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/ I

I I I

:! como atravessei I r C_; s en

~ de carocha em 1955

MAIO 1999 N.0 98 2.a SERlE

Editorial 8 Do fundo do cora~ao 12 Opiniao de J. M. Barata-Feyo 16 Cr6nica de Paula Moura Pinheiro 18 As coisas que se dizem 20 Pe de pagina 24 Fotossintese 27 Entrevista 30

Beppe Grillo e urn dos c6micos mais polemicos da actualidade. A brincar, a brincar, este genoves corrosivo lanc;;a farpas contra os poderosos, denunciando as relac;;oes perigosas entre os politicos e as grandes multinacionais, e poe a Italia a rir com os males do mundo.

Reportagem

Balcas, terra sangrenta 38 MARTIM AVILLEZ FIGUEIREDO A guerra comec;;ou em meados de Marc;;o, mas o estado de sftio nos Balcas e quase permanente ha mais de mil anos . Conhec;;a a hist6ria de 6dios ancestrais, provocados por nacionalismos ferozes e religi6es incompativeis, que se reflecte agora no Kosovo.

lmigra~ao: bem-vindos ao paraiso 48 FERNANDA PRATAS Os moldovos estao a frente na lista dos imigrantes ilegais expulsos de Portugal. Alguns sao medicos ou professores, mas aqui nao encontraram melhor do que urn trabalho duro e mal pago na construc;;ao civil. 0 govemo portugues fecha os olhos a explorac;;ao e castiga as vitimas: rua.

Caes danados RITA JARDIM

60

Ao contr:irio de Portugal, varios paises adoptaram leis mais ou menos drasticas sobre o registo e comercio de caes ditos perigosos. No entanto, o que por ca nao falta sao donos e criadores de animais de rac;;as proscritas nessas paragens. E see verdade que alguns dos caes nao correspondem a fama de assassinos, outros ha que sao treinados para nao gostar de pessoas ou para combater exemplares da mesma rac;;a.

0 triunfo do Ratinho MARIO NEGREIROS

68

0 Programa do Ratinho, personagem de conduta duvidosa que todos os dias leva vinte milh6es de

4 GRANDE REPORTAGEM MAIO 1999

I

Comissoes obscuras que decidem a vida de milhoes de europeus, multinacionais que manipulam as reservas de agua, empresas farmaceuticas que ganham fortunas com o crescimento do cancro e da sida. Sera possfvel denunciar tudo isto em mon61ogos de tres horas e ao mesmo tempo por uma plateia de dez mil pessoas . a rir as gargalhadas? Beppe Grillo, talvez o mais polemico c6mico do mundo, nao faz outra coisa. Nos seus espectaculos, que esgotam por toda a ltalia, este genoves debita piadas corrosivas sobre as relagoes promfscuas entre poder politico e grupos econ6micos, e sobre a sociedade de consumo desen­freado em que vivemos - sempre com nomes e situac;oes decalcadas da realidade. Gragas ao veneno que destila, Beppe Grillo 8 persona non grata nos canais publicos da 1V italiana e acumula processos movidos pelos poderosos que sacrifica em publico. Um homem que, a brincar, a brincar, vai falando muito a serio dos males do mundo.

Entrevista de Gongalo Cadilhe

entrevista

Atras de si andam milhares de pes­seas avidas de ouvir o que tern para dizer. Noite ap6s noite, esgota as lota­~oes de pavilhoes desportivos. Afinal, o que e que acontece nos seus espec- ·

taculos? Como sabe, vivemos na epoca do

delfrio da informa9ao. Quando uma pes­soa recebe milhares de informa96es e como nao ter nenhuma. Eu sou urn des­codificador deste delfrio. Nos meus espectaculos as pessoas ouvem urn tipo de informa9ao que desconhecem, total­mente diferente, mais simples, mais directa.

Entao nao se considera urn c6mico? Sim, sim, eu sou urn c6mico, as

pessoas riem-se, eu divirto-me. S6 que em vez de utilizar os temas habi­tuais de urn espectaculo c6mico, eu falo do cancro ou da Uniao Europeia. Por exemplo, para explicar uma expressao de significados obscuros como "ajustamento estrutural" sirvo­-me da imagem de urn suposit6rio enorme e de urn rabo muito, muito pequenino [risos]. Explico os meca­nismos de bolsa, quem sao os poderes invisiveis que governam o mundo, quais os interesses ocultos das multi­nacionais, enfim, trato destes assuntos em termos que o homem da rua possa compreender. Mas para isso apoio-me numa base s61ida, bern documentada.

Quais sao as suas fontes? Livros, em primeiro Iugar. De­

pais, directamente junto de quem des­cobre certas coisas, no mundo da quimi­ca, da fisica, alguns investigadores e cientistas que enviam informa96es para o meu site na Internet [www.acu.it.ndr]. As associa96es de defesa do consurnidor tambem estao sempre muito atentas a estas coisas. As publica96es dos "Irmaos Combonianos", que sao edi96es missio­narias, dizem coisas extraordinarias, por exemplo, sobre a economia do Terceiro Mundo. Finalmente, tenho uma equipa que colabora comigo. E conto muito com a minha propria curiosidade.

Como e que chegou ate aqui? Born, comecei em pequenos teatros,

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cabarets, a tocar guitarra e a cantar Brei, Brassens, isto na altura do Maio de 68. Depois de sete ou oito anos de rodagem nesses circulos cheguei a TV. Ganhei facilmente notoriedade porque conseguia improvisar bern. Naquela altura, os c6micos eram sempre muito perfeccio­nistas e rigidos; eu, pelo contrario, dizia de repente "esta ali urn cameraman com uma expressao estranhissima", ou entao punha-me a explicar aos telespectadores o ambiente que se vivia no estudio naquele preciso momenta. Tive urn sucesso imediato.

Depois as suas rela~oes com a TV, ou melhor, com o poder que a controla,

"Eiiminamos as diferenc;as, fingindo

que elas nao exist em. E este o grande bluff

da Europa: obrigar-nos a agir

culturalmente de uma s6 maneira quando,

afinal de contas, a democracia se

exprime precisamente na diversidade"

come~aram a piorar. As televisoes publicas italianas nao gostam muito de si. Alias, uma das suas frases mais famosas e sobre a frequencia com que aparece na RAI: "Sou como a Nossa Senhora: de tantos em tantos anos fa~o umas apari~oes."

Sim. Urn dos motivos que levou a essa rela9ao diffcil foi urn mon6logo sobre os politicos que andavam a roubar, enfim nem era muito original como argumento, mas eu Ia expliquei, sempre em registo c6mico e de uma forma sim­ples, como e que o governo roubava. Acusei o Betino Craxi [na altura primei­ro-ministro da Italia, hoje exilado na

GRANDE REPORTACEM MAlO 1999

Tunisia] de ser urn ladrao, e isso deu-me uma ressoniincia nacional extraordinaria. Claro, fui afastado da RAJ, mas conquis­tei uma popularidade inesperada.

lsso foi em meados dos anos oitenta, antes da Opera~ao Maos Limpas, nao foi?

Sim. Durante uns tempos andei entretido a fazer estas satiras sobre a polftica, ou melhor, sobre os politicos. Ate que urn dia descobri que a verdadei­ra polftica se encontrava nos supermer­cados ...

Nos supermercados? Born, a dada altura comecei a interrro­

gar-me sobre os desperdicios da socie­dade de consumo. Por exemplo, a agua mineral que eu bebia aqui no Norte de Italia chegava duma fonte no Sul do pafs, e a agua mineral das nossas fon­tes era bebida Ia em baixo - os ca­mioes andavam para a frente e para tras, a transportar estas mercadorias ao Iongo de rnilhares de quil6metros, e eu perguntava-me: "Porque e que cada urn nao bebe a agua que tern a porta de casa?" Quem diz a agua, diz OS iogur­tes de morango, por exemplo: os morangos vinham da Dinamarca, a embalagem da Suecia, o plastico do golfo Persico, o Ieite sei la donde . . . E fazia uns comentarios maliciosos sobre esta situa9ao absurda.

Citava os nomes dos produtos? E 6bvio. Alias, foi assim que des-

cobri uma coisa desconcertante: que qualquer pessoa podia ir a TV ofender o presidente da Republica e nao !he aconte­cia nada; mas se, pelo contrcirio, dizia, sei la, que os esparguetes da Barilla [lider italiano no mercado de massas alimenta­res] eram uma porcaria, valha-nos Deus, era logo afastado de todos os meios de comunica9ao. E compreendi entao o peri­go que se escondia atras das .. coisas mais simples que temos debaixo do nariz. Sei Ia, atras duma in6cua lata de atum esta­vam conselhos de administra9ao assusta­dores, politicas sanguincirias, etc.

0 publico italiano estava sensibilizado para estes assuntos?

Ninguem estava. Nem eu proprio. Comecei a contactar os alemaes , que nestas coisas sobre o ambiente em geral estavam muito mais evolufdos do que nos, e liguei-me a urn professor de qui­mica que me mandava, da universidade onde ensinava, estas informa96es. Mais tarde, comecei a interessar-me sobre a economia. E depois sobre as tecnolo­gias.

Abandonou entao a satira polftica?

Sim, ou melhor, preocupei-me com a verdadeira polftica: porque nos damos o nosso voto sempre que vamos as com­pras . A serio, votamos. Quando e que o cidadao tern voz propria? E quando abre a carteira e consome [risos] . Torna-se urn ser superior.

E nunca mais quis nada com a TV?

Em 93 , houve uma mudan9a de gestores na RAI. Estavam hi dois ges­tores - urn deles e hoje 0 presidente dos caminhos-de-ferro - e chama­ram-me para duas transmissoes em directo. Aceitei o convite e tive uma audiencia de dezoito milhoes de pes­soas, urn numero historico na televi­sao italiana.

0 Canal Plus, que e uma emissora francesa independente, anda a til­

mar os seus espectaculos nos pa­

vilhoes e depois transmite-os.

Sabe, as vezes vejo urn programa na televisao italiana e penso: "Ca­ramba, eu nao estou ali. Ainda bern! " Os meus amigos dizem-me que nao me querem ver na televisao [risos]. A televisao poe em evidencia o pior de uma pessoa.

E entao anda pela ltalia com um ecra

gigante a encher pavilhoes. Num dos

seus espectaculos, mostra nesse ecra

o texto dos artigos 145 e 157 do Trata­

do de Maastricht, e define a Comuni­

dade Europeia como "a maior opera­

gao de colonizagao da Hist6ria". Quer

explicar?

Li ha dias que, para a Europa, a cenoura passou agora a ser uma fruta. Estupendo, nao e?! [risos] Parece que voces em Portugal metem cenoura na

marmelada, e como uma marmelada deve ser feita com fruta, para permitir que Portugal venda marmelada entao de­liberaram ... que a cenoura e urn a fruta. Da mesma forma que deliberaram que uma banana ja nao e banana se tiver mais do que 22 centfmetros, as alcacho­fras nao podem ser alcachofras se ultra­passarem 30 centfmetros, os morangos devem ter urn diametro de tres centfme­tros ... Extraordinario, nao e? Is to sao exemplos para explicar que eliminamos as diferen9as, fingindo que elas nao exis­tem. E este o grande bluff da Europa: obrigar-nos a agir cul turalmente duma so maneira, quando afinal a democracia exprime-se precisamente na diversidade.

Parece uma 16gica um bocado hitle­

riana ...

E pior, e mais subtil. A Europa e 0

MacDonalds do pensamento. 0 Mercado Unico tornou-se o Pensamehto Unico. Delegamos tudo. Nao a urn parlamento, aten9ao. No Parlamento, Portugal nao existe, assim como nao existe a Italia. 0 Parlamento nao tern nenhum peso. Exis­tem comissoes cujos responsaveis sao tambem consultores das grandes multi­nacionais. Repare que em cada reuniao de Normalizayao Ali men tar esta presente urn representante do governo de cada pafs e dois consultores tecnicos das mul­tinacionais da aJimentayaO, isto e, por

GRANDE REPOHTAGEM MAlO 1999

beppe grillo

cada representante nacional, dois peritos de multinacionais. E assim que se decide o que e que se escreve no rotulo de urn determinado alimento, e nos delegamos a este sistema a alimentayao das proxi­mas gera96es. Delegamos o destino monetario a urn banco alemao, presidido por urn holandes meio louco, que e este Duisenberg. Delegamos a vida de 350 milhoes de europeus a vinte indivfduos. Se is to nao e urn a obra de colonizayaO ...

Parece que ve a Uniao Europeia como

uma especie de auto-estrada para

fazer chegar as multinacionais as nos­

sas casas.

A polftica e esta: fazer chantagem sobre os .pafses de maneira a tornar possfvel pri vatizar qualquer coisa. Assim, uma multinacional passa a ser a dona de coisas basilares em nossa casa: a agua, os alimentos, a energia. Olhe, a empresa de distribuiyao de agua da minha cidade, Genova, foi comprada por uma sociedade anoni­ma. Foi pri vatizada. Se is to cai nas maos de uma grande empresa qufmi­ca, sera ela que decide quanto veneno pode tolerar a agua, de acordo com os seus interesses, nao sera uma organi­zayao sanitaria. ·

Nao acha que os meios de informa­

gao independentes podem salva­

guardar os direitos do consumidor?

Sim, urn meio de informa9ao que nao invente e que possa por urn gover­no em crise no espa9o de 24 horas, urn meio de comunicayao cjue tenha serie-

dade, e que nao precise de se preocupar com as vendas , e que possa realmente mudar a mentalidade das pessoas. Urn meio de comunica9ao nestas condi96es e a unica garantia de soberania de urn povo. Mas nao sei se ele existe. Voce vern de urn pafs em que ainda esta tudo em alvo­royo, so que esse entusiasmo vai assentar; mas aqui a democracia ja desapareceu. Ja ninguem vai votar ... [risos] A serio, vo­tam menos de trinta por cento dos eleito­res, sao eleiy6es de minorias em que cin­quenta mil cidadaos elegem uma pessoa. Ora, isto quer dizer que a vontade popular e urn conceito que ja nao existe, embora continuem a fazer de conta que sim. ..,..

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entre vista

.,.. Neste cenario que trac;:ou as insti­

tuic;:oes politicas sao meros instru­

mentos de interesses econ6micos

obscures. Acha entao que a nossa

liberdade individual esta ameac;:ada?

Segundo o c6digo penal italiano, uma pessoa e imputavel se for mental­mente sa. E a "saude mental" e determi­nada pela capacidade de "compreender" e de "querer". Born, "compreender" sig­nifica interpretar, discemir; "querer" sig­nifica escolher. Quando as pessoas caem em poder de uma informa<;:ao em que aparece urn tipo que diz uma coisa, depois aparece outro que diz precisa­mente o contrario, acabam por nao acreditar em nada. Entao perdem a capacidade de compreender e de esco­lher.

Perdemos lucidez, e isso?

Repare , nao conseguimos com­preender 0 que e 0 bern e 0 que e 0

mal , 0 que e justo ou errado, 0 que e urn custo ou urn ganho, urn rico ou urn pobre. Quanto a escolher, escolhe­mos entre coisas identicas: urn ou outro canal, mas e sempre a mesma televisao; escolhemos entre a Fiat ou a BMW ou a Volkswagen (que alias sao feitas pela mesma fabrica, eles s6 mudam a marca e montam pe<;:as fei­tas pelos coreanos e pelos tailande­ses); escolhemos entre gasolinas que se chamam Esso ou Mobil, mas e a mesma gasolina; entre companhias de seguros que vendem o mesmo seguro; entre bancos que pertencem ao mesmo banco. Esta a compreender? A diferen<;:a de ; re<;:o entre urn pneu pro­duzido no Japao e urn outro em Fran<;:a ou em Italia e do equivalente a dez escu­dos. Ou seja, nao existe diferen<;:a. Esta­mos convencidos de que decidimos, de que escolhemos, mas e tudo a mesma coisa, ha anos que nao escolhemos nada. E isto e perigoso.

Mas sempre podemos contar com os

mecanismos da livre concorrencia

para nos protegerem.

Nao acredite nisso. As leis do capita­lismo ja nao existem. Hoje, aquilo que regula automaticamente, espontanea­mente, o mercado, e urn aperto de mao

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debaixo da mesa. E tudo conluio, trust, dumping. E a mais extraordinaria econo­mia planificada, completamente planifi­cada ... nem os bolcheviques eram assim [risos]. Quem constr6i autom6veis tam­bern controla a oferta turfstica. Enfim, primeiro poluem o ar que n6s respiramos e depois mandam-nos passar ferias . No esdindalo do acido cftrico estavam todos de acordo.

Que escandalo e esse?

0 acido cftrico e produzido por sete ou oito empresas, e entra na composi<;:ao de milhares de alimentos, ate na Coca

"As marcas escondem a verdade,

servindo-se das palavras.

As empresas qufmicas, por exemplo, deviam ser proibidas de usar

a palavra 'natural'. E se conclufrem que a palavra 'artificial' nao vende, entao,

caramba, comecem a produzir produtos

naturais!"

Cola. As empresas puseram-se todas de acordo para aumentar os pre<;:os. No a<;:o, a mesma coisa, o mesmo escandalo. Na Europa, todos acordaram em vende-lo pelo mesmo pre<;:o. E a primeira vez na hist6ria do Homem que urn quilo de pao custa mais de quinhentos escudos e urn litro de petr6leo menos de vinte escudos. Como e que isto e possfvel? 0 petr6leo precisou de milhoes de anos para ser pe­tr6leo, esta no fundo da terra, tern custos enormes de extrac<;:ao e custa menos de vinte escudos! Com as novas energias -hidrogenio, energia solar, e6lica, bio­massa - podia-se prescindir do petr6-

GRANDE REPORTAGEM IVIAIO 1999

leo, mas do pao ninguem pode prescin­dir. A agua mineral custa cern escudos uma garrafa. Mas aquilo e chuva! Chu­va! Alguma vez a Humanidade pagou a chuva? [risos] Esta gente faz com que urn litro de agua custe cinco vezes mais do que urn litro de petr6leo. Isto e uma "deseconomia". Uma economia verda­deira punha a gasolina a mil escudos por litro e o pao a dez escudos.

Para obrigar as pessoas a uma utiliza­

c;:ao mais racional dos autom6veis?

Nao e s6 isso. 0 que se passa e que o verdadeiro custo de urn litro de gasolina

e mil, nao duzentos. Todos OS danos que provoca, ao ambiente, ao patri­m6nio, a saude, deviam ser quantifi­cados no pre<;:o da gasolina. Assim, enquanto 0 pre<;:o da agua e do pao esta sempre a aumentar, produtos que fazem estragos terrfveis sao sempre mais baratos. Isto e que e verdadeira polftica.

Mas ha-de haver no futuro uma

forma de regulamentar esses me­

canismos, nao acha?

Nao acredito. Porque sao sempre os mesmos que estao por detras des­sas regulamenta<;:5es. E como a empresa farmaceutica que quer comercializar urn medicamento, e para obter a autoriza<;:ao legal precisa de apresenta-lo como urn produto nao t6xico. Entao experimenta-o num ani­mal onde sabe ja que nao acusa efei­tos t6xicos. Se uma pessoa leva uma dose de morfina, dorme durante uma semana. Se aplicada a urn gato, anda

aos pulos dez dias [risos]. Tudo depende dos objectivos. Se uma grande empresa tern de vender urn produto, arranja ma­neira de o vender, legalmente. E a cultu­ra da criminalidade.

A mafia nao faz parte das suas denun­

cias. Porque?

Qual mafia? Digo-lhe uma coisa, li o depoimento de Cesare Romiti [ex-admi­nistrador da Fiat] - o tribunal conde­nou-o a dois anos de cadeia, depois che­garam a urn acordo; e li o depoimento de Tot6 Riina, o mafioso. Born, as respostas sao identicas. A Serio. A pergunta "mas

porque e que cometeu este deli to?", Riina respondeu: "Daqueles homicfdios eu nem tive conhecimento, porque nao posso controlar todos os meus afilha­dos." [risos] Ja o Romiti disse: "Eu nao sabia que tinha ali uma institui~ao ban­caria, nao e suposto que eu deva saber tudo o que fazem as bases". Depois , Tot6 Riina queixava-se: "Voces, os da magistratura, perseguem-me sempre a mim. Porque e que nao interrogam OS

outros?", e Cesare Romiti dizia: "Voces insistem em perseguir-nos a n6s, mas ha quem fa~a muito pior." [risos] Uns prati­cam a omertii, o silencio de honra dos mafiosos , outros servem-se do "sigilo bancario". 0 que e urn delito? Urn rel6-gio roubado por esticao ou esconder centenas de milhoes de contos nas ilhas Cayman? Quale a linha divis6ria entre legalidade e ilegalidade? Hoje em dia, desmontam-se organiza~oes criminosas onde nao existe urn unico cadastrado. Sao todos profissionais liberais, notarios , economistas , ho­mens de neg6cios, sindicalistas, jufzes, enfim, "pessoas de bern". Devfamos repensar o significado das palavras.

Chegou a fazer urn espectaculo c6mico, baseando-se no uso inde­vido das palavras nos r6tulos dos produtos. Afirmava entao que esta­vam a "gozar connosco" atraves dessas palavras.

Sim. As marcas conseguem ocul-tar qualquer tipo de verdade, servin­do-se das palavras. Veja urn exemplo. Quando uma empresa qufmica, que se poe com elabora~oes biotecnol6gicas a partir dos alimentos, que os manipula geneticamente, como o milho transgeni­co e essas coisas, quando a empresa se apropria das palavras "natural", ou "bio", tudo 0 que e vida passa a ser tudo o que e feito num laborat6rio . E se uma pessoa nao tern uma palavra para definir urn conceito, perde o conceito.

Mas ha outros usos ilegftimos de pala­vras que o indignam ...

"Privatiza~ao"! Por exemplo, a "pri­vatiza~ao" da energia nao e passar a ter tres sociedades a explora-la em vez de urn monop61io. Mesmo se o mercado for

dividido em cinco empresas, eu sei per­feitamente que elas vao organizar-se, que o servi~o piora e que os pre~os aumen­tam. Privatizar a energia e dar-me a pos­sibilidade de colocar quatro paineis soia­res no meu quintal e ao meu vizinho a de meter uma helice que aproveita a for~a do vento. Depois, cada urn produz a sua energia e vende a que tern em excesso. Se o meu vizinho donne, e a sua helice continua a produzir de noite, e se eu pre­ciso de energia porque estou acordado, ele vende-ma. Este e que e o conceito de "privatizar". 0 privado sou eu. Porque e que eu sou obrigado a comprar energia que e produzida a milhares de quil6me­tros, em Fran~a, numa central nuclear?

Eu que votei num referenda contra as centrais nucleares, todas as manhas fa~o a barba com energia nuclear...

Devfamos entao ensinar as crianc;:as

que "o abuso das palavras pode cau­sar danos a saude"?

Exacto. Uma empresa qufmica devia estar proibida de usar a palavra "natu­ral ". Pode usar a palavra "artificial". E se chegar a conclusao que a palavra "artifi­cial" nao vende, entao, caramba, que produza produtos naturais.

Em relac;:ao aos imigrantes clandesti­nos que desembarcam neste momen-

CllANOE llEPORTACEM MA IO 1999

beppe grillo

to em ltalia, fez uma das suas piadas de antologia: "Os albaneses veem nos spots da TV italiana a comida que n6s damos aos gatos e pensam: caramba, se em ltalia os gatos comem assim,

quem sabe os cristaos." Ha uns dias, vi o Silvio Berlusconi na

televisao e ele estava extraordinario: "Ha que rever as leis. Eu nao sou racista, por amor de Deus, mas eles nao podem entrar." E eu pensava: mas afinal de con­tas quem sao os responsaveis pela situa­~ao destes povos devastados? A econo­mia albanesa foi arruinada pelas especu­la~oes das sociedades financeiras, e a maioria delas eram italianas. Depois, estes desgra~ados captam a nossa televi-

sao, veem 0 mundo de fantasia que e a promo~ao televisiva "a Ia Berlusconi" (foi ele que ensinou o resto do mundo a fazer televisao daquela maneira) e sonham. A prop6sito: sabe que urn spot televisi vo pos na miseria do is milhoes de russos? Parecia urn spot das televisoes do Berlusconi, tinha todos os ingredientes: uma mulher ardente e uma sociedade financeira que prometia 32 por cento de juros ao mes. Funcionou ate dada altura, depois abri­ram falencia e desapareceram . Dois milhoes de russos meteram ali as pou­cas poupan~as que tinham e perderam tudo. Porque nao estao habituados a estas coisas . E de facto o director da TV publica sovietica nao queria aceitar este spot. Sabe o que e que !he aconte­ceu? Uma bala na nuca. Born, a situa­~ao e esta: OS imigrantes clandestinos roubam-nos o rel6gio de pulso, rou-

bam-nos o colar, recuperam aquilo que lhes foi roubado legalmente pelos nossos bancos. Eles sao a microcriminalidade. E n6s somos a macrocriminalidade.

Ja que falamos de criminalidade, pec;:o-lhe que comente outra das suas frases celepres: "Sou a favor da apli­

cac;:ao da pena de morte as empresas que cometem crimes contra a Huma­

nidade." E uma coisa que me faz arrepiar. Se

urn desgra~ado e apanhado a roubar auto-radios, vai preso. Uma empresa po­de cometer o mesmo crime vinte vezes e nao sucede nada. Nao faz sentido. Se ..,._

35

entrevista

... o Estado, isto e, nos todos, autoriza­mos uma empresa a produzir, nao deve ser com responsabilidade limitada. A responsabilidade deve ser ilimitada. Nao e? Parece-me tao evidente.

Refere-se a crimes contra o ambien­

te? Tambem . Por exemplo, se uma

empresa vende urn herbicida e este her­bicida vai parar a agua que uma comuni­dade bebe, os custos de depura<;ao desta agua nao devem recair sobre a comuni­dade; devem recair sobre a empresa pri­vada que produz o herbicida e que ganha com isso. Em vez disso, avan­<;a-se com solu<;6es de compromisso: cada pafs encontrou a sua percenta­gem de tolerii.ncia para a pureza da agua. Que e a mesma coisa que dizer que ha uma tolerii.ncia em rela<;ao ao cancro, que e diferente de pafs para pafs. Quer dizer que ha cancros legais e cancros ilegais [risos] . A serio. Sei la, em Italia pode-se tolerar 0,01 por cento de atrazina [urn composto quf­mico utilizado como herbicidal na agua. No Japao, esse numero e 0,09 e na America 0,5. Enfim, e a mesma coisa que dizer a uma mulher: "A se­nhora esta mais ou menos gravida!" Caramba, ou esta gravida ou nao esta. Uma substii.ncia, see toxica, nao deve ser tolerada.

Nos seus espectaculos nao se

cansa de alertar para o modo como

a medicina abusa da nossa creduli­

dade: "A missao dum medico e pegar num indivfduo sao e conven­

ce-lo de que esta doente."

Por detras estao interesses colossais, colossais. Sabe que a maior parte dos transplantes que foram feitos nao tern sucesso. Eles nao o dizem, mas muitas das pessoas com transplantes morrem durante os cinco anos seguintes. Os pou­cos sobreviventes mantem-nos como os pandas em vias de extin<;ao [risos] . Por exemplo, sao aos milh6es as pessoas em todo o mundo que anualmente recebem valvulas no cora<;ao. Born, ha uma per­centagem consideravel desta gente que enlouquece. Sabe porque? Porque a vida e emocional. Quando nos emocionamos,

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o sangue corre mais ou corre menos . Com a valvula, corre sempre da mesma maneira. E uma pessoa fica maluca.

0 que e que pretende dizer ao afirmar

que "a sida e a maior invenc;:ao do

seculo"? Quero esclarecer bern uma coisa, nao

sou eu que o digo. Dizem-no pessoas extraordinarias. Dusberg, urn dos maio­res biologos moleculares do mundo, da Berkeley University de Nova York, e Mullis, o Premio Nobel da Qufmica em 1993, dizem que nao existem provas para afirmar que o vfrus HIV seja o res-

"Noventa por cento das causas do cancra devem-se a factores ambientais e s6 os restantes dez por cento a factores

geneticos. Quando nos decidirmos

a melhorar a nossa qualidade de vida, vai ver como diminuem

as mortes por cancra. Mas isso nao interessa

I , " a n1nguem ...

ponsavel pela Sfndroma de Imunodefi­ciencia Adquirida.

Voce diz que e muito significativa esta

sequencia de acontecimentos: em

1981, Robert Gallo descobre o vfrus

HIV; em 1982, nasce a epidemia.

Nao e estranho? Robert Gallo e urn investigador "italo-americano" julgado varias vezes por apresentar dados vicia­dos. Isto, para urn cientista, equivale, sei la, a urn assalto a mao armada.

Mas a doenc;:a existe. Aten<;ao, a sida nao e uma doen<;a, e

GRANDE REPORTACEM MAlO 1999

uma sfndroma. Cada novo ano acrescen­tam uma doen<;a ao elenco, e estamos ja em cinquenta doen<;as. Dizem que a sida esta a aumentar no Terceiro Mundo, mas urn exame de sida, por exemplo, em Africa, custa doze dolares, que e o equi­valente a urn ordenado medio mensa!. Se urn tipo morre de pneumonia ou de diar­reia, a familia nao tern possibilidades de pagar uma analise, e facilmente se atri­bui a morte a sida. Nao ha pro vas! Sabe­mos, sim, que ha falsifica<;ao de dados.

Desculpe Ia, mas a quem e que isso

interessa?

Esta a brincar comigo? A volta da sida giram, anualmente, dez mil de milh6es de dolares. De fundos publi­cos e privados . As recolhas, os con­certos de rock, nao ouve falar destas coisas? Este dinheiro desaparece sem deixar rasto e continuamos sem perce­ber se e mesmo o HIV que causa a si­da. Mas quando existem dez mil mi­lh6es de dolares disponfveis para investigar urn retrovirus, este muda de forma todos os anos [risos] .

Tambem e assim tao ceptico quan­

to a luta contra o cancro?

Ainda e pior. Olhe, noventa por cento das causas do cancro devem-se a factores ambientais, so os restantes dez por cento se devem a factores geneti­cos. Quando nos decidirmos a melho­rar a nossa qualidade de vida, vai ver como diminuem as mortes por cancro. Mas isso nao interessa a ninguem.

Parece-me que acredita mais nas

pequenas ideias geniais do que na

investigac;:ao cientffica conduzida

pelas grandes casas farmaceuticas.

Precisamente. Criam-se estes mitos da salva<;ao da Humanidade e por detras e urn negocio sujo, com historias obsce­nas, a custa da vida das pessoas. Regres­sam as velhas doen<;as, como a tubercu­lose, e o sistema que nos devia proteger vira-se contra nos proprios. Tres milh6es de seres humanos morrem de diarreia todos os anos, e esta gente, os "investi­gadores", p6e-se a fazer "investiga<;ao cientffica". Deviam era p6r-se a cami­nhar de joelhos e pedir perdao. •