humanismo_behaviorismo02

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    HUMANISMO E BEHAVIORISMO1

    B.F.SKINNER2

    Parece haver duas maneiras para conhecer, ou saber a respeito de outra pessoa. Uma associada ao existencialismo, fenomenologia e estruturalismo. Prope-se a saber o queuma pessoa , ou como , ou como est sendo, ou como vir a ser. Neste sentido, tentamosconhecer uma outra pessoa da mesma forma que nos conhecemos. Compartilhamos seussentimentos atravs do acolhimento ou empatia. Atravs da intuio descobrimos suasatitudes, intenes e outros estados da mente. Comunicamo-nos com ela no sentidoetimolgico de tornar as idias e sentimentos comuns a ns dois. E, fazemos isso de formamais eficaz se tivermos estabelecido boas relaes interpessoais. Esta uma forma deconhecer passiva e contemplativa: se desejamos prever o que uma pessoa faz ou estprestes a fazer, assumimos que ela - como ns ir se comportar de acordo com o que ela; seu comportamento - como o nosso - ser uma expresso de seus sentimentos, estados damente, intenes, atitudes e assim por diante.

    A outra maneira de conhecer diz respeito ao que uma pessoa faz. Podemos,usualmente, observar isto to diretamente quanto qualquer outro fenmeno no mundo; no necessria uma forma especial de conhecimento. Explicamos por que uma pessoa secomporta como o faz, nos voltando para o ambiente e no para as atividades ou estadosinteriores. O ambiente foi eficaz durante a evoluo das espcies e denominamos oresultado de dotao gentica humana. Um membro da espcie exposto a outra partedesse ambiente durante sua vida, e dela ele adquire um repertrio de comportamento queconverte um organismo com uma dotao gentica em uma pessoa. Atravs da anlisedesses efeitos do ambiente, podemos avanar para a predio e controle de comportamento.

    Mas ser que esta formulao do que uma pessoa faz pode negligenciar qualquerinformao disponvel sobre o que ela ? H lacunas temporais e espaciais entre ocomportamento e os eventos ambientais aos quais ele atribudo e natural tentarpreench-las com um relato do estado mediador do organismo. Fazemos isto quandosintetizamos uma longa histria evolucionria falando de dotao gentica. No estaramosfazendo o mesmo quando falamos de uma histria pessoal? Um fisiologista oniscientedeveria ser capaz de dizer-nos, por exemplo, como uma pessoa mudada quando umafrao de seu comportamento reforada, e aquilo que ela assim se torna deveria explicarporque ela, subseqentemente, se comporta de forma diferente. Argumentamos destamaneira, por exemplo, em relao imunizao. Comeamos com o fato de que a

    vacinao torna menos provvel que uma pessoa venha a contrair uma doena

    1Skinner, B. F. (1978).Reflections on Behaviorism and Society, cap.4. Prentice Hall: Englewood Cliffs,N. J.Trabalho apresentado naHumanist Society , So Francisco, maio/1972. Publicao original: The Humanist,julho/agosto,1972.

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    Texto traduzido por Hlio Jos Guilhardi e Patrcia Piazzon Queiroz, para uso exclusivo dos grupos de

    estudo e superviso do Instituto de Terapia por Contingncias de Reforamento (Campinas SP).

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    posteriormente. Dizemos que ela se tornou imune e falamos de um estado de imunizao, oqual passamos a examinar.

    Um fisiologista consciente deveria ser capaz de fazer o mesmo para estadoscomparveis no campo do comportamento. Deveria tambm ser capaz de mudar ocomportamento, mudando diretamente o organismo, ao invs de faz-lo mudando o

    ambiente. No est o existencialista, o fenomenologista ou o estruturalista dirigindo suaateno exatamente para tal estado mediador?Um dualista ferrenho diria que no, porque, para ele, o que uma pessoa observa

    atravs da introspeco e o que um fisiologista observa com suas tcnicas especiais estoem universos diferentes. Mas razovel a viso de que aquilo que sentimos, quando temossentimentos, so estados de nossos prprios corpos e de que os estados da mente quepercebemos atravs da introspeco so outras variedades dos mesmos tipos de coisas. Nopodemos, portanto, antecipar o aparecimento de um fisiologista onisciente e explorar alacuna entre ambiente e comportamento, tornando-nos mais perspicazmente cientes do quesomos?

    neste ponto que uma anlise behaviorista do autoconhecimento se torna muitoimportante e, infelizmente, mais propensa a ser interpretada erroneamente. Cada um de nspossui uma pequena parte do universo debaixo de sua prpria pele. No , por essa razo,diferente do resto do universo, mas trata-se de uma propriedade privada: temos maneiras desaber a seu respeito que so negadas aos outros. um engano, no entanto, concluir que aintimidade de que desfrutamos significa uma forma especial de compreenso. Somos, semdvida, estimulados diretamente por nosso prprio corpo. O sistema nervoso chamado deinteroceptivo reage a condies importantes na privao e na emoo. O sistemaproprioceptivo est envolvido com a postura e com o movimento e, sem ele, malpoderamos nos comportar de modo coordenado. Estes dois sistemas, junto com o sistemanervoso exteroceptivo, so essenciais para o comportamento eficaz. Mas saber (knowing) mais do que responder a estmulos. Uma criana reage s cores das coisas antes de sabersuas cores. Saber (knowing) requer contingncias especiais de reforamento que tm queser arranjadas por outras pessoas, e as contingncias que envolvem eventos privados nuncaso muito precisas porque as outras pessoas no esto efetivamente em contato com eles.Apesar da intimidade com nossos prprios corpos, ns os conhecemos com menos precisodo que conhecemos o mundo que nos cerca. E, h, por certo, outras razes pelas quaisconhecemos o mundo privado dos outros ainda menos precisamente.

    A questo importante, no entanto, no preciso, mas o tema. O que pode,exatamente, ser conhecido quando conhecemos a ns mesmos? Os trs sistemas nervososacima mencionados evoluram sob contingncias prticas de sobrevivncia, a maioria dasquais no sociais. (Contingncias sociais importantes para a sobrevivncia devem teremergido em reas como comportamento social e maternal). Elas eram, presumivelmente,os nicos sistemas disponveis quando as pessoas comearam a conhecer-se a si mesmas,como resultado de respostas a questes sobre o seu comportamento. Ao responder aquestes como: Voc v aquilo? ou Voc ouve aquilo? ou O que aquilo?, umapessoa aprende a observar suas prprias respostas aos estmulos. Ao responder a questescomo: Voc est com fome? ou Voc est com medo?, aprende a observar estados doseu corpo relacionados a privao e a respostas emocionais. Ao responder a questes como:Voc estar indo? ou Voc pretende ir? ou Voc est a fim de ir? ou Voc estinclinado a ir?, ela aprende a observar a fora ou a probabilidade de seu comportamento.A comunidade verbal faz esse tipo de questes porque as respostas so importantes para ela

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    e, num sentido, ela torna as respostas importantes para a prpria pessoa. O fato importante que tais contingncias, sociais ou no sociais, no incluem nada alm de estmulos erespostas; elas no incluem processos mediadores. No podemos preencher a lacuna entreo comportamento e o ambiente do qual ele funo atravs da introspeco, porque, parafalar em termos fisiolgicos diretos, no temos nervos conectados com os lugares

    necessrios para isso. No podemos observar os estados, nem os eventos aos quais umfisiologista onisciente teria acesso. O que sentimos quando temos sentimentos e o queobservamos atravs da introspeco no so nada mais que um conjunto variado deprodutos colaterais ou sub-produtos das condies ambientais com as quais ocomportamento se relaciona. (No agimos porque nos sentimos dispostos a agir, porexemplo; ns agimos e nos sentimos dispostos a agir por causa de uma razo comum a serprocurada em nossa histria ambiental). Quero com isso dizer que Plato nunca descobriu amente? Ou que Aquino, Descartes, Locke e Kant estavam preocupados com sub-produtosincidentais de comportamento humano, freqentemente irrelevante? Ou que as leis mentaisdos psiclogos fisiologistas, como Wundt, ou que o fluxo de conscincia de William James,ou o aparelho mental de Sigmund Freud no tm um lugar til na compreenso docomportamento humano? Sim, estou. E exponho o tema com nfase porque, se pararesolver os problemas com que nos deparamos no mundo de hoje, esta preocupao com avida mental no deve mais afastar nossa ateno das condies ambientais das quais ocomportamento humano funo.

    Mas por que temos atribudo tanta importncia aos nossos sentimentos e estados damente, a ponto de negligenciarmos o ambiente? A resposta parece estar na imediaticidade eproeminncia dos estmulos. Muitos eventos relevantes em nossa histria pessoal passaramsem serem notados. Por um lado, o comportamento em relao ao qual eles, em algummomento, se mostraro relevantes ainda no ocorreu e no pode contribuir para ascontingncias que nos levariam a observ-los. E, se os tivermos notado, podemosrapidamente nos esquecer deles. Mas nossos sentimentos, idias, intenes sentidasetc., freqentemente, se superpem ao comportamento com os quais esto relacionados eocorrem, usualmente, no exato lugar que seria ocupado por uma causa (de acordo com oprincpio de post hoc, ergo propter hoc3). Por exemplo: freqentemente sentimos umestado de privao ou de emoo antes de agirmos de uma determinada maneira. Sedissermos alguma coisa a ns mesmos, antes de diz-la em voz alta, o que falamos altoparece ser a expresso de um pensamento interior. E se dissermos alguma coisa em vozalta, sem diz-la primeiramente para ns mesmos, tentador supor que devemos estarexpressando um pensamento no verbal.

    Esta aparente causalidade alojada dentro do mundo privado debaixo da pele, juntocom a organizao imposta sobre ela, pelo fato de que todas as suas condiesdeterminantes ocorreram na histria de uma pessoa, gera um senso de eu (sense of self).Sentimos que h um eu que sabe o que ir fazer e o faz. Cada um de ns est ciente ouconsciente de pelo menos um desses eus, que aprendemos a manejar mais ou menoseficientemente.

    Uma vez que os nicos eus que conhecemos so eus humanos, diz-se,freqentemente, que o homem se diferencia de outras espcies precisamente porque estciente de si mesmo e participa na determinao de seu futuro. O que caracteriza a espcie

    3 Nota dos tradutores: Depois disto, logo por causa disto (como o erro de considerar como causa o que mero antecedente)

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    humana, no entanto, o desenvolvimento de uma cultura, um ambiente social que contmas contingncias que geram autoconhecimento e autocontrole. este ambiente que temsido, por tanto tempo, negligenciado por aqueles que tm se interessado pela determinaointerna da conduta. Tal omisso tem feito com que prticas melhores para produzirautoconhecimento e autogoverno tenham malogrado.

    Diz-se com freqncia que uma anlise behaviorista desumaniza o homem. Masela simplesmente no precisa de uma fico explicativa perniciosa. Sendo assim, move-semuito mais diretamente para os objetivos, do que a fico erroneamente proposta paraalcan-los. As pessoas entendem a si mesmas e governam a si prprias mais eficazmentequando entendem as contingncias relevantes.

    Processos importantes em autogoverno pertencem aos campos da tica e da moral,nos quais conflitos entre conseqncias imediatas e atrasadas so considerados. Uma dasgrandes faanhas de uma cultura tem sido a de fazer as conseqncias remotas virem a cairsobre o comportamento do indivduo. Podemos planejar uma cultura na qual os mesmosresultados sero alcanados, com maior eficcia, deslocando nossa ateno da soluo doproblema ou conflito moral para as contingncias externas.

    Podemos nos deslocar de um agente interior para determinantes ambientais, semignorar a questo de valores. Tem-se argumentado que o behaviorismo ou pretende serlivre de valores, mas que nenhuma cincia livre de valores pode lidar, adequadamente, como homem qua homem. O que est errado no argumento tradicional pode ser identificado naexpresso julgamento de valor. Um agente interior iniciadorjulga as coisas como boas oums. Mas uma fonte muito mais eficaz de valores encontrada nas contingnciasambientais. As coisas que as pessoas consideram como boas so reforadores positivos ereforam por causa das contingncias de sobrevivncia sob as quais a espcie evoluiu. Atrecentemente, a espcie poderia sobreviver fome, peste e a outras catstrofes apenas seseus membros procriassem em todas as oportunidades e, sob tais contingncias, o contatosexual se tornou altamente reforador. O sexo no reforador porque bom; reforadore bom por uma razo filogentica comum. Alguns reforadores podem adquirir seu poderdurante a vida do indivduo. Bens sociais, tais como ateno ou aprovao, so criados eusados para induzir pessoas a se comportarem de maneiras que sejam reforadoras paraaqueles que os usam. O resultado pode ser bom para o indivduo tanto quanto para osoutros, em especial quando conseqncias atrasadas so mediadas.

    Os valores que afetam aqueles que so responsveis por outras pessoas fornecembons exemplos da importncia de mudar dos supostos atributos de um homem interno paraas contingncias que afetam comportamento. H cinco grupos clssicos de seres humanosque tm sido maltratados: o jovem, o velho, prisioneiros, psicticos e retardados. Somaltratados porque os responsveis por eles no tm afinidade, ou compaixo, oubenevolncia, ou falta-lhes conscincia? No; o fato importante que eles so incapazes dese defender. fcil maltratar quaisquer desses cinco tipos de pessoas sem ser, emconseqncia, maltratado por elas. O confronto de 1972, entre humanistas e catlicos, noLafarge Center, na cidade de Nova York, no conseguiu deixar claro que as origens daconscincia no podem ser encontradas nas verdades psicolgicas, mas nas sanespunitivas.

    Uma anlise ambiental possui uma primazia especial para promover um tipo devalor interessado no bem da cultura. As culturas evoluem sob contingncias especiais desobrevivncia. Uma prtica, que torne mais provvel a sobrevivncia de uma cultura,sobrevive com a cultura. As culturas tornam-se mais bem sucedidas para agrupar

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    contingncias de sobrevivncia, na proporo em que induzem seus membros a secomportarem de maneiras mais e mais sutis e complexas. (O progresso no inevitvel, porcerto, pois h culturas extintas, bem como espcies extintas). Alcana - se um estgioimportante quando uma cultura induz alguns de seus membros a se interessarem por suasobrevivncia, porque eles podem, ento, planejar prticas mais eficazes.

    Atravs dos anos, homens e mulheres tm, vagarosa e desordenadamente,construdo ambientes fsicos e sociais nos quais tm se aproximado mais do preenchimentoe realizao do seu potencial. No mudaram a si mesmos (trata-se de um problema genticoque ainda no foi solucionado); mudaram o mundo em que vivem. Pode-se dizer que, noplanejamento de sua prpria cultura, o homem controla seu destino.

    Eu definiria um humanista como uma daquelas pessoas que, por causa do ambienteao qual foi exposta, est interessada no futuro da humanidade. Um movimento que sedenomina psicologia humanista segue uma trajetria bem diferente. Ele tem sido descritocomo uma terceira fora para se diferenciar do behaviorismo e da psicanlise; no entanto,terceira no deveria ser entendida como avanada, nem fora sugere poder. Uma vezque, tanto o behaviorismo como a psicanlise vem o comportamento humano como umsistema determinado, os psiclogos humanistas tm dado nfase a um contraste, aodefender a autonomia do indivduo. Tm insistido que a pessoa pode transcender seuambiente, que ela mais que um estgio causal entre ambiente e comportamento, que eladetermina quais foras ambientais atuaro sobre si; em outras palavras, que ela tem livreescolha. Tal posio evidente no existencialismo, na fenomenologia e no estruturalismo,porque a nfase sobre o que a pessoa ou est se tornando. A expresso auto-atualizao, de Maslow, encaixa-se perfeitamente: o indivduo deve completar-se, noapenas atravs da gratificao, claro, mas atravs do crescimento espiritual.

    Os psiclogos humanistas no esto despreocupados com o bem dos outros, nemcom o bem de nossa cultura ou da humanidade, mas sua proposta essencialmente egosta.Seu crescimento pode ser localizado na luta pela liberdade poltica, religiosa e econmica,na qual um dirigente desptico poderia ser destitudo apenas persuadindo o indivduo deque ele era a fonte do poder usado para control-lo. A estratgia tem tido resultadosbenficos, mas tem levado a um exagerado enaltecimento do indivduo, o que pode, poroutro lado, levar a novas formas de tirania ou ao caos. O suposto direito do indivduo paraadquirir bens ilimitados, que ele pode usar livremente conforme seu desejo, resulta,freqentemente, em uma forma de despotismo, e o interesse hindu pelo crescimentoespiritual tem sido acompanhado por uma quase total negligncia do ambiente social.

    Melhores formas de governo no sero encontradas em melhores legisladores,melhores prticas educacionais em melhores professores, melhores sistemas econmicosem administradores mais brilhantes, ou melhor terapia em terapeutas mais compreensivos.Tambm no sero encontradas em melhores cidados, estudantes, trabalhadores oupacientes. O equvoco secular est em procurar a salvao na natureza dos homens emulheres autnomos, ao invs de busc-la no ambiente social que surgiu na evoluo dasculturas e que pode ser explicitamente planejada.

    Ao mudar a nfase do homem qua homem para as condies externas das quais ocomportamento do homem funo, tornou-se possvel planejar melhores prticas paracuidar dos psicticos e retardados, para os cuidados infantis, para a educao (tanto nomanejo de contingncias em sala de aula como na programao de material institucional),para os sistemas de incentivo na indstria e nas instituies pessoais. Nestas e em muitasoutras reas podemos agora trabalhar mais eficazmente para o bem do indivduo, em

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    benefcio do maior nmero de pessoas e para o bem da cultura ou da humanidade como umtodo. Estas so, certamente, preocupaes humanistas, e ningum que se chame dehumanista pode se dar o direito de ignor-las. Homens e mulheres nunca se defrontaramantes com maior ameaa para o futuro da espcie. H muito a ser feito, e rapidamente, enada menos que a prtica ativa de uma cincia do comportamento bastar.