huyssen,andreas

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    ss dos presentes: p ; i atrtis ia1

    Um dosfenmenos culturaisepolticos mais surpreen-dentesdosanos recentesaemergnciadamemriacomouma daspreocupaes culturaisepolticas centraisdas so-ciedades ocidentais. Esse fenmeno caracteriza uma voltaao passado quecontrasta totalmente com o privilgioda-do ao futuro, que tanto caracterizou asprimeiras dcadasdamodernidade dosculoXX.Desdeos mitos apocalpti-cosderuptura radicaldo comeo do sculoXX e a emer-gnciado"homem novo"naEuropa, atravsdasfantasma-gorias assassinas depurificao racialou declasse, no Na-cional Socialismoe nostalinismo,aoparadigmademoder-nizaonorte-americano, a cultura modernista fo ienergi-zadapor aquiloquepoderia serchamado de "futuros pre-sentes"'.Noentanto,apartirdadcadade1980 ofocopare-ceter-se deslocado dosfuturospresentes paraospassados pre-sentes;este deslocamento na experincia e na sensibilidade dotempo precisa ser explicado histrica e fenomenologicamente2.Mas o fococontemporneo namemria e na tempora-lidade tambm contrasta totalmente com muitos outrostrabalhos inovadores sobre categoriasdeespao, mapas, geo-grafias, fronteiras, rotas de comrcio, migraes, desloca-mentos e disporas, no contexto dos estudos culturais eps-coloniais. De fato,no fazmuito tempo havianos Es-tados Unidos um amplo consenso de quepara entenderacultura ps-moderna o foco devia serdeslocado da pr-

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    Seduzidospela M e f ' > < > - ' > , ' 11

    blemtica do tempo e da memria, vinculada forma an-t e r iordo alto modernismo, para uma outra na qual o espa-o umapea-chavedomomentops-moderno3.Mas, comotem mostrado otrabalho degegrafos como David Har-vey 4, a prpria separao entre tempo e espao representaum grande risco paraoentendimento completodascultu-ra smodernae ps-moderna. Tempo e espao,como cate-gorias fundamentalmente contingentes de percepo his-toricamente enraizadas, esto sempre intimamente ligadasentre si de maneiras complexas, e a intensidade dos desbor-dantes discursosdememria,quecaracteriza grande partedacultura contempornea emdiversas partesdo mundo dehoje, provao argumento. De fato, questesdetemporali-dades diferentes e modernidades em estgios distintosemergiramcomopeas-chavesparaumnovo entendimen-torigorosodosprocessosdeglobalizaoalongo prazoqueprocurem seralgo maisdo queapenasumaatualizaodosparadigmasocidentais demodernizao5.

    Discursosdememriade umnovo tipo emergiram pelaprimeiravez no ocidente depois na dcada de 1960, norastro da descolonizao e dos novos movimentosso-ciaisem sua busca por histrias alternativas e revisionistas.Aprocura por outras tradies e pela tradio dos"outros"foiacompanhada por mltiplas declaraes de fim: o fim dahistria, a morte do sujeito, o fim da obra de arte, o fimda s metanarrativas6. Tais declaraes eram frequentementeentendidas literalmente, mas, no seuimpulso polmico ena replicaodo ethos do vanguardismo, elas apontam di-i c i . i i n c i i t c paraapresente recodificao do passado, que semu io u depois do modernismo.

    K d i \ c ursos dememria aceleraram-sena Europa e nosEltados U n i d o s nocomeo dadcada de 1980, impulsio-

    nados, ento, primeiramente pelo debate cada vez maisamplo sobre o Holocausto (iniciado com a srie de TV"Holocausto"e, umpouco mais adiante,com o movimen-to testemunhal bem como por todauma sriedeeventosrelacionadoshistriadoTerceiro Reich (fortemente poli-tizada e cobrindo quadragsimos e qiiinquagsimos aniver-srios):aascenso deHitler aopoder em 1933 e ainfamequeima de livros, relembradaem 1983; a Kristallnacht, opogromorganizado em 1938 contra os judeus alemes, obje-to de umamanifestao pblicaem1988;aconfernciadeWannsee, de 1942, que iniciou a"Soluo Final", relem-brada em 1992 com a aberturade um museu navila deWansee onde a conferncia tinha sido realizada; a invasoda Normandia em1944,relembradacom um grande espe-tculo realizado pelos aliados,mas semqualquer presena rus-sa, em1994;o fim daSegunda Guerra Mundial em1945,relembrada em 1985 com um emocionado discurso dopresidentedaAlemanhae, denovo,em1995com uma s-rie de eventos internacionais na Europa e no Japo. Esteseventos- amaioria deles "efemrides alems",s quaissepodeacrescentar a querela dos historiadores em 1986, aquedadomurodeBerlimem 1989 e aunificao nacionaldaAlemanhaem19907- receberam intensa coberturadamdia internacional, remexendo as codificaes da histrianacional posteriores Segunda Guerra Mundial da histrianacionalnaFrana,naustria,naItlia,noJapoe at nosEstados Unidos e, mais recentemente, na Sua. O HolocaustMemorial Museum em Washington, planejado durante adcada de 1980 einauguradoem 1993, estimulou odeba-te sobre a americanizao do Holocausto8. Mas as resso-nnciasdamemriadoHolocausto nopararama,levan-do aque,no final dadcada de1990, sejamos obrigadosa

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    eduzidospe l ' Memria

    pergunta r : em que medida pode-se, agora, falar de umaglobalizaododiscursodoHolocausto?

    evidenteque arecorrnciadepolticas genocidas emRuanda, na Bsniae em Kossovo,em uma dcada consi-derada ps-histrica (1990), tem mantido vivoodiscursoda memria do Holocausto, contaminando-o e estenden-do-o para antesde seupontodereferncia original.real-mente interessante notar como, no casodos massacresor-ganizadosemRuandae na Bsnia,no inciodadcadade1990, ascomparaescom oHolocausto foram, inicialmen-te, fortemente rejeitadas pelos polticos, pela mdia e porgrande partedopblico,no porcausadasinquestionveisreferncias histricas,mas sobretudo devido a um desejode resistir interveno9. Por outrolado,a interveno "hu-manitria"daOTANem Kossovoe a sualegitimaotmsido largamente dependentes damemria do Holocausto.Fluxos de refugiados atravsdasfronteiras, mulheresecrian-a sjogadasem trens para deportao, relatosde atrocida-des, estupros sistemticos e destruies brutais, tudo istomobilizouumapoltica deculpanaEuropae nos EstadosUnidos associadano-intervenonasdcadas de1930e1940e ao fracassoda interveno na guerra da Bsnia em1992.AguerraemKossovo confirma,portanto,ocrescen-tepoderdaculturadamemriano final dadcadade 1990,mas ela tambm levanta questes difceis sobre o uso doHolocaustocomoum lugar-comumuniversal paraostrau-ma shistricos.

    A globalizao da memria funciona tambm em doiso u t r o s sentidos relacionados, que ilustram o que eu cha-m . i r i . ide paradoxo da globalizao. Por um lado,oHolo-

    . i i i s i o s et rans fo rmounumacifraparaosculoX Xcomo umi " l u cur ufa lncia doprojeto iluminista.Eleserveco-

    3: : : - V ; :-:(, T

    mo umaprovada incapacidadedacivilizao ocidental deprat icara anamnese, de refletirsobre sua inabilidade cons-titutivapara viverem paz com diferenasealteridadese detirar asconsequncias da srelaes insidiosas entre amoder-nidade iluminista, a opresso racial e a violncia organiza-da 10.Poroutro lado, esta dimenso mais totalizantedo dis-cursodoHolocausto, todominanteem boapartedopen-samentops-moderno, acompanhadapor uma dimensoque elaparticulariza e localiza. precisamente a emer-gnciado Holocausto como uma figura delinguagem uni-versal que permite memria do Holocausto comear aentender situaes locais especficas, historicamente dis-tantesepoliticamente distintasdoevento original.No mo-vimento transnacionaldosdiscursosdememria,oHolo-causto perde suaqualidade de ndicedoevento histricoespecficoe comea afunc ionarcomo uma metfora paraoutras histriase memrias.O Holocausto, como lugar-comum universal, o pr-requisito para seu descentramen-to e seu usocomo umpoderoso prisma atravsdoqualpo-demos olhar outros exemplosdegenocdio. O global e olocal da memria do Holocausto tm entrado em novasconstelaes que pedem para ser analisadas caso a caso. As-sim como pode energizar retoricamente alguns discursosdememria traumtica,a comparaocom o Holocaustotambm pode servir como uma falsamemria ou simples-mente bloquear a percepo de histrias especficas.

    Em se tratando de passados presentes, no entanto, amemriadoHolocaustoe seulugarnareavaliaoda mo-dernidade ocidental nocontam todaahistria. H tam-bm muitas tramas secundrias, que constrem a me-mria narrativa atual no seu escopo mais amplo, dis-tinguindo deforma bastante claraonosso tempo daspri-

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    n* Seduzidospea Mn-5

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    6duzdos pelaMemria

    da"); pesam sobreasrelaes entre Japo, Chinae Coreiaedeterminam, emgrau variado, odebate culturalepolti-co em torno dos presos polticos desaparecidos eseus filhosnos pases latino-americanos, levantando questes funda-mentaissobreviolao de direitos humanos, justia e res-ponsabilidade coletiva.A disseminao geogrfica da culturada memria toampla quanto variadoo usopoltico da memria, indodesde amobilizaodepassados mticos para apoiar expli-citamente polticas chauvinistas ou fundamentalistas (porexemplo: aSrvia ps-comunista e o o populismo hindunandia)at astentativasqueesto sendo realizadas,na Ar-gentina e noChile, para criar esferas pblicasde memria real contraaspolticasdoesquecimento, promovidaspe-los regimes ps-ditatoriais, seja atravs de reconciliaesnacionais eanistiasoficiais, sejaatravs do silncio repres-sivo12 . Mas ao mesmo tempo,claro, nem sempre fciltraar uma linhade separao entre passado mtico epas-sado real,um dos ns dequalquer polticadememriaemqualquer lugar.O realpodesermitologizado tanto quantoo mtico pode engendrar fortes efeitos de realidade. Emsuma, amemriase tornou uma obsesso cultural de pro-pores monumentais emtodosospontos doplaneta.

    Aomesmo tempo, importante reconhecer que embo-ra osdiscursos de memria possam parecer,decerto mo-do, um fenmeno global,no seuncleo eles permaneceml igadosshistriasdenaeseestados especficos. Na me-ti i da em que as naes lutam para criar polticas democr-t i c a s no rastrodehistrias deextermnios em massa, apar-t / H - f r / s , ditadurasmilitaresetotalitarismo, elassedefrontam,( . 0 1 1 1 0 lo i cainda o caso da Alemanha desde a Segunda( . I K T I . I Mund i a l , c om a tarefa se m precedentes deassegu-

    7. : . . - .J.vs, f.r;S;

    ra ralegitimidadee o fu tu ro dassuas polticas emergentes,buscando maneirasdecomemorareavaliaroserrosdo pas-sado. Quaisquerque possam ser asdiferenas entreaAle-manha do ps-guerra e a frica do Sul,aArgentina ou oChile,olugarpolti odas prticas dememria ainda na-cionale no ps-nacional ou global. Isto traz implicaesparao trabalho interpretativo. EmboraoHolocausto, comolugar-comum universalda histria traumtica, tenha mi-grado para outros contextos no relacionados, deve-se sem-preperguntar se ecomoelereforaoulimitaasprticas dememria e aslutas locais, ou se ecomo el e pode executarambas funes ao mesmo tempo. claro que osdebatessobreamemria nacional esto sempre imbricadoscom osefeitos damdia global e seu foco em temas taiscomoge -nocdioe limpeza tnica, migraoedireitosdas minorias,vitimizaaoeresponsabilizao.Quaisquerquepossamserasdiferenase especificidades locais da s causas, elas suge-rem que aglobalizaoe a forte reavaliaodo respectivopassado nacional, regional ou local devero se r pensadosjuntos. Isto, por seuturno, fa zperguntarse asculturas dem e m r iacontemporneasem geral podem ser lidas comoformaes reativasglobalizao daeconomia.Este umterreno no qual se poderia tentar alguns novos trabalhoscomparativos sobre mecanismoselugares-comunsdetrau-mashistricoseprticasdememria nacional.

    2Seaconscincia temporal daalta modernidade no oci-

    dente procurou garantirofuturo, ento pode-se argumen-ta r que a conscincia temporal do final do sculo XXenvolvea nomenosperigosa tarefadeassumiraresponsa-

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    < s pelaMenwi;: 9: : '

    hi l idadepelo passado. Inevitavelmente, ambasa stentativass o assombradas pelo fracasso. Portanto um segundo pon-todevesertratado imediatamente. Oenfoque sobrea me-mriae opassado traz consigo umgrande paradoxo. Comfrequncia crescente, oscrticos acusam a prpria culturada memria contempornea deamnsia, apatiaou embo-tamento. Eles destacam su aincapacidade e falta de vonta-de de lembrar, lamentando aperdadaconscincia histrica.A acusao de amnsia feita invariavelmente atravs deuma crtica mdia, a despeito do fato de que pre-cisamente esta desde aimprensa e ateleviso at os CD-Romse aInternet- que faz amemriaficarcadavezmaisdisponvel para ns acada dia. Mas e seambas asobserva-es foremverdadeiras,se oaumento explosivode mem-riaf or inevitavelmente acompanhado de um aumentoex-plosivo deesquecimento?E se asrelaes entre memr iaeesquecimento estiverem realmente sendo transformadas,sobpressesnasquaisasnovas tecnologiasda informao,aspolticas miditicas e oconsumismo desenfreado estive-rem comeando a cobrar o seupreo?Afinal, epara co-mear,muitasdasmemrias comercializadas emmassaqueconsumimos so memrias imaginadas e,portanto, mui-to mais facilmente esquecveis do que asmemrias vivi-das13. Mas Freud j nos ensinou que a memria e o es-quecimento esto indissolvele mutuamente ligados;quea memria apenas uma outra forma deesquecimento eque oesquecimento uma formade memria escondida.M aso queFreud descreveucomoosprocessos psquicosdarecordao, recalqueeesquecimentoem umindivduo valel am be m para associedadesde consumo contemporneasio i u o u m fenmeno pblico de propores se m prece-d r n i c s < | i u - pedepara se rinterpretado historicamente.

    Paraonde quer que seolhe, aobsesso contemporneapela memrianosdebates pblicossechocacom um inten-so pnico pblico frente ao esquecimento, epoder-se-iaperfe i tamente perguntar qual dos dois vem em primeirolugar.E omedodoesquecimento quedisparaodesejodel e m bra rou ,talvez,ocontrrio?possvelque oexcessode memria nessa cultura saturadade mdia crie uma talsobrecarga que o prprio sistema de memrias fique emperigo constantedeimploso, disparando, portanto,o me-do do esquecimento?Qualquerque sejaaresposta paraes-ta s questes,ficaclaroque velhas abordagens sociolgicasdamemria coletiva - talcomoa deMauriceHalbwachs,quepressupe formaesdememrias sociaise de gruposre lat ivamenteestveis no soadequadas para da r contada dinmica atual da mdia e da temporalidade, da me-mria,do tempo vividoe doesquecimento.Ascontrastan-tes e cada ve z mais fragmentadas memrias polticas degrupos sociais etnicos especficos permitem perguntarseainda possvel,no sdiasd ehoje , aexistnciadeformasd ememria consensual coletivae, em caso negativo, se e dequeformaacoeso social eculturalpodesergarantidasemela. Est claroque amemria damdia sozinhanosersu-ficiente, adespeitode amdia ocupar sempre maiores por-esda percepo socialepolticado mundo.

    A sprprias estruturasda memria pblica midiatizadaajudam a compreender que, hoje, a nossa cultura secular,obcecada com amemria, talcomoela ,est tambm dealguma maneira tomada por ummedo, um terror mesmo,do esquecimento. Este medodo esquecimento articula-separadigmaticamenteem torno dequestesdo Holocausto,na Europa e nos Estados Unidos, ou dos presos polticosdesaparecidosnaAmrica Latina. Ambos, claro, compar-

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    2Ss edos

    r i l hamacrucial ausnciadeuniespao fnebre to neces-srio para alimentara memria humana, fato que ajuda aexplicarafortepresenado Holocausto naArgentina. Maso medo do esquecimento do desaparecimento opera tam-bm em uma outra escala.Quanto mais nos pedem paralembrar,no rastrodaexplosoda informaoe da comer-cializaoda memria, maisnossentimosno perigodo es-quecimento emais forte anecessidadede esquecer. Umpontoemquesto adistino entre passados usveise da-dosdisponveis.Aminha hiptese aqui que nstentamoscombater este medo e o perigo do esquecimentocom es-tratgiasdesobrevivnciaderememorao pblicaepriva-da. O enfoque sobre amemria energizado subliminar-mentepelodesejode nosancorarem ummundo caracteri-zadopor uma crescente instabilidadedo tempo epelo fra-turamento do espao vivido. Ao mesmo tempo, sabemosque tais estratgiasde rememorao podem afinalser, elasmesmas, transitrias e incompletas. Devo ento voltar questo:por qu?Eespecialmente:por que agora?Por queesta obsesso pela memria epelo passadoe por que estemedo do esquecimento?Por que estamos construindo mu-seus como se no houvesse mais amanh? E por que sagorao Holocausto passoua seralgocomouma cifra oni-presente paraasnossas memrias do sculoXX, porcami-nhos inimaginveis vinte anos atrs? 3

    Quaisquerque tenham sido ascausas sociaisepolticasdo crescimento explosivo da memria nassuas vrias sub-1 1 . u n a s , geografias e setorializaoes, uma coisa certa: n opo mos discutir memria pessoal, geracional ou pblicaM - I I I tonsiderar a enorme influncia da s novas tecnologias

    demdiacomoveculos para todas as formas de memria.Portanto,no mais possvel,porexemplo, pensarno Ho-locaustoou emoutrotrauma histricocomouma questoticaepoltica sria,sem levaremcontaosmltiplos mo-dos em que eleest agora ligadomercadorizaoe espe-tacularizao em filmes, museus, docudramas, sites na In-ternet, livrosde fotografia, histriasemquadrinhos,fico,at contos de fadas (L a vita bella, de Benigni) e msicapopular.Masmesmose o Holocausto tem sidomercadori-zado interminavelmente, istono significa que todaequal-quer mercadorizao inevitavelmente banalize-o comoevento histrico.No h nenhum espao puro foradacul-turadamercadoria,por maisquepossamos desejarum talespao. Depende muito, portanto, dasestratgiasespecficasde representao e de mercadorizao e do contexto noqual elas so representadas. Da mesma forma, asuposta-mente trivial Erlebnisgesellschaft do s estilos de vida comer-cializadosemmassa, espetculoseeventos fugazes tem umarealidade vivida significativa, subjacente ssuas manifesta-essuperficiais. Meuargumento aqui oseguinte:o pro-blema no resolvido pela simples oposio da memriasriamemria trivial,domodocomooshistoriadoresal-gumas vezes opem histria ememria tout court,mem-ria comouma coisa subjetiva e trivial, fora da qual o his-toriador constri arealidade. No podemossimplesmentecontrapor o museu sriodo Holocausto a um parque te-mtico "Disneyficado". Porque isto iriaapenas reproduziravelhadicotomia alta/baixadacultura modernistasob uma no-va aparncia,comoocorreu no debate caloroso que situouofilme Shoah,de ClaudeLanzmann,comouma represen-tao adequada (isto, uma no representao) damem-ria d oHolocausto,p oroposio ListadeSchindler,d eSpiel-

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    l ,ejso-i SSIH Ji

    berg, como uma trivializao comercial. Se reconhecemosadistncia constitutiva entre a realidade e a sua representa-o em linguagem ou imagem, devemos, em princpio, estarabertos para as muitas possibilidades diferentes de repre-sentao do real e de suas memrias. Isto no quer dizerquevaletudo.A qualidade permanece como uma questoa ser decidida caso a caso. Mas a distncia semitica nopodeser encurtada por uma e nica representao correta.Tal argumento equivaleria a uma concepo modernistado Holocausto14.De fato,fenmenoscomoaListadeSchin-dlere o arquivo visual de Spielberg dos testemunhos de so-breviventes do Holocausto nos compelem a pensar a me-mria traumtica e a memria visual como ocupando jun-tasomesmo espao pblico, em vez dev-lascomofen-menos mutuamente excludentes. Questescruciaisda cul-tura contempornea esto precisamente localizadas no limi-arentre a memria dramtica e a mdia comercial. E muitofcilargumentar que os eventos de entretenimento e os es-petculos das sociedades contemporneas midiatizadas exis-tem apenas para proporcionar alvio ao corpo poltico e so-cial angustiado porprofundas memriasdeatosdevioln-ciae genocdio perpetrados em seu nome, ou que eles somontados apenas para reprimir tais memrias.O traumacomercializadotantoquanto odivertimentoe nemmesmopara diferentes consumidores de memrias. tambm mui-to fcilsugerir que os espectros do passado que assombramassociedades modernas, com uma foranunca antes conhe-cida, articulam realmente, pela via dodeslocamento, umcrescentemedodofuturo,numtempoem que acrenanoprogressodamodernidade est profundamente abalada.

    Sabemosque amdiano transportaamemria pblicai i K u u1 1 e m e n te ; ela acondiciona na sua prpria estrutura e

    forma. E aqui - seguindo o surrado argumento de Mc-Luhan de que omeio amensagem bastante significati-voque opoder danossa eletrnica mais avanada depen-da inteiramente de quantidades de memria: Bill Gatestalvezsejaa mais recente encarnao do velho ideal ameri-cano- maismelhor.Mas"mais"medidoagoraembitesde memriae nopoder dereciclaropassado. Que odigaa divulgadssimacompra da maior coleo de originais fo-togrficos feita por Bill Gates: com a mudana da foto-grafia para a sua reciclagem digital, aarte de reproduomecnica de Benjamin (fotografia) recuperou a aura daoriginalidade*.O quemostraque ofamoso argumentodeBenjamin sobre a perda ou o declnio da aura namoder-nidadeera apenas uma parte da histria; esqueceu-se que amodernizao, para comear, criou el amesma a sua aura.Hoje, a digitalizaao que d aura fotografia "original".Afinal, como Benjamin tambm sabia,aprpria indstriacu l tu ra l da Alemanha de Weimar precisou lanar mo daauracomouma estratgia demarketing.

    Ento, permitam-me por um momento condescendercom o velho argumento sobre a velha indstria cultural, talcomo Adorno o props contra a posio de Benjamim so-bre a mdia tecnolgica, por ele considerada excessivamenteotimista. Sehojeaideiad earquivo total leva os tr iunfal is-tas do ciberespao aabraar as fantasias globais Ia M c-Luhan, os interesses de lucro dos comerciantes de memria*Nota dotradutor: paraBen jamin , afotografia o primeiro meio dereproduo verdadeiramente revolucionrio.Para mais detalhes,inclu-sive sobre aquestodaaura,ver WalterBen jamin , Magia etcnica,artee poltica. So Paulo: Brasiliense, 1985, especialmente os ensaios"Aobradeartena era da sua reprodutibilidadetcnica", "Pequena His-triad a fotografia" e"SobreoconceitodaHistria".

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    24, >: i . i - i s-?) K-

    de massa parecem ser mais pertinentes para explicar o su-cessoda sndrome da memria. Trocando em midos: o pas-sado est vendendo mais do que ofu tu ro . Mas por quantotempo, ningum sabe.

    Tome-se a chamada de um falso anncio colocado na In-ternet:"ODepartamento deRetrodosEstados Unidos Alerta:Poder Haver uma Escassez de Passado." O primeiropargrafodiz: "Numaentrevista coletiva na segunda-feira, o Secretriode Retro,AnsonWilliams, emitiu um importante comunica-dosobreumaiminente 'crisenacionalde retro',alertandoque'se os nveis atuais do consumo retro nos Estados Unidos con-tinuarem forade controle, as reservas de passado podero serexauridasj em2005'.M as no sepreocupem.Ns jestamoscomercializando passadosquenunca existiram:aprova dissoa recente introduo da linha de produtosAerobku,nostalgiasdosanos 1940e 50inteligentemente organizadasemtornodeum fictcio clube dejazzdeParisque nunca existiu, mas ondeteriamtocado todososgrandes nomesdojazzdapocadobe-bop, um a linha de produtos repletad e recordaes originais,gravaes originaisem CD epeas originais, todas disponveisnos Estados Unidos em qualquer filial da Barnes&Noble."15Os remakesoriginais" esto na moda e, assim como os teri-cos culturais e os crticos, ns estamos obcecados com re-re-presentaao, repetio, replicao e com a cultura da cpia,com ou sem ooriginal.

    Do jeito como as coisas esto acontecendo, parece plau-svelperguntar: dadoque ocrescimento explosivoda me-mr ia histria, como no resta dvida de que ser, tera l gu m realmentes elembrado dealguma coisa? Setodo opassado pode acabar, no estamos apenas criando nossasp i p r i u si lusesde passado, na medida em que somos mar-i . i t l o s por um presente que se encolhe cada ve z mais o

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    presente da reciclagem a curto prazo, para o lucro, o pre-sentedaproduo nahora,doentretenimento instantneoedos paliativos para a nossa sensao de ameaa e insegu-rana, imediatamente subjacente superfcie desta novaer adourada, em mais um fin de s i c l * . Os computadores,dizem, podero no saber reconhecer a diferena entre oano2000e o ano1900- mas nssabemos?

    4Os crticos da amnsia do capitalismo tardio duvidam

    que aculturaocidental damdia tenha deixado algo pare-cido com memria "real" ou com um for tesentido de his-tria.Partindo do argumento padro deAdorno, segundoo qual a mercadorizao o mesmo que esquecimento, elesargumentam que acomercializao de memrias gera ape-nas amnsia.Emltima instncia,noacho este argumen-to convincente porque eledeixa muita coisa de fora. muito fcil atribuir o dilema em que vivemos a maqui-naes daindstria daculturae proliferaodanova m-dia. Algo mais deve estar em causa, algo que produz o de-sejo deprivilegiaropassadoe que nos fazresponder to fa-voravelmente aos mercados de memria: este algo, eu su-geriria, uma lenta mas palpvel transfomao da tempo-ralidade nas nossas vidas, provocada pela complexa inter-seo de mudana tecnolgica, mdia de massa e novospadres de consumo, trabalho e mobilidade global. Podehaver, de fato, boas razoes para pensar que a fora da re-memorao tem igualmente uma dimenso mais benficaeprodutiva. No entanto, muito disso odeslocamento deum medo do fu tu ro nas nossas preocupaes com a me-mria e, por mais dbia que hoje nos parea a afirmao

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    6.t :idos pe;i Mei

    v* 27de que somos capazes de aprender com a histria, a culturada memria preenche um a funo importante na s transfor-maes atuais da experincia temporal, no rastro do im-pacto da nova mdia napercepo e na sensibilidade hu-manas.

    Daquipara afrente,ento, gostaria de sugerir alguns ca-minhos para pensar a relao entre o privilgio que damos memria e ao passado, de um lado, e, de outro, o im-pacto potencial da nova mdia sobre a percepo e a tem-poralidade. Este um tema complexo. Estender a duracrticade Adorno indstria cultural ao que, agora, se po-deria chamar de indstria da memria seria to parcial einsatisfatrio quanto apoiar a crena de Benjamin no po-tencialemancipadordanovamdia.Acrtica deAdornocorreta, no que se refere comercializao em massa dosprodutos culturais, mas no a juda aexplicarocrescimen-to da sndrome de memria dentro da indstria da cultura.Suanfaseterica nas categorias marxistas de valor de tro-cae reificao acaba por bloquear questes de temporali-dadee de memria e no d a devida ateno sespecifici-dades da mdia e da sua relao com as estruturas da per-cepo da vida cotidiana nas sociedades deconsumo. Poroutro lado, Benjamin est correto ao atribuir ao retro umadimenso que d cognitividade memria. Nas suas teses"Sobreoconceito daHistria",ele achamade umsaltodetigreem direo ao passado, mas quer alcan-la atravs doprpr iomeio de reprodutibilidade que, para ele, represen-ta apromessafuturista epermite amobilizao polticas o-cialista.Em vez de colocar-nos aolado de Benjamin con-t r a A d o r n oo uvice-versa,comoocorre comumente, ointe-u - s s . i n t f seria utilizarmos produtivamente a tenso entrec s i t - s doi s a r gum e n tospara um a anlised o presente.

    Aqui, gostariadevoltara um argumento articulado pelaprimeira vez por dois filsofos alemes conservadores, Her-mann Liibbee Odo Marquard, no comeo da dcada de1980. J ento, assim como outros que estavam no meiodo debate em torno das promessas futuras do ps-moder-nismo, Hermann Liibbe descreveu aquilo que chamou de"musealizao"comocentral para o deslocamento da sensi-bilidade temporal do nosso tempo16. Ele mostrou como amusealizao j no eramais ligadainstituiod o museunosentidoestrito,mastinhaseinfiltradoemtodasasreasdavida cotidiana.O diagnsticodeLiibbe assinalouohis-toricismo expansivo da nossa cultura contempornea eaf i rmou quenunca antesopresente tinha ficado to obce-cado com o passado comoagora. Liibbeargumentou quea modernizao vem inevitavelmente acompanhada pelaatrofia das tradies vlidas, por uma perda de racionali-dade e pela entropia das experincias de vida estveis e du-radouras. A velocidade sempre crescente das inovaes tcni-c a s , cientficas eculturais gera quantidades cada ve z maio-re s de produtos que j nascem praticamente obsoletos,contraindo objetivamente a expanso cronolgica do quepode ser considerado o (afiado qual gume) presente deuma dada poca.

    Superficialmente, este argumento parece bastante plau-svel. Lembra um incidente ocorrido poucos anos atrs,quando fui comprar um computador numa loja de altatecnologia em Nova York. A compra se mostrou mais dif-cil do que oprevisto.Tudoo que estava exposto era inva-riavelmente descrito pelos vendedores como j obsoleto, is-to , uma pea de museu, se comparado com a nova versodo produto, muito mais poderosa ecujolanamento seriaiminente. Isto parecia dar novo significado velha tica de

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    postergara gratificao.Como no me convenci, compreium modelo lanado h dois anos que tinha mais do que euprecisava e, alm disso, estava sendo vendido p ela m etadedo preo. Compreium "obsoleto" e, portanto, no fiqueisurpresoao verrecentemente o meu IBM Thinkpad 1995exibido na seo de desenho industrial do Museu de ArteModerna deNovaYork.O tempo depermannciados ob-jetosdeconsumo na sprateleirast emobviamente encurta-do de uma maneira muito radical,e com ele aextenso dopresente que, no sentido de Liibbe, foi se contraindo si-mul taneamente expansoda memr ia do computador edos discursos sobre a m emria pblica.O que Liibbe descreveu como musealizao pode agoraser facilmente mapeado com o crescimento fenomenal dodiscurso de memria dentro da prpria historiografia. Apesquisa sobre memria histrica alcanou escopo interna-cional. A minha hiptese que, tambm nesta proemi-nncia da mnemo-histria, precisa-se da memr ia e damusealizao,jun tas ,para construirum a proteao contraaobsolescncia e o desaparecimento, para combater anossaprofunda ansiedadecom avelocidade demudanae o con-tnuo encolhimento dos horizontes de tempo e de espao.O a rgumento de Lbbe sobre a contrao da extensodo presente aponta para um grande paradoxo: quantomais o capitalismo de consumo avanado prevalece sobreo passado e o futuro, sugando-os num espao sincrnicoem expanso, mais fraca a sua autocoeso, menor a esta-bilidade ou a identidade que proporciona aos assuntoscontemporneos. O cineastaeescritor AlexanderKlugejcomentou o ataque do presente sobre o resto do tempo.H , simultaneamente, tanto excesso quanto escassez depresena,uma situao historicamentenovaque cria ten-

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    soes insuportveis na nossa "estrutura de sentimento", co-mo a chamaria Raymond Williams. Na teoria deLbbe,o museu compensa esta perda de estabilidade. El eofereceformas tradicionais de identidade cultural a um sujeitomoderno desestabilizado, mas a teoria no consegue re-conhecer que estas tradies culturais tm sido, elas mes-mas, afetadas pela modernizao, atravs da reciclagemdigital mercadorizada. A musealizao de Libbe e os lu-gares de memria de Nora compartilham verdadeira-mente a sensibilidade compensatriaque reconhece umaperda de identidade nacional e comunitria, mas cr nanossa capacidade de compens-la de algum jeito. Os lu-gares de memr ia (lieux de mmoire), em Nora, compen-sam a perda dos meios de memria (milieux de mmoire),do mesmo modo que, em Liibbe, a musealizao com-pensaaperda de tradies vividas.Este argumento conservador sobre deslocamentos emsensibilidades temporais precisa ser retirado de seu marcode referncia binrio (lugar versus meio em Nora e en-tropia do passado versus musealizao compensatria emLiibbe) e empurrado parauma outra direo, que no es-teja ligada a um discurso deperdae que aceite o desloca-mento fundamental nas estruturas do sentimento, expe-rincia e percepo, na medida em que elas caracterizam onosso presenteque seexpande econtrai sim ultaneamente.A crena conservadora de que a musealizao culturalpode proporcionar uma compensaopelasdestruies damodernizao no mundo social demasiadamente sim-ples e ideolgica. Ela no consegue reconhecer que qual-quer senso seguro do prprio passado est sendo desesta-bilizado pela nossa indstria cultural musealizante e pelamdia, as quais funcionam como atores centraisno drama

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    moralda memria. A prpria musealizao sugada nestecadav ezmais veloz redemoinho deimagens, espetculoseeventose,portanto, est sempreemperigodeperdera suacapacidade de garantir a estabilidade cultural ao longo dotempo.

    5Tm-se repetido que, na medida em que nos aproxi-

    mamos do fim do sculoXX e, com ele,do fim do mil-nio, as coordenadas de espao e de tempo estruturadorasda snossas vidas esto sendo crescentemente submetidasanovos tiposdepresso. Espaoetempo socategorias fun-damentais da experincia e da percepo humana, mas,longe deserem imutveis,elasesto sempresujei tas a mu-danas histricas. Uma das lamentaes permanentes damodernidade se refere perda de um passado melhor, damemria de viver em um lugar seguramente circunscrito,com um senso de fronteiras estveis e numa cultura cons-truda localmente com o seu fluxo regular de tempo e umncleo de relaes permanentes. Talvez, tais dias tenhamsido sempre mais sonho do que realidade, uma fantasma-goria de perda gerada mais pela prpria modernidade doque pela sua pr-histria. Mas, o sonho tem o poder depermanecer, e o que eu chamei de cultura da memria, po-de bem ser, pelo menos em parte, a sua encarnao con-tempornea. A questo, no entanto, no a perda de algu-ma idade de ouro deestabilidade epermanncia. Trata-semaisdatentativa,na medida em que encaramos o prprioprocesso realde compressodoespao-tempo,degarantira l gum acontinuidade dentro do tempo, para propiciar al-j M i i u a extenso do espaovividodentrodo qual possamosi espirar c nos mover.

    Com certeza, o fim do sculo XX no nos oferece aces-so fcilao lugar-comum da idade de ouro. As memrias dosculo XX nos confrontam, no com uma vida melhor,mas com uma histria nica de genocdio e destruio emmassa, aqual, apriori, barra qualquer tentativa de glori-ficar o passado. Depois das experincias da PrimeiraGuerraMundial e da Grande Depresso, do stalinismo, donazismoe do genocdio em escala sem precedentes, depoisdas tentativas de descolonizao e das histrias de atroci-dades e represso, a nossa conscincia foi afetada de talmodo que a viso da modernidade ocidental e suas pro-messas escureceu consideravelmente dentro do prprioocidente. Nem mesmo a atual idade dourada nos EstadosUnidos pode expurgar com facilidade as memrias dostremores que ameaaram o mito de progresso permanenteapartirdo final dadcadade1960e dosanos1970.Otes-temunho da ampliao crescente da distncia entre ricos epobres, da permanente ameaa de colapso de economiasregionais e nacionais inteiras e do retorno da guerra nocontinente que gerou duas guerras mundiais neste sculo,certamente trouxe consigo um aumento significativo deentropia na nossa percepo daspossibilidades futuras.

    Numa era de limpezas tnicas e crises de refugiados, mi-graes em massa e mobilidade global para um nmero ca-da vez maior de pessoas, experincias de deslocamento, re-locao, migrao e disporas parecem no mais a exceoesim a regra. Mas tais fenmenos sozinhos no contam to-da a estria. Na medida em que as barreiras espaciais se en-fraquecem e o prprio espao globalizado por um tempocada vez mais comprimido, um novo tipo de incmodo es-t se enraizando no corao das metrpoles. O mal-estardacivilizao metropolitana do final do sculo no mais

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    1 Meu uso da noo de "memria imaginada" tem origem na discus-so deA r j un Appadurai sobre "nostalgia imaginada"em seu livro M o-dernity at Large, 77f. A noo p roblemt ica ,na medida em que todamemria imaginadae, mesmo assim, ela nospermite dis t inguir me -mrias relacionadas s experincias vividasd e memrias pilhadas no sarquivos e comercializadas em massa para o consumo rpido.14. Sobre estas questes, ver M r iam Hans en , Schinler's List is notShoah. The Second Commandment , Popular Modernism, and Publ icMemory" ( A Lista de Schindler no Shoah: o Segundo Mandamento,0 modernismo populare am emria pbl ica") , CriticaiInquiry 22 ( in-verno de 1996): 292-312. E tambm o meu artigo "Of Mice and Mi-mesis: Reading Spiegelmanwi th Adorno" ("De ratosemmesis: lendoSpiegelman com Adorno") ,a serpubl icadona New GermanCritique.15, Dennis Cass, "Sacrebleu Th e Jazz Era is up for Sale: Gift Mer -chandisersTake Licence with History" ("Sacrilgio A era dojazzent raem l iquidao: vendedoresdep resentes tomam l iberdadescom ahist-ria"), Harper's Magazine (dezembro de 1997): 70-71.16 Hermann Lubbe, Zeit-Verhltnisse: Zur Kulturphilosophie ds Fort-schritts (" A sensibilidade temporal: parauma filosofia cultural do p ro-gresso",Graz, V iena e Colnia: VerlagStyria, 1983). Para um a crticamais detalhada do modelo de Liibbe, ver o meu "Escape fromAmnsia:Th e M u s e u mas Mass M dium" ("Escapando da amnsia: o mu seu co-mo cul turade massa", in Twilight Memories: Marking Timein aCultureofAmnsia("Memrias crepusculares: marcandoo t em p o num a cu l t u r ada amnsia", Londres e NovaYork: Routledge, 1995), 13-36.1 7 Citado pelo Ne w York Times de 12 de fevereiro de 1998.18 O term o de Charles S. Maier; ver seu ensaio "A Surfeit ofMemory? Refletions on History, Melancholy, and Denial" ("Um exces-so de memria? Reflexes sobre histria, melancolia e negao"),History an dMemory, 5 (1992): 136-151.

    eduo . : < . : l V : f i t : .

    Qualquerdiscusso sobre monum entalidade e moderni-dade inevitavelmente trazmente aobra de Richard Wag-ner, Oanel,aesttica do Gesamtkunstwerk,oartistamonu-mental , ahistriado FestivaldeBayreu th .Mas anoodemonumenta l idade que Wagner representa deve sersituadaem seu contexto histrico, estticoenacional concreto,nosculo XIX, e conforme seus efeitos pol t icos e culturais ,que viriam adominar a nossa compreenso mais genricado monumenta l . Meu propsito apresentar algumas re-flexes sobre a prpria categoria de monumental , que, ameu ver,vem sendo recodificadanocontextocontempor-neo de uma cu l tu ra memorialstica voraz e em contnuaexpanso. Minha preocupao central , portanto, a ques-to do monumenta l emrelao memria - a memriageracional, a memria na cultura pblica, amemria na-cional, a memria feita em pedra na arquitetura , e o con-texto contemporneo especficodoqual t ratarei aAlema-nha depois da unificao.

    Enquanto os alemes tm se esforado, ante a acusaode esquecerem ou recalcarem seu passado histrico por d-cadas, desde 1945, alguns crticos fazem agora a objeoinversa: a inflao da memria. De fato, desde os anos1980 aAlemanha se engajou numa mania de memria depropores verdadeiramente monumentais . Esto em an-damento em toda a Alemanha, hoje, algumas centenas de