teÓrico - huyssen - seduzidos pela memória - completo em português

Upload: cassio-camargo

Post on 06-Jul-2015

2.435 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    1/58

    - " - ~".- ..~ ..~--~.-.-.--- -"-.-"------_\._-------------------~__..~-

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    2/58

    Copyright byAndreas HuyssenCaralogacao na fonte Departamento Nacional do Livro

    H998s Huyssen, Andreas.Seduzidos pda mem6ria: arquitetura, rnonurrienros,

    midia / Andreas Huyssen - Rio de Janeiro: Aeroplario, 2000.116p., 12x21cm.ISBN 85-86579-15-71. Mem6ria - Aspectos sociais. 2. Mern6ria (Eilosofia).

    3. Holocausto judeu (1939-1945). 4. Crvilizacao rnoderna~ Sec. xx. 5.Alernanha - Crvilizacao - Sec. xx. 1. Titulo.

    COD - 909.82

    CapaVictor Burton

    Projeto gratico e Editora

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    3/58

    0 c D 0 I Cf ) I c D 0)L E c :J L 0) Cf ) Cf ) Cf ) c D :J X 0) 0U U c D +--' C> c D U c 0) c 0 E C D 0) -Cf ) Q 10 0 0 0J Q c D 0) -i-> Lc D c D c D 0 U C -l-t-' 0) Q 0 UX +--' Cf ) c DQ ) C 0) 0) U U c D Cf ) :J 0 (f) > Cf ) E u+--' 0) E Cf ) 0 ) c D 0Cf ) 'o 0 c D Cf ) 0) 0 J _c Cf ) 0)0) 0) c D :J Cf ) L C 0 L 0 E 'ou 0 :J U +--'+--' 0) 0- c D c D '0 cc C :J c D > 0 J ,0)U '+- _Q 0- E 0)Cf ) L 0 U Q )0) c D 0) Cf ) 0 L Q ) c D c Dc D c c -- E 0)f) 'o E - :J L Q )0 L 0) U :J c D Q '0 E Q c 0:J Cf ) C f) L X +--' 0) c D 0 UD 0) '+- 0) Cf) C f) L 0 +--'+--' c D L c D +--' Cf ) Q 0 e UC 0) :J

    --0 C 0

    0 0 -- Q) Cf )I C D e U :J U+--' _c 0)U '0 L U e U U Cf ) C L c D 0Q EJ Q e U Q) 'e U Q) :J E Cf ) c(]) E u e U e U C DQ e U Cf ) C (f) Q) (]) LL :J c D E L Cf ) :J E E Q)0) 0) o 0) Cf ) LCf ) (J) E E C D 0 >, u -- '0 Cf ) 0 L Q ) U:J L E L U :J c D E 0 c E 0 0) 00 '+- I N0 (]) e U ' < 1 : :J e U '+- U EQ) c D (0) :Je U C D e U C O I +--' (]) _Q (f)0) e U U L E Cf ) +--' C UCf ) U _Q 0 C D - L c DE 'o Q) c > E > C :J C D C C D 00 C L Cf ) (J)r o 0) L U UQ) e U U -i-> C D L e U C D 0 - E0 0) 0 -i->+--' U 0) c D =: Cf ) 0) Cf ) u c oC +--' 0 U m 10 0 Cf ) L U (0) 0 Cf )(f) C +-' _Q 0) C D0 \- 0 L 00 Cf ) '{\) +--' Cf ) U0 Q ) :J (f) Q ) 0 +--' '{\) :J L e UQ 0 I C D Q ) :J c D 0 Cf ) c 0) 0 e UE :2 C D _c -- E -i->C D Q Cf ) U L Q U 0) 0) C D Q c 0) C+--' +--'

    '.~"-c":~'='~~"'~~.'t..'1,;1" ...

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    4/58

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    5/58

    blerrrarica do tempo e da memoria, vinculada a forma an-terior do alto modernismo, para uma outra na qual 0 espa-

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    6/58

    d. id d ra falar de umaperguntar: ern que me 1a po e-se, ago ,globaliza

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    7/58

    rrierras clecaclas deste sec.ulo. Perrn irarri-rrie apenas listaruns poucos ferrorrren os mais destacados. Desde a d.ecada.de1970, pode-se observar, na Europa enos Estados Unidos, arestarrracao historicizante de velhos centros urbanos, cida-cies-rrruseus e paisagens inteiras, empreendimentos patri-moniais e Iterarrcas nacionais, a onda da nova arquitetura derrrusous (que nao mostra sinais de esgo tarne nro), 0boomdas rrroclas rerro e dos utensflios repro, a corrieroializacaoern mass a da nostalgia, a obsessiva au tom useal izacao atra-yes da camera de video, a literatura memorialfstica e con-fessional, 0crescimento dos romances autobiograficos e his-roricos pos-rnoclerrros (corn as suas diffceis rrego ciacoesentre fato e ficcao), a d.ifusao das praricas memorialisticas nasartes visuais, geralmente usando a fotografia como suporte,eo aumento do rrurriero de documentarios na celevisao; in-cluindo, nos Estados Unidos, urn canal rotal rnerrre volradopara hist6ria: 0History ChanneL No lado traurriatico cia cul-tura da rrrerrror ia, e junto ao cada vez mais onipresente dis-curso do Holocausto, temos a vasta literatura psicanaliticasobre 0 trauma; a corrtroversia sobre a sindrome da rne-moria recuperada; os trabalhos de hisroria ou sobre temasatuais relacionados a genoddio, aids, escraviclao, abuso se-xual; as cad a vez rna.is numerosas corrrrover sias pub.Iicas so-bre eferrreri des politicamente dolorosas, corne rnoracoes ememoriais; a rnais recente pletora de pedidos de desculpaspelo passado, feitos por lideres religiosos e politicos da Fran-ya, do Japao e dos Estados Unidos; e, firralrne nce, trazendojuntos 0entretenimento memorialistico e0trauma, temosa obsessao mundial corn 0naufragio de urn navio a vapor:,supostamente nao-naufragavel, que rriarco u 0fim de umaoutra epoca dourada. De fato, nao se pode rer certeza se 0sucesso internacional do Titanic e uma rrierafo ra de rne-

    morias de uma modernidade que deu errado ou se ele arri-cuIa as proprias ansiedades da rn.etropole sobre 0futuro des-locado para 0passado. Nao ha chrvicia de que 0rrrunclo es-ta sendo musealizado e que todos nos representarnos os nos-sos papeis neste processo. E como se 0objetivo Fosse con-seguir a recordacao total. Trata-se erirao da fantasia de urnarquivista maluco? Ou ha, ralvez, algo rnais para ser dis-cutido neste desejo de puxar todos esses var ios passados parao presente? Algo que seja, de fato, espedfico a estruturayaoda rrrernoria e da temporalidade de hoje e que riao tenha si-do experirnerrtado do rnesrno modo nas epocas passadas.Freq ucn ternerrre tais obsessoes corn a rrternor ia e COITl0

    passado sao explicadas ern funyao do fin de siecle, mas eu pen-so que e preciso i mais [undo para dar conta daquilo quese pode chamar agora de UITlacultura da rrrernoria, na rne-dida erri que se d.isserniriou nas sociedades do At larrrico-Norte a partir dos u.lt.irnos anos da decada de 1970. 0ueai aparece, agora, ern grande parte como UITlacomerciali-zacao crescerrrernerrte bem-sucedida da rrierrroria pela in-dustria cultural do ocidente, no contexto daquilo que a so-ciologia alerna charnou de Erlebnisgesellschaft 11, assurne trrnainflexao politica mais explicita ern outras partes do rnuri-do. Especialmente desde 1989, as quesroes sobre rrrernoriaeo esquecimento tern emergido como preoc.upacoes d.orni-nantes nos paises p6s-coITlunistas do leste europeu e da an-tiga Uniao Sovietica; elas permanecem COITlOpeyas-chavesna politica no Oriente Medio; dominaITl 0discurso publi-co na Africa do SuI pos-apartheid COITla sua Truth and Re-conciliation Commission ("Comissao de Verdade e Recon-ciliayao") e sao tarrib ern onipresentes ern Ruanda e na Ni-geria; energizam 0debate racial que explodiu na Australiaern torno da questao da stolen generation ("gerayao rouba-

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    8/58

    da"); pesaITl sobre as relacoes entre japao, China e Coreiae dererrni nam, ern grau variado, 0debate cultural e politi-co ern torno dos presos politicos desaparecidos e seus filhosnos paises latino-aITlericanos, levanta~do questoes funda-rneritais sobre violacao de direitos hurriarros, justica e res-ponsabilidade coletiva.A disseITlina

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    9/58

    bilidade pelo passado. Inevitavelrnente, arnbas as tentativassao assornbradas pelo fracasso. Portanto urn segundo pon-to deve ser tratado irnediatamente. 0 enfoque sobre a rrie-moria e0passado traz consigo urn grar;de paradoxo. Cornfreqiiencia crescente, os cdticos acusarn a propria culturada memoria corrterrrpo ran ea de arnnesia, apatia ou errib o-tarnento. Eles destacarn sua incapacidade e falta de vonta-de de lembrar, larnentando a perda da corisciericia hisror ica.A acusacao de amnesia e feita invariavelrnente arraves deuma critica a rnfdia, a despeito do fato de que e pre-cisarnente esta - desde a irnprerisa e a relevisao ate os CD-Roms e a Internet - que faz a rnerrior ia ficar cada vez maisdisponivel para nos a cad a clia. Mas e se ambas as observa-

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    10/58

    rilharn a crucial auserrci.rain espa

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    11/58

    berg, como uma rrivializ.acaecorrreroial. Se reconhecemosa d.istaricia constitutiva entree realidade e a sua representa-correta.Tal argumento equivaleria 1uma coricepcao modernistado Holocaustol4 De fato, ferernenos como a Lista de Schin-dler e0arquivo visual de Spdberg dos testemunhos de so-breviventes do Holocausto 1)S compelem a pensar a me-moria rratrrriacica e a rnerncra visual como ocupando jun-tas 0mesmo espayo publio,em vez de ve-Ias como ferro-menos mutuamente exclud.rces. Questoes cruciais da cirl-rura corrrerrrporariea esrao pc.isarn.errte localizadas no [irrri-ar entre a memoria clra.rriar ir e a mfdia comcrcial. E rriuitofacil argumentar que os evexos de entretenimento e os es-petaculos das sociedades coremporaneas midiatizadas exis-tern apenas para proporciora alivio ao corpo politico e so-cial angustiado por pro+uncs rrrerrro ria.sde atos de viol en-cia e genocidio perpetrados:m seu nome, ou que eles saomontados apenas para repririr tais rrrerrrorias. 0 trauma ecomercializado tanto quant.) divertimento e nem mesmopara diferentes consumidore Ie rnerrrorias. E tarrrbern rrrui-to facil sugerir que os especlr's do passado que assombramas sociedades modernas, con .irna forya nunca antes conhe-cida, articulam realrnente, yla via do deslocarnento, urncrescente medo do futuro, n.rn tempo ern que a crerica noprogresso da modernidade ~~iprofundamente abalada.Sabemos que a midi a na~:ransporta a rrierrro ria publica

    inocenternente; ela a corid.i.o na na sua propria estr urura e

    forma. E aqul s(tLildo0surrado argumento de Me-Luhan de que 0rnece ~mensa gem - e bastante sigrrificati-vo que 0 poder da 1):3. eler ronica rriais avan cada clepen-da inteiramente de p~ntidades de memoria: Bill Gatestalvez seja a mais rexre encarnayao do velho ideal arner i-cano - mais e rne.lhu\[as "rnais" e medido agora ern biresde memoria e no pol -r de reciclar 0passado. Que 0digaa divulgadissima COTjTI da maior colecfio de originais fo-tograficos feita por HlGates: corn a rnudarrca da foto-grafia para a sua re:r:a;em digital, a arte de rep roclucaorrrecarrica de Benjarii (fotografia) recuperou a aura daor iginali dade. 0 qu:rostra que 0famoso argumento deBenjamin sobre a fEC3 ou 0 declinio daaura na rrrocler-nidade era apenas uraprte da hisroria, esqueceu-se que arnoclerrriz.acao , para.crrecar, criou ela mesma a sua aura.Hoje, e a digitalizailledi aura a fotografia "original".Afinal, como Benjam .arnbdrn sabia, a propria industriacultural da Alemanb 1:Weimar precisou laricar mao daaura como uma esrraza de marketing.Errtao, perrn itarn-repor urn momenta condescender

    com 0velho argumeroobre a velha industria cultural, talcomo Adorno 0props-antra a pos icao de Benjamim so-bre a midia tecnologi;;,pr ele considerada excessivamenteotimista. Se hoje a iC3

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    12/58

    de massa parecem ser rrrars pertinentes para explicar 0su-cesso da sindrome da memoria. Trocando em rrriu.dos: 0pas-sado esra vendendo mais do que 0futuro. Mas por quantotempo, niriguem sabe.Tome-se a chamada de urn falso arruricio coloeado na In-ternet: "0 Departamento de Retro dos Estados Unidos Alerta:

    Podera Haver uma Escassez de Passado." 0 primeiro paragratodiz: "Nurna entrevista coletiva na segunda-feira, 0Secretariode Retro, Anson Williams, erniriu urn importante comuniea-do sobre uma irninenre 'crise nacional de retro, alertando que'se os niveis atuais do consumo retro nos Estados Unidos con-tinuarem fora de corrrrole, as reservas de passado poclerao serexauridas ja em 2005'. Mas nao se preocupem. Nos ja estarnoscomercializando passados que nunea existiram: a prova disso ea recerite irrtroclucao da linha de produtos Aerobleu, nostalgiasdos anos 1940e 50inteligentemente organizadas em rorrio deurn ficrfcio dube de jazz de Paris que nunea existiu, mas ondeteriarn toeado todos os grandes nomes do jazz da epoca do be-bop, uma linha de produtos repleta de recordacoes originais,gravao:;:oesoriginais ern CD e pe

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    13/58

    de que sorrros capazes de aprender corn a hisroria, a culrurada rnerrroria preenche trrria fun

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    14/58

    postergar a gratifica~ao. Como rrao me converrcr, compreiurn modelo Iaricado hi dois anos que tinha rriais do que euprecisava e, alem disso, estava sendo vendido pela metadedo pre~o. Comprei urn "obsol.eto" e, portanto, riao fiqueisurpreso ao ver recentemente 0meu IBM Thinkpad 1995exibido na secao de desenho industrial do Museu de ArteModerna de Nova York. 0 tempo de perrrrarrerrcia dos ob-jetos de consumo nas prateleiras tern obviamente encurta-do de uma maneira rriu.ito radical, e corn ele a exterisao dopresente que, no sentido de Lubbe, foi se contraindo si-multaneamente a exparisao da memoria do computador edos discursos sobre a memoria publica.oque Lubbe descreveu como rnusealiza.caopode agoraser facilmente mapeado corn 0crescimento fenomenal dodiscurso de memoria dentro da propria historiografia. Apesquisa sobre memoria Irist.orica alcarrcou escopo inrerria-cional. A minha h.iporese e que, tarrrbern nesta proemi-nericia da mriemo-b.isroria, precisa-se da memoria e darnusealizacao, juntas, para construir uma protecao contra aob.solescerrcia e 0desaparecimento, para combater a nossaprofunda ansiedade corn a velocidade de rnu.darica eo con-tinuo encolhimento dos horizontes de tempo e de espa.co.o argumento de Lubbe sobre a conr racao da exrerisaodo presente aponta para urn grande paradoxo: quantomais 0capitalismo de consumo avarrca.d.oprevalece sobreo passado e 0futuro, sugando-os num espa~o sincronicoern expa nsao , rriais fraca a sua autocoesao , menor a esta-bilidade ou a identidade que proporciona aos assuntoscorrtern poran eos. 0 cineasta e escritor Alexander Kluge jicomentou 0ataque do presente sobre 0resto do tempo.Hi, sirnulrarrearnenr;e, tanto excesso quanto escassez depresen

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    15/58

    rnoral da memoria. A propria musealizac;:ao e sugada nestecada vez mais veloz redemoinho de irnagens, espetaculos eeventos e, portanto, esta sern pre em perigo de perder a suacapacidade de garantir a estabilidade (fultural ao longo dotempo. 5

    Com certeza, 0fim do seculo XX riao nos oferece aces-so Hcil ao lugar-comum da idade de Duro As me ,. dmonas 0scoulo XX nos confrontam, nao com uma vida melhor,mas com uma histor ia urrica de genocidio e desrruicao emmassa, a qual, a priori, barra qualquer tentativa de glori-ficar 0 passado. Depois das exper iericias da PrimeiraGuerra Mundial e da Grande Depressao, do stalinismo, donazismo e do genoddio em escala sem precedentes, depoisdas tentativas de ciescolo nizacao e das h.isrorias de atroci-dades e repressao, a nossa corisciericia foi afetada de talmodo que a visao da modernidade ocidental e suas pro-messas escureceu consideravelrnente dentro do proprioocidente. Nem mesmo a atual idade dourada nos EstadosUnidos pode expurgar com facilidade as rnerno rias dostremores que arnea

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    16/58

    la-.cese originar primariamente de sentimentos generali-211>S de culpa e recalque pelo superego, como observouIrud na sua analise sobre a modernidade ocidental clas-scae sobre 0seu modo dominante de forrriacao do sujeito.Iruz Kafka e Woody Allen pertencem a uma idade ante-rcr Nosso rnal-esrar parece fluir de uma sobrecarga infor-n.conal e percepcional combinada corn uma aceleracao cul-ria, com as quais nem a nossa psique nem os nossos senti-0 estao bern equip ados para lidar. Quanto rnais ripido so-n-sempurrados para 0futuro global que riao nos inspiracniarrca, mais forte e 0nosso desejo de ir mais devagar ena: nos voltamos para a memoria ern busca de conforto.t-.b que conforto pode-se ter com as rrierrrorias do seculo~)?E quais sao as alternativas? Que coriclicoes temos para:r,(ciar urna rnuclanca rapida e urn retorno ao que Georg)nnel chamou de culrura objetiva, satisfazendo ao mesmo:110 aquilo que considero como a necessidade fundamen-:l::lts sociedades modernas de viver em formas estendidas de:cnJoralidade e para garantir urn espa

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    17/58

    As rransforrriacoes at.uars do imaginirio temporal trazi-das pdo espac;:o e pdo tempo vin:uais podem servir paradestacar a cl.irne.risao das possibilidades da cultura da me-moria. Quaisquer que sejam as suas causas espedficas, HO-tivos ou corrrextos, as intensas prat icas de memoria que ve-DIOS ern tantas e distintas partes do mundo de hoje art icu-lam uma crise fundamental de uma est rtrtu.ra de temporali-dade anterior, que marcou a epoca da alta modernidade,corn sua fe no progresso e no desenvolvimento, celeb ran-do 0novo e 0urop ico , como 0radical e ireclu tivelrn enteoutro, e uma fe inabalivd ern algum telos da historia. Po-liticamente, rrruitas praricas atuais de memoria atuarn con-tra 0triunfalismo da teo ria da rriocler.n izacao, nesta sua ul-tima versao chamada "globalizac;:ao". Culturalmente, elasexpressam a crescente necessidade de uma ancoragem es-pacial e temporal ern urn mundo de fluxo crescente ern re-des cada vez rnais densas de e~ac;:o e tempos comprimidos.Assim como a historiografia perdeu a sua antiga corifiaricaern narrativas releo logicas magistrais e tornou-se mais ceri-ca quanto ao uso de marcos de refererrcia nacionais para 0desenvolvimento do seu corirericlo, as atuais culturas crtr i-cas de memoria, corn sua erifase nos direitos humanos, ernquesr.oes de minorias e generos e na reaval iacao dos var iospassados nacionais e internacionais, percorrem urn longocaminho para proporcionar urn impulso favoravel queajude a escrever a historia de urn modo novo e, porranto,para garantir urn futuro de memoria. No ceriar io mais fa-vorivel, as culturas de merno ria esrao intimamente ligadas,erri muitas partes do munclo, a processos de dernocratiza-c;:aoe lutas por direitos humanos e a exp ansao e fortaleci-rnento das esferas publicas da sociedade civil. Desacelerarern vez de aceierar, expandir a natureza do debate publico,

    1tentando curar as feridas provocadas pdo passado, alimen-tar e expandir 0espac;:ohabiravel erri vez de destrui-lo ernfunc;:aode alguma promessa futura, garantindo 0"ternpo dequalidade" - estas parecem ser necessidades culturais aindanao alcaricadas num mundo globalizado, e as rrrerrrorias 10-cais esrao intimamente ligadas as suas arricul acoes.Mas, e claro, 0passado riao pode nos dar 0que 0futuro

    riao conseguiu. De fato, riao hi como cvitar 0retorno aosaspectos negativos daquilo que alguns chamariam de umaepidemia de memoria. Isto me leva de volta a Nietzsche,cuja segunda rned.icacao exrern porarrea prematura sobre 0uso e 0abuso da histo ria, constantementecitada nos deba-tes corrterrrpora neos sobre a memoria, talvez continue taoextern porariea como sempre. Clararnente, a febre de me-moria das sociedades midiatizadas ocidentais riao e uma fe-bre de consumo histo rico no sentido dado ern Nietzsche, aqual podia ser curada corn 0esquecimento produtivo. Emais uma febre rnnerriorrica provocada pdo cibervirus daamnesia que, de tempos ern tempos, ameac;:a corisurn ir apropria memoria. Portanto, agora nos precisamos mais dererrrernoraoao produtiva do que de esquecimento prod.uri-vo. Ern rerrosp ectiva, podemos ver agora como a febre his-torica da epoca de Nietzsche funcionou para inventar tra-dicoes nacionais na Europa corn vistas a legitimizac;:ao dosesrad os-riacoes imperiais e para dar coe rerrcia cultural a so-ciedades conflitantes no turb ihao da revol ucao industriale da exparisao colonial. Ern corrrparacao, as corrvulsoesrnrrern orricas da cultura do norte do .Arlarir ico de hojeparecem ern grande parte caor icas e fragmenrarias, a deri-va at raves das nossas telas. Mesmo ern lugares onde as pra-ticas de memoria tern urn foco politico rnu. i to daro, taiscomo a Africa do SuI, a Argentina, 0Chile e, rnars recen-

    ll'~

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    18/58

    rerrierrre, a Guaterrlala, elas sao igualrrlente afetadas errlcerro grau pela cobertura da rnfdia internacional e suas ob-sessoes de rrrerrroria. Con"lOsugeri arrreri.orrrierrte, asseguraro passado nao e urria tarefa rrierros arrjscacla do que asse-gurar 0futuro. Afinal de contas, a rriern.oria riao pode serurn substituto da just ica e a propria just ica sera irieviravel-rnente envolvida pela falta de credibilidade da rnerrroria.Mas rnesrn.oonde as prat icas de rn.errroria cultural rrao ternu.rn foco explici.tarnerire politico, elas expressarrl 0fato deque a sociedade precis a de ancoragerrl terrlpo ral, rrurriaepoca errl que, no despertar da revol ucao da inforrrlayao enurria serrlpre crescente corripressao do espayo-terrlpo, a re-lacao entre passado, presente e futuro esta sendo transfor-rna.da para alern do recoribecirnerrro.Neste sentido, praricas de rrierrror ia riacroriars e locais

    corrtestarn os rnitos do crbercap italisrno e da globalizayaoCOrrlsua riegacao de terrlpo, espayo e lugar. Sern d.uvicla,desta riegoc.iacao ernergira finalrnerrce algu.rna nova confi-gurayao de terrlpo e espaoo. As novas tecnologias de trans-porte e corrrurricacao serrlpre transforrnararn a percepcaohurnaria ria modernidade. Foi assirri corn a ferrovia e 0telefone, corn 0radio e 0aviao, e 0rriesrrro sera verdadetarrrbern quanto ao -ciberespaco e 0ci.berrernpo. As novastecnologias e as novas midias tarrib.ern sempre vern a.com.-panhadas de ansiedades e rrieclo, os quais, mais tarde, serriosrrarao injustificados ou ate mesrno ridiculos. A nossaepoca riao sera exceyao.Ao rn.esrno ten"lpo, 0ciberespayo sozinho rrao e0rriocle-

    10 apropriado para irriagi nar 0futuro global - esta rrocaode memoria e serri sentido, uma falsa promessa_ A rne-rrioria vivida e ativa, viva, incorporada no social - isto e,ern individuos, tarrifl ias, grupos, rra.coes e regioes. Estas sao

    I;

    as rriernorias riecessar ias para consrrurr futuros locais dife-renciados rrum mundo globaL Nao ha nenhuma duvida deque a lange prazo todas estas rnernor ias serao mocleladasern grande medida pelas tecnologias digitais e pelos seusefeiros, mas elas nao serao redudveis a eles. Insistir numaseparacao radical entre memoria "real" e virtual choca-rrietanto quanto urn qu.ixocisrno, quando menos porque qual-quer coisa recordada - pela memoria vivida ou imaginada- e virtual por sua propria natureza. A memoria e sempretra.nsitoria, rroro riarnerrre riao corifiavel e passivel de es-quccirnerrto: erri suma, ela e humana e social. Dado que arrrernoria publica esta sujeita a rrrudaricas - politicas, gera-cionais e individuais -, ela nao pode ser arrnazeriada parasempre, nem protegida ern rnonurrrerrtos ; tampouco, nesteparticular, podemos nos fiar ern sistemas de rastreamentodigital para garantir coerericia e continuidade. Se 0senti-do de tempo vivido esra sendo renegociado nas nossas cul-turas de rrierrroria conrernpordrreas, rrao devemos esquecerde que 0tempo riao e apenas 0passado, sua preservacao etrarisrn issao. Se nos estamos, de fato, sofrendo de um ex-cesso de rnern or ia'", devemos fazer urn esforco para disrin-guir os passados usaveis dos passados drsperasaveis. Precisa-rn.os de d.iscrirniriacao e rernernoracao produtiva e, ademais,a cultura de massa e a midia virtual riao sao necessaria-rn.erire incompativeis corn esre obj erivo, Mesrrlo que a am-nesia seja urn subproduto do ciberespaco, precisamos naopermitir que 0medo e 0esqueci merito nos dominem. Aierrtao, talvez, seja hora de lerrrbrar 0futuro, ern vez de ape-nas nos preocuparmos corn 0futuro da memoria.

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    19/58

    Notas 9 Naturalmente, 0uso da memoria do Holocausto como urn prlsmapara os acontecimentos ern Ruanda e altamente problem.icico, uma vezque de nao pode dar conta dos problemas especificos relacionados corna politica de merrioria pas-colonial. Mas isro nunca foi levado erri con-ta pela rnfdia ocidentaL Sobre polfricas de memoria nas varias partes daAfrica, cf Richard Werbner, Memory and the Postcolony: AfricanAnthropology and the Critique of the Power ("A memoria e a pos-coloriia:a antropologia africana e a crft.ica do poder", Londres e Nova York: ZedBooks, 1998).10. Esra visao foi articulada pela pri rriei r a vez por Horkheimer eAdorno ern sua Dialectic of Enlightenment ("Dialetica do esclareci meri-to"); nos anos 1980, foi novamente usada e reformulada por Lyotard eourr os. Sobre a quesrao da centralidade do Holocausto ria obra deHorkheimer e Adorno, ver Anson Rabinbach, In the Shadow of Ca-tastrophe: German Intellectuals Between Apocalypse and Enlightenment("A sombra da cacasrrofe: intelecruais alerriaes entre 0Apocalipse e 0es-clarecimento", Berkeley: University of California Press, 1997).1 1 Gerhard Schulze, Die ErlebnisgeseLlschaji:Kultursoziologie der Gegen-wart ("A Erlebnisgesellschaft sociologia cultural da contemporaneidade",Frankfurt e Nova York: Campus, 1992). 0errrio Erlebnisgesellschaji, lite-ralmente "sociedade da expcriencia", e de diffcil rraducao. Refere-se a umasociedade que privilegia experiericias intensas, mas superficiais, orientadaspara alegrias insrariraneas no presente e 0rap ido corisurno de bens, even-ros cul rurais e esrilos de vida associ ados ao consumo de massa. 0 rraba-lho de Schulze e urn estudo sociologico ernpirico sobre a sociedade alernacontempodnea que evita tanto os paramerros restritivos do paradigma declasse de Bourdieu quanta a oposicao de iriflexao filos6fica entre Erlebnise Erfizhrung na obra de Benjamin, como oposicao entre uma experienciasuperficial e uma experierrcia genuinamente profunda.12 Sobre 0Chile, ver Nelly Richard, Residuos y metaforas: ensayos .decritica cultural sobre el Chile de la transici6n ("Residuos e rneraforas: en-saios de critica cultural sobre 0Chile da rransicao" (Santiago do Chile:Editorial Cuarto Propio, 1998); sobre a Argentina, ver Rita Arclirr i,Searching for Lift: The Grandmothers of the Plaza de Mayo and the dijs-appeared Children ofArgentina ("A procura de vida: as rnaes da Plaza deMayo e os filhos desaparecidos da Argentina", Berkeley, Los Arlgeles eLondres: University of California Press, 1999).

    o titulo deste ensaio e a riocao de "fur.ur os presentes" se devem a obraserninal de Reinhart Koselleck, Futures Past ("Ruturos passados", Bos-ton: MIT Press, 1985).

    Naturalmente, urna nocao erifacica de "futuros presenres" aindaopera no irnagiriario neoliberal da globalizac:;:ao financeira e elet:r6nica,uma versao do antigo e praticarnente desacreditado paradigma da rrio-dernizac:;:ao, atualizado para 0rrrundo p6s-guerra fria.:3 Pa.radigma rica menre no ensaio classico de Frederic Jameson, "Post-modernism or the Cultural Logic of Late Capitalism" ("P6s-modernis-rno ou a logica cultural do capitalismo tardio"), New Ltifi Review 146(julho-agosto de 1984): 53-92.4 David Harvey, The Condition of Postmodernity, ("A corid icao da pos-modernidade", Oxford: Basil Blackwell, 1989).5 Ver Arjun Appadurai, Modernity at Large: Cultural Dimensions ofGlobalization ("Modernidade em geral: dimens6es culturais da globali-zacao", Minneapolis e Londres: University of Minnesota Press, 1998),especialmente 0capitulo 4, e-mais recentemente 0nurrrero especial Al-ter/Native Modernities ("Modernidades AlteriNativas") de Public Cul-cure 27 (1999).b Sobre a cornp lexa rnist ura de futuros presentes e passados presentes,ver An dreas Huyssen, "The Search for Tradition" ("A busca da tradi-c:;:ao")e "Mapping the Postmodern" ("Mapeando 0pos-rno der no") emAjier the Great Divide: Modernism, Mass Culture, Postmodernism ("De-pois do grande divisor: modernismo, culrura de massa, pos-modernis-mo", Bloomington: Indiana UP, 1986), 160-178, 179-221.7. Ver Char-les S. Maier, The Unmasterable Past ("0passado indomivel" , Cam-bridge: Harvard University Press, 1988; a New German Critique 44 (pri-mavera-verao de 1988), nurnero especial sobre 0Historikerstreit (a "que-rela dos historiadores"), e a New German Critique 58 (inverno de 1991),nu rnero especial sobre a un ificacao aicrn a.::: Ver Anson Rabinach, "From Explosion to Erosion: Holocaust Me-morial.izar ion in A.rnerica since Bitburg" ("Da exp losao a erosao: a re-rriernoracao do Holocausro nos Estados Unidos desde Bitburg"), Histo-ry and .Mernory 9: 112 (ouro no de 1997): 226-255.

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    20/58

    -13. Meu uso da nocao de "rnernoria irrragirracla" rern origem na discus-sao deArjun Appadurai sobre "nostalgia irnaginada" ern seu livro Mo-dernity at Large, 77./ A riocao e problernacica, na ITledida ern que todarnernor ia e irriagiria.da e, meSITlOassirn, ela nos perrnite distinguir rrie-rnorias relacionadas as exper iericias vividas de rn.ernorias pilhadas nosarquivos e comercializadas ern rriassapara 0conSUITlOapido,'14. Sobre esras quest6es, ver Miriam Hansen, "Schindler's List is notShoah: The Second Cornrnanclrnerrr, Popular Modernism, and PublicMemory" ("A Lista de Schindler nao e Shoah: 0Segundo Mandamento,o rrrodernisrno popular e a rnernor ia publica"), Critical Inquiry 22 (in-verno de 1996): 292-312. E tarnlrern0meu artigo "Of Mice and Mi-mesis: Reading SpiegelITlanwith Adorno" ("De ratos e rnfrriesis: lendoSpiegelrnan com Adorno"), a ser publicado na New German Critique.10. Dennis Cass, "Sacrebleu! The Jazz Era is up for Sale: Gift Mer-chandisers Take Licence with History" ("Sacrilegio! A era do jazz entraem liqtridacao: vendedores de presentes rornarn liberdades corn a hisro-ria"), Harper's Magazine (dezembro de 1997): 70-71.16. HerITlann Lubbe, Zeit- Verhaltnisse: Zur Kulturphilosophie des Fort-schritts ("Asensibilidade temporal: para urna filosofia cultural do pro-gresso",Graz, Viena e Colonia: Verlag Sryria, 1983). Para uma crfticamais detalhada do modelo de Liibbe, ver0rrieu "Escape from.Amnesia:The MuseuITl asMass Medium" ("Escapando da amnesia: 0rnuscu co-ITlOculru.ra de massa", in Twilight Memories: Marking Time in a Cultureof Amnesia ("MeITloriascrepusculares: marcando 0tempo numa culturada amnesia", Londres e Nova York: Routledge, 1995), 13-36.';7 Citado pelo New York Times de 12 de fevereiro de 1998.'i8 0 terrno e de Charles S. Maier; ver seu ensaio "A Surfeit ofMemory? Reflerions on History, Melancholy, and Denial" ("Urn exces-so de rnernor ia? Reflex6es sobre historia, rnelarrcolia e riegacao"),History and Memory, 5 (1992): 136-151.

    Sedu

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    21/58

    1

    cordo corn Sven Friedrich, 0diretor do museu, represen-tarn urn tipo muito especial de unidade e totalidade se abor-dadas pelo angulo do erotismo e do amor. Friedrich che-gou a descrever 0erotismo e 0amor como "simbolos deurn mundo a parte" que impulsionavam a coricepoao d.ra-rriatica de reclerrcao de Wagner.2 A necessidade de mundosa parte e de redericao ern Bayreuth, ao que parece, continuaforte como sempre, mas ern 1995 adquire uma irrflexaomuito espedfica.AAletuanha e a redericao, ciriquerrta anos depois. 0 pais

    esra tornado por uma irrrplacavel mania de monurnentos,que promete riao esmorecer enquanto cada quilometroquadrado riao river 0seu proprio monumento ou memo-rial, rememorando riao algum mundo a parte de amor, esim 0mundo da destrtricao e do genoddio organizados,que adotou Wagner como urn de seus hero ise profetas. NaAlemanha de hoje, 0objetivo e a rederrcao pela memoria.Foi particularmente impressionante, durante os eventosque marcararn 0qtrirrquagesirno aniversario do tim da guer-ra de exterrnfrrio nazista, 0fato de 0discurso da reclericao(Erlosung) ter simplesmente substituido os discursos ante-riores de resriruicao (Wiedergutmachung) e reconciliac;ao(Versohnung). Realrnerire, os alernaes decidirarn se apropriarda primeira parte de urn antigo ditado judaico - segundoo qual "0segredo da redericao e a memoria" - como umaestraregia para adrn.inisrrar 0Holocausto nos anos 1990. 0caso mais flagrante: 0projeto de urn gigantesco memorialdo Holocausto, uma laje indinada do tamanho de doiscampos de futebol corn os nomes de rniboes de vitimasgravados na pedra, ern pleno coracao de Bedim, pouco aonorte do bunker de Hitler e bern ern cirna do que seria 0eixo norre-su l projetado por Albert Speer, entre 0seu rrie-

    projetos de memoriais e monurnentos ao Holocausto.1 Co-mo devemos entender essa obsessao por monumentos, quee apenas parte de urn boom de memoria muito mais arrrplo,que riao tomou conta so da Alemanha.,e tern urn alcancemuito mais vasto do que 0enfoque no Holocausto deixaentrever? As quesroes levantadas por essa conjuntura saoindistintarnente politicas e esrericas, e e central ai a catego-ria do rnonurnerrtal, ern suas coclificaooes tanto espaciaisquanto temporais - sendo estas, talvez, as rria.isimportan-tes no rnorrierito. Estarnos diante de urn paradoxo: 0rrionu-mentalismo do espac;oconstruido ou as rericlerrcias rnorru-mentais ern qualquer outro meio corrri nuarn a ser difama-das, rrias a riocao do rnon.urrierrto como rnerrror ial ou even-to cornernora.tivo publico vern conhecendo urn retorno tri-unfante. Como devemos pensar a rela.cao entre a rn.onu-mentalidade enquanto grandeza e a dirn.erisao comemora-tiva do rnorrurnenro? Passo a relatar tres eventos ocorridosno 'verfio de 1995, a firn de discutir 0destino da rrionu-mentalidade e dos rriorrurneritos no nosso tell1po: 0erribru-lhamento do Reichstag, ern Bedim, por Christo, 0debatesobre 0projeto de urn monumento ell1 Bedim aos judeusda Europa assassinados eWagner ern Bayreuth.

    Alemanha, verao de 1995, alguns meses antes do quin-to aniversar io da unificacao nacional. 0 840 Festival deBayreuth foi aberto ern julho sob 0Ierna "a reciericao peloarnor". Uma cxposrcao no Museu Richard Wagner de Bay-reuth, intitulada "Richard Wagner e 0erotismo", acotupa-nhava as apreseriracoes no Festspiel de Tannhduser, Tristiioe Isolda, 0 anel dos Nibelungos e Parsifol, obras que, de a-

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    22/58

    galomaniaco Grande Sa.laoao norte do Portao de Branden-burgo e 0arca do triunfo de Hitler, ao suI, que ta.rnlxerritraria gravados ern pedra os nomes dos mortos na PrimeiraGuerra. A pr6pria localizac;:aoeo posiciop.amento desse pre-miado memorial do Holocausto, depois abandonado ern de-cor rerrcia da execracao publica, pareciam funcionar ao rn.es-rno tempo como rnfrriese e como encobrimento de urn ou-tro local comemorativo, corn a monumentalidade propor-cional as clirrierrs-Ses do projeto original de Speer. De fato, eimpressionante que urn pais cuja cultura tern se pautado hidecadas por urn deliberado antimonumentalismo anti-fascista venha a recorrer as d.irnerisoes monumentais quandose trata da corrierrroracao publica do Holocausto pela riaoaoreunificada. Alguma coisa ai esta fora de sintonia.Por outro lado, talvez essa adoc;:aodo monumental riao

    tenha nada de surpreendente. Retomando a observa.cao deRobert Musil de que riao ha nada tao invisivel quanto urnrnorrurrierrro,> Bedim - e corn ela toda essa loucura me-moriosa - esra optando pela invisibilidade. Quanto rriaismonumentos, mais 0passado se torna invisivel, mais Hcilse torna esquecer: a reciencao, portanto, pelo esquecimen-to. De fato, muitos criticos descrevem a atual obsessao daAlemanha por monumentos e memoriais como urria ten-tativa nada su.ril de Entsorgung, a exposicao ern publico delixo h.iscor ico radioativo.A invisibilidade monumental, de todo modo, tarrib ern

    estava ern jogo ern outro grande evento cultural daqueleverao ern Bedim: 0embrulharnento do Reichstag por Chris-to e Jeanne-Claude. 0 enorme edificio construido ern 1895,de arquitetura mediocre, abrigou 0parlarnenro alemao pe-la primeira vez nos te.rnpos do imperio guilhermino, tendomais tarde exercido urn papel fundamental tanto na fun-

    d.acao quanto na derrubada da Republica de Weimar, pro-clamada do parapeito de suas janelas e encerrada no fa-moso irrcen.dio do Reichstag, que seseguiu a ascerisao do ria-z.isrno ao poder. Depois de 1945, permaneceu como umaruina eITImemoria da malograda Republica, museu da his-toria recente da Alemanha e espac;:ode solenidades, so re-tamando 0seu valor politico simbolico durante a celebra-

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    23/58

    reivi rrd.icacao do estatuto de capital para Bedim. A polern i-ca poderia ser facilm.ente prorrogada, m.as eu diria que seuvalor cognitivo e lim.itado.Meus argum.entos ate aquilevam. a urn sintorriat ico pa-

    noram.a de rna-vorrradc sobre esses tres eventos cu lcurais dover ao de 1995: a reclericao pelo am.or, a reclericao pelamemoria e a redericao pelo esquecim.ento. Muitos oerra-rnerrce serrti rao a sua postura intelectual fortalecer-se com.essas reclucoes de com.plexidade. Para outros, so agora eque as verdadeiras quest6es corrrecarao. Poderiam m.e per-guntar se essa argum.entac:;:ao em. curto-circuito rrao Iern-braria estruturalm.ente urn anti-wagnerianism.o sim.plista,que confronta diferentes registros bisror icos, politicos e es-recicos num. modelo teleologico que iclerrtifi ca a obra deWagner em. conjunto com. suas corrseq uerrcias no TerceiroReich. Mais ainda, se esse tipo de abordagem riao criaria asua propria boa coriscierrcia ao se apresentar com.o corrve- _nientem.ente antifascista cin.qtrerita anos depois doTerceiroReich, num.a espec.iede correcao polfr ica a m.oda alerria. E,por firn, se riao seria um. m.odo de Gesamt:kritik que repro-duz aquilo que ela ataca, a saber, 0totalitarism.o discursivoque subjaz ao conceito de Gesamtkunstwerk e tanto conra-m.ina os rexros reor icos e criticos de Wagner.Assim., para evirar a rep rod.ucao daquilo que se ataca, e

    riecessario buscar um.a outra abordagem.. No firn, a m.aioriaconcordou ern que 0Reichstag em.brulhado em. polipro-pileno, com. a apa rerrcia variando entre 0prateado brilhan-te sob 0sol, 0cinza abafado nos dias encobertos e0viole-ta azulado a luz dos refletores, de rioire, ficara de fato sere-no e as vezes m.isteriosam.ente belo, sendo a m.onum.entali-dade espacial ao mesm.o tempo dissolvida e acentuada poruma leveza que contrastava vivamente corn a rriernor ia vi-

    ~.. : '- _ .. ,~ . .

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    24/58

    derrrocrati.ca ern vez de uma clerno nsrracao do poder do es-tado. Mesmo que riao devamos superestimar esse efeitopllblico do projeto de Christo, ele oferece uma voz alrern a-riva contra aqueles que so fazem criticar a hollywoodiani-zacao das praticas artisticas de varigtrarcia ou reduzir todoo evento a desesperada necessidade de Berlim de promoversua imagem internacional.Ao pensar sobre essa d.irrierrsao critica e an tirrrorru.rne n-

    tal do projeto de Christo, Iern bre i-rn e do privrleg io dadopelo proprio Wagner ao crarrsi tor io, ao efemero, ao provi-sor io. Assim, quando ele imaginou pela prirn eira vez umaperformance do Sigftied, escreveu a seu amigo Uhlig que 0teatro de rabuas e vigas construido especialmente para ao-casi ao numa pradaria perto de Zurique seria desmontadodepois de tres dias, e as partituras, queimadas.5 Da mesmaforma, quando foi a vez de construir 0teatro ern Bayreuth,Wagner sempre enfatizou a natureza proviso ria da arqu ire-rura, e Bayreuth, enquanto ecl.ificacao, resultou tao anti-monumental quanto era monumental 0Opera de Paris, deCharles Garnier, concluido no mesmo ana de 1875. A bre-ve colaboracao entre Wagner e Gottfried Stemper comoarquiteto naufragou justarnente porque Wagner rejeitou qual-quer projeto monumental para 0seu Festspielhaus, que setornaria vulgarmente conhecido como 0 celeiro de Bay-reuth.Se 0projeto do Gesamtkunstwerk pode ser VIStOcomo

    urn rrionurne.n ral isrno do futuro, isso e ern alguITla rne didaoornperrsado pela sensibilidade bastante rnode rria de

    tre outras co isas :Di~:=,10:) P' 3ut,hi-,1lt rmorou a se irireesr xha-eee'Vt;I(t_.l._ini:,ecaJe que Ba.yre ut.hs-o rru IDllrer:i:'llllnllei;:,~arte de Wagnerpru: .(tV:l1RL,-1>it.ccrai:;oempacotada exairere rcco ueJ:a::1;~lllSC-provavel ern GinID1~T(t)~(tillL~e(.ID(m-pos iror, cujo SH5~ ;m~Gj_ ill lars X1;111111:;deixou de d.ifari.r em.:ba:hc , ~:61[ T .s :n .c b (nao-alernao. 0tC6:C(, ~l~Clt meruo - n . ~ciferente do que mich.J i .: L(crr,e:mo:b) ;d~querrres rnodeni:;meTagnn:;HITr.u;;e tiidustria cultural Ml~ ieai lTa i>4~.i, II)-funda entre W,!rtr ( ) rrd.riru tllo: ;,rc ({ ;'lternpo. 0creSCUC)11.areH:l,n:la.r:i:aeproviso rio, do ("xsoi> ( ' ~:erCt,(,n.cs mh:mo parametro~ ::(1(";1; cerCC:lih(~a "ll H(";ponta de urn recab ex lceq. d:ltrhnfllIDumentalidade, q.c Ial Ilur, Hill t:~iuudr,lchamou de "Ie o.r osrcehe.'.In~;1(t la1>Edade proctuzi.dajcr (sc etX eu~ nnll{Xacica e agressiva, tt, i~al.I(t(q;:lo.:R.nrrel.ce darte a irnagens e ~ti"ll:,nrr.eccrrra-.s 1Xg)(do rrarrsiro rio :1::-aa( )rl1i. roruerd: ) ilernonurnento qt.Cena, )(teji e n:g1;(Crnrrria. Retornarei n:iarl, l:.Slg.r::ti. rm renn,rtalisrno da destrrcoer \YE'Meu principJ mc r si.n ill{ ix srue

    Contra 0gesto c; eucaoeuu Cemk-tk:pdl.o:-

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    25/58

    monumentalidade, extremamente sedutora naquilo que,contudo, nada tinha a ver corn morte e clesr ruicao. Foi cxa-tamente a monumentalidade do Reichstag embrulhadoque despertou ern minha mente as quest6es reor icas sobre"0monumental" como uma categoria ~stetica e polltica.Ate que ponto a monumentalidade do rrierrioria] do Holo-causto projetado para Bedim pode ser equiparada a rn.orru-mentalidade da fantasmagoria arqui.rerorrica de Speer? Eseriam ambas comparaveis ao cipo de efeito rrrorrurrierrralobtido por Christo ao embrulhar 0Reichstag ou ao rn.orru-rrierrralisrrrodo drama rrrusioal deWagner e sua coucep cao?Ate que ponto 0 rrrorrurrierrtal rrao seria uma clirrierisaooculta do proprio rrroclerrrisrrro? Por que a riocao clorn i-nante de monumentalidade e tao unidimensional e ina-rrrovfvel que tais quest6es normalmente sequer vern a tona?oque faz da monumentalidade urn objeto do desejo taonegativo? 0 que faz corn que a reje icfio "rrrorrurrrerrtal"funcione como trrrra serrrerica de morte para qualquer dis-cussao posterior?

    2Talvez seja conveniente fazer uma breve d.igressao histo-

    rica antes de nos voltarmos para 0discurso do monumen-tal nos escritos progra.mar icos reoricos e crIt icos de Wag-ner. Nesses tres eventos culturais e debates do verao de1995 na Alemanha estava ern quesrao UITl consenso esreri-co que rerrionra aos rrroclerrrisrrios do inicio do seoulo XXe se estende ate os varios p-os-rnoclerrrisrrros do nosso tem-po. 0 nome desse consenso e antimonumentalismo. 0monumental e esteticamente suspeito porque se liga aomau gosto do scculo XIX, ao kitsch e a cultura de rriassa. E

    politicamente suspeiro porque visto como representativodos nacionalismos oitocentistas e dos totalitarismos nove-centistas. E so-cialrrierrre suspeito porque e0rnoclo privile-giado de expressao dos rnovirnenros de rnassa e da politicade rnassa, E eticamente suspeito porque elll sua pred.ilecaopeio grandioso se entrega ao mais-quc-b.urna.no, na rerrta-tiva de esmagar 0espectador individual. E psicanalitica-mente suspeiro porque se liga as ilus6es narcisistas degrandeza e completude irriagrnaria. E e rnusicalrrrerire sus-peito porque ... ora, por causa de Wagner.Ern Sofrimento e grandeza de Richard wagner, Thomas

    Mann, que, como se sabe, estava afinado corn as ambigiii-dades e arnb ivalerrcias da obra de Wagner, referia-se aosclamores monumentalizantes do compositor como "0mausecu.loXIX".6 E a mania de monumentos do nosso propriotempo Ierrrbra a seguinte passagem do Didrio de Moscou,de Walter Benjamin: "Dificilmente se encontra urn quar-te.irao na Europa cuja estrutura secreta riao tenha sido pro-fanada e prejudicada ao longo do secu'loXIX corn a erecaode urn monumento."7 Assim como a sensibilidade tempo-ral dos modernistas voltava sua ira contra a tradicao e 0museico, levando-os a desprezar tanto 0monumental quan-to a monumentalidade, os pos-rrioderrrisras tarribern fala-ram. ern nome de um apropriado antimonumentalismoquando corriecararn a atacar a arquitetura modernista co-mo universalizante, hegemonica e ossificada.Por raz6es obvias, a arquitetura e de fato 0meio por ex-

    eelencia em que a rejeicao ao monumentalismo se coloca,com a alegacao de que uma certa forrriacao cultural setornou congelada, ossificada, imobilizada. Parece csqtreci-do0tropo classico segundo 0qual as harmonias geometri-cas da arquitetura fazem eco as da rrnrsica, urn tropo que

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    26/58

    clu.rari ce 0 periodo rorrrarrtioo foi recuperado por Hoff-mann, Schelling e Goeche, entre ourros, e que era certa-rrierrte bern conhecido por Wagner. E evicierire que acquacao reducionista e pejorativa do monumental corn 0arquitetural no nosso tempo resulra rrrerros dos arranha-cetrs modernistas do que das fantasmagorias arquireronicasde Hider e seu rriesrre arquiteto Albert: Speer, que punhamrocla a errfase nos efeitos esmagadores e aterrorizadores daconsrr-ucao como urn instrumento de psicologia de massae d.orn.iriacao. Assim, para urria sensibilidade pos-T 945,Michel Foucault argumentaria que 0que estou cham andoaqui de scducao rn.orrurrierrtal represen~a "0fascismo erntodos nos, ern nossas cabecas e ern nosso compor~amen~ocotidiano, 0fascismo que nos leva a arria.r 0poder, a dese-jar precisamente aquilo que nos domina e explora". S

    Contra esse an tirrrorru.rnerrtal isrrio como idee recue doseculo x:x, que sempre reve urn papel-chave no discurso

    - dos anti-wagnerianos acima e para alerrr dos usos e abusosde Wagner por parte do Terceiro Reich, devemos nos Ierri-brar de que a monumentalidade como categoria esceuica ehistoricamente tao contingente e insd.vel quanto qualquerou.rra categoria esterica. Se 0monumental sempre pocleraser grandioso e irnpress ioriarrre, trazendo apelos de ererni-dade e perrnarrencia, e cla.ro que diferentes periodos his-toricos tern cxper ierrcias distintas sobre 0que seria esrrra-gador, e seu desejo pelo monumental sera d.iverso tanto ernqualidade quanto ern quantidade. Assirri, 0poder de sedu-cao de certas formas de monumentalidade do seculo XIX,ligado as necessidades politicas do estado nacional e as rre-cessidades culturais da burguesia, e claramente incom-pativel COITlas nossas sensibilidades politica e esrerica, ITlaSisso riao implica que estejarnos necessariamente livres de

    seducoes monumentais de per se.Se enfocarmos a especifi-cidade hist6rica da monumentalidade, posso ate imaginarque chegaremos a corrclusao de que a iclenrificacao domonumentalismo corn 0fascismo e0declinio do desejo demonumental como forma de rnasoquismo e auto-aniqui-lacao torria-se legivel ern si antes como texto hisror ico doque como corrdicao universal ou norma rnera-hi storica.

    Somente se h.isrorrcizarrnos a categoria da monumentali-dade ern si poderemos avarrcar para fora da dupla sombrado monumentalismo kitsch do seoulo XIX e do belicosoantimonumentalismo comum ao modernismo e ao pos-modernismo. So erirao seremos capazes de levan tar a ques-tao da rnorru.rrrerrtal.icia.dede modos potencialmente novos.

    3E quanto ao discurso do monumental em Wagner? Pre-

    tendo enfocar aqui a relacao entre 0rrrorrurrierrtalisrrro e 0proeminente discurso da arquitetura nos textos programa-ticos reorioos e crfricos de Wagner, que considero centraispara 0projeto estet ico de Wagner como urn todo.

    Em seu brilhante esruclo sobre Bataille, intitulado Con-tra a arquitetura, Denis Hollier assinalou como a busca e0desejo do monumental na modernidade e sempre a buscae 0desejo de or igeris." Isso e mais claro do que nunca noseculo XIX. A busca de origens se tornou irieviravel assimque as revol ucoes politica, ecorrornica e industrial come-c;:arama solapar as certezas religiosas e rrieraftsicas dos tem-pos precedentes. 0 discurso das origens no seculo XIX foiproduzido por aquilo que mais tarde Lukacs denominariao desamparo transcendental como conditio moderna, aoqual ele opunha a utopia de uma civilizacao integrada.

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    27/58

    Conclulrnos que essa obsessao do seculo XIX pelas origense suas fu.nclacoes rnfricas vinha atender as necessidades delegitirnidade cultural do esrad.o-rracao burgues p6s-revolu-cicmar io, ern fase de acelerada rriociernizacao, Ao mesmoternpo, como indica 0exemplo de Lukacs, a busca de ori-gens e a nova cultura emergente tarrrberri podiam assumiruma inflexao anti-ocidental, anticapitalista e arrrirn.oclerria.A obse.ssao pelas origens e seu rnito nao era apenas umaideologia reaciorraria do Estado, ou seu mero reflexo cul-tural e ideol6gico. Sua verdade, como afirrnou Adorno, eque ela manifestava como a modernidade oitocentista, erncorirraste corn 0 seu credo liberal e progressista, per-maneceu ligada a d.ialerica constitutiva entre esclarecimen-to e mito. E 0caso de Wagner.A fim de melhor compreender a relaoao entre 0rniro,0

    monumental e as origens, e irnportante lembrar que parao sectrlo XIX, ao corrtrar io do nosso ternpo, 0rnorrurn.en-tal se encarnava antes de tudo nos monumentos da an-tiguidade classica, monumentos que normalmente eramtransmitidos da maneira mais fragmentaria. Se os rnorru-rnentos classicos oferecerarn as nacoes euro peias urn arrco-radouro para suas rafzes culturais (perise-se na tirania daGrecia sobre a Alemanha), a busca de monumentos ria-cionais criava 0 primeiro passado nacional remoto quediferenciava cada cultura de seus pares tanto europeusquanto nao-europeus. A medida que rnais e mais monu-mentos er'arn desencavados - as escavaooes de Schliemanne0romance da arqueologia associado a seu nome sao aquiparadigmaticos - 0monumento veio a garantir a origem ea estabilidade bern corno a largueza do ternpo e do espas:ode urn mundo que se transformava rapidamente e era vivi-do corrio transit6rio, desenraizador e instavel. E 0rnorur-

    mento por excelericia para a adrrrir-aoao oitocentista pelaantiguidade classica e "pre-b isrocica" era a arquitetura. Por-tanto, nao foi por rnera coirrciclerroia que Hegel situou aarquitetura bern precisamente nos corn ecos da arte. Esp e-cialrrrerrre a arquitetura rnorrurrierrtal - pense-se no cultode obeliscos, pirarn.ides, ternplos, rnernoriais e torres fune-rarias - parecia garantir a pcrrnarren cia e oferecer urn ba-luarre corrtra a aceleracao do ternpo, as bases rrioveclicas doespas:o urbano e a transitoriedade da vida rnoderna. Ri-chard Wagner estava inserido nesse aspecto do secu.loXIX,riao contra a arquitetura, corno 0rnodernista Georges Ba-taille, e sim a fovor dela, sem hesitas:6es, riao contra as ori-gens, rnas basrarrte engajado ern sua busca, rrao a favor dosprazeres da transitoriedade e da rnoda (corrio Baudelaire),rnas violentarnente ern oposicao a eles e a procura de urrianova cultura permanente que realizaria 0que de chamavade "a tarefa hist6rico-rnundial-ardstica" [kunstwelt-geschichtliche AuJKabe} da musica, urn conceito dificil-rrierrte irnaginivel no discurso do rnodernismo frances. 10Encarar a pritica das artes corrio urna rnissao hist6rico-rnurid ial e de fato urn fenornerio peculiar a Alemanha, re-sulranre do al'to prrvilegi o dado as artes e a cultura noprocesso de moddagern da identidade nacional no periodoprecedenre a forrnacao do estado-nas:ao. alerriao. Nessaideia de urna rnissao da arte estava ancorada a auto-ima-gern de Wagner corrrogenio, rnanifesta ern sua Not [neces-sidade} de dar ao Volk alerriao urria nova cultura.

    De todo rnodo, a corrcepcao w-agneriana de arte, dramae musica participa do tao difundido irnaginario oicocerr-tista sobre os triunfos arquiretonicos, as origens estiveis eas funclacoes rniticas da riacao. Ao rnesrno tern.po, a osreri-siva rnonurnentalidade de seu projeto artistico, que de es-

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    28/58

    boc:;::ourrais claramente a partir de seus ensaios de finais daclecada de 1840 e inicios da de 1850, adquire sua formacontra 0pano de fundo de sua vociferante oposicao a urncerto tipo de monumentalismo do se

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    29/58

    por uma riarrat.rva hisror ica de declinio e renascimento,que retira seu efeito oitocentista de uma teoria do capita-Iisrno como d.ecad.ericia, corrupcao e conrarrririacao doVolk alerriao. Essa icleia de declfnio e renascimento e apre-sentada nas primeiras paginas de Arte e revoIUl;ao:

    De rndos dadas com a dissolufao do Estado .Areriiense,estava em marcha 0declinio da Tragedia. A medida que 0espirito da Comunidade se rompia sob a a cdo de milha-res de linhas de clivagem egoistica, desintegrava-se 0Gesamtkunstwerk da Tragedia em seusfotores individuais.Sobre as ruinas da arte trdgica ouviu-se a gargalhada en-sandecida de .Aristofanes, 0comediografo; e, no amargo jim,todo impulso deArte separalisou diante da Filosofia, que comlugubre semblante lia suas homilias sobre a fogacidade daflrfa e da beleza Irurnarias.'?

    Assirri, a irrtericao monumental de Wagner de recons-truir 0Gesamtkunstwerk a partir das ruinas da rrageclia e re-cria-Io depois de dois mil anos de hisroria mundial, vistosarraves das lentes de Hegel, e fundada num mundo ern rui-nas e riao esra voltada para 0futuro, rnas sirn para 0passa-do remoto. No entanto, se a propria origern ja estava fada-da a arruinar-se, e dificil imaginar como 0proprio Ge-samtkunstwerk projetado no futuro poderia evitar 0mesmofado. Erirao Wagner toma uma segunda medida, que tra-duz 0 topos historico da ascerisao e da queda das culturasnuma dirrierisao francamente mitica, que pressupoe desfe-chos desastrosos no proprio ato de furiclacao. Numa pas-sagem cerrrral de A obra artistica dofuturo, ele compara asrufnas da tragedia as rufnas da Torre de Babel:

    Na construcdo da Torrede Babel, quando suasfolas jica-ram confosas e a compreensdo mutua se tornou impossive/, asriacdes sesepararam umas das outras, cada qual seguindo seuproprio caminho; da mesma forma, quando toda soli-dariedade nacional se rompeu em milhares de particulari-dades egoisticas, as artes em separado se desprenderam doorguihoso egigantesco ediflcio do Drama, que perdera 0ani-mo inspirador da carnp reensdomutua. 14

    Ern Wagner, 0terna da erecao de uma nova cultura e dacria.cao de uma arte adequada a era vindoura sempre sefundou na desrr uicao e nas ruinas. 0 discurso das ruinasse inscreve no projeto de Wagner de desde 0inicio, e riaosomente depois de sua virada schopenhaueriana, como su-poem alguns. 0 drama musical wagneriano se ergue pro-gramaticamente sobre as ruinas da opera, assim como "aflor mais resplendente do puro hurnario-arnor" (u.rria refe-rerrcia aAndgona, Siegmund e Sieglinde, e Siegfried) desa-brochou "entre as ruinas do arnor ao sexo, aos pais e aos ir-rn.aos".15 Ern carta a Uhlig de 12 de rrovernb ro de 1851,mencionando pela prirneira vez 0titulo de urn projeto detetralogia, Wagner assirn se refere a uma ericeriacao doAnel:

    S6 concebo encend-Io apartir da reuolucdo:so a reuolucaopode me oferecerosartistas e0publico adequados. Inevitavel-mente, a reualucdo iminente deve provocar 0 jim de toda anossaatividade teatra!' Todososteatrosdevem e udo entrar emcolapso, isto e ineuieauel. De suas ruinaspoderei enrdo convo-car tudo 0que eupreciso:soentaopoderei encontrar 0que mee necessdrio.Levantarei um teatro asmargens do Reno, e en-tao distribuirei osconvitespara um grandefistival dramdti-

    1

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    30/58

    co. Depois de um ana de preparacdes,produzirei minha obrano curso de quarro dias. Com essaprodufiio, rransrnirirei aopovo da reuolucdo 0sign~ficadoda revolufiio, no seu senridomais nobre.0ublico hd de me cornpreenaer: 0publico atualn/io e capaz. j 6Nessa epoca, ern finais de 1851, menos de urn rnes antes

    do 18 Brumario de LUISNapoleao, Wagner imagina 0fu-turo como golpe esret ico bonapartista misturado a urn de-sejo anarquista a maneira de Bakunin e urn populismo rea-oioriar io alerriao, Assim como Luis Napoleao reivindicou 0manto de seu tio-a'vo, a prererisao de Wagner era ser torna-do como 0sucessor dos dois maiores artistas do periodoanterior, Goethe e Beethoven. Mas 0que ai se revela e jus-tamente 0desejo de monumentalidade, uma monumen-talidade que se caracteriza por urn forte complexo de infe-rioridade diante desses predecessores, cujos feitos Wagnermuitas vezes perdeu a esperan

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    31/58

    mental que Wagner pretendia fundar, corn seu drama mu-sical sobre as rufrias do estado, assim como tampouco seviu urn novo Arist6fanes que viesse chorar e gargalhar ernmeio as ruinas do Gesamtkunstwerk de ~agner. Ern vez detudo isso, Bayreuth esra vivo e passa bern como urn serorexemplar da irrdustr ia internacional da opera. Ja exisreoanel dosNibelungos ern quadrinhos, e temos ainda 0pro-grama de Dallas on the Rhine ("Dallas sobre 0Reno"), umaprodu.cao do Met dos anos oitenta. Pode ser que riao pre-cisemos de urn novo Arist.ofaries - e talvez se possa dizer:ainda bern!

    4Mas e quanto ao monumental nos dias de hoje? Nossomodo de apreciar a esret ica da monumentalidade - se pu-

    dermos admitir que sob algumas fornaas 0monumentalpode ser apreciado e riao precisa ser rejeitado a qualquercusto - encarna-se mais, a meu ver, no embrulhamento doReichstag pOl' Christo: uma Illonumentalidade que con-segue conviver corn a imper rnarierrcia e sem a d.esrruicao,que e fundamentalmente enformada pelo espirito moder-nista de uma epifania fugaz e rransitoria, mas que nem porisso e menos rrierno ravel ou monumental. Sua monumen-talidade foi a do grande evento cultural disseminado e re-rrierrroraclo pela mIdia, urn evento que foi ao rnesrrio tem-po monumental e antimonumentaL No entanto, 0proje-to de Christo foi urn evento artfstico, uma in.sralacao 11.0-rnade. Nao foi plarrejaclo como urn espa~o construfdo, esirn corno a sua disaolucao temporiria. Porranto, sua cele-bra~ao ievanta a quesrao se e posslvel ou mesrno desejivel,hoje, uma arquitetura rnonurnenta l.

    Isso me leva a Ulna reflexa.o final que descorrina urn no-vo conjunto de quesroes inerentes ao projeto de Christo eperr irierrtcs ao tema da monumentalidade na nossa cu.lru-ra. Ern 1943, ern Nova York, 0pintor Fernand Leger, 0ar-quiteto e urbanista Jose Luis Sen e0historiador SiegfriedGiedeon hzeram urn apelo pOI' uma nova monumentali-dade na arquitetura. No manifesto programitico do grupo,intitulado "Nove pontos sobre monumentalidade", des ar-gumentaram contra a pseudomonumentalidade do seculoXlX, bern como contra 0puro funcionalismo da escolaBauhaus e do Est ilo Irirerriaciorral.?" Suas teses se apoiavamna conviccao democritica de que existe urn anseio legitimopor urn espa~o publico monumentaL Os monumentos saoencarados como expressoes das mais elevadas necessidadesculturais de urn povo, e porranto os autores lamentam adesvaloriza~ao da monumentalidade pelo modernismo. Ho-je, seu manifesto parece uma derradeira tentativa de reins-crever uma monumentalidade democritica no projeto mo-dernista, Durn impulso que poderia ser historicizado comoern tudo pertencente a era do Ne"WDeal. 0 fato de suarero rica hoje soar urn tanto vazia e irrd.icarivo do decliniodo espa~o publico monumental nas tilcirrias clecadas. Nema recente tentativa de ressuscitar a nocao da grandeza na ar-quitetura, pOI' Rem Koolhaas, nem os poucos monumen-tos publicos novos bem-sucedidos, como 0Memorial doV'ietria ern Washington, podern dissimular 0fato de queesperamos ern vao pela ressur reicao de uma monumentali-dade publica. Talvez 0embrulharnento do Reichstag - quehoje so pode ser visro ern imagens reprodut:fveis da rn.Id.ia,desde canoes postais e estampas ern camisetas e canecas ateas imagens da Internet - seja no fundo sirrtomarico do des-tino ciamonumentalidade nos nossos tempos p6s-rnoder-

    64

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    32/58

    nos: rn.igrou do real para a irriagern, do material para 0irria-terial, e pOl' fim para 0banco digitalizado do computador.Como tantas vezes, ern quesroes de politica midiitica, os

    nazistas tiveram a irrtu icao correra ao ~istribuirem ern massaimagens das ITlaquetes de Speer ern forma de cartao postal.oefeito rnonumerital da arquitetura podia ser obtido corn arnesrna facilidade, e quem sabe ainda melhor, pOl' uma irna-gem roralizarrre, ern grande-angular. Nem precisa construir acoisa real. Isso nao foi bern UITlaesrrategia, mas funcionou.Anos depois a guerra, rruriros alernaes ainda acred.itavarn queos pr'ojetos de Speer para Bedim tinham sido realrrierrte cons-truidos e depois destruidos nas fases finais da guerra.Assirn , cinqiienta e rarrtos anos depois, a nos sa seclucao

    monumental ji pode riao tel' qualquer relacao corn 0espac;ode fato construido, e certamente riao tern nada a vel' corn osshopping centers gigantes postos no meio do nada, os aero-portos internacionais e sua cir'culacao ern massa de pessoas ernercadorias, ambos fisicamente desprendidos do lugar tra-dicional do espac;o publico: a cidade viva. Nao admira quernu itos VaGbuscar 0novo espa

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    33/58

    66

    (J Denis Hollier, Against archit:ecture: The Writ:ings of Georges Bataille("Contra a arquitetura: as escritos de Georges Bataille", Cambridge:MIT, 1989).10. A traclucao para 0Ingles publicada ern livro e insuficiente, poismenciona apenas "a tarefa biscor ic.o-rrru ndil " [world-historical task].Ver Richard Wagner, "The Art-work of the Future" ("Aobra ardstica dofuturo"), Richard U7tzgnersProse Works, trad. de William Ashton Ellis,vol. I ("Obra ern prosa de Richard Wagner", Nova York: Broude Bro-thers, 1966) 130.1 1 Wagner, "The An-work of the Future" (,'A obra arrfsrica do futu-ro") 162.12 Friedrich Nietzsche, "Nachgelassene Fragmente", Samtliche Werke,org. por Giorgio Colli e M=zino Montinari voL VIII ("Fragmentos pos-t.urrros", Obras completas, Munique: Deutscher Taschenbuch Verlag,1980) 501 (t raclu.cao minha - AH).13 Richard Wagner, "Art andRevolution"", Richard U7tzgnersProse Works, vol. 1, 35.14. Wagner, "The An-work of chc Future" 104f (rraciucao corrigida por AH).15 Richard Wagner, "Opera and Drama" ("Opera e drama"), RichardU7tzgnersProse Works, voLII, 189 (cra.duoao corrigida).i ( '; Inexplicavelmente, apenas uma pa;te desta passagem e traduzidaern Richard Wagner, Richard wagner" Letters to Dresden Friends 140.Para 0original ern alerrrao , consultar Samtliche Brieft IV Brieft derJahre1851-1852 ("Correspondencia corn plera, voL IV, Cartas dos anos de1851 e 1852", Leipzig: VEB Deutscher Verlag fur Musik, 1979) 176.'17 Mann 316.-1 8 Cosima U7tzgners Diaries (1878-1883), ("Diarios de CosimaWagner, 1878-1883"), org. por Martin Gregor-Dellin e Dietrich Mack,trad. por Geoffrey Skelton (Nova York: Harcourt Brace, 1980) 561.1D Richard Wagner, Carta a Uhlig de 22 de outubro de 1850 (rra-ducao minha - AH). Esta passagem esta totalmente ausente da tracluc.aoern Ingles da carta ern Richard wagners Letters to Dresden Friends. Parao original cornplcro , ver Wagner, Samtliche Brieft, voL III 460.

    Agrade

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    34/58

    tudo, ficarnos sabendo 0quao escorregadia e suspeita podeser a rrrern.oria pessoal; sernpre afetada pelo esquecirnentoe pela riegacao , a repressao e0traurna, na maioria das vezesela vern atender a necessidade de racionalizar e conservar 0'-poder. Mas a rrrernoria coletiva de uma sociedade riao ernenos contingente e inscavel; de rnodo nenhurn e perrna-nente sua forrna. Esra sernpre sujeita a recoristrucao, sutilou nern tanto. A rnern.oria de urna sociedade e negociadano corpo social de crerrcas e valores, rituais e in.sti.ru.icoes.No caso especifico das sociedades rnodernas, ela se formapara espas;os publicos de rnerrroria tais como 0rnuseu, 0mernorial e 0rnonumento. Mas a perrrrarrerrcia prometidapela pedra do rnonumento esra sempre erguida sobre aareia rnovecl ica. Alguns monumentos sao derrubados corna maior alegria, ern tempos de rebeliao social, enquantooutros preservam a memoria ern sua forma mais fossiliza-da, seja como rnir.o, seja como cliche.Ia outros se rrrarrterrisimples mente como figuras do esquecimento, corn seu sig-nificado e proposiro originais erodidos pela passagelll dotempo. Como escreveu Musil, "riao ha nada tao invisivelquanto os monumentos". IMas faz algum sentido opor memoria e esquecimento,

    como fazemos tantas vezes, sendo 0esquecimento quandorrru.iroreconhecido como 0defeito ire-vi ra.vel da memoria?Paradoxalmente, nao sera 0caso de notar que toda memo-ria inevitavelmente depende de distanciamento e esqueci-mento, justo as duas coisas que vern minar a sua prererrsaode estabilidade e credibilidade, e que sao ao mesrno tempoessenciais para a propria vitalidade da rnernoria? Nao seriau.rrrafor

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    35/58

    modernidade nao-autocritica e de rnu.rtas de suas manifes-racoes est(~ticas de vanguarda no principio do seculo :x::>(.No fundo, a rnoclerrrizacao era 0corxlao umbilical rnuitas ve-zes riao reconhecido que ligava os vazios modernismos esteri-cos e as vanguardas a modernidade social e economica da so-ciedade burguesa que des tanto detestavarn e corrrbariarn.As cleoadas recerrtes, no entanto, testemunharam urn cres-

    cente ceticismo quanto a ideologias como 0progresso, amedida que 0lado sombrio da rriocler nizacao vern imp res-sionando cad a vez mais as consciencias, nas sociedades oci-dentais, ern furicao dos totalitarisrnos politicos, dos empre-endimentos coloniais e das devasta

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    36/58

    aspira.coes, rnundos vividos concrer os - e de surna irri-por tarrcia. Reside a.I,a ITleUver, 0cerne erico e politico degrande parte do pensarnento pos-f'noclerrro e pos-escr urrr-ralista, vigorosarnente pre1gurad

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    37/58

    fo Hermann Lu.bbe diagnosticou esse historicismo ern ex-parisao na nossa culnura corrrerriporariea, afirmando que nun-ca antes uma cultura presente fora tao obcecada pdo pas-sado quanto nos anos 1970 e 19~"0, quando se passou aconstruir museus e rnernor iais como se riao houvesse maisarrianh.a." Mesmo os monumentos, que, depois dos exces-sos oitocentistas de pobreza esrer.ica e aberta legitimac;:ao deprojetos politicos, tinham passado por tempos dificeis narno-derniclacle (apesar de Gropius e 'Ta.clirr); tern vivido umaespecie de revival, beneficiando-se claramente da interisi-dade da nossa cultura memorial.

    Mas quais sao os efeitos dessa rnuseal iz.acao e como po-demos Ier essa obsessao pelos varios passados rerrrerrrora-dos, esse desejo de articular a memoria na pedra ou ernqualquer outromaterial permanente? Hoje, tanto a ITlemo-ria pessoal quanto a cultural sao afetadas pela erriergerrciade uma nova estr ut ura de temporalidade, gerada pelo rit-11.1.0 cada vez rna.is veloz da vida material, por urn lado, epela acelerac;:ao das imagens e das irrforrrraooes da rrrfd.ia,por outro. A velocidade clesrroi0espac;:o, e apaga a disran-cia temporal. Ern ambos os casos, 0mecanismo da percep-c;:aopsicologica se altera. Quanto mais memoria armazena-ITlOSern bancos de dados, mais 0passado e sugado para aorbira do presente, pronto para ser acessado na tela. UITlsentido de continuidade histor ica ou, no caso, de descon-tinuidade, ambos dependentes de urn antes e urn depois,cede 0lugar a simultaneidade de todos os teITlpos e espac;:osprontaITlente acesslveis pelo presente. A percepcao da dis-rancia espacial e temporal esra se apagando. Mas e evidenteque essa simultaneidade, essa presentidade sugerida peloinedia.tisrrro das imagens, e ern larga medida im.agina.ria, ecria suas proprias fantasias de onipoterrcia: a troca inces-

    sante de canais vista como a estrategla conrern porarrea dedesrealizac;:3.onarcisica. A medida que essa simultaneidadevai abolindo a alteridade entre passado e presente, aqui eali, ela tende a perder a sua ancoragem na referencialidade,no real, e 0presente sucumbe ao seu poder magico de si-rrnrla.cao e proj ecao de irnageris. Nao se pode rnais perce-ber a clife.rerrca real, a alteridade real no tempo Irisrorico ouna disraricia geografica. No caso rna.is exrrerrio, os Iirnitesentre fato e ficoao, realidade e percep cao se confundem aponto de nos deixar apenas COITla sirrnrlacao, e 0sujeitopos-rrio-d.errro se dissolve no mundo irriagj.nar io da tela. Osperigos resultantes do relativismo e do cirrisrrio tern sidornuiro debatidos nos u.ltirnos anos, mas a firn de u.lt.ra.pas-sar tais perigos deveITlos reconhecer que des sao inerentesaos nossos rn.oclos de processar 0conhecimento, errr vez desimplesmente d.errurrcia-Ios como se estivesserrros nurri jo-go de i.nr.electua.is niilistas. 0oque de corneta da verdadeobjetiva sirriplesrrierire riao vai dar certo.

    Ha, no entanto, UITlparadoxo generativo nessa nova sen-sibilidade rerrrporal. 0que sob urn aspecto parece a esrria-gadora vito ria do presente modernizador sobre 0passado,visto de uma outra perspectiva, apresenta-se como uma en-tropia do espa

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    38/58

    va. Seja urn paradoxo ou urna clialerica., a d.isserniriacao daarn ries ia na nossa cultura se faz acornpanhar de urn incoer-dvel fasdnio pela rnernor ia e pelo passado.Os criticos voltados para 0terna9-a perda da historia di-

    rao que a nova cultura de museus e'memoria que emergiunos ultimos anos contraria qualquer rrocao verdadeira debisroria, ao se converter antes de mais nada ern espetacu.loe entretenimento. Argumentariam que essa cultura apre-senta urn i.rriagjrrar io pos-rno derrio superficial e clesrro i, aoirrves de alimentar, toda rro-caoverdadeira de tempo - pas-sado, presente ou futuro. Mas 0 fascinio pelo passado emais do que urn simples efeito colateral cornperrsacor io oufraudulento de uma nova temporalidade pos-rrrocler na quepaira sobre a necessidade de memoria e 0ritmo aceleradodo esquecimento. Talvez ele deva ser levado a serio comourn modo de diminuir urn pouco a velocidade da moder-rrizacao, como uma tentativa, embora fragil e cheia de con-tradic;:6es, de atirar sa.lva-vidas ao passado e contrabalanc;:ara notoria rericlerrcia de nossa cultura a amnesia, sob 0signado lucro imediato e da politica de curto prazo. 0 rnuseu,o monumento e0memorial de fato se revigoraram depoisde terem sido rarrtas vezes dados por excirrtos ao longo dahisror ia do modernismo. 0 museu, 0monumento e0me-rnorial de fato se revigoraram depois de terem sido tantasvezes dados por extintos, ao longo da b.isroria do moder-nisrrro, Sua recem-adquirida irrrporta.ncia junto a conscieri-cia do publico, seu sucesso na cultura corrrernporarrea, ain-da riao encontraram urna explicaca.o. Simplesmente ja rraobasta denunciar 0rnuseu como basriao elitista do conheci-rnento e do poder, e a velha crfrica modernista contra 0rnonu.rncrrto deixa de ser convincente quando os autoresdos rnonurrrentos passaram a incorporar essa rnesrria criti-

    ca as suas prat icas de criacao. As fronteiras entre 0museu,o memorial e0monumento de fato se confundiram na lil-tirrra d.ecada, de rnodo a tornar obsoleta a antiga critica dorriuseu corrio fortaleza para poucos e do lUonurnento cornorneio de reificacao e esquecimento.Os museus, monurnentos e rnernoriais do Holocausto

    nao podem ser visros como alheios a essa cultura rnemorialpos-rrrocierrra. Ainda que 0Holocausto levante problemasi.n rranaveis para qualquer projeto de represeriracao rrierrro-rial, 0aumento da frequencia corn que se erguem novosmuseus e monurnentos sobre 0Holocausto ern Israel, naAlemanha e na Europa, assim corrio nos Estados Unidos,evidentemente faz parte de urn fenorneno cultural rnaisarrrplo.> Ferrorrrerro que riao deve ser atribuido apenas acrescente d.israrrcia geracional do acontecirnento ern ques-tao e a decorrente tentativa de contrapor-se ao inevitavelprocesso de esquecirnento, num tempo ern que a gerac;:aode testemunhas e sobreviventes vai diminuindo e surgemnovas gerac;:6es,para as quais 0Holocausto e ou rnerrior iamitica ou cliche.Uma razao para 0revigoramento do museu e do monu-

    mento na esfera publica pode ter algo a ver corn 0fato deque ambos oferecern uma coisa que a cclevisao recusa: aqualidade material do objeto. A perrna.nerrcia do monu-mento e do objeto de museu, antes criticada como reifica-c;:aomortificadora, assume urn papel diferente nurna cul-tura dominada pela fugacidade da imagem na tela e pelaimaterialidade das comunicac;:6es. E a perrrrarrerrcia domonumento na tao reivindicada esfera publica, ern areasde pedestres, centros urbanos restaurados e espacos rrierrro-riais preexistentes 0 que atrai u.rn publico insatisfeito COllla sirnu.la.caoe a troca incessante de canais. Diante disso, 0

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    39/58

    sucesso de qualquer monumento deve ser medido por suacapacidade de negociar corn os multiplos discursos de me-moria oferecidos pelas mesmas midias eletronicas frente asquais 0rn.onurriento como materia solid.a apresenta umaalternativa. E riao ha garantias de' que os monumentos dehoje, projetados e construidos corn a part icip acao do pu-blico, debates acirrados e engajamento memorialistico, rraovaG urn dia perdurar, como seus antecessores do secu.loXIX, como figuras do esquecimento. Por enquanto, pelomenos, urn antigo meio que urn dia sucumbiu ao rirrrio e avelocidade da rnoclernizaoao , passa a se beneficiar de novaspossibilidades numa cultura hibrida rnerno rial-rn idiaricx.

    4Apesar do recente crescrrrrerrro do revrsrorusrrio sobre 0

    Holocausto, G a q'uesrao do Holocausto nos anos 1980 e1990 riao e 0esquecimento, e sirn a on.i.preserrca, ou rrres-rrro0excesso da inag iriar ia do Holocausto na nossa cultu-ra, desde 0fasdnio pelo fascismo no cinema e na literatu-ra, que Saul Friedlander criticou de maneira tao convin-cente, ate a p.rolifer-acao de uma vitimologia do Holocaus-to rnuiras vezes superficial, notada numa grande variedadede discurs os politicos que nada tern a ver corn a Sboah." Dernaneira perversa, rnesmo a nega

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    40/58

    seu proprio caminho rumo ao testemunho, 0documen-tario ou 0 tratado historico justamente arraves de urnHolocausto ficcionalizado e emocionalizado feito especial-mente para 0h.orar io nobre da tel~visao. Se 0Holocaustopode ser comparado corn urn terr~moto que destruiu to-dos os instrumentos para medi-Io, como sugeriu Lyotard,errrao certamente deve haver rrrais de urn modo de repre-serrta-Lo.A crescente disraric.ia temporal e geracional, portanto, e

    importante sob outro aspecto: ela permitiu que a memoriaenfocasse mais do que apenas os fatos. Ern geral, tornamo-nos cada vez mais conscientes de como a memoria social ecoletiva e construida arraves de uma variedade de discursose diversas camadas de rep resenr.acoes , A historiografia doHolocausto, os arquivos, os testemunhos oculares, os fil-mes clocu.rnerrtario.s- tudo isso contribuiu para estabelecerurn nueleo duro de fatos, e esses fatos precisarn ser transmi-tidos as geras:6es postei="ioresao Holocausto. Sem fatos, rraoha memoria real. Mas rarrrberri estamos livres para reco-nhecer que 0Holocausto de fato se tornou disperso e fra-turado atraves dos diferentes modos existentes para rerrre-rriora-Lo. 0 enfoque obsessivo no indizivel e no irrepresen-ravel, tal como no passado 0articularam tao convincente-mente Elie Wiesel ou George Steiner, e tal como ele da for-ma hoje a filosofia erica de Jean-Frans:ois Lyotard, impedeesse reconhecimento. Mesmo ern sua forma bisrorica maisseria e legitima, a memoria do Holocausto se estrutura demodo bern d.ifererrte no pais das vft.irrias e no pais dos per-petradores, e tarnberri diverso nos paises da aliarrca a.ntr-nazisra."Desde 0principio, os mesmos fatos geraram relatos e

    rnerrrorias sintomaticarnente distintos. Na Alemanha, 0

    Holocausto significa a auserrcia de uma presens:a judaicaforte na sociedade, alern de urn fardo rratrrna tico para aidentidade nacional. Tentativas genuinas de larnerrracao,que existiram por urn certo tempo, enredam-se inexoravel-mente corn uma ferida narcisica, a aut.oflagclacao e 0rc-calque. Assim, ate muito recentemente rrao houve muitoconhecimento publico sobre 0que de fato se perdeu corna d.esrruicao - ou sequer urn maior interesse por isso. EmIsrael, 0Holocausto se tornou central para a furrd.acao doestado, tanto como 0desfecho de uma rejeitada hisroriados judeus como vitimas quanto como ponto de partida deuma nova h.isro.rianacional, uma auro-afirrriacao e uma re-sisrerrcia., Na inagrriacao israelense, a rebeliao do gueto deVarsov ia se reveste da forca de uma memoria mitica de re-sisrerrcia e heroismo insonclavcis na Alemanha. A imagi-nacao americana sobre 0Holocausto se concentra no pa-pel dos Estados Unidos como liberadores dos campos deconcerrtracao e porto seguro para refugiados e imigrantes,e os rnernorrars amencanos ao Holocausto se estruturamern conformidade corn isso. Na versao so'vietica, 0genoci-dio dos judeus perdeu a sua especificidade etnica e sirrr-plesmente degenerou na forma da per'segtricao nazista aocomunismo internacional. E isso ern tal medida que hojese faz rrccessario reconstruir as narrativas dos espas:os me-moriais europeus do Leste e sovrer.icos.Eelaro que muitas dessas iriforrnacoes sao hoje bern co-nhecidas, mas podem riao ter sido irrre.irarnerrce compre-endidas as suas irnplicacoes para 0debate sobre rememo-racao, esquecimento e represerrtacao, Essa fratura rnu.lriplada memoria do Holocausto ern diferentes paises e a sedi-mentas:ao ern diversas camadas de imagens e discursos quevariarn desde 0documentario ate a telenovela, desde 0t.es-

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    41/58

    temunho de sobrevivente ate a narrativa de ficoao , desde 0campo de corrcerirr acao ate a pintura memorial d.everri servistas ern seus aspectos de ca.pa.citacao politica e cultural,como antidoto ern potencial co~tra 0 congelamento damemoria numa imagem rraurnat.ica ou no enfoque embo-tador dos rn'irrreros, 0 novo museu do Holocausto ern Wa-shington D. C. e tao bem-sucedido justamente por sua ca-pacidade de lidar corn toda uma variedade de discurs os,midia e acervos documentais, abrindo assirri, na memoriade seus visitantes, urn espa

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    42/58

    A grande oportunidade do monumento ao Holocaustohoje reside ern sua intertextualidade e no fato de que ele eapenas uma parte de nossa cultura memorial. Como as fron-teiras tradicionais entre 0museu",-0monumento e a histo-riografia se tornaram mais fluidas, 0 proprio monumentoperdeu rnu.iro de sua perrrrarrerrcia. e fixidez. Porrarito, oscriter ios para a avalia

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    43/58

    representa a camada mais profunda de solidariedade entretodososque vestemum rostohumano; niio obstante todososatos costumeirosde bestialidade na historia humana, a inte-gridade dessa camada comum (ra tida por segura. (...JAuschwitz mudou as basesda continuidade das conciiciiesdevida na historia.11

    Esse conhecimento pode ser facilmente esquecido ou re-calcado. Prese rva-Io e tanto rnais urgente quando a culturapos-rrrocler.na., pos-Auschwitz, se mostra imbuida de umaambiguidade fundamental. Obcecada pela memoria e pelopassado, ela rarrrbeirn se envolve numa diriarrrica destrutivade esquecimento. Mas talvez a dicotomia do esquecimen-to e da rerrierrroracao tarrrbern escape ao rnais importante.Talvez a cultura p-os-rrroclerria do ocidente seja presa deuma fixaoao tr-aurriar.ica num evento que atinge 0cerne danossa identidade e da nossa cultura politica. Neste oaso, 0monumento, 0memorial e0museu do Holocausto seriamo instrumento que Franz Kafka gostaria de que a Iireraru-ra fosse, quando afirmou que urn livro deve ser 0macha-do para 0mar congelado dentro de rios.??Precisamos domonumento e do livro para evirar que 0mar congele. Namemoria congelado, 0passado riao e nada alern de pas-sado. A temporalidade interior e a politica da memoria doHolocausto, no entanto, rriesrn.o quando ela fala do pas-sado, devem ser orientadas na dieoao do futuro. 0 futurorrao nos julgara pelo esquecimento, e sirn pela rememora-

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    44/58

    9 Geoffrey Hartman, "The Book of Destruction" ("0 livro da des-nui

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    45/58

    Nao irnporta por onde comecemos nossa d.iscu.ssaoda CI-dade dos signos - se corn a leitura de Paris feita por VictorHugo ern Notre-Dame de Paris, COITlOurn livro escrio riapedra; se corn a tentativa de Alfr~d Doblin, ern Berlin Ale-xanderplatz, de criar uma montageITl de rrru.ltiplos discur-sos da cidade que se acotovelam COITlOpassantes ern umacalcada cheia; se corn a no

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    46/58

    cos, agora tornada - segundo a 'visao distorcida do crIricoindistinguivel da verdadeira arre..' Devemos apenas esperarque a t.ra.rrsforrraca.o da Times Square - de para.Iso de ma-landros, prostitutas e clrogad.os a inst alacao de arte pop -rrao seja urn pressigio da trarrsfo rrnacao radical de Man-hattan num museu, urn processo que ji se encontra muitoavarrcaclo ern algumas antigas cidades da Europa.

    Isro me traz de volta a Bedim, uma cidade famosa justa-mente por suas gloriosas cole

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    47/58

    Berfirrr-corrro-cexro perUlanece, principalrnente, comourn rexto histor ico, rrrar'caclo tanto (se rrao rnais) por au-serrcias quanto pela presen

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    48/58

    to orirnista da elipse e totalmente claro e radicalmenteoposto ao larrierit.o feito ern 1910 por Karl Scheffler de queeste e0destino tragi co de Berlim: "sernpre vir a ser, e nun-ca ser". 2 Muitas das constrU

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    49/58

    ern brarico circundando a Bedim Frontstadt, 0 quelJo capi-talista num vazio que existia de fato.

    Quando 0 Muro caiu, Bedim acrescentou' urn ou.t rocapitulo a sua narrativa de vazios, urn capitulo que trouxede volta as sombras do passado' e fantasmas assustadores.Durante uns dois anos, 0 centro de Bedim, portal entre aspartes leste e oeste da cidade, era urn terreno baldio de de-zessete acres que ia do Porrao de Brandenburgo a Pots-darner Platz e a Leipziger Platz, urn largo rasgao de sujeira,mato e restos de pavirnentaca.o, sob urn enorme oe.u queparecia maior ainda dada a auserroia de urn horizonte deedif.icios altos, tao caracteristicos desta cidade. Os berl i-nenses chamavam a regiao carinhosamente de "as estepesda cidade das maravilhas", ou "a pradaria da hisroria"." Eraurn espa~o assustador, entrecruzado por urn labirinto detrilhas que levavam a lugar nenhum. Uma pequena eleva-~ao marca os restos do bunker dos guardas. da SS de Hitler,que, depois de reaberto apos a queda do 1vIuro, logo foihermeticamente fechado pelas autoridades para evitar quese tornasse urn local de peregrina~oes neonazistas. Cami-nhando at raves desse espa~o, que tinha sido uma rerra-cie-ninguem minada e emoldurada pelo Muro, e que agoraserve ocasionalmente de palco para concertos de rock eoutras arracoes culturais rern porar ias, quase riao pude melembrar que essa tabula rasa foi urn dia 0 lugar do Reich-skanzlei de Hitler e 0 espa~o a ser ocupado pelo megalo-maniaco eixo norte-suI projetado por Speer, desde 0 Gran-de Portal ao norte ate 0 arco do triunfo de Hitler, no suI,o centro do poder do inperio de rril anos a ser terrninadopor volta de 1950. No ve.ra.o de 1991, quando a maiorparte do Muro ja tinha sido removida, leiloada ou vendidaaos turistas erri lascas e ped.acos , a area estava apinhada dos

    vergalhoes de a~o da muralha, deixados para rras pelosMauerspechte, os vendedores de cacos do Muro, e decora-dos corn bandeirinhas de papel colorido, que ficavarn ba-Iarrcanclo ao vento; eles marcaram poderosamente 0 vaziocomo uma segunda natureza e como memorial. Essa irrsra-la~ao aumentava urn estranho sentimento: 0 vazio satura-do de historia irrvisf vel, corn rn.errrorias da arquitetura cons-trufda e riao-coristr ufda. Isto fez florescer 0 desejo de d.ei-xar tudo como era, 0 memorial C0ll10 urria pagina vaziabern no centro da cidade reunificada, centro que foi e scrrr-pre rerri sido, ao rnesrrro tempo, 0 portal entre as partesIesre e oeste da cidade, espa~o que agora, COll1u.rna outracam ada de significa~ao, parecia ter sido c.harriaclo a repre-sentar 0 muro invisivel da nossa cabe~a, que ainda separa-va as .Alerrranhas e que foi antecipado por Peter Schneiderbern antes do verdadeiro Muro vir aba.ixo,"

    Desde errrao, a reconsrr ucao deste centro vazio de Ber-lim tornou-se 0 foco central de todas as discu.ssoes sobre aBedim do amanha. COll1 a sede do novo governo as rria.r-gens do rio Spree, ao lado do Reichstag ao norte, e as no-vas c.ontrucoes na Porsclarn er Platz e na Leipziger Platz, noextremo sudeste deste espa~o, Bedim, na verdade, ganhouurn novo centro de poder gover narneriral e empresarial.Mas qual a irn.porraricia que 0 centro da cidade teria paraas cidades do futuro? Afinal de corrtas, a cidade C0ll10cen-tro e a cidade centralizada esrao erri quesrao hoje erri dia.Bernard Tschumi coloca isso rriu.iro bern quando pergun-ta: "como pode a arquitetura, cujo papel h.isrorico era ge-rar 0 aparecirrrerrro de imagens estaveis (monumentos, or-dem etc.), lidar corn a atual cultura de desaparecimentodas imagens insraveis (0 cinema de 24 quadros por segun-do, 0 video e as imagens gel-adas por com.putad or)?"? Para

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    50/58

    alguns surfistas da internet e flaneurs de cidades virtuais, acidade construida ern si tornou-se obsoleta. Entretant 0outros, corno Saskia Sassen, a urbanista de Nova York,ouDieter Hoffrnan-Axthelrn, 0 corrheciclo critico de arquite_tura de Berl irn, alegararn de forrna convincente que foi jus-tarnente 0 crescirnento das telecomunica

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    51/58

    arruinados. Nos anos 1980, passou a ser incorporado aosprincipais esrorcos de preservacao da cidade. E agora ditaos mais importantes pararnerros do novo conservadorismoarquitetonico. Foram esquecidas oasexperierrc.iasarqu.ir.eto-nicas e urbanisticas dos anos 1920, como os gran des con-juntos residenciais de Martin Wagner e Bruno Taut. Foi es-quecida - ou melhor: recalcada - a arquitetura do pedodonazista, da qual, apesar de tudo, Bedim ainda guarda exerri-plos significativos, desde 0Esr.adio Olimpico ate 0Minis-rerio da Avia

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    52/58

    antigas e da Bedim do Imperio guilhermino. Aderir aomodelo americano era aderir a modernidade tecnologica epragm3xica do,funcionalismo, da cultura de massa e da de-mocracia. Nessa epooa, os Estados Unidos ofereciam aimagem do novo, mas a Ierrrbranca da arquitetura de Wei-mar - Eric Mendelsohn, Walter Gropius e a Bauhaus, Bru-no Taut, Martin Wagner, Hannes Meyer, Mies van derRohe - simplesmente riao aparece nos debates atuais sobrea arquitetura de Bedim. No seu antimodernismo, os con-servadores tornaram-se pos-rrrocler nos. Nao admira, por-tanto, que a prcfererrcia de Stimmann pela reconscru.caocdtica diga respeito principalmente a imagem e a publici-dade: a imagem do construido que cria urn senso de iden-tidade tradicional para Bedim, cujos vazios devern ser pre-enchidos; e a imagem internacional mais intangivel, embo-ra economicamen te decisiva, de uma cidade dos servi-

  • 5/8/2018 TERICO - Huyssen - Seduzidos pela memria - completo em portugus

    53/58

    ("canteiro de obras")_ BerliITl COITlOUITltodo faz publici-dade de si rnesrria COITlOse Fosse urna Schaustellen, COITl0slogan "Biihnen, Bauten, Boulevards" ("palcos, predios,boulevares"), e rnonrou UITlprog[aIT1a cultural que incluiurna.is de duzentos passeios tu.rfst ioos pelos canteiros deobras e oito