katia eleotÉrio rubiorepositorio.unicamp.br/.../1/rubio_katiaeleoterio_m.pdf · 2020. 6. 28. ·...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Educação
KATIA ELEOTÉRIO RUBIO
A AVALIAÇÃO EXTERNA NA PERSPECTIVA DE
DOCENTES DE UMA ESCOLA MUNICIPAL DO
INTERIOR PAULISTA
CAMPINAS 2020
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KATIA ELEOTÉRIO RUBIO
A AVALIAÇÃO EXTERNA NA PERSPECTIVA DE
DOCENTES DE UMA ESCOLA MUNICIPAL DO
INTERIOR PAULISTA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Escolar da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Educação Escolar, na área de concentração Educação Escolar.
Orientadora: Profa. Dra. Geisa do Socorro Cavalcanti Vaz Mendes
ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA KATIA ELEOTÉRIO RUBIO E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. GEISA DO SOCORRO CAVALCANTI VAZ MENDES
CAMPINAS
2020
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A AVALIAÇÃO EXTERNA NA PERSPECTIVA DE
DOCENTES DE UMA ESCOLA MUNICIPAL DO
INTERIOR PAULISTA
Autora: KATIA ELEOTÉRIO RUBIO
COMISSÃO JULGADORA:
Geisa do Socorro Cavalcanti Vaz Mendes
Mara Regina Lemes de Sordi
Regiane Helena Bertagna
A ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.
CAMPINAS
2020
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a minha orientadora Geisa do Socorro Cavalcanti Vaz
Mendes pelas orientações realizadas durante o processo de realização deste
trabalho. Pelas leituras atentas e devolutivas encaminhadas. Pelos conselhos dados
em momentos difíceis atravessados neste percurso. Pela injeção de ânimo quando
parecia que não seria possível.
Agradeço à escola na qual realizei a pesquisa, pela qual tenho muito apreço,
pelas relações que estabeleci, pelo aprendizado com os meus colegas de profissão
e às crianças que me animam e prosseguir.
Agradeço as professoras que dedicaram um pouco do seu tempo e aceitaram
participar das entrevistas.
Agradeço as professoras Mara Regina Lemes de Sordi, Regiane Helena
Bertagna, Sara Badra de Oliveira e Sandra Cristina Tomaz por terem participado da
banca de qualificação e terem contribuído cada uma com o seu olhar próprio e
singular.
A professora Nima Spigolon pelas constantes lutas para que o Mestrado
Profissional em Educação Escolar se efetivasse.
Aos colegas que fiz no Mestrado.
Ao meu companheiro Clóvis Côrrea Júnior que me deu total apoio desde que
decidi trilhar esse caminho. Sou grata pela compreensão, pela calma e paciência.
Aos meus pais: Márcio e Maria, que apesar de terem estudado até a quarta
série, com todos os seus esforços e limitações me permitiram chegar até aqui. Que
alegria partilhar este momento.
As minhas irmãs Tati e Vivi pelo amor, carinho e amizade.
E sempre, sempre a Deus, em quem me refugio e me abrigo.
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RESUMO
A presente pesquisa realizada no Mestrado Profissional em Educação Escolar buscou compreender a avaliação externa na perspectiva de docentes do ensino fundamental I (1º ao 5º ano) de uma escola municipal do interior paulista. Diante das observações realizadas na prática profissional, enquanto professora na educação básica e a partir de leituras relacionadas à temática, observo que as avaliações da aprendizagem e as externas têm sido o centro do processo ensino aprendizagem. Isso tem provocado alguns questionamentos, os quais norteiam esta pesquisa tais como: Em que medida a política de avaliação externa interfere na prática pedagógica docente? Como o professor tem compreendido a lógica da avaliação? Frente a essas questões buscamos conhecer a perspectiva das docentes das séries iniciais em relação à avaliação externa e sua prática docente. Este estudo é de abordagem qualitativa, abrange observação, entrevista semiestruturada e estudo documental. O período pesquisado, em relação aos dados da rede municipal, foi de 2009 a 2017. Para composição dos dados foram realizadas: a) revisão bibliográfica, estudo de artigos, dissertações e teses relacionadas ao tema; b) análise de leis e decretos do município pesquisado; c) levantamento dos dados do IDEB das séries iniciais disponibilizados pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais); d) entrevistas com cinco professoras da escola estudada. O estudo nos permitiu observar e compreender as possíveis influências da avaliação externa na prática pedagógica docente. Apresentamos como principais conclusões a responsabilização vertical, a busca por melhores resultados da escola e dos professores por meio de simulados e o estreitamento curricular.
Palavras-chave: Avaliação educacional, ensino fundamental, política pública.
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ABSTRACT
This research carried out in the Professional Master's in School Education sought to understand the external evaluation from the perspective of teachers of elementary school I (1st to 5th year) of a municipal school in the interior of São Paulo. In view of the observations made in professional practice, as a teacher in basic education and from readings related to the theme, I note that learning and external assessments have been the center of the teaching-learning process. This has provoked some questions, which guide this research such as: To what extent does the external evaluation policy interfere with teaching pedagogical practice? How has the teacher understood the logic of evaluation? In view of these issues, we seek to know the perspective of teachers from Elementary School I (1st to 5th year) in relation to external evaluation and their teaching practice in a municipal institution in the interior of São Paulo. This study has a qualitative approach, covering observation, semi-structured interview and documentary study. The surveyed period, in relation to data from the municipal network, was from 2009 to 2017. To compose the data, the following were performed: a) bibliographic review, study of articles, dissertations and theses related to the theme; b) analysis of laws and decrees of the researched municipality; c) survey of IDEB data from the initial series provided by INEP (National Institute of Educational Studies and Research); d) interviews with five teachers from the school studied. The study allowed us to understand that the policies of external evaluations affect the pedagogical practice of teachers in which training takes place through simulations, narrowing the curriculum and vertical accountability.
Key words: Educational evaluation, elementary education, public policy.
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LISTA DE ABREVIATURAS
ANA Avaliação Nacional da Alfabetização
ANEB Avaliação Nacional da Educação Básica
ANRESC Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
APM Associação de Pais e Mestres
BNCC Base Nacional Comum Curricular
EF Ensino Fundamental
EI Educação Infantil
EJA Educação de Jovens e Adultos
EM Ensino Médio
EMDEC Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas
FCC Fundação Carlos Chagas
HAPE Hora de Atividades Pedagógicas na Escola
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDESP Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São
Paulo
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LDB Lei de Diretrizes e Base da Educação
MEC Ministério da Educação
PAANE Professor Auxiliar de Alunos com Necessidades Especiais
PISA Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
PNAIC Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PPP Projeto Político Pedagógico
RMC Região Metropolitana de Campinas
SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica
TCC Término de Conclusão de Curso
TRT Tribunal Regional do Trabalho
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LISTA DE TABELAS
TABELA 1. ESCOLAS DO SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO ................................................................................. 78
TABELA 2 - MATRÍCULA INICIAL DO ENSINO FUNDAMENTAL .............................................................................. 79
TABELA 3-. PROJEÇÃO E NOTA DO IDEB DO MUNICÍPIO PARA O EF – 1O. AO 5
O. ANO ..................................... 80
TABELA 4 -. TAXA DE APROVAÇÃO POR ESCOLA (ENSINO FUNDAMENTAL – ANOS INICIAIS)............................ 82
TABELA 5 -TAXA DE REPROVAÇÃO POR ESCOLA (ENSINO FUNDAMENTAL – ANOS INICIAIS) ........................... 82
TABELA 6 - TAXA DE APROVAÇÃO DA ESCOLA I (1º AO 5º ANO) ......................................................................... 85
TABELA 7. NOTA MÉDIA PADRONIZADA E O IDEB (2009-2017) ........................................................................ 86
TABELA 8 - RELAÇÃO DE ALUNOS POR TURMA DA ESCOLA – 2019 ................................................................... 94
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LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1- EVOLUÇÃO DAS TAXAS DO IDEB NAS SÉRIES INICIAIS ................................................................... 80
GRÁFICO 2– METAS E PROJEÇÕES IDEB DA ESCOLA I ..................................................................................... 83
GRÁFICO 3– TAXA DE REPROVAÇÃO ................................................................................................................... 85
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1- HISTÓRICO DA AVALIAÇÃO EXTERNA NO BRASIL (1990 – 2019) ................................................... 58
QUADRO 2 - PROFESSORAS DO ENSINO FUNDAMENTAL I E CONCESSÃO DAS ENTREVISTAS ........................... 73
QUADRO 3– CARACTERIZAÇÃO DAS DOCENTES ENTREVISTADAS ..................................................................... 76
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – HISTÓRICO ESCOLAR DO 1º GRAU – HOJE, ENSINO FUNDAMENTAL .............................................. 20
FIGURA 2 – ÓRGÃOS QUE COMPÕEM O SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO .......................................................... 77
FIGURA 3- ESCOLA CAMPO DE PESQUISA ............................................................................................................ 89
FIGURA 4 - BIBLIOTECA ........................................................................................................................................ 91
FIGURA 5 – FACHADA DAS SALAS DE AULA ......................................................................................................... 92
FIGURA 6 – MODELO DE CABEÇALHO DE PROVA DO SISTEMA DE AVALIAÇÃO DA REDE .................................. 101
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SUMÁRIO
MEMORIAL ............................................................................................................... 15
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 35
1. CAPÍTULO – Situando o campo da avaliação da aprendizagem e da avaliação
externa ..................................................................................................................... 41
1.1. Avaliação da aprendizagem .................................................................................... 41
1.1.1.Avaliação como instrumento de classificação ......................................................... 42
1.1.2.Avaliação diagnóstica ............................................................................................. 50
1.2. Avaliação externa da educação básica ................................................................... 53
1.2.1. A função da avaliação externa e seu desvirtuamento ............................................ 63
2. CAPÍTULO – CAMINHOS METODOLÓGICOS ................................................. 69
2.1. Levantamento bibliográfico e documental ................................................................. 70
2.2. A entrevista ............................................................................................................... 71
2.3. Conhecendo as participantes da pesquisa ................................................................ 75
2.4.1. A rede municipal .................................................................................................... 77
2.4.2. O retrato da avaliação externa da rede – 2009 a 2017 .......................................... 79
2.5. A escola e seus atores .............................................................................................. 87
2.5.1. Histórico da escola ................................................................................................ 87
2.5.2. O entorno da escola .............................................................................................. 88
2.5.3. O corpo docente e a gestão escolar ...................................................................... 92
3. CAPÍTULO – A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM E A DE LARGA ESCALA
NA REDE MUNICIPAL: O QUE NOS REVELAM AS DOCENTES .......................... 95
3.1 – A avaliação na rede municipal................................................................................. 95
3 2. A avaliação externa na perspectiva das docentes ................................................... 102
3.2.1. Treinamento por meio de simulados .................................................................... 104
3.2.2 Estreitamento curricular ........................................................................................ 107
3.2.3. Responsabilização vertical .................................................................................. 109
3.3. Dialogando sobre as interferências da avaliação externa na prática pedagógica ... 112
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 117
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 120
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PREFEITURA de Monte Mor. SOBRE A CIDADE. Conheça mais sobre Monte Mor.
Disponível em: http://www.montemor.sp.gov.br/site/monte-mor/sobre-a-cidade/. Acesso em:
15 mar. 2019. .................................................................................................................... 123
ANEXO 1 –Uniformização de critérios avaliativos do Ensino Fundamental Anos Iniciais – 1º
ao 5º a no da Rede Municipal de Ensino ........................................................................... 125
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......................................... 126
APÊNDICE B - Roteiro de entrevista ................................................................................. 129
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MEMORIAL
Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e
imobiliza (FREIRE, 1996).
A profissão de professora ou professor em nosso país, infelizmente não é
valorizada. Faz parte do ofício de ser professora lidar com o desprestígio social
desta ocupação, a precarização do trabalho docente, questões ligadas à
infraestrutura, ausência de materiais, autonomia, indisciplina, violência, crianças com
dificuldades de aprendizagem, questões burocráticas e tantas outras. Diante desse
cenário, ser professora exige formação docente sólida e contínua, não somente
pedagógica, mas também psicológica para lidar com todos esses fatores.
Todavia, ser professora, para mim, foi e é uma escolha. Portanto, é assumir-
me como parte responsável pela formação de sujeitos históricos, logo sendo
necessário comprometimento, responsabilidade e dedicação.
Nessa perspectiva, ao escolher o curso que faria em 2006, ansiava por algo
que me possibilitasse de alguma forma compreender a realidade e atuar no sentido
da sua transformação. Desse modo, era assim que eu pensava à época. Claro que
hoje, amadureci em muitas ideias, após um pouco de experiência e consciência de
que para transformar é preciso unir forças, realizar um trabalho coletivo, porque as
mudanças não ocorrem somente com boa intenção e de forma solitária.
Na época da escolha da faculdade, gostaria de exercer uma profissão que me
possibilitasse ser útil às pessoas e gostaria de fazer a diferença de alguma maneira
na vida delas. E eu acredito que a educação permite isso.
Embora o desânimo me visite algumas vezes, ainda mais com os
encaminhamentos que têm sido direcionados à Educação, cortes de verbas para as
Universidades públicas, cortes de bolsas para mestrandos e doutorandos. Apesar
disso, sigo lutando e resistindo e a chama em trabalhar por uma educação de
qualidade e para todos mantém-se acesa.
Essa visão, acredito que tenha nascido e sido reforçada a partir da minha
participação em ambientes que disseminavam a importância do ser em detrimento
do ter. As trocas estabelecidas através das relações e vínculos afetivos com os
meus familiares, professores e professoras, amigos e amigas constituiu-me em
como penso e sou hoje. Apesar de que, ao mesmo tempo em que vamos
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experimentando a vida, vamos aprendendo com ela e na interação com as pessoas
vamos nos modificando, transformamos e deixamos ser transformados, porque
somos seres inacabados. Cada experiência vivida nos constrói e ou desconstrói
conforme nos abrimos à aprendizagem que é uma constante.
Acho que a profissão de professora já me instigava desde a infância. Não que
eu acredite que já nascemos professores ou professoras, pois nos tornamos
professores a partir de uma escolha e da formação profissional. Mas também
acredito não nos formamos professores após a colação de grau na Faculdade,
porém, vamos nos tornando professores pela prática diária da profissão. É onde
ocorre a relação entre a teoria e a prática. E professor não para de se formar nunca.
Estamos em contínua formação.
Aos quatro anos de idade, eu e a minha família mudamos de São Paulo, da
cidade de Guarapiranga para o município de Monte Mor, no qual morei até pouco
tempo, antes da união com o meu marido no ano de 2017.
Meu pai era metalúrgico e a empresa na qual trabalhava tinha sido transferida
para Monte Mor, há 36 quilômetros aproximadamente da cidade de Campinas.
Mudamos para o bairro Vila Magal. O nome Magal deve-se ao nome da empresa. A
cidade era pequena, embora de lá pra cá não cresceu muito. Hoje tem
aproximadamente 60.000 habitantes. Na época tinha o básico: um ou outro
mercado, uma única avenida onde estão os principais bancos e lotérica e algumas
escolas. Um município pouco desenvolvido e desprovido de lazer aos adolescentes
e jovens.
Quando criança gostava muito de brincar de escola e de ser a professora,
porém não queria dividir a função com nenhum colega. Por conta disso, tenho um tio
que me chamava de professorinha e quando nos encontramos ainda me chama
assim. A sala de aula era a área que ficava nos fundos da casa onde morava com os
meus pais e minhas duas irmãs. Na sala de aula improvisada, tinha uma pequena
lousa verde, com a qual fui presenteada pela minha mãe, e eu a apoiava em uma
cadeira de ferro, parecida com essas de bar. A cor dela era vermelha. Meus pais a
tem até hoje. Depois de crescida utilizei-a para estudar para os concursos que
prestei.
Na lousa passava lição usando os tocos de gizes doados pela professora da
escola em que eu estudava. Ensinava a minha irmã mais nova e alguns colegas que
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moravam na rua de casa. Eu me sentia uma verdadeira professora. Fazia chamada,
prova e nessa escola também tinha recreio. A minha mãe era o sinal e nos chamava
quando o almoço ficava pronto. Ela servia a todos com muito amor e carinho.
Cursei toda a Educação Básica em escolas públicas: estadual e municipal.
Frequentei todo o Ensino Fundamental na mesma escola que era estadual na época
e o Ensino Médio em uma escola Técnica Municipal.
Quando fiz cinco anos fui matriculada na pré-escola. Frequentei em uma
instituição da qual trago algumas memórias. O nome dela e da professora
impossíveis de me esquecer. Foi lá, na escola Professora “Maria Antônia”, na qual
aprendi a ler aos cinco anos de idade. O prazer e gosto pela leitura se iniciaram lá,
em função dos estímulos da escola e da minha família.
Apesar de os meus pais só terem estudado até a antiga 4ª série, prezavam
pelo estudo das filhas e ajudavam-nos com as lições de casa mesmo com suas
limitações. A minha mãe fala que gostava muito de ir à escola quando criança, mas,
por força maior, foi obrigada a deixar os estudos e ir trabalhar na roça para ajudar os
seus pais.
Todavia, persistente como ela é, depois de casada e com as três filhas já
criadas, voltou à escola e concluiu o Ensino Fundamental e Médio na EJA
(Educação de Jovens e Adultos), por sinal foi na mesma época em que eu cursava
Pedagogia e tive a oportunidade de estagiar na escola e sala em que ela estudava.
Meus pais sempre incentivaram e estimularam eu e minhas irmãs ao estudo,
pois viam na escola a possibilidade de termos um futuro melhor.
Lembro-me da minha mãe fazendo janta e quebrando a cabeça comigo com
as lições de casa de Matemática. Ela ficava nervosa, pois números não eram o meu
forte. O meu pai assistia ao Jornal Nacional e ao mesmo tempo ficava “tomando” a
tabuada. Pois tinha que decorar para chamada oral.
Eu não sentia o mesmo entusiasmo com os números quanto com a leitura e a
escrita.
No entanto, hoje, como professora, desmitifiquei o bicho que na época
parecia ter sete cabeças.
Atualmente, gosto de trabalhar Matemática com os alunos e vejo que tenho
função importante no ensino desta matéria. Vejo na minha ação pedagógica a
necessidade constante de aprender, de buscar maneiras significativas, de atribuir
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sentidos e potencialidades para uma prática compreensiva, capaz de transcender as
práticas tradicionais de ensino que levam somente ao saber efetuar os algoritmos
sem conduzir as crianças a pensarem sobre o que estão fazendo e assim, serem
capazes de construir conceitos fundamentais para o processo de aprendizagem da
Matemática.
Neste momento, vejo a necessidade de aprender para ensinar melhor e
contribuir para que o ensino de Matemática faça mais sentido aos alunos e assim
não vire um bicho de sete cabeças, como um dia fora para mim.
Pois, a Matemática era como uma monstra para mim. Na 4ª série, levava lista
de continhas para fazer como lição de casa. Na época estávamos aprendendo
divisão de dois algarismos. E eu tinha dificuldade para resolver essas contas.
Para o meu desespero, no dia seguinte, a professora fazia a correção coletiva
em que cada aluno tinha que ir resolver na lousa. Não gostava nada daquilo. Pois
tinha dificuldade em fazer as divisões com dois algarismos e ser exposta diante dos
colegas e da professora. Tinha medo de errar e isso para mim era muito difícil.
No entanto, nessa etapa da escolaridade tive momentos mais leves e de
alegria. Na mesma série, a professora de Português, a dona Maria Lisboa
estabeleceu uma relação que ia além da sala de aula. Essa professora conseguiu
alimentar uma relação que não era de dominação e de poder – professor/aluno.
Tínhamos estabelecido uma relação de confiança e carinho. Mesmo ela sendo
afetuosa cumpria com excelência o seu papel de professora. É importante a relação
professor-aluno e a confiança estabelecida nessa relação para que a aprendizagem
ocorra.
No Ensino Fundamental I, durante as aulas não me lembro de haver
participação por parte dos alunos ou de fazermos perguntas aos professores, de
termos aulas diferentes. As salas eram cheias com carteiras enfileiradas, silêncio, as
professoras explicavam, davam exercícios de fixação, provas, notas, aprovação e
reprovação. As aulas eram ministradas de forma expositiva e os alunos ouvintes. Os
professores ensinavam e nós alunos prestávamos bastante atenção nas explicações
e depois fazíamos exercícios para fixar o que havia sido aprendido. Porque depois
seria cobrado em provas.
A pré-escola não estava localizada tão próxima de onde morávamos. Então,
todos os dias, a perua do Seu Osvaldo passava em casa para eu poder ir ao pré.
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Agora se tornou um Centro Odontológico. Gostava daquele percurso, porque ia
brincando e conversando com as e os colegas. Era divertido. Acho que não me
esqueço o nome da escola e da professora: Solange, porque foi naquela época em
que tive o prazeroso encontro com as letras, sílabas, frases, com o emaranhamento
delas e a formação dos textos que passei a ler com muita alegria. Como é que
poderia esquecer-me de uma fase singular, na qual iniciei as minhas primeiras
leituras e escrita. De lá para cá a leitura tornou-se algo de muito contentamento.
Em 1992 ingressei no 1º grau1 (1ª a 4ª série), aos seis anos na 1ª série - hoje,
Ensino Fundamental I -, na Escola Estadual “Jardim Vista Alegre”, que
posteriormente foi municipalizada e o seu nome modificado para Escola Municipal
“Antônio Sproesser”. Daquele período tenho algumas recordações positivas e outras
negativas.
Lembro-me em especial da formação das salas de aulas. Existiam as salas A,
B, C, D, e assim por diante. E os alunos eram distribuídos por elas de acordo com a
sua classificação. Os ótimos eram “dignos” da sala A. Aos ruins, estava reservada a
sala classificada pela última letra do alfabeto de acordo com a quantidade de salas.
Essa divisão reforçava as diferenças no sentido mais triste, pois endossava o
preconceito e a exclusão por parte dos professores e também dos estudantes. Os
“melhores” alunos eram dignos da sala A, e os professores queriam muito essa sala,
pois o andamento do planejamento e o ensino dos conteúdos fluíam com os
“melhores”.
A nota torna-se legitimadora da posição que o aluno ocupa na classe, na escola, e que possivelmente no futuro refletirá a sua colocação na sociedade. As notas acabam por gerar competição e delas os alunos se servem para propagar o seu valor. Os alunos passam a ser categorizados em função das notas e associam as mesmas à sua imagem e autoestima (BERTAGNA, 2002, p. 240).
Eu era da sala B, exceto em Matemática, que o conceito C me “perseguiu” da
quarta a sétima série, predominava o B no meu boletim. Será que era coincidência
ser da sala B e ter conceito B?
1 A lei 5692/71 estabeleceu a terminologia para o ensino de primeiro e segundo graus (antigos
cursos: primário, colegial e ginasial). Utilizarei a nomenclatura atual de ensino fundamental e médio de acordo com a LDB 9394/96.
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Figura 1 – Histórico Escolar do 1º Grau – Hoje, Ensino Fundamental
Fonte: Arquivo pessoal
Atualmente, enquanto professora de 4º e 5º ano, vivencio alguns casos de
alunos que chegam nessa etapa da escolaridade sem estarem plenamente
alfabetizados ou alguns que embora estejam, obtiveram pouca qualidade na
aprendizagem dos conhecimentos proporcionados pela escola, apresentando
defasagem da aprendizagem e ou baixo rendimento o que pode ser constatado pela
avaliação escolar.
Assim sendo, essa situação me incomoda bastante, pois os que não estão
com a alfabetização consolidada, frequentam as aulas, porém apresentam
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autonomia comprometida para acompanhar as mesmas, para realizar as atividades
propostas, leituras, compreensões e produções de textos, solucionar situações-
problemas o que acaba por gerar a exclusão no interior da própria escola, e
posteriormente na vida social, prejudicando o desenvolvimento desses sujeitos em
sua escolaridade, sendo estigmatizados muitas vezes e tendo o seu sucesso
educacional e a capacidade de integração social e autoestima comprometidas.
Os alunos começam a ficar desacreditados em suas potencialidades para
aprender e se desenvolver quando são estereotipados ou quando não há quem
acredite mais neles.
Apesar de a escola possuir a função de ensinar o conteúdo fundamental e de
formar seres humanos plenos, sem exceção, a situação de fracasso escolar está
presente em nossas escolas, pois há estudantes sofrendo com o insucesso escolar.
Diante disso, tenho me preocupado em como os alunos neste tipo de situação
estão sendo tratados pela escola e pelo sistema de ensino, principalmente em um
contexto de avaliações seletiva e classificatória que corroboram com a exclusão e
permanência das desigualdades educacionais que se transformam em sociais.
A avaliação da aprendizagem tem sido utilizada como mecanismo de
exclusão na lógica capitalista, reforçando a seleção e classificação. Os alunos
passam a acreditar que são os únicos responsáveis por sua não aprendizagem.
Quando, na verdade a aprendizagem efetiva ocorre se houver o
comprometimento e responsabilidade dos alunos, professores, escola, família e do
sistema de ensino.
Os conhecimentos trabalhados pela escola são verificados, geralmente por
meio de provas e os alunos são classificados em aptos ou inaptos para cursar a
série seguinte.
Luckesi (2005) aborda em seu livro a diferença entre a avaliação
classificatória que serve somente à verificação da aprendizagem com o objetivo de
classificar para a aprovação ou reprovação e a avaliação diagnóstica com a função
de constatar a situação do aluno “tendo em vista a definição de encaminhamentos
adequados para a sua aprendizagem” (LUCKESI, 2005, p. 81).
O uso desse tipo de avaliação possibilita a aprendizagem e o
desenvolvimento dos alunos, ou seja, “se um aluno está defasado não há que, pura
e simplesmente, reprová-lo e mantê-lo nessa situação” (LUCKESI, 2005, p. 81).
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Do Ensino Fundamental para o Ensino Médio e Técnico
Cursei o ensino Fundamental II - na mesma escola em que fiz o Ensino
Fundamental I - Vista Alegre (hoje, Professor Antônio Sproesser).
Adorava as aulas de Português, pois a professora Rose propunha de acordo
com os conteúdos trabalhados em sala que fizéssemos peças de teatro e
apresentássemos para a turma.
Ela utilizava a metodologia de trabalho em grupos. Os temas abordados pela
disciplina eram divididos entre os grupos e cada grupo se organizava para pesquisar
e estudar o assunto que fora designado, e posteriormente era apresentado à turma
em forma de seminário.
Na escola havia uma biblioteca que não era muito grande, entretanto havia
vários livros para empréstimo. Gostava de frequentá-la, de retirar livros para ler
durante a semana em casa.
Naquele período no Brasil, o acesso doméstico à internet aconteceu em 1996,
e em casa demorou a chegar. Então as pesquisas e os trabalhos solicitados pelos
professores eram realizados na biblioteca da cidade. Eu gostava muito de ir até lá,
pesquisava pelo assunto proposto e escrevia o trabalho em folhas de almaço para
entregar aos professores.
Diferentemente da professora Rose, a professora de História passava textos
na lousa para copiarmos e não me recordo de muitas explicações, porém me lembro
muito das provas cobrando o conteúdo dos textos que eram passados na lousa.
Não posso deixar de lembrar-me das aulas de Educação Física em que ficava
indignada com a professora, pois na escola havia uma quadra, no horário de aula
ela dividia os times de futebol de meninos e de meninas, mas a professora dava
tempo maior para os meninos jogarem. Eu achava um absurdo as meninas
passarem tempo menor jogando, só porque éramos meninas, se gostávamos do
esporte e queríamos jogar. E isso voltou a se repetir na época do Ensino Médio.
Concluída a 8ª série, não tinha perspectiva de cursar uma faculdade depois.
Naquele momento havia a possibilidade de cursar uma escola técnica que existia em
Monte Mor, a escola Municipal Técnica “Onofre Baldiotti” ou fazer o Ensino Médio
em outra escola. Pelo fato de não possuir muitas perspectivas futuras e de dar
continuidade aos estudos, pensava em fazer algo que serviria como profissão, no
caso o técnico. Das escolas da cidade, a escola técnica possuía fama de ser uma
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boa instituição, porque os comentários eram de que lá estava os melhores
professores, além de formar para uma profissão o que no futuro viabilizaria o meu
acesso ao mercado de trabalho. Os estudantes almejavam estudar lá. Mas, para
ingressar seria necessário realizar um processo de seleção. Era uma prova que
continha várias questões sobre o conteúdo dos anos anteriores da escolaridade.
Participei do processo de seleção e fui aprovada para o curso de Informática.
No ano de 2000 iniciei os estudos naquela escola. O curso era oferecido
juntamente com o Ensino Médio. Para concluir como técnica tinha que cursar quatro
anos.
A partir do 2º ano eram introduzidas matérias específicas de Informática.
Dedicava-me ao curso, mas não me sentia plenamente realizada. No fundo, no
fundo, não era aquilo que ansiava. Cheguei a fazer estágios na área, entretanto não
era o que me movia.
Na vida precisamos fazer escolhas. E quando é possível fazê-las que sejam
para nos mover e nos realizar de alguma forma.
No 3º ano do curso, decidi participar de uma seleção no cursinho pré-
vestibular: Cooperativa do Saber, em Campinas. Porém, só poderia cursá-lo se
conseguisse receber bolsa de estudos, tendo em vista que meus pais não teriam
condições de pagar as mensalidades.
E lá fui eu. Consegui uma bolsa de 80%. Então teria dois gastos: os 20% do
curso e o transporte, porque teria que fazer o deslocamento de Monte Mor até
Campinas todos os dias. Conversei com os meus pais sobre a situação. Meu pai
havia sido demitido do trabalho, após 21 anos de metalúrgico pela mesma empresa.
Na época estava havendo um corte grande de funcionários. Mesmo meu pai ficando
desempregado ele não mediu esforços para me apoiar, já minha mãe não deu muito
apoio, pois não concordava com a ideia de eu sair do estágio remunerado, pois era
vinculado a escola. Além disso, teria que pagar uma parte do curso e o transporte.
Mas, mesmo diante da dificuldade financeira, recebi apoio deles e deixei o
curso técnico em Monte Mor, concluindo apenas o Ensino Médio. E fui para o
cursinho pré-vestibular.
Em 2003 iniciei as aulas no cursinho. Eram bastante puxadas, devido à
quantidade de conteúdos para estudar em um curto espaço de tempo. Ali, percebi
que eu tinha bastante defasagem na aprendizagem, principalmente em Matemática,
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Química e Física. A última, fazendo-me zerar na segunda fase do Vestibular da
Unicamp em Pedagogia. Apesar de não ter sido aprovada no vestibular da Unicamp,
o cursinho foi um espaço bastante importante para minha formação, porque lá
encontrei professores que não apenas ensinavam os conteúdos. O professor
Maurinho, de História, acrescentou demais em minha formação, porque além de
ensinar o conteúdo, me fazia pensar, refletir e ativava o meu senso crítico.
Colocava-me a fazer reflexões em torno de questões sociais, políticas, econômicas
e culturais.
Embora a formação tenha sido de grande valia, foi uma fase difícil para mim,
devido à defasagem em algumas disciplinas. Além disso, tinha a pressão e a
responsabilidade de ser aprovada no Vestibular. Cobrava-me principalmente, porque
havia deixado o estágio que era remunerado e o meu pai encontrava-se
desempregado e a nossa família vivia um momento difícil financeiramente. O meu
pai, como disse anteriormente, trabalhou vinte e um anos como metalúrgico na
empresa Magal, então a nossa vida dependeu durante todo esse tempo desse
emprego. A minha mãe não tinha profissão, mas já trabalhou como doméstica e
sempre que as coisas apertavam, ela estava ali pronta a ajudar. Tenho os meus pais
como meus maiores apoiadores e exemplos. Sou muito grata a eles pela dedicação.
Já vivenciamos situações difíceis, mas nos ajudando fomos superando as barreiras.
Seguindo o caminho ... Aprendi com a vida a importância de nos superar e ir vencendo as
dificuldades postas e impostas… O sonho de ser aprovada no Vestibular da
Unicamp e cursar uma faculdade foi interrompido..., mas, apenas por algum tempo...
Minha primeira experiência em escola formal
Em 2004, aos dezessete anos comecei a trabalhar em uma escola de
educação infantil com uma turma de maternal. Frequentavam bebês de quatro
meses até os quatro anos. Éramos duas para cuidar dos bebês e das crianças que
passavam o dia inteiro conosco. Alimentávamos as crianças, dávamos banho,
levávamos ao parque e fazíamos atividades.
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Era bastante responsabilidade, além do que não tínhamos formação
específica para isso. Sem falar que a escola nos explorava, pois não tínhamos
horário de almoço e não havia registro em carteira.
Porém, foi a oportunidade que me surgiu naquele momento e tinha desejo de
dar continuidade aos estudos. Não poderia parar. Trabalhava durante o dia nesta
escola e a noite estudava em um cursinho comunitário em uma igreja evangélica em
Campinas.
Tive bastante sorte de encontrar bons professores por onde passei, pois ali
encontrei o professor Fernando, ele era piloto, mas dava aulas como voluntário.
Ministrava aulas de Geografia e assim como o professor Maurinho, ele também
promovia um ensino crítico, fazia debates sobre a realidade social e as contradições
existentes em nosso sistema.
No final do ano, prestei vestibular e novamente fui reprovada.
Então, pedi demissão do colégio onde trabalhava e fui procurar outro
emprego, um que pelo menos garantisse os direitos de uma trabalhadora: registro
em carteira, 13º salário, horário de almoço e pagamentos em dia com o objetivo de
fazer uma economia e entrar em uma faculdade.
Em busca de um emprego...
Comecei a distribuir currículos.... Fui chamada para uma entrevista em uma
loja de calçados e confecções e a função seria: caixa e crediarista. Teria que
trabalhar de segunda-feira a sábado de 8h00 as 18h00. Passei pela entrevista e em
março de 2005 iniciei.
Foram dias estressantes e cansativos, estava desprendendo energia em um
trabalho que não dava sentido a minha vida. Todavia, tinha uma meta: precisava
fazer economia para tentar ingressar em uma Universidade particular, tendo em
vista que já havia tentado o vestibular da Unicamp duas vezes consecutivas e sem
êxito.
Naquele ano só estava trabalhando e senti muita falta de estudar, sentia-me
sedentária. No final daquele ano tinha conseguido uma economia. Fiz o vestibular na
Pontifícia Universidade Católica de Campinas e iniciei em 2006 o curso de
Pedagogia.
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Foram quatro anos de muito aprendizado, estudo e dedicação. Eu tinha
comigo que ser professora seria uma responsabilidade e um trabalho muito sério e
que exigiria de mim muita preparação e formação constante para exercer a
profissão, além da consciência de que seria uma ocupação em que a Educação e os
professores não eram valorizados.
Contudo, fui trilhando o caminho e considero que o curso contribuiu para
ampliar a minha visão de mundo, fiz disciplinas que me fizeram mais humana,
acentuaram meu senso crítico, me levaram a reflexões e promoveram um desejo de
uma educação transformadora.
Estudei o primeiro ano da faculdade no período noturno, pois ainda trabalhava
na loja em Monte Mor. E era com o salário que recebia que pagava o fretado, tirava
xerox dos textos e fazia economias para no final do ano negociar o pagamento com
a PUC.
Nesse ano o curso de Pedagogia funcionava na Rua Barreto Leme, no Centro
de Campinas. Tive contato com ótimos professores.
No primeiro ano, as disciplinas eram teóricas e eu gostava bastante. Fiz
disciplina de Filosofia, na qual, o professor Jamil, frequentemente fazia referência ao
grande Paulo Freire e a sua proposta de educação. Essas aulas foram importantes
para alimentar as minhas esperanças em dar continuidade ao curso e também para
persistir na função futura enquanto docente. Nas palavras de Paulo Freire
É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir Esperançar é levar adiante. esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo...
Com essa esperança proclamada por Freire que eu continuava o curso de
Pedagogia, mesmo com todas as dificuldades impostas pela situação financeira,
pelos limites físicos e a conciliação entre o trabalho e os estudos. As leituras, os
trabalhos e os estudos, eram realizados aos domingos, porque aos sábados
trabalhava também. E não foram raras às vezes, que estudei nas madrugadas,
principalmente para as provas da professora Patrícia Vieira Trópia, que ministrava
História da Educação, por quem tenho grande admiração.
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A partir do primeiro ano de faculdade tive aulas de História da Educação,
Sociologia, Psicologia da Educação, Filosofia e etc. Considero fundamentais as
disciplinas teóricas, pois são elas que fundamentam a minha concepção de mundo e
de educação, as qual defendo hoje.
Foi no segundo ano de curso que comecei a ter disciplinas especificamente
de Ensino Fundamental e estágios.
Quando iniciei os estágios, comecei a pensar se realmente queria ser
professora, porque percebia o quanto a realidade escolar era complexa. Que as
escolas tinham diversos problemas. Que os alunos não eram ideais.
Juntando-se a isso, quando ia realizar os estágios, as professoras das
escolas me questionavam se realmente eu queria ser professora, porque estava
muito difícil essa profissão.
E realmente, ser professor não é uma tarefa fácil, é por isso que a formação
deve ser contínua para obter uma compreensão da realidade social, para entender
as políticas que interferem na prática do professor, apreender práticas pedagógicas
inovadoras para as gerações atuais. Enfim, a sociedade vai se dinamizando e suas
relações vão sendo transformadas pelas tecnologias e por novas formas de
sobrevivência. Por isso, é necessário nos manter constantemente atualizados e
antenados.
Com o intuito de me dedicar mais ao curso de Pedagogia, visto que também
trabalhava aos sábados, resolvi pedir demissão da loja em que trabalhava e comecei
a buscar estágios remunerados na área da educação.
No ano de 2007 realizei uma entrevista na EMDEC (Empresa Municipal de
Desenvolvimento de Campinas) e fui aprovada. Lá realizava um trabalho indireto
com os professores e alunos das escolas de Campinas. Realizávamos um trabalho
de Educação para o Trânsito. Ainda naquele ano iniciei uma pesquisa de Iniciação
Científica como bolsista no grupo de pesquisa Políticas e Práticas Pedagógicas. A
pesquisa tinha por objetivo compreender o impacto do neoliberalismo no movimento
docente da rede pública de ensino do estado de São Paulo: A Apeoesp na gestão
Covas (1995-1998). Este trabalho me levou um pouco à compreensão do
neoliberalismo e sua influência nas condições do trabalho docente. A professora
Patrícia Trópia, hoje professora da Universidade Federal de Uberlândia, por quem
tenho grande apreço e admiração por sua inteligência e capacidade, foi a
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responsável por instigar, em mim, vontade de aprender, de transformar, de lutar por
mais justiça. E ela acreditou em mim.
À época foi o que mais estava me motivando no curso de Pedagogia. Eu
realizava pesquisa em jornais da Apeoesp. Através deste estudo fomos à UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais) juntamente com os colegas: Vanessa Pires,
Beatriz Cerejo, Renan Antonieto apresentar o trabalho em forma de pôster no
Simpósio Trabalho e Educação, participei dos encontros de Iniciação Científica e
realizei apresentações orais. Foram oportunidades enriquecedoras para a minha
trajetória pessoal, profissional e acadêmica.
Encerrado o contrato de estágio com a EMDEC. Em 2008 fiz uma entrevista
de estágio remunerado no Colégio Notre Dame, de Campinas, selecionada, iniciei o
estágio na educação infantil. Lá, auxiliava a professora da sala com as atividades,
levava os alunos às aulas de música, informática e realizava a entrada e a saída das
crianças. Além do estágio, nesse momento, fiz Iniciação Científica com a professora
Graziela Giusti Pachane, pois havia encerrado o projeto da professora Patrícia.
No ano de 2009 deixei o estágio no Notre Dame e comecei o trabalho no
programa Escola da Família. Consegui a participação em uma escola próxima a
minha casa, na época. Aos sábados e domingos desenvolvíamos atividades
voltadas para o esporte e cultura com a comunidade do bairro da escola. Em troca
do trabalho recebia a Bolsa Universidade. Ficava isenta do pagamento da
mensalidade. Essa oportunidade me ajudou muito, pois consegui me dedicar mais
ao curso de Pedagogia, a realização dos estágios e ao TCC (Trabalho de Conclusão
de Curso), sem precisar pensar no pagamento da mensalidade.
Foi nesse ano que comecei o trabalho do TCC na escola municipal “Miguel
Jalbut” em Monte Mor, na qual pude também presenciar o descontentamento de
muitas professoras com a profissão. Estava fazendo estágio em uma sala de 2º ano
e a professora precisou se ausentar, então a diretora da escola me propôs assumir a
sala. Era uma sala bastante heterogênea quanto ao nível de aprendizagem em que
se encontrava. Havia uma apostila a se cumprir e alguns alunos ali que não
conheciam nem as letras do alfabeto. Ficava me questionando o porquê isso ocorria.
Como um aluno em processo de alfabetização não conhece nem as letras do
alfabeto?
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A alfabetização plena é essencial à inserção dos estudantes na prática social
e nesse sentido, vejo a importância de que a escola tem a desempenhar. A
alfabetização é o primeiro passo à inserção social e para promoção de cidadãos
conscientes de sua realidade.
Além da alfabetização, os conhecimentos básicos são essenciais aos alunos
para darem continuidade aos seus estudos. Sendo a alfabetização e letramento o
início de tudo.
No ano de 2009 concluí o curso de Pedagogia. Em 2010 surgiu o processo de
seleção para professores contratados na Rede Municipal de Monte Mor. Fiz a prova
e consegui ser chamada na primeira atribuição, mas não me sentia preparada para
assumir uma sala de aula. Então, peguei um bloco de aula diferenciada. Essas aulas
ocorriam em forma de reforço aos alunos com dificuldades. Os alunos
encaminhados às aulas de reforço pelas professoras da sala de aula eram retirados
dela para essas aulas que ocorriam duas vezes na semana para cada turma. Iniciei
esse trabalho na escola “José Luiz Gomes Carneiro” em um bairro bem carente em
que as ruas não eram asfaltadas e os ônibus passavam a cada hora. Na época não
dirigia, também não tinha carro e esperava muito tempo no ponto até que o ônibus
passasse. Eu retirava as crianças da sala de aula e trabalhava conteúdos que ainda
não haviam assimilado, como: leitura e interpretação, as quatro operações,
resolução de situações-problema e trabalhava alfabetização com os alunos ainda
não alfabetizados. Na escola não havia uma sala específica para que essas crianças
fossem atendidas. Tinha que trabalhar na biblioteca da escola, essa também servia
como um espaço para que os professores preparassem suas aulas e corrigissem
provas. Muitos desses alunos recusavam-se a fazer as atividades, além disso,
estavam em situação desigual diante dos outros colegas de classe, pois não
conseguiam acompanhar os conteúdos do ano/série em que estavam, possuíam
notas vermelhas e também não havia um espaço específico para a realização deste
trabalho. Isso gerava bastante dispersão entre os/as estudantes, devido a entrada e
saída de pessoas no espaço. Achava um trabalho difícil, porque muitas vezes não
conseguia voltar a atenção à necessidade das crianças e ao aprendizado escolar.
O processo seletivo de 2010 havia sido prorrogado para o ano de 2011.
Nesse ano, consegui trabalhar em uma escola próxima a casa em que morava. Mas
trabalhei como PAANE (Professora Auxiliar de Alunos com Necessidades
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Especiais). Auxiliava a professora da sala com um aluno autista. No final desse
mesmo ano fiz outro processo seletivo para a atribuição de 2012. Trabalhei até o
mês de maio cumprindo uma licença maternidade na escola “Alcyr Teixeira” com
crianças da 1ª Fase, as quais tinham quatro anos de idade. Voltei para a atribuição e
assumi em maio mesmo uma sala de 1º ano na escola Professor “Edison José de
Paula”. O processo de 2012 prorrogou para o ano de 2013 e novamente trabalhei
com aula diferenciada/reforço na escola Coronel “Domingos Ferreira”, escola
próxima a minha casa. E mais uma vez experienciei um descuido e falta de
investimentos aos discentes em dificuldade escolar. Esse ano foi ainda mais difícil o
trabalho de reforço, pois o espaço que existia para eu trabalhar com as crianças era
o porão da escola. A minha cabeça quase que batia no teto daquele lugar. Ademais,
a biblioteca começou a funcionar nesse mesmo espaço o que contribuiu para mais
um obstáculo ao desenvolvimento do trabalho.
Já estava me cansando dessa situação de professora contratada, pois além
das condições oferecidas não havia estabilidade alguma. Trabalhava durante todo
ano e ao final do ano letivo o contrato era reincidido. Confesso que nessas
condições não estava satisfeita em ser professora.
Em 2013 trabalhando como professora de reforço durante o dia na rede de
ensino de Monte Mor decidi voltar a estudar e prestar concurso público. A noite fazia
cursinho em Campinas para concursos públicos. No mesmo ano prestei concurso
para o TRT (Tribunal Regional do Trabalho) sendo aprovada, mas não convocada.
No final do ano de 2014 trabalhei na educação infantil na escola “Jorge
Chaud” com a 1ª fase (crianças de 4 anos) e abriu concurso para o cargo de
professor (a) no próprio município de Monte Mor fui aprovada e convocada em
fevereiro de 2015. Efetivei-me na escola que atuo até hoje. Gostei bastante da
preservação da escola e em como era cuidada pela gestão, professores,
funcionários, comunidade local e alunos. Os professores podiam imprimir matrizes
de atividades, tirar xerox sem pagar do próprio bolso. Porque até me efetivar lá eu
fazia muito isso.
Além de perceber envolvimento dos alunos e da comunidade em reuniões de
pais, em festas realizadas pela escola. Fiquei feliz em iniciar um trabalho lá.
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Nos anos de 2016 e 2017 trabalhei manhã e tarde. De manhã como
professora contratada pelo processo seletivo em uma sala de 1º ano e a tarde como
professora efetiva em uma sala de 4º ano.
Em 2017, trabalhei com os quintos anos, de manhã na escola “Maria Tonin” e
a tarde na escola em que estava como efetiva.
Nesse ano me deparei com alguns alunos que não estavam plenamente
alfabetizados, alguns com dificuldades em acompanhar a série/ano em questão e
em ano de Prova Brasil.
Percebi por parte da rede municipal de educação do município de Monte Mor
e da escola na qual exerço a docência, uma preocupação em relação aos índices do
IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), pois, há formação
específica em serviço para os docentes das séries/anos que trabalham com as
turmas que realizam a prova Brasil (5º e 9º anos). Essa formação busca capacitar os
professores para alcançar os resultados almejados, porém sem refletir a respeito do
significado da prova para os estudantes, para a instituição escolar e, principalmente,
para a formação humana dos alunos. Por exemplo, no ano de 2017, em um curso
oferecido pela Secretaria de Educação, foi apresentado pelos formadores, o trabalho
realizado por uma escola de Sobral, no Ceará, como uma instituição modelo e de
referência por atingir padrões excelentes no índice do IDEB.
No entanto, em nenhum momento foi mencionado como ocorria a formação
desses estudantes; nem sobre quais eram as metodologias de ensino e as
avaliações utilizadas no processo de aprendizagem, sobretudo como se dava a
formação humana dos discentes. Evidenciou-se que naquela escola priorizava-se os
conteúdos concernentes aos cobrados pela prova Brasil para o alcance das metas
do IDEB.
Em reunião pedagógica da escola nesse mesmo ano o encontro foi pautado,
basicamente, na identificação e análise dos índices da prova Brasil nos anos de
2011, 2013 e 2015, buscou-se comparar e analisar os avanços e ou os regressos
que a instituição obteve nesses anos. Foi constatado que no ano de 2015, os índices
em Português e Matemática foram de 84%. Uma porcentagem elevada se
comparada às escolas do próprio município e de outras cidades também.
A partir da análise dos dados, tínhamos que verificar o nível dos alunos que
realizaram a prova no ano de 2015, e pensarmos em estratégias para trabalhar com
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os alunos dos quartos anos do ano de 2018, que farão a prova em 2019. Os
docentes de todas as séries teriam que pensar em estratégias, para sanar as
habilidades ainda não atingidas 100% pelos alunos, nos anos, para atingir
resultados nas avaliações externas. Contudo, será que esse índice revela a
aprendizagem real de todos os alunos? Quais são as metodologias utilizadas para
atingir as metas estabelecidas? E os alunos repetentes, com defasagem na
aprendizagem e que apresentam baixo rendimento como são acompanhados?
Como esses alunos são vistos e incluídos no processo de aprendizagem? Há uma
preocupação com essas questões por parte da escola? O que ela tem feito para
enfrentar esses desafios a fim de promover e garantir o desenvolvimento pleno de
todos os estudantes?
Desde a conclusão da graduação ansiava continuar estudando. E depois de
formada só havia feito uma especialização lato sensu semipresencial em
Psicopedagogia e os cursos em serviço de formação continuada oferecidos pela
Secretaria de Educação de Monte Mor.
Surgiu então a proposta do Mestrado Profissional da Unicamp, o qual tomei
conhecimento através de uma colega que fez a divulgação do processo seletivo em
sua página no Facebook. De acordo com o Projeto Político Pedagógico do Mestrado
em Educação Escolar
(...) concebe-se na Faculdade de Educação da Unicamp, uma proposta de Mestrado Profissional que valorize o debate teórico, pois esse ilumina a compreensão da realidade, a qual será objeto de estudo, e que contemple rigor idêntico ao apresentado no Mestrado Acadêmico. A dimensão da experiência é, assim, foco das análises e visa enriquecer e aportar novas reflexões à prática dos profissionais da educação em serviço (UNICAMP, PROJETO PEDAGÓGICO MESTRADO PROFISSIONAL, 2015, p. 17).
Além disso,
Entende-se, na presente proposta, que esses profissionais por atuarem na prática escolar, já possuem um conhecimento acumulado que, no entanto, pode e deve ser enriquecido por um processo de formação sistemático em nível de mestrado que permita sua problematização e ressignificação. Nesse processo de formação, o MP pode se constituir como espaço de compreensão dos problemas e desafios do trabalho escolar e de reflexão sobre as possíveis transformações das práticas de gestão e de ensino na educação básica (UNICAMP, PROJETO PEDAGÓGICO MESTRADO PROFISSIONAL, 2015, p.15).
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Assim que vi o edital fiquei animada em participar do processo, pois seria uma
oportunidade de dar continuidade aos estudos e ao mesmo tempo trabalhar, porque
um dos critérios era o de ser professor ou gestor na rede pública de ensino.
Iniciei a busca da bibliografia sugerida e assim dar início as leituras e me
preparar para o processo seletivo. Meu marido tem um amigo chamado Gustavo que
estuda na Unicamp, e gentilmente emprestou alguns livros da bibliografia sugerida
da biblioteca da Educação para que eu pudesse realizar as leituras e me preparar.
Para minha tristeza o edital fechou, mas mesmo assim continuei realizando as
leituras. Ficava visitando o site continuamente na esperança de que o edital fosse
reaberto e para minha alegria, foi. O processo de seleção foi organizado em três
etapas. A primeira etapa: submissão do projeto de pesquisa e documentos
solicitados. A segunda: prova escrita e a terceira: entrevista.
Submeti os documentos solicitados assim como o projeto de pesquisa na
linha 1. Política, Planejamento, Gestão e Avaliação da Educação Básica.
Fiz a prova escrita, a qual tinha como proposta a seleção de duas bibliografias
das referências solicitadas pela linha 1. Tínhamos que fazer a relação delas com o
projeto de pesquisa. Cada etapa do processo foi uma experiência tensa.
Após ser aprovada nas duas etapas, finalmente fui para a entrevista. A qual
em minha opinião foi a mais difícil e angustiante.
Não via a hora de que o resultado fosse publicado, a ansiedade, era grande,
masafelicidade, se fosse aprovada, emergia na mesma proporção, pois seria uma
oportunidade de voltar aos estudos e ao mesmo tempo continuar a trabalhar. Um
dos requisitos era o de ser professor ou gestor na rede pública de ensino.
Após sair o resultado mal me continha de tanta alegria de iniciar os estudos
na tão sonhada Unicamp no Mestrado Profissional em Educação Escolar que:
Compreende-se, portanto, que o MP aqui proposto, deve privilegiar, no processo formativo, as práticas escolares e pedagógicas na educação básica e a atuação dos profissionais no âmbito das políticas públicas educacionais fundamentalmente na gestão, no planejamento e na avaliação das escolas e sistemas de ensino (UNICAMP, PROJETO PEDAGÓGICO MESTRADO PROFISSIONAL UNICAMP, 2015, p. 17).
Inquietudes
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As questões suscitadas e que direcionam este estudo originaram-se da minha
vivência a partir de 2015 como professora do Ensino Fundamental, em 2017 mais
especificamente, enquanto professora de um 5º ano, no qual havia crianças em
processo de alfabetização, somado a isso em período de Prova Brasil.
Durante a graduação cursei uma disciplina sobre Avaliação, a qual abordava
a avaliação da aprendizagem de forma crítica. Tive acesso aos conceitos de
avaliação somativa, formativa, mediadora e autoavaliação. Nas aulas não só eram
trabalhados os conceitos como a professora exercia a avaliação processual em sua
prática pedagógica e nós estudantes realizávamos a autoavaliação como parte do
processo avaliativo.
Em 2015, quando ingressei como professora do EF I, na rede de ensino em
que atuo e me deparei com a avaliação da aprendizagem adotada. Percebi que a
mesma ocorria por meio de um único instrumento: a prova. Essa era realizada duas
vezes por bimestre. Uma mensal com valor 4 e outra bimestral com valor 5 e 1 ponto
de participação.
Os estudos realizados sobre avaliação durante a graduação e a prática
avaliativa adotada pela rede de ensino passou a me inquietar, além disso, em 2017
como professora de 5º ano, em situação de Prova Brasil trabalhava realizando
simulados constantes de acordo com as questões de provas cobradas pela
avaliação de larga escala.
Diante do que foi exposto e das inquietações permanentes em relação à
prática educativa, no que diz respeito aos fatores que gerariam o fracasso escolar,
sendo que a avaliação poderia ser um desses. A participação na disciplina sobre:
“Avaliação Institucional: princípios e processos” ministrada pelas docentes Mara de
Sordi e Geisa Mendes, contribuiu para a delimitação do nosso objeto de pesquisa
que fomos direcionando ao tema da Avaliação. Ao passar pelo exame de
qualificação em agosto de 2019 vimos a necessidade mais uma vez de revermos os
objetivos propostos pelo estudo e direção pela qual a pesquisa estava se
encaminhando. Diante disso, o trabalho passou por alguns ajustes até chegarmos
nesta fase que é a de compreender a avaliação externa na perspectiva de docentes
das séries iniciais, a fim de buscarmos alternativas de superação da lógica da
avaliação classificatória, focada apenas em resultados e possamos contribuir com a
formação de estudantes numa avaliação menos tecnicista e mais formativa.
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INTRODUÇÃO
A escola possui papel fundamental na socialização dos conteúdos
historicamente acumulados pela humanidade e na formação dos sujeitos, pois é
através da apropriação dos conhecimentos que os indivíduos se humanizam, são
capazes de refletir sobre sua realidade, e, por conseguinte, organizam-se
coletivamente, em buscada transformação social (SAVIANI, 1991). Esse autor
concebe a escola como “uma instituição cujo papel consiste na socialização do
saber sistematizado” (1991, p. 22). Esse saber, por sua vez, se dá pelo processo
educativo e ocorre no ambiente escolar.
Além disso, ele explicita que
A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica devem se organizar a partir dessa questão. Se chamarmos isso de currículo, poderemos então afirmar que é a partir do saber sistematizado que se estrutura o currículo da escola elementar. Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber é aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso aprender a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Está aí o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografia humanas) (SAVIANI, 1991, p. 23).
A educação elementar retratada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB 9394/96) envolve a formação básica do cidadão por meio do
desenvolvimento da capacidade de aprender tendo como meios a leitura, a escrita
e o cálculo. A LDB no artigo 2º constitui ainda a educação como um direito ao
desenvolvimento humano pleno e enfatiza em seu artigo 3º que o ensino deverá
ser ministrado com base no princípio de igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola.
Entretanto, observa-se, por meio de estudos recentes (BERTAGNA, 2017;
FREITAS, 2014; OLIVEIRA e MENEGÃO, 2012), que os sistemas de ensino
estão centrados em atender as avaliações externas visando índices e resultados
quantitativos. Conforme Freitas (2014, p. 1092):
[...] apenas para antecipar a linha geral de análise, consideremos que nesses últimos 20 anos, o grande desenvolvimento das avaliações externas (Prova Brasil, Saresp, Enem, ANA e outras)
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confirmou a posição de centralidade da categoria de avaliação e revelou outras conexões não imaginadas.
A educação escolar centrada nos resultados das avaliações externas com
vistas a garantir a qualidade do ensino e as práticas educativas voltadas a
atender aos índices propostos pode impactar no desenvolvimento pleno dos
indivíduos, conforme destaca Bertagna (2017,p.33).
[...] o esforço empreendido neste trabalho é evidenciar outra concepção de avaliação e de qualidade que potencialize e contribua para a formação humana mais ampla assentada em princípios formativos que permitam o desenvolvimento do indivíduo em sua totalidade e garanta, de fato, o seu direito à educação.
Embora, a escola possua a função de ensinar o conteúdo fundamental e de
formar seres humanos plenos, sem exceção, há alunos em situação de fracasso
escolar em nosso sistema de educação e privados dos seus direitos de acesso e,
principalmente, de permanência no sistema escolar. Apesar do acesso à
educação ter crescido em nosso país, em muitas instituições de ensino há vários
estudantes excluídos no interior da própria escola, sofrendo com o insucesso
escolare isso pode ser demonstrado por meio dos índices de reprovação e de
baixo rendimento, além deterem o seu direito à formação negligenciado devido,
principalmente, da exclusividade no ensino e preparo das crianças (desde cedo) a
conteúdos voltados aos exames externos. Nesse sentido:
A Provinha-Brasil acelerou esse empobrecimento do direito à educação da infância, reduzindo seu “direito” tão esperado ao domínio de habilidades leitoras. Esse tempo tão central na sua com-formação plena como humanos fica reduzido a acelerar o domínio de competências para se inserir no suposto mundo letrado. Uma forma benevolente de negar o direito ao desenvolvimento humano pleno tão esperado e tão determinante nesse tempo humano (ARROYO, 2011, p.188, grifos do autor).
Percebe-se no cotidiano escolar que alguns alunos são caracterizados por
“não aprender” e, por isso, não se desenvolvem e avançam. Além disso, é muito
comum professores, gestores, pais e os próprios alunos atrelarem o baixo
rendimento e desenvolvimento somente à falta de interesse e falta de estudos
por parte dos estudantes. Esse problema não pode ser limitado somente ao
indivíduo, mas deve, sobretudo, ser analisado sob a dimensão política, social e
histórica. Patto (1991) realizou um estudo das raízes históricas do fracasso
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escolar e traz esclarecimentos significativos sobre a relação do fracasso escolar
com o modo de produção capitalista, o que nos ajuda a compreender a realidade
e a desvelar a perpetuação da situação de dominação sofrida pelas famílias
menos favorecidas da sociedade.
Para compreender a situação do fracasso escolar é necessário entender
que a escola está inserida em um contexto, no nosso caso, no modo de produção
capitalista. Logo, a instituição escolar estará a serviço desse sistema a depender
da concepção de mundo, de sociedade, de homem e de educação em que os
atores da escola se pautam. Porém, os valores capitalistas não são demonstrados
explicitamente nas relações e nas práticas educativas. Então se faz necessário,
desvelar as práticas pedagógicas existentes no interior do espaço escolar. O que
pode ser observado no Projeto Político Pedagógico da escola e nas relações
cotidianas desse espaço.
O modo de produção capitalista afeta diretamente a vida humana, nos
aspectos: político, social, cultural e econômico. A escola é um ambiente
propiciador de formação de sujeitos que são atingidos pela ideologia dominante e
pela proliferação de seus valores e constituição de suas consciências. Nesse
sentido:
As crianças são levadas a crer que devem acumular o máximo de conhecimentos que lhes serão úteis para um invisível futuro, altamente competitivo, que enfrentarão quando adultos, como se coubesse a cada uma, individualmente, a capacidade de definir seu próprio destino (MENDES, 2006, p. 174).
Essa autora destaca ainda que: [...] em um mundo onde impera a lógica de que apenas alguns serão vitoriosos, prevalece a ideia de que os que estão excluídos são culpados pelo seu fracasso. Afinal, todos podem ter acesso, por exemplo, à escola. Não estuda quem não quer. Os pobres são levados a arcar com a culpa de sua pobreza, pois não se esforçam para ter uma vida melhor (MENDES, 2006, p. 174).
Ao relacionar o sucesso escolar do aluno, simplesmente, ao pouco ou
muito esforço desempenhado por ele, responsabiliza-se única e exclusivamente o
indivíduo. Os estudantes com baixo rendimento ao longo de seu processo de
escolaridade são culpabilizados pela ausência de êxito, são estereotipados e
estigmatizados, pois, se não venceram, foi porque não empenharam esforço
suficiente. Logo, essa lógica incentiva e estimula a meritocracia individual,
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discurso neoliberal em que o sucesso advém do esforço pessoal, excluindo as
questões de organização do sistema escolar, aliadas as propostas de avaliação
do sistema de ensino e a metodologia utilizada pelos docentes, por exemplo:
Numa sociedade em que a mola propulsora é a competitividade, o conhecimento vira
uma arma ou, como se diz, uma vantagem competitiva. O domínio do conhecimento
passa a ser o foco da escola para que seus estudantes possam ser bem-sucedidos. Não
é sem razão que os processos de avaliação do sistema centram-se na aferição do
conhecimento obtido em Português e Matemática. (FREITAS et al. 2014, p.21, grifos
nossos).
Segundo Freitas et al. (2014, p. 21) “a transmissão do conhecimento não é
o único objetivo da escola. Seja tácita, seja planejadamente, a escola é
formativa”. Para esses autores a escola deveria cumprir um papel dual no
processo educativo: fornecer instrução e formação plena aos indivíduos. As
avaliações externas assumem papel de controle do trabalho pedagógico do
professor, pautando o que o docente deverá ensinar. Nesse sentido:
[...] o direito à formação ampla e contextualizada que todo ser humano deve ter é reduzido ao direito de aprender o “básico” expresso nas matrizes de referência dos exames nacionais, assumido ali como o domínio que é considerado “adequado” para uma dada série escolar nas disciplinas avaliadas - não por acaso as que estão mais diretamente ligadas a necessidades dos processos produtivos: leitura, matemática e ciências” (FREITAS et. al, 2014, p. 1093).
A avaliação é um instrumento que deveria servir para o trabalho
pedagógico do professor, visando tomadas de decisão a partir dos resultados
obtidos pelos alunos para rever o que eles ainda não aprenderam e retomar
essas questões, inclusive sua prática pedagógica. Logo,
[...] colocar a avaliação nesta posição não foi uma escolha, pois a decisão de separar o ensino da criança da vida foi motivada pela necessidade de afastar a juventude dos problemas ou melhor das contradições sociais com o propósito de fornecer a ela, por antecipação, uma interpretação para tais contradições, antes de que ela mesma desenvolvesse sua própria interpretação, fora do controle dos interesses dominantes (FREITAS et al., 2014, p. 1093).
Desse modo, a escola passa a ser disputada assim como o processo
pedagógico, os conteúdos a serem trabalhados e a avaliação. De acordo com
Freitas et al. (2014, p. 1093)
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Na atual disputa pela escola, os reformadores empresariais da educação ampliaram a função da avaliação externa e deram a ela um papel central na indução da padronização como forma de permitir o fortalecimento do controle não só sobre a cultura escolar, mas sobre as outras categorias do processo pedagógico, pelas quais se irradiam os efeitos da avaliação, definindo o dia a dia da escola.
Diante disso, [...] as avaliações externas conectam-se com este processo complexo que ocorre, predominantemente, no interior da sala de aula para controlar o processo pedagógico - mas que tem suporte no planejamento da própria escola quando ela reage aos resultados das avaliações externas, através das avaliações internas (FREITAS et al., 2014, p. 1097).
Portanto, as avaliações externas combinadas às avaliações internas geram
no ambiente escolar pressão da gestão aos professores e destes para os
estudantes, contribuindo para a promoção das avaliações informais em que:
[...] se joga o destino dos estudantes, marcados por sucessivas microações no interior da sala de aula e da escola. Processos de exclusão são postos em marcha consolidando os estudantes em trilhas de progressão que nem sempre conduzem ao sucesso (FREITAS, et al., 2014, p. 1097).
Freitas ainda menciona que:
[...] com isso, os alunos que fracassam na escola, continuam a fracassar diante dessas avaliações que “não resolvem o problema das brechas de aprendizagem especialmente em relação às crianças mais pobres que são a grande “inspiração” dos reformadores empresariais da educação para introduzir as políticas de responsabilização” (FREITAS et al., 2014, p. 1098).
Diante do exposto, a nossa hipótese inicial é a de que as políticas de
avaliação externa podem interferir na prática pedagógica realizada pelos
professores e consequentemente na formação acadêmica dos estudantes.
A partir dessa hipótese, procuramos responder por meio dos dados
levantados, leituras realizadas sobre o tema e através da visão das docentes
sobre: A repercussão da avaliação externa na prática docente e a avaliação da
aprendizagem implantada nas instituições escolares no município de Monte Mor.
Essa questão provocou alguns outros questionamentos, os quais norteiam a
pesquisa, tais como:
1- Em que medida a política de avaliação externa interfere na prática
pedagógica docente?
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2- Como o professor tem compreendido a lógica da avaliação?
Partindo das questões apresentadas acima buscamos realizar a análise
dos dados por um objetivo geral:conhecer a visão das docentes em relação à
avaliação externa e sua prática docente. Do objetivo geral advêm alguns objetivos
específicos que procuraram:
1- Identificar no banco de dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas) dados em relação ao IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica) das escolas municipais de Monte Mor que atendem as séries iniciais (1º
ao 5º ano) e que participaram da Prova Brasil.
2- Conhecer a perspectiva das docentes sobre a avaliação externa e de
que forma afeta a prática pedagógica realizada em sala de aula.
Na perspectiva de organizar o texto e as ideias em relação ao tema
constituímos este estudo assim:
No primeiro capítulo apresentamos a parte teórica em relação à temática
do trabalho, com isso situamos o campo da avaliação da aprendizagem e da
avaliação externa.
No segundo capítulodescrevemos os caminhos metodológicos de
realização da pesquisa, pautada em análise documental e em entrevistas
semiestruturadas e apresentamos a Rede Municipal de Ensino de Monte Mor, a
escola, o seu entorno e as características das participantes da nossa pesquisa.
No terceiro capítulorealizamos a análise de informações relativas às
entrevistas realizadas com as docentes da escola e uma proposta buscando
promover espaços de discussões e reflexões sobre a avaliação externa no
ambiente escolar.
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1. CAPÍTULO– SITUANDO O CAMPO DA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM E
DA AVALIAÇÃO EXTERNA
Neste capítulo vamos tratar sobre a avaliação da aprendizagem e a
avaliação de larga escala.
1.1. Avaliação da aprendizagem
A cultura escolar está permeada por avaliações. No caso da avaliação da
aprendizagem tradicional, os estudantes são avaliados após o ensino dos
conteúdos escolares e lhes são atribuídos conceitos ou notas de acordo com o
resultado de um único instrumento: as provas. Desse modo o resultado pode
definir se o aluno está apto ou não a cursar a série/ano seguinte. De acordo com
Dias Sobrinho:
A avaliação, em um sentido amplo, é uma atividade que faz parte da vida humana e está presente no cotidiano dos indivíduos. Testes, provas e exames constituem boa parte da cultura escolar, como se fossem naturalmente ligados aos conhecimentos e à pedagogia. Nas práticas rotineiras, os educadores não costumam pensar que na avaliação como conceito geral pode haver relações, sentidos e intencionalidades que pouco ou nada têm a ver com a questão das aprendizagens e da formação humana, isto é, não apresentam uma intencionalidade educativa. Antes mesmo da institucionalização das escolas, a avaliação já era praticada para fins de seleção social. Com efeito, a avaliação está ligada à questão de escolhas, e a seleção social é tão “naturalmente” aderida a ela que passa como constituinte de sua essência (DIAS SOBRINHO, 2002, p. 17-18 - grifo do autor).
A avaliação neste modelo social e da escola capitalista é um instrumento
necessário a fim de avaliar o trabalho escolar, a prática docente e a
aprendizagem dos discentes, por isso deveria ser utilizado pelos professores e
pela escola visando acompanhar o desenvolvimento dos estudantes e possibilitar
o avanço dos mesmos. Essa ferramenta tem por objetivo auxiliar o processo de
aprendizagem e servir aos docentes à tomada de novas decisões por diferentes
metodologias buscando direcionar o aprendizado e, consequentemente, o
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progresso e a evolução do educando. Dito isso, ela pode servir como instrumento
de classificação ou atender aos fins da educação como um direito humano que
possibilita a emancipação dos sujeitos.
1.1.1. Avaliação como instrumento de classificação
A prática avaliativa adotada por algumas instituições escolares utiliza a
avaliação enquadrada em um formato autoritário que serve aos padrões de um
modelo social dominante e visa à manutenção e reprodução da sociedade e não a
sua transformação.
A avaliação da aprendizagem escolar no Brasil, hoje, tomada in genere, está a serviço de uma pedagogia dominante que, por sua vez, serve a um modelo social dominante, o qual, genericamente, pode ser identificado como modelo social liberal conservador (LUCKESI, 2005, p. 29 - grifos do autor).
Com isso, a avaliação passa a ser o centro do processo de ensino e a
prática educativa é direcionada pela pedagogia do exame. “A prática pedagógica
está polarizada pelas provas e exames” (LUCKESI, 2005, p. 18). Esse autor
acrescenta
Pais, sistema de ensino, profissionais da educação, professores e alunos, todos têm suas atenções centradas na promoção, ou não, do estudante de uma série de escolaridade para outra. O sistema de ensino está interessado nos percentuais de aprovação/reprovação do total dos educandos; os pais estão desejosos de que seus filhos avancem nas séries de escolaridade; os professores se utilizam permanentemente dos procedimentos de avaliação como elementos motivadores dos estudantes, por meio da ameaça; os estudantes estão sempre na expectativa de virem a ser aprovados ou reprovados e, para isso, servem-se dos mais variados expedientes. O nosso exercício pedagógico escolar é atravessado mais por uma pedagogia do exame que por uma pedagogia do ensino/aprendizagem (LUCKESI, 2005, p. 18 - grifos nossos).
Além disso, a prova é utilizada como mecanismo de controle, para manter
a atenção dos alunos e mantê-los quietos e como um “instrumento disciplinador,
típico de um modelo autoritário de educação que está a serviço de determinado
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modelo de sociedade”. (LUCKESI, 2005, p. 21). Abordando essa questão, afirma-
se que
A avaliação é usada como controle, com o objetivo de obter do aluno obediência, responsabilidade e participação. Quando o aluno não atende a estas expectativas, o professor, para conseguir o comportamento desejado do aluno, ameaça com a nota. O aluno, ao obter sua média, sabe que a nota é resultante do domínio do conteúdo e do comportamento apresentado em sala de aula. Na avaliação do aluno, havia uma variável emocional e subjetiva no ato de dar a nota. Tanto na avaliação do conteúdo (uma prova), como neste componente emocional, o “modelo de aluno” adotado pelo professor termina exercendo influência (BERTAGNA, 2002, p. 248).
Ao professor é dado poder de se fazer julgamento quanto ao destino do
aluno. Pois a avaliação realizada pelo docente é legitimada socialmente. Assim
sendo, a avaliação pode seguir um modelo autoritário, domesticador e contribuir
para a situação de fracasso escolar dos alunos.
Nesta abordagem não queremos cair na armadilha de considerar o professor como vilão (por ser o único responsável pelo fracasso da criança) ou vítima (por impossibilidade de fazer algo em função das determinações estruturais). Entendemos que o professor, como qualquer agente social, está perpassado por contradições (VASCONCELLOS, 2014, p. 39).
Porém,
A grande questão que se coloca é como vai dar conta dessa contradição, em que direção vai procurar a superação. Reconhecer suas limitações pode parecer muito ameaçador para o professor, dificultando o fluxo de emergência da consciência (fixação afetiva) (VASCONCELLOS, 2014, p. 40).
Diante da contradição posta é preciso compreender a lógica da avaliação
na sociedade em que estamos inseridos e o papel do professor no processo de
avaliação e o da educação buscando superar a lógica mercadológica de
educação e a responsabilização individual pelo fracasso escolar.
Ao professor,
[...] falta uma perspectiva de totalidade, onde compreenderia que a falha não é só dele e não é só por causa dele. A ideia corrente que se passa é que as coisas estão normais, sempre foram assim, atribuindo-se a culpa às carências das crianças e não ao sistema educacional (VASCONCELLOS, 2014, p. 40).
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Em contrapartida, a situação de fracasso não pode ser atrelada unicamente
ao aluno, pois:
[...] como vimos, normalmente, o professor percebe-se apenas a manifestação imediata do problema da avaliação, mas não consegue captar suas causas mais profundas. Falta-lhe compreender as causas determinantes desta situação, e especialmente sua participação neste processo (VASCONCELLOS, 2014, p. 40).
Quando a avaliação da aprendizagem escolar é utilizada apenas no sentido
de verificar o que o aluno aprendeu ou não, atribuindo-lhe uma nota ou conceito
sem se preocupar com a aprendizagem efetiva e com a formação dos alunos,
buscando modificar a situação na qual se encontram, a prática avaliativa utilizada
pela escola tem uma forte tendência a “reforçar e realimentar toda uma
organização já existente – da qual ela não é a origem nem a causa principal”
(VASCONCELLOS, 2014, p. 36). Portanto, pode contribuir para a reprodução da
situação atual.
Por conseguinte, a depender da concepção da escola em relação ao ser
humano que se pretende formar, a sociedade que se pretende construir, a
avaliação utilizada tende a contribuir com a classificação e estagnação do aluno.
O que pode gerar baixa autoestima e dessa forma o estudante passa a acreditar
em sua incapacidade de aprender. Assim, os indivíduos acreditam que são os
únicos responsáveis pelo seu fracasso educacional e no futuro, pelo seu fracasso
social.
Portanto, a avaliação pode servir:
[...] como instrumento de discriminação e seleção social, na medida em que assume, no âmbito da escola, a tarefa de separar os “aptos” dos “inaptos”, os “capaze