácia, isto é, o aprendizado de um determinado

conceito físico só se concretizará após uma mudança conceitual por parte do aprendiz.

De acordo com Robin e Ohlsson, (1989), as mudanças conceituais em

mecânica, não podem ser compreendidas sem o conhecimento dos conteúdos e das estruturas

das convicções de senso comum iniciais.

Posner (et. al., 1982) afirma que a filosofia da ciência contemporânea, indica a

maior fonte de hipóteses relativas a esta questão, já que um de seus problemas centrais, é

compreender como as concepções mudam sob o impacto das novas idéias ou novas

informações, isto é, a aprendizagem está fundamentalmente voltada para a compreensão e

aceitação de idéias que pareçam ser inteligíveis e racionais... a preocupação da aprendizagem

está relacionada com idéias, sua estrutura e evidências. Não é simples a aquisição de um

grupo de respostas corretas, um repertório verbal ou um grupo de comportamentos. Por estes

aspectos acredita-se que a aprendizagem, assim como a pesquisa, pode ser melhor examinada

como um processo de mudança conceitual.

Segundo as abordagens atuais da filosofia da ciência, existem duas etapas

diferentes na mudança conceitual em ciência. A primeira se relaciona à execução do trabalho

científico que é realizado junto às estruturas da concepção central que organiza a pesquisa.

Kuhn (1970) chama tais concepções de “paradigma” e a pesquisa em um paradigma

dominante de “ciência normal”.

Quando as concepções centrais requerem modificações, ocorre a segunda

etapa da mudança conceitual. Durante esta etapa, o cientista se defronta com um desafio à

suas suposições básicas. Na hipótese da pesquisa ter continuidade, ele deve adquirir novas

concepções e consequentemente uma nova forma de ver o mundo. Kuhn (1970) denomina

este tipo de mudança conceitual de “revolução científica”.

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De acordo com Posner (1982), existem exemplos análogos de mudança

conceitual na aprendizagem, pois algumas vezes os estudantes usam conceitos correntes para

tratar um novo fenômeno. Esta variação da primeira etapa é chamada de assimilação.

Freqüentemente, entretanto, as concepções dos estudantes são inadequadas para permitir a

compreensão de um novo fenômeno de maneira satisfatória, então os estudantes precisam

substituir ou reorganizar seus conceitos centrais. Esta forma de mudança conceitual, é

denominada de acomodação.

Portanto, mostra-se indispensável o estudo bem como o conhecimento das

concepções espontâneas de um indivíduo para o desempenho de uma boa aprendizagem, pois

a confiança de um estudante em suas concepções ao se defrontar com um novo fenômeno, é

pré-requisito básico para que ele organize sua investigação, já que sem esses conceitos, torna-

se impossível o levantamento de questões e a distinção das características relevantes do

fenômeno.

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2.2- A Física de Senso Comum e a Física Aristotélica

Um outro enfoque dado pelo estudo das concepções alternativas é a relação entre tais concepções e modelos científicos desenvolvidos historicamente. (Stinner, 1994). Nota-se que algumas concepções Aristotélicas estão bem vivas nas mentes das pessoas ainda hoje. Algumas pesquisas realizadas sobre este tema, revelaram semelhanças entre conceitos espontâneos e modelos históricos, indicando a ineficácia do ensino de física na sua quase totalidade no que se refere a uma mudança conceitual, ou seja, a presença de concepções espontâneas tem se evidenciado em sujeitos que já passaram pelo ensino médio, portanto, que mantiveram contato com a física, e em sujeitos que cursaram física na universidade. Em um estudo realizado com estudantes de onze a dezoito anos, de uma escola secundária, Watts (1983) notou uma convicção comum à Aristotélica, ou seja, há a necessidade de uma força para causar e manter o movimento. Exemplo: se um corpo se move, age sobre ele uma força na direção e no sentido do movimento. (Gardner, 1986).

Clement (1979) notou concepções em estudantes envolvendo impetus ao

resolverem problemas relacionados ao movimento, e foram encontradas evidências de

convicções que se assemelham à teoria do impetus em uma grande variedade de situações

simples (um objeto que cai de um precipício, uma bola que rola em uma superfície plana).

Isso parece demonstrar que a convicção de que força mantém um movimento pode colorir a

compreensão de movimento em pessoas não peritas em física (McCloskey et. al., 1980). A

gravidade foi invocada por quase todos os estudantes ... Mas além da pressão do ar

responsável pela confusão acerca da gravidade, surgiu um outro entendimento dos estudantes

sobre esse conceito, a compreensão da gravidade como propriedade particular do objeto ...

esta concepção é pelo menos tão velha quanto a de Aristóteles, cujas explicações envolvidas

eram que há uma tendência de objetos sólidos (mesmo material da Terra) caírem para seu

lugar natural de descanso, a superfície da Terra (Minstrell, 1982).

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É notável a observação das relações entre o pensamento de pessoas não peritas

em Física e o velho paradigma acerca do movimento estabelecido principalmente por

Aristóteles. No entanto, no que se refere ao movimento de projéteis, a convicção mais

expressa pelo senso comum parece convergir ao conceito medieval de impetus. Segundo tal

conceito, o movimento de um projetil é explicado devido à ação de uma força impressa ao

objeto, mesmo após este não manter mais contato com o agente da força. A antiperistasis

aristotélica é rejeitada pelo aluno. Neste conceito aristotélico, o movimento de um projetil se

dá não pela ação de uma força impressa, mas sim, pela ação de uma força exercida pelo ar

que desloca o objeto para a frente após ter servido de resistência para o mesmo. Portanto, as

experiências causais dos estudantes para o movimento de projéteis, na verdade, detêm

analogias com o conceito ou idéia de força impressa de Hiparco/Filoponos e com a teoria do

impetus de Buridan e seus seguidores. (Peduzzi, 1996).

Robin, e Ohlsson, (1989), estudaram as relações entre conceitos espontâneos

de algumas questões ligadas ao movimento e a teoria medieval de impetus e obtiveram

resultados que reforçam a citação anterior. No referido estudo, foram diagnosticadas para um

sujeito – o estudo completo foi realizado com seis sujeitos, estudantes de Psicologia da

Universidade de Pittsburgh - 92 convicções, sendo que, 43% estão de acordo com as

declarações de Buridan, 29% discordam de suas explicações de movimento e 27 % não

apresentaram conexão com as idéias do já citado filósofo do século XIV.

Relacionemos agora, dez convicções expressas pelo sujeito, das quais sete (1,

2, 3, 4, 5, 8 e 9) são concordantes com Buridan, duas ( 6 e 7) são discordantes e uma (10) é

sem conexão:

1) Para um objeto se mover em qualquer outra direção diferente da vertical,

deve ser propulsado por uma força maior que a gravidade.

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2) Um objeto que está se movendo horizontalmente, devido à gravidade,

acumula momento/força/energia.

3) Momento/força/energia mantém o objeto em movimento depois da fonte

momento/força/energia deixar de agir no objeto.

4) Um agente dá momento/força/energia para o objeto em que age.

5) Momento/força/energia mais forte, permite um objeto viajar uma distância

mais longa.

6) Se não há gravidade os objetos flutuam

7) A energia/força em um objeto em movimento, se dissipa a menos que seja

mantido em contato com o movedor.

8) A gravidade atrai coisas para baixo.

9) A força gravitacional em um objeto é diretamente proporcional ao seu peso.

10) O caminho descendente de um projétil necessariamente não é igual ao

caminho ascendente.

Além de notável relação, classificada pela visão tradicional de ensino

pejorativamente como ignorância, faz-se necessário despertar a consciência por parte do

aprendiz, da semelhança de seu pensamento espontâneo com os já referidos modelos

históricos, objetivando através disso, a valorização de sua auto-estima, a superação das

noções de que a Ciência é imutável e dona da verdade absoluta e, de que o professor é o

detentor e transmissor de todo o conhecimento, “que por sua vez se encontra muito bem

armazenado nos livros didáticos”.

No entanto, é necessário não reduzir a criteriosa Física aristotélica, à visão de

senso comum, muito menos elaborada devido ao seu não interesse investigativo, pois ainda

que não o seja matematicamente, a física aristotélica é uma teoria altamente elaborada, que

transcende os fatos do senso comum que servem de base à sua elaboração (Peduzzi, 1996).

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Não é nem um prolongamento grosseiro e verbal do senso comum nem uma fantasia infantil

mas sim uma teoria, isto é, uma doutrina que, partido, bem entendido, dos dados do senso

comum, os submete a uma elaboração sistemática extremamente coerente e severa (Koyré,

1986).

Aristóteles foi o primeiro a desenvolver sistematicamente formulações

explicitas para convicções de senso comum sobre fenômenos físicos e organizá-los em um

sistema conceitual coerente. Ele, deste modo, preparou um caminho para uma crítica de

convicções de senso comum que contribuíram para o desenvolvimento da Física enquanto

Ciência. (Halloun e Hestenes, 1985).

Portanto, as convicções de senso comum, que são incompatíveis com as teorias

científicas vigentes, etiquetadas como concepções erradas, não são enganos arbitrários ou

triviais, pois surgem de experiências pessoais. Estas concepções, comuns entre os estudantes,

foram intensamente defendidas pelos principais intelectuais da fase pré-newtoniana. Se a

superação das visões de mundo, desde Aristóteles até Galileu representou significativo

obstáculo na história da Ciência, nós não deveríamos nos surpreender em reconhecer que tal

superação representa grande barreira para os estudantes ainda hoje (Lemeignan e Weil-

Barrais, 1994), consequentemente, as convicções de senso comum deveriam receber um

tratamento de maior importância por parte dos professores. Elas deveriam ser consideradas

como hipóteses alternativas sérias a fim de serem avaliadas por processos científicos.

Especificamente em nosso trabalho, procuramos enfatizar quais são as

principais implicações causadas pela cegueira nas concepções espontâneas de indivíduos

cegos, bem como as relações entre tais concepções e modelos científicos desenvolvidos

historicamente.

Poderiam, portadores de deficiência visual, construir modelos científicos

diferentes dos de pessoas não portadoras da referida deficiência? Que respostas forneceriam

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pessoas cegas à questões já submetidas à indivíduos não cegos, como por exemplo, por que

um objeto cai? O que é o para cima e o para baixo, para tais indivíduos? Quais são seus

sistemas de referência? Que explicações forneceriam deficientes visuais para o repouso de

um livro sobre a mesa? O que é força? O que é gravidade? Entre outras.

2.3- Principais Relações entre Conceitos de Senso Comum e Conceitos da Física

Aristotélica

Como já foi visto, existe uma forte tendência de ocorrer relações entre

conceitos daquilo que podemos chamar de velha física, isto é, da física desenvolvida

principalmente por cientistas pré-newtonianos e concepções de pessoas não peritas em Física

acerca de questões relacionadas ao mundo físico, principalmente no que se refere ao mundo

macroscópico, observável, perceptível. Apresentaremos aqui uma síntese do pensamento pré-

newtoniano estabelecida por Halloun, e Hestenes, (1985), que procuraram descrever e

generalizar algumas convicções.

1) O movimento é causado pela ação de uma força aplicada ao objeto por um

agente externo ou pela ação da “gravidade”, que pode ser compreendida como uma

propensão intrínseca ao objeto de cair.

2) O movimento é mantido por uma ação contínua de uma força ou

“gravidade”, ou por uma força interna ao objeto (impetus).

3) Os fatores que se opõem ao movimento podem ser descritos como sendo

resistência intrínseca (peso ou massa) do objeto, resistência do meio que envolve o objeto,

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bem como obstáculos em geral. Cabe lembrar que não há distinção por parte do senso comum

entre peso e massa.

4) A terceira lei de Newton se mostra incompatível com as intuições do senso

comum. Quando dois objetos de massas consideravelmente diferentes colidem entre si, o de

maior massa exerce uma maior força no de menor massa.

5) Existem duas analogias para o princípio de soma vetorial. A primeira refere-

se à determinação do sentido do movimento de um objeto que sofre ação de forças paralelas,

ou seja, o sentido do movimento é determinado pelo sentido da maior força que age no

objeto, isto, considerando é claro, que o objeto sofre ação de forças de mesma direção e

sentidos opostos. A segunda analogia refere-se à determinação da direção e sentido do

movimento de um objeto que sofre a ação de forças não paralelas. Neste caso, a direção e o

sentido do movimento do objeto, são determinados por uma espécie de “meio termo” das

forças aplicadas nele.

6) Uma força aplicada é sinônimo de empurrar ou puxar. Para alguns, apenas

seres vivos são reconhecidos como “agentes de força”.

7) O efeito de uma força aplicada está comumente caracterizado pelos

princípios causais seguintes:

Uma força não pode mover um objeto a menos que seja maior que o

peso do objeto (peso não é distinto de massa)

Uma força constante produz uma velocidade constante

Aceleração se deve à ação de uma força crescente

O efeito de uma força constante, é limitado e depende de sua

magnitude. Tal limitação pode ser descrita de dois modos:

i) a força se extingue devido ao seu consumo pelo movimento ou sua

dissipação por agentes resistivos.

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ii) Uma força F, acelera um objeto até que ele atinja uma certa velocidade

crítica proporcional a F que o objeto mantém independente da força estar sendo ou não

aplicada.

Uma força de longo alcance deve ser transmitida por uma corda que

conecta o objeto ao agente. Forças de longo alcance não podem agir em objetos que estejam

localizados no vácuo.

8) Uma força interna ou impetus, mantém o movimento de objetos

independentemente de agentes externos.

Segundo as observações de Clement (1982), existe um princípio entre os

estudantes de que há uma força na mesma direção do movimento de um objeto. Nos itens 9,

10 e 11, tal princípio é relacionado.

9) Um impetus pode ser fornecido ao objeto, pela ação de uma força externa,

além de poder ser transmitido de um objeto para outro.

10) O impetus de um objeto é proporcional à sua massa e velocidade como

expresso na equação F = mv.

11) O conceito de impetus pode ser semelhante ao conceito de uma força

externa aplicada

12) A resistência se opõe a uma força aplicada ou consome o impetus de um

objeto em movimento. Os tipos seguintes de resistência, não são geralmente distintos.

a) Inércia (peso ou massa) é uma resistência intrínseca do objeto ao

movimento

b) Fricção devido ao contato entre o objeto e uma superfície sólida

c) A resistência em um fluido, depende da densidade desse fluido como

também do tamanho, forma e peso do objeto.

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13) Obstáculos podem redirecionar ou interromper um movimento, mas não

podem ser agentes de uma força aplicada

14) A gravidade é encarada como uma propensão que os objetos têm para cair,

de acordo com esta concepção, a gravidade não é necessariamente entendida como uma

força, no entanto, os princípios causais para forças aplicadas relacionados acima, podem

também serem atribuídos à gravidade.

15) Quanto maior o peso (massa) de um objeto, maior será sua velocidade de

queda.

3A FÍSICA PRÉ-NEWTONIANA

3.1- Física Aristotélica

Aristóteles (384 – 322 a. C.), de Estagira, atraído pela intensa vida cultural de

Atenas, que lhe acenava com oportunidades para prosseguir seus estudos, ingressou com

cerca de dezoito anos ao centro intelectual e artístico da Grécia. Vindo da Macedônia, é

apontado por historiadores da Ciência como uma das mentes mais brilhantes de todos os

tempos. Trouxe importantes contribuições em muitas áreas do conhecimento, como nas de

Biologia, Astronomia, Física, Filosofia, Teologia, Política entre outras. Foi o único filósofo

grego cuja obra completa foi traduzida primeiramente para o árabe e posteriormente para o

latim. De acordo com as observações de Koyré, (1991), Aristóteles, o príncipe di color che

sanno, como diria Dante, tornaria-se durante a segunda Idade Média, o representante

exclusivo da verdade, a culminância e a perfeição da natureza humana, o príncipe dos que

sabem e dos que ensinam e por circunstância de sua introdução nas reflexões escolares,

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solidificou-se intensamente, tanto que nenhuma força humana tenha podido afastá-lo (Drake,

1981).

Atento observador, suas constatações sobre o que via ocorrer na Terra e no

firmamento, levaram-no a fazer afirmações sobre a natureza das coisas e a formular um

modelo do universo. Propôs que tal universo deveria ser finito e centralizado na Terra. Além

disso, a partir de suas análises observacionais chegou a conclusão que não existia qualquer

semelhança do ponto de vista Físico entre o mundo celeste e o mundo terrestre. A Terra,

estática, em suas considerações, destacava-se no contexto celeste, já que aparentemente, todos

os corpos celestes giravam ao seu redor. A imobilidade terrestre era observada facilmente

através da realização de um simples experimento: o lançamento vertical de um objeto. Se ela

estivesse se movendo, o objeto deveria cair afastado de onde fora lançado, no entanto, sabe-se

que ele retorna ao mesmo ponto (Cohen, 1967).

As mudanças verificadas por Aristóteles na Terra, como alterações no clima; o

progresso e a decadência na vida dos povos; nascimento, desenvolvimento e posterior morte

dos seres humanos, dos vegetais e dos animais; fizeram com que ele associasse nosso planeta

a um mundo imperfeito, corruptível, sujeito a contínuas e profundas modificações. Há uma

natureza intrínseca de mudança, para as coisas se comportarem da maneira como se

comportam, ou seja, um menino cresce e transforma-se num homem e uma semente

transforma-se numa árvore, porque assim é de sua natureza e da mesma forma, uma pedra cai

porque há nela um propósito intrínseco em dirigir-se para o centro do universo que é seu lugar

natural. Aristóteles atribuía um “amplo leque” de significados para o termo mudança, que ia

desde mudança por crescimento, mudança por locomoção até alterações gerais verificadas na

natureza (Peduzzi, 1996).

Em contraste com o mundo terrestre, ao observar os céus, Aristóteles via a

perfeição. Nada se movia com exceção dos astros, a harmonia e os ciclos repetitivos, eram

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características eternas. A Lua, o Sol, as estrelas e os planetas eram os mesmos, com os

mesmos movimentos, repetitivos, cíclicos, ontem, hoje e para sempre. Tais diferenças entre os

mundos celeste e terrestre implicavam, para Aristóteles, constituições físicas diferentes entre a

matéria terrestre e celeste, e portanto, uma Física diferente (Cohen, 1967).

Fatos como estes descritos, levaram Aristóteles a organização de seu mundo

físico do seguinte modo: separou a Física em terrestre e celeste, sendo que a formação do

mundo material terrestre era constituída pela mistura de quatro elementos corruptíveis

básicos, o elemento terra, o elemento água, o elemento ar e o elemento fogo. Já os corpos

celestes, seriam constituídos por uma quinta substância incorruptível, o éter, um elemento

puro, eterno, inalterável, transparente, e sem peso, não sujeito a mudança, e portanto,

contrastante com os elementos terrestres (Peduzzi, 1996)

Seu modelo físico distinguia o movimento como natural (por exemplo o

movimento de corpos celestiais, ou objetos cadentes) e forçado (por exemplo um cavalo que

puxa uma carroça, ou o lançamento de uma pedra). Todos os objetos, de acordo com

Aristóteles, possuem um lugar natural no universo, e movimento natural é a propensão de

objetos para se moverem ao seu lugar natural. As pedras caem para seu lugar natural no centro

do universo; as chamas sobem para o seu lugar natural que é na esfera lunar (Koyré, 1986).

No entanto, para que ocorra um movimento forçado, deve haver um movedor

que faz com que o objeto se movimente. A Física Aristotélica não contém nenhum conceito

de ação a distância, a noção de gravidade é literalmente inexistente no sistema Aristotélico, o

movimento de uma pedra lançada de um precipício seria explicado, em condições

aristotélicas, como devido inicialmente a ação de um movedor (a força aplicada na pedra),

uma força contínua de movimento e o movimento natural descendente da pedra (Gardner,

1986). O mecanismo da força responsável pela manutenção do movimento é bastante

complexo: o objeto que está em movimento perturba o meio, que então continua a dar força

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ao objeto provocando com isso a continuidade do movimento até que a foça cesse, tal

processo é denominado antiperistasis (Franklin, 1978). Quando se movimenta, o projétil

passa a ocupar o lugar que antes era preenchido pelo ar que havia a sua frente. Este mesmo ar,

por sua vez, flui em torno da pedra para ocupar o espaço vazio deixado pela mesma. Com este

movimento o ar impele o objeto para a frente... tal processo é imperfeito e a força sobre o

projétil gradualmente se extingue e ele pára. (Peduzzi, 1996).

Figura 3.1: Antiperistasis

De acordo com o que já foi analisado, Aristóteles separou a cosmologia do

resto da Física, que permaneceram separadas até a síntese newtoniana (Halloun e Hestenes,

1985). Ele definiu o movimento como mudança de posição e reconheceu a necessidade de um

sistema de referência.

Aristóteles considerou o movimento no vazio como uma abstração não

realística. Sustentou esta opinião com vários argumentos diferentes, sendo que o mais

relevante se estabelece pela necessidade da hipótese de um universo finito centralizado na

Terra, e pela importância do meio para o movimento, já que na ausência do mesmo, a

velocidade de um objeto tenderia ao infinito – analisar equação 3.3 – o que para Aristóteles

era totalmente inviável (Koyré, 1986).

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Na visão do filósofo, o repouso é o estado natural para todos os objetos e todo

movimento tem uma causa que foi brevemente discutida anteriormente, isto é, o movimento

natural e o movimento forçado.

Uma das convicções Aristotélicas mais significantes é de que a velocidade de

um corpo cadente é proporcional a seu peso (P) e inversamente proporcional à resistência do

meio (R). Para ele, a única medida do movimento é a velocidade média, que pode ser obtida

pela razão entre a distância (D) percorrida e o tempo (T) gasto para percorrer tal distância.

Além das variáveis peso e resistência do meio, Aristóteles concluiu que a

velocidade depende do tamanho e da forma do corpo, como também da densidade do meio.

Deste modo, pode-se deduzir uma lei aristotélica do movimento que pode ser representada

matematicamente pela expressão (Peduzzi, 1986):

(equação 3.1)

Consequentemente, a relação de velocidades para dois corpos de mesmo

tamanho e forma, lançados simultaneamente é dada por (Halloun e Hestenes, 1985):

(equação 3.2)

Em outras palavras, o corpo mais pesado cai mais rápido em proporção ao seu peso. Evidentemente, essa idéia está incorreta e em oposição à idéia de Galileu para queda de corpos em meios materiais ( Halloun, e Hestenes, 1985). Vale a pena ressaltar que a Física de Aristóteles era qualitativa e não quantitativa e que a equação 3.1 é uma formulação algébrica direta de suas afirmações qualitativas e as relações expressas pela equação 3.2, eram deduzidas e discutidas por seus seguidores na Idade Média.

Um outro tipo de força apresentada pela teoria de Aristóteles, é a força externa

responsável pelos movimentos forçados. Tal força somente pode ser aplicada a um objeto por

um agente vivo em contato direto com ele ou indiretamente através de alguma conexão, como

por exemplo uma corda. Objetos sem vida, como mesa, parede, cadeira, etc, são apenas

obstáculos que se opõem ao movimento, mas de maneira alguma exercem forças. Uma força

não move um objeto a menos que seja superior à sua inércia, uma resistência intrínseca do

corpo (massa) que não é distinta de seu peso.

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Uma força constante (F), fornece ao corpo uma velocidade constante (V), que é

inversamente proporcional à resistência (R) que depende do meio além da inércia do objeto

(Peduzzi, 1986)

(equação 3.3)

De acordo com esta lei, seguidores de Aristóteles, concluíram que um aumento

de velocidade (aceleração) pode ser obtido por um aumento de força, ou, no caso do

movimento natural (queda-livre), através de um aumento de peso, pois desta forma, o objeto

fica mais íntimo do seu lugar natural. (Halloun e Hestenes, 1985).

Contudo, Aristóteles supôs que na ausência de qualquer força, um objeto

entraria imediatamente em repouso (Lochhead e Dufresne, 1989). O movimento de projeteis

ou de uma flecha era explicado pela antiperistasis. A crítica a esse argumento impulsiona uma

revisão da teoria aristotélica na Idade Média, o que provocou o surgimento do conceito de

força impressa (Robin e Olhsson, 1989), como veremos posteriormente.

Em resumo podemos concluir da equação 3.3 que:

a) Sendo a resistência constante, sob a influência de uma força constante um

objeto se movimenta com velocidade constante;

b) A magnitude da velocidade é proporcional à intensidade da força aplicada;

c) Para uma resistência constante, um objeto apresenta variação de velocidade

quando sobre ele age uma força variável;

d) Uma força aplicada a um objeto produz movimento;

e) É necessária a presença de um meio para que haja movimento. Não existe o

vácuo. (Peduzzi, 1996).

A afirmação d é válida apenas para F maior que R.

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Portanto, de acordo com o que descrevemos, a Física Aristotélica, tem como

base de sua formulação, observações de fenômenos cotidianos que de uma certa forma

satisfazem as expectativas de senso comum, mas não pode e nem deve ser reduzida a tal nível.

Ela não se limita, em sua linguagem, a exprimir noções de senso comum, mas transpõe-no,

pois a distinção dos movimentos em naturais e violentos enquadra-se numa concepção geral

da realidade Física e como aponta Koyré (1996), tais concepções têm como peças mestras a

crença na existência de naturezas bem determinadas e a crença na existência de um cosmos. O

repouso dos objetos não tem porque ser explicado, é a sua própria natureza que o explica, o

movimento por sua vez, é um estado passageiro; no caso do natural, a extinção se dá quando

seu fim é atingido; e no caso do movimento forçado, não havia razões para Aristóteles

acreditar que tal estado pudesse prolongar-se indefinidamente, pois a crença em tal hipótese,

levaria-o a contradizer-se junto à suas próprias concepções ou especificamente à sua idéia de

cosmos.

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3.2- Os Problemas de uma Terra em Movimento

Conforme já foi discutido, é surpreendente notarmos, que um modelo Físico

proposto há mais de 2000 anos esteja intimamente relacionado com as noções apresentadas

pela maioria das pessoas sobre movimento. É fato que mesmo hoje, homens e mulheres,

presumivelmente bem educados tendem a pensar a respeito do mundo físico como se a Terra

estivesse em repouso, ao invés de estar em movimento. Com isso não quero afirmar que tais

pessoas acreditem realmente que a Terra esteja em repouso; se perguntadas, responderão que

naturalmente sabem que a Terra dá uma volta por dia em torno do seu eixo, e ao mesmo

tempo se move numa grande órbita anual ao redor do Sol. Todavia, quando se trata de

explicar certos acontecimentos físicos comuns, tais pessoas são incapazes de dizer como é que

esses fenômenos cotidianos podem se dar, como vemos que eles se dão, numa Terra em

movimento (Cohen, 1967).

A questão se dá em analisarmos sob que ponto de vista o problema é encarado.

Parece-nos claro que existem duas idéias contraditórias “povoando” a mente das pessoas. Por

um lado, todos são capazes de afirmar que o formato da Terra é esférico e que essa Terra

possui dois movimentos fundamentais, o de rotação (movimento no qual a Terra realiza

dando voltas sobre seu eixo) e o de translação (movimento que a Terra realiza dando voltas

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em torno do Sol). No entanto, não é isto que é observado pelos sentidos humanos, ou seja, o

que vemos é o Sol dar voltas em torno da Terra e ao que se refere ao movimento de rotação,

somos incapazes de percebe-lo.

A questão da queda de um objeto pode exemplificar este fato. Imagine que

você atire uma pedra verticalmente para cima. Onde cairá a pedra?

Naturalmente afirmaria qualquer pessoa com instrução em Física ou não, que

tal pedra subiria e depois desceria caindo no mesmo ponto de onde foi lançada. Se a Terra

estivesse em repouso, não haveria dúvida de que a pedra lançada verticalmente para cima, no

ar, voltaria diretamente para o mesmo lugar, no entanto, como isto seria possível no caso de

uma Terra em movimento? Se a Terra se move, não seria razoável supor que o objeto devesse

cair alguns metros a oeste de onde foi lançado? A visão aristotélica usa argumentos

semelhantes ao descrito, para fortalecer o paradigma da imobilidade terrestre.

Aproveitemos um exemplo proposto por Cohen (1967), para analisarmos a

questão da imobilidade terrestre. Imagine um pássaro faminto empoleirado nos galhos de

uma árvore, visualizando um verme no chão. O pássaro então voa dos galhos da árvore e

apanha o verme sem maiores problemas. Se a Terra gira em torno do seu eixo, como tal

fenômeno poderia ser explicado? Sabe-se que a velocidade de rotação da Terra no Equador é

de aproximadamente 450m/s, portanto, ao abandonar a árvore, o pássaro por mais que se

esforçasse, não conseguiria atingir tal velocidade e deveria ficar em defasagem em relação ao

verme, no entanto, não é isso que é observado e como já foi visto no exemplo, o pássaro

captura o verme sem maiores problemas.

Como explicar tais fenômenos em uma Terra em movimento? O que supomos

é que o caráter observacional e principalmente ao que se refere ao sentido específico da visão,

desempenha importante função na formação de um modelo espontâneo de Terra em repouso,

presente indiscutivelmente nas mentes das pessoas não peritas em ciência, e sem querermos

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cometer algum tipo de abuso, presentes nas mentes de muitos peritos que aprenderam a

conviver pacificamente com dois ou mais modelos antagônicos. De acordo com Cohen

(1967), na sua falta de habilidade ao tratar das questões do movimento em relação a uma

Terra que se move, o homem comum, ou seja, não perito em Física, está na mesma posição

de alguns dos maiores cientistas do passado, o que lhe pode ser fonte de grande conforto;

contudo, a maior diferença é que para o cientista do passado a incapacidade para resolver

estas questões era um sinal do seu tempo, ao passo que para o homem moderno tal

incapacidade é um distintivo de ignorância.

É fato que a constatação das referidas idéias antagônicas discutidas acima, se

torna clara na ineficácia apresentada pelo senso comum nas explicações imediatas de tais

questões, isto é, embora todos respondam que a Terra se movimenta, para a maioria das

pessoas isto está longe de ser óbvio.

Sob o contexto do papel da visão para a formação de concepções espontâneas,

surge a seguinte dúvida: na interação estabelecida pelo homem com o mundo físico e pela

necessidade de explicações de fenômenos relativos a esse mundo, que papel desempenha o

sentido da visão? A resposta para tal questionamento, está totalmente relacionada aos

objetivos desta dissertação e será discutida posteriormente.

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Figura 3.2: “Voltará a cair?” Esta velha gravura em madeira, extraída da correspondência

de René Descartes, ilustra uma experiência proposta pelo Padre Mersenne, contemporâneo e amigo de Galileu,

para verificar o comportamento dos corpos que caem. “Retomberat-il?” – pergunta a legenda. A bala de

canhão voltará a cair de novo para baixo? (Cohen, I. B. 1967 pág. 79)

3.3- A Crítica à Antiperistasis Aristotélica e a Física do Impetus

Das dificuldades provenientes da compreensão principalmente do movimento

de projéteis que não mantinham mais contato com o seu movedor, Aristóteles sistematizou, a

partir das observações de Platão, o conceito de antiperistasis, acrescentando poucos detalhes

ao mesmo. Assim, Platão, para empregar os seus próprios termos, atribuía a causa daquele

movimento (dos projéteis) à antiperistasis. Mas Platão não nos explica suficientemente como

é que tal há de ser entendido, e Aristóteles não acrescenta grande coisa. E o termo é ambíguo,

visto que designa, falando com exatidão, o circuito ou a revolução dos contrários; quando um

dos contrários circunda o outro e o leva, de certa forma, para o centro. Assim, o calor no

verão supera o frio, e é daí que nascem os frutos que são frios por natureza; e, ao contrário, no

inverno o frio afasta o calor para o centro, o que faz com que no inverno os ventres estejam

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mais quentes. Em segundo lugar, e mais vulgarmente, aquele termo (antiperistasis) aplica-se

ao movimento só, a saber, ao caso em que o ambiente produz o movimento no móvel que

impele e em que, ao mesmo tempo, tem a sua origem nele, tal como pretendia Platão. Pois

qualquer movente, enquanto move, é ao mesmo tempo, movido. E não comunica nenhuma

força ao móvel, nem transfere nenhuma para outro que não seja ele mesmo: é por isso que ele

se move pelo mesmo movimento que o próprio móvel. Assim, se o espírito fosse uma coisa

corpórea, moveria o corpo e mover-se-ia a si mesmo num só movimento (Bonamico Apud.

Koyré, 1986).

A teoria de Aristóteles, embora satisfatória sobre aspectos de senso comum,

falhava em explicar um fenômeno bastante trivial e cotidiano ou como diria Koyré, não

explicava o fenômeno da projeção. Contudo, como qualquer teórico, Aristóteles adaptou seu

modelo para explicar tal fenômeno, afirmando que a continuação do movimento de um

projétil ocorre através de um processo turbilhonante no meio envolvente do móvel, que age

sobre este último arrastando-o e impelindo-o. O truque teórico está na invenção de um meio

particularmente apto a mover-se, diríamos hoje, de um meio elástico, o ar (Koyré, op. cit.).

No entanto, a antiperistasis aristotélica, nunca foi aceita e serviu de base para críticas e

questionamentos, principalmente entre os físicos medievais dos quais destacamos o italiano

Giambattista Benedetti (Século XVI), defensor da teoria de impetus, e inegável influenciador

de Galileu. Benedetti, como aponta Koyré (1991), não ultrapassou os limites que separam a

ciência medieval – e a da Renascença – da ciência Moderna, mérito exclusivo de Galileu, mas

no esforço de matematização da ciência, foi muito mais longe que Tartaglia seu mestre e

predecessor imediato e opondo-se à física empirista e qualitativa de Aristóteles, instituiu sobre

as bases da estática de Arquimedes, uma física, ou uma “filosofia matemática” da natureza.

Entretanto, ao contrário de Galileu, que libertou-se da idéia confusa do impetus, Benedetti não

obteve êxito nas explicações do movimento, pois é justamente na idéia de impetus que ele

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fundamenta sua dinâmica, idéia esta que explicitaremos a seguir e que representou

basicamente todo o pensamento medieval acerca do movimento.

Portanto, como discutido acima, de acordo com o princípio geral de

Aristóteles, de que todo movimento possui uma causa, surgiu o conceito de antiperistasis,

pela necessidade que havia de se explicar o movimento de objetos que não mantinham mais

contato com o seu movedor. Neste princípio o ar desempenharia duas funções junto ao

deslocamento de um projétil, a função de resistir ao seu movimento e a de empurrá-lo para a

frente. Tal idéia, acabou sendo rejeitada por Johannes Philoponus de Alexandria, um

destacado crítico medieval que viveu entre o final do século V e início do século VI. Para ele,

opondo-se ao que disse Aristóteles, a velocidade de um móvel não seria proporcional à razão

entre a força motora e a resistência do meio (equação 3.3), mas sim à diferença entre elas

(Stinner, 1994).

(equação 3.4)

Philoponus afirmou que no caso de lançamento de objetos, o movente

transmite uma certa força motora incorpórea ao projétil e o ar em torno influenciará muito

pouco neste movimento. Generalizando o seu conceito de força impressa, surge a seguinte

explicação para o fenômeno: “todo objeto lançado recebe do agente que o colocou em

movimento um poder imaterial, que sustenta o movimento do corpo, até que se dissipe

espontaneamente” (Zanetic, 1995). De acordo com este conceito de força impressa, proposto

por Philoponus, continuava existindo a necessidade de um movedor, para se explicar o

movimento de objetos, contudo, este seria imaterial e se esvaía naturalmente após um certo

tempo, sem sofrer qualquer influencia dissipativa por parte do meio. Este poder de mover o

objeto, foi chamado no século XIV por Jean Buridan (1300-1358) de impetus. Buridan

também foi o responsável pela modificação e formulação definitiva desse conceito: “um

movedor, ao colocar um corpo em movimento, deixa impresso nele um certo impetus, um

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certo poder capaz de provocar mudanças neste corpo na direção que o movedor imprimir, ou

seja, para cima, para baixo, lateralmente, ou em circulo. Pela mesma quantia que o movedor

move o corpo, o poder do impetus é impresso nele. É por esse impetus que a pedra é movida

depois do lançador deixar de movê-la, mas, por causa da resistência do ar e da gravidade da

pedra que a inclina ao entrar numa direção oposta àquela que o impetus tende a movê-la, este

impetus se torna continuamente debilitado. Então o movimento da pedra se tornará

continuamente mais lento até que o comprimento do impetus se torne tão diminuído ou

destruído que a gravidade da pedra prevaleça sobre ele, movendo a pedra para baixo para seu

lugar natural.” (McCloskey et. al., 1980).

De acordo com Piaget e Garcia (1982), Buridan apresenta várias experiências

cotidianas para embasar sua crítica à teoria aristotélica de antiperistasis. A primeira delas

enfoca o movimento de uma roda ou de um moinho, que se move durante um certo tempo

após ter sido impulsionado. Evidentemente que argumentos envolvendo a ação do ar como

responsável pela continuidade do movimento, não podem ser utilizados neste caso, visto que,

o movimento da roda é circular e não oblíquo. Uma segunda experiência envolve a análise de

uma comparação entre o movimento de uma lança pontiaguda na parte de trás e o de uma

lança cuja traseira é arredondada. Se o princípio aristotélico de antiperistasis fosse verdadeiro,

argumenta Buridan, a lança cuja traseira foi aguçada deveria mover-se mais lentamente que a

outra, pois o ar ao empurrar sua ponta traseira, se dividiria mais facilmente que o ar ao

empurrar a traseira não aguçada da outra lança. As terceira e quarta experiências, envolvem a

análise do movimento contra correnteza, de um barco que continua a se mover por um tempo

depois que os remos deixaram de impulsioná-lo para a frente. É fato que o remador que

estivesse situado na extremidade traseira do barco, não sentiria a ação do vento, que segundo

Aristóteles seria o responsável pela continuidade do movimento do mesmo. Supondo agora

que o barco estivesse levando em sua parte dianteira, uma carga de madeira, o ar que seria

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capaz de manter o movimento contra a correnteza do barco, também deveria ser capaz de

prensar o remador contra a carga de madeira. A quinta experiência enfoca o salto em distância

de um atleta. Neste caso, o atleta, quando se encontra no ar, não sente a ação do vento em suas

costas, contudo, sente a resistência que o ar impõe à sua frente.

Notemos que para Buridan, o impetus não era algo que se esvaía

espontaneamente com o tempo, como afirmava Philoponus, mas sim algo permanente, isto é,

que agiria até o instante em que surgissem resistências ou forças que se lhe fossem contrárias

(Zanetic, 1995). Uma outra diferença, é que para Buridan, o impetus é proporcional à

quantidade de matéria, massa do corpo e à sua velocidade; poderia ser aplicado

indistintamente para movimentos lineares e circulares, tanto que, a partir dessa sua

declaração, alguns teoristas do impetus postularam um conceito de impetus circular que era

responsável pelas explicações do movimento contínuo dos planetas e da roda do moedor.

Observemos que o conceito de impetus, é um precursor histórico dos conceitos

de inércia, impulso, quantidade de movimento e energia cinética e segundo enfatiza Clement

(1982), teve influência significativa no pensamento de Galileu. Como curiosidade e exemplo

de argumentação de Buridan, vejamos suas explicações para queda acelerada de um corpo:

“Destas razões segue que deve-se imaginar que um corpo pesado adquire movimento não

apenas devido ao seu principal movente, a gravidade, mas que ele também adquire para si

próprio um certo impetus com aquele movimento. Este impetus tem o poder de mover o corpo

pesado em conjunção com a gravidade natural permanente. E porque esse impetus é adquirido

em comum com o movimento, quanto mais rápido for o movimento, maior e mais forte será o

impetus. Assim, no início o corpo pesado é movido apenas por sua gravidade natural;

portanto, é movido vagarosamente. A seguir é movido pela gravidade e pelo impetus

adquirido ao mesmo tempo; consequentemente, move-se mais rapidamente. E como o

movimento se torna mais rápido, o impetus se torna maior e mais forte, e portanto o corpo

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pesado move-se sob ação de sua gravidade natural e desse impetus maior, simultaneamente, e

assim de novo se moverá mais rapidamente; e assim, ele será sempre e continuamente

acelerado até o fim” (Franklin, 1976). Constatemos que tal declaração de Buridan nos deixa

margem a uma interpretação ambígua do impetus no que se refere à causa e efeito do

movimento. Se por um lado, o impetus é gerado conjuntamente com o movimento, pelo

motor, por outro lado, é o movimento que começa a gerar mais impetus, e acelerar o corpo em

sua queda (Piaget e Garcia, 1982).

Apesar da teoria de impetus ter continuado fiel ao princípio aristotélico de que

força produz velocidade e não aceleração, é fato que este princípio representou um avanço

conceitual sobre o movimento de objetos em relação às idéias propostas por Aristóteles, já

que de acordo com essa teoria, o meio passa a ter um papel apenas de resistência ao

movimento, e não é mais responsável pela continuidade do mesmo. Este conceito, apesar de

ter se desenvolvido em plena idade média, época de resistência e perseguição às idéias gregas

por parte da igreja, representou uma superação na história da Ciência, pois ela permitia pela

primeira vez a possibilidade do movimento no vazio, algo que era continuamente rejeitado

por Aristóteles, mas naturalmente aceito por Benedetti (Koyré, 1991).

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4 -ESTABELECIMENTO DE UMA RELAÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO E

A QUESTÃO DA EXCEPCIONALIDADE

4.1- Deficiência: Um Fenômeno Social

As diferentes deficiências têm sido, em larga extensão, abordadas do ponto de vista

médico, que as considera, basicamente, como resultado da presença de algum elemento

patogênico no organismo (Omote, 1989). Nesta abordagem, a origem da deficiência está

na própria pessoa considerada deficiente, entretanto, a deficiência é um fenômeno muito

mais amplo e complexo, não se constituindo numa característica inerente ou num

atributo da pessoa conhecida como deficiente.

As condições orgânicas anormais podem ser fontes geradoras de incapacidade nos

portadores, mas o nível de desenvolvimento mental, educacional, social, ocupacional, etc,

desses indivíduos, não pode ser compreendido como decorrente exclusiva e

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automaticamente dela. Essas condições só adquirem o sentido de desvantagem na

medida em que os atributos prejudicados sejam considerados importantes para a

adequação deles no meio social em que vivem (Omote, 1986). Desse modo, há uma outra

fonte de condições geradoras de incapacidade nos indivíduos, que é o próprio meio social

em que se situam.

Erikson (Apud. Omote, 1986) considera que a variável crítica no estudo do desvio é o

comportamento social frente à deficiência e não a pessoa reconhecida como deficiente.

Nesta perspectiva, a deficiência passa a ser uma condição socialmente criada, sobreposta

ou não, às condições médicas incapacitadoras.

Como aponta Omote (id.), em vez de circunscrever a deficiência nos limites corporais e

físicos da pessoa deficiente, necessário se faz incluir as reações que, em última instância,

definem alguém como deficiente. As reações apresentadas por pessoas comuns frente às

deficientes, ou às deficiências não são determinadas exclusivamente nem

necessariamente por características objetivamente presentes num dado quadro de

deficiência, mas dependem da interpretação, julgamento e valores, fundamentados ou

não em crenças científicas, que se fazem desse quadro.

Omote (1989) ainda, enfatiza que as pessoas deficientes, ainda que portadoras de alguma

incapacidade objetivamente definida e constatável, não constituem exceções da

normalidade mas fazem parte integrante e indissociável da sociedade, isto é, qualquer

análise acerca do desenvolvimento das mesmas não pode estar desvinculada do contexto

social que as cercam. Esta afirmação de Omote vem se coadunar com o discurso de

igualdade social entre todos os cidadãos. No entanto, tal igualdade de oportunidades,

tanto sociais como educacionais, não condiz com a nossa realidade concreta, que pelo

contrário, mostra um quadro bastante diferente. (Ragonesi, 1988). Em se considerando

o sujeito como cidadão, este deve produzir e usufruir dos bens coletivos tanto materiais

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como simbólicos (ciência, língua, literatura, arte, condutas, etc.) e sociais da sociedade

na qual está inserido.

Sendo o papel fundamental da educação construir a inclusão social e com ela o

desenvolvimento da cidadania, faz-se necessário garantir condições para que o ensino se

efetue real e concretamente à todos os indivíduos, incluindo igualmente os portadores de

deficiências. Conforme assinala Mazzotta (1994), é preciso reduzir e se possível eliminar

o grande desequilíbrio existente entre as garantias legais e recomendações oficiais a

respeito do direito à educação e as realizações que possibilitam o exercício desse direito.

Portanto, partindo do principio de que todos são capazes e competentes para aprender

desde que sejam proporcionadas condições adequadas, considerando-se características

típicas do aprendiz e do conteúdo a ser ensinado, as limitações postas pela deficiência

aos seus portadores não se constituem em obstáculos intransponíveis para que

aprendam quaisquer conteúdos escolares, inclusive os científicos de física (Baughman e

Zollman, 1977).

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4.2- Visão Psico-Social da Deficiência Visual

A questão da deficiência tem gerado uma problemática que somente pode ser

compreendida e elucidada às suas dimensões bio-fisico-sociais. Entretanto, como já foi

dito anteriormente, a ênfase dada ao fenômeno concernente a deficiência tem recaído

sobre a sua dimensão biológica ou física, desconsiderando-se, portanto, a dimensão

social que mantém estreitas relações com o problema da excepcionalidade.

Sob este contexto, o quadro do desenvolvimento mental de uma pessoa portadora de

deficiência está intimamente ligado com as relações sociais que a mesma mantém em seu

cotidiano. Segundo Leontiev (1988), durante o desenvolvimento da criança, sob a

influência das circunstâncias concretas de sua vida, o lugar que ela objetivamente ocupa

no sistema das relações humanas se altera. Evidencia-se aqui as importâncias de ouvir,

enxergar, sentir, falar, como pré-requisitos fundamentais para o desenvolvimento global

de um ser humano, já que a ausência parcial ou total de um desses quesitos, ou seja, a

presença de uma "deficiência", estabelece alterações no comportamento social desses

indivíduos.

Além disso, acerca das dependências, Leontiev (1988), aponta que uma criança

reconhece sua dependência das pessoas que a cercam diretamente. Ela tem de levar em

conta as exigências, em relação ao seu comportamento, das pessoas que a cercam,

porque isto realmente determina suas relações pessoais, íntimas, com essas pessoas. Ora,

se um indivíduo "normal", estabelece relações íntimas de dependência com aqueles que

o rodeiam, principalmente na idade pré-escolar, tais dependências tendem a ganhar um

valor contextual, se não maior ou menor, pelo menos diferente para aqueles indivíduos

que são portadores de alguma "anormalidade" física. Imaginemos aqui o quão diferente

se apresenta uma relação de dependência de uma criança cega com sua mãe comparada

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à de uma criança que enxerga. A primeira tem dificuldade de encontrar as coisas, em se

alimentar sozinha, de participar de atividades sociais com outras crianças, como,

brincadeiras que solicitam o sentido da visão, entre outras. Segundo Leontiev (1988) a

infância pré-escolar é o período da vida em que o mundo da realidade humana que

cerca a criança, abre-se cada vez mais para ela. Poderíamos conceber neste momento, no

entanto, sem a ousadia de procurar resolver a questão, uma hipótese: a presença de

alguma "anormalidade" física, devido às suas implicações sociais pode ser um fator

importante no desenvolvimento de um ser humano.

Com o objetivo de tentar compreender a importância da deficiência visual no quadro

global de desenvolvimento de uma pessoa, mais especificamente em relação à

interferência na maneira do sujeito compreender o mundo físico, é que procuraremos

analisar alguns autores de fundamental importância nesse assunto.

Vigotski (1997), analisa o problema e sugere que a cegueira age de uma certa forma

como uma "força" que faz manifestar as capacidades. Em seu ensaio "O menino cego",

trata a questão em três etapas (mística, biológica e científica ou sócio-psicológica).

A etapa mística engloba a Antigüidade, a Idade Média e uma grande parte da História

Moderna e pode ser caracterizada pela visão mística, superficial e preconceituosa a

respeito do cego. A cegueira é associada com infelicidade, invalidez, medo supersticioso e

grande respeito. Paralelamente à idéia de invalidez, aparece a idéia de que nos cegos se

desenvolvem as forças místicas da alma, como um acesso à visão espiritual. É neste

período histórico que surgem as tradições acerca do cego, como o guardião da sabedoria

popular, os cantores e os profetas. Homero era cego, e existe na literatura a suposição de

que Demócrito se cegou para dedicar-se à filosofia. Este acontecimento serve para

exemplificar a relação mística estabelecida nesta época entre o dom filosófico e a

cegueira. Talmud (Apud. Vigotski, 1997) comparou os cegos, os leprosos e os estéreis aos

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mortos e ao referir-se a eles utilizava a expressão eufemística: "Pessoas com abundância

de luz".

Pode-se afirmar que graças a essa tradição, ainda hoje a cultura popular entende o cego

como uma pessoa que possui visão interior dotada de conhecimento espiritual, não

acessível a outras pessoas. O cristianismo variou o conteúdo moral dessa essência, mas

deixou invariável a própria essência e nisso se baseou o dogma principal da idade média

acerca dos cegos, isto é, a crença na idéia de que para toda classe de sofrimento e

privação atribuir-se-ia um valor espiritual, pobreza terrestre - riqueza com Deus, corpo

débil - espírito elevado, aproximação do cego à Deus. Nenhum desses pontos de vista

surgiram da experiência, ou do testemunho e muito menos da investigação, mas de

teorias sobre o espírito e a fé.

A etapa biológica surge a partir do século XVIII com uma nova compreensão da

cegueira. O misticismo é substituído pela ciência e o preconceito por experimentos e

estudos. Esta nova fase incorporou o cego ao ensino e ao estudo, baseava-se na

substituição de órgãos do sentido, como no caso dos órgãos pares rins e pulmões, isto é,

na ausência ou não funcionamento de um deles, o outro exerceria suas funções. Lendas

baseadas em observações verdadeiras, porém mal interpretadas sobre agudeza do tato,

super audição, natureza perfeita "que tira com uma mão e dá com a outra" e atribuição

de um sexto sentido aos cegos, são caracterizadoras desta etapa.

Bürklen (Apud. Vigotski, 1997), reuniu alguns autores que desenvolveram uma nova

idéia frontal à já estabelecida: indicavam como um fato irrevogável que nos cegos não

existe o desenvolvimento super - normal das funções do tato e da audição, pelo

contrário, com muita freqüência estas funções se apresentam nos cegos menos

desenvolvidas do que nos não cegos. Fenômenos como o da agudeza tátil nos cegos não

surge da compensação fisiológica direta do defeito da vista, mas sim, de uma via

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indireta, muito complexa da compensação sócio - psicológica geral, em outras palavras,

segundo afirmação de Luzardi (Apud. Vigotski, 1997), o tato ou a audição nunca

ensinarão o cego realmente a ver. Portanto, conforme assinala Vigotski (1997), é preciso

compreender a substituição, não no sentido de que outros órgãos assumam diretamente

as funções fisiológicas da vista, mas sim, no sentido da reorganização complexa de toda a

atividade psíquica, provocada pela alteração da função mais importante e dirigida por

meio da associação da memória e da atenção, ou seja, a criação de um novo tipo de

equilíbrio do organismo em função do órgão afetado.

A superação da convicção biológica ingênua que se mostrou incorreta representou um

grande avanço em direção à "verdade", ou seja, pela primeira vez, partindo da

observação científica com o critério experimental, se abordou o fato de que a cegueira

não é só um defeito, uma deficiência, mas também incorpora várias forças e novas

funções à vida e à atividade, motivando um certo trabalho criador orgânico. Com o

surgimento do Braille, o cego passou a ter acesso à educação e isto foi de valor

inestimado, já que um ponto do sistema Braille se mostrou mais importante para o cego,

que mil obras de caridade. A possibilidade de ler e escrever resultou ser mais

importante do que o sexto sentido ou a agudeza do tato e do ouvido.

Haüy (Apud. Vigotski, 1997), assinalou "encontrarás a luz no ensino e no trabalho". Ele

viu no conhecimento e no trabalho a solução da tragédia da cegueira. A época de Haüy

deu aos cegos o ensino, nossa época deve dar o trabalho.

Foi na idade moderna, após a superação das visões mística e biológica - que até então se

apresentavam como modelo de interpretação acerca do indivíduo cego - pela psicologia

social da personalidade que a ciência se aproximou do domínio da "verdade" sobre a

psicologia da pessoa cega. Temos aqui caracterizada a etapa científica ou sócio-

psicológica. Segundo as palavras de Vigotski (1997), fica claro a nova linha de

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abordagem que se segue: "Se algum órgão, devido à deficiência morfológica ou

funcional, não cumpre seu trabalho, então o sistema nervoso central e o aparato

psíquico assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do órgão, criando

sobre este ou sobre a função, uma superestrutura psíquica que tende a assegurar o

organismo no ponto débil ameaçado. A luta criada entre o indivíduo cego para se

estabelecer socialmente, poderá levá-lo a atingir dois extremos. Um desses extremos, ou

seja, a vitória do organismo pela super compensação, não indica apenas a superação das

dificuldades originadas pelo defeito, mas também o seu próprio desenvolvimento é

levado a um nível superior, criando do defeito, uma capacidade; da debilidade, a força;

da baixo estima, a auto estima. O segundo extremo é o fracasso da super compensação.

Seria ingênuo pensar que qualquer enfermidade termina em êxito e que todo defeito se

transforma felizmente em um talento, portanto, segundo Vigotski (1997), o fracasso da

super compensação leva à vitória total do sentimento de debilidade, ao caráter associal

da conduta, à criação de posições defensivas a partir de sua debilidade, à loucura, à

impossibilidade da personalidade de ter uma vida psíquica normal, e à neurose.

Ainda de acordo com o mesmo autor, a essência desse novo ponto de vista reside na

tendência da superação do conflito social por parte do indivíduo pela super

compensação. Essa tendência está dirigida à formação de uma personalidade de pleno

valor no aspecto social, isto é, a conquista da posição na vida social. Portanto, não é o

tato nem o ouvido que se desenvolvem a mais nos indivíduos cegos, mas sim, com a

finalidade de vencer o conflito social, toda personalidade é abrangida, começando por

seu núcleo interno com a tendência não de substituírem a vista, mas de vencer pela

super compensação.

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4.3- Cegos não sentem sua cegueira

Contra a opinião comum de que o cego se sente submergido na escuridão devido à sua

cegueira, alguns psicólogos assinalaram que o mesmo não percebe em absoluto seu

defeito físico. Nas palavras de Biriliev (Apud. Vigotski,1997), cego altamente instruído,

pode-se observar um exemplo: "Eu não posso sentir diretamente meu defeito físico".

Vigotski (1997) afirma que os cegos não percebem a luz da mesma maneira que os que

enxergam com os olhos tapados a percebem, isto é, eles não sentem e nem experimentam

diretamente que não têm vista, portanto, a capacidade para ver a luz tem um significado

prático e pragmático para o cego e não um significado instintivo - orgânico, o que

significa que eles sentem seu defeito de um modo indireto, refletido unicamente nas

conseqüências sociais.

Leontiev et. al. (1988), apontam que "embora os conceitos e os fenômenos sensíveis

estejam inter-relacionados por seus significados, psicologicamente eles são categorias

diferentes de consciência". Esta idéia está embasada no conceito de funções

psicofisiológicas, que vêm a ser as funções fisiológicas do organismo. O grupo inclui as

funções sensoriais, as funções mnemônicas e as funções tônicas. Nenhuma atividade

psíquica pode ser executada sem o desenvolvimento dessas funções que constituem a

base dos correspondentes fenômenos subjetivos de consciência, isto é, sensações,

experiências emocionais, fenômenos sensoriais e a memória, que formam a "matéria

subjetiva", por assim dizer, a riqueza sensível, o policromismo e a plasticidade da

representação do mundo na consciência humana. Portanto, de acordo com Leontiev op.

cit., "se mentalmente excluirmos a função das cores, a imagem da realidade em nossa

consciência adquirirá a palidez de uma fotografia branca e preta. Se bloquearmos a

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audição, nosso quadro do mundo será tão pobre quanto um filme mudo comparado com

o sonoro. Por outro lado, todavia, uma pessoa cega pode tornar-se cientista e criar uma

nova teoria, mais perfeita, sobre a natureza da luz, embora a experiência sensível que

ela possa ter da luz seja tão pequena quanto aquela que uma pessoa comum tem da

velocidade da luz."

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4.3- Cegos não sentem sua cegueira

Contra a opinião comum de que o cego se sente submergido na escuridão devido à sua

cegueira, alguns psicólogos assinalaram que o mesmo não percebe em absoluto seu defeito

físico. Nas palavras de Biriliev (Apud. Vigotski,1997), cego altamente instruído, pode-se

observar um exemplo: “Eu não posso sentir diretamente meu defeito físico”. Vigotski

(1997) afirma que os cegos não percebem a luz da mesma maneira que os que enxergam

com os olhos tapados a percebem, isto é, eles não sentem e nem experimentam diretamente

que não têm vista, portanto, a capacidade para ver a luz tem um significado prático e

pragmático para o cego e não um significado instintivo - orgânico, o que significa que eles

sentem seu defeito de um modo indireto, refletido unicamente nas conseqüências sociais.

Leontiev et. al. (1988), apontam que “embora os conceitos e os fenômenos sensíveis

estejam inter-relacionados por seus significados, psicologicamente eles são categorias

diferentes de consciência”. Esta idéia está embasada no conceito de funções

psicofisiológicas, que vêm a ser as funções fisiológicas do organismo. O grupo inclui as

funções sensoriais, as funções mnemônicas e as funções tônicas. Nenhuma atividade

psíquica pode ser executada sem o desenvolvimento dessas funções que constituem a base

dos correspondentes fenômenos subjetivos de consciência, isto é, sensações, experiências

emocionais, fenômenos sensoriais e a memória, que formam a “matéria subjetiva”, por

assim dizer, a riqueza sensível, o policromismo e a plasticidade da representação do mundo

na consciência humana. Portanto, de acordo com Leontiev op. cit., “se mentalmente

excluirmos a função das cores, a imagem da realidade em nossa consciência adquirirá a

palidez de uma fotografia branca e preta. Se bloquearmos a audição, nosso quadro do

mundo será tão pobre quanto um filme mudo comparado com o sonoro. Por outro lado,

todavia, uma pessoa cega pode tornar-se cientista e criar uma nova teoria, mais perfeita,

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sobre a natureza da luz, embora a experiência sensível que ela possa ter da luz seja tão

pequena quanto aquela que uma pessoa comum tem da velocidade da luz.”

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5

METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS UTILIZADOS

A metodologia utilizada assemelha-se à empregada por Robin e Ohlsson (1989). Neste trabalho, os pesquisadores entrevistaram seis estudantes de psicologia da Universidade de Pittsburgh a fim de obter suas concepções alternativas de movimento bem como de comparar tais concepções ao conceito medieval de impetus. De acordo com Robin e Olhsson op.cit., cada sujeito expressou um mínimo de quinze e um máximo de vinte convicções, sendo que o enfoque principal foi dado à análise de tais convicções.

Portanto, tomando por base a metodologia de Robin e Olhsson op. cit., esta pesquisa se efetivou seguindo um plano de trabalho, dividido em 06 etapas, listadas a seguir:

ETAPA 01 – Seleção dos sujeitos experimentais.

Nesta etapa, entramos em contato com instituições que trabalham com pessoas

cegas e dentre os deficientes que faziam parte destas instituições, selecionamos aqueles que se

enquadraram nos critérios estabelecidos no item 5.1.

ETAPA 02 – Realização das entrevistas.

Nesta etapa, quatro questões problemas foram abordadas, sendo que em cada

questão se estabeleceu um diálogo com o entrevistado, onde sub-questões elaboradas

previamente pelo entrevistador e exemplos propostos pelo sujeito foram enfocados.

- A situação de repouso de um livro sobre a mesa. O que faz com que o livro

fique em repouso sobre a mesa?

- Com as mãos, aplica-se ao livro uma força paralela ao plano. O que

acontecerá quando não houver mais o contato entre a mão e o livro?

- Você tem em suas mãos uma pedra. O que acontecerá se você abandoná-la?

Por que? E se você lançá-la para cima?

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- Atira-se uma esfera de aço dentro de tubos cilíndricos encurvados e retos.

Descreva o caminho percorrido pela esfera ao abandonar os tubos.

A análise das respostas fornecidas pelos deficientes visuais a tais

questionamentos, considerou qualquer manifestação (oral ou gesticulada), pois estas poderiam

apresentar dados indispensáveis no que se refere às concepções alternativas (Masini, 1990),

por isso, o registro das entrevistas em fitas de vídeo, tornou-se fundamental no processo.

Também tornou-se necessário a distinção dos sujeitos sob a óptica escolar, ou seja, aqueles

que jamais mantiveram contato com a física enquanto disciplina escolar e aqueles que

mantiveram contato com a física somente em nível de ensino médio e fundamental. Portanto a

etapa 2 compreendeu a realização da entrevista individualmente com cada sujeito da amostra.

ETAPA 03 – Identificação das idéias dos sujeitos.

Esta etapa se caracteriza pela transcrição das entrevistas. Cada linha foi

enumerada a fim de uma melhor localização de idéias fornecidas pelos sujeitos sobre os temas

já citados – ver apêndice B. É importante ressaltar que não necessariamente uma idéia, mas

sim um grupo de idéias caracterizou uma convicção. As idéias foram identificadas no texto

transcrito e caracterizadas pela numeração das linhas do referido texto. Tais idéias,

encontram-se disponíveis no apêndice A.

ETAPA 04 – Interpretação das idéias e identificação das concepções

alternativas.

Nesta etapa se buscou agrupar as idéias de cada sujeito e interpretá-las em

termos de concepções. Através disso, se eliminou os erros e ambigüidades extremamente

comuns na linguagem falada e pôde-se relacionar o mesmo tipo de convicção expressa em

várias idéias. Todas as convicções estão disponíveis na seção ?????

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ETAPA 05 – Estabelecimento de relações entre as concepções espontâneas dos

sujeitos e modelos historicamente desenvolvidos.

Esta etapa buscou compreender as possíveis semelhanças ou diferenças entre as

concepções dos deficientes visuais, com as concepções históricas sobre repouso e movimento,

como as aristotélicas e do impetus.

ETAPA 06 – Conclusões gerais que envolvem comparações entre as

concepções dos sujeitos cegos e de sujeitos não cegos, contribuições para professores de física

que trabalhem com alunos cegos e análise da cegueira enquanto fator influenciador para

formação de algumas concepções.

5.1- Sujeitos da Pesquisa

Participaram desta pesquisa sujeitos adultos cegos de nascença ou que

perderam a visão na infância, até cinco anos de idade, e que não possuíam deficiência mental

e/ou auditiva.

Cabe ressaltar que todos os sujeitos, foram ou são alunos da instituição “Lar

Escola Santa Luzia para Cegos”, situado à rua Gerson França, nº 11-61, Bauru. A autorização

para a realização das entrevistas, foi anexada a este texto.

O número de alunos desta instituição gira em torno de vinte e cinco, sendo que

desses, seis se enquadraram nos critérios estabelecidos acima e os outros dezenove não

apresentavam as características necessárias para a pesquisa, pois além de cegos possuíam

outras deficiências. Dos seis sujeitos selecionados, quatro eram cegos de nascença, dois

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perderam totalmente a visão na infância, até os cinco anos, por isso, foram incluídos ao grupo

de sujeitos, já que a comparação de suas concepções com as dos sujeitos que nasceram cegos

nos pareceu de fundamental importância na compreensão da influencia do estímulo sensorial

visual na formação de conceitos físicos.

Descreveremos abaixo algumas características peculiares de cada sujeito:

Sujeito 1: Cego de nascimento, é do sexo feminino, 38 anos, cursou o ensino

fundamental e médio em escola pública, é universitária cursando o segundo ano de

Fisioterapia na Universidade do Sagrado Coração. A entrevista foi realizada no dia 24 de abril

de 1999, na residência do sujeito, pois concluímos que seria mais viável ir de encontro ao

sujeito do que traze-lo até nós ou levá-lo para a universidade.

Sujeito 2: Cego de nascimento, é do sexo masculino, 42 anos, concluiu o

ensino fundamental em escola pública. A entrevista foi realizada no dia 24 de abril de 1999,

na residência do sujeito.

Sujeito 3: Cego de nascimento, é do sexo feminino,16 anos, estudante da

primeira série do ensino médio em escola particular. A entrevista foi realizada no dia 26 de

abril de 1999, na residência do sujeito.

Sujeito 4: Perdeu totalmente a visão aos três anos de idade, é do sexo

masculino, 23 anos, concluiu o ensino fundamental em escola pública, a entrevista foi

realizada dia 28 de abril de 1999, no “Lar Escola Santa Luzia”.

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Sujeito 5: Perdeu totalmente a visão aos cinco anos de idade, é

do sexo masculino, 32 anos, freqüentou a escola regular pública até a 5ª

série. A entrevista foi realizada no dia 28 de abril de 1999, no “Lar Escola

Santa Luzia”.

Sujeito 6: Cego de nascimento, é do sexo masculino, 45 anos,

nunca cursou a escola pública regular, vindo ser alfabetizado na própria

instituição “Lar Escola Santa Luzia” através do sistema braille. A

entrevista foi realizada no dia 30 de abril de 1999.

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6RESULTADOS OBTIDOS

6.1- Situações Problema e Questões Utilizadas nas Entrevistas.

Conforme mencionamos anteriormente, selecionamos um total de seis sujeitos

para realizarmos as entrevistas. Cada sujeito foi colocado mediante quatro situações

problemas, sendo que, dentro de cada situação eram feitas questões que tinham por objetivo

trazê-los à reflexão de situações voltadas ao movimento dos corpos. Nossa preocupação

principal não era a de obter a resposta para tais questões, mas sim, a de gerar um diálogo com

o entrevistado sobre movimento e através desse diálogo, procurar identificar suas convicções

sobre o tema. Procuramos dialogar com os sujeitos utilizando expressões não técnicas

evitando termos como força, gravidade, pressão, etc. No caso do sujeito se referir a um desses

termos, aproveitávamos para questioná-lo sobre seu significado e a partir disso passávamos a

usá-lo ou não. Outros objetos de exploração de nossa parte eram os exemplos que livremente

os sujeitos expunham em suas explicações, a maioria deles foram extremamente úteis em

nossa análise.

As situações problemas eram:

1) Repouso dos objetos,

2) Movimento dos objetos,

3) Queda dos objetos,

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4) Trajetória de esferas.

As questões problemas eram:

1.1) O que faz com que o livro fique em repouso sobre a mesa?

1.2) Coloca-se um livro sobre a mão esticada do sujeito. Coloca-se mais de um

livro na mão esticada do sujeito. O que você fez para que o livro permanecesse parado sobre

sua mão? Para você, o que é força? Você acha que a mesa poderia exercer uma força no livro?

(Minstrell, 1982).

2.1) Com as mãos, aplica-se ao livro uma força paralela ao plano: O que

acontecerá quando não houver mais o contato entre a mão e o livro?

2.2) Por que os objetos se movem?

2.3) Você precisa empurrar ou puxar um objeto para que ele se movimente

sempre com a mesma velocidade?

2.4) Por que alguns objetos continuam se movendo por um certo tempo depois

de você ter deixado de empurrá-los.

2.5) Por que objetos param de se mover?

2.6) Se você empurra um livro e uma bola de metal com a mesma força, qual

irá mais longe? Por que?

2.7) Poderia existir uma situação em que um objeto em movimento continuasse

em movimento com a mesma velocidade embora não haja nada empurrando-o ou puxando-o?

( Lochhead e Dufresne, 1989).

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3.1) Você tem em suas mãos uma pedra. O que acontecerá se você abandoná-

la? Por que? E se você lançá-la para cima?

3.2) Por que objetos caem?

3.3) Se você joga uma pedra para cima, o que acontece com ela? Por que?

3.4) Você tem em suas mãos uma esfera de metal e uma folha de papel aberta.

Se você abandoná-las da mesma altura, quem chegará primeiro ao solo? Por que? (Hise,

1988)

3.5) Imagine que do alto de um prédio de 50 andares são abandonados dois

objetos no mesmo instante. Um dos objetos é uma grande pedra de uma tonelada e o outro

uma pequena pedra de um quilograma. Qual deles chegará primeiro ao solo? Por que?(Robin

e Ohlsson, 1989).

3.6) Lembra-se da questão 3.4 (folha de papel aberta e esfera de metal)?

Imagine agora que a folha de papel esteja amassada de tal forma que pareça com uma esfera.

Qual das duas chegará primeiro ao solo se forem abandonadas no mesmo instante e da mesma

altura? Por que?

4.1) Considere um tubo cilíndrico não encurvado colocado sobre uma mesa

horizontal. Coloca-se dentro do tubo uma esfera rígida de metal cujo diâmetro é apenas um

pouco menor do que o diâmetro do tubo, a fim de que possa se mover livremente dentro do

tubo. Você empurra a esfera. Qual será o caminho percorrido por ela após abandonar o tubo?

4.2) Considere agora que o tubo seja encurvado. Qual será o caminho descrito

pela esfera ao abandonar o tubo?

4.3) Você prende uma esfera a um fio rígido e a gira sobre sua cabeça.

Explique qual será o caminho descrito pela esfera se você soltar o fio. (McCloskey, et. al.,

1980).

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6.2- Convicções do Grupo de Seis Sujeitos

De acordo com o que já foi mencionado no procedimento, transcrevemos na

íntegra todas as entrevistas realizadas com os sujeitos. Utilizamos a sigla Sn, para identificar

as falas transcritas do sujeito n, E para identificar as falas transcritas do entrevistador, Ik para

identificar no texto transcrito as idéias de Sn, Cp para identificar a convicção p de Sn.

Para identificar as idéias, enumeramos todas as linhas do texto. Conforme

íamos lendo a transcrição da entrevista, identificávamos idéias dos sujeitos através da

numeração das linhas. Após identificarmos as idéias, as agrupávamos em convicções. A

tabela 1 mostra a relação entre o número de idéias e o número de convicções identificadas.

Tabela 6.1: Relação do número de idéias com o número de convicções de cada sujeito.

Sujeitos S1 S2 S3 S4 S5 S5

Número de idéias

102 97 72 62 56 62

Número de convicções

18 25 22 21 20 14

Cabe ressaltar que em alguns momentos utilizamos a mesma idéia para justificar mais de uma convicção, pois o agrupamento de idéias em convicções não obedeceu uma seqüência cronológica. Já em outros momentos, excluiu-se a pergunta do entrevistador em determinada idéia, pois esta mostrava-se irrelevante na compreensão da mesma. As idéias de cada sujeito encontram-se discriminadas no apêndice A. Na sequência, explicitamos as quarenta e sete convicções do nosso grupo de seis sujeitos, sendo que as tabelas de 6.2 à 6.48 evidenciam quais sujeitos expressaram determinada convicção, além de mostrar quais idéias foram utilizadas para justificá-las. A organização das idéias e dos sujeitos que as expressaram, é semelhante à feita por Ireson (2000).

C1 – Um objeto se encontra em repouso quando está parado em um

determinado local e sem que ninguém ou alguma coisa o empurre ou o puxe, ou mexa com

ele.

Tabela 6.2: Relação entre sujeitos que expressaram C1 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C1

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C1

S1 I1 e I2

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S2 I1, I2 e I6

S3 I1

S5 I1

S6 I1, I31 e I34

C2 – Pelo fato do livro ser um objeto que não possui vida, ele não sairá do lugar

em que se encontra a menos que alguém ou alguma coisa o leve para onde deseja.

Tabela 6.3: Relação entre sujeitos que expressaram C2 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C2

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C2

S1 I3 e I4

S2 I3 e I5

S3 I2, I3 e I12

S4 I1, I2 e I3

S5 I2 e I3

S6 I2

C3 – Objetos sem vida como a mesa, não exercem forças no livro, ela apenas

serve de obstáculo para que o livro não chegue ao chão.

Tabela 6.4: Relação entre sujeitos que expressaram C3 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C3

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C3

S1 I10, I11, I12 e I60

S2 I15, I16, I17, I18, I20 e I21

S3 I4, I5, I6, I8, I9 e I10

S4 I7 e I8

S5 I15 e I16

S6 I3, I20, I21, I22 e I23

C4 – Quando eu seguro o livro com as minhas mãos ele não cai, porque eu, ser

vivo, exerço uma força com o meu braço que é suficiente para impedir a queda do livro.

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Tabela 6.5: Relação entre sujeitos que expressaram C4 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C4

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C4

S1 I5, I6, I7, I8, I9, I13 e I14

S2 I4, I7, I8, I9, I10, I11, I12, I13, I14 e I19

S3 I7

S4 I4, I5 e I6

S5 I4, I5, I6, I7 e I14

S6 I4, I5, I6, I7, I8, I9, I10, I11, I12, I13, I14, I15, I16, I17, I18 e I19

C5 – Existem várias naturezas de forças, como por exemplo a força humana e a

energia elétrica.

Tabela 6.6: Relação entre sujeitos que expressaram C5 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C5

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C5

S1 I15 e I21

S2 I23 e I38

C6 – Os objetos se movimentam devido a ação de uma força, e esse movimento

se dará na mesma direção e sentido da força.

Tabela 6.7: Relação entre sujeitos que expressaram C6 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C6

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C6

S1 I16, I18, I19, I20, I27, I40, I47, I49

S2 I26, I27, I28, I32, I39 e I45

S3 I11, I17, I19 e I21

S4 I9, I10, I12, I13 e I14

S5 I17, I20, I21 e I32

S6 I24, I29, I30, I32, I33, I36 e I37

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C7 – Um objeto deixará de se mover quando a força deixar de ser aplicada

sobre ele.

Tabela 6.8: Relação entre sujeitos que expressaram C7 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C7

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C7

S1 I17, I37, I38

S2 I29, I30, I31, I32 e I33

S3 I13, I14 e I16

S4 I22

S5 I18, I19, I26 e I33

S6 I25, I26, I27, I28, I30, I35, I38, I44, I45, I46, I47 e I48

C8 – A velocidade constante é aquela que permanece sempre a mesma.

Tabela 6.9: Relação entre sujeitos que expressaram C8 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C8

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C8

S1 I22

S2 I41 e I42

C9 – Alguns objetos como um carrinho de fricção ou uma bola, continuam se

movendo mesmo sem haver contato entre eles e o movedor (aquele que os colocou em

movimento), pelo fato de que o movedor lhes transmite uma força que é responsável pela

continuação do movimento e esse movimento se dará até que a força cesse.

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Tabela 6.10: Relação entre sujeitos que expressaram C9 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C9

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C9

S1 I23, I24, I25, I26, I28, I32, I33, I34, I35, I42, I43, I44, I48, I66, I67

S2 I49, I50, I52, I53, I54, I55, I56, I57, I58, I60, I73 e I76

S3 I15, I26 e I27

S4 I24, I25, I26, I27, I30 e I31

S5 I27, I28, I29 e I49

S6 I40, I41, I42 e I43

C10 – O motivo pelo qual objetos como a bola se movem mesmo sem o contato

com o movedor, e outros como o livro não, é devido ao seu formato, seu peso, ou seu

material.

Tabela 6.11: Relação entre sujeitos que expressaram C10 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C10

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C10

S1 I31, I36, I39, I41, I42, I45 e I46

S2 I34, I35, I36,I37, I59, I61 e I77

S3 I28 e I29

S4 I23 e I35

S5 I30 e I31

S6 I49 e I50

C11 – Os objetos pesados caem, e os objetos leves vão para cima, porque é

natural que seja assim.

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Tabela 6.12: Relação entre sujeitos que expressaram C11 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C11

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C11

S1 I29, I30, I50 e I51, I56, I57, I59, I61, I62, I65, I66, I67, I68, I69, I70, I71

S2 I4, I46, I47, I51, I62, I63, I64, I65, I66, I70, I71, I72, I78, I79, I80, I81, I82, I83, I84

S3 I35, I36 I37, I38, I39 e I40

S4 I39, I41, I42, I43, I44, I46 e I61

S5 I11, I13, I19, I20 e I48

S6 I51, I52, I53, I54, I59 e I60

C12 – O peso ou “gravidade” leva naturalmente os objetos pesados para baixo.

Tabela 6.13: Relação entre sujeitos que expressaram C12 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C12

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C12

S1 I55, I64

S2 I48, I67, I68 e I69

S4 I47

S6 I57

C13 – Objetos mais pesados caem mais rapidamente que objetos leves.

Tabela 6.14: Relação entre sujeitos que expressaram C13 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C13

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C13

S1 I74, I75, I76, I77, I81, I83, I85, I86

S2 I85, I88, I89 e I90

S3 I46, I52 e I53, I54, I55, I56, I60

S4 I53, I54, I55, I56 e I57

S5 I37, I38, I39 e I42, I44, I47

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C14 – O formato dos objetos não influencia em sua massa. Exemplo: folha de

papel aberta e folha de papel amassada.

Tabela 6.15: Relação entre sujeitos que expressaram C14 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C14

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C14

S1 I78

S3 I49

C15 – A folha de papel amassada é mais pesada que a folha de papel aberta, ou

seja, o formato interfere no peso dos objetos.

Tabela 6.16: Relação entre sujeitos que expressaram C15 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C15

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C15

S1 I79, I80 e I84

S2 I86 e I87

S3 I48 e I50

C16 – O formato de um cano interfere na trajetória de uma esfera após esta tê-lo

abandonado.

Tabela 6.17: Relação entre sujeitos que expressaram C16 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C16

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C16

S1 I88, I89, I91 e I92

S2 I91

S3 I68, I69 e I70

S4 I59, I60

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C17 – Dependendo do valor da força aplicada na bolinha, ela poderá descrever

trajetórias encurvadas ao abandonar o cano reto ou retilínea ao abandonar o cano torto.

Tabela 6.18: Relação entre sujeitos que expressaram C1 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C17

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C17

S1 I87, I88 e I90

S2 I92, I93 e I94

C18 – A velocidade tangencial de uma esfera que gira amarrada a um barbante

não influencia em sua trajetória quando esta é solta ou quando o barbante se rompe, a

trajetória desta esfera será retilínea na vertical e de cima para baixo.

Tabela 6.19: Relação entre sujeitos que expressaram C18 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C18

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C18

S1 I93

S2 I95, I96 e I97

C19 – Força ou energia é algo que os seres vivos são capazes de fazer ou

exercer para impedir que um objeto chegue ao chão, ou para mudar um objeto do lugar,

empurrando-o ou puxando-o.

Tabela 6.20: Relação entre sujeitos que expressaram C19 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C19

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C19

S2 I24

S3 I20

S4 I11

S5 I8, I9 e I12

74

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S6 I39

C20 – A altura que um objeto atinge quando lançado para cima depende da

força do lançador.

Tabela 6.21: Relação entre sujeitos que expressaram C20 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C20

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C20

S2 I73

S4 I45

C21 - Se uma bola e uma pedra forem atiradas numa piscina com água, a pedra

afundará e a bola não, pelo fato da pedra ser mais pesada que a água e a bola, não.

Tabela 6.22: Relação entre sujeitos que expressaram C21 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C21

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C21

S2 I81, I82 e I83

C22 – Velocidade está relacionada com distância e tempo.

Tabela 6.23: Relação entre sujeitos que expressaram C22 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C22

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C22

S2 I40

S3 I22

S5 I22 e I23

C23 – É impossível que um objeto se mova sempre com a mesma velocidade se

alguma coisa não puxá-lo ou empurrá-lo.

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Tabela 6.24: Relação entre sujeitos que expressaram C23 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C23

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C23

S2 I43 e I44

S3 I23, I24 e I25

S5 I24 e I25

C24 – O motivo pelo qual uma bolinha de aço vai mais longe que uma bolinha

de isopor, é pelo fato da bolinha de aço ser mais lisa do que a de isopor.

Tabela 6.25: Relação entre sujeitos que expressaram C24 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C24

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C24

S3 I30 e I31

C25 – o Fato da superfície de contato com o objeto que se move, ser lisa ou

áspera, influencia na duração do movimento e na distância percorrida.

Tabela 6.26: Relação entre sujeitos que expressaram C25 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C25

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C25

S3 I32, I33 e I34

C26 – Os objetos mais leves chegam primeiro ao solo, porque é mais fácil para

a “gravidade” empurrá-los para baixo.

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Tabela 6.27: Relação entre sujeitos que expressaram C26 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C26

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C26

S3 I41, I42, I43, I51, I57, I58, I59, I63 e I64

S5 I43, I45 e I46

S6 I56 e I58

C27 – O ar empurra as coisas para baixo.

Tabela 6.28: Relação entre sujeitos que expressaram C27 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C27

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C27

S3 I65

C28 – Uma bolinha, ao abandonar o cano reto ou torto, terá uma trajetória

aleatória, pois não há nada que a faça permanecer em linha reta.

Tabela 6.29: Relação entre sujeitos que expressaram C28 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C28

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C28

S3 I66 e I67

C29 – A trajetória de uma esfera que após se desprender de um barbante que o

fazia girar, é circular e na vertical de cima para baixo.

Tabela 6.30: Relação entre sujeitos que expressaram C29 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C29

77

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a convicção C29

S3 I71 e I72

C30 – Seres vivos, exceto os que possuem algum defeito físico, como paralisia,

movimentam-se com suas próprias forças.

Tabela 6.31: Relação entre sujeitos que expressaram C30 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C30

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C30

S4 I15, I16, I18, I20, I21 e I33

C31 – Objeto sem vida, só se movimentam devido à ação de uma foça externa.

Tabela 6.32: Relação entre sujeitos que expressaram C31 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C31

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C31

S4 I17, I19, I28, I32, I34 e I36

C32 – “Velocidade” e “força” são coisas parecidas.

Tabela 6.33: Relação entre sujeitos que expressaram C32 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C32

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C32

S4 I29

C33 – Se não existisse a gravidade, os objetos iriam subir.

78

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Tabela 6.34: Relação entre sujeitos que expressaram C33 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C33

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C33

S4 I38

C34 – A gravidade é uma força do ar.

Tabela 6.35: Relação entre sujeitos que expressaram C34 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C34

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C34

S4 I37 e I40

C35 – A gravidade não age em objetos como pássaro ou avião.

Tabela 6.36: Relação entre sujeitos que expressaram C35 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C35

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C35

S4 I48, I49, I50, I51 e I52

C36 – A folha de papel amassada é mais leve que a folha de papel aberta.

Tabela 6.37: Relação entre sujeitos que expressaram C36 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C36

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C36

S4 I57, I58

C37 – Uma bolinha que está girando amarrada a um barbante cairá um pouco

pra frente quando for solta.

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Tabela 6.38: Relação entre sujeitos que expressaram C37 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C37

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C37

S4 I37

C38 – A Terra é como um ímã que atrai para si os objetos à distância

Tabela 6.39: Relação entre sujeitos que expressaram C38 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C38

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C38

S5 I10, I34, I35, I36 e I52

C39 - A folha de papel aberta e a folha de papel amassada têm o mesmo peso.

Tabela 6.40: Relação entre sujeitos que expressaram C39 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C39

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C39

S5 I40

C40 – O formato de objetos de mesma massa influencia no tempo de queda.

Tabela 6.41: Relação entre sujeitos que expressaram C40 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C40

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C40

S5 I41, I42, I43 e I44

80

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C41 – Na Terra as coisas caem, no espaço, flutuam.

Tabela 6.42: Relação entre sujeitos que expressaram C41 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C41

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C41

S5 I50 e I51

C42 – No espaço, ao contrário da Terra, os objetos se repelem, como ímãs com

a polaridade diferente, próximos.

Tabela 6.43: Relação entre sujeitos que expressaram C42 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C42

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C42

S5 I53

C43 – O formato do cano não interfere na trajetória de uma esfera quando esta o

abandona. Sua trajetória será sempre retilínea.

Tabela 6.44: Relação entre sujeitos que expressaram C43 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C43

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C43

S5 I54, I55 e I56

S6 I61 e I62

C44 – A bola e a folha de papel aberta, cairão juntas, quando soltas da mesma

altura ao mesmo tempo.

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Tabela 6.45: Relação entre sujeitos que expressaram C44 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C44

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C44

S6 I55

C45 – “Força” e “energia” são a mesma coisa.

Tabela 6.46: Relação entre sujeitos que expressaram C45 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C45

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C45

S2 I22

C46 – Quando um objeto é lançado para cima, durante a subida, sua velocidade

aumenta de tal forma que quando ele retorna ao lugar de onde saiu, sua velocidade é muito

maior do que quando foi lançado.

Tabela 6.47: Relação entre sujeitos que expressaram C46 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram a convicção C46

Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C46

S2 I74

C47 – A gravidade é como uma força que empurra os objetos de cima para

baixo.

Tabela 6.48: Relação entre sujeitos que expressaram C47 e as idéias que justificam tal

convicção.

Sujeitos que expressaram Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C47

82

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a convicção C47

S2 I75

83

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6.3- Análise das convicções obtidas e suas relações com o modelo de movimento de

Aristóteles e do impetus.

Agora analisaremos as convicções obtidas nas entrevistas dos seis sujeitos

cegos, tendo em vista suas relações com modelos históricos de compreensão do movimento,

enfocando principalmente o pensamento aristotélico e o modelo medieval do impetus

proposto por Buridan. É interessante ressaltar que muitas das idéias propostas por esses

filósofos acerca do movimento, se mostram bastante presentes na maneira de pensar de

pessoas não peritas em Física. Segundo aponta Cohen (1967), a Física aristotélica é conhecida

às vezes como a Física do senso comum, porque é a espécie de Física em que a maioria das

pessoas acredita e pela qual se guia intuitivamente, ou a espécie de Física que parece

interessar e agradar a qualquer pessoa que use sua inteligência natural mas não tenha

aprendido os modernos princípios da dinâmica. Também, pesquisas na área de concepções

espontâneas, têm demonstrado que a Física de senso comum mantém estreitas relações com a

Física aristotélica e/ou com o pensamento medieval do impetus. Como aponta Peduzzi (1996),

em termos didáticos e tendo em vista a construção do conhecimento do aluno, parece não

apenas inevitável como salutar o estabelecimento de algumas analogias entre a lei de

movimento de Aristóteles e certas concepções mantidas por estudantes de qualquer grau de

escolaridade sobre força e movimento.

Em nosso estudo preocupamo-nos em compreender quais são as convicções acerca de movimento em Física de pessoas cegas, preocupamo-nos também em estabelecer relações entre tais convicções e os modelos históricos já citados, ou seja, de que maneira a ausência de visão pode interferir ou não no pensamento espontâneo de um indivíduo cego, já que este não possui o sentido que o coloca em contato com muitos fenômenos observáveis principalmente pela visão. Pretendemos que tal estudo possa ser útil ao ensino de Física para pessoas cegas, já que de posse desses resultados o professor que trabalhe com tal demanda terá subsídios indispensáveis para sua prática. Não temos o objetivo, até esse momento, de propor atividades de ensino de conceitos Físicos à alunos cegos, visto que, buscamos inicialmente conhecer quais são as principais concepções alternativas de pessoas cegas sobre repouso e movimento, e através disso dar subsídios a estudos futuros que busquem propor tais atividades.

Como aponta Masini (1990), a análise da bibliografia especializada sobre o Deficiente Visual mostrou que seu desenvolvimento e aprendizagem são definidos a partir de padrões adotados para os videntes. Verificou-se que o “conhecer” esperado na educação do Deficiente Visual tem como pressuposto o “ver” e que, portanto, não se leva em conta as diferenças de percepção entre o Deficiente Visual e o vidente. Por isso, tomando por base um referencial construtivista, o ensino de Física sob a óptica tradicional da forma em que se apresenta torna-se inviável, não apenas aos videntes, mas principalmente aos cegos, pois enfoca a Física descontextualizada, desconsidera o conhecimento prévio dos alunos e não tem por objetivo trabalhar com a questão da mudança conceitual (Brown e Clement, 1987). Como exemplos apresentamos os trabalhos de Linn e Thier (1975), Baughman e Zollman (1977), Weems (1977), e Sevilla et. al. (1991) que contribuem de uma certa forma à questão da preocupação com o ensino de Física à pessoas cegas, trazendo basicamente uma tentativa de adaptar materiais de laboratório no ensino dessa ciência à tais sujeitos, contudo, em nenhum momento esses trabalhos apresentaram qualquer discussão referente ao conhecimento prévio dos Deficientes Visuais e este fato deve-se pela

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desatenção à predominância da visão ou àquilo que ficou encoberto pela familiaridade, oculto pelo hábito, linguagem e senso comum numa cultura de videntes (Masini op. cit.). Portanto, é de fundamental importância o conhecimento das concepções alternativas de sujeitos cegos, não só para a construção de atividades de ensino, mas também para a compreensão das experiências que levam as pessoas à construírem explicações da realidade Física que as cercam.

Estabeleceremos agora, as relações das convicções obtidas, com os já referidos

modelos históricos. Das quarenta e sete convicções diagnosticadas, verificou-se uma

importante relação entre tais convicções e o número de sujeitos que a expressaram.

É importante observar que muitas das convicções expressas por apenas um

sujeito, surgiram do contexto do diálogo estabelecido, isto é, o grupo de questões que foi

aplicado, serviu para que se pudesse manter um diálogo que enfocasse situações de objetos

em repouso e objetos em movimento. Por muitas ocasiões, cada sujeito sugeria exemplos de

situações diferentes de outro, o que resultou na especificidade e na diversidade de convicções,

por outro lado, obteve-se um conjunto de convicções comum a todos os sujeitos ou a um

grupo deles, já que, as questões aplicadas foram as mesmas e consequentemente o tema em

discussão girou em torno do mesmo assunto, no entanto, o fato das questões serem as mesmas

e do tema abordado ser o mesmo, não justifica a semelhança de concepções encontradas para

todos os sujeitos ou para um grupo deles. O que é importante ressaltar, é que nas entrevistas

que realizamos, bem como no diálogo que estabelecemos com cada sujeito e mesmo na

diversidade de exemplos de situações de movimento, por muitas vezes as explicações

utilizadas pelos indivíduos cegos para determinada situação apresentava uma semelhança

conceitual, ou seja, as explicações dadas pelo grupo de indivíduos cegos nos pareceu

convergir a um paradigma em comum. A tabela 6.49 apresenta uma relação entre as

convicções e o número de sujeitos que a expressaram:

Tabela 6. 49: Relação das convicções com o grupo de sujeitos que a expressaram

Convicções expressas por todos os sujeitos C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11

Convicções expressa por todos os sujeitos com exceção de um

C1 (exceção de S4), C13 (exceção de S6), C19

(exceção de S1)Convicções expressas por todos sujeitos com

exceção de doisC12 (exceção de S3 e S5) e C16 (exceção de S5 e

S6),

85

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Convicções expressas por três sujeitos C15 (S1, S2 e S3), C22 (S2, S3 e S5), C23 (S2, S3 e S5) e C26 (S3, S5 e S6)

Convicções expressas por dois sujeitoC5 (S1 e S2), C8 (S1 e S2), C14 (S1 e S3), C17 (S1

e S2), C18 (S1 e S2), C20 (S2 e S4) e C43 (S5 e S6)

Convicções expressas por um sujeito

C21 (S2), C24 (S3), C25 (S3), C27 (S3), C28 (S3), C29 (S3), C30 (S4), C31 (S4), C32, (S4), C33 (S4), C34 (S4), C35 (S4), C36 (S4), C37 (S4), C38 (S5), C39 (S5), C40 (S5), C41 (S5), C42 (S5), C44 (S6),

C45 (S2), C46 (S2) e C47 (S2).

Observando a tabela 6.49, podemos notar que há um determinado grupo de

convicções comum a todos os sujeitos, bem como, outros grupos comuns a cinco deles, quatro

deles, comuns a três deles, comuns a dois sujeitos e convicções que foram expressas

individualmente. É de fundamental importância estabelecer a relação entre as concepções

diagnosticadas e o paradigma aristotélico de movimento. A tabela 6.50 apresenta tal relação.

Tabela 6.50: Relação das convicções com as teorias aristotélicas e do impetus.

Convicções que são concordantes com a teoria aristotélica de movimento

C1, C2, C3, C4, C6, C7, C10, C11, C12, C13, C19, C20, C21, C23, C25, C31, C40.

Convicções que são concordantes com a teoria do impetus

C9, C16, C29.

Convicções parcialmente aristotélicas C24, C27, C30, C37, C41, C46, C47.Convicções que são discordantes da teoria

aristotélica de movimentoC26, C32, C33, C38, C44.

Convicções que são discordantes da teoria do impetus

C17, C18, C43.

Convicções que não possuem conexão com a teoria aristotélica e/ou com a teoria do

impetusC5, C15, C28, C34, C35, C36, C42.

Convicções gerais C8, C14, C22, C39, C45.

Os critérios utilizados para a categoria em que foram enquadradas as

convicções são os seguintes:

Convicções aristotélicas: são todas as convicções expressas pelos

sujeitos que seguem o paradigma aristotélico de movimento, ou seja, obedecem os princípios

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de que a todo corpo móvel associa-se um movedor que mantém constante contato com o que

se move – Movimento Forçado – e o princípio que explica a queda de objetos sólidos com a

utilização do argumento de que há uma tendência natural entre objetos sólidos, mesmo

material da Terra, ocuparem seu lugar natural de descanso que é o centro do Universo – Lugar

Natural.

Convicções de Impetus: São convicções expressas pelos sujeitos, que de

uma certa forma mantêm analogias à teoria de força impressa desenvolvida na Idade Média

inicialmente por Philoponus (século V) e posteriormente por Buridan (século XIV). Cabe

ressaltar que esse princípio, não deixa de ser aristotélico, pois continua obedecendo o

paradigma de que a todo corpo que se move associa-se uma força. No entanto, este princípio

não impõe a necessidade do constante contato entre o movedor e o que se move, o que faz

com que seja discordante das teorias aristotélicas, principalmente ao que se refere ao conceito

de antiperistasis.

Convicções parcialmente aristotélica: São convicções expressas pelos

sujeitos, que de uma certa forma obedecem os princípios aristotélicos de movimento, no

entanto, utilizam elementos como o ar ou a gravidade como movedores ou então, utilizam-se

de paradigmas não aristotélicos como o de que durante a subida, a velocidade de uma bola

aumenta, ou o de que a velocidade de chegada é superior à velocidade de saída de uma bola

que é lançada para cima, para justificar algumas idéias de movimento.

Convicções discordantes do paradigma aristotélico de movimento: São

convicções expressas pelos sujeitos, que são contrárias ao paradigma aristotélico de

movimento, isto é, são discordantes dos princípios de Lugar Natural e de Movimento

Forçado.

Convicções discordantes da teoria do impetus: Enquadramos nesta

categoria, principalmente as convicções que eram discordantes da teoria de impetus circular,

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especificamente às convicções que se referem à trajetória de uma esfera que gira amarrada a

um barbante, ou que abandona canos.

Convicções sem conexão: Estas convicções não mantêm qualquer

analogia ao paradigma aristotélico de movimento e/ou ao conceito medieval de impetus.

Convicções gerais: São convicções que não podem ser categorizadas como

aristotélicas ou de impetus, pois referem-se a conceitos de velocidade ou relação

massa/formato e que portanto, não utilizam-se de paradigmas aristotélicos ou de impetus para

se justificarem, tanto do ponto de vista concordantes quanto do ponto de vista discordantes.

Das quarenta e sete convicções diagnosticadas, dezessete são concordantes

com a teoria aristotélica de movimento, sete são parcialmente concordantes com essa teoria e

três são concordantes com a teoria do impetus; cinco convicções são discordantes da teoria

aristotélica, três são discordantes da teoria do impetus, sete não mantém conexão com essas

teorias e cinco são convicções gerais por se tratarem de noções de velocidade e da relação

massa/formato.

Das vinte e sete convicções que fazem parte do grupo das aristotélicas,

impetus ou parcialmente aristotélicas, oito foram expressas por todos os sujeitos, três foram

expressas por cinco sujeitos e duas por quatro sujeitos. Uma convicção foi expressa por um

grupo de três sujeitos, uma outra por um grupo de dois e doze convicções foram expressas por

doze sujeitos individualmente.

A tabela 6.51 mostra uma visão geral do grupo de sujeitos com as

características das convicções que tal grupo expressou.

Tabela 6.51: Relação entre grupos de sujeitos e características das convicções.

Convicções Aristotélicas Impetus

Convicções Parcialmente Aristotélicas

Discordantes da teoria

Aristotélica

Discordantes da teoria do

Impetus

Convicções sem conexão com essas teorias

Convicções gerais

Todos os sujeitos

C2, C3, C4, C6, C7, C10, C11

C9

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Grupo de cinco

sujeitos

C1, C13, C19

Grupo de quatro sujeitos

C12 C16

Grupo de três

sujeitos

C23 C26 C15 C22

Grupo de dois

sujeitos

C20, C17, C18, C43 C5 C8, C14

Um sujeito

C21, C25, C31, C40

C29 C24, C27, C30, C37, C41, C46,

C47

C32, C33, C38, C44

C28, C34, C35, C36, C42

C39, C45

Cabe observarmos na tabela 6.51 a relação entre o grupo de sujeitos e a

categoria de convicções expressas por esses grupos. Para o grupo de seis sujeitos utilizados

nas entrevistas, das quais obteve-se as quarenta e sete convicções, os grupos: todos os

sujeitos, cinco sujeitos e quatro sujeitos, sem exceção, expressaram convicções categorizadas

como aristotélicas, parcialmente aristotélicas e de impetus, sendo que as outras categorias de

convicções, apareceram juntamente às categorias de convicções aristotélicas, parcialmente

aristotélicas e de impetus nos grupos de três e dois sujeitos como também nos grupos

unitários. Este fato evidencia que as explicações apresentadas pelos seis sujeitos de nossa

pesquisa, às questões que a eles foram feitas, convergem ao paradigma aristotélico e/ou de

impetus. Durante o ato das entrevistas, gerou-se entre entrevistado e entrevistador um diálogo

que tinha por tema principal movimento e repouso dos objetos, tal diálogo procurava

enfatizar, motivado pelas questões, situações da vida cotidiana de cada indivíduo, que se

relacionasse com o tema em questão.

É evidente que situações cotidianas estão repletas de experiências, experiências

estas que são de várias naturezas, como de naturezas sensoriais, e aqui incluímos os sentidos

visão, audição, paladar, tato e olfato, bem como naturezas de ordem sociais, e são essas

experiências que colocam os indivíduos em contato com o mundo social e físico, produzem o

desenvolvimento do ser humano e fazem com que esse ser humano busque argumentos e

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explicações para a realidade que o cerca (Leontiev, 1988). Em nosso grupo de sujeitos, com

exceção de S4 e S5, que perderam a visão até os três anos de idade e até os cinco anos de idade

respectivamente, todos os outros eram cegos de nascença e portanto, o grupo de experiências

sensoriais que esses indivíduos mantiveram com o mundo físico, nunca teve participação do

estímulo visão, ou para o caso de S4 e S5, a visão participou efetivamente de suas experiências

sensoriais até a idade em que ficaram cegos. Como se nota, apesar da ausência total do

estímulo visão em nosso grupo de sujeitos e consequentemente, da ausência de experiências

visuais desses sujeitos com o mundo físico, existia uma semelhança conceitual em seus

diálogos ou explicações que eram fornecidas por eles para o repouso, movimento, queda e

trajetória dos objetos, isto é, embora cegos, as noções de que há a necessidade de uma força

de contato ou impressa, para se manter o movimento, e de que a queda dos objetos é algo

natural e portanto não necessita de maiores explicações, são comuns entre eles e possuem

“valor” extremamente relevantes.

As convicções que são discordantes ou não mantém conexão com o paradigma

aristotélico e/ou de impetus, foram encontradas entre os seis sujeitos, entretanto, tais

convicções destacam-se por serem comuns a grupos menores, grupos de três e de dois

sujeitos, e também para grupos unitários. Essas convicções, geralmente, referiam-se a

algumas situações particulares de cada sujeito, que eram provenientes de suas experiências

particulares, como andar de avião, explicações ouvidas do professor sobre questões da Física

enquanto freqüentaram a escola, etc. O que é importante ressaltar, é que do ponto de vista

conceitual em comum, observou-se convicções que tinham como embasamento o paradigma

aristotélico de movimento. Expressaremos na tabela 6.52, a relação entre cada sujeito e seu

respectivo grupo de convicções.

Tabela 6.52: Relação entre cada sujeito com seu respectivo grupo de convicções.

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Sujeitos Grupo de ConvicçõesS1 C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13, C14, C15, C16, C17 e C18

S2 C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13, C15, C16, C17, C18, C19, C20, C21, C22, C 23, C45, C46 e C47

S3 C1, C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C13, C14, C15, C16, C19, C22, C 23, C24, C25, C26, C27, C28 e C29

S4

C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C12, C13, C16, C19, C20, C 30, C31, C32, C33, C34, C35, C36 e C37

S5 C1, C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C13, C19, C22, C 23, C26, C38, C39, C40, C41, C42 e C43

S6 C1, C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C12, C19, C26, C43 e C44

Como aponta a tabela 6.52 cada sujeito expressou em média vinte convicções

que podem ser analisadas em termos quantitativos da seguinte maneira explicitada na tabela

6.53:

Tabela 6.53: Relação entre cada sujeito e as características de suas convicções.

Sujeitos Característica de sua

deficiência

Número de convicções

identificadasAristotélicas Impetus

Parcialmente aristotélicas

Discordantes da teoria

aristotélica

Discordantes da teoria de

impetus

Sem conexão Gerais

S1 Cego de nascença

18 10 2 2 2 2

S2 Cego de nascença

25 14 2 2 2 2 3

S3 Cego de nascença

22 12 3 2 1 2 2

S4 Perdeu a visão aos três

anos21 12 2 2 2 3

S5 Perdeu a visão aos

cinco anos20 12 1 1 2 1 1 2

S6 Cego de nascença

14 10 1 2 1

Como vemos na tabela 6.53 as convicções que obedecem o paradigma

aristotélico de movimento representam individualmente para cada sujeito a maior parte de

suas convicções. Para S1, aproximadamente 67% de suas convicções são aristotélicas,

parcialmente aristotélicas ou impetus, para S2, esse número é de 64%, S3 apresenta um

percentual de 77,3% de convicções relacionadas ao paradigma aristotélico, S4 76,2%; S5, 70%

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e S6, 78,6%. É importante observarmos que alguns sujeitos como é o caso de S1 e S2,

apresentam convicções concordantes e discordantes do conceito de impetus, outros como S3 e

S4, apresentam convicções concordantes com a aristotélica e discordantes dessa mesma teoria

e os sujeitos S5 e S6, apresentam convicções concordantes com as teorias aristotélicas e

impetus e outra discordantes dessas mesmas teorias.

Embora as concepções que obedecem o paradigma aristotélico de movimento

representem a base conceitual de cada indivíduo, em algumas ocasiões do diálogo os sujeitos

emitiam concepções que eram discordantes desse paradigma. Tais concepções, mesmo em

menor quantidade e de uma maneira geral, referem-se a noções de trajetórias de esferas (C17,

C18 e C43), à noções de queda de objetos ou de força e velocidade (C26, C32, C33, C38 e C44).

Analisaremos agora cada convicção individualmente, a sua relação com cada

sujeito, com o grupo deles e com o paradigma aristotélico de movimento. As convicções C1,

C2, C3 e C4, expressam basicamente que estar em repouso é estar não sujeito à ação de forças.

De acordo com os sujeitos que expressaram essas convicções, repousar não necessita de

maiores explicações, já que para eles parece óbvio que objetos inanimados como um livro

sobre a mesa permaneçam ali sem que algo os tire dali (C1 e C2). Tal convicção assemelha-se

com a visão aristotélica de mundo que baseava-se em pressupostos de uma Terra estática no

centro do universo e da tendência natural de objetos sólidos, isto é, formados do elemento

terra buscarem seu lugar natural no centro do universo. As coisas estão (ou devem estar)

distribuídas e dispostas de uma maneira bem determinada; estar aqui ou ali não lhes é

indiferente, mas, ao invés, cada coisa possui, no universo, um lugar próprio conforme a sua

natureza. (É só no ‘seu lugar’ que se completa e se realiza um ser, e é por isso que ele tende

para lá chegar). Um lugar para cada coisa e cada coisa no seu lugar; a noção de ‘lugar natural’

traduz esta exigência teórica da física aristotélica. Segundo esta concepção, o repouso de um

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objeto não necessita de maiores explicações é a sua própria natureza que o explica, que

explica, por exemplo, o repouso da Terra no centro do mundo (Koyré, 1986).

A convicção C3, afirma que objetos sem vida como uma mesa, não exercem

forças, ela apenas serve de obstáculo para que o livro não prossiga o seu movimento natural

de chegar até o centro da Terra. A experiência que realizamos com os sujeitos cegos, ou seja,

a experiência de colocarmos vários livros sobre sua mão estendida, tinha o objetivo de colocá-

los em reflexão sobre questões relacionadas à ação de forças que agem no sentido de manter

objetos em repouso. É evidente que cada sujeito necessitou fazer força com seu braço

estendido a fim de segurar o livro (C4), no entanto, a mesa de acordo com essa concepção, por

não possuir vida, não poderia em hipótese alguma exercer uma força superior no livro a fim

de impedir que ele caísse (C3). Encontramos tal convicção nos trabalhos realizados com

sujeitos “normais” por Minstrell (1982), “a convicção errada mais evidenciada pelos

estudantes era a falta de força exercida pela mesa, a mesa era simplesmente um obstáculo”, e

por Halloun e Hestenes (1985), “obstáculos podem redirecionar ou parar o movimento, mas

eles não podem ser agentes de uma força aplicada”. É importante ressaltarmos que as

convicções C2, C3 e C4, foram expressas por todos os sujeitos, e C1 foi expressa por todos com

exceção de S4.

Em C5, convicção expressa por S1 e S2, os sujeitos admitem várias fontes de

força separando-as em categorias como força humana, a que é exercida pelo homem; força

elétrica, a que move aparelhos elétricos como ventilador; etc, no entanto, o que nos parece

fundamental nesta convicção é a maneira com que S1 e S2 caracterizam o seu conceito de

força. Para eles, a natureza da força é intrínseca à natureza de quem a exerce, como se a força

exercida pelo homem tivesse também características humanas e a força exercida por motores

elétricos tivesse características elétricas.

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Nas convicções C6 e C7, convicções expressas por todos os sujeitos, C19

expressa por todos os sujeitos exceto por S1, C23, convicção expressa por S2, S3 e S5, e no

grupo de convicções expressas por um único sujeito, C27, C30, C31 e C47, há uma declaração ou

conceitualização do pensamento espontâneo acerca do movimento, pois tais convicções

afirmam explicitamente que o motivo pelo qual um objeto se move é devido à ação de uma

força e esse movimento terá fim assim que essa força deixar de atuar sobre o objeto. Tais

convicções assemelham-se ao conceito de movimento forçado de Aristóteles. Para Aristóteles,

movimento não natural só é possível quando se associa ao que se move, uma força. Isto

parece bastante óbvio tanto para Aristóteles quanto para o nosso grupo de sujeitos, pois a

partir do momento em que a força cessa, o movimento também cessa e como as pessoas que

participaram de nossa entrevista eram cegas e um dos objetos que era posto em movimento

era um livro, a experiência que os levava a afirmar isso, era totalmente tátil, ou seja, quando

se empurrava o livro ele se movia, e quando se retirava a mão do livro ele parava. Portanto

segundo esta concepção, para que haja um movimento, é necessário que o que move e o que

se movimenta estejam em permanente contato.

A convicção C9, convicção que foi expressa por todos os sujeitos, refere-se ao

movimento de objetos que continuam a se mover mesmo após não haver mais o contato entre

o que se move e o movedor. Tal concepção, é semelhante ao conceito de força impressa

proposto durante a Idade Média por Philoponus (século V) e Buridan (século XIV). Este

conceito, embora supere a antiperistasis aristotélica, que atribuía ao ar a função dupla de

resistência ao movimento e de agente movedor, não deixa de obedecer a um dos princípios

básicos do paradigma aristotélico, o princípio de movimento forçado, isto é, para que um

corpo se mova, há a necessidade ou exigência de que “algo” o movimente, seja este “algo”

uma força externa ao corpo, ou no caso do impetus, uma força impressa ao corpo pelo

movedor, que no ato de pô-lo em movimento, transfere a ele “uma força, um poder imaterial”

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que será responsável pela continuidade do mesmo. De acordo com esse princípio, o

movimento cessará com a diminuição gradativa do impetus, que para Philoponus se dará

espontaneamente e para Buridan, se dará devido às resistências externas que o meio oferece

ao corpo. O que é importante observarmos em tal convicção, é a relação entre ela e a

característica dos sujeitos que a expressaram, que em nossa pesquisa específica, eram cegos, e

portanto, podemos afirmar que o tipo de experiência que os levou a expressar tal concepção

não foi a visual, pois alguns objetos como uma bola continuam seu movimento sem que haja

qualquer contato com o movedor, e este fato é perfeitamente observável visualmente,

consequentemente, para pessoas que não são cegas, as experiências visuais participam

diretamente na percepção do fenômeno. No entanto, embora cegos, os sujeitos de nossa

pesquisa foram unânimes em descrever o fenômeno e em responder que objetos que se

movem após cessar o contato entre eles e o movedor, fazem isto devido à ação de “algo” que

lhes é transferido e o fim do movimento se dará quando este “algo” se extinguir. Este tipo de

concepção, conforme aponta Peduzzi (op. cit.) é bastante comum entre estudantes e de acordo

com Steinberg et. al. (1990), o próprio Newton encontrou grandes dificuldades em superar a

concepção de força impressa ou impetus, especificamente, trabalhou com análise e superação

do problema entre os anos de 1664 e 1685. A convicção C10, unânime entre os sujeitos, refere-

se à uma comparação entre as distâncias percorridas por um livro e por uma bola quando

esses são submetidos à ação de uma mesma força. Evidentemente que a bola percorrerá uma

distância maior que o livro e de acordo com nossos sujeitos, o motivo pelo qual isto acontece,

está diretamente relacionado ao formato, peso e material dos objetos que ofereceriam maiores

dificuldades à continuidade do movimento, que de acordo com C9, seria responsabilidade da

força impressa, ou impetus. Portanto, de C9 e C10, podemos concluir que o formato, peso e o

material de um objeto oferecem maiores dificuldades ou resistências à continuidade do

movimento, continuidade esta que é responsabilidade de uma “força” impressa ou impetus.

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As convicções C8, C22 e C32, referem-se à noções de velocidade. Destas

convicções, C8 e C22, relacionam-se à velocidade associando-a com distância e tempo, sendo

que em C8, S1 e S2 declaram corretamente o seu conceito de velocidade constante. Isso nos

parece curioso, pois, S1 e S2 em suas explicações, apresentam noções de distância recorrendo

a exemplos como o de distância entre cidades, mesmo sem possuir o sentido da visão. Em C32,

convicção expressa apenas por S4, há uma confusão do sujeito em relação à noções de força e

de velocidade, pois o mesmo afirma que ambas são a mesma coisa.

O grupo de convicções C11, C12, C13, C18, C20, C21, C29, C37, C40, C41 e C46, exibe

uma característica em comum, ou seja, o conceito de que objetos próximos à superfície da

Terra, têm a tendência natural de irem ao seu encontro. Tal idéia é evidenciada explicitamente

nas convicções C11, C12 e C13, convicções que foram expressas por no mínimo quatro sujeitos,

e, C40 e C41, convicções expressas por apenas um sujeito (S5). Propriedades como “a queda é

algo natural”, “os objetos caem pois não há nada que os segure”, “quanto maior a massa,

menor o tempo de queda”, “o peso ou gravidade é uma propriedade intrínseca dos objetos, ou

uma tendência que os objetos têm de cair em lugar de uma atração gravitacional exercida pela

Terra”, são características dominantes neste tipo de conceito Minstell (op. cit.). Outras

características não tão comuns, pelo menos ao nosso grupo de sujeitos, referem-se à relação:

tempo de queda/formato dos objetos.

Notemos que as convicções C14 e C15, convicções comuns à S1 e S3, são

contraditórias. Tal contradição surgiu no decorrer do diálogo por ocasião da discussão acerca

da queda dos objetos, em particular da comparação entre os tempos de queda de objetos de

massas diferentes. É fato que S1 e S3 sabiam que o formato de um objeto não interfere em sua

massa como no caso da folha de papel aberta e fechada e tal convicção verificou-se em C14, no

entanto, também é fato que S1 e S3 possuem a convicção aristotélica de que a massa de um

objeto interfere em seu tempo de queda C13. Quando perguntados quem chegaria ao solo

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primeiro, (a folha de papel aberta ou a bola), S1 prontamente respondeu que seria a bola, pois

possuía massa maior que a folha de papel, o que realmente se confirmou. Ao pedirmos para

que ele amassasse a folha de papel, e a abandonasse junto com a bola, S1 notou auditivamente

que neste caso ambas chegaram juntas, e apesar de já haver dito que o formato não interfere

na massa dos objetos, voltou atrás em sua convicção C14 com a finalidade de defender seu

modelo aristotélico de queda dos objetos C13, afirmando categoricamente que o motivo pelo

qual a folha de papel amassada havia caído junto com a bola, era porque ela teria ficado mais

“pesada” que a folha de papel aberta C15. Podemos dizer que neste caso, S1 encontrava-se em

uma situação de escolha, ou negava sua convicção aristotélica C13, ou abandonava sua

convicção C14. Curiosamente, ele optou pela preservação de seu modelo aristotélico de queda

dos objetos, ao invés da convicção C14, de que o formato interfere na massa dos corpos.

Para S3, tal contradição foi observada pelo fato de que ele alterou seu discurso

durante o diálogo, já que antes de expressar C13, ele por muitas vezes expressou a convicção

C26. Durante sua entrevista, ele afirmava categoricamente que objetos mais leves teriam maior

facilidade em chegar ao solo do que outros mais pesados, o que não foi observado

auditivamente por ele na realização do experimento de abandonar a bola e a folha de papel

aberta. Após a realização deste experimento, começou a dizer o contrário, ou seja, começou a

afirmar que a bola chegou primeiro ao solo devido ao seu peso e posteriormente afirmou que

a folha de papel amassada chegava junto com a bola ao solo, porque tinha ficado mais pesada

que a folha de papel aberta. Para S3, o conceito C13, foi observado após a realização do

experimento da bola e da folha de papel aberta e portanto, tal experimento teve papel decisivo

para o surgimento do conceito C13, o que não verificamos em S1 que expressava C13 de uma

maneira mais convicta e principalmente antes e depois da realização do experimento

bola/folha de papel. Observemos o seguinte trecho do diálogo entre S3 e E, que explicita o

conflito gerado pela realização do experimento bola/folha de papel:

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E: Então quer dizer que na sua opinião a de um quilo desce primeiro?

S3: Eu acho.

E: O mais pesado chega depois?

S3: Mas aquela hora eu tava pensando que a bola chegava primeiro.

E: Então você acha que quanto mais pesado, demora mais pra chegar no

chão?

S3: Ah, eu não acho nada.

E: Você não tem opinião sobre isso?

S3: Cada hora eu tenho uma opinião. Agora eu acho, mas aquela hora eu não

tava achando.

Objetivamente, antes da realização do experimento bola/folha de papel, S3

expressava C26, o que deixou de ocorrer após a realização do já referido experimento, pois

nesta ocasião passou a expressar C13, ou seja, após observar auditivamente que a bola chegava

primeiro ao solo, justificou o fato através do argumento de que isto ocorria pelo maior peso da

bola. Quando pedimos para que S3 amassasse o papel e o soltasse da mesma altura e no

mesmo instante que a bola, ele também notou auditivamente que desta feita, ambos caíam

aproximadamente juntos, o que o levou a expressar C15 para justificar o menor tempo de

queda da folha de papel amassada em relação à folha de papel aberta. Curiosamente, para S1 e

S3, embora em circunstâncias diferentes, a contradição entre C14 e C15, foi observada, o que

nos leva a concluir que especificamente para esses sujeitos, a convicção C13 possui muito mais

“força” em seu grupo de convicções do que a convicção C14, aparentemente mais óbvia e mais

simples.

É importante ressaltar que C13 foi identificada em todos os sujeitos com

exceção de S6 e C26 foi identificada nos sujeitos S3, S5 e S6, o que nos leva a uma outra

observação importante, a de que as convicções C13 e C26, são comuns a S3 e S5, isto é, estes

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sujeitos, ao longo de seus discursos, devido às questões que a eles foram colocadas,

expressaram duas convicções que possuem em comum o fato de que a massa interfere no

tempo de queda de um objeto, mas que se contradizem quanto à relação quantidade de

massa/intervalo de tempo de queda.

As convicções C16 e C29, referem-se respectivamente à trajetória de esferas que

abandonam tubos encurvados e retos e à trajetórias de esferas que se desprendem de um

barbante que as fazia girar. Nelas pode-se encontrar uma semelhança com a generalização do

conceito de impetus feita por seguidores de Buridan. Alguns teoristas do impetus, a fim de

explicarem o movimento de uma roda e a continuidade do movimento das esferas celestiais ao

redor da Terra, postularam uma vertente da teoria de força impressa, isto é, um impetus

circular. McCloskey (1980), encontrou junto a estudantes não cegos, convicções semelhantes

à estas (C16 e C29), segundo ele, a maioria de seus estudantes que desenharam trajetórias

encurvadas, acreditavam que uma esfera que se move dentro de um tubo encurvado, adquire

uma força ou impulso que é responsável pela continuidade do movimento curvilíneo por

algum tempo após ter deixado o tubo. Em nosso experimento, pedimos para que os sujeitos

descrevessem a trajetória de uma esfera após abandonar dois tipos de tubos, um reto e um

encurvado, e também para descreverem a trajetória de uma esfera após se desprender de um

barbante que a fazia girar e embora não fossem convicções unânimes, encontramos C16 para

os sujeitos S1, S2, S3 e S4 e C29 para S3.

Por outro lado, as convicções C17, C18 e C28, foram classificadas como:

discordantes da teoria de impetus (C17 e C18), ou sem conexão com essa teoria, (C28).

Principalmente em C18, verificamos que a ausência de visão interfere de maneira significativa,

pois S1 e S2, embora ouçam o impacto da esfera com o solo, nunca foram capazes de ver que

no caso específico desta experiência – uma esfera amarrada a um barbante girando sobre a

cabeça – a trajetória descrita pela esfera quando o fio se rompe, é diferente da retilínea de

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cima para baixo. Em nenhum momento S1 e S2 mencionaram o deslocamento horizontal da

esfera, para eles, a esfera deveria cair exatamente na vertical e sobre sua cabeça. Já em C37,

convicção expressa apenas por S4, encontramos uma descrição um pouco mais completa da

trajetória da esfera, pois esse sujeito descreve o deslocamento horizontal da mesma.

Coincidentemente ou não, S4 é um dos dois sujeitos de nossa pesquisa que não nasceram

cegos, pois perdeu a visão aos três anos, no entanto, entre os sujeitos que participaram da

experiência de girar um barbante amarrado a uma esfera sobre sua cabeça, foi o único que

descreveu o deslocamento horizontal da esfera. Cabe observar que os sujeitos S5 e S6, não

participaram desta experiência.

A convicção C28, expressa apenas por S3, nos chamou a atenção de uma

maneira especial, pelo fato de que a justificativa empregada pelo sujeito para esta convicção,

envolveu uma experiência particular de sua parte, ou seja, S3 afirmou que a trajetória de uma

esfera ao abandonar um cano, seja ele reto ou curvo, seria aleatória, a não ser que houvesse

paredes paralelas à esfera que a fizesse seguir a trajetória retilínea. Tal analogia foi empregada

por S3, já que ele comparou a trajetória da esfera com a sua trajetória em um lugar aberto, sem

paredes para que ele pudesse apoiar as mãos, como no caso de um corredor, isto é, pelo fato

de S3 só conseguir andar em linha reta apoiando suas mãos nas paredes paralelas de um

corredor, tal conceito foi generalizado por ele para o caso da bola, e portanto, como S3 se

sente totalmente perdido em um lugar aberto, e consequentemente se move segundo uma

trajetória aleatória, a esfera ao abandonar canos, deveria ter o mesmo comportamento.

A convicção C43, expressa por S5 e S6, atribui uma trajetória retilínea à esfera

após abandonar o cano, contudo, era impossível identificar nos gestos feitos pelos sujeitos, já

que esses descreviam com as mãos a trajetória das esferas, qual seria a sua direção, o que nos

leva a concluir que a convicção C43 não era muito “clara” para esses sujeitos, já que nos

parece que eles não sabiam ao certo para onde a esfera iria após abandonar os canos.

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De uma maneira geral, as convicções referentes à trajetórias de esferas,

apresentaram uma convergência à teoria de impetus circular C16, para um grupo de quatro

sujeitos, no entanto, demonstraram ser extremamente novas do ponto de vista de experiências

e nos pareceu bastante evidentes as dificuldades que os sujeitos tinham para emitir opiniões

ou convicções sobre esse tema.

As convicções C24 e C25, expressas por S3, enfocam uma característica da

continuidade do movimento de um objeto, a influência do atrito entre a superfície do objeto e

o meio, isto é, entre nossos seis sujeitos, apenas S3 sugeriu exemplos ou situações envolvendo

objetos que se movem atribuindo ao atrito a responsabilidade pela duração do movimento. De

acordo com Aristóteles, o movimento só seria possível devido à ação de duas “forças” por

assim dizer, sendo que uma delas já foi discutida anteriormente por ocasião da análise de

algumas convicções, entre elas C6 e C7, ou seja, segundo o paradigma aristotélico de

movimento, a velocidade de um corpo é diretamente proporcional à força exercida pelo

movedor e inversamente proporcional às resistências ao movimento, exercidas pelo meio

físico, (equação 3.3), ou seja, para Aristóteles, não há movimento no vazio, ou ainda, não há o

vazio, pois se houvesse, a velocidade do corpo neste lugar tenderia ao infinito, o que seria

absolutamente inviável para tal paradigma (Koyré, A. 1991). Portanto, para Aristóteles, para

que haja o movimento, a força aplicada pelo movedor deve ser maior que a resistência do

meio, sendo que quanto maior a resistência, mantendo-se a força que é aplicada pelo

movedor, constante, menor seria a velocidade do objeto e quanto menor a resistência do meio,

maior a velocidade do objeto. Isto explica por exemplo, a diferença de velocidade entre duas

esferas de mesmo tamanho e material que se deixam cair dentro de dois recipientes de mesma

altura, mas que contém fluídos diferentes como por exemplo água e óleo, ou ar e água. O que

se observa, é que no fluído de maior densidade, o tempo de queda da esfera é maior que no

fluído de menor densidade (Cohen, op. cit.), e de uma certa forma, S3 foi capaz de expressar

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essa idéia nas convicções C24 e C25, atribuindo à relação objeto/meio a responsabilidade pela

maior duração de um movimento. É interessante observar que S3 possui as convicções C6, C7 e

C9 que de uma certa forma impõe a necessidade de uma força para a continuidade do

movimento, e juntamente a essas, expressa as convicções C24 e C25, convicções estas que

enfocam a relação atrito do corpo/meio físico em suas explicações quanto à duração do

movimento.

Analisaremos agora um grupo de convicções bastante curiosas por exibirem

características interessantes e até mesmo inesperadas. Em C33, S4 afirma que sem a gravidade

os objetos iriam pra cima, o que é curioso, primeiro pelo emprego do termo “gravidade”,

termo sugerido por ele mesmo, segundo, pela interpretação da gravidade, que de uma certa

forma tem a função de atrair objetos para baixo, terceiro, pela característica natural que

objetos têm de ir para cima na ausência de gravidade. Apenas para ressaltar, S4 cursou até a 8ª

série e provavelmente C33, tanto do ponto de vista de linguagem, quanto do ponto de vista de

conceitos possa ter sido influenciado por este fato. Já em C34 e C35, S4 volta a se utilizar da

expressão gravidade para justificar alguns fenômenos, atribuindo à gravidade, a propriedade

de força, ao ar, a capacidade de exercer força, não que isto tenha qualquer relação ao conceito

aristotélico de antiperistasis, e em C35, justifica que em pássaros ou aviões, não há ação da

gravidade, o que nos parece pelo menos curioso por dois motivos. O primeiro deles é que por

S4 ser cego desde os três anos, o tipo de experiência visual que ele possa ter tido com pássaros

e aviões voando, nos parece ter sido mínimos e portanto, o que o leva a concluir que pássaros

e aviões voam, venha de experiências auditivas como ouvir um avião voando ou um pássaro

cantando e também de informações provenientes de outras fontes como pessoas, rádio,

televisão, etc. O segundo motivo, refere-se a utilização do termo gravidade – algo que não é

claro para ele mas de alguma forma refere-se à objetos que caem – para justificar a causa de

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aviões ou pássaros não caírem, isto é, de acordo com ele, este fato ocorre justamente porque a

gravidade não age nestes objetos.

Nas convicções C38 e C42, S5, único sujeito a expressá-las, apresenta um

paralelo entre atração gravitacional e atração magnética, comparando a Terra a um grande

imã. Tais convicções, discordante da teoria aristotélica C38, e sem conexão com essa teria C42,

exibem uma característica não identificada em outros sujeitos, isto é, a noção de ação à

distância, jamais aceita por Aristóteles e tão peculiar à Física Newtoniana. Acreditamos que

tais conceitos tenham sido adquiridos por S5 através da escola, já que ele estudou até a 5ª

série, ou mesmo por outras fontes de informação, auditivas, como programas de TV etc, já

que esse sujeito nos pareceu ser uma pessoa bastante esclarecida e consequentemente com

extrema facilidade de expor suas idéias, característica básica de pessoas que lêem ou no caso

de um cego, que tem acesso à informação por vias auditivas. Contudo S5 não deixou de

expressar convicções do tipo C11, isto é, que obedecem ao princípio aristotélico de lugar

natural, que surgem ou são adquiridas através de experiências e dessa forma são muito mais

relevantes para o indivíduo.

Na convicção C36, convicção expressa apenas por S4, há curiosamente uma

contradição em relação à C15, convicção também expressa por esse sujeito, ou seja, S4

expressou em seu diálogo, primeiro que a folha de papel amassada é mais pesada que a folha

de papel aberta, e depois, o contrário. Talvez essa contradição possa ser interpretada como um

problema de linguagem ou dificuldade por parte de S4 em emitir opiniões de algo que é

imperceptível do ponto de vista tátil. Desta forma, ser mais leve ou mais pesada para a folha

de papel aberta, possa ter se confundido com formatos e isto em conjunto das experiências de

abandonar bolas e folhas, possa ter gerado a contradição entre C15 e C36, para S4.

Para S6, a convicção C44, convicção que afirma que bola e folha de papel aberta

cairão juntas, parece ser bastante relevante, já que ele, em nenhuma ocasião de seu diálogo

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expressou C13, pois nos pareceu ter dificuldades em perceber auditivamente que a bola

chegava primeiro ao solo que folha de papel aberta.

Finalmente, em C45, convicção expressa por S2, há uma confusão por parte do

sujeito entre os conceitos de força e energia, confusão esta, bastante comum para as pessoas,

que empregam tais termos em situações corriqueiras como por exemplo, “eu vou te dar uma

força”, ou então “você está carregado com uma energia positiva” e consequentemente,

atribuem a esses conceitos, uma conotação não diferenciada de um ente responsável por

mover coisas, segurar coisas, ou mesmo de garra, vontade, superação, etc.

Portanto, de uma maneira geral, analisamos as quarenta e sete convicções

diagnosticadas em nosso grupo de seis sujeitos, enfocando a relação entre grupos de sujeitos e

grupos de convicções, grupo de convicções expressas por cada sujeito, características

conceituais de cada convicção, tendo em vista a Física Aristotélica e/ou do Impetus, o que

pudemos observar, foi que embora cegos, nossos sujeitos apresentaram convicções acerca de

repouso e movimento bastante semelhantes a de pessoas não cegas, isto é, convicções que

obedecem aos princípios aristotélicos de Lugar Natural e de Movimento Forçado. Na tabela

6.54, agrupamos as convicções, relacionado-as ao paradigma aristotélico de movimento.

Tabela 6.54: Relação entre as convicções e o paradigma aristotélico de movimento.

Movimento Forçado

Objetos que se movem mantendo o contato com o

seu movedor

C6, C7, C19, C23, C27, C31, C47.

Objetos que se movem sem contato com o movedor

(impetus)

C9, C10, C16, C24, C25, C29, C30, C40.

Lugar Natural C1, C2, C3, C4, C11, C12, C13, C18, C20, C21, C29, C37, C40, C41, C46.

Como se nota na tabela 6.54, das 47 convicções diagnosticadas dos seis

sujeitos de nossa pesquisa, 15 convicções ou aproximadamente 32%, seguem o princípio

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aristotélico de Movimento Forçado, outras 15, ou aproximadamente 32%, obedecem ao

principio aristotélico de Lugar Natural, ou seja, aproximadamente 64% das convicções

obtidas, obedecem ao paradigma aristotélico de Movimento. As noções de que a todo

movimento associa-se uma força, e de que um objeto cai pois cair é algo natural, representam

praticamente a base conceitual de nossos sujeitos. A ausência de visão, apesar de trazer

limitações observacionais ao indivíduo, não aparenta ser preponderante ou até exclusiva ao

grupo de experiências que levam um sujeito a construir explicações de fenômenos

relacionados à repouso e movimento dos objetos. Experiências táteis, auditivas, participam

diretamente, não só na interação do sujeito cego com o meio físico, mas também levam à

experiências que geram conceitos muito semelhantes aos de pessoas que enxergam. Portanto,

se um sujeito nasce cego, a percepção das experiências cotidianas relacionadas a repouso e

movimento não é obtida através do estímulo visão, mas sim, através de outros sentidos e de

interações sociais. Como toda pessoa, um indivíduo cego cria modelos, sugere explicações

para qualquer questionamento que a ele seja feito, isto é, descreve aviões e pássaros voando,

descreve trajetórias de esferas, de bexigas e de penas, propõe formatos para a Terra, a Lua e

as Estrelas, usa exemplos de distâncias entre cidades para explicar determinados conceitos,

descreve o que vai acontecer com uma bola que é posta em movimento num campo aberto, e

de acordo com o que pudemos observar em nossa análise de convicções, todas essas

explicações seguem uma tendência geral ou obedecem a um paradigma em comum. De

acordo com o conceito de funções psicofisiológicas que vem a ser, segundo Leontiev et. al.

(op. cit.), as funções fisiológicas do organismo, e entre tais, as sensoriais, nenhuma atividade

psíquica pode ser executada sem o desenvolvimento dessas funções. Se excluirmos as cores, a

imagem em nossa consciência terá a palidez de uma fotografia em branco e preto, se

excluirmos a visão, não teremos imagens visuais da realidade em nossa consciência, ou seja,

como aponta Biriliev (Apud. Vigotski op. cit.), cego altamente instruído, a cegueira não é algo

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que ele perceba diretamente, já que a capacidade de ver a luz, tem um significado prático e

pragmático para o cego e não instintivo-orgânico, no entanto, uma pessoa cega, pode propor

uma teoria sobre a natureza da luz, embora suas experiências visuais sejam nulas.

Conforme aponta Vigotski (op. cit.), o aparelho psíquico e o sistema nervoso

central, trabalham a fim de superar uma dificuldade social gerada pela ausência total ou

parcial de um determinado estímulo sensorial. Para o cego, a consciência de não enxergar,

tem um significado baseado estritamente nas interações sociais e a fim de superar todas as

dificuldades impostas pelo meio social, o sistema nervoso central e o aparato psíquico

assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do órgão, o que não significa

que a representação da realidade física na consciência de um indivíduo cego, seja a mesma de

uma pessoa não cega, ou seja, outros sentidos como ouvir, sentir, etc, nunca darão ao cego,

características da realidade que são fornecidas exclusivamente pela visão, contudo, através da

super compensação, que vem a ser a superação, por parte do organismo, das dificuldades

impostas socialmente, um cego pode se desenvolver e se estabelecer na vida social, da mesma

forma que uma pessoa vidente.

Especificamente em nossa pesquisa, ou seja, identificar quais são as

concepções alternativas de repouso e movimento de pessoas cegas, notou-se grande

semelhança entre o pensamento espontâneo de uma pessoa cega e de uma pessoa não cega.

Em cima disto gostaríamos de propor alguns questionamentos. Qual é o papel de cada sentido

na percepção de experiências que levam as pessoas a criar modelos e propor explicações para

realidade física? Por que as experiências observadas por um indivíduo levam-no a acreditar

que o movimento só se dá pela ação de uma força ao ponto de estenderem esse raciocínio a

objetos que se movem sem o contato com o movedor? Por que o Movimento Natural é um

consenso entre as pessoas, a ponto de levar Aristóteles a criar uma teoria extremamente

complexa para justificar tal fato? Que tipo de experiências levam indivíduos cegos a

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construírem modelos da realidade física? Por que esses modelos são praticamente idênticos

aos de pessoas não cegas?

Acreditamos que a busca da solução para tais questionamentos possa vir

contribuir significativamente para o ensino de Física não só do deficiente visual, ou seja, a

elaboração de atividades de ensino pode e deve basear-se em experiências não visuais, que

possam gerar situações problemas a fim de se obter conflitos entre os modelos espontâneos

dos indivíduos e fenômenos que tais modelos não dão conta de explicar. Portanto a cegueira,

além de não ser fator preponderante nas diferenças conceituais entre as pessoas cegas e não

cegas, pode servir de referencial para a elaboração de atividades de ensino de Física que

busquem uma mudança conceitual acerca de repouso e movimento, ou seja, que busquem a

superação do paradigma aristotélico de movimento que se baseia nos princípios de

Movimento Forçado e de Lugar Natural.

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6.4. Análise de Trechos Selecionados que Revelam Aspectos Observacionais não Visuais

Enfocaremos neste tópico, alguns trechos extraídos das entrevistas de nossos

seis sujeitos. Na seção anterior, analisamos as 47 convicções identificadas nas entrevistas de

nossos sujeitos e concluímos que, embora cegos, suas convicções de repouso e movimento

assemelham-se à de pessoas não cegas e consequentemente obedecem ao paradigma

aristotélico de movimento. Conforme indica Coll et. al. (1998), as concepções alternativas

exibem algumas características como por exemplo: são construções pessoais, possuem

coerência do ponto de vista pessoal e não do científico, são estáveis e resistentes à mudança,

são descobertas nas atividades ou previsões, são compartilhadas por outras pessoas, procuram

a utilidade mais do que a “verdade”. É inquestionável o fato de que todas as pessoas trazem

consigo concepções alternativas sobre determinado assunto ou conceito, sejam essas pessoas

alunos de ensino médio ou fundamental, professores de Física ou até pesquisadores na área de

ensino de Física. Por muitas vezes, “possuímos” um determinado conhecimento científico que

contrapõe-se radicalmente à nossa maneira “íntima”, “secreta”, de pensar ou até de entender

determinados fenômenos, e desta forma devemos reconhecer o quão “forte” representam

idéias ou noções que adquirimos ao longo de nossa vida através de experiências que são

observadas pelos sentidos.

Conforme descrevemos, concepções alternativas sobre repouso e movimento

de pessoas cegas, assemelham-se à de pessoas não cegas e portanto, o fato de se excluir a

observação visual não influencia significativamente na maneira com que o indivíduo

interpreta fenômenos relacionados a repouso e movimento, e consequentemente, outros tipos

de interações e observações de experiências que um indivíduo estabelece com o meio físico,

levam-no à mesma estrutura conceitual em relação à de pessoas que enxergam, isto é,

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experiências não visuais contribuem para que as pessoas apresentem os mesmos tipos de

convicções.

Apresentaremos agora, trechos de diálogos extraídos das entrevistas com nossos sujeitos

que referem-se a exemplos de experiências não visuais vividas individualmente por eles.

Cabe ressaltarmos, que tais experiências vinham à tona através de exemplos fornecidos

pelos sujeitos quando, por ocasião de algum questionamento que a eles eram feitos.

Descreveremos a seguir, fragmentos das entrevistas de S1, S4, e S6 que referem-

se à trajetórias de objetos lançados. Um trecho importante da entrevista de S1, relaciona-se à

suas explicações acerca da trajetória de uma pena após ser lançada para a frente por uma

pessoa:

S1: Se a gente jogar uma pena, ela não vai voar para baixo, ela vai voar para

cima, ela é leve.

E: Você acha que a pena vai voar para cima?

S1: Vai.

E: E ela vai subir até onde?

S1: Até onde ela tiver força, tiver alguma força para empurrar ela, ela vai.

E: E depois?

S1: Depois ela cai.

Neste trecho, identificamos algumas convicções, como por exemplo C11 (Lugar

Natural) e C9 (Impetus), aplicada a um objeto bastante comum, a pena. Este segmento se torna

bastante diferenciado pela ausência total de visão do sujeito, já que este jamais poderia ter

visto o que disse. A convicção C11 expressa principalmente no fragmento: “Se a gente jogar

uma pena, ela não vai voar para baixo, ela vai voar para cima, ela é leve”, parece-nos ter

sido “adquirida” por S1 independentemente de quaisquer estímulos visuais. Esta afirmação de

S1 parece-nos refletir uma generalização feita pelo sujeito acerca do modelo aristotélico de

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Lugar Natural. De acordo com o que foi discutido anteriormente, Aristóteles separou o

movimento em Movimento Natural e Movimento Forçado, sendo que o conceito de

Movimento Natural, afirma que dependendo do tipo de elemento que um certo material é

constituído, ele deveria ocupar um determinado lugar. Os materiais constituídos do elemento

terra (“pesados”), ocupariam o centro do universo, isto é, teriam a tendência natural de cair.

Os materiais constituídos do elemento ar e/ou fogo (“leves”), ocupariam seu lugar natural que

seria a esfera lunar, ou seja, teriam um movimento natural para cima. Podemos supor que para

S1, a pena, embora sólida, represente por sua “leveza” o oposto de objetos “pesados” como a

bola, e portanto, deva subir. Acreditamos que o “surgimento” de tal convicção C11, do ponto

de vista dos estímulos sensoriais, não seja só influenciado pelo estímulo visão, mas sim, por

estímulos auditivos como intensidade do som resultante do choque de objetos com o solo e

experiências cotidianas do ponto de vista tátil, como segurar um balão cheio de gás hélio ou

carregar algo “pesado”, ou até mesmo subir e descer rampas:

E: Na sua opinião é natural as coisas caírem para baixo?

S1: Quando é mais pesado, sim.

E: Mais pesado do que quem?

S1: Mais pesado que o ar que faz a força que empurra ela.

E: O ar, na sua opinião, empurra as coisas para cima, ou para baixo?

S1: Depende do peso do objeto.

E: Depende do peso. No caso da bexiga?

S1:Para cima.

E: No caso da bola?

S1: Para baixo.

S1 somente disse que a pena retornaria ao solo, quando indagada

precipitadamente pelo entrevistador:

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E: Você acha que a pena vai voar para cima?

S1: Vai.

E: E ela vai subir até onde?

S1: Até onde ela tiver força, tiver alguma força para empurrar ela, ela vai

(Impetus – C9).

E: E depois?

S1: Depois ela cai.

Acreditamos que especificamente para o caso da comparação entre a bola e a

pena, S1 possa ter associado “peso” da bola com intensidade do som do choque da bola com o

chão e “leveza” da pena ou do balão com a ausência de som proveniente de um não verificado

choque, entre estes objetos e o chão. Portanto, podemos concluir que provavelmente S1 tenha

generalizado, a partir de experiências táteis e auditivas como as descritas, o conceito C11.

Ainda, sobre o tema “objetos lançados”, os trechos a seguir, extraídos das

entrevistas de S4 e S6 respectivamente, referem-se ao fenômeno de lançar uma bola

verticalmente para cima. S4 parece não saber descrever o que ocorre efetivamente com uma

bola quando essa deixa a mão de quem a lançou. Não é claro para ele que a bola sobe, atinge

uma altura máxima e volta. O que ele sabe, é que ela volta, pois ouve o impacto da queda e

sabe também que se a bola for lançada em uma sala fechada, ela baterá no teto e depois

retornará ao solo.

E: Antes de começar a cair ela vai até onde?

S4: Não tem aonde ir.

E: Você acha que ela sobe uma altura máxima?

S4: Não, não tem altura máxima, nem nada. Altura máxima se fosse aqui, aqui

se jogar aqui, tem altura máxima (teto).

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Já S6, como poderá ser observado no fragmento abaixo, apresenta uma

descrição melhor do fenômeno e faz uma suposição daquilo que não pode ver e ouvir, isto é, a

situação em que a bola atinge a altura máxima em relação ao solo.

E: Se você jogar a bola pra cima, o que acontece?

S6: Ela vai bater no teto e vai voltar.

E: E se não tem o teto?

S6: Ela vai pra cima e vai voltar no chão.

E: Por que ela volta?

S6: Se jogar pra cima, não tem lugar pra ela ficar lá em cima, ela volta.

E: Se você jogar pra cima, por que ela sobe?

S6: Por que ela tem que subir.

Quando, ao descrever o fenômeno do lançamento vertical de uma bola,

notamos as referências observacionais que S4 e S6 adotam, ou seja, os sentidos audição e tato,

que são responsáveis pela observação do fenômeno por parte deles. O que eles sabem

efetivamente, através de suas experiências não visuais, é que inicialmente a bola encontra-se

em suas mãos (sensação tátil), posteriormente, ela sai de suas mãos pois eles a lançaram para

cima (sensação tátil). Se eles estiverem num lugar aberto, a próxima informação que eles

terão da bola será tátil se ela cair sobre eles, ou auditiva se ela cair no chão. No caso deles se

encontrarem dentro de uma sala, que possui um teto, terão, além das informações já descritas,

uma outra, ou seja, a informação sonora proveniente do choque da bola com o teto e esta

informação lhes dará a consciência de que a bola se encontra acima de suas cabeças. Contudo,

notamos que S4, talvez até por um problema de comunicação, não foi capaz de nos informar

se ele efetivamente sabia ou tinha consciência das etapas descritas por uma bola que é lançada

para cima, ou seja, que ela inicialmente sai de suas mãos, sobe, atinge uma altura máxima e

volta, já para S1 e o caso da pena, tal descrição, isto é, da trajetória do objeto, é feita, no

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entanto, de uma maneira totalmente baseada em suposições mais do que em experiências, o

que para S4 não ocorre. O que fica claro, contudo, dos exemplos descritos acima, é que S1 não

tem certeza do que ocorrerá com a pena após esta abandonar sua mão, pois lhe falta

informações, já S4 e S6 sabem que a bola, necessariamente, voltará ao solo, pois é isso que

eles ouvem todas as vezes que realizam a experiência.

Em outro trecho, que enfoca noções de Terra de um sujeito cego, S1 apresenta

as suas, de formato da Terra, da Lua e do Sol, noções estas que inicialmente são provenientes

de informações adquiridas principalmente na escola, mas que no decorrer do diálogo, se

mostraram muito mais espontâneas e fruto de experiências:

E: Você já ouviu falar na Lua, não é? O que é a Lua para você?

S1: Um circulo.

E: Você nunca viu a Lua?

S1: Eu não.

E: O que você já ouviu falar da Lua?

S1: Que ela é redonda...

E: E onde ela fica?

S1: Fica lá no alto.

E: E por que ela não cai?

S1: Por causa da força da gravidade que segura ela lá em cima.

E: Mas a força da gravidade não puxa as coisas para baixo?

S1: Puxa mas ela não é pesada, então...

E: Ela é leve?

S1: Ela é leve, fica lá em cima. Creio eu que ela seja leve.

Notemos que S1 apresenta um formato para a Lua (algo redondo), no entanto,

por ser cego, nunca viu a Lua, tudo o que ele sabe da Lua, foi dito a ele, ou seja, que ela é

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redonda e que ela fica no alto, entretanto, quando questionado quanto ao porquê da Lua não

cair, usa argumentos aristotélicos do tipo C11 afirmando que a Lua não cai por ser leve e faz

isso com a utilização de termos científicos como “gravidade”, que deve ter sido aprendido por

ele na escola, mas que não se refere ao conceito científico gravidade, ou seja, o de ação à

distância.

E: E o Sol?

S1: O Sol é um planeta, né?

E: E qual é o formato dele?

S1: Eu acredito que ele seja em forma de uma bola.

E: Quente ou frio?

S1: Quente.

E: E por que ele não cai?

S1: É porque ele tem que ficar lá em cima.

E: Mas as coisas caem?

S1: Se for pesado, sim.

E: E o Sol?

S1: O Sol deve ser leve.

Neste trecho, S1 expõe suas noções de Sol, ou seja, que ele é como uma bola

(algo que jamais viu), quente (resultado de experiência tátil), leve (explicação do tipo C11, do

porquê dele não cair). Vejamos que essas noções, com exceção da “quente”, não são

resultados de observações, mas sim, de informações adquiridas, ou construídas a partir de

outras experiências, além disso, S1 utiliza um argumento interessante para o fato do Sol não

cair ao afirmar: “É porque ele tem que ficar lá em cima”. Tal argumento, parece-nos

assemelhar-se ao de Lugar Natural de Aristóteles, que justificava o fato de objetos celestes

não caírem à sua natureza intrínseca (Peduzzi, op. cit.). Para S1, objetos celestes como a Lua e

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o Sol, não caem por dois argumentos principais, o primeiro é porquê são leves, e o segundo é

porquê é natural para eles, ficar no alto.

E: Nós moramos num planeta, certo? Nosso planeta se chama Terra. Como é

esse planeta na sua opinião? Qual a forma dele?

S1: Redondo.

E: Isso faz sentido para você?

S1: Como assim?

E: O planeta ser redondo?

S1: Faz, não faz?

E: Quando você anda, você sente que ele é redondo?

S1: Nem um pouco.

E: Mas então, por que você disse que ele é redondo?

S1: Dizem os experientes...

E: É que disseram para você que é redondo? Na escola disseram para você

que a Terra é redonda?

S1: Para mim não faz diferença nenhuma.

E: O que para você faz mais sentido, a Terra ter o formato redondo ou ter o

formato dessa mesa?

S1: Eu acho que redondo.

E: Você acha que a Terra é grande?

S1: Não dá para ter uma idéia.

E: Onde você imagina que seja o Japão?

S1: É um país do outro lado do mundo.

E: Deixe-me pegar a bola. Você acha que a Terra é assim como a bola?

S1: Assim não. Eu acho que ela é em forma de circulo, como um disco.

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E: Como um disco?

S1: É.

E: E a Lua?

S1: A Lua? Eu acho que a Lua é como um prato.

E: E o Sol?

S1: O Sol, eu acho que é como essa bola.

E: A Terra seria como um disco então?

S1: E o Sol fica em cima dela como se fosse essa bola aqui.

Neste trecho encontramos noções de Terra adquiridas por S1 de forma

informativa que contrapõem-se à noções de Terra adquiridas por ele através de experiências,

pois S1 afirma que a Terra tem um formato redondo, porque aprendeu na escola ou porque

“dizem os experientes”, mas, para ele, o caráter plano do formato da Terra, é algo bastante

evidente, pois, embora tivesse afirmado que a Terra possui o formato arredondado, comparou

a Terra a um disco, que é plano, mas que também apresenta características circulares.

Pesquisas como as de Sneider e Pulos (1983), Nussbaum (1985), Nardi (1990) e Baxter

(1991), apresentam noções de Terra de pessoas não cegas que assemelham-se parcialmente às

de S1. Como aponta Nardi (op. cit.), a concepção de Terra apresentava variações de acordo

com a idade dos indivíduos entrevistados em seu trabalho, contudo, indivíduos mais jovens,

especificamente abaixo de onze anos, forneciam concepções planas da Terra. Para S1, há uma

contradição entre os conceitos adquiridos por ele em suas experiências, e as informações

provenientes da escola, o que o leva a tentar propor um modelo, que de uma certa forma

satisfaça as duas fontes de interação. Propõe, portanto, que a Terra tem um formato circular,

mas não é como uma bola, e sim, como um disco, cuja superfície é plana e dessa forma, a

contradição adquirida de fontes sociais e de experiências não visuais com o meio físico,

convive sem maiores problemas em seu “universo” de conceitos.

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Continuando nossas análises de experiências não visuais vivenciadas por

nossos sujeitos, destacamos para S2, dois trechos que, pela ordem, nos fornecem uma

informação obtida pelo sujeito, resultado de interações sociais, especificamente de um ditado

popular e uma descrição apresentada por S2 para o que acontece com uma bola de futebol

quando cai na piscina.

No trecho “Meu pai dizia um ditado: Do chão não passa” (C11), aparece uma

influência direta das interações sociais, ou seja, das informações que um indivíduo cego

obtém de determinados fenômenos, através do diálogo, ou neste caso, de um ditado popular.

S2, afim de explicar porque um objeto pára no chão, recorre a este tipo de experiência e não a

argumentos próprios ou de ordem sensoriais.

S2: Caiu na mesa.

E: Por que ela não passou da mesa?

S2: Meu pai dizia um ditado: Do chão não passa.

Os outros dois trechos descritos abaixo, revelam algo curioso ao que se refere

às experiências de S2. Ele afirma nunca ter vivenciado tal experiência, no entanto, propõe

explicações e descrições para o fenômeno de jogar uma bola de futebol numa piscina.

E: E se jogar a bola na água?

S2: A bola não afunda. Eu nunca joguei não, mas eu acho que a bola não

afunda.

S2: Eu acho que ela bóia, mas eu nunca joguei uma bola na piscina.

Se ele nunca jogou uma bola na piscina, provavelmente S2 descreveu que ela

não afunda baseando-se em outras experiências, talvez de entrar numa piscina, ou de nadar

usando uma bóia, ou em informações de outras pessoas, no entanto, S2 descreveu o fenômeno

- que a bola não afunda - e isto é claro para ele. Vejamos o trecho abaixo em que S2 descreve

o movimento da bola sobre a água:

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S2: Eu também não sei como explicar, só sei que ela fica em cima da água

rolando.

Notemos que embora S2 não saiba explicar o porquê da bola flutuar sobre a

água, ele sabe que ela flutua e sugere que ela fica rolando, algo que realmente pode ocorrer,

mas que é observado principalmente por estímulos visuais, já que do ponto de vista tátil, se

você coloca a mão sobre uma bola rolando em cima da água, ela na maioria das vezes pára de

rolar, e portanto, tal observação poderia ser prejudicada por este fato.

Outro tipo de experiência que nos chamou a atenção, observada nas entrevistas

com S3 e S6, foi a relacionada com aviões. No segmento abaixo, retirado da entrevista com S3,

podemos observar um grande esforço do sujeito para descrever sua experiência não visual de

andar de avião. O texto é um pouco confuso, contém ambiguidades frequentes, mas nos

parece ser útil por revelar a forma que S3 imagina o avião voando, de acordo com uma

perspectiva de alguém que não enxerga.

E: Na sua opinião, o avião tem alguma coisa que liga ele ao solo, que sustenta

ele no chão ou ele fica flutuando?

S3: Eu acho que é como se tivesse, por exemplo: um negócio, ai, em cima tem

um avião, ai um negócio sai de cima desse negócio e vai saindo.

E: Como que é? Você tem um avião...

S3: Ai o avião sai assim, sobe de um lugar que ele tá, que ele tava sustentado,

ele vai e sobe assim, mas acho que deve ter alguma ligação com alguma coisa aqui que fica

parado, que não movimenta junto com ele, que ele flutua sozinho, eu acho...

No trecho descrito acima, deu-nos a impressão, que S3 acredita que o avião

esteja ligado a algo na Terra, e que este algo, não o deixa cair. Vejamos a continuação do

diálogo:

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E: Por exemplo, se essa bola fosse o avião. Você acha que tem alguma coisa

que liga o avião, como o seu braço que segura a bola?

S3: Não, eu acho que ele vai continuar, tipo assim, ele vai continuar

voando sustentado pela aqui (S3 segura a bola com a mão e a desloca para frente na

horizontal), mas acho que meu braço não vai fazer isso (S3 levanta o braço e suspende a bola

obliquamente)

E: você acha que tem alguma coisa embaixo que sustenta ele?

S3: Sei lá, não faço a menor idéia, pode ser... ou então o peso, alguma coisa

aqui nele assim (S3 indica embaixo da bola). Aí ele vai subindo, tem um negócio que... sei lá,

não entendo nada de avião.

Aqui fica clara a grande dificuldade que S3 encontra para expressar sua idéia do

vôo de um avião. O que ele sabe, de acordo com informações orais, é que o avião voa, no

entanto, o que significa isto para ele? Neste caso, como S3 não enxerga, a sensação tátil na

subida ou na descida do avião, ou até nas turbulências, fizeram com que ele percebesse que o

avião se afastava ou se aproximava do chão, ou mesmo que estava em movimento como ele

mesmo descreve a seguir:

E: Mas você já andou de avião?

S3: Já.

E: Muito?

S3: Muito não, mais ou menos. Eu só andei duas vezes, mas já foi suficiente.

Também onze horas dentro do avião... e quando dá turbulência então...

E: Fica tudo tremendo?

S3: Tipo assim, você tá aqui, ele faz assim (move a bola para cima e para

baixo). Ai dá um medo...

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Já S6, descreve suas experiências acerca do avião, embora nunca tivesse andado

em um.

E: Já ouviu falar no avião. Avião cai no chão?

S6: Cai (provavelmente deve ter ouvido na televisão a informação da queda de

alguns aviões).

E: O que você imagina quando falam no avião pra você?

S6: Eu nunca andei de avião.

E: Mas o que é o avião?

S6: O avião é um objeto grande que faz um barulho (experiência auditiva - S6

pode ter observado auditivamente, aviões voando sobre si, já que o lugar onde ele estuda fica

perto do aeroporto)

E: Qual a função do avião?

S6: É voar.

E: O que é voar, pra você?

S6: Voar significa fazer isso aqui pra cima (levanta as mãos) e pra baixo

(abaixa as mãos).

E: Como ele tá?

S6: Ele tá aqui embaixo. Pra decolar, ele vai fazer isso aqui (levanta as mãos).

Aí ele vai lá pra cima, então pra ficar em cima mesmo, tem que voar.

E: Você acha que o avião vai pra frente, pra trás, ou ele só vai pra cima e pra

baixo?

S6: Ele tem alguma coisa também que pode até virar no ar. Mas pra frente tem

que pular

E: Por que você acha que ele não cai no chão?

S6: Porque ele tá firme lá em cima.

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E: Quem segura ele?

S6: O piloto.

E: Mas o piloto fica onde? Dentro ou fora?

S6: Tem as asas também, as asas seguram bastante firme.

E: Mas as asas se apoiam onde pra segurar ele?

S6: Isso que eu não sei, não posso explicar pra você essa ai.

No trecho descrito acima, voar, é sinônimo para S6, de não estar no chão e isto

pode ter sido observado por ele, auditivamente. O que é certo, é que S6, assim como S3, não

tem claro em suas representações de fenômenos, o fenômeno voar.

No fragmento abaixo S3 descreve sua experiência de andar de elevador, e

apresenta argumentos táteis para explicitar sua consciência do estar em movimento.

E: ... você já andou de elevador?

S3: Já, muito.

E: Você sabe quando ele está subindo, você sente?

S3: Sinto.

E: E sobe bastante.

S3: É, e depois ele desce um pouquinho.

Notemos o detalhe observado por S3 “...depois ele desce um pouquinho”, para

quando o elevador chega no andar desejado. Isto pra qualquer pessoa poderia passar

desapercebido, mas para ele não, pois, por não possuir visão, experiências desse tipo, se

tornam bastante significativas. O que fica claro para nós, tanto na experiência do avião,

quanto na experiência do elevador, é a importância dos estímulos táteis para a construção de

noções de movimento de pessoas cegas, principalmente quando essas participam de

experiências que envolvem objetos acelerados como os descritos.

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O trecho a seguir, apresenta-nos uma descrição feita por S3 para a trajetória de

uma bola e uma folha de papel aberta que caem. Tal explicação surgiu durante a realização do

experimento queda da bola e da folha de papel aberta simultaneamente e mostra de início a

dificuldade que o sujeito apresentou para entender o que queríamos que ele fizesse, ou seja,

abandonar da mesma altura e ao mesmo tempo, a bola e a folha de papel aberta, já que, a

primeira vez que realizamos o experimento, S3 lançou para cima os dois objetos, de tal forma

que a bola, na volta, atingiu seu ombro, fazendo com que ele concluísse, a princípio, a partir

de estímulos auditivos e táteis, que apenas um objeto chegava ao solo, o que não ocorreu, pois

ao arremessar as duas para cima, a bola ganhou uma altura maior que a folha de papel aberta e

consequentemente, demorou um tempo maior para chegar ao solo, tempo este que era

aproximadamente igual ao da folha de papel aberta. S3 não era capaz de enxergar a trajetória

da bola e nem a da folha de papel. A observação do fenômeno, neste caso, para S 3, foi feita

através do estímulo tátil, quando a bola toca em seu ombro e do auditivo, quando a bola e a

folha de papel chegam ao solo.

E: Se você quiser, você pode soltar, mas tem que ser ao mesmo tempo.

S3 arremessa os dois objetos para cima e a bola atinge uma altura maior do

que a folha de papel de tal maneira que, ao descer, resvala no ombro de S3 e acaba chegando

ao solo quase junto com a folha de papel.

S3: Caiu só uma... A bola bateu aqui em mim (no ombro) e caiu.

E: Tenta soltar sem jogar para cima.

S3 repete a experiência abaixando os braços

E: Quem chegou primeiro?

S3: Não sei, acho que a bola chegou primeiro.

E: Por que você acha que a bola chegou primeiro que a folha?

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S3: Não sei, acho que a bola é mais pesada (C11). Porque tipo assim, você solta

uma folha, ela voa bastante e cai, entendeu?

E: E a bola já vai direto?

S3: É já vai direto. Porque, tipo assim, as vezes as folhas voa, as minhas folhas

da carteira vuuummm... (E S3 faz com as mãos um movimento tipo ondulatório) Agora, se

fosse uma bola, ela não ia voar, mas se soltar ela ia cair, porque ela pesa (C11).

O interessante no trecho acima, além da convicção C11, que surge na explicação

do porquê a bola chegou primeiro ao solo, durante a realização do experimento pela segunda

vez, é a descrição feita por S3 da trajetória da folha, inclusive recorrendo a uma experiência

vivida por ele na escola, que suas folhas de papel voam quando caem de sua carteira. Como S3

não enxerga, os tipos de experiências sensoriais que poderiam fornecer informações ao sujeito

acerca da trajetória da folha de papel aberta quando cai, reduzem-se a observações auditivas e

táteis, ou na suposição de que alguém tenha dito a S3, que a folha de papel exibe determinado

tipo de comportamento em sua trajetória durante a queda, o que particularmente nos aprece

ser inviável, pois se observarmos o contexto do diálogo, é S3 quem fornece a explicação e

quem sugere o exemplo da trajetória da folha de papel aberta e isto é resultado de suas

experiências individuais, de suas observações, que não são visuais, mas que levam à uma

descrição do fenômeno.

No próximo trecho, fica clara a influência de outras pessoas nas observações de

S3, pois o trecho refere-se à experiência de estar no alto de um prédio, especificamente, à

consciência de estar a uma certa altura do chão, algo que efetivamente não é trivial para

pessoas cegas.

E: Você já subiu em um prédio. Como você sabe que o prédio é alto?

S3: Ah, porque todo mundo fala.

E: Mas você não sabe?

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S3: Sei, se eu subir tudo, eu sei.

E: Se você subir no alto de um prédio, você tem a sensação que está no alto?

S3: Ah, tenho um pouco sim.

E: Que sensação você tem?

S3: Não sei. Não dá pra explicar.

E: Mas você consegue ouvir as coisas lá embaixo?

S3: Mais ou menos.

E: Buzina de carro...

S3: Mais ou menos. Ah, dá pra ouvir que as coisa estão mais baixas

(intensidade do som ou altura do solo).

A presença do estímulo auditivo, na percepção de S3 de estar no alto de um

prédio, surge no trecho acima muito mais por uma influência do entrevistador, do que

espontaneamente por parte do sujeito, no entanto, acreditamos que este estímulo tenha

fundamental importância na observação de pessoas cegas quando essas se encontram no alto

de um prédio.

Já na entrevista concedida por S5, encontramos um trecho onde o sujeito

descreve a partir de sensações não visuais, a sua consciência de estar no alto de um prédio.

Desta feita, a influência do entrevistador não surge como fator preponderante, as declarações

de S5 acerca de estar no alto de um prédio, baseiam-se em experiências próprias e os

argumentos utilizados por ele, são do ponto de vista sensorial exclusivamente auditivos.

E: Você já subiu num prédio, você tem noção de altura? Como você sabe que

você está no alto de um prédio?

S5: Ruídos a distância, buzina do carro, motor, os ruídos você vai ouvir com

bastante distância, você vai ter a noção que tá longe, então você sabe que está numa posição

alta, num plano bem superior ao nível do chão.

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Observemos os argumentos utilizados por S5 para a consciência de estar no alto

de um prédio, note que todos passam por expressões que referem-se a estímulos auditivos,

como “ruídos a distância” e “buzina do carro”. Esses argumentos mostram que, além das

interações sociais, como as verificadas acima, no trecho da entrevista de S3, os estímulos

auditivos fornecem aos sujeitos, a sensação de estar no alto de um prédio, eles de uma certa

forma, servem como um referencial para que o sujeito tenha consciência de que ele se

encontra a uma certa altura do solo.

Os trechos que analisaremos agora, foram extraídos das entrevistas concedidas

por S4, S5 e S6. Eles apresentam descrições feitas pelos sujeitos, para o movimento de uma

bola em um campo aberto e para o lançamento vertical de objetos. É notável observarmos a

descrição apresentada por S4, S5 e S6 para o fenômeno “bola que se move em um campo

aberto”, já que este fenômeno, não pode ser observado visualmente por eles e do ponto de

vista auditivo ou tátil, também acreditamos, que não recebam influencias significativas.

S4: ...Então a bola, cê empurra, ela continua o movimento até um certo tempo,

depois ela volta a parar de novo (C9).

As expectativas geradas por qualquer pessoa, acerca do movimento de

quaisquer objetos, giram em torno do fato de que eles sempre param, ou quase imediatamente

como é o caso do livro, ou após um certo tempo, como é o caso da bola. Vejamos o seguinte

trecho extraído da entrevista de S5:

E: Você empurra a bola. Quando você tira a mão dela, ela continua em

movimento?

S5: Continua.

E: E no caso do livro?

S5: Continua só um pouco, a distância é mínima, praticamente... continua

muito pouco, pouquinho.

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Para uma pessoa cega, suas observações do caso de uma bola, são limitadas,

pois ela não vê o que ocorre com a bola quando esta está rolando livremente num campo

aberto. Contudo, a grande parte de suas experiências, indica que objetos devam parar e não

continuar a se mover, e provavelmente isto, possa tê-lo levado a fazer uma generalização

acerca da duração do movimento da bola, fazendo-o descrever o fenômeno da maneira que o

fez, ou seja, se todos os fenômenos observados por ele, indicam que objetos param de se

mover, com a bola não seria diferente.

Na entrevista com S5, selecionamos um trecho onde o sujeito descreve o

mesmo fenômeno, no entanto, sua descrição apresenta claramente os motivos pelos quais a

bola continua a mover-se depois de alguém tê-la chutado, bem como, os motivos pelos quais

ela pára após percorrer uma certa distância, e tais motivos, passam diretamente pela teoria

medieval de impetus (C9).

E: A força que você aplica na bola, permanece na bola?

S5: ... esta questão é meio complicada pra te dizer, eu não consigo colocar com

uma precisão, porque você dá um impulso, ela sai com uma certa velocidade, chega uma

certa altura ela pára, aquele impulso não é suficiente pra continuar, agora, se a força foi

junto, eu acho que não, não sei, é estranho... Nunca tinha pensado nisso antes sobre... ela

pára porque ela perdeu a força, agora se a força foi junto eu não sei, é gozado...

Notemos que embora seus argumentos passem pelas expressões “dar um

impulso”, “aquele impulso não é suficiente para ela continuar” e “ela pára porque ela perdeu a

força”, é estranho para S5 o fato da força ir junto com a bola, o que para qualquer teorista

medieval de impetus era motivo fundamental à continuidade do movimento. Portanto, embora

S5 tivesse usado argumentos do tipo C9 a fim de descrever o fenômeno em questão, parece-lhe

estranho aceitar que algo imaterial possa continuar movendo a bola e consequentemente, isso

fez com que ele ficasse absolutamente perplexo.

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No fragmento abaixo, extraído da entrevista de S6, o sujeito, em nenhum

momento, descreve o fenômeno que ocorre com uma bola que é posta em movimento em um

campo aberto, mas sim, descreve algo que parece fazer parte de suas experiências com bolas,

isto é, S6 insiste constantemente que a bola sempre voltará para ele ou para uma outra pessoa

depois dela ter sido posta em movimento em um campo aberto. De uma certa forma, isto nos

dá impressão de que quando ele vivenciou tal experiência, isto é, de chutar a bola, alguém

sempre a devolvia e a partir disto, surgem seus argumentos e sua descrição do fenômeno.

E: E se não tiver nem gol, nem lateral?

S6: Ai vai pra fora do gol, depende do jeito que você joga a bola.

E: Imagine que você está no meio do campo e você empurra ela. O que vai

acontecer com ela?

S6: Ela vai entrar em movimento.

E: E depois?

S6: Depois ela vai voltar.

E: Voltar pra quem?

S6: Tanto ela pode voltar pra mim ou pra você... ou pra qualquer um que tiver

junto com a gente.

E: Só tá você no campo, mais ninguém

S6: Volta pra mim

Contudo, noutros trechos de sua entrevista, especificamente nas idéias I40, I41,

I42 e I43 – ver subapêndice A6 – o sujeito (S6) tenta explicar o fenômeno a partir de argumentos

como o de que a bola deva parar quando encontrar um lugar (I40), esse lugar pode ser a lateral

ou o gol (I41), o que deixa clara a influência de informações provenientes de interações

sociais, já que S6 nunca pôde ter uma informação visual de como é um campo de futebol. Nas

idéias I42 e I43, o sujeito S6 acaba afirmando que a bola deva parar após ter entrado em

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movimento, na hipótese de não haver gols nem laterais no campo, e que ninguém a traga de

volta para ele. Cabe observar que isso apenas aconteceu após vários esclarecimentos por parte

do entrevistador da situação em questão, isto é, era bastante complexo para S6, a compreensão

da situação problema, no entanto, suas explicações acabaram convergindo ao fato de que a

bola em algum momento devesse parar e não ao fato de que ela pudesse se mover

constantemente.

No trecho a seguir, também extraído da entrevista concedida por S6, fica clara a

influência do sentido audição para uma experiência observada pelo sujeito, ou seja, a

experiência de uma esfera de aço ou vidro que se move e que encontra obstáculos.

E: Mas quando ela sair do cano reto, ela vai continuar em linha reta ou

fazendo curvas?

S6: Ela vai reto, até ela achar um lugar pra ela encostar ela vai.

E: O lugar de encostar seria onde?

S6: Se ela cair no chão e encontrar a parede, o lugar de encostar vai ser a

parede, vai fazer ploc lá na parede, e ela vai parar lá

E: Antes ela não pára?

S6: Antes não, porque cê tá rodando, enquanto ela tiver rodando lá, fazendo

tatatatat..., a hora que ela fizer ploc lá na parede, ela pára.

É importante notarmos que a discussão acima surgiu por ocasião da análise da

trajetória de esferas que abandonam tubos. Em nenhum momento fizemos com que a esfera se

movesse, foi S6 quem sugeriu o exemplo, apresentando sua descrição do fenômeno através de

argumentos exclusivamente auditivos, como os “ploc”, o que lhe informa quando a esfera bate

na parede e “tatatatat...” o que lhe informa que a esfera está em movimento e se afastando. O

que fica claro também no fragmento acima, é a exigência inicial que S6 faz para o fim do

movimento da esfera, ou seja, há a necessidade de um obstáculo, que no caso em questão é a

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parede (observação auditiva), mas no caso anterior, isto é, da bola de futebol, era o gol ou a

lateral (I40 e I41), porém, como verificado em I42 e I43, parece haver um tipo de generalização

do fenômeno por parte do sujeito que estende suas observações (auditivas) ou informações

(sociais) para as situações que a ele foram impostas, ou seja, embora nunca tenha observado

visualmente que uma esfera pára após percorrer uma certa distância, mesmo sem se chocar

com algum obstáculo, parece-lhe absolutamente lógico que isso irá acontecer.

Observemos a descrição feita por S6 para o movimento de um livro que é

empurrado bruscamente.

E: Mas, antes de parar?

S6: Antes de parar ele tava aqui (posição inicial)

E: E nesse espaço, entre aqui (posição inicial) e aqui na frente (posição final)?

Você acha que ele se movimentou?

S6: Acho que não

E: Não, e como ele chegou lá na frente?

S6: Porque eu empurrei, ele ficou parado.

E: Você poderia me explicar melhor isso?

S6: É como você disse, ele tava aqui (posição inicial) eu empurrei ele lá pra

frente (posição final), ele ficou parado lá na frente.

E: E como ele chegou lá?

S6: Eu empurrando, empurrei daqui e ele foi parar lá na frente, do mesmo jeito

que ele tava parado aqui, ele ficou parado lá.

No trecho acima observamos a realização de um experimento por parte de S6.

Neste experimento, o sujeito empurrava o livro que parava quase que imediatamente após ele

ter deixado de tocá-lo. Apesar de não ver o livro mover-se, S6 descreve bem o fenômeno, ou

seja, inicialmente o livro está parado (informação tátil), entra em movimento pois S6 o

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empurra (informação tátil), continua a mover-se após cessar o contato (informação auditiva),

e pára de mover-se (informação auditiva). Experiências como esta, como as da esfera de

metal, e juntamente com interações sociais, levam o sujeito cego a construírem modelos de

determinados fenômenos que não são por eles observados visualmente e levam também, como

no caso da pena ou de bolas lançadas para cima, à generalizações daquilo que por eles não é

observado. O sujeito cego, apesar de não poder obter informações sensoriais do que irá

acontecer com uma bola de futebol que é chutada num campo aberto, ou como é a trajetória

de uma bola lançada para cima, ou ainda de qualquer objeto que se mova sem que ele possa

notá-lo, sempre procurará descrever o fenômeno ou apresentar uma situação do porquê ou

como tal fenômeno ocorre e suas referências serão observações não visuais, de outros

fenômenos.

Não necessariamente, uma pessoa cega descreverá com exatidão determinados

fenômenos não observáveis visualmente, contudo, suas observações, fornecem-lhe

informações suficientes para que ela possa descrever muito bem alguns fenômenos e

generalizar outros. A consciência do estar em movimento, pode ser muito bem adquirida por

um sujeito independentemente dele enxergar ou não, o fato de estar dentro de um carro, por

exemplo, e não poder ver o que se passa do lado de fora, não lhe priva de saber que está se

deslocando no espaço. Como veremos na declaração fornecida por S6, informações táteis e

auditivas, são de fundamental importância na obtenção da consciência de estar em

movimento.

E: Por que você acha que as coisas se movimentam? Quando eu falo as coisas,

por exemplo um carro, você já andou de carro, você sente quando você tá dentro do carro,

que ele tá em movimento?

S6: Tranqüilamente, pra frente, pra trás, dos lados...

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E: Quando você tá dentro de um carro, como você sabe que ele está em

movimento?

S6: Sinto o vento, o soco, quando passa em cima da lombada, ai vai embora,

vai pra frente.

Observe que as expressões “pra frente”, “pra trás”, “dos lados”, “o vento”, “o

soco”, “quando passa em cima da lombada”, são sensações exclusivamente táteis, que dão ao

sujeito a noção de que ele não está parado em relação ao solo, mas que ele se move junto com

o carro. Supostamente tais informações - juntamente com informações auditivas das quais

destacaríamos o efeito Doppler, e a variação da intensidade do som - seriam responsáveis na

construção das noções de movimento, bem como de velocidade para sujeitos cegos. O que

notamos, é que quando questionamos nossos sujeitos sobre suas noções de velocidade, eles

baseavam suas explicações em distância entre cidades e um certo tempo para percorrer tais

distâncias:

E: O que significa 300km/h?

S5: É uma coisa muito alta, rápida. Seria mais ou menos como ir daqui

(Bauru) à São Paulo em uma hora.

Também num exemplo fornecido por S5, suas explicações envolveram um

fenômeno onde a participação do efeito Doppler parece-nos de fundamental importância.

E: O que você pensa sobre velocidade?

S5: Velocidade... há uma diferença entre velocidade baixa e velocidade alta.

Dá pra perceber que há diferença. Velocidade depende da intensidade dela, pode ser

pequena como a gente estar andando a pé normalmente, passeando, caminhando e você ver

um carro de fórmula 1 a 300 km/h.

Quando um ouvinte se aproxima de uma fonte sonora estacionária, a frequência

do som que ele percebe é maior do que quando ele está em repouso. Se o ouvinte se afasta da

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fonte estacionária, ele escuta um som mais grave do que se ele estivesse parado. Observa-se

resultados semelhantes quando a fonte se movimenta aproximando-se ou afastando-se de um

ouvinte estacionário (Resnick e Halliday, 1983).

É clara , portanto, a partir da descrição do efeito Doppler, a relação entre

movimento e frequência do som. Isto ocorre pois a velocidade do som independe da

velocidade da fonte, e as variações de frequências decorrentes de tal fenômeno, são

prontamente captadas pelo ouvido humano e servem como experiências de objetos em

movimento, especialmente para o cego. S5, de uma certa forma, referiu-se implicitamente ao

efeito Doppler em suas explicações de velocidades altas e baixas quando relatou-se ao carro

de fórmula 1, pois é nítida a percepção das mudanças de frequência do som proveniente de

um desses carros, quando passa por um observador fixo no solo. Além da percepção das

variações de frequência, devemos considerar as percepções da variação da intensidade do som

proveniente de uma fonte sonora em movimento que, juntamente ao efeito Doppler,

contribuem ao conjunto do experiências auditivas que participam na formação do conceito de

velocidade para um indivíduo cego.

Portanto, como explicitado nesta seção, outros estímulos sensoriais, além do

visual, são responsáveis pelo conjunto de experiências vivenciadas por um indivíduo.

Observações como tocar ou lançar um objeto, ouvir impactos, ruídos, sentir o vento, ouvir

alterações na frequencia de um som proveniente de uma fonte móvel, som à distância, entre

outras, representam para um indivíduo cego sua base de referências e levam-no à construção

de modelos explicativos de fenômenos que estão acontecendo ao seu redor. Um indivíduo

cego, observa através de estímulos táteis e auditivos, uma grande quantidade de fenômenos

relacionados a repouso e movimento, contudo, deixa de observar outra grande parte, porém,

os fenômenos que por eles são observados, conduzem-no a formação de modelos e esses

modelos, são utilizados por eles na explicação dos fenômenos não observados. Por muitas

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vezes notamos que a descrição de alguns eventos, por parte do indivíduo cego, fica limitada

ou influenciada pelas informações provenientes de outras pessoas, contudo, ao que se refere

às explicações ou previsões desses fenômenos, o comportamento do cego está totalmente

relacionado ao seu modelo, e esse modelo, como discutido na seção anterior, é semelhante ou

quase idêntico ao de uma pessoa que enxerga.

As concepções alternativas, de que força mantém o movimento, e de que

objetos caem, pois cair faz parte de sua natureza intrínseca, não são exclusividades de pessoas

que enxergam, das quais destacaríamos Aristóteles, exímio observador dos fenômenos da

natureza. O ato de observar, não é singularidade dos videntes e assim como Aristóteles

observou o mundo ao seu redor, e propôs um modelo a fim de explicar suas observações,

todos nós, videntes ou cegos, o fazemos, e tais observações do mundo físico, sejam elas

através de estímulos visuais ou não, conduzem a conclusões, que se não idênticas quanto à

representações mentais, semelhantes ao que se refere à construção de conceitos.

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7POSSÍVEIS VANTAGENS DA AUSÊNCIA DE VISÃO NA FORMAÇÃO

DE ALGUNS MODELOS CIENTÍFICOS

Evidentemente que o tema a ser tratado neste tópico, carece ser analisado

melhor, visto que, trata-se de uma suposição que teve origem em um debate realizado por

circunstância da 2ª reunião técnica do curso de Mestrado em Educação para a Ciência, da

Universidade Estadual Paulista, Campus de Bauru, acerca dos anteprojetos da primeira turma

de aprovados no ano de 1997. No final da exposição de minhas idéias, surgiu a hipótese de

que pessoas portadoras de deficiência visual, por não receberem influencias externas sob o

contexto do estímulo luminoso, poderiam sugerir idéias, formular modelos, ou até mesmo

abstrair realidades do ponto de vista quântico, que uma pessoa “normal”, pelo fato de

enxergar, teria mais dificuldade.

Sabemos que a mecânica quântica trabalha com uma realidade microscópica

sob a óptica das dimensões e com velocidades próximas a da luz, e que necessita de um certo

grau de abstração. Tal realidade, se apresenta aparentemente inviável para a vida cotidiana,

centrada num mundo macroscópico que estabelece com nossos sentidos, noções de grandezas

totalmente compreensíveis e perceptíveis (Resnick e Halliday, 1984). Fora isso, o tratamento

probabilístico que o referido modelo apresenta em suas explicações, tem gerado discussões

filosóficas quanto as localizações espaciais, temporais e energéticas, por isso, nos parece

oportuno analisarmos a reflexão já citada anteriormente, acerca do desenvolvimento, a

psicofisiológica.

Conforme já visto, este termo indica as funções fisiológicas que realizam a

mais alta forma de vida do organismo, isto é, a sua vida mediada pela reflexão psíquica da

realidade. A análise inclui as funções sensoriais, as funções mnemônicas, as funções tônicas.

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Nenhuma atividade psíquica pode ser executada sem envolvimento destas funções, mas esta

atividade não consiste apenas nas funções e não pode ser derivada delas. Todas estas funções

constituem igualmente a base dos correspondentes fenômenos subjetivos de consciência, isto

é, sensações, experiências emocionais, fenômenos sensoriais e a memória, que formam a

“matéria subjetiva”, por assim dizer, a riqueza sensível, o policromismo, e a plasticidade da

representação do mundo na consciência humana. Por este motivo, se excluirmos as cores de

nossa mente a imagem se apresentará pálida, sem vida e, se ocultarmos o som, tudo nos

parecerá como num filme mudo, no entanto uma pessoa cega é capaz de desenvolver modelos

para fenômenos luminosos tão sofisticados quanto os de uma pessoa não cega sem, contudo,

ter visto a luz. (Leontiev, 1988).

Sabe-se que muitos fenômenos concernentes à luz são, do ponto de vista

sensorial, inviáveis. Exemplos: caráter dual da luz, proposto por Einstein a fim de explicar o

fenômeno fotoelétrico (Halliday e Resnick, 1983) - este modelo propõe que em algumas

ocasiões a luz deva se comportar como partícula e em outras, como onda - modelo da

velocidade da luz independente do referencial - supõe que em qualquer referencial a

velocidade da luz é de 300.000.000m/s. O fato em si de Einstein enxergar perfeitamente não

ajudaria muito na elaboração de tais modelos. O que nos parece sensato afirmar sob esta

óptica, é que em algumas ocasiões o caráter sensorial fica em segundo plano e quiçá traria

algum tipo de vantagem aos portadores de deficiência, especificamente os visuais sob o

aspecto da má influência sensorial, visto que, muitos modelos propostos para explicar

fenômenos estão relacionados com a constatação sensorial feita de uma simples análise.

Como já vimos, Leontiev (1988), conclui afirmando que embora os conceitos e

os fenômenos sensíveis estejam inter-relacionados por seus significados, psicologicamente

eles são categorias diferentes de consciência. Tal afirmação coloca o deficiente em iguais

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condições sob o contexto psicológico com os não deficientes e quem sabe, em vantagem sob

aspectos de algumas concepções científicas.

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8

CONCLUSÕES

Neste texto, fizemos inicialmente uma análise de alguns estudos realizados nas

últimas três décadas sobre concepções alternativas de repouso e movimento, bem como, da

parte conceitual da Física Aristotélica e da Física Medieval de Impetus. Desta forma,

procuramos enfocar, sob aspectos históricos e visuais, as concepções alternativas sobre

repouso e movimento de um grupo de seis sujeitos cegos, tendo em vista os objetivos

específicos definidos previamente. Verificamos que para o nosso grupo de sujeitos, existe

uma forte tendência de suas idéias “espontâneas” convergirem aos modelos pré-científicos de

movimento, elaborados principalmente por Aristóteles ao que se refere a princípios gerais de

seu paradigma, como os de movimento forçado, e de lugar natural, o que resulta ao conceito

de movimento natural. Um outro aspecto conceitual verificado junto ao pensamento

espontâneo de nossos sujeitos, foi o de força impressa proposto por Philoponus, e

complementado por Jean Buridan acerca do movimento de objetos que não mantém mais o

contato com o movedor. Como apontam várias pesquisas nesta área, tais tendências também

são verificadas junto a sujeitos videntes e portanto, podemos afirmar que nossos sujeitos,

embora cegos, não representam exceção à maneira espontânea de como o senso comum

aborda questões relacionadas ao movimento.

Deste fato, poderíamos afirmar que a “construção espontânea” de modelos

explicativos do movimento, feita por qualquer pessoa não perita em Física, não parece

depender fundamentalmente de aspectos visuais, embora estes, sejam de fundamental

importância na interação do homem com o meio físico, já que sensações auditivas e táteis

participam de modo relevante na “construção” de tais modelos. Acreditamos que tais

aspectos, deveriam ser levados em conta por professores de Física que trabalhem com alunos

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cegos ou videntes, na construção de seu conhecimento científico pela superação de seus

modelos espontâneos. Como já abordado anteriormente, as concepções espontâneas ou

alternativas, exibem características extremamente significativas, pois são resultados de

experiências e observações, e consequentemente, são extremamente resistentes à mudança. De

acordo com nossos resultados, ao se excluir a observação visual de um indivíduo, suas

concepções alternativas de repouso e movimento, praticamente não se alteram, o que nos leva

a concluir que além da influencia social, observações não visuais participam diretamente na

construção de modelos de repouso e movimento, e dessa forma, atividades de ensino baseadas

em experiências táteis e auditivas, podem se tornar extremamente significativas ao ensino de

Física de pessoas cegas, e por que não dizer, de pessoas que não sejam cegas.

Contudo, deve-se definir alguns princípios gerais importantes para se adaptar o

ensino às necessidades educacionais do aluno cego, como solidez, unificar experiência e

aprender fazendo. Destes princípios, conclui-se que o conhecimento do aluno

educacionalmente cego é obtido principalmente através da audição e do tato. Para que o aluno

realmente compreenda o mundo ao seu redor, devemos apresentar-lhe objetos que possam ser

tocados e manipulados. Através da observação tátil de objetos, o aluno pode conhecer a sua

forma, o seu peso, a sua solidez, as qualidades de superfície e a sua maleabilidade

(propriedades físicas dos objetivos). Como a experiência visual tende a unificar o

conhecimento em sua totalidade, um aluno deficiente visual não consegue obter essa

unificação, a não ser que os professores lhe apresentem experiências como “unidades de

experiência”. É necessário que o professor ponha “os todos” em perspectiva através da

experiência concreta real e tente unificá-las através de explicações e de sequências. Para que o

aluno cego aprenda a respeito do ambiente, é necessário iniciá-lo na auto-atividade. Como a

visão domina praticamente todos os estágios da aprendizagem, que representa a base para

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muitos dos processos intelectuais superiores, torna-se importante oferecer alguma

programação sistemática de experiências para as pessoas cegas.

Sob uma abordagem mais geral, acreditamos que tais princípios não devam

necessariamente ser aplicados somente a alunos cegos, já que a consciência do “estar em

movimento”, bem como as concepções alternativas relacionadas a este tema, não são

exclusividade dos videntes. A introdução de situações problemas ao ensino de Física, que

envolvam observações auditivas e táteis, de fenômenos relacionados a repouso e movimento,

pode gerar conflitos que façam com que o aluno questione seus modelos alternativos.

Acreditamos que através da adaptação e/ou da criação de atividades de ensino de Física à

pessoas cegas, pessoas não cegas possam se aproveitar dessas atividades e através disso,

obterem uma melhor compreensão ou mesmo alterarem seus modelos de repouso e

movimento.

Desta forma, gostaríamos de propor uma abordagem positiva da questão da

deficiência visual, isto é, sugerir que a cegueira, além de representar uma barreira social, que

pode e deve ser superada, tanto por parte do deficiente, através da super compensação

(Vygotski, op. cit.), quanto por parte da sociedade, deva ser encarada como algo que venha

despertar a consciência de todos os educadores para a importância de experiências não

visuais, na construção de suas atividades de ensino

Portanto, como resultado de nosso estudo, obtivemos uma relação de igualdade

ao que se refere às concepções alternativas de repouso e movimento de pessoas cegas e

videntes, e tal relação, assemelha-se sob a óptica dos modelos Físicos aos princípios

aristotélicos de movimento. Um outro aspecto importante a se ressaltar em nosso trabalho,

refere-se aos tipos de experiências que participam na construção de tais concepções

alternativas, já que a interação do homem com o meio físico, é feita da relação/interpretação

constituída de aspectos sociais e sensoriais, o que nos leva a afirmar que situações problemas

baseadas em observações auditivas e táteis, podem gerar conflitos que conduzam os sujeitos à

questionamentos, reflexões e tomadas de posições.

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