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Apelação cível n. 2005.030672-5, de Timbó. Relator: Des. Trindade dos Santos. DECLARATÓRIA. Inexistência de débito e susta- ção de protesto. Cheques transferidos em operação de ‘factoring’. Pleito deduzido pelo emitente. Improcedên- cia. Relação negocial subjacente. Vícios. Provas au- sentes. Cobrança e protesto. Direitos a serem exerci- dos contra a cedente. Tese improsperável. Juros abu- sivos no contrato de faturização. Cobrança, no entanto, não de juros, mas de deságio. Matéria, ademais, estra- nha ao devedor. Postulação apelatória desprovida. 1. A origem viciada dos cheques emitidos pelo au- tor de ação declaratória de inexistência de débito, para levar à inexigibilidade dos títulos, há que ser compro- vada à saciedade, através de elementos hábeis e con- vincentes, não se prestando, para tanto, meras e isola- das alegações do autor do saque. Mormente quando se tem ser o cheque título de crédito literal, essencialmen- te abstrato e que, como regra geral, uma vez emitido se desvincula por completo da causa subjacente que o o- riginou. E só indícios concludentes são capazes de au- torizar, em se tratando de cheques, a investigação da ‘causa debendi’. 2. Tendo sido os cheques transferidos pela primi- tiva credora em operação de ‘factoring’, operação essa a qual é o emitente dos títulos terceiro estranho, não tem ele legitimidade para instaurar discussão judicial a respeito de eventuais irregularidades passíveis de ma- cular, em tese, o contrato de fatorização firmado por aquela com a empresa de fomento mercantil demanda- da. Admitir-se isso, eqüivaleria a admitir-se que um terceiro, em nome próprio, agisse na defesa de inte- resses alheios, o que, a não ser em hipóteses excep- cionais, é vedado pela legislação pátria. 3. É exclusivamente do emitente e devedor do cheque a legitimidade para sofrer os percalços jurídi- cos de eventual protesto do título e da respectiva co-

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Page 1: I · DECLARATÓRIA. Inexistência de débito e susta-ção de protesto. Cheques transferidos em operação de ... tor de ação declaratória de inexistência de débito, para levar

Apelação cível n. 2005.030672-5, de Timbó. Relator: Des. Trindade dos Santos.

DECLARATÓRIA. Inexistência de débito e susta-ção de protesto. Cheques transferidos em operação de ‘factoring’. Pleito deduzido pelo emitente. Improcedên-cia. Relação negocial subjacente. Vícios. Provas au-sentes. Cobrança e protesto. Direitos a serem exerci-dos contra a cedente. Tese improsperável. Juros abu-sivos no contrato de faturização. Cobrança, no entanto, não de juros, mas de deságio. Matéria, ademais, estra-nha ao devedor. Postulação apelatória desprovida.

1. A origem viciada dos cheques emitidos pelo au-tor de ação declaratória de inexistência de débito, para levar à inexigibilidade dos títulos, há que ser compro-vada à saciedade, através de elementos hábeis e con-vincentes, não se prestando, para tanto, meras e isola-das alegações do autor do saque. Mormente quando se tem ser o cheque título de crédito literal, essencialmen-te abstrato e que, como regra geral, uma vez emitido se desvincula por completo da causa subjacente que o o-riginou. E só indícios concludentes são capazes de au-torizar, em se tratando de cheques, a investigação da ‘causa debendi’.

2. Tendo sido os cheques transferidos pela primi-tiva credora em operação de ‘factoring’, operação essa a qual é o emitente dos títulos terceiro estranho, não tem ele legitimidade para instaurar discussão judicial a respeito de eventuais irregularidades passíveis de ma-cular, em tese, o contrato de fatorização firmado por aquela com a empresa de fomento mercantil demanda-da. Admitir-se isso, eqüivaleria a admitir-se que um terceiro, em nome próprio, agisse na defesa de inte-resses alheios, o que, a não ser em hipóteses excep-cionais, é vedado pela legislação pátria.

3. É exclusivamente do emitente e devedor do cheque a legitimidade para sofrer os percalços jurídi-cos de eventual protesto do título e da respectiva co-

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brança, carecendo de qualquer substrato jurídico a pretensão deste de ver estendido o ato notarial tam-bém ao credor originário e que veio a transferir o seu crédito para empresa de 'factoring'.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2005.030672-5, da comarca de Timbó (1ª Vara Cível e Criminal), em que é apelante Geraldo Weiss, sendo apelada Hana Fomento Mercantil Ltda.:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, negar provimento ao apelo.

Custas de lei.

I - RELATÓRIO:

Inconformado com a sentença que rejeitou os pedidos por

si formulados na ação cautelar e na ação declaratória que ajuizou contra Hana

Fomento Mercantil Ltda., tendo por objeto a anulação de cheques de sua emis-

são e o cancelamento definitivo dos correspondentes protestos, impondo-lhe a

responsabilidade pelos encargos sucumbenciais, deduziu Geraldo Weiss re-

curso de apelação.

Alegou que, com o julgamento antecipado da lide, não foi

possível a discussão acerca da causa que deu origem aos cheques, o que era

necessário quando vislumbrados indícios de vícios que macularam o negócio

jurídico a que estavam atrelados.

Asseverou que a relação negocial existente entre a empre-

sa que endossou os títulos de crédito, Alf Auto Peças Ltda. ME e a empresa de

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faturização recorrida está inquinada de irregularidades, estas que comprome-

tem a exigibilidade das cambiais, ante a iliquidez dos cheques emitidos em ca-

ráter pro solvendo.

Sustentou a necessidade de investigação da causa deben-

di, tendo em vista que, à luz do contrato de fomento mercantil firmado, consta-

ta-se a pactuação de juros acima do limite legal e a previsão de inexigibilidade

dos cheques na hipótese de inexistência de fundos.

Aduziu que, para a cobrança dos cheques, a apelada de-

veria comprovar, documentalmente, a origem do crédito e, no caso de oposição

ou inadimplemento por parte do sacador, a cobrança deveria ser dirigida ao

contratante/endossante e fiadores, e não contra o emitente, ora recorrente.

Disse, ainda, que a obrigação assumida pela endossante

permanece hígida, sendo ela a devedora principal, o que acarreta na ilegalida-

de do apontamento dos cheques a protesto, pois dirigido apenas contra o ape-

lante, quando deveria ter sido endereçado contra àquela também.

Requereu, por fim, o provimento integral do apelo, refor-

mando-se a sentença recorrida e invertendo-se os ônus sucumbenciais.

Houve resposta.

II - VOTO:

O apelo sob apreciação não comporta acolhida!

É pretensão do recorrente obter a sustação definitiva do

protesto e a declaração de inexigibidade de três cheques por ele emitidos em

favor de Alf Auto Peças Ltda. ME, que, por sai vez, os transferiu à apelada.

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Importante destacar, ainda, que a transmissão do crédito

ocorreu em razão do contrato de factoring celebrado entre a primitiva beneficiá-

ria dos títulos e a empresa fomentadora, passando essa a deter o crédito de-

clarado nas cambiais, o que está comprovado pelos documentos de fls. 58 a

68.

Em busca de seu intento, alegou o insurgente que os títu-

los de crédito estão destituídos de liquidez, vez que o contrato de fomento mer-

cantil ostenta irregularidades que o maculam.

Antes contudo, de fundamental importância é a conceitua-

ção do contrato de fomento mercantil, o qual se define como aquele em que

uma das partes (faturizado) aliena à outra (faturizador) títulos sacados por ter-

ceiros em seu benefício, assumindo o comprador os riscos pela insolvência

daquele que no título figura como devedor.

É óbvio que assim como qualquer operação mercantil, tra-

ta-se de um contrato oneroso, por meio do qual a empresa adquirente efetua o

pagamento do valor do título ao alienante, mediante o pagamento de um desá-

gio.

E esse deságio nada mais é do que um percentual que in-

cide sobre a soma do documento de crédito adquirido ou uma comissão em

valor certo e determinado e que vai representar a remuneração da empresa

faturizadora.

Nos exatos termos da lição de LUIZ LEMOS LEITE, define-

se o factoring como sendo:

“(...) a prestação contínua de serviços de alavanca-gem mercadológica, de avaliação de fornecedores, clientes e sacados, de acompanhamento de contas a receber e de outros serviços, conjugada com a aquisição de créditos de empresas resultantes de suas vendas

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mercantis ou de prestação de serviços, realizadas a prazo” (Factoring no Brasil, 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 32).

Ou ainda, consoante preciso ensinamento de ORLANDO

GOMES:

“Factoring é o contrato por via do qual uma das partes cede a terceiro (o factor) créditos provenientes de vendas mercantis, as-sumindo o cessionário o risco de não recebê-los contra o pagamento de determinada comissão a que o cedente se obriga” (Contratos, 25ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 469).

FÁBIO ULHOA COELHO, após conceituá-lo como uma es-

pécie de contrato bancário impróprio, ressalta que:

“Pelo contrato de fomento mercantil, um dos contra-tantes (faturizador) presta ao empresário (faturizado) o serviço de admi-nistração do crédito, garantindo o pagamento das faturas por este emiti-das. A faturizadora assume, também, as seguintes obrigações: a) geris os créditos do faturizado, procedendo ao controle dos vencimentos, provi-denciando os avisos e protestos assecuratórios do direito creditício, bem como cobrando os devedores das faturas; b) assumir os riscos do inadim-plemento dos devedores; c) garantir o pagamento das faturas objeto de faturização. Há duas modalidades de fomento mercantil. De um lado, o ‘conventional factoring’, em que a faturizadora garante o pagamento das faturas antecipando o seu valor ao faturizado. Essa primeira modalidade compreende três elementos: serviços de administração do crédito, seguro e financiamento. De outro lado, o ‘maturity factoring’, no qual a faturizado-ra paga o valor das faturas ao faturizado apenas no vencimento, modali-dade em que estão presentes a prestação de serviços de administração do crédito e o seguro, mas ausente o financiamento” (Curso de direito comercial, vol. 3, São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 131 e 132).

Enfatiza, por seu turno, WALDÍRIO BULGARELLI:

“O factoring insere-se entre as novas técnicas utiliza-das modernamente na atividade econômica. Enquanto o leasing e o fran-chising, por exemplo, dizem respeito a técnicas de comercialização, já o factoring liga-se à necessidade de reposição do capital de giro nas em-presas, geralmente nas pequenas e médias. Bastante assemelhada ao desconto bancário, a operação de factoring repousa na sua substância, numa mobilização dos créditos de uma empresa; necessitando de recur-

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sos, a empresa negocia os seus créditos cedendo-os à outra, que se in-cumbe de cobrá-los, adiantando-lhe o valor desses créditos (conventional factoring) ou pagando-os no vencimento (maturity factoring); obriga-se contudo a pagá-los mesmo em caso de inadimplemento por parte do de-vedor da empresa. Singelamente pode-se falar em venda do faturamento de uma empresa à outra, que se incumbe de cobrá-lo, recebendo em pa-gamento uma comissão e cobrando juros quando antecipa recursos por conta dos recebimentos a serem feitos. Há, portanto, um elemento básico na operação, que é a cessão dos créditos” (Contratos mercantis, 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2000, pp. 541 e 542).

Da mesma forma assinala, a propósito, ARNALDO

RIZZARDO:

“O sentido tradicional de factoring não oferece maio-res dificuldades. Pode-se afirmar que se está diante de uma relação jurí-dica entre duas empresas, em que uma delas entrega à outra um título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título, do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transa-ção” (Factoring, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 11).

Linhas após, invocando o escólio de CAIO MÁRIO DA

SILVA PEREIRA, acentua o mesmo jurista:

“Pelo factoring ou faturização, uma pessoa (factor ou faturizador) recebe de outra (faturizado) a cessão de créditos oriundos de operações de compra e venda e outras de natureza comercial, assumindo o risco de sua liquidação. Incumbe-se de sua cobrança e recebimento” (p. 12).

E, ao tratar dos sujeitos da relação contratual do factoring,

consigna:

“Sintetizando, existe uma triangulação no factoring entre o faturizador, o faturizado e o sacado do título. O faturizador entrega o dinheiro à vista para o faturizado, para recebê-lo a termo do sacado ou devedor” (pp. 24 e 25).

Estabelecido este conceito a respeito do contrato de fo-

mento mercantil, dúvidas não pairam de que o faturizador entrega à vista ao

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faturizado os valores relativos aos créditos adquiridos, descontando apenas a

remuneração a que tem direito, assumindo os riscos pela solvência do devedor.

Cite-se a ANTONIO CARLOS DONINI:

“É oneroso porque na operação de factoring suporta o faturizado, em razão da cessão de crédito do título pago à vista pelo fatu-rizador, o preço para usufruir da vantagem proporcionada pelo contrato” (Factoring, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 129).

Esclarece AMÉRICO LUIS MARTINS DA SILVA:

“ARNOLD WALD diz que contrato de factoring consis-te na aquisição, por uma empresa especializada, de créditos faturados por um comerciante ou industrial, sem direito de regresso contra o mesmo. Assim, segundo ele, a empresa de factoring, ou seja, o factor, assume os riscos da cobrança e, eventualmente, da insolvência do devedor, rece-bendo uma remuneração ou comissão, ou fazendo a compra dos créditos com redução em relação ao valor dos mesmos” (Contratos comerciais, vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 2004, pp. 430 e 431).

Mais adiante, classificando a espécie de contrato sobre a

qual tratam os autos, acentua o insigne doutrinador:

“c) oneroso (a onerosidade é intrínseca à natureza do negócio jurídico, em virtude de ambas as partes contratantes auferir al-guma vantagem: o faturizador obtém o lucro com o desconto da comissão que lhe é devida no recebimento do crédito cedido pela empresa faturiza-da, enquanto esta obtém vantagens com a antecipação do recebimento do seu crédito)” (ob. cit., p. 441).

Discorrendo a respeito dos direitos do faturizador registra o

festejado comercialista:

“d) direito de deduzir, das importâncias creditadas à empresa faturizada, a sua comissão ou remuneração (fator), de acordo com o ajustado em contrato, pela espera do recebimento de crédito futuro e pela prestação de serviços a esta (ad valorem)” (ob. cit., p. 455).

Dentre os deveres do faturizado elenca:

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“a) obrigação de pagar à empresa faturizadora as

comissões ou remuneração devidas pela operação de factoring” (ob. cit., p. 458).

Em pleno acordo com os pensamentos anteriores, consig-

na CARLOS ALBERTO BITTAR:

“As relações jurídicas dessa área formam-se a partir do contrato de factoring, pelo qual a empresa se dispõe a assumir os cré-ditos faturados, mediante comissão, prestando os demais serviços à inte-ressada, que com ela se vincula a título de exclusividade” (Contratos co-merciais, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 179).

Retratando o instituto, expõe ARNALDO RIZZARDO:

“Por este contrato, um comerciante ou industrial, de-nominado ‘faturizado’, cede a outro, que é o ‘faturizador’ ou ‘factor’, no to-do ou em parte, créditos originados de vendas mercantis. Assume este, na posição de cessionário, o risco de não receber os valores. Por tal risco, paga o cedente uma comissão” (Contratos, 3ª ed., Rio de Janeiro: Foren-se, 2004, p. 1383).

Do extinto Tribunal de Alçada Gaúcho:

“FACTORING. NÃO PAGAMENTO PELO DEVEDOR DOS TÍTULOS NEGOCIADOS. IRRESPONSABILIDADE DO FATURIZADO. Risco assumido pela empresa de factoring mediante de-ságio. Distinção do desconto de títulos, atividade restrita às instituições fi-nanceiras” (Ap. Cív. n. 196059703, rel. Juiz MOACIR LEOPOLDO HAESER).

Já julgou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

“PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA. CONTRATO DE FACTORING FIRMADO POR DUAS PESSOAS JURÍDICAS - INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CDC. CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA - INOCORRÊNCIA. A ONEROSIDADE É UMA DAS CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE FACTORING.

(...)

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O contrato de faturização é dos mais onerosos, eis

que dá lugar à remuneração do faturizador por uma determinada impor-tância, que é a contraprestação recebida para fazer frente aos riscos a que se sujeita e ao desembolso das importâncias pagas ao faturizado” (Ap. Cív. n. 5224899, 2ª Turma Cível, rel. Des. ROMÃO C. OLIVEIRA).

O deságio, em assim sendo, constitui a remuneração devi-

da ao faturizador pela aquisição do crédito junto ao faturizado, função essa que

já foi objeto de análise, bem como uma garantia do factor pela insolvabilidade

do devedor principal do documento de crédito que adquiriu.

Sobre o deságio em questão, este relator já posicionou:

“FACTORING. Cheques. Execução. Embargos desa-colhidos. Agiotagem. Juros. Incidência inexistente. Hipótese de deságio.

O percentual cobrado pelas empresas de 'factoring' para a faturização de cheques adquiridos de clientes seus não se identifi-ca como juros remuneratórios. Trata-se, isso sim, de deságio, cujo per-centual não se submete aos limites impostos pela lei de usura e por ou-tros diplomas legais aos juros remuneratórios” (Ap. Cív. n. 2004.012334-5, de Tubarão).

Portanto, não há dúvidas de que o crédito descrito nos

cheques foi vendido pela Alf Auto Peças Ltda. ME à apelada, assegurando a

esta o direito de exigir do emitente o pagamento correspondente.

Dessa forma, sendo o cheque título autônomo e represen-

tativo de pagamento à vista, as causas justificativas do seu não pagamento

devem exsurgir, para a sua aceitabilidade judicial, de escorreita prova docu-

mental, o que inocorreu nestes autos.

No tema questionado, a prova, para ter eficácia jurídica, há

de ser cabal, a fim de que os cheques não possam ser mais cobrados, hipótese

essa alheia na presente lide.

Como já assentou este Pretório:

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“EXECUÇÃO - TÍTULOS DE CRÉDITO - CHEQUE -

PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE - PROVA EM CONTRÁRIO - CAMBIAL - CAUSA DEBENDI - OPOSIÇÃO - TERCEIRO DE BOA-FÉ

Em favor dos títulos de crédito milita presunção de li-quidez, certeza e exigibilidade, desde que revestidos dos requisitos le-gais. Somente prova cabal e inequívoca em contrário poderá ilidir aquela presunção, sob pena de subversão dos princípios que disciplinam a obri-gação cambial” (Ap. Cív. n. 98.015577-0, de Canoinhas, rel. Des. NEWTON TRISOTTO).

A ausência de provas quanto a estas alegações fazem

prevalecer a legitimidade e a presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do

cheque objeto da demanda declaratória, eis que latentes sua literalidade e au-

tonomia.

Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul:

“COMERCIAL. AÇÃO DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO E DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO. TITULO VÁLIDO E EFICAZ. REQUISITOS.

O cheque é título de crédito literal e abstrato, que se desvincula da causa que o originou, exigível per si, quando válido e efi-caz, obrigando ao pagamento do devedor que nele aponta seu nome, pois reflete crédito certo e líquido ao credor que o detém. Em restando de-monstrada a dívida do requerente através de cheque objeto da lide, deve este adimplir os valores no título apontado em favor do requerido. Apelo improvido" (AC nº 599139276, 5ª CCív., rel. Des. CARLOS ALBERTO BENCKE, j. 19/8/99).

“DECLARATÓRIA NEGATIVA DE DÉBITO E INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO CAMBIAL (CHEQUE). SUSTAÇÃO DE PROTESTO. COBRANÇA E VENDA DE MOTOR USADO. VÍCIO DO PRODUTO. PROVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

O vício do produto, que resultaria na rescisão do ne-gócio jurídico e no cancelamento do cheque dado em pagamento, deve ser demonstrado, inequivocamente, pelo consumidor (art. 333, inc. I, do

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CPC). O cheque, mesmo que passado para data futura e/ou como garan-tia, será considerado para pagamento a vista, nos termos do art. 32, da lei n 7357/85. Eventual vício do título, capaz de lhe retirar a certeza, liquidez e exigibilidade, deve ser demonstrado pela parte que alega, no caso, pelo emitente-devedor, nos termos do art. 333, inc. I, do CPC. Na fixação dos honorários, mesmo nos casos onde não ha condenação (art. 20, pár-4, do CPC. Recurso parcialmente provido” (AC nº 70000325969, 16ª CCív., rel. Des. CLAUDIR FIDELIS FACCENDA, j. 29/03/00).

E do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

“TÍTULO DE CRÉDITO - CHEQUE - PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE - VIA INADEQUADA PARA OBTER-SE A PROVA DA QUITAÇÃO. SIMPLES ANOTAÇÕES NO VERSO DO CHEQUE, FEITAS PELO DEVEDOR, NÃO ABALAM A PRESUNÇÃO JURIS TANTUM QUE MILITA EM FAVOR DA LIQUIDEZ E CERTEZA DO CHEQUE. É ITERATIVA A JURISPRUDÊNCIA NO SENTIDO DE QUE O CHEQUE FORMALMENTE INDEFECTÍVEL CONFERE, A QUEM COM ELE SE APRESENTA, O DIREITO AO CRÉDITO QUE REPRESENTA. A AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE NÃO SE PRESTA AO DEVEDOR PARA FAZER PROVA DA QUITAÇÃO - TEMÁTICA APROPRIADA PARA SER DEDUZIDA EM SEDE DE EMBARGOS” (AC n. 3255294, rel. Des. EDSON ALFREDO SMANIOTTO, j. 31.10.94).

“TÍTULO DE CRÉDITO - CHEQUE - AÇÃO DECLA-RATÓRIA DE NULIDADE - PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA - ÔNUS DA PROVA. É ITERATIVA A JURISPRUDÊNCIA NO SENTIDO DE QUE O CHEQUE FORMALMENTE INDEFECTÍVEL CONFERE, A QUEM COM ELE SE APRESENTA, O DIREITO AO CRÉDITO DE RE-PRESENTAÇÃO. A PROVA ACERCA DO DESVIO DE FINALIDADE DA CÁRTULA, CAPAZ DE AFASTAR TAL PRESUNÇÃO, É ÔNUS QUE SE ATRIBUI AO EMITENTE” (AC n. 19980710088795, rel. Des. EDSON ALFREDO SMANIOTTO, j. 13.3.00).

Insiste o insurgente, entretanto, em questionar o negócio

jurídico que deu origem à emissão dos cheques, assim como a relação travada

entre a endossatária e a empresa de factoring apelada. Todavia, não se pode

esquecer, como dito alhures, que a simples posse do cheque é o fato jurídico

criador do direito creditício pleiteado, com o título, materialmente considerado,

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fazendo prova da existência da dívida e com a certidão da sua devolução pelo

sacado assegurando o não pagamento do respectivo valor.

Argumente-se, outrossim, que, sendo tratado pelo Direito

Processual pátrio como título jurídico extrajudicial, milita em favor do cheque,

ex vi do art. 586 do CPC, presunção de certeza. Isto significa que o título, se

perfeito em seus requisitos extrínsecos, consigna a existência da dívida, deso-

nerando o portador de provar este fato.

Nesta esteira, colhe-se da jurisprudência desta Corte:

“Diante da literalidade e autonomia do cheque, o por-tador nada tem que provar a respeito de sua origem; uma vez suscitada discussão sobre o negócio subjacente, ao devedor incumbe o encargo de provar que o título não tem causa ou que sua causa é ilegítima, porquan-to, ausente prova robusta, cabal e convincente, ainda que possa rema-nescer dúvida, prevalece a presunção legal da legitimidade do título” (Ap. Cív n. 1996.011001-1, de Joinville, rel. Des. NILTON MACEDO MACHADO).

Uma das características do cheque, título aqui tratado, é a

sua autonomia, pelo que, uma vez emitido e colocado em circulação, há uma

completa e total desvinculação entre ele e a causa negocial subjacente que por

acaso lhe tenha ensejado a emissão.

É o que se denomina de princípio da abstração!

Acerca deste princípio e seus efeitos na relação entre emi-

tente e portador, comenta FRAN MARTINS:

“Uma vez o título emitido, liberta-se de sua causa, e, assim, a mesma (que tem sido chamada de ‘relação fundamental’ ou ‘ne-gócio fundamental’) não poderá ser alegada futuramente para invalidar as obrigações decorrentes do título, pois esse, uma vez emitido, passa a conter direitos ‘abstratos’, não cabendo, de tal modo, a exigência de con-traprestação para poder ser satisfeita a obrigação” (Títulos de crédito, 12a

ed., vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1997).

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Na mesma esteira, disserta HUMBERTO THEODORO JÚ-

NIOR:

“É claro que entre o tomador e o emitente do cheque pode-se travar discussão a respeito da causa debendi. Mas o credor nada tem que provar, posto que, pela literalidade e autonomia de seu título de crédito, há em seu favor a presunção legal de liquidez, certeza e exigibili-dade da dívida.

Ao devedor, por isso mesmo, é que compete o ônus de provar que o título não tem causa ou que dita causa é ilegítima. E sua prova, em tal sentido, há de ser robusta, cabal e convincente, porquanto, ainda na dúvida, o que prevalece é a presunção legal de legitimidade do título cambiário” (Títulos de crédito e outros títulos executivos, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 138).

Com precisão cirúrgica, assim delineia a matéria FÁBIO

ULHOA COELHO:

“Pelo subprincípio da abstração, o título de crédito, quando posto em circulação, se desvincula da relação fundamental que lhe deu origem. Note-se que a abstração tem por pressuposto a circula-ção do título de crédito.

(...)

A abstração, então, somente se verifica se o título cir-cula. Em outros termos, só quando é transferido para terceiros de boa-fé, opera-se o desligamento entre o documento cambial e a relação em que teve origem. A conseqüência disso é a impossibilidade de o devedor exo-nerar-se de suas obrigações cambiárias, perante terceiros de boa-fé, em razão de irregularidades, nulidades ou vícios de qualquer ordem que con-taminem a relação fundamental. E ele não se exonera exatamente porque o título perdeu seus vínculos com tal relação” (Curso de direito comercial, v..1, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p.371).

In casu, os cheques alvo desta ação proposta pelo apelan-

te foram reconhecidamente por ele emitidos e entregues à Alf Auto Peças Ltda.

ME.

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Posteriormente, com o ajuste do contrato de fomento mer-

cantil, as cambiais foram vendidas para a apelada, que passou a ser a detento-

ra legítima desses créditos.

Os argumentos tecidos pelo recorrente, referentemente às

transações entre ele e a endossante, são totalmente irrelevantes para o julga-

mento da presente lide, em face da natureza peculiar dos títulos de crédito em

questão, mormente diante do princípio da abstração a que nos reportamos li-

nhas atrás.

Do mesmo modo, a relação existente entre a endossante e

a faturizadora não pode ser debatida pelo recorrente, que não teve nenhuma

participação no negócio e, em relação à ela, é terceiro estranho.

Dessa forma, o fato de a empresa fomentadora apelada

ser desconhecida do insurgente, bem como de jamais ter efetuado com esta

qualquer transação comercial, não retira dos cheques as características que

lhes são próprias e nem retira da apelada a possibilidade de efetuar a cobran-

ça, vez que, conforme exsurge cristalino dos autos, houve a circulação das cár-

tulas.

Observa PAULO RESTIFFE NETO:

“O cheque nominal caracteriza-se pelo fato de só po-der ser pago à pessoa nele indicada, mas suscetível de transmissão a terceiros, da seguinte forma: a) com ou sem cláusula ‘à ordem’ é trans-missível por endosso (alínea 1 ) do art. 14” ( Lei do cheque, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 56).

De outro lado, as assinaturas apostas no verso dos che-

ques pelo representante legal da Alf Auto Peças Ltda. traduz efetivamente a

figura do endosso, como aduz SÉRGIO CARLOS COVELLO a respeito:

“Trata-se de escrito que se põe no verso (in dorsum) da letra de câmbio e de outros títulos de crédito, quer para transferir o

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domínio da cártula, quer para entregá-la em cobrança, quer ainda para constituí-la em penhor.

(...)

O endosso pode ser em preto ou em branco, confor-me indique ou não a pessoa favorecida (art.19). Mas deve sempre ser da-do no cheque ou na folha de alongamento e assinado pelo endossante, ou seu mandatário com poderes especiais (específicos para fins de as-sunção de obrigação cambiária)” (ob. cit. p.47/48).

Portanto, o argumento de inexistência de relação jurídica

com a apelada não retira desta a legitimidade para a cobrança dos cheques

questionados nos autos, vez que, segundo consta dos próprios títulos, foram

estes emitidos nominalmente em favor da empresa que celebrou o contrato de

factoring, que os transmitiu à recorrida.

A cláusula 7ª do contrato expõe com clareza a titularidade

da empresa de factoring para imprimir todos os meios de cobrança dos títulos

que adquiriu, ao dispor:

“A negociação dos títulos de crédito constantes do Termo Aditivo operar-se-á com a venda à vista pelo CONTRATANTE de seus direitos, adquiridos pela CONTRATADA, mediante um preço certo e ajustado entre as partes, pagável à vista. Pelo endosso em preto aposto nos títulos negociados, a CONTRATANTE transfere a titularidade dos seus direitos à CONTRATADA, que passa a ser a sua única e legítima proprietária” (fl. 60).

Como já afirmado, não cabe aqui, nestes autos, a discus-

são acerca do contrato celebrado entre a apelada e a empresa que vendeu os

títulos, pois essa relação restringe-se às partes contratantes.

Os cheques foram alienados e endossados e, em razão

deste fato, o poder de cobrança desses títulos de crédito foi integralmente

transferido à apelada, única e exclusiva credora deles.

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Dessa forma, à demandante incumbia o ônus de compro-

var a vinculação a que se reporta, ônus que não restou atendido, mantendo-se

íntegra portanto, a presunção de legitimidade do título objeto da demanda de-

claratória.

Esta é a orientação perfilhada pelo colendo Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul, em cujos anais jurisprudenciais inscreve-se:

“AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TÍTULO. CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. CHEQUE

O cheque tem a seu favor presunção de liquidez e certeza, não podendo ser desconstituído por meros indícios. As alega-ções de juros onzenários inseridos no cheque e coação quando de sua emissão, hão de ser robustamente provadas, para que se reconheça a nulidade do título. Negaram provimento. Unânime” (Ap. Cív. n. 197066699, 1ª CCív., rel. Des. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS, j. 17/2/1998).

“APELAÇÃO CÍVEL. SUSTAÇÃO DE PROTESTO E DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE. CHEQUES. CIRCULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DA DISCUSSÃO DO NEGÓCIO SUBJACENTE.

Vertida a irresignação sobre alegada prática de agio-tagem e que a dívida se consubstancia na cobrança de juros onzenários, competia aos apelantes a demonstração inequívoca de suas alegações. Inocorrente prova cabal das alegações e de ser inacolhida a irresignação por não atendimento ao artigo 333, I, do CPC. Apelação improvida” (Ap. Cív. n. 70002293454, 19ª CCív., rel. Des. GUINTHER SPODE, j. 27/11/2001).

“AÇÃO DE COBRANÇA. CHEQUE PRESCRITO. DEFESA DO RÉU BASEADA NO PAGAMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE, E COBRANCA DE JUROS ONZENÁRIOS PELA CREDORA. PROVA.

Ao réu incumbia fazer prova cabal, séria , idônea e consistente dos pagamentos que alega ter efetuado, bem como a cobran-ça, por parte da autora, de juros onzenários. Sem tal prova persiste na ín-tegra a obrigação, embora prescrito, como tal, o cheque sobre o qual ar-rima, a autora, a demanda. Ação julgada procedente em instância inicial.

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Sentença que se confirma, com desprovimento do apelo do réu” (AC n. 70000105536, 6ª CCív., rel. Des. OSVALDO STEFANELLO, j. 30/8/2000).

“EMBARGOS A EXECUCAO. CHEQUE. ALEGACAO DE COBRANCA DE JUROS ONZENARIOS. CHEQUE EMITIDO PARA PAGAR DEBITO DE EMPRESA. PROVA.

O cheque, desde que corretamente formalizado, obri-ga seu emitente, nos termos do art. 15, da lei n. 7.357/85. Mesmo passa-do para data futura e/ou como garantia, o cheque será considerado para pagamento a vista, nos termos do art. 32, da lei n. 7.357/85. Eventual ví-cio do título, capaz de lhe retirar a certeza, liquidez e exigibilidade, deve ser demonstrado pela parte que alega, no caso, pelo emitente-devedor, nos termos do art. 333, inc. I, do CPC. Provido o recurso do embargado. Prejudicado o recurso da embargante” (Ap. Cív. n. 70000339267, 16ª CCív., rel. Des. CLAUDIR FIDELIS FACCENDA, j. 22/12/1999).

“AÇÃO DE EXECUÇÃO. CHEQUE. EMPRÉSTIMO DE DINHEIRO E COBRANÇA DE JUROS ONZENÁRIOS. PROVA INEXISTENTE. PREVALÊNCIA DA CAMBIARIDADE DO TÍTULO.

A alegação de nulidade do cheque porque decorrente de empréstimo pessoal de dinheiro com embutimento de juros onzenários deve ser acompanhada de farta e induvidosa prova, a cargo da embar-gante, sob pena de prevalência das características cambiárias do título. Recurso desprovido” (Ap. Cív. n. 70000126474, 5ª CCív., rel. Des. RICARDO RAUPP RUSCHEL, j. 15/12/1999).

“AÇÃO DE COBRANÇA. CHEQUE PRESCRITO. AGIOTAGEM. PROVA.

O ônus da prova compete a quem alega. Alegando os demandados que o cheque foi assinado em branco e preenchido de forma abusiva pela autora, com embutimento de juros onzenários, e a eles que compete provar a prática usuária. Conflitando a versão dada aos fatos, na contestação, com o depoimento pessoal da demandada, e ausente qual-quer prova a amparar qualquer das duas versões, há de se ter como cor-reto o valor consignado no título que embasa o feito. Apelo provido para julgar procedente a ação” (Ap. Cív. n. 70000210419, 5ª CCív., rel. Des. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA, j. 30/3/2000).

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“DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO

PRECEDIDA DE MEDIDA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. CHEQUE.

Ao terceiro de boa-fé, que recebeu o título por endos-so, não são oponíveis as exceções pessoais que o emitente poderia de-duzir contra o portador originário. Ausência de comprovação da desconsti-tuição da relação jurídica que deu origem a emissão do título” (Ap. Cív. n. 197033103, 1ª CCív., rel. Des. MARIA ISABEL BROGGINI, j. 26/8/1997).

“DECLARATÓRIA NEGATIVA DE DÉBITO E INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO CAMBIAL (CHEQUE). SUSTAÇÃO DE PROTESTO. COBRANÇA E VENDA DE MOTOR USADO. VÍCIO DO PRODUTO. PROVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

O vício do produto, que resultaria na rescisão do ne-gocio jurídico e no cancelamento do cheque dado em pagamento, deve ser demonstrado, inequivocamente, pelo consumidor (art. 333, inc. I, do CPC). O cheque, mesmo que passado para data futura e/ou como garan-tia, será considerado para pagamento à vista, nos termos do art. 32, da lei n 7357/85. Eventual vício do título, capaz de lhe retirar a certeza, liquidez e exigibilidade, deve ser demonstrado pela parte que alega, no caso, pelo emitente-devedor, nos termos do art. 333, inc. I, do CPC. Na fixação dos honorários, mesmo nos casos onde não ha condenação (art. 20, par-4, do CPC). Recurso parcialmente provido” (Ap. Cív. nº 70000325969, 16ª CCív., rel. Des. CLAUDIR FIDELIS FACCENDA, j. 29/3/2000).

No mesmo sentido já decidimos:

“CHEQUES - Emissão como renegociação de débitos não pagos - Anulação pretendida, em razão da imposição de juros abusi-vos - Ausência de provas - Aforamento, ademais, contra terceiro - Má-fé deste nem ao menos alegada - Improcedência - Decisum escorreito - Subsistência - Apelo desprocedente.

Cheque é ordem de pagamento a vista, ainda quando emitido a título de renegociação de débitos vencidos e não pagos. Destar-te, para desconstituir-lhe a eficácia jurídica, imprescinde a lei de compro-vação cabal, séria e idônea dos fatos invocados como autorizadores da perda da força cambiária do título. Meras e incomprovadas alegações não abalam a obrigação revelada no cheque, fazendo com que a sua exigibili-dade permaneça íntegra” (Ap. Cív. n. 1999.020698-0, de Rio do Sul).

Ainda deste Sodalício:

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“Ação cautelar de sustação de protesto. Ação decla-

ratória de inexistência de débito. Cheque. Título não causal. Autonomia. Inadmissibilidade de discussão da causa debendi. Quitação regular não demonstrada. Ordem de pagamento à vista. Lei n. 7.357/1985, art. 32 e parágrafo único. Recurso desprovido” (Ap. Cív. n. 2001.025107-8, de Sombrio, rel.: Des. NELSON SCHAEFER MARTINS).

Em relação ao ônus probante, impõe o art. 333 do Código

de Processo Civil, incumbir ele:

“I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direi-to;”

Sustenta, a respeito, JOSÉ FREDERICO MARQUES:

“As normas produtoras de efeitos jurídicos constitu-em, em última análise, verdadeiras configurações abstratas de fatos e a-contecimentos, a cuja existência se prendem as conseqüências de ordem jurídica que os preceitos legais prevêem e disciplinam. Necessário é, por isso, que a pessoa que pretenda obter esses efeitos jurídicos previstos nas normas e regras da lei, prove e demonstre a existência dos fatos de onde tais efeitos se originam.

Corolário desse fenômeno é a regra de que 'cada par-te suporta o ônus da prova sobre a existência de todos os pressupostos (inclusive negativos) das normas sem cuja aplicação não pode ter êxito sua pretensão processual'.

Como os fatos indicados pelo autor são os elementos constitutivos do pedido que deduziu em juízo, cabe-lhe o ônus de provar esses fatos para que sua pretensão seja acolhida e julgada procedente” (Manual de Direito Processual Civil, vol. II, São Paulo: Saraiva, 1977, pp. 188 e 189).

Da mesma forma, diz MOACIR AMARAL SANTOS:

“O autor, na inicial, alega o fato, ou fatos, em que se fundamenta o pedido, e o réu, por sua vez, na contestação, o fato, ou fa-tos, em que se fundamenta a defesa (Cód. Proc. Civil, arts. nº III, e 300). Tais fatos, se juridicamente relevantes, serão levados em conta pelo juiz ao proferir sentença, uma vez convencido quanto à verdade dos mesmos. Mas como a simples alegação não é suficiente para formar a convicção

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do juiz (allegatio et non probatio quasi non allegatio), surge a imprescindi-bilidade da prova da existência do fato (...).

Ônus - do latim onus - quer dizer carga, fardo, peso. Onus probandi traduz-se apropriadamente por dever de provar, no sentido de necessidade de provar. Trata-se apenas de dever no sentido de inte-resse, necessidade de fornecer prova destinada à formação da convicção do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes.

(...)

A conseqüência é que, não provado pelo autor o fato constitutivo, o réu será absolvido: - actore non probante, reus est absol-vendus” (Primeiras linhas de direito processual civil, vol. 2, 17ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, pp. 343-347).

Enfatiza, por igual, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:

“No processo civil, onde quase sempre predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interes-se da parte, assume especial relevância a questão pertinente ao ônus da prova.

Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz.

Não há um dever de provar, nem à parte contrária as-siste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados e do qual depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional.

(...)

Por outro lado, de quem quer que seja o onus pro-bandi, a prova, para ser eficaz, há de apresentar-se como completa e convincente a respeito do fato de que deriva o direito discutido no proces-so. Falta de prova e prova incompleta eqüivalem-se, na sistemática pro-cessual do ônus da prova” (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 27ª ed., Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, pp. 423-424).

Colhe-se da jurisprudência deste Tribunal:

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“Processual. Ônus da prova. Cheques sem provisão

de fundos. Responsabilização civil de instituição financeira. Ausência de prova dos fatos constitutivos do direito do autor. Improcedência do pedido.

O ditame plasmado no art. 333, inc. I, do Código de Processo Civil, indica que compete ao autor fazer a prova dos fatos cons-titutivos de seu direito. Consoante a doutrina processual, fato constitutivo é aquele que é apto a dar nascimento à relação jurídica que o autor afir-ma existir ou ao direito que dá sustentação à pretensão deduzida pelo au-tor em juízo. A conseqüência do não-desincumbimento do ônus da prova pelo autor é o julgamento de improcedência do pedido (actore non pro-bante absolvitur reus)” (Ap. Cív. n. 98.014925-8, de Porto União, rel. Des. PEDRO MANOEL ABREU).

“O ônus da prova acerca do fato constitutivo do direito incumbe ao autor (art. 333 do CPC). Se é insuficiente a demonstração da situação autorizadora do acolhimento do pleito deduzido na inicial, (...), não há como prosperar a pretensão do demandante” (Ap. Cív. n. 2001.022036-9, de Palmitos, rel. Juíza SÔNIA MARIA SCHMITZ).

Não comprovando o recorrente, pois, o fato constitutivo do

direito que alega possuir, dúvidas inexistem acerca da liquidez, certeza e exigi-

bilidade do crédito representado pelos cheques sob ótica, sendo a negativa de

provimento ao apelo, medida que se impõe.

III - DECISÃO:

Nos termos do voto do relator, nega-se provimento ao ape-

lo.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os

Exmos. Srs. Des. Nelson Schaefer Martins e Edson Ubaldo.

Florianópolis, 8 de fevereiro de 2007.

Trindade dos Santos PRESIDENTE E

RELATOR