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1 ÁLVARO AUGUSTO DEALCIDES SILVEIRA MOUTINHO BAHLS HOSTEL: proposta conceitual, análise socioespacial e do panorama atual em Florianópolis (SC) BALNEÁRIO CAMBORIÚ (SC) 2015

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ÁLVARO AUGUSTO DEALCIDES SILVEIRA MOUTINHO BAHLS

HOSTEL: proposta conceitual, análise socioespacial e do panorama

atual em Florianópolis (SC)

BALNEÁRIO CAMBORIÚ (SC)

2015

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UNIVALI UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

Pró-reitora de Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Cultura - ProPPEC Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hotelaria - PPGTH

Curso de Mestrado Acadêmico em Turismo e Hotelaria

ÁLVARO AUGUSTO DEALCIDES SILVEIRA MOUTINHO BAHLS

HOSTEL: proposta conceitual, análise socioespacial e do panorama

atual em Florianópolis (SC)

Dissertação apresentada ao colegiado do PPGTH como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Turismo e Hotelaria – área de concentração: Planejamento e Gestão do Turismo e da Hotelaria – Linha de Pesquisa: Planejamento do destino turístico. Orientadora: Profa. Dra. Raquel Maria Fontes do Amaral Pereira

BALNEÁRIO CAMBORIÚ (SC)

2015

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Dedico esse trabalho à minha amada mãe Magnólia Silveira Moutinho Bahls, sem ela seria nada. À minha amada e eterna namorada Fernanda Bernardes, minha melhor metade.

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AGRADECIMENTOS

Nós gostamos de pensar que temos controle sobre nossas vidas, livre arbítrio.

Decidimos nosso futuro através das nossas escolhas e ações, quando na verdade não

conseguimos decidir nem a hora de ir ao banheiro. Quando a natureza chama, você

responde. Em determinados momentos a vida nos guarda surpresas e até mesmo

armadilhas. De uma situação penosa e adversa, na qual não tive escolha nem

influencia, tive que retornar ao Brasil. Surgiu, então, esse mestrado, que no começo

me parecia uma armadilha, pois a contragosto deixava de viver meu sonho de viver

na estrada e tinha que me adaptar a essa nova fase de vida. Felizmente, tudo muda,

tudo passa. Coisas que antes pareciam obscuras, são agora a luz no fim do túnel.

Hoje, primeiramente, agradeço ao professor Rodolfo Wendhausen Krause, por ter me

incentivado a estar onde estou.

À professora Raquel Maria Fontes do Amaral Pereira por todas as orientações e,

acima de tudo, pela inspiração, pela lição de vida, por me mostrar que pode existir o

belo dentro de um mundo cinza.

À minha colega Tânia Egert Petry, por toda a delicadeza, honestidade, bom humor,

apoio e companheirismo.

A todos os hostels que aceitaram participar da pesquisa de campo, especialmente aos

que foram particularmente hospitaleiros e me receberam (um estranho “bisbilhotando”

sobre suas vidas), de braços abertos. E, a todos aqueles hostels em que fiquei durante

minhas viagens, onde fui acolhido de maneira que nunca esquecerei. Vocês sabem

quem vocês são.

À professora Maria José Giaretta, por toda a atenção e apoio ao meu trabalho.

Aos professores da UNIVALI, que influenciaram diretamente na formação do

acadêmico que sou hoje.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela

bolsa concedida.

E, finalmente, aos meus grandes amigos Zezo (José Trombini Duarte) e Bara (Barbara

Pechova), que além de todo o apoio nos momentos difíceis, me mostraram o que um

hostel realmente pode ser.

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“A vida é arte do encontro. Embora haja

tanto desencontro pela vida”.

Vinícius de Moraes (1965).

“O verdadeiro sinal de inteligência não é o

conhecimento, mas a imaginação”.

Albert Einstein.

“É mais fácil ridicularizar as extravagâncias

desse estado de espírito [romântico] do

que fazer justiça a ele”.

Walter Laqueur (1962).

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HOSTEL: proposta conceitual, análise socioespacial e do panorama

atual em Florianópolis (SC)

RESUMO

O turismo é um fenômeno composto do conjunto de interações humanas socioeconômicas e ambientais, que possui na hospitalidade o fio condutor dessas relações. Entender essas interações e seus impactos é de extrema importância para a gestão e ensino do turismo. O turismo da juventude é um segmento desse fenômeno que possui grande importância econômica e socioambiental. Dentro desse segmento reside o tema desse estudo, os hostels independentes e contemporâneos, um meio de hospedagem que se originou através dos albergues da juventude, criados no início do século XX, na Alemanha. A filosofia singular desse meio de hospedagem é traduzida em infraestrutura e serviços diferentes dos propostos pela hotelaria convencional. No exterior, principalmente na Europa, eles se encontram difundidos e até regidos por leis específicas. No Brasil, encontram-se marginalizados e esquecidos pelas classificações oficiais de meios de hospedagem. O objetivo principal desse estudo é propor um conceito abrangente de hostel, que englobe variáveis até então desconsideradas pela academia e poder público turístico nacionais. Esse objetivo é atingido através de uma análise histórica, do esclarecimento etimológico entre as palavras hostel e albergue, da descrição do público alvo, da proposta do trinômio hostel/hospitalidade/espaço, da definição de uma matriz de classificação de áreas físicas e da análise do panorama desse meio de hospedagem em Florianópolis-SC. A abordagem metodológica usada foi a análise socioespacial sob a ótica da dialética materialista. Além de uma pesquisa bibliográfica e documental indireta, foi realizada uma pesquisa de campo com questionário estruturados e entrevistas não-diretivas com 15 empreendedores hosteleiros. Como resultado obteve-se um conceito que traduz a essência desses, o qual propõe os hostels como um meio de hospedagem social e alternativa, que promove, acima de tudo, a interação, o entendimento e união entre as pessoas de diversas culturas. Conclui-se que esse meio de hospedagem pode possuir uma relação exclusiva com o território turístico que ocupa, que é traduzida em uma relação estreita entre ser acolhedor e ser acolhido. Essa relação, que tem seus serviços e infraestruturas representados na hospitalidade, aproxima hóspede e anfitrião. Consequentemente, ambos se aprofundam no destino turístico. Isso tem o potencial de resultar um fenômeno turístico social e sustentável. No entanto, os hostels são extremamente recentes no Brasil, encontram-se em expansão desorganizada que pode resultar em apropriação indevida de conceitos e do território turístico. Isso tem causado estranheza e preconceito por parte da população brasileira perante esse meio de hospedagem. Finalmente, considera-se essencial para o esclarecimento público e acadêmico, assim como para uma classificação oficial desse meio de hospedagem no Brasil, a continuação e aprofundamento de estudos sobre o tema.

Palavras-chave: Hostel. Hospitalidade. Turismo da juventude. Turismo Backpacker.

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HOSTEL: a conceptual proposal, sociospatial analysis and current

overview of Florianópolis (SC)

ABSTRACT

Tourism is a phenomenon that consists of socioeconomic and environmental interactions, the common thread of these relationships being found in hospitality. Understanding these relationships, and their impacts, is of utmost importance for tourism management and teaching. Youth tourism is a segment of this phenomenon that has great economic and environmental importance, and it is within this segment that the theme of this study is situated: independent and contemporary hostels, a means of accommodation that originated with the youth hostels, created in early twentieth century Germany. The philosophy behind this unique type of accommodation takes the form of infrastructure and services that differ from those offered by conventional hotels. In other countries, particularly in Europe, hotels are widespread, and are even governed by specific laws. In Brazil, they are marginalized and forgotten by the official accommodation classifications. The main objective of this study is to propose a wider concept of hostel that encompasses variables previously ignored by academia and the national Brazilian tourism authorities. This goal is achieved through a historical sociospatial analysis, an etymological clarification between the words hostel and albergue, a description of the target public, a proposal of the triad hostel/hospitality/space, the defining of a matrix for classifying physical areas, and an overview of the this type of accommodation in Florianópolis, Santa Catarina. The methodological approach used was a sociospatial analysis from the viewpoint of materialist dialectics. In addition to a literature search and indirect document search, field research was conducted, using a structured questionnaire and unstructured interviews with 15 hostel entrepreneurs. The result is that a new concept was arrived at, that reflects the essence of this form of accommodation, whereby hostels are proposed as a social and alternative form of accommodation, promoting, above all, interaction, understanding and unity among people of different cultures. In conclusion, this type of accommodation has a unique relationship with the tourist space it occupies. It has the possibility to translate into a close relationship between host and guest. This relationship, in which the services and infrastructure are represented in hospitality, brings guest and host closer to each other. Consequently, both are strengthened in the tourist destination. This has the potential to create a social and sustainable tourism phenomenon. However, hostels are very recent in Brazil, and are undergoing disorganized expansion, which could result in misappropriation of concepts and of the tourist territory. This has led to this type of accommodation being viewed with suspicion and prejudice by the population. Finally, public and academic enlightenment are considered essential, as is an official classification this type of accommodation in Brazil, and the continuation and furtherance of studies on the subject.

Keywords: Hostel. Hospitality. Youth travel. Backpacker Tourism.

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LISTA DE ABREVIAÇÕES

CADASTUR Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos

EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo

HI Hostelling International

Federação Internacional dos Albergues da Juventude

HI-Brasil Federação Brasileira dos Albergues da Juventude

IPHAN Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

MTur Ministério do Turismo

OMT Organização Mundial de Turismo

PIB Produto Interno Bruto

SBClass Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

YHA Youth Hostel Association

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Valor de mercado do turismo da juventude ............................................ 27

Gráfico 2 – Matriz classificatória de áreas físicas .................................................... 151

Gráfico 3 – Quanto ao gênero dos proprietários ..................................................... 158

Gráfico 4 – Quanto ao estado civil dos hosteleiros ................................................. 159

Gráfico 5 – Quanto à idade dos hosteleiros ............................................................ 159

Gráfico 6 – Quanto à escolaridade dos entrevistados ............................................. 160

Gráfico 7 – Quanto à frequência de viagens dos empreendedores ........................ 160

Gráfico 8 – Meio de transporte mais utilizado em férias .......................................... 161

Gráfico 9 – Meio de hospedagem mais utilizado em férias ..................................... 162

Gráfico 10 – Local de residência do hosteleiro........................................................ 163

Gráfico 11 – Segunda profissão do hosteleiro......................................................... 163

Gráfico 12 – Data de fundação dos hostels de Florianópolis (SC) .......................... 164

Gráfico 13 – Área total construída em m2................................................................ 165

Gráfico 14 – Número total de leitos ......................................................................... 166

Gráfico 15 – Número total de dormitórios ................................................................ 166

Gráfico 16 – Número médio de leitos por dormitório ............................................... 167

Gráfico 17 – Quanto ao uso de beliches nos dormitórios ........................................ 168

Gráfico 18 – Número de quartos privados ............................................................... 168

Gráfico 19 – Número total de funcionários .............................................................. 169

Gráfico 20 – Número de salas de TV ...................................................................... 170

Gráfico 21 – Número de salas de estar ................................................................... 170

Gráfico 22 – Número de cozinhas comunitárias ...................................................... 171

Gráfico 23 – Número de áreas sociais externas...................................................... 171

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Gráfico 24 – Número de sala de jogos .................................................................... 172

Gráfico 25 – Quanto ao tipo dos lockers ................................................................. 172

Gráfico 26 – Quanto à sazonalidade dos hostels .................................................... 173

Gráfico 27 – Existência de estrutura de A&B .......................................................... 174

Gráfico 28 – Quanto ao oferecimento do serviço de café-da-manhã ...................... 174

Gráfico 29 – Quanto ao oferecimento do serviço de lavanderia .............................. 175

Gráfico 30 – Quanto à disponibilidade do serviço de internet ................................. 176

Gráfico 31 – Valor da diária média no dormitório em Reais .................................... 176

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Foto demonstrando uma relação de hospitalidade em um hostel ............ 19

Figura 2 – Foto de hóspedes e recepcionista em atividade extra hostel ................... 20

Figura 3 – Foto de hóspedes e recepcionista dividindo uma refeição ....................... 20

Figura 4 – Foto do recepcionista se despedindo de hóspedes ................................. 21

Figura 5 – Mapa conceitual dos hostels dentro do turismo ....................................... 25

Figura 6 – Problemática de pesquisa ........................................................................ 33

Figura 7 – Mapa conceitual dos objetivos de pesquisa ............................................. 35

Figura 8 – Mapa da localização generalizada da amostra ........................................ 41

Figura 9 – Organograma metodológico ..................................................................... 44

Figura 10 – Foto de Richard Schirrmann (1930) ....................................................... 64

Figura 11 – Mapa da localização geográfica do movimento Wandervogel ............... 69

Figura 12 – Foto dos Wandervogels em viagem (1901) ............................................ 71

Figura 13 – Foto do primeiro albergue da juventude permanente em Altena ............ 76

Figura 14 – Foto do dormitório dos meninos ............................................................. 76

Figura 15 – Foto do café-da-manha servido pela “mãe alberguista” ......................... 78

Figura 16 – Foto de Mary Belle Barclay, é a primeira à esquerda (1910) ................. 82

Figura 17 – Foto do primeiro albergue da juventude canadense (1925) ................... 83

Figura 18 – Foto de voluntários construindo o albergue permanente (1933) ............ 84

Figura 19 – Foto do casal Smith em frente ao Youth Hostel de Northfield (1936)..... 85

Figura 20 – Foto do primeiro youth hostel estadunidense (1963) ............................. 86

Figura 21 – Foto panorama da região de Bragg Creek ............................................. 88

Figura 22 – Foto de Mary Belle Barclay aos 87 anos de idade ................................. 89

Figura 23 – Foto da Residência Ramos, Rio de Janeiro (1969) .............................. 103

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Figura 24 – Foto do Albergue Muxarabi, Cabo Frio (1979) ..................................... 106

Figura 25 – Batalha etimológica Hostel vs. Albergue .............................................. 112

Figura 26 – Representação gráfica do processo turístico ....................................... 124

Figura 27 – Mapa topográfico da localização do Hostel de Altena .......................... 133

Figura 28 – Fotos ilustrando o Hostel do Castelo de Altena ................................... 134

Figura 29 – Foto da entrada do centro histórico, Hostel 99 à esquerda .................. 136

Figura 30 – Fotos ilustrando o Hostel 99 ................................................................. 137

Figura 31 – Mapa topográfico da localização do Hostel 99 ..................................... 138

Figura 32 – Mapa da Estrada Real e localização do Hostel Samambaia ................ 140

Figura 33 – Fotos ilustrando o Hostel Samambaia .................................................. 142

Figura 34 – Mapa conceitual da possível relação socioespacial dos hostels .......... 144

Figura 35 – Fotos ilustrando o Home Lisbon Hostel ................................................ 146

Figura 36 – Mapa da localização dos hostels da matriz classificatória ................... 147

Figura 37 - Mapa conceitual da relação espaço/patrimônio/hostel.......................... 192

Figura 38 – Representação gráfica do conceito hostel ........................................... 195

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Principais destinos hosteleiros dos Brasil ................................................ 39

Tabela 2 – Tipologia dos alberguistas, segundo modelo de Stanley Plog .............. 116

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 17

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 22

Justificativa ................................................................................................................ 25

Problema de Pesquisa .............................................................................................. 30

Objetivos ................................................................................................................... 34

1 MARCO METODOLÓGICO ................................................................................. 37

1.1 Método de abordagem ...................................................................................... 37

1.2 Técnicas e tipologia de pesquisa, geração ou coleta de dados ........................ 37

1.3 Métodos e técnicas da pesquisa de campo ...................................................... 39

1.4 Referencial Teórico ........................................................................................... 45

2 A GÊNESE ALBERGUISTA ................................................................................ 60

2.1 O contexto socioespacial anterior à gênese alberguista ................................... 60

2.2 As raízes alberguistas europeias ...................................................................... 64

2.3 Cruzando o Atlântico, rumo às Américas .......................................................... 81

2.4 Brasil: raízes de uma sociedade hospitaleira ou hospedeira? .......................... 89

2.5 O advento dos albergues da juventude no Brasil ............................................ 100

3 PROPOSTA CONCEITUAL .............................................................................. 109

3.1 Um confronto etimológico: Hostel vs. Albergue .............................................. 109

3.2 Perfil geral do púbico alvo dos hostels ............................................................ 112

3.3 O trinômio hostel-hospitalidade-espaço .......................................................... 117

3.3.1 As relações entre hostels e hospitalidade .................................................... 117

3.3.2 As relações entre hostels e o espaço .......................................................... 123

3.3.3 Caracterização do local de pesquisa ........................................................... 132

3.3.4 Resultados ................................................................................................... 142

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3.4 Denominador comum de áreas físicas ............................................................ 145

3.4.1 Caracterização dos hostels da matriz classificatória de áreas físicas .......... 145

3.4.2 Critérios analisados ...................................................................................... 147

3.4.3 Resultados ................................................................................................... 153

4 PANORAMA ATUAL EM FLORIANÓPOLIS (SC) ............................................ 157

4.1 Perfil dos hosteleiros ....................................................................................... 158

4.2 Perfil dos hostels ............................................................................................. 164

4.3 Reflexões sobre o perfil hosteleiro de Florianópolis (SC) ............................... 177

4.4 A essência dos hostels ................................................................................... 178

5 HOSTEL, UM CONCEITO EM FORMAÇÃO ..................................................... 190

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 200

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 206

APÊNDICES ........................................................................................................... 222

ANEXOS ................................................................................................................. 254

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APRESENTAÇÃO

Antes de começarmos a dissertação propriamente dita, gostaria de lhe contar, de

maneira informal, uma história. O desejo desbravador do ser humano sempre intrigou

e inspirou parte do meu ser. Encanta-me que não consigamos, enquanto civilização,

ficar estáticos. Por que estar em movimento, em constante mudança? Por que

colonizar, descobrir, viajar, conhecer? Para aquietar meu espírito, digo que é de que

a própria marcha da vida do universo nos compele a sermos assim. Nada é

completamente estático. Tudo está em completa revolução, desde o início do tempo.

Esse desejo por expansão é o reflexo da própria vida dentro de cada ser humano.

Sem esse desejo não faríamos parte da dança do universo, que vai sempre em frente

e nunca para. Talvez seja essa expansão continua o motivo pelo qual viajamos,

procriamos, que nos compele a trabalhar, a amar, a odiar, a viver, a ser.

Essa história começa quando a sede pelo desconhecido, pela aventura, se tornou

insuportável e não deixava um grande amigo meu ficar sentado na frente da TV. Ele

decidiu que sua vida não teria sentido se não saísse de casa e conhecesse o mundo

em que vive. Pegou uma mochila, e foi à Europa com a intenção, ou a desculpa, de

fazer um mestrado em filosofia na Alemanha, sobre Nietsche. Eu o encontrei, anos

depois, trabalhando em um hostel. Fim de carreira, diziam alguns dos familiares e

“amigos”. Mal sabiam que a melhor parte da vida dele estava apenas começando.

Ao chegar, foi recebido em um hotel com o cordial bom dia do recepcionista, ganhou

as chaves e nada mais. Foi ao quarto, limpo e frio, e deixou sua mochila. Os

corredores bem decorados, vazios. Na recepção, o homem de meia idade dava

informações com o mesmo entusiasmo que nós brasileiros torcemos pelo críquete.

Tomou, então, a rua. Andando sozinho pela cidade ele avistava, à distância, edifícios.

Trocava breves olhares com pessoas estranhas, passava por museus, ruas estreitas,

mais pessoas estranhas, avenidas e parques. Todos esses lugares e pessoas cheios

de história e de histórias para contar. Ele só imaginava. Ao final do dia comia algo que

considerava que não iria achar em outro local e voltava para o hotel.

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Sozinho ele seguia visitando cidades até o momento em que a grana ficou curta. O

visto de estudante não se concretizou e a decisão de voltar para casa com o “rabo no

meio das pernas” era pior do que continuar tentando sob quaisquer condições. Se

mudou para Praga e decidiu ficar em um hostel, o euro era pesado demais e as diárias

dos hotéis estavam comendo todo seu orçamento. Quando ele chegou no local, uma

mistura de bar, sala de estar, sala de jogos e um resquício de recepção, o ambiente

esfumaçado operava à baixa velocidade, parecia estar de ressaca. Havia algumas

pessoas folheando livros e guias de viagem, outros tomando café no sofá e alguns

debruçados sobre o balcão do bar, bebendo uma grande jarra de cerveja sem espuma.

Dentre esses, alguns pareciam ter passado ali a noite anterior, outros pareciam estar

ali há dias e um deles parecia terem nascido ali e nunca ido a nenhum outro lugar.

Ele se aproximou da figura negra e magra de cabelo loiros que estava atrás do bar e

perguntou: onde é a recepção? “É aqui mesmo” – disse a figura, com um sorriso largo.

Não era um sorriso de boas-vindas, mas um de aceitação e orgulho de que aquele

lugar era diferente. Era um sorriso despido de malicia, era honesto, como se dissesse

“está tudo bem... esse lugar é estranho, mas é bom”. O “medo” estava refletido nos

arregalados olhos do hóspede recém-chegado. “Onde fui me meter” – pensou. Tirou

o passaporte e pediu pelas chaves do quarto. A figura atrás do bar disse, “beba isso”

e serviu, em um copo estilo martelinho, um liquido esverdeado. Pela cor parecia

cancerígeno, era certamente radioativo! Uma dose de absinto foi o seu check-in.

Durante a noite o local se transformou, ganhou vida e velocidade. Todos os hóspedes

se reuniam no bar/recepção. Ele bebeu e conversou com todo mundo. O

“recepcionista” fazia check-in enquanto bebia, conversava, dançava e agia como DJ

da festa. Todos se divertiram, se conheceram e dançaram em cima das mesas até o

sol raiar. Alguns dias depois, lá estava ele, debruçado sobre o bar, tomando um café,

parecendo uma daquelas figuras que havia nascido ali.

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Figura 1 – Foto demonstrando uma relação de hospitalidade em um hostel

Fonte: acervo pessoal do autor (2010)

Em um dia de folga do “recepcionista”, passaram a tarde num parque, de baixo das

árvores, curando a ressaca, contando histórias de suas vidas e relembrando algumas

da noite passada. Foram juntos a um museu e voltaram ao hostel no fim da tarde, para

retomar a festa da noite anterior... e assim seus dias se passaram.

Ele conheceu uma bela garota tcheca e logo começaram a namorar. Um dia seu

“amigo da recepção” sugeriu fossem a uma bela cidadezinha no sul da Boêmia.

Inicialmente, recusou a ideia pois estava com o orçamento curto. “Vá de carona” –

sugeriu o amigo – “e aposto que se você pedir com jeitinho o hostel de lá deixa vocês

dois dividirem a mesma cama no dormitório”. Dito e feito.

Eles foram recebidos de maneira graciosa pela recepcionista, como se fosse em sua

casa. Era, na verdade, pois residia no estabelecimento. No início da tarde foi

organizado um passeio de barco pelo rio que corta a cidade e conheceram os demais

hóspedes. No decorrer do passeio pararam em diversos bares e restaurantes ao longo

do rio, beberam e comeram juntos. Nadaram, se divertiram e voltaram ao hostel

exaustos. Nem tanto a ponto de irem dormir. A recepcionista convidou alguns

hóspedes para jantar no seu restaurante favorito. Depois de experimentarem uma ceia

medieval, foram a um bar onde passaram a noite dividindo drinks, histórias e risadas.

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Figura 2 – Foto de hóspedes e recepcionista em atividade extra hostel

Fonte: www.hostel99.cz

A cidade acolhia o casal. Tomaram vinho sentados sob os arcos da ponte, ao fundo o

a música tocada por um artista de rua, o rio manso refletindo o castelo iluminado, as

estrelas como cobertor. A cada dia descobriam algo novo, um lugar, um parque, um

museu, um restaurante, conheciam hóspedes novos e se aproximavam mais dos que

estavam ficando há mais tempo. Passaram a considerar os hóspedes e a

recepcionista como amigos, sentiam que faziam parte de uma família. A estadia se

estendia e o Brasil ficava cada vez mais longe. Não importava, estava vivendo.

Figura 3 – Foto de hóspedes e recepcionista dividindo uma refeição

Fonte: acervo pessoal do autor (2010)

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Ele não queria voltar ao Brasil. Pediu, então, à amiga do hostel por um emprego. O

casal sentia um carinho e atração por aquele lugar assim como ela. Da noite para o

dia ele deixou de exercer o papel do “ser acolhido” para o de “ser acolhedor”. Com o

tempo, passou a receber os hóspedes como se estivesse recebendo-os em sua

própria casa. Dividiam refeições, os afazeres, sonhos, desilusões e fluidos corporais.

Alguns hóspedes ficavam um curto período, outros pareciam que nunca iriam embora.

Mas eventualmente partiam. Em alguns casos esse momento era doloroso, como se

estivesse vendo um amigo partir sem saber se o encontraria novamente. Alguns

retornavam, outros mantinham contato e os demais ele esperava rever um dia.

Figura 4 – Foto do recepcionista se despedindo de hóspedes

Fonte: acervo pessoal do autor (2008)

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INTRODUÇÃO

Turismo, um fenômeno tão intrigante quanto complexo, de contribuições sociais,

ambientais e econômicas tão importantes quanto os seus, por vezes, devastadores

impactos. Descrevê-lo e analisá-lo em sua totalidade seria uma ambição, no mínimo

audaciosa, devido à sua profundidade. Por conseguinte, é a intenção do presente

trabalho analisar um “pequeno” segmento do turismo, um meio de hospedagem

específico e singular. No entanto, é através do micro que podemos contemplar e

entender o macro. Através desta análise espera-se compreender um fenômeno mais

complexo, que pode nos remeter a uma época em que viajantes necessitavam de

abrigo, onde estranhos acolhiam e eram acolhidos, escolhendo o entendimento entre

pessoas ao invés do embate e formando as demonstrações de hospitalidade que

culminariam no turismo contemporâneo.

O turismo, constitui um campo de estudo ligado às ciências sociais, por corresponder

a uma relação entre pessoas e consequentemente lugares, sendo que essa relação é

inerente ao ser humano, “cuja essência é a sua sociabilidade permanente”

(BRESSAN, 2008, p. 07) e suas características estão diretamente e

indissociavelmente ligadas aos acontecimentos socioespaciais de um determinado

local, em um dado recorte temporal (SANTOS, 1979). As ciências sociais nascem de

um contexto histórico da modernidade e se estendem até a contemporaneidade, onde

a sociedade é “organizada territorialmente em economias nacionais, cuja unidade e

soberania de cada território, é determinada por um poder político e ideológico

igualmente nacional”, por vezes opressoras (BRESSAN, 2008, p. 08). E assim, forma-

se também o turismo, decorrente dos acontecimentos socioespaciais de nossa

sociedade moderna e contemporânea. Pode-se, portanto, considerar o turismo como

“uma prática que carrega consigo um grupo de representações sociais” (NETTO,

2010, p. 14) e espaciais, que influenciam diretamente nosso meio ambiente, nossa

cultura e, consequentemente, nossas vidas.

A relação do fenômeno turístico com a hospitalidade é inseparável, já que sem esse

último fenômeno, também social, não seria possível a realização do turismo. A

hospitalidade constitui um tema complexo que atua como fio condutor das

representações socioespaciais do fenômeno turístico (GRINOVER, 2002). O conceito

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de hospitalidade genuína refere-se ao ato de receber, acolher estranhos e/ou prestar

serviços a alguém sem qualquer expectativa de uma recompensa (GOTMAN, 2011;

MONTANDON, 2011). Pode-se colocar a hospitalidade como o compartilhamento do

espaço, do território, o ato de dar e receber o espaço/serviço privado a um estranho

(DIAS, 2002). A hotelaria, um dos componentes fundamentais do turismo, reside na

hospitalidade, tida também como essencial para esse fenômeno (NETTO, 2010),

tendo em vista que a hotelaria é a materialização da ideia de hospitalidade.

O local de acolhimento do estrangeiro, portanto o local da hospitalidade, se dá na casa

e à mesa do anfitrião (CAMARGO, 2004; CAMPOS, 2005; DIAS, 2002; GRINOVER,

2002; LASHLEY e MORRISON, 2004; MONTANDON, 2011; WALKER, 2002). Nas

primeiras viagens, os meios de hospedagem eram representados pelas casas de

pessoas que viviam nas antigas rotas de comércio (GOELDNER, RITCHIE e

MCINTOSH, 2002). Assim, a história da hospitalidade caminha lado a lado com a da

hotelaria. Na Antiguidade, os meios de hospedagem estavam presentes, em forma de

hospedarias, tavernas, casas de prazer, até requintadas estalagens a fim de abrigar

a realeza (MONTANDON, 2011; WALKER, 2002).

O objeto do presente estudo, os hostels, encontram-se dentro do campo da

hospitalidade, e consequentemente dos meios de hospedagem, mas não dentro da

hotelaria, pois são meios de hospedagem únicos, com filosofia, missão,

características físicas e serviços diferenciados (COBURN, 1950; GIARETTA, 2003;

HEATH, 1962; TROTTA, 1978). O caminho traçado pelos albergues da juventude,

apesar de possuir similaridades com as origens da hotelaria, é na verdade um

caminho distinto. Possui em sua fundação histórica, assim como no âmago de sua

filosofia, os mesmos conceitos da hospitalidade pura e verdadeira, a qual dá origem

ao primeiro meio de hospedagem desta tipologia em Altena, Alemanha, em 1912

(COBURN, 1950). Logo após sua criação, a ideia de um local que pudesse abrigar

jovens viajantes, promover o entendimento entre culturas, a conservação do

patrimônio histórico e do meio ambiente, decolou rapidamente se espalhando pela

Alemanha (HEATH, 1962).

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A necessidade de criar uma associação que pudesse supervisionar estes

estabelecimentos, proporcionando qualidade1 aos hóspedes e fidelidade aos

conceitos e filosofias propostos inicialmente, parecia óbvia. Assim nasceu o “Comitê

Central dos Albergues da Alemanha”, que com o passar dos anos daria origem à

Federação Internacional dos Albergues da Juventude (COBURN, 1950; HEATH,

1962), atualmente nomeada de Hostelling International (HI)2 (HOSTELLING

INTERNATIONAL, 2014). No entanto, há quem deseje possuir um albergue da

juventude, sem, contudo, se filiar à associação, sem aderir às regras tais como a

delimitação do uso dos albergues da juventude exclusivamente para associados

portadores de carteirinha, assim como o limite de idade. Desejam poder possuir um

meio de hospedagem com a filosofia alberguista, mas poder ditar suas próprias

regras. Nascem, assim, os albergues da juventude independentes, intitulados a partir

daqui como simplesmente hostels. Esses compreendem qualquer meio de

hospedagem que se encaixa na filosofia alberguista estabelecida por Schirrmann, mas

não são associados à HI e confinados às suas regras.

Há quem considere que os hotéis convencionais deram à luz os albergues da

juventude, sendo esses últimos uma segmentação dos primeiros, simplesmente uma

alternativa mais barata e mais rudimentar aos hotéis (CAMPOS, 2005),

desconsiderando sua gênese histórica e os acontecimentos socioespaciais únicos que

determinam suas características. Na verdade, eles nasceram de uma forma

totalmente diferente, em outro contexto socioespacial e histórico, adquirindo

características físicas e serviços singulares, baseados em uma missão específica

(COBURN, 1950; HEATH, 1962; HOSTELLING INTERNATIONAL, 2014). Portanto,

este meio de hospedagem deve ser considerado em uma categoria única, digno de

uma conceptualização oficial também singular, fiel à sua gênese, que pode estar mais

próxima dos conceitos originais de hospitalidade do que os hotéis convencionais. A

figura 5 demonstra a localização temática dos hostels dentro da disciplina acadêmica

do turismo.

1 Qualidade aqui refere-se a um mínimo de conforto, segurança e a criação de um ambiente que

pudesse representar em breves momentos uma sala de aula, promovendo a interação e sociabilidade entre o grupo de alunos e com o meio ambiente local (LAI, 2013).

2 Uma organização não governamental, sem fins lucrativos, contanto com uma rede global de mais de quatro mil hostels três milhões de associados em 90 países, que procura garantir qualidade a seus associados (UNWTO, 2010).

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Figura 5 – Mapa conceitual dos hostels dentro do turismo

Fonte: Elaborado pelo autor (2015)

Justificativa

O turismo possui grande importância para o desenvolvimento sociocultural e

econômico mundial. O turismo da juventude ocupa uma significante parcela deste

mercado e contribui para o desenvolvimento turístico, para a conservação desse e do

patrimônio histórico e ambiental (UNWTO, 2010).

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Esse segmento, que engloba o turismo estudantil, de intercâmbio, os viajantes jovens

independentes e os backpackers3, constitui o público alvo dos hostels (NASH, THYNE

e DAVIES, 2006) e, de acordo com a Organização Mundial de Turismo (OMT), têm se

tornado

uma parte cada vez mais significativa da indústria do turismo global [...], pois mais jovens começaram a viajar com mais frequência e por distâncias maiores… [estes são vistos hoje como] valiosos visitantes, que possuem uma contribuição econômica significativa e também desenvolvem habilidades pessoais, laços sociais e vínculos culturais em busca por experiências engajadoras” (UNWTO, 2008, p. ix)

Dentro desse contexto, o meio de hospedagem denominado de hostel também

contribui consideravelmente para essa receita e para o desenvolvimento cultural e

sustentável do turismo. Apesar disso, a produção acadêmico-científica sobre esse

tema é praticamente embrionária no exterior e inexistente no Brasil, a ponto de não

existir uma conceptualização e classificação oficial sobre o mesmo. Referente à

importância econômica do turismo da juventude, a OMT relata que “cerca de 20% dos

940 milhões de turistas internacionais que viajaram o mundo em 2010 foram os

jovens” (UNWTO, 2010).

O gráfico 1 compara o turismo da juventude com o orçamento de grandes empresas

e até mesmo países, mostrando que ele pode ser considerado não apenas um forte

segmento de mercado, mas sim como um mercado independente e de importância

singular para o turismo.

3 Mesmo não havendo uma definição clara e unanimemente aceita do termo backpacker (mochileiro) a

maioria dos estudos enfatiza, pelo menos, algumas características em comum, como “a baixa idade média (Riley, 1988; Murphy, 2000), a independência dos operadores turísticos, flexibilidade de itinerário (Cohen, 1982; Scheyvens, 2001; Hottola, 2005), um período prolongado de viagens (Loker-Murphy e Pearce, 1995; Sørensen, 2003), os baixos orçamentos de viagens e, portanto, a demanda por acomodações baratas e serviços turísticos relacionados (Spreitzhofer, 1995; Murphy, 2001), bem como fazer uso da infraestrutura disponível localmente (Hampton, 1998; Westerhausen e Macbeth, 2003)” (BRENNER e FRICKE, 2007, p. 218).

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Gráfico 1 – Valor de mercado do turismo da juventude

Fonte: UNWTO (2008).

A magnitude da importância econômica do turismo da juventude e consequentemente

dos hostels, os quais são o meio de hospedagem mais usado por este mercado

(UNWTO, 2010), é quase imensurável, pois tratar-se de um segmento difícil de ser

categorizado, suas definições são diversas, multifacetadas e, às vezes, até

contraditórias. De acordo com Nash, Thyne e Davies (2006), no Reino Unido os

backpackers são responsáveis por 10% do número total de chegadas internacionais

no país, “uma estimativa de 2,5 milhões de passageiros” (p. 525). Em números

mundiais – de acordo com um estudo realizado pela OMT, entre os anos de 2002 e

2010 – este segmento de mercado representa (UNWTO, 2008, 2010):

Um público-alvo mundial de aproximadamente 1,8 bilhões de pessoas;

Uma estimativa de 196 milhões de viagens turísticas internacionais por ano;

Mais de 20% das visitas de turistas internacionais;

Uma duração média mais longa de viagem (10 a 53 dias);

Um viajante que gasta mais do que o turista convencional. O jovem gasta, em

média, USD 2.600 por viagem, onde USD 1.550 são gastos no destino;

Um aumento nas despesas de viagem média total de 39% entre 2002 e 2007;

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Que o número médio de viagens realizadas ao longo dos últimos cinco anos

por jovens aumentou de 6,2% em 2002, para 7,3% em 2007;

Um mercado que responde por cerca de 300 milhões de pernoites por ano;

Um aumento no número de pernoites para quase 500 milhões até 2020;

Crescimento do volume total de negócios da indústria de quase USD 7,4

bilhões, em 2005, para cerca de USD 12 bilhões, em 2020;

Que os hostels são o mais importante meio de hospedagem do turismo da

juventude, hospedando quase 90% deste segmento de mercado;

No Brasil, o segmento de hospedagem é responsável por no mínimo 12% do Produto

Interno Bruto (PIB) turístico e as empresas de pequeno porte (onde se enquadram os

hostels) representam cerca de 90% de todo os empreendimentos turísticos nacionais

(COSTA, FRANCO e HOFFMANN, 2013).

A importância deste mercado vai muito além da econômica. Culturalmente este tipo

de turista pode ser caracterizado, em sua grande parte, como alocêntrico, podendo

ser relacionado, principalmente, a uma pessoa curiosa, sedenta por aventura, em

busca do desconhecido. Em virtude dessa característica, esse turista realiza um alto

nível de atividades nos destinos visitados, gosta de conhecer pessoas de outras

culturas, além de priorizar o contato com a população e cultura locais. Como um dos

pontos altos de suas viagens, preferem a liberdade e flexibilidade nos locais de

destino, ao contrário dos turistas psicocêntricos (PLOG, 1991). Isso resulta uma

interação cultural de grande valor para o turismo e para as populações dos destinos,

devido à relação entre estes, partindo do enfoque da hospitalidade, da acolhida ao

estrangeiro e interação deste com o visitante (MONTANDON, 2011).

De acordo com a OMT (2010, p. xii), os turistas da juventude possuem algumas

características que devem ser ressaltadas:

Estes viajantes são famintos por experiências – mais de 80% querem explorar

outras culturas, aumentar a seu conhecimento e experiência de vida no destino;

São ansiosos para conhecer moradores locais do destino turístico (45%) e

regularmente sai da rota tradicional do turismo (37%);

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Os jovens gostam de desenvolver seu próprio estilo de identidade e de viagem

- apenas 23% se veem como "Turistas";

Um número crescente de jovens viajantes quer contribuir de alguma forma para

os lugares visitados – de 27%, em 2002, para 42% em 2007;

Desenvolvem contatos mais diretos com as comunidades locais e reduzem,

assim, a chances de o retorno econômico do turismo sair da comunidade local;

A demanda por viagens de aprendizado, principalmente o de línguas

estrangeiras, vem crescendo;

Quando em curso de línguas, a permanência no destino é, em média, de 5 a 6

semanas, e o tempo de permanência tem aumentando desde 2002;

França, República da Coreia e Brasil foram os mercados emissores de

estudante de línguas estrangeiras, com maior crescimento em 2006;

Outros setores do turismo da juventude são, não somente, a experiência de

trabalho, viagens de aventura, a experiência cultural e voluntariado;

A duração média de uma viagem de experiência de trabalho é em torno de 200

dias ou pouco menos de sete meses;

Outras vantagens socioeconômicas derivam desse perfil específico, como o fato de

que estes turistas viajam o ano todo, não somente nas temporadas de verão. Viajam

por todo o país visitado, e não apenas pelos principais destinos turísticos de uma

localidade. Usam o transporte público de um destino com frequência e permanecem

por longos períodos de tempo em um único local e “tendem a transportar somente

elementos essenciais com eles, podendo assim, gastar em empresas locais” (NASH,

THYNE e DAVIES, 2006, p. 526). Portanto, o turismo da juventude, assim como outros

turistas que usam os hostels como seu principal meio de hospedagem (NASH, THYNE

e DAVIES, 2006), possuem uma relação mais próxima e pessoal com o destino

turístico e a população local, contribuindo com o desenvolvimento do turismo com

ambições sustentáveis e na preservação e promoção dos patrimônios ambos

materiais e imateriais. A relação deste tipo de visitante como o local visitado, com a

comunidade local e meio ambiente é concomitante com a filosofia alberguista como

se constará mais adiante.

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Problema de Pesquisa

Os hostels estão bem difundidos4 e os conceitos deste meio de hospedagem são

definidos e até mesmo regulados por leis em alguns países5, principalmente no

continente europeu e América do Norte. Nesses locais, possuem características

singulares definidas, diferenciando-os claramente dos demais meios de hospedagem,

como é o exemplo da França, que possui um selo de qualidade aceito pelas

autoridades nacionais como padrão (THE EUROPEAN CONSUMER CENTRES'

NETWORK, 2009). A organização nacional de turismo da Escócia, determina critérios

básicos para um estabelecimento ser denominado de hostel (VISITSCOTLAND,

2012). Por tanto, o público alvo desses locais, espera por determinadas características

ao se hospedar em um estabelecimento divulgado como tal.

No Brasil, o turismo da juventude, que tem os hostels como seu principal meio de

hospedagem, vem ganhando espaço, segundo o Estudo da Demanda Turística

Internacional, pois “o interesse de estrangeiros por albergues, campings e

hospedagem de baixo custo aumentou de 1,6%, em 2004, para 4,3%, em 2010”

(MINISTÉRIO DO TURISMO, 2012). No entanto, em âmbito nacional este segmento

de mercado, por ser relativamente recente, encontra-se em estado de abandono por

parte do Ministério do Turismo (MTur). Além disso, os estudos científicos sobre o tema

no Brasil encontram-se em estágio embrionário (FEDRIZZI, 2008; OLIVEIRA E

REJOWSKI, 2013).

Apesar de sua importância social e crescente participação econômica no turismo, o

MTur, excluiu6 os hostels de sua nova matriz de classificação de meios de

hospedagem, por serem considerados meios de hospedagem coletiva e não

individual. Não há nenhuma menção a eles na Cartilha de Orientação Básica do

Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem (SBClass), e muito

4 Na Alemanha o número de hostels em edifícios históricos, principalmente em castelos e palácios

ultrapassa trinta estabelecimentos (GERMAN YOUTH HOSTEL ASSOCIATION, 2014). 5 Países como Inglaterra, Irlanda, França e Alemanha regulamentam as leis e conceitos para que

estabelecimentos sejam intitulados de hostels (THE EUROPEAN CONSUMER CENTRES' NETWORK, 2009).

6 Essa exclusão é recente. Houve no passado, na década de 80, um esforço para divulgar, promover, regulamentar e classificar os albergues da juventude, em uma parceria da EMBRATUR com a associação brasileira de AJ, sob a Deliberação Normativa nº 209/87, que dispõe considerações essenciais sobre o meio de hospedagem Albergues da Juventude.

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menos uma conceptualização e/ou classificação. Em contato com o MTur sobre a

nova matriz classificatória, a organização simplesmente afirma que no “novo sistema

serão 7 matrizes, para os tipos: Hotel, Resort, Cama & Café, Hotel Fazenda, Hotel

Histórico, Pousada e Flat/Apart-Hotel. Nesse primeiro momento, os albergues não

entraram na classificação” (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2013). Foi solicitado ao

MTur, sob o protocolo de número 72550000271201453, a legislação vigente sobre os

hostels, tendo sido atestado que realmente “não há legislação no âmbito deste MTur

que trate especificamente da questão acerca dos albergues da juventude do Brasil”

(MINISTÉRIO DO TURISMO, 2014).

Aparentemente este tipo de empreendimento encontra-se marginalizado pelas

autoridades e pesquisadores nacionais. Poucos estudos são realizados sobre esse

meio de hospedagem, o qual carece de um maior número de pesquisas e abordagens

conceituais, a fim de que se possa iniciar uma classificação capaz de beneficiar tanto

os empreendedores quanto os hóspedes que procuram pelos mesmos. Além disso,

há no Brasil uma clara deturpação etimológica do meio de hospedagem intitulado

como albergue. Existe uma associação desse termo com a sua tradução literal em

português (albergue: local de refúgio para desabrigados e desprovidos de condições

financeiras), conferindo um caráter, muitas vezes, completamente equivocado quanto

ao seu verdadeiro conceito (CICCIO, TEIXEIRA e SALLES, 2011).

Portanto, é necessária a realização de maiores estudos sobre o tema, para que o

turista perceba os albergues de maneira positiva, fazendo desses uma opção fiel a

suas raízes conceituais e um meio de hospedagem alternativo viável, não somente

para jovens, mas para todos aqueles que se identificam com a filosofia alberguista.

Perguntas de pesquisa

Diante do problema geral apresentado, surgem diversos questionamentos passíveis

de análise. Estas questões, tem por finalidade principal, através de um levantamento

acadêmico e científico de informações, abarcar todos os elementos a serem

verificados no presente estudo (DENCKER, 2007).

As perguntas de pesquisa são:

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1. Qual é o papel dos hostels no fenômeno turístico, no exterior e no Brasil?

2. Qual era o panorama de sua gênese na Alemanha e no Brasil?

3. Quais variáveis são essenciais para o entendimento e proposta para um

conceito desse meio de hospedagem?

4. Qual é a realidade atual em Florianópolis (SC)?

5. Qual é o perfil das pessoas que frequentam esse meio de hospedagem?

A figura 6 ilustra a problemática da pesquisa, que se resolvida comporia uma proposta

holística de um conceito sobre o meio de hospedagem foco dessa pesquisa.

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Figura 6 – Problemática de pesquisa

Fonte: Elaborado pelo autor (2014)

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Objetivos

Objetivo geral

Propor um conceito de hostel abrangente, buscando contribuir em uma futura

classificação do mesmo, junto ao MTur.

Objetivos específicos

Analisar a gênese alberguista internacional e brasileira.

Distinguir etimológica e semanticamente a palavra hostel e albergue.

Identificar o perfil do público-alvo desses estabelecimentos.

Propor a existência do trinômio hostels/hospitalidade/espaço.

Criar uma matriz classificatória de áreas físicas.

Sintetizar a essência desse meio de hospedagem em Florianópolis, SC.

Delimitou-se esses objetivos com base na Taxonomia de Bloom (FERRAZ e BELHOT,

2010). A figura 7 demonstra como cada objetivo específico auxilia na obtenção do

objetivo principal e, consequentemente, na criação do conceito de hostel.

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Figura 7 – Mapa conceitual dos objetivos de pesquisa

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

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No intuito de facilitar o entendimento deste trabalho ao leitor, demonstra-se, abaixo,

como a pesquisa foi desenvolvida, a ordem e teor dos capítulos primários:

O capítulo 1, descreve a abordagem metodológica escolhida para chegar-se à

conclusão dos objetivos propostos anteriormente. Na sequência, são apresentadas as

técnicas, tipologias e instrumentos de pesquisa e a descrição do universo e da

amostra. Para finalizar, é acrescentado um resumo do referencial teórico utilizado

como base para o presente estudo. O capítulo 2 começa com a jornada histórica

referente à gênese alberguista na Alemanha, no início do século XX e a posterior

expansão dos albergues da juventude para o Canadá, os E.U.A. e o Brasil. A seguir,

procura-se identificar os elementos de ordem material que originaram esse meio de

hospedagem, os acontecimentos determinantes de suas condições atuais, suas

similaridades socioespaciais e padrões filosóficos.

O capítulo 3 demonstra alguns aspectos que podem ser considerados como

fundamentais para uma futura classificação do meio de hospedagem hostel. Nele são

abordadas as diferenças etimológicas da palavra hostel e da palavra albergue e

demonstrado o perfil do público que utiliza esse meio de hospedagem.

Posteriormente, relacionam-se os albergues da juventude e os hostels à hospitalidade

e ao espaço que ocupam. Por último, se propõe uma matriz classificatória para as

áreas físicas desse meio de hospedagem. O capítulo 4 apresenta e analisa a pesquisa

de campo do presente estudo, as entrevistas e questionários aplicados e a análise de

seus resultados. Procura-se descrever o panorama mercadológico atual dos

empreendimentos intitulados de hostels independentes de Florianópolis, Santa

Catarina, assim como seu histórico. Busca-se, com isso, entender como este meio de

hospedagem adquiriu suas características atuais.

No capítulo 5 propõe-se, em cumprimento ao objetivo principal, um conceito

abrangente de hostel. Nas considerações finais procura-se sugerir outros aspectos

essenciais a cada item analisado pela pesquisa, até então desconsiderados, para uma

futura classificação oficial dos hostels no Brasil. As limitações de pesquisa são

delineadas, abrindo caminho para futuras pesquisas que queiram se aprofundar no

tema.

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1 MARCO METODOLÓGICO

Nesse capítulo pretende-se esclarecer os principais aspectos metodológicos usados

no decorrer do presente trabalho, as técnicas de pesquisa e amostra da mesma.

Posteriormente, chega-se ao referencial teórico que forneceu as bases para a

fundamentação crítica que permeia toda a estrutura deste estudo.

1.1 Método de abordagem

Tem-se a dialética materialista e a análise da formação socioespacial como principal

fundamentação teórica. A primeira, propõe que a “compreensão da realidade [é vista]

como essencialmente contraditória e em permanente transformação, [e o]

desenvolvimento do mundo em constante mudança, resulta da interação de forças

opostas” (MARTINS, 2009, p. 50). A segunda, considera que os aspectos naturais,

combinados aos eventos sociais, dão resultado a um processo histórico. Esta

abordagem é essencial ao entendimento da gênese alberguista, a qual brota de

conflitos sociais de sua época, da apropriação singular do território e da influência

deste sobre o homem e vice-versa. Assim sendo, considera-se que a apreensão do

passado é fundamental para se compreender e analisar claramente o “hoje”, levando-

se em consideração a relação entre elementos naturais e humanos, pois “a história

não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial” (SANTOS, 1979, p.

10). A análise da gênese alberguista, passa por esse “filtro metodológico”

socioespacial e materialista. Dentro dessa ótica são contemplados os principais

acontecimentos históricos, essenciais para a compreensão da atual situação dos

hostels no Brasil (RICHARDSON, 2008). A descrição desses principais elementos

caracteriza o processo histórico das relações socioambientais que resultaram na

criação do Movimento Alberguista, dando origem ao meio de hospedagem,

atualmente, chamado de hostel, suas características físicas, filosofia e serviços.

1.2 Técnicas e tipologia de pesquisa, geração ou coleta de dados

Realizou-se uma revisão bibliográfica e documental na área semântica, etimológica e

histórica do turismo, hospitalidade e meios de hospedagem, resultando em uma crítica

de resultados, através dos documentos bibliográficos disponíveis (LEAL, 2011). A

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proposta conceitual teórica, é considerada de abordagem indireta, possui caráter

exploratório pois busca “aprimorar ideias e descobrir intuições” (DENCKER, 2007, p.

151). Utilizou-se, também, a técnica de pesquisa comparativa, que estuda as

semelhanças e diferenças entre grupos, povos, países e/ou eventos, para entender

um determinado fenômeno e/ou ampliar o nível de conhecimento sobre um evento

especifico (DENCKER, 2007; MARCONI e LAKATOS, 2003; MARTINS, 2009), pois é

[...] lançando mão de um tipo de raciocínio comparativo que podemos descobrir regularidades, perceber deslocamentos e transformações, construir modelos e tipologias, identificando continuidades e descontinuidades, semelhanças e diferenças, e explicitando as determinações mais gerais que regem os fenômenos sociais (SCHNEIDER e SCHMITT, 1998, p. 01).

Para a definição da relação entre hostels, hospitalidade e espaço, a escolha da

Alemanha como ponto de partida deve-se ao fato da gênese alberguista ter iniciado

nesse país. Além disso, a Alemanha possui nada menos que 37 castelos/palácios

(locais de preservação do patrimônio histórico/cultural edificado) transformados em

modernos albergues da juventude (GERMAN YOUTH HOSTEL ASSOCIATION,

2014).

Outro local de estudo localiza-se em Český Krumlov, República Tcheca. O Hostel 99,

instalado nas fortificações do centro antigo da cidade e protegido pela United Nations

Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) como patrimônio da

humanidade. Em território nacional, foi escolhido, para fins de comparação com o

panorama no exterior, o Samambaia Hostel, no município de Petrópolis, que constitui

um belo exemplo de apropriação do território turístico e preservação do patrimônio

histórico.

Para a criação da matriz classificatória de áreas físicas, três estabelecimentos do

exterior foram selecionados e servirão como base comparativa aos nacionais. Estes

são o Hostel do Castelo de Altena: o primeiro estabelecido na Alemanha (1909) por

Richard Schirrmann, ainda em atividade; o Home Lisbon Hostel: eleito o melhor hostel

de categoria média do mundo, pelos usuários do site Hostelworld em 2014; e o Hostel

99 de Český Krumlov. No âmbito nacional foram escolhidos os 10 melhores

estabelecimentos do estado de Florianópolis, Santa Catarina, através de suas

respectivas avaliações no site Hostelworld.

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1.3 Métodos e técnicas da pesquisa de campo

Contemplou-se, para esse estudo, o universo de hostels independentes de

Florianópolis, Santa Catarina, que é relativamente grande, com um total de 28

estabelecimentos. Para o levantamento desse universo utilizou-se o site

www.hostelworld.com. Esse site é uma ferramenta de reservas on-line especializada,

criada em 1999 que faz parte do grupo WEB RESERVATIONS INTERNATIONAL,

possuindo mais de uma dezena de outros sites. A empresa Hostelworld é o maior

mecanismo de reservas para esse meio de hospedagem na web, com

aproximadamente 27 mil propriedades em mais de 180 países. Com sede em Dublin

(Irlanda), recebeu em 2012 do guia de viagens Lonely Planet, o prêmio de “Site mais

confiável para reservas on-line em Hostels”, em uma pesquisa com mais de 5600

viajantes (WEB RESERVATIONS INTERNATIONAL, 2013).

No Brasil há, de acordo com o MTur, até o ano de 2014, cerca de 114

estabelecimentos no Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos – CADASTUR

(LIBÓRIO e OLIVEIRA, 2014). Esse número oficial é ínfimo perto do número real

existente no mercado. Segundo o Hostelworld, somente na cidade do Rio de Janeiro

existem 130 hostels ativos (HOSTELWORLD, 2014). Os estabelecimentos oficiais

representam apenas uma pequena parcela dos atuantes no mercado. Portanto, o

número mercadológico representa a realidade deste segmento que, no momento, se

encontra à margem das classificações e fiscalizações do MTur. Como demonstra a

tabela 1, de acordo com o Hostelworld, os principais destinos no país são:

Tabela 1 – Principais destinos hosteleiros dos Brasil

Posição Destino No de Hostels

1º Rio de Janeiro 130

2º São Paulo 65

3º Florianópolis 28

4º Foz do Iguaçu 22

5º Salvador 21

Total 266

Fonte: Elaborado pelo autor (2014).

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Agrupando os cinco maiores destinos turísticos tem-se 266 hostels, cerca de 55% do

universo total mercadológico brasileiro (aproximadamente 520), quatro vezes o

número oficial de posse do MTur, portanto um universo considerável. A escolha pela

amostra do Hostelworld em detrimento a do CADASTUR visa eliminar um problema

frequente da pesquisa em turismo, onde “as estatísticas nem sempre são atualizadas,

fazendo com que o universo seja estimado em dados do passado” (DENCKER, 2007).

Delimitou-se Florianópolis (SC) como local de pesquisa, pois ocupa o significativo

terceiro lugar entre os destinos de hostels do país. Além desse fato, deve-se

acrescentar ainda a conveniência temporal e financeira que a cidade oferece ao

pesquisador, viabilizando a coleta de dados. Finalmente, percebe-se, que esse meio

de hospedagem do estado é relativamente mais recente dos que os dois primeiros

destinos do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo. A carência de estudos sobre esse

tema a nível nacional é preocupante, esse panorama fora do eixo Rio-São Paulo é

mais carente ainda. Portanto, os destinos hosteleiros brasileiros marginalizados

clamam por pesquisas científicas sobre o tema. Devido a esse fato o universo da

pesquisa é delimitado como os hostels em Florianópolis (SC), o qual é constituído de

vinte e oito (28) estabelecimentos.

Os participantes foram determinados a partir da amostragem intencional e não

aleatória. Todo o universo foi abordado pessoalmente e convidado a participar da

pesquisa, via e-mail e telefone. Essa técnica define que “todos os componentes do

universo devem ter igual oportunidade de participar da amostra” (DENCKER, 2007, p.

211). A amostra obtida (15 – quinze respondentes) é representativa (53,57% do

universo), e foi obtida de forma não acidental, procurando incluir todas as

probabilidades. A distribuição geográfica da amostra encontra-se ilustrada na figura 8.

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Figura 8 – Mapa da localização generalizada da amostra

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

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A pesquisa de campo realizada com essa amostra é composta de duas partes, a

primeira, uma entrevista e a segunda, um questionário. Para identificar a formação

socioespacial, assim como a filosofia dos hostels de Florianópolis (SC), as chamadas

“entrevistas não diretivas ou em profundidade” são consideradas como ideais pois

além de simplesmente compilarem informação, permite a observação participante do

entrevistador (SIN, 2003). Essas entrevistas foram formuladas de forma mais aberta,

permitindo ao entrevistado dissertar sobre o tema,

com base em teorias e pressupostos definidos pelo investigador; o diálogo entre entrevistador e entrevistado é conduzido pelo primeiro sem estruturação do problema. As questões são organizadas para explorar um tema, aprofundá-lo, descrever processos, compreender o passado vivi do papel do entrevistado, identificar problemas, padrões de comportamento, reunir elementos para a compreensão de uma situação ou de um problema (LEAL, 2011, p. 54).

Foram obtidas doze (12) entrevistas válidas, no decorrer dos meses de janeiro a maio

de 2015. Essas entrevistas permitem uma análise qualitativa, dividida em dois

momentos, a coleta de dados e, posteriormente, a análise e/ou interpretação dos

mesmos. Este tipo de abordagem, para Minayo (2002), procura responder às

questões particulares [em um] nível de realidade que não pode ser quantificado [ou seja] ela trabalha com o universo de significados, motivos aspirações, crenças, valores, atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (apud MARCONI E LAKATOS, 2011, p. 271).

A fim de identificar o perfil dos empreendimentos e dos proprietários, uma abordagem

quantitativa foi utilizada através dos questionários estruturados, aplicados momentos

antes do início das entrevistas e de maneira on-line. Foram obtidos quinze (15)

questionários (≈53% do universo). Doze (12) foram obtidos pessoalmente e três (03)

através de e-mails com hostels que não puderam participar da entrevista

pessoalmente. Para tratamento e análise dos dados o método de estatística simples

foi empregado, através de gráficos de frequência construídas no Microsoft Word 365,

no intuito de modo facilitar a organização e compreensão dos dados obtidos. O

questionário é a ferramenta ideal para este momento, pois aqui se pretende realizar

uma análise estatística simples, assim como, “estimar magnitudes, [...] descrever uma

população [e] verificar hipóteses” (LEAL, 2011, p. 55).

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Mostra-se, na figura 9, que o método da análise socioespacial e materialista funciona

como um filtro, ao qual todas as abordagens e concepções dessa dissertação devem

ser submetidas.

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Figura 9 – Organograma metodológico

Fonte: Elaborado pelo autor (2014)

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1.4 Referencial Teórico

Aqui procura-se resumir o quadro de autores, ideias e metodologias que serão

abordadas no decorrer do trabalho. O referencial teórico não se limita somente a esse

subcapítulo, onde é explicitada uma síntese das principais categorias analíticas

utilizadas na investigação, sendo essas a criação de conceitos, a materialismo

histórico, a análise socioespacial, o turismo e o turismo da juventude no contexto das

ciências sociais, a hospitalidade, e por fim, o tema principal desse estudo, os hostels.

Os conceitos nada mais são do que um estágio avançado ou a materialização de uma

ideia, são os constituintes de pensamentos. Consequentemente, eles são cruciais

para os processos psicológicos como a categorização, inferência, memória,

aprendizagem e tomada de decisão (LIZARDO, 2013). Também são

conhecidos também como classes, podendo ser abstratos ou concretos, elementares reais e/ou fictícios. Em suma, um conceito pode ser qualquer coisa sobre algo que é dito, e, portanto, também pode ser a descrição de uma tarefa, função, ação, estratégia, raciocínio, etc. (SMITH, 2004, p. 03).

A formação de um conceito é complexa, mas dentro de princípios básicos é

constituída, primeiramente, pelo uso da memória e categorização das ideias, seguido

da inferência, que consiste no ato ou processo de derivar conclusões lógicas de

premissas conhecidas ou decididamente verdadeiras (MARGOLIS e LAURENCE,

1999; SMITH, 2004). O processo pelo qual uma conclusão é inferida a partir de

múltiplas observações é chamado processo dedutivo ou indutivo. Conclusões

inferidas a partir de observações múltiplas podem ser testadas por observações

adicionais, resultando em conhecimento científico (MARGOLIS e LAURENCE, 1999).

Os conceitos, em sua forma mais básica, são abstrações, formulações lógicas que

pretendem “capturar” um fenômeno desde a comunicação verbal e escrita à ciência

humana. Essas formulações lógicas não podem ser criadas sem um sistema de

referência, um deles nossa herança cultural. Afim de estudar cientificamente

determinados aspectos da vida humana, pode-se, através da análise de conceitos

entender um fenômeno social (LIZARDO, 2013). Consequentemente, “a distinção

entre fato e conceito é a de que o conceito simboliza as inter-relações empíricas e os

fenômenos que são afirmados pelo fato” (MARKONI e LAKATOS, 2011, p. 114). Para

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Ander-Egg “sem conceitos ou, para ser mais preciso, sem um sistema conceptual, não

é possível o método cientifico e, consequentemente, a ciência” (1978 apud MARKONI

e LAKATOS, 2011, p. 114).

O nível mais concreto de um conceito é refletido na criação quadros conceituais, ou

de estruturas organizacionais. Tais estruturas são criadas para organizar de forma

lógica os conceitos e passar esse conhecimento à diante (CANZIANI, SONMEZ, et

al., 2012). Em um segundo momento, essas estruturas organizacionais devem levar

à cabo as estratégias e ações de uma pessoa, comunidade ou organização,

implantando conceitos já existentes e/ou materializando novos (CHACKO, WILLIAMS

e SCHAFFER, 2012). Para se chegar à formação dessas estruturas deve-se conhecer

à fundo as diversas definições e os diversos aspectos que formam o objeto de estudo,

procurando descobrir sua essência (LUMSDON e MCGRATH, 2011).

O materialismo dialético é uma base filosófica do marxismo – a qual busca

compreender a realidade e analisar as leis sociológicas, muitas vezes contraditórias e

antagônicas, que caracterizam a vida social (PINTO, 1979) – que “comporta um

esforço do pensamento para alcançar a prática social, com o objetivo [...] de

transformá-la” (GLASER, 2008). Esse método descreve, analisa e critica a evolução

histórica e a prática social entre os homens, no decorrer do desenvolvimento da

humanidade (ROBAINA, 2013). A realidade, pode ser considerada como causa da

relação entre forças contraditórias,

pelo senso dos contrastes e mesmo dos contrários – apresentados como condições antagônicas em função das quais se ordena a história dos homens e das instituições [...] o esclarecimento não decorre da opção prática ou teórica por um deles, mas pelo jogo dialético entre ambos. A visão de um determinado aspecto da realidade histórica é obtida [...] pelo enfoque simultâneo dos dois (HOLANDA, 1995, p. 12).

A dialética materialista permite, além de uma concepção de política econômica, uma

análise filosófica e cultural, uma investigação histórica sobre seres humanos

(HARVEY, 2010), que facilita a compreensão de um determinado objeto de estudo e

até mesmo da situação de nossa realidade atual (PORTUGAL, 2013). A análise do

particular retrata em detalhes as concepções gerais sobre um determinado objeto ou

processo, sendo possível uma compreensão da realidade geral através de aspectos

específicos (CURY, 1990; RICHARDSON, 2008; ROBAINA, 2013; TRIVIÑOS, 1987).

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Essas peculiares eclodem em manifestações individuais, que posteriormente podem

tomar proporções sociais. Assim sendo, o processo inverso se constrói. A partir da

mudança do indivíduo, o social é alterado e o geral se modifica (HARVEY, 1993;

LEFEBVRE, 2009; MARX e ENGELS, 1998). A palavra “crítica” é importante no

contexto do materialismo dialético, e deve ser empregada no seu sentido mais amplo,

pois a política econômica “assim como a religião, [cultural, sociedade e o turismo],

devem ser criticadas para que possam transcender” (LEFEBVRE, 2009, p. xxvii).

Portanto, procura-se encontrar “explicações coerentes, lógicas e racionais para os

fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento”, das quais o conceito de

alienação é um dos importantes constituintes para essa compreensão da realidade

(MARX e ENGELS, 1998). Assim sendo, pode-se determinar, “através do enfoque

dialético da realidade, [que] o materialismo mostra como se transfora a matéria e como

se realiza a passagem das formas inferiores às superiores” (TRIVIÑOS, 1987, p. 51).

Nesse caso, as formas inferiores, por exemplo um segmento alienado de uma

determinada sociedade, ao se afastar da forma e local superiores (parte vigente da

sociedade) dão origem a diversas reações sociais, algumas caracterizadas como

movimentos sociais, por vezes libertários, modificando nosso espaço e sociedade

(LEFEBVRE, 2009; MARX e ENGELS, 1998).

Porém, algumas dessas relações nem sempre são contraditórias ou antagônicas. Em

alguns casos podem, até mesmo, resultarem em relações de cooperação (MARKONI

e LAKATOS, 2011; RICHARDSON, 2008; ROBAINA, 2013; TRIVIÑOS, 1987).

Finalmente, deve-se considerar que antagônica a essa realidade materialista, por

vezes conflitante, existe a possibilidade de nascimento de um pensamento

cooperativista (COSTA, FRANCO e HOFFMANN, 2013), essencialmente idealista, em

alguns casos até mesmo romântico, de cunho social e utópico, como o existente na

própria filosofia alberguista (HEATH, 1962).

Para se analisar o conteúdo das entrevistas e a essência dos hostels, deve-se,

primeiramente, entender que a dialética materialista consiste de 3 premissas básicas

(PORTUGAL, 2013). A primeira é a da

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materialidade do mundo, isto é, todos os fenômenos, objetos e processos que se realizam na realidade são materiais, todos eles são, simplesmente, aspectos diferentes da matéria em movimento. A segunda peculiaridade do materialismo ressalta que a matéria é anterior à consciência. Isto significa reconhecer que a consciência é um reflexo da matéria [...] e por último, o materialismo afirma que o mundo é conhecível [...] o homem tem a possibilidade de conhecer a realidade que se desenvolve gradualmente (TRIVIÑOS, 1987, p. 52).

De acordo com Richardson (2008, p. 46) o método dialético materialista cria, dentro

das três premissas citadas anteriormente, dois princípios básicos:

1º. O princípio da conexão universal – [...] todos os fenômenos da natureza estão

interligados e determinados mutuamente. O aparecimento, a mudança ou o

desenvolvimento de um fenômeno só é possível em interligação com outros

sistemas materiais;

2º. O princípio de movimento permanente e do desenvolvimento – tudo está em

movimento. [...] A causa do desenvolvimento da sociedade e da natureza está

nelas e não fora delas.

As premissas possuem um conteúdo mais rico e abrangente do que os princípios, os

quais dão, consequentemente, origem às três leis do materialismo dialético que

possuem a capacidade de abordar fenômenos, processos e objetos de forma mais

específica e detalhada (RICHARDSON, 2008, p. 48), sendo essas:

1º. A lei da unidade e luta dos contrários, [Engels baseado em Hegel] ligada ao

princípio da conexão universal: os aspectos, elementos ou forças internas de um

fenômeno ou objeto excluem-se mutuamente, são contrários. Mas não podem

existir uns sem os outros. O movimento é produzido devido a essa contradição;

2º. A lei da transformação da quantidade em qualidade e vice-versa: na natureza,

as mudanças qualitativas só podem ocorrer ou adição ou subtração da matéria

ou movimento (energia). Resulta impossível alterar a qualidade de um objeto

sem somar ou subtrair quantidade do objeto ou fenômeno, isto é, sem uma

alteração quantitativa do objeto;

3º. A lei da negação da negação: a história da natureza e da sociedade mostra que

o desenvolvimento está ligado à morte do velho e ao nascimento do novo. [...] o

desenvolvimento da humanidade é testemunha da morte de civilizações e do

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nascimento de novas. A negação, a substituição do velho pelo novo, está

presente em tudo.

Dessas leis surgem as categorias de análise materialista, que “possuem

simultaneamente a função de intérpretes [da realidade] e de indicadoras de uma

estratégia [social, sendo assim] o instrumento metodológico da dialética para analisar

os fenômenos da natureza e da sociedade” (CURY, 1990, p. 21). Essas categorias,

de acordo com o autor, são:

1º. Categoria – geral/particular/individual: todo fenômeno do mundo que nos rodeia

tem características específicas, próprias. É impossível encontrar dois objetos

iguais. [...] ao mesmo tempo, não há no mundo objetos ou fenômenos que não

possuam traços comuns com outros;

2º. Categoria – causa/efeito: causa é o fenômeno que produz outro fenômeno.

Efeito é o resultado produzido pela causa. [...] a mesma causa pode provocar

consequências diferentes em função das condições;

3º. Categoria – necessidade/casualidade: necessidade é o que deve ocorrer em

determinadas condições. [...] casualidade é o que pode ocorrer ou não, em

determinadas condições;

4º. Categoria – essência/aparência: ao conhecer um objeto ou fenômeno, o

que primeiro constatamos são seus aspectos exteriores [aparência]. Após

um estudo mais aprofundado, estamos em condições de compreender sua

essência. Aparência é a parte superficial, mutável de um fenômeno ou da

realidade objetiva. É uma forma de expressão da essência e depende dela.

A essência é a parte mais profunda e relativamente estável do fenômeno

ou da realidade objetiva. Está oculta debaixo da superfície de aparências

[grifo nosso];

5º. Categoria – conteúdo/forma: o conteúdo é o conjunto de elementos, interações

e mudanças características de um fenômeno. [...] a forma é o sistema estável de

relações entre elementos de um objeto ou fenômeno;

6º. Categoria – possibilidade/realidade: possibilidade é o que pode surgir pela

uniformidade do desenvolvimento, mas que ainda não aconteceu. Realidade é o

que já aconteceu.

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Essas categorias estão relacionadas umas com as outras, portanto, a “análise de um

objeto ou fenômeno não precisa ser feita com todas, basta escolher uma delas”

(RICHARDSON, 2008, p. 50). De acordo com Richardson (2008) essas categorias são

essenciais para o entendimento dos fenômenos ou objetos analisados dentro da ótica

do materialismo dialético, portanto, devem fazer parte da metodologia da investigação

cientifica de uma pesquisa que se denomine como tal, lembrando que nem todas as

categorias devem, apesar de possível, serem abordadas simultaneamente, apenas

aquelas pertinentes à análise do determinado objeto ou fenômeno.

Quanto à análise socioespacial, essa nos permite perceber a realidade através de

uma análise histórica e social, onde homem e território são mutuamente

influenciadores e influenciados em um processo que produz interações sociais única

e singulares a um espaço de tempo em um determinado lugar (SANTOS, 1979). Essas

interações, chamadas também de acelerações são pontos e acontecimentos

históricos cruciais

da história, como se abrigassem forças concentradas, explodindo para criarem o novo [...] daí, a cada época, malgrado a certeza de que se atingiu um patamar definitivo, as reações de admiração ou de medo diante do inusitado e a dificuldade para entender os novos esquemas e para encontrar um novo sistema de conceitos que expressem uma nova ordem de gestação (SANTOS, 2013, p. 27).

Dessa forma, numa perspectiva materialista, a análise da formação socioeconômica

utiliza o paradigma de formação socioespacial, reconhecendo que o espaço interior e

a dinâmica econômica e social do país estão atrelados às relações que mantém com

as economias capitalistas centrais (SANTOS, 2012). Especificamente no Brasil, esses

eventos ocorridos no passado, decorrentes da formação socioespacial, que

determinam realidade atual, produzindo dualidades (RANGEL, 1981). A essência

dessas dualidades não é resultante somente das forças e das relações

socioeconômicas internas do país, mas também da evolução das relações que ele

estabelece com a economia e cultura dos países vizinhos, mas principalmente com

os países centrais do capitalismo (MAMIGONIAN, 1987).

Essas dualidades auxiliam na compreensão de uma situação ou problema

contemporâneo, como o fenômeno turístico, composto de um conjunto de ações sobre

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território em que se realiza (PEREIRA, 2003). Essas ações, “de naturezas diversas,

podem se enquadrar entre mercadológicas e identitárias que, juntas, resultam na

configuração territorial: uma maneira consumada sobre a paisagem ou o conjunto de

formas de um lugar” (TELLES, 2013, p. 01). Esses eventos podem decorrer, dentro

outros motivos, de conflitos entre classes, da vida cotidiana, como a intersecção de

"ilusão e verdade, poder e impotência, a intersecção dos setores que o homem

controla e os setores que ele não controla" (LEFEBVRE, 2004, p. 74)

De acordo com Assunção (2012. P. 115), as “condições naturais de uma região

definiriam o seu desenvolvimento, por que os habitantes seriam capazes de explorá-

los em toda sua potencialidade”, contribuindo para peculiaridades culturais singulares

de cada povo, num determinado espaço/tempo. No turismo, são essas peculiaridades

que compõe os pontos de interesse para os viajantes, o território em formação com o

homem faz brotar uma diversidade de costumes atraentes. A mobilidade humana,

inerente ao turismo, parte do interesse por conhecer o estranho e isso permite a

discussão de novas práticas sociais. Compreender o mundo e absorver a experiência, para garantir a transformação da sociedade, fez parte dos projetos de muitos que se aventuravam [pelo]mundo. [...] A comparação de diferentes práticas sociais possibilitou a construção de novas hipóteses e questionamentos que poderiam conduzir à transformações e ao entendimento das diferenças e das semelhanças [grifo nosso] (ASSUNÇÃO, 2012, p. 02).

O turismo, no contexto das ciências sociais, pode ser considerado como fenômeno

social. Esse tipo de análise histórica e socioespacial, se torna pertinente para se

abordar a problemática atual (SANTOS, 1979, 2013) onde esses fenômenos sociais

irão se disseminar em diferentes países seguindo um padrão de trabalho em princípio universal. [...] enquanto na Europa e nos Estados Unidos, a Sociologia se ocupa de assuntos como divisão de trabalho, urbanização, industrialização, metrópole e racionalização, na América Latina nos encontramos diante de questões como mestiçagem, oligarquias, religiosidade popular, mundo rural. Se para os europeus e norte-americanos o fundamental foi explicar a modernidade, no caso latino-americano era a sua ausência, ou melhor, as dificuldades para construí-la, que chamava a atenção (ORTIZ, 2002, p. 21).

A primeira conhecida descrição da OMT, na publicação intitulada de

Recommendations on Tourism Statistics, coloca o turismo como “as atividades de

pessoas em viagem e sua permanência nos lugares fora de sua residência habitual

por não mais do que um ano consecutivo por lazer, negócios e outros propósitos”

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(UNWTO, 1994, p. 05). No entanto, essa definição não abraça todas as perspectivas

e problemáticas decorrentes da percepção do turismo como fenômeno social.

A ideia de que o turismo está vinculado a um tour, ainda que simplória, se faz

necessária (UNWTO, 1995). Porém, turismo é muito mais do que deslocamento de

seu habitat, com finalidades específicas, por um espaço mínimo/máximo de tempo.

Além disso, o turismo corresponde de forma holística, como o conjunto de todas as

atividades, relações, fenômenos e impactos socioeconômicos e ambientais entre

visitante e visitado (KRIPPENDORF, 2009; NETTO, 2010, 2011). Ciente disso, a

UNWTO vem tentando ampliar o conceito de turismo colocando-o como um fenômeno

social

cultural e econômico que implica a deslocação de pessoas para lugares fora do seu ambiente habitual para fins pessoais ou profissionais. Estas pessoas são chamadas visitantes (que podem ser turistas ou excursionistas; residentes ou não residentes) e do turismo tem a ver com suas atividades, algumas das quais implicam despesas turismo. Como tal, o turismo tem implicações sobre a economia, sobre o meio ambiente natural e construído, sobre a população local no destino e sobre os próprios turistas (UNWTO, 2010, p. 01).

Essas concepções mais abrangentes permitem uma série de considerações que

possuem maior impacto na vida de visitantes e visitados, pois passam a consideram

aspectos anteriormente ignorados, como a inclusão social da população local

(KRIPPENDORF, 2009; NETTO, 2010, 2011). Essa inclusão social é frequente em

diversos casos nos hostels (SILVA, 2006). Neste momento da história, o governo

brasileiro caminha rumo a uma conceptualização do turismo que procura abarcar os

esses aspectos socioespaciais. O Governo Federal classifica o turismo na Lei 11.771

– Capítulo I – Disposições Preliminares – Artigo 2o (conhecida como Lei Geral do

Turismo), a qual considera esse fenômeno social como as atividades desempenhadas

por pessoas físicas durante viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a 1 (um) ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras. Parágrafo único. As viagens e estadas de que trata o caput deste artigo devem gerar movimentação econômica, trabalho, emprego, renda e receitas públicas, constituindo-se instrumento de desenvolvimento econômico e social, promoção e diversidade cultural e preservação da biodiversidade [grifo nosso] (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2008).

Os princípios fundamentais do turismo são de grande auxílio a essa fundamentação

teórica. Por princípio fundamental entenda-se tudo aquilo que origina, causa e/ou

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constitui um corpo, local ou fenômeno; aquilo que se faz necessário para a realização

de algo, de uma ação ou conhecimento; que serve de base para algo ainda que de

maneira provisória (FERREIRA, 2004). Portanto, na essência do turismo, os aspectos

fundamentais que devem existir para que o turismo aconteça, são (NETTO, 2010, p.

69):

Sujeito – para haver turismo, é imprescindível a existência do turista. Porém,

esse turista não se desloca sem manter uma interação com o anfitrião;

Deslocamento – é classificado em duas categorias: interno (feito dentro do país

de origem do turista) e externo (fora do país de origem);

Retorno – a ação de sair de casa, de seu lugar de habitual de residência,

pressupõe um retorno a esse lugar. Esse conceito já está na raiz da palavra

turismo (tour);

Motivação – sempre irá existir um motivo pelo qual o turista sairá em viagem,

seja este oculto ou manifestado. Mesmo quando não queremos viajar temos uma

motivação para fazê-lo.

Hospitalidade – quando falamos em sair, partir, viajar, imaginamos que teremos

um lugar para ficar [...] quando o turismo ocorre, é o momento ideal para ver as

ações de hospitalidade (recepcionar, hospedar, alimentar e entreter)

acontecerem [...] onde está o turismo, deve estar a hospitalidade, todavia se

tratam de duas ações distintas;

Experiência – o turismo pode ser composto de uma gama de serviços imateriais

e intangíveis, como o bom atendimento em um hotel, uma comida saborosa na

fazenda, uma viagem segura, tem como consequência experiências sensoriais

e psicológicas;

Comunicação & Tecnologia – fazer turismo envolve comunicação [...] com outros

povos e culturas [...] e qualquer tipo de turismo prescindirá de tecnologia para

ser desenvolvido.

Nota-se que a presença da hospitalidade como a relação entre sujeitos do turismo,

visitante e anfitrião, é inerente. Idem para o deslocamento, pois na gênese do turismo

era um ato fundamental. Percebe-se que além de ser um quesito único e essencial

para o turismo, a hospitalidade também permeia praticamente todos os outros itens

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tidos como princípios fundamentais (SANTOS e PERAZZOLO, 2012). Alguns autores

preconizam que o turismo é uma disciplina da hospitalidade e não o contrário

(THIRKETTLE e KORSTANJE, 2012). No mínimo, ela age como fio condutor das

relações entre os sujeitos do turismo. A hospitalidade age diretamente nas

experiências turísticas, possui impacto no trato social, tanto para o visitante quanto

para o visitado, interferindo na percepção subjetiva de qualidade desta experiência.

Outros princípios ocorrem ocasionalmente, mas não são essenciais ao turismo,

portanto são considerados como desejáveis ou secundários. Dentre eles encontram-

se a sustentabilidade, igualdade, alteridade, ética e satisfação pessoal. Estes

princípios caracterizam a qualidade de uma experiência turística, mas não a sua

existência (NETTO, 2010), por isso são considerados secundários. No entanto, há um

item que talvez tenha sido negligenciado como essencial ao turismo: o espaço, o

território turístico. Pois, é no território que se constroem todas as representações

materiais e intangíveis do ser humano, onde acontecem todos os fenômenos

socioespaciais, onde a sociedade se constrói, incluindo o fenômeno denominado de

turismo (CRUZ, 2001; SANTOS, 1979, 2013; YÁZIGI, 2002).

Ainda que algumas definições tratem o turismo de uma maneira mais técnica e

econômica, pecando pela ausência de um caráter histórico e socioespacial, pode-se

perceber, em outras, um caráter mais abrangente, nas quais o desenvolvimento

desejado ultrapassa a esfera econômica, transcendendo para o meio social, cultural

e ambiental. Finalmente, o que se propõe com essa discussão, mais do que definir o

turismo em poucas linhas, é refletir e entender a essência desse fenômeno, quem são

os personagens dessa peça, suas interações e impactos na sociedade e meio

ambiente. A identificação deles permite conhecer os seus princípios fundamentais,

como se comportam e interagem, e por fim suas consequências sobre a realidade.

O Turismo da Juventude, no contexto das ciências sociais, é uma expressão bastante

ambígua quanto à sua definição, principalmente devido à discordância entre os

diversos autores sobre sua faixa etária. A fim de categorizar o perfil do público alvo

dos hostels, tomar-se-á como principal definição de turismo da juventude a proposta

pela UNWTO (2008). Estas considerações levam em conta não somente dados

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demográficos, como faixa etária, mas também o perfil, o “espírito” do viajante e como

este se comporta em relação ao fenômeno turístico, pois há diferenças

significativas nas faixas etárias utilizadas para definir o turismo de jovens, que em alguns casos cobrem o grupo de 16-24 anos, por outrora o de 16-29 e 16-35 em outros. Essas diferenças refletem o fato de que o conceito de "juventude" é cada vez mais difícil de conectar-se a idade, [...] Isto ressalta o ponto que viagens para jovens não é apenas uma questão de demografia, mas cada vez mais um estilo de viagem. Os alojamentos para a “juventude” são usados, agora, por viajantes de todas as idades, muitos dos quais procuram manter o estilo de viagem relativamente independente (UNWTO, 2008).

O turismo da juventude tem sido reconhecido pelas Nações Unidas como uma força

importante para o desenvolvimento e mudança social, trazendo uma mudança positiva

no setor, como um mercado importante para o futuro, não só pelos benefícios

econômicos que pode gerar, mas também porque pode fazer uma diferença real para

o destino, em termos culturais, sociais e de desenvolvimento (UNWTO, 2008, 2010).

Trotta (1978) e Giaretta (2003) completam, eloquentemente, essas definições de

turismo da juventude, quando considerarem esse público como aqueles que são

jovens de espírito.

Quanto à hospitalidade, essa pode conter significados extremamente diferentes. A

primeira, refere-se à conotação que pode significar a “indústria” da hospitalidade, que

abraça todos os serviços do turismo, principalmente os de hospedagem e alimentação

(WALKER, 2002). Muitas vezes a hospitalidade pode até tomar o lugar do termo

turismo e há grandes discussões sobre se são industrias independentes, se são a

mesma coisa ou se a hospitalidade merece ser considerada como um campo de

estudo único e não só uma linha de pesquisa dentro do turismo (CAMARGO, 2002).

O conceito original de hospitalidade, aquela desinteressada, pura e genuína, é

complexo e muitas vezes ambíguo (GOTMAN, 2009, 2011). Esse conceito remonta,

assim como a noção mais simples do turismo, também a milênios, sendo reconhecido

desde os primórdios de nossas civilizações, ambas orientais e ocidentais (CAMARGO,

2004; MONTANDON, 2011; WALKER, 2002). Ao contrário de diversas vertentes

acadêmicas que ensinam a hospitalidade como um processo de gestão de

infraestruturas e serviços turísticos voltados exclusivamente bem-estar do cliente,

esse conceito, dentro de uma abordagem holística, é uma via de aprendizado entre o

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ser acolhedor e o ser acolhido, onde ambos crescem e aprendem mutualmente, pelos

princípios de alteridade de Levinas, os quais propõem

a superação da pedagogia do Eu, fechado, bem como de um Outro que se apresenta possessivo nos relacionamentos. A relação ética, ou melhor, a pedagogia utópica levinasiana é o Eu e o Outro, abertos para o infinito, abrigados pela pedagogia da hospitalidade” (SÍVERES e MELO, 2012).

Para essas vertentes acadêmicas voltadas exclusivamente à gestão de serviços e

infraestrutura turística, pode-se tomar a hospitalidade simplesmente como o ato de

BEM receber, aparecendo no fenômeno turístico quando há uma percepção de “boa

qualidade” na prestação de serviços. Assim, a hospitalidade recebe conotações

qualitativas nas esferas sociais, políticas e religiosas dependendo do seu contexto

cultural. Porém, a hospitalidade permeia todo o fenômeno turístico, a todo o momento,

e não somente se há qualidade nos serviços (KORSTANJE, 2010). A qualidade dessa

hospitalidade é outra questão, relacionada ao teor das relações entre os sujeitos do

turismo.

Para esse estudo adotar-se-á o conceito de hospitalidade de Levinas e Gotman. Deve-

se encarar a hospitalidade como a arte de acolher pessoas, não somente no turismo

como diferencial mercadológico, mas em nosso cotidiano, pode ser a “bandeira de

uma verdadeira cruzada contra a intolerância e o racismo, bem como a base de uma

democracia total” (DERRIDA, 1997, 1999 apud CAMARGO 2002). A noção deste

conceito de hospitalidade incondicional, presente na gênese alberguista, vai

contra todas as variações da noção de nacionalismo, que ele considera um fechamento, uma apropriação de uma demarcação, de uma inscrição demarcatória, uma territorialidade, uma expansão da crença de um “eu” absoluto [...] cria um espaço de compaixão, no sentido de ser possível haver uma paixão convivencial, uma paixão pelo outro, num jogo que tem conflitos, mas que, pouco a pouco, eles possam ser transformados em uma experiência de abertura (p. 07).

A hotelaria caminha lado a lado com a hospitalidade, pois faz-se necessário um local

para acolher o visitante, os hotéis são a materialização dos conceitos de hospitalidade.

Como há diversas interpretações para esse conceito, há também, diversos tipos de

meios de hospedagem. Contemporaneamente, a origem da palavra hotel é francesa

(hôtel), significando a residência do rei da França, generalizando-se posteriormente

para designar grandes edifícios públicos ou privados, os quais eram

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residências permanentes ou de temporada, de membros da nobreza, que costumavam receber hóspedes sem, no entanto, cobrar por isso. Com o tempo institui-se a prática de hospedar não necessariamente convidados, e sim aqueles que pudessem pagar pela experiência. Naquele momento, então, estabeleceu-se a relação do termo hotel como acomodações com excelência nas instalações e qualidade de serviços oferecidos (ALDRIGUI, 2007, p. 24).

A história do Brasil, de nossa formação social e hoteleira difere da realidade francesa.

É, portanto, de extrema importância para o entendimento do fenômeno turístico

brasileiro e consequentemente da formação das características de seus meios de

hospedagem, fazer um levantamento histórico dentro da ótica socioespacial e

materialista, com foco na hospitalidade, turismo e nos meios de hospedagem, com o

auxílio de Bóris Fausto (2006) e Sérgio Buarque de Holanda (1936). Esses dois

autores permitem uma análise socioespacial crítica que contempla o materialismo na

sociedade brasileira, fazendo jus ao tema desse estudo. No contexto histórico da

hotelaria, esse estudo apropria-se das descrições e análises realizadas por Castro,

Guimarães e Magalhães (2013), Trigo (2002) e Valenzuela (2013), que retratam o

panorama do turismo brasileiro. No entanto, mesmo compartilhando similaridades

com a hotelaria, os hostels nasceram de outro contexto socioespacial e possuem um

referencial teórico diferenciado, como se mostra a seguir.

Os hostels, é o principal tema desse estudo. Em definição básica e rudimentar, sem

contar com suas conotações socioespaciais, filosóficas e culturais, esses são

estabelecimentos

baratos que acolhem diferentes hóspedes num mesmo aposento. Oferecem serviços básicos como camas ou beliches, com roupa de cama modesta e limpa, toalhas e bons chuveiros. Os aposentos são divididos em masculinos e femininos [...] a grande clientela desse tipo de hotel é formada por estudantes que viajam com pouco dinheiro (CAMPOS, 2005, p. 87).

No entanto, quando foi criado o primeiro albergue da juventude, entre seus principais

objetivos estavam o de proporcionar o entendimento entre as pessoas, o ato de viajar

a jovens estudantes e amenizar as mazelas criadas pelo cotidiano da vida em cidades

pós-industriais da Alemanha, no início do séc. XX, com base na filosofia dos

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Wandervogels7. Isto, em uma época em que o turismo dava seus primeiros passos e

uma simples viagem para jovens estudantes era uma grande aventura. Ao mesmo

tempo este tipo de hospedagem tinha o objetivo de prover segurança, conforto,

hospitalidade e o crescimento pessoal e social de seus hóspedes (HEATH, 1962;

COBURN, 1950; TROTTA, 1978; GIARETTA, 2003).

Inicialmente, em sua gênese, este meio de hospedagem agia como viabilizador de

viagens para jovens estudantes. Esses estavam, até então, praticamente

impossibilitados realizar viagens a campo, ou em casos extremos dormiam a céu

aberto, desprovidos de qualquer conforto ou segurança. Schirrmann idealizou um local

que se aproximasse o máximo possível, uma sala de aula e a casa dos alunos, quando

em viagens. Até os dias de hoje, esse meio de hospedagem busca assegurar que as

atividades realizadas nesse local complementem e avancem os elos sociais sobre os

quais ele opera, por exercer a sensibilidade para os assuntos sociais, culturais e de

patrimônio (UNWTO, 2010, p. 26).

No Brasil, este tipo de hospedagem teve seu início no final da “década de 60, década

da geração pé na estrada, do movimento hippie e dos movimentos estudantis no

mundo” e, em 1971, foi criada a Federação Brasileira dos Albergues da Juventude

(HI-Brasil) e nosso país passou a fazer parte do Movimento Alberguista

(HOSTELLING INTERNATIONAL-BRASIL, 2009). Trotta (1978) define os albergues

como um meio viabilizador das viagens para os jovens, que propicia o contato com o

meio ambiente, os valores culturais dos locais visitados, promove a compreensão e

união entre as culturas do mundo, “funcionando um pouco como clube, como colégio

e até mesmo como prolongamento do lar [grifo nosso]” (p. 17).

Sabe-se que os hostels “variam de região para região, mas as características gerais

são as mesmas, ofertam dormitórios, toaletes separadas por sexo, sala de estar e

cozinha, e são regidos por uma filosofia mundial [grifo do autor]” (TROTTA, 1978,

p. 17). Portanto, eles vão além de uma estrutura física e serviços. Esses locais devem

promover o intercâmbio cultural, possibilitando que jovens e adultos conheçam

7 Um movimento popular da juventude alemã estabelecido em 1901 que enfatizava o convívio com a

natureza, a liberdade, a auto-responsabilidade e o espírito de aventura. Este movimento acabaria por influenciar os hippies norteamericanos na década de 60 (COBURN, 1950).

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culturas diferentes, aprendam a respeitar as peculiaridades de cada povo, o meio

ambiente e a conviver em sociedade. Tendo em vista que a filosofia alberguista é que

pessoas de

todo o mundo conheçam, [lugares e] culturas diferentes e aprendam a respeitar as peculiaridades de cada povo e a conviver em sociedade, contribuindo para formação do jovem. Os hostels prezam pelo espírito de amizade, o sentimento de solidariedade e o desejo de viajar. Ser alberguista é sobretudo amar a liberdade, dignificar a convivência humana e o respeito (HOSTELLING INTERNATIONAL, 2014).

Giaretta, adotando as definições já mencionadas, continua a contemplar a herança

histórico-cultural, e define os albergues da juventude como um meio de hospedagem

alternativo à hotelaria convencional e “associativo8 [...] um ambiente descontraído, no

qual se cria a oportunidade de encontrar pessoas e de formar um maior círculo de

amizades com outras pessoas que viajam o mundo buscando conhecer o máximo e

gastando o mínimo (2003, p. 79). Ainda sobre os albergues da juventude, Fuster

também enaltece o caráter social desses empreendimentos, afirmando que a missão

destes meios de hospedagem é “estimular o espirito de compreensão entre as nações,

especialmente facilitando o turismo internacional” (1974, p. 381) podendo, assim, agir

diretamente na conservação do patrimônio das localidades em que estão situados.

Finalmente, deve-se lembrar que essas definições devem procurar respeitar uma

filosofia, materializada nesse meio de hospedagem.

8 Associativo: dado a associar, agregar, unir, ajuntar (duas ou mais coisas ou pessoas); reunir em

sociedade; estabelecer uma correspondência entre dois conjuntos (FERREIRA, 2004). Essa definição de associativo vem corroborar com as noções de hospitalidade que serão expostas posteriormente, noções essas que fazem parte da essência dos hostels.

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2 A GÊNESE ALBERGUISTA

Primeiramente, é necessário considerar os movimentos sociais e revolucionários da

Alemanha, entre o período pós revolução industrial até a primeira grande guerra

mundial, influenciaram diretamente a gênese dos albergues da juventude.

Posteriormente, analisa-se a chegada deste meio de hospedagem na América do

Norte e no Brasil, no intuito de traçar suas similaridades, assim como suas diferenças.

2.1 O contexto socioespacial anterior à gênese alberguista

Sobre a época precursora ao movimento juvenil alemão, que inspirou a criação dos

albergues da juventude, é importante saber que grande parte da Europa havia

vivenciado um avanço econômico e tecnológico sem precedentes, entre os anos de

1860 e 1900, em decorrência da Segunda Revolução Industrial (COBURN, 1950;

ENGELS, 2009; HEATH, 1962; LAQUEUR, 1962). Durante essa época, o país

europeu que ocupou a liderança, foi a Alemanha. No entanto, nem todas as classes

sociais experimentaram os mesmos padrões de vida e benefícios oferecidos por essa

nova revolução industrial, gerando grandes tensões sociais e “não faltavam exemplos

de sérios sintomas de declínio cultural naquele mundo de grande e rápido crescimento

e avanço tecnológico” (LAQUEUR, 1962, p. 03).

Antes da mecanização na fabricação de matérias primas, esse processo ocorria sob

a supervisão do trabalhador, sob seu conhecimento e dentro de sua propriedade

(CASTRO, 2012). O trabalhador, que vivia principalmente no campo, dominava o

método de produção e detinha grande parte do lucro do seu trabalho, pois no mundo

Feudal, o meio de produção era a terra, ou seja, o campo. Os feudos eram

praticamente autossuficientes. Como consequência

os trabalhadores viviam uma existência relativamente confortável, levando uma vida correta e pacifica em toda sua devoção e honestidade. Sua posição material era bem melhor do que a de seus sucessores. Eles não precisavam trabalhar em demasia, eles não faziam nada além daquilo que escolhiam fazer e ainda assim conseguiam o que queriam. [...] eles eram, na maior parte, pessoas fortes, bem construídas [...] suas crianças cresciam no ar fresco do campo e se eles pudessem ajudar seus pais isso era feito ocasionalmente [grifo nosso] (ENGELS, 2009, p. 16).

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As crianças e os jovens dessa época (os quais posteriormente seriam os semeadores

de movimentos sociais na Alemanha) viviam até então, dentro de uma “simplicidade

e intimidade idílicas com seus pais até o casamento [...], frequentavam regularmente

a igreja, nunca falavam de política, nunca conspiravam [e] eram extremamente bem-

dispostos para com as ‘classes superiores’” (ENGELS, 2009, p. 17). Os movimentos

juvenis da Alemanha pregavam uma volta aos modos mais simples de vida, um

contato maior com a natureza. Mas não pregavam um regresso puro ao estado em

que a sociedade se encontrava anteriormente. As ideologias desses movimentos

eram fundamentadas na educação juvenil, no resgate da cultura popular, através da

poesia, teatro e principalmente através da música (COBURN, 1950; HEATH, 1962).

A revolução industrial transformou o jovem camponês em uma simples peça produtora

a serviço das classes superiores, através da desapropriação de suas terras e do

conhecimento sobre o modo de produção. Como consequência, houve “uma rápida

multiplicação do proletariado, a destruição de toda posse de propriedades e da

segurança do trabalho da classe trabalhadora, a desmoralização da mesma e

[consequentemente] insatisfação política” (ENGELS, 2009, p. 20). Essa

desmoralização chega ao ponto de extinguir a moral e os costumes, principalmente

dos jovens camponeses recém-chegados à cidade (MARX e ENGELS, 1998). Agora,

com a centralização da propriedade e dos modos de produção nas mãos das classes

“superiores”, a relação entre os trabalhadores é, principalmente, de rivalidade. Mas

esta condição é mutável, pois através das lutas entre classes, do embate entre

opostos, transcende para algo novo (LEFEBVRE, 2009; MARX e ENGELS, 1998).

À precariedade desse panorama socioespacial, somam-se as péssimas condições de

higiene, saúde, alimentação e segurança dos trabalhadores nas novas cidades recém

industrializadas. As condições de vida eram tão desmoralizantes que o trabalhador

era rebaixado a um estado sub-humano de existência, em prol do desenvolvimento e

bem-estar poucos. Isso se tornou insuportável e as relações interpessoais entre a

grande massa humana era cada vez mais fria e distante, o ser humano se tornava

cada vez mais alienado. Alienado ao modo de produção que ajudava a realizar,

privado dos dividendos resultantes dessa produção, alienado até mesmo da sua terra,

da natureza que agora era vista como empecilho, e alienado do seu semelhante.

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O homem era impotente, insignificante, apenas uma pequena peça da máquina da

revolução industrial, um mero escravo (MARX e ENGELS, 1998). Por mais que esses

indivíduos estivessem extremamente próximos uns aos outros, fisicamente, “o brutal

interesse [e competição individual], a insensível alienação de cada um em seu próprio

mundo se torna cada vez mais repelente e ofensiva” (ENGELS, 2009, p. 37). A noção

de que somos seres humanos, especiais, parte de um todo, é extinguida. Essas novas

relações humanas resultam na “dissolução da humanidade em mônadas, as quais

cada indivíduo tem um princípio e propósito separado dos demais, o mundo de átomos

é aqui exercido aos extremos” (ENGELS, 2009, p. 37). Dentro do novo contexto social,

o indivíduo, uma vez nascido para labutar, não teria outra opção ou perspectiva

durante o resto de sua existência que trabalhar para manter sua condição atual,

vivendo em permanente estado de dependência patronal e alienação. Dentro desta

nova vigência socioeconômica, o ser humano é privado da possibilidade de mudança,

de superação, de transcendência (LEFEBVRE, 2009).

Engels descreve as desumanas condições de vida na cidade de Manchester,

Inglaterra, afirmando que especificamente, “em um buraco fundo, numa curva do rio

Medlock, cercado nos quatro lados por grandes fábricas e altos taludes, fica um grupo

de aproximadamente 200 casebres, donde vivem cerca de 4000 seres humanos”

(2009, p.72). Estes casebres eram pequenos, extremamente sujo e velhos, alinhados

lado a lado e de fundos conjugados também, davam de frente para ruas desalinhadas,

sem drenagem d’água, esgoto e pavimentação. Como consequência as casas, com o

passar do tempo, começam a apodrecer, e grandes quantidades de resíduos

de carne putrefata, das mais diversas imundícies repugnantes encontram-se em meio a poças de água parada em todas as direções; a atmosfera é envenenada pelas emanações desses resíduos, e carregada e escurecida pela fumaça de uma dúzia das altas chaminés das fábricas. Uma horda de mulheres e crianças [grifo nosso] vaga em meio às ruas, tão suja quanto os porcos que prosperam dos montes de lixo e das poças d’água. A raça que vive nesses casebres em ruinas, [...] vivendo em porões escuros e úmidos, em sujeira e fedor impossíveis de se medir, depositados nessa atmosfera como se tivessem um propósito, essa raça deve realmente ter chego ao nível mais baixo da existência humana (ENGELS, 2009, p.72).

Dentro desse contexto é essencial saber que a burguesia usurpava o trabalhador,

alienava-o e excluía-lo de qualquer consideração socioeconômica. Os salários

semanais eram tão baixos que, após a burguesia ter adquirido sua comida, eram

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poucos os trabalhadores que possuíam algum capital para convertê-lo em alimento.

Os alimentos adquiridos, após quase uma semana de armazenamentos em condições

imundas, encontravam-se em condições, no mínimo, precárias. As

batatas eram pobres, os vegetais murchos, o queijo era velho e de baixa qualidade, o bacon ranço. A carne é magra e rígida, tirada de gado velho, geralmente adoecido ou de uma carcaça, morto de causas naturais, a qual não estava fresca nem em quando foi encontrada, e as vezes já em estado de decomposição. [Estes eram os ingredientes] que compõem o jantar de Domingo das classes mais pobres (ENGELS, 2009, p. 80).

Consequentemente as condições de saúde da população pobre desse período na

Inglaterra, e similarmente na Alemanha, são tão precárias quanto as descritas

anteriormente. Os médicos de Edimburgo, Escócia, que atendiam em casa as famílias

mais pobres descrevem a Engels (2009) que devido à ausência de um sistema de

esgoto e até mesmo a falta de latrinas nas casas,

todos os resíduos, lixo e excrementos de, no mínimo, 50000 pessoas, são jogados nas ruas todas as noites. Apesar da limpeza feita diariamente, uma massa de lixo seco e vapores repugnantes são criados a partir destes, os quais não somente ofendem a visão e o olfato, mas também ameaçam a saúde dos habitantes em um grau máximo. [Todos] testemunharam que os níveis de doenças, miséria e desmoralização chegaram aos mais altos possíveis (p. 48).

Chega-se à conclusão geral de que as grandes cidades britânicas são habitadas

principalmente por trabalhadores, que vivem sem nenhuma propriedade em seus

nomes, sobrevivendo apenas de baixos salários que são gastos quase que

exclusivamente com comida em condições de consumo inadequadas. A sociedade

que se encontra no poder “composta inteiramente de átomos, não se preocupa com

os demais, [...] e não lhes dispõe as condições necessárias para que estes consigam

se manter de maneira eficiente e permanente (ENGELS, 2009, p. 85). Cada

trabalhador, que se encontra em um estado de alienação e desmoralização, é exposto

frequentemente à perda de seu trabalho, consequentemente à incapacidade de obter

comida, recorrendo ao roubo ou morrendo por inanição ou doenças decorridas do

estado pútrido de suas habitações. Não há colaboração entre trabalhadores, pelo

contrário, o que se nota é a acirrada competição por trabalho e comida. O senso de

humanidade, de empatia é completamente extirpado desses “seres humanos”. De

acordo com Engels (2009), vivem como animais e com os animais, alheios à todas as

regras e benefícios de uma sociedade moderna, “lutando por pela vida, pela

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existência, por tudo, [...] essa batalha ocorre não somente entre indivíduos de classes

diferentes, mas também entre indivíduos da mesma classe” (p. 87). As mazelas

decorrentes dessa condição, além de algumas já citadas anteriormente, são muitas.

Como alcoolismo, prostituição e altas taxas de criminalidade. Mas é a desmoralização

do ser humano, a alienação, ausência de cultura e educação fazem com que esta

condição se perpetue até a situação torna-se insuportável.

2.2 As raízes alberguistas europeias

O movimento alberguista contemporâneo, possui suas raízes na Alemanha, poucos

anos antes da Primeira Guerra Mundial, quando o professor Richard Schirrmann

percebeu a necessidade de um tipo de acomodação especial para seus estudantes

enquanto em viagens de campo pelo o interior da Alemanha (GRASSL e HEATH,

1982). Para compreender melhor os motivos de Schirrmann (figura 10), deve-se

procurar entender os aspectos socioespaciais de sua época. As condições de vida da

juventude alemã pós revolução industrial (que eclodiram em uma série de movimentos

sociais, dos quais o Wandervogel é o primeiro e mais representativos deles)

influenciaram diretamente Schirrmann na criação dos Jugendherbergen9.

Figura 10 – Foto de Richard Schirrmann (1930)

Fonte: http://hostelliviesti.fi/

9 Em tradução literal para o inglês a palavra em alemão Jugendherbergen significa Youth Hostel, termo

adotado pela HI, que no Brasil foi traduzido como Albergue da Juventude.

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O termo wanderlust (sede por viagem ou desejo de vagar/percorrer/perambular) é

essencial para o entendimento da filosofia alberguista. Este termo representava uma

tradição entre artistas e estudantes da Europa Central, principalmente na Alemanha,

e significava, entre outras ideais, o desejo por liberdade, a rebelião pacífica contra a

sociedade vigente da época, o regresso e contato íntimo com a natureza, o retorno às

raízes culturais populares e o entendimento entre as pessoas (COBURN, 1950;

GRASSL e HEATH, 1982; HEATH, 1962; LAQUEUR, 1962). Desse desejo por

liberdade – não somente através do contato com a natureza, mas como o que Hegel

propõe, de ir além da sociedade civil, criando-se uma alternativa (CIOTTA, 2007) –

deu origem a um novo movimento juvenil na Alemanha recém-formada, que provocou

uma revolução nos hábitos de um grande número de jovens, deixando suas

influências filosóficas marcadas por toda a Europa e, na sequência, nos E.U.A. e nos

demais países ocidentais, o Wandervogel (COBURN, 1950; GRASSL e HEATH, 1982;

HEATH, 1962; KENNEDY, 1998; LAQUEUR, 1962).

Para Assunção (2012), o ato de viajar, naquela época, representava

um sonho. Novos espaços, culturas, [...] um outro mundo de experiências que se pode compartilhar. A procura por viagens em terras distantes fazia parte de um processo formativo dos homens. Uma ousadia que muitos aventureiros empreenderam na busca de um amadurecimento intelectual e espiritual. Conhecer o estranho e o diferente era uma forma de se educar. Saber olhar o mundo fazia parte de um processo de aprendizagem (p. 77).

As raízes do Wandervogel podem ser traçadas até 100 anos antes desse período, a

uma época chamada de Burschenschaft (Tempestade e Estresse) que provocou uma

revolta artística, expressada principalmente na literatura, contra as regras da

sociedade industrial, do classicismo, contra o governo prussiano e a repressão das

emoções individuais. O movimento nascera do romanticismo (ou romantismo) alemão,

colocando-se deliberadamente contra uma sociedade que via a natureza e seus povos

vizinhos como algo a ser dominado e modificado para se adequarem à nova regra

social e econômica. Eles expressavam uma luta contra a falta de atenção à juventude

e incentivo à cultura popular da época, contra a opressão social vinda, agora, dos

senhores industriais (COBURN, 1950). A crise cultural a qual vivia a Alemanha, um

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país recém unificado10, dividiu ainda mais sua população, a qual necessitava

drasticamente de um senso de união. O Movimento Juvenil Alemão foi, em sua

essência, “uma forma de oposição apolítica a uma civilização que tinha pouco a

oferecer à geração jovem, um protesto contra a falta de vitalidade, calor humano,

emoção e ideais” (LAQUEUR, 1962, p. 04).

Os Wandervogels possuíam características únicas que o fazem um movimento

altamente idealista e romântico, que lutava contra algumas normas da sociedade

germânica e buscava um retorno a um modo mais simples de vida, uma aproximação

com a natureza, através do folclore e das artes (COBURN, 1950; HEATH, 1962). Em

alguns aspectos o movimento possuía, além de sua essência romântica, nuances

medievais (LAQUEUR, 1962). Em sua primeira fase, entre os anos de 1900 e 1914,

fase essa que é a mais relevante ao presente estudo, os Wandervogels queriam,

primordialmente

serem integrados como seres humanos [...] pois se consideravam como uma parte crítica da sociedade que não estava inserida na condução do seu próprio desenvolvimento. Sentiam fortemente o que uma geração de filósofos chamava de alienação. [...] eles queriam uma mudança nas relações humanas e não havia certeza de que estas mudanças pudessem ser alcançadas através do novo sistema político-social. [...] Os Wandervogels escolheram uma outra forma de protesto, o romanticismo. Sua volta à natureza era romântica, assim como suas tentativas de fugir de uma civilização materialista, sua ênfase era em uma vida simples, uma redescoberta das velhas canções populares e folclore (LAQUEUR, 1962, p. 06).

Os românticos, de acordo com Laqueur (1962), prezavam pelo campesinato e se

opunham ao crescimento da indústria e do comércio. O indivíduo desse movimento,

por rebelião, ao invés de entrar em conflito direto, ou até armado, com a sociedade,

escolhia se isolar na natureza. Além disso, um estado opressor tem como

potencialidade a criação de classes sociais alienadas, onde o indivíduo alienado,

sente-se isolado, separado da máquina social. Em uma situação extrema de alienação

10 A unificação oficial da Alemanha em um estado nação politicamente e administrativamente integrado

ocorreu em 18 janeiro de 1871 no Hall do Palácio de Versailles dos Espelhos na França. Diversos píncipes dos estados alemães se reuniram ali para proclamar Wilhelm da Prússia como Imperador Wilhelm do Império Alemão. Posteriormente, o Tratado de Frankfurt foi assinado em 10 de maio de 1871, ao final da Guerra Franco-Prussiana, estabelecendo as fronteiras entre a Terceira República Francesa e o Império Alemão, que envolveu a cedência de 1.694 aldeias e cidades, até entao sob o controle francês, para a Alemanha (SHEEHAN, 1993).

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o indivíduo pode ser isolar por completo, criando sua própria realidade, ou uma

sociedade alternativa. A partir do zero, ou do caos completo, algo novo pode florescer.

O estilo do movimento também pode ser comparado ao dos Wandering Scholars (trad.

Acadêmicos Errantes) da Idade Média, os quais eram um grupo de filósofos e parte

do clero de países como a França, Alemanha, Espanha e Itália, que protestavam

contra as crescentes contradições dentro da igreja através da música, da poesia e

performance, muitas vezes dentro de um cenário carnavalesco (WELLBERY e RYAN,

2005). Os primórdios do movimento caracterizavam-se pela informalidade e falta de

uma hierarquia devido à anarquia inerente, faltava também objetivos, além do simples

vagar por vagar. Para os Wandervogels, o vagar

era uma arte, devendo ser intencional, e aqueles que escolhessem engajar nesse ato deveriam aprender a serem observadores, se tornarem mais familiares com a terra mãe e seus povos. Essa educação através do vagar [ou viajar] deveria produzir um novo alemão, o qual tinha um conhecimento melhor e mais completo de seu país, e sua identificação e amor com a esse era profundamente enraizada na sua experiência pessoal (LAQUEUR, 1962, p. 07).

Essa fase inicial do movimento retrata a essência dos Wandervogels, onde sua

filosofia está ligada diretamente à gênese alberguista contemporânea. Os

organizadores do movimento perceberam que uma noite bem dormida, mesmo que

não fosse sob o céu cheio de estrelas, como defendia as raízes do movimento, traria

melhores condições físicas e morais ao grupo, propiciando caminhadas mais

agradáveis no dia seguinte, sem contar quando o tempo era totalmente inóspito.

Percebe-se aqui as primeiras mudanças filosóficas quanto ao modo de pernoitar do

movimento Wandervogel (COBURN, 1950; HEATH, 1962). A filosofia transitava de

uma forma totalmente purista rumo à organização de uma classe social, em busca por

um meio de hospedagem que pudesse suprir as necessidades especiais desse grupo

de pessoas.

Com o tempo o movimento passou a melhor se organizar. Foram desenvolvidos

assobios para identificação de grupos, roupas rudimentares começaram a ser criadas

para diferenciá-los dos demais camponeses e estudantes. Foi na música que o

movimento Wandervogel deixou seu maior legado, ele propiciou um renascimento da

música popular alemã, a qual havia sido negligenciada por um longo tempo, sendo

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que “[...] as canções compostas pelos Wandervogels são conhecidas e cantadas até

hoje em qualquer lugar onde a língua alemã é falada; estas canções se tronaram as

verdadeiras canções folclóricas da Alemanha” (LAQUEUR, 1962, p. 19). No entanto,

de acordo com Laqueur (1962) toda essa produção cultural era um subproduto do

movimento, e a

autêntica e mais profunda experiência do movimento juvenil é difícil de descrever e talvez impossível de analisar: a experiência de caminha à noite e ao nascer do sol, a atmosfera de uma fogueira em um acampamento, as amizades que afloravam. Profundos acordes emocionais eram tocados; a genuinidade dessa experiência não pode ser duvidada. Para muitos [...] era uma estimada experiência que ainda é lembrada e será por toda a vida (p. 19).

No início do movimento a preparação e planejamento das viagens à natureza eram

bem casuais, pois “não havia, ainda, uma rede de albergues da juventude que

facilitasse o planejamento de estágios sucessivos em um itinerário” (LAQUEUR, 1962,

p. 28). Esse mesmo autor ainda relata que, após retornarem dessas viagens,

relatórios eram preparados, descrevendo as experiências pessoais e os aspectos

técnicos da viagem, como condições das trilhas, tempo de viagem entre um ponto e

outro. Para esses relatórios técnicos, “desenhos, pinturas e fotografias eram coletados

e sua a qualidade do material era satisfatória, esses eram publicados em forma de

livro” (p. 28). Nasce aqui os primeiros guias de viagens para o futuro turismo da

juventude ou turismo backpacker, representados hoje principalmente pelo guia Lonely

Planet. A composição inicial do movimento, que era mais individualista e de certa

forma anárquica, havia mudado para uma forma mais coletiva apesar dos ideais

básicos permanecerem alterados.

Logo o Movimento Juvenil Alemão se estendeu além dos limites de Berlim e entre os

anos de 1904 e 1907, Viena e Praga já possuíam representações da filosofia

Wandervogel entre os jovens de suas escolas. No entanto a composição

predominantemente católica dos Habsburgos11, mudou fundamentalmente as

11 A Monarquia dos Habsburgos é uma denominação não oficial entre os historiadores para os países

e províncias, que eram governadas pelo ramo austríaco da Casa de Habsburgo de 1526 até 1780 e, em seguida, pelo ramo sucessor de Habsburgo-Lorena até 1918. A monarquia era um estado composto composto de territórios dentro e fora do Sacro Império Romano, unidos apenas na pessoa do monarca. A capital dinástica era Viena, exceto 1583-1611, quando foi transferida para Praga. De 1804 a 1867, o Império Habsburgo foi formalmente unificado como o Império Austríaco, e de 1867 a 1918 como o Império Austro-Húngaro (BRITANNICA, 2014).

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características do movimento na Áustria, tomando uma consciência política mais ativa

e menos voltada ao “paganismo” (LAQUEUR, 1962). Apesar dos maus olhos postos

sobre o Wandervogel pela igreja, monarquia e demais partes da sociedade alemã, o

movimento “agiu como um importante corretivo à personalidade egoísta que, nem a

escola ou a educação parental, poderia, naquela época, provir jovens daquela idade

com a autodisciplina e senso de camaradagem que o movimento juvenil demandada

de cada membro” (LAQUEUR, 1962, p. 30). A filosofia Wandervogel era a porta de

entrada para valores éticos e estéticos negados à juventude alemã daquela época.

O coração geográfico do movimento era a região de confluência dos estados da Baixa

Saxônia, a Turíngia e o Hesse (figura 11). Não é à toa que os praticantes desse

movimento escolheram essa região para suas caminhadas, pois aqui encontra-se a

região de natureza mais bem preservada do país, o começo dos alpes que culminam

na fronteira entre a Suíça e Áustria e, até hoje, o estado de Hesse é o mais bem

preservado ambientalmente, com 42% de seu território coberto por florestas

(HESSEN, 2010).

Figura 11 – Mapa da localização geográfica do movimento Wandervogel

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

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Em uma sociedade predominantemente protestante e rural, o comportamento dos

Wandervogels ganhou um número razoável de participantes e simpatizantes, ao

contrário de regiões onde havia a presença forte do catolicismo e judaísmo. Aos olhos

das quais estes atos eram vistos como demonstrações perigosas de paganismo. Parte

dos imigrantes alemães que foram povoar a américa do Norte, entre o período de

guerras e após a Segunda Guerra Mundial, provinham dessa região e/ou faziam parte

desse movimento ou outros similares. Estes imigrantes, posteriormente, acharam a

liberdade que procuravam nas terras ainda relativamente virgens e despovoadas do

novo mundo. Não muito tempo após sua chegada eles foram semeadores

fundamentais do movimento hippie norte-americano nos anos 60 (KENNEDY, 1998).

Os albergues da juventude chegaram ao Brasil junto com a o apoio e participação da

geração “pé na estrada”, dos hippies brasileiros e dos estudantes dos anos 70

(HOSTELLING INTERNATIONAL-BRASIL, 2009).

Em um acontecimento marcante da história do movimento, mais de quatro mil jovens

peregrinaram através de toda a Alemanha, muitos deles a pé, até a região

montanhosa de Hoher Meissner e se reuniram para explorar a natureza, cantar e

dançar. Esta reunião marca o fim da primeira fase dos Wandervogels. Inúmeros

discursos, alguns deles altamente inflamados e cheios de caráter social e

revolucionário, incendiaram muitos dos participantes. Deste ponto em diante o

movimento deixa, cada vez mais, seu lado romântico e idealista, adquirindo,

gradualmente, um caráter revolucionário, procurando mudar a sociedade vigente ao

invés de simplesmente proporcionar uma experiência intimista aos seus membros.

Esta fase do movimento, apesar de ser importantíssima para o seu entendimento, não

é relevante para o presente estudo, pois a filosofia inicial, que insemina os albergues,

é aos poucos modificada por outros ideais.

Eventualmente o movimento juvenil tanto na Alemanha, quanto na Áustria e República

Tcheca nunca superou a divisão social existente e nunca se tornou um movimento

capaz de mudar drasticamente a sociedade de sua época. A sociedade ocidental

começou a se tornar cada vez mais individualista e alienada, afastada da natureza e

do entendimento entre seus pares. Além disso, outros motivos contribuíram para a

extinção dos Wandervogels. A Primeira Grande Guerra freou qualquer chance de

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viagens em meio à natureza e os jovens já aptos foram alistados à guerra. Poucos

anos antes à Segunda Grande Guerra, o partido nazista, praticamente recém fundado

após o termino da Primeira, viu nos Wandervogels a “mão de obra” perfeita. A

juventude Wandervogel, extremamente conhecedora de seu território e em excelentes

condições físicas foi destituída de suas vestimentas, de seus cantos, de sua poesia e

de seus ideais. Foram incutidas em suas mentes, assim como à toda a população

alemã, ideias nacionalistas exacerbadas, onde o estranho agora era visto como

inimigo, um problema a ser extirpado (COBURN, 1950; HEATH, 1962).

De qualquer modo, a essa altura, os albergues da juventude já haviam sido criados e

disseminados por grande parte da Europa. Schirrmann fez com que os ideais originais

dos Wandervogels (figura 12) fossem assimilados aos albergues. Diferente do caráter

revolucionário do movimento juvenil alemão, seu maior objetivo era simplesmente

aliviar a opressão e miséria sentida pelas crianças das grandes cidades germânicas,

através de viagens ao interior do país (HEATH 1962). Ele percebeu que essas viagens

poderiam lhes oferecer muito mais do que um conhecimento científico sobre o assunto

visto em aula, pois a apenas “alguns passos, eles estariam no interior, sob o céu,

livres, à luz do sol e à brisa” (COBURN, 1950, p 10).

Figura 12 – Foto dos Wandervogels em viagem (1901)

Fonte: 100 Anos de caminhadas http://www.nwv.de (2001).

Richard Schirrmann almejava pela aproximação dos indivíduos e desses com a

natureza, antes vista como inimiga. Visionava um retorno à uma vida mais simples e

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satisfatória, onde, o aprendizado fosse continuo e onde reinasse a felicidade e o

entendimento entre as pessoas, características presentes até hoje em determinados

hostels e no perfil backpacker (PEARCE e FOSTER, 2007). Um local onde

a cada possível momento, em todas as estações do ano [seus alunos] pudessem estar ao ar livre, fora do confinamento espacial da sala de aula. Em caminhadas e aulas “alfresco” (ao ar livre) seus pupilos aprendiam história natural e geografia de uma maneira que nenhuma escola ou livro poderiam lhes ensinar, isto foi a fundação da sua teoria da “Die Wandernde Schule” (The Roaming School), a Escola Itinerante (HEATH, 1962, p. 08).

No início de suas aulas ao ar livre, de sua Escola Itinerante, as viagens duravam

apenas uma manhã ou uma tarde. Com o passar do tempo ele percebeu a

necessidade de estender suas lições, o que passou a exigir locais para pernoitar seus

alunos. Nesse período, esses pernoites eram realizados como os Wandervogels no

início de sua fundação, ao ar livre ou em acampamentos e celeiros de fazendeiros que

decidiam, de boa vontade, atendê-los. Esses pernoites em celeiros representavam

atos similares à hospitalidade genuína experimentada pelos primeiros viajantes de

nossa civilização, o acolhimento desinteressado de estranhos por estranhos

(MONTANDON, 2011).

Nesses casos os anfitriões, seres acolhedores, percebiam a necessidade de ajudar

estranhos, os seres acolhidos, em situação de dificuldade (HEATH, 1962). Na primeira

noite de uma de suas viagens de campo, planejada para se estender por oito dias, “o

grupo foi confortavelmente acolhido em um celeiro, onde o fazendeiro gentilmente lhes

providenciou cobertores e lhes deu leite e ameixas” (HEATH, 1962, p. 13). A

demonstração de hospitalidade materializa-se aqui, através da promoção de abrigo e

da dádiva do alimento dentro das condições do ser acolhedor, por mais simples que

esse possa ser (MONTANDON, 2011). Com o tempo, a culinária torna-se parte

integrante da experiência em um albergue da juventude (HEATH, 1962). Assim é,

também, com o turismo, a culinária e/ou a gastronomia representam a outra face da

hospitalidade, a primeira sendo a acomodação (KRAUSE e BAHLS, 2013).

Próximo ao final de sua viagem o grupo foi surpreendido por uma forte tempestade. O

único lugar que pode acolhê-los foi a pequena escola de uma comunidade local na

vila de Aachen. Desse contratempo surgiu uma ideia, que promoveria uma reforma

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pedagógica e mais tarde, sem a intenção inicial de seus criadores, se tornaria uma

das maiores cadeias de hospedagem do mundo, a HI (COBURN, 1950; GRASSL e

HEATH, 1982; HEATH, 1962). Schirrmann relata

eu pensei comigo mesmo que as escolas por toda a Alemanha poderiam muito bem serem usadas para providenciar acomodação durante as férias escolares. Vilas na parte boa do país para caminhadas poderiam ter um “Youth Hostel”, situados um dos outros a um dia de distância de caminhada, recepcionando todos os jovens alemães que gostassem de caminhar (HEATH, 1962, p. 14).

Esse evento, no dia 26 de agosto de 1909, na viagem de Altena à Aachen, de acordo

com Heath (1962), marca a fundação do movimento alberguista alemão. Mas,

Schirrmann não procurava somente um lugar para passar a noite, mas um meio de

hospedagem ainda inexistente, para um tipo de viajante que estava começando a “cair

na estrada”. Ele procurava por um santuário, um lugar acolhedor onde seus alunos

pudessem se sentir em casa, bem recebidos e seguros. Acima de tudo ele procurava

manter vivo o “espírito livre dos “das Wandern” (os Vagantes) que parecia ameaçado

de extinguir-se através do crescimento do confortável materialismo da burguesia”, pois

a Alemanha, a partir da segunda metade do século XIX, passava por uma grande

mudança econômica e social, um “milagre que recentemente havia unido o Império

Alemão: a industrialização” (HEATH, 1962, p. 15).

A solução para este problema foi a de usar uma infraestrutura já existente, a das

escolas primárias alemãs, ao invés de criar, do zero, novos meios de hospedagem.

Em 1910, Schirrmann redige as primeiras regras dos albergues da juventude em uma

carta enviada a diversas escolas, pedindo a essas que se unissem em torno da ideia

de que uma rede de albergues era beneficiaria ao ensino da juventude alemã,

marcando o início dos albergues sazonais e os primeiros conceitos sobre este novo

meio de hospedagem. Para convencer as escolas Schirrmann delimitou as

responsabilidades das mesmas, ficando ao cargo dos alunos parte da manutenção e

custo do novo empreendimento. O professor ressalta, em seu pedido às escolas, que

cada criança será exigida a manter seu espaço de dormir limpo e organizado. O zelador de cada escola providenciará lençóis limpos [até hoje uma regra essencial a todo hostel]. Em cada local, um professor agira como diretor/guardião honorário [primeira denominação do papel que hoje é realizado pelo recepcionista], aceitando reservas com antecedência, [...] mantendo o livro de hóspedes, supervisionando a limpeza do hostel e das camas e administrando os recursos financeiros (HEATH, 1962, p. 17).

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O pedido tocou o coração e as mentes de diversas escolas. Em pouco tempo vários

professores passaram a reconhecer o valor das viagens de campo para a saúde e

aprendizado de seus pupilos. Estes primeiros estabelecimentos improvisavam

colchões de palha e cobertores em uma sala de aula durante as férias de verão

escolares. Ele propôs chamar estes locais de “Jugendherbergen” e em pouco tempo

foi possível equipar o “Jugendherbergen da escola de Nette com camas ao invés de

colchões de palha (COBURN, 1950). Os visitantes vinham de longe, alunos em aula

com seus professores, estudantes independentes e os Wandervogels... E não

somente durante as férias escolares” (HEATH, 1962, p. 18). Uma estudante do colégio

de Nette relembra, a Heath (1962), a experiência de receber um grupo de alunos e

Wandervogels em sua escola como lúdica, mágica e enaltecedora. O impacto dos

Jugendherbergen fazia-se presente não apenas entre aqueles que viajavam, mas

também nos que recebiam os viajantes, o que significa a relação entre ser acolhido e

ser acolhedor, princípio básico da hospitalidade de acordo com Montandon (2011). A

hospitalidade nessa relação também pode ser inversa.

O sucesso desses albergues foi o empurrão necessário para que Schirrmann

construísse o primeiro albergue permanente (ver figura 13), dentro de uma parte do

Castelo de Altena12, em 1912, “com um design próprio, contando com dois dormitórios,

sala social, uma cozinha, lavabos e banheiros. Grandiosos beliches de madeira

harmonizavam com o estilo do castelo” (COBURN, 1950; HEATH, 1962, p. 22). Após

séculos sem uso o castelo passou por uma completa restauração em 1909, para

celebrar o 300º aniversário da incorporação dos Condados de Mark13 à Prússia,

permitindo a Schirrmann usufruir de sua excelente localização e infraestrutura. Ainda

hoje, há quartos do primeiro albergue à mostra e novos quartos foram construídos,

tornando-o o mais antigo e ainda em operação albergue da juventude do mundo. Nota-

12 Altena é uma cidade no distrito de Märkischer Kreis, Renânia do Norte-Vestefália. O castelo da

cidade, situado acima das margens do Rio Lenne, foi edificado pelos Duques de Berg no início do Século XII. Berg era um estado - originalmente um condado, posteriormente, um ducado - na Renânia, Alemanha. Sua capital era Düsseldorf, existindo como uma entidade política distinta do Século XII ao XIX. A unificação do território que viria a constituir a Alemanha, só aconteceu em 1871, sob a hegemonia da Prússia.

13 O condado de Mark (em alemão: Grafschaft Mark) era um município e estado do Sacro Império Romano no Baixo Círculo Reno-Vestefália. Ficava em ambos os lados do rio Ruhr ao longo dos rios Volme e Lenne. Os condes de Mark estavam entre os senhores Vestefália mais poderosos e influentes do Sacro Império Romano.

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se, aqui, os primeiros princípios de reutilização e conservação do patrimônio histórico

edificado que é inerente à essência dos albergues.

Pela primeira vez na história os estudantes contavam com um tipo de acomodação

própria, adequadamente equipada, um local de encontro hospitaleiro que apesar de

“ter suas raízes no passado, olhava para o futuro” (HEATH, 1962, p. 22). Esta

configuração física está relacionada diretamente com a filosofia proposta por

Schirrmann e, posteriormente, define as características oficiais da cadeia de

albergues que estaria por vir. É neste momento que se definem os requisitos básicos

de um Jugendherbergen, que determinam também seu caráter social que perdura até

os dias de hoje. Portanto, deveria conter essencialmente (COBURN, 1950; HEATH,

1962):

Um grande quarto dormitório (que provesse abrigo, segurança e um mínimo de

conforto aos estudantes, gratuitamente ou sem custos elevados – figura 14);

Um banheiro compartilhado que pudesse servir os alunos (conferindo

condições mínimas de higiene pessoal e local);

Uma cozinha comunitária (conferindo diversas condições de hospitalidade, pois

era nesse espaço que as refeições eram compartilhadas);

Uma área social interna e/ou externa – sala, salão, terraço e/ou qualquer

ambiente amplo e sociável – onde os alunos se reuniam para as mais diversas

atividades (proporcionando um ambiente escolar nas viagens de campo,

substituindo a sala de aula, como uma escola a distância; promovendo convívio

social. Um local onde os alunos, jogavam e cantavam, discutiam os achados

do dia e planejavam a próxima incursão a campo);

A figura do Hausvater ou da Hausmutter: pessoa que residia no albergue, ou

muito próximo a este, e conhece muito bem a região (o destino turístico).

Cuidava da limpeza e, além de providenciar as refeições noturnas, também

entretinha os hóspedes e lhes ensinava sobre a cultura local, exercendo o

papel de anfitrião, mais tarde concebido na figura do recepcionista.

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Figura 13 – Foto do primeiro albergue da juventude permanente em Altena

Fonte: Ruben Wisniewski (2008).

Estabelecia-se então os primeiros critérios que serviriam como diretrizes para a

criação das estruturas físicas e serviços deste recém-criado meio de hospedagem.

Estes critérios foram adotados na criação dos demais estabelecimentos que

compuseram a primeira associação de Albergues da Juventude na Alemanha, e são,

até hoje, respeitados pela maioria dos hostels contemporâneos (HEATH, 1962;

COBURN, 1950; TROTTA, 1978; GIARETTA, 2003; MATSIS, 2013).

Figura 14 – Foto do dormitório dos meninos

Fonte: fotocommunity © Bernd1959

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O sucesso do Jugendherbergen Altena, motivou várias pessoas com tal confiança e

dinamismo, que em apenas alguns anos depois, em 1914, os pernoites foram

contabilizados em 17 mil e o número de estabelecimentos passou para 200. Uma

associação foi criada para manter estes albergues e Schirrmann deixou seu emprego

de professor para tornar-se o primeiro Secretário Geral da recém-formada HI da

Alemanha (COBURN, 1950; DEUTSCHE JUGENDHERBERGSWERK, 2014;

HEATH, 1962; INTO HISTORY, 2014; STADT ALTENA, 2008). A Primeira Grande

Guerra (1914-18) freou o crescimento dos albergues alemães. O pai de Schirrmann

assumiu o posto de pai alberguista no castelo de Altena, mas aquele período estava

longe de ser seguro para que jovens estudantes perambulassem pelo interior do país.

Assim, após o término do conflito Schirrmann percebeu que, por razões de

sociabilidade, hospitalidade e segurança, era essencial à existência dos albergues da

juventude que o “Hausmutter ou “Hausvater” (em inglês Houseparent14, em português

o pai alberguista), fosse uma pessoa residente permanente no albergue ou que

residisse muito próximo a esse (figura 15). As principais funções desse anfitrião eram

as de providenciar aos alunos suas refeições, permitir o acesso ao albergue apenas

aos associados, cuidar para que os alunos mantivessem o albergue organizado e

limpo, e supervisionar as demais necessidades dos alunos e do empreendimento

(COBURN, 1950; GRASSL e HEATH, 1982; HEATH, 1962).

Suas responsabilidades iam além dos detalhes técnicos da profissão recém-formada,

pois esses pais e mães alberguistas eram a “alma” do local, zelava pelo engajamento

social do grupo que se hospedava ali e sua personalidade produzia um ambiente

amigável e social que somente um albergue da juventude pode proporcionar.

Percebe-se, então, que os primeiros Jugendherbergen eram, em sua essência, uma

demonstração dos conceitos de hospitalidade de um determinado local e época,

demonstrações estas que eram regidas pelo Houseparent (hoje função exercida pelo

recepcionista) e que estão diretamente associadas ao patrimônio edificado e cultural

de um determinado local (MATSIS, 2013).

14 Em tradução literal do alemão significa “pai ou mãe da casa”. Pode-se entender, em tradução mais

liberal, como “anfitrião”, o qual é hoje conhecido como recepcionista dos albergues contemporâneos.

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Figura 15 – Foto do café-da-manha servido pela “mãe alberguista”

Fonte: http://www.abendblatt.de/ DHJ (1950)

Grande parte da Alemanha achou uma válvula de escape no movimento alberguista.

Muitos perceberam que as viagens ao campo de forma segura, saudável e barata

eram um meio de escapar da desolação urbana em que se encontrava a Alemanha

no período pós-primeira-guerra, e neste “país dividido religiosamente, socialmente, e

até mesmo em suas atividades de lazer, a HI da Alemanha teve um valor único, ao

unir a juventude alemã de todos os planos sociais e religiosos” (COBURN, 1950, p.

13). O caráter social (integração), filosófico (liberdade) e moral (respeito) eminente na

alma da juventude alemã foi a força motriz para a e proliferação dos albergues da

juventude, os quais possuem, até hoje, esses conceitos incutidos em sua essência.

Em 1926, Schirrmann lança um livreto que marca o início da padronização física dos

albergues da juventude, ressaltando a sustentabilidade como princípio fundamental.

Em traços gerais ele aconselha novos empreendedores a criar acomodações voltadas

à juventude, pois o intuito dos albergues não era o de

construir uma fortaleza medieval sombria [...], os prédios devem acomodar a geração em ascensão, [portanto devem ser] leves, simples e funcionais, facilmente ventilados, mas ainda retendo a beleza e o calor, um local agradável de se viver. O estilo de arquitetura deve sempre ser baseado nas características nativas da paisagem onde se encontram... cada novo edifício deve ser um memorial genuíno ao nosso tempo, uma expressão da forma, um marco do qual a posteridade não se sentira envergonhada” (HEATH, 1962, p. 33).

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Estas declarações estabeleceram os padrões dos albergues para época na Alemanha

e por consequência no mundo pelas décadas a seguir. Outras recomendações do

livreto, baseado na experiência profissional de Schirrmann, determinavam outros

padrões mínimos de áreas físicas, como um número mínimo de 30 a 40 camas,

podendo, assim, acomodar uma sala de aula inteira (HEATH, 1962). A Europa oriental

aderiu com rapidez e entusiasmo ao movimento alberguista e, em 1927, já havia

relatos de empreendimentos hosteleiros permanentes e criados especificamente com

as recomendações de Schirrmann, na Suíça e Polônia. Logos depois, em 1929, a

Áustria e República Tcheca também aderem ao movimento. No entanto, nos países

ocidentais, com exceção da França, houve um atraso considerável na aceitação

desses novos ideais, como foi o caso da Inglaterra, tão distante geograficamente e

culturalmente, onde os primeiros registros de Jugendherbergen datam de

aproximadamente 1931 (COBURN, 1950).

Também na Inglaterra o ser humano, principalmente os jovens, envolvido no processo

industrial, sentia-se usurpado e, a cima de tudo, alienado. A desapropriação do

homem do campo de sua terra, incumbindo-o de tarefas estranhas ao seu

conhecimento, o rendeu extremamente dependente de um trabalho que agora não lhe

pertencia. Essa sociedade suprimida inicia sua busca por melhores condições de vida,

assim diversas legislações foram implantadas no decorrer do século XIX que

beneficiaram, primeiramente, as crianças, depois as mulheres e, finalmente, os

homens trabalhadores nas indústrias. Estas conquistas são apenas reformas, pois

não visavam a libertação do trabalhador, não buscavam colocar o ser humano acima

do modo de produção, e sim, simplesmente, melhores condições de trabalho

(ENGELS, 2009). Se inicia, então, um processo de glorificação do trabalho ao invés

da tentativa de se sobrepor ou retomá-lo para si próprio (LAFARGUE, 2003).

O conceito de lazer começava a ser traçado e o princípio de férias pagas

gradualmente se tornava o padrão para a época. Segundo Lafargue (2003) esse direto

à preguiça, o direito ao ócio criativo, ao lazer, deveria ser usado pelo trabalhador como

um tempo para ele próprio, o tempo livre. Livre no sentido de não simplesmente estar

desocupado, mas livre intelectualmente e fisicamente do aprisionamento do trabalho,

até então idolatrado por parte da sociedade. Nesse sentido, o trabalhador deveria usar

seu tempo livre para se instruir, se iluminar, gradualmente se libertando de sua

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condição de oprimido (LAFARGUE, 2003). Uma dessas maneiras de libertação era a

de um retorno a uma vida simples, em contato com a natureza, tomando, assim, as

rédeas de sua própria vida, como pregavam os Wandervogels (HEATH, 1962).

A juventude encontra o refúgio perfeito nos albergues da juventude. No período entre

guerras os jovens britânicos que podiam viajar, estavam redescobrindo a Alemanha e

sua bela paisagem natural, principalmente a região dos Alpes, coração geográfico do

movimento Wandervogel. Eles se hospedaram, em sua maioria, em albergues da

juventude. Ao retornarem à Inglaterra, traziam consigo relatórios exemplares deste

meio de acomodação. Os alunos britânicos imaginaram uma rede similar em seu

próprio país (COBURN, 1950). Em 1929, o Conselho Britânico da Juventude publicou

oficialmente em seu programa anual o “estabelecimento de Youth Hostels, sendo a

primeira vez que estas duas palavras estavam sendo usadas para traduzir

Jugendherbergen” (COBURN, 1950, p. 15), e nasce aqui a Youth Hostel Association

(YHA). Apenas dois anos após a criação da YHA, em 1931, haviam na Inglaterra 73

estabelecimentos em funcionamento, com 1562 camas disponíveis e mais de 6 mil

membros associados, “um ano depois, o número de associados era de mais de 16 mil

para 132 hostels e aproximadamente 80 mil diárias haviam sido registradas”

(COBURN, 1950, p. 39).

Enquanto isso, no entanto, outro movimento social estava brotando na Alemanha, um

país que vinha sofrendo com “anos de desemprego, desespero e rixas políticas,

trazendo a maioria dos alemães a um ponto onde eles seguiriam qualquer profeta que

pudesse oferecer esperança” (HEATH, 1962, p. 44). Através das revoluções

propostas pelo partido Nazista a democracia estava fora do mapa mais uma vez. A

popularidade do movimento alberguista não pôde ser ignorada e ao invés de liquidá-

lo, os nazistas adaptaram a filosofia romântica alberguista, aos princípios nazistas de

alta aptidão física, intelectualismo excessivo e espírito de liderança, rumo à

revitalização e purificação de uma nova e unificada Alemanha. Ainda anos mais tarde,

viajar, segundo Coburn (1950) e Heath (1962), no período pós Segunda Guerra, era

praticamente impossível tanto do ponto de vista econômico quanto moral.

É nesse momento que Monroe Smith, fundador do primeiro Youth Hostel

estadunidense, que já nessa época havia se tornado amigo confidente de Schirrmann,

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vem socorrer o movimento alberguista alemão. Após 15 meses do término da guerra,

os dois amigos embarcaram numa turnê tentando ressuscitar o movimento alberguista

alemão. Schirrmann com os discursos, Smith com os recursos e lentamente os youth

hostels começam a recuperar seu vigor e entusiasmo, sua jovialidade, seu

romantismo e idealismo. Na última conferência da qual participou, pouco antes de sua

morte em 1961, Schirrmann define os albergues como uma “casa na qual todos os

“andarilhos” podem se encontrar, onde todos têm os mesmo direitos e deveres e todos

pertencem à nação da juventude” (HEATH, 1962, p. 60).

2.3 Cruzando o Atlântico, rumo às Américas

O primeiro albergue canadense teve início “em uma barraca solitária em uma área,

até então deserta, no sopé da fronteira entre a Reserva Indígena Sarcee e a Reserva

Florestal, cerca de 25 km ao sudoeste de Calgary” (EDGELLER, 1988, p. 158). A Sra.

Mary Belle Barclay acreditava que as cordas desta barraca davam suporte não

somente à pequena tenda na floresta. Na verdade, se esticavam do Pacífico ao

Atlântico, oferecendo hospitalidade para todos aqueles que viajavam através do

Canadá no início do século XX, mantendo o movimento, chamado hoje de alberguista,

em constante crescimento.

Mary Barclay, nascida em 30 de julho de 1901, tida como a fundadora do movimento

alberguista canadense, vem de uma família calvinista escocesa que migrou para o

Canadá em meados do Séc. XIX (figura 16). Em 1905 uma das primeiras medidas

parlamentares canadenses era a de abrir novas terras para os colonizadores vindos

da Europa, assim a família recebeu 160 acres na região de Meadowbrook15. A

condição de vida era penosa e árdua, e por volta de 1910 a família se encontrava em

dificuldades financeiras, incapaz de quitar suas dívidas com o governo (EDGELLER,

1988).

15 É um belo distrito de altas colinas ondulantes, vales, riachos, pântanos e bosques de grandes árvores

de álamo, a 30 km noroeste de Lacombe e 10 km a leste do Lago Gull.

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Figura 16 – Foto de Mary Belle Barclay, é a primeira à esquerda (1910)

Fonte: EDGELLER, 1988.

Em 1921, Mary Belle se forma no ensino médio, conseguindo uma vaga como

professora numa região semidesértica no Distrito de Trinity. Em 1925 ela deixa o cargo

de professora afim de estudar pedagogia na Universidade de Chicago, experiência

esta que posteriormente lhe daria base para os trabalhos com grupos de alunos em

meio à natureza. De volta a Calgary começou a lecionar e como atividade

extracurricular tomou conta do grupo “Canadian Girls in Training”. Em uma das

viagens com este grupo passou a noite em uma reserva indígena, dentro de uma

cabana improvisada com postes de madeira, um pano como cobertura e vários

cobertores que mantiveram as estudantes relativamente confortáveis. Mesmo

inconscientemente Mary Belle estava criando o primeiro albergue da juventude

canadense, figura 17 (EDGELLER, 1988).

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Figura 17 – Foto do primeiro albergue da juventude canadense (1925)

Fonte: EDGELLER, 1988.

Mary Belle passa a se dedicar à natureza e com um sonho de mandar alguns de seus

alunos ao exterior em intercâmbios de estudos, planejando uma empresa de viagens,

a qual teria como objetivo enviar estudante à França e Inglaterra. As irmãs haviam lido

um artigo no Christian Science Monitor16 sobre Hostels na Inglaterra e Escócia, onde

havia um Houseparent, que cuidava dos alberguistas. Barclay viu nesse tipo de

hospedagem a oportunidade perfeita para realizar o envio de sua estudante ao

exterior, sem possuir experiência com intercâmbios de viagens. A ganhadora, Beth

Laycraft, foi enviada à Inglaterra de navio em 1934.

Enquanto isso as viagens de campo continuaram através da escola de Mary Belle, e

a ideia de montar um albergue definitivo perto da reserva indígena começou a tomar

forma. Após reunir algumas finanças com sua família, alugou um pedaço de terra

16 O Christian Science Monitor (CSM) é uma organização internacional que oferece, atualmente,

notícias de cobertura global através de seu website, revista semanal, e-mail de newsletters, assinatura através do Amazon Kindle e site móvel. Fundado em 1908 por Mary Baker Eddy, também fundadora da Igreja de Cristo Cientista. Apesar do nome, a organização se proclama não-religiosa e suas publicações não promovem a doutrina de sua igreja patrona.

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pelos 4 meses do verão de julho de 1933, e dirigindo o Ford-T de seu pai, as irmãs e

com ajuda de voluntários, saíram em rumo à floresta, afim de construir o primeiro

albergue canadense, ilustrado na figura 18.

Figura 18 – Foto de voluntários construindo o albergue permanente (1933)

Fonte: EDGELLER, 1988.

Quando Beth Laycraft retornou da Inglaterra havia adquirido vastos conhecimentos

em primeira mão sobre o sistema de albergues da juventude na Europa. Através de

palestras, apresentações e viagens a várias escolas, as irmãs propagaram a ideia e

elevaram o conhecimento e conscientização da população sobre o novo meio de

hospedagem. Elas esclareceram que um youth hostel era muito mais do que

simplesmente um local para se passar a noite depois de um dia de caminhada em

meio a natureza, era um lugar cuidado por uma pessoa que faria com que certas

normas e etiquetas fossem respeitadas e os hóspedes pudessem vivenciar a cultura

local e se relacionar de maneira saudável com os demais alunos de outros países,

trocando experiências e aprendendo uns com os outros (EDGELLER, 1988).

Quase que simultaneamente, o casal de professores Monroe W. Smith e Isabel B.

Smith17 (figura 19), viajam à Europa e conhecem Richard Schirrmann. Munidos dos

ideais e da filosofia alberguista, fundam o primeiro youth hostel estadunidense, em

17 Ele, um ex-escoteiro, professor e empresário. Ela, professora de artes.

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1934, Northfield, Massachusetts (HI-USA, 2013). O Estabelecimento dos albergues

da juventude no Brasil, como se verá adiante em mais detalhes, se dá muito de modo

muito similar ao processo estadunidense. Dentre algumas similaridades vale destacar

que ambos foram estabelecidos por professores em intercâmbio cultural em um país

onde os albergues já estavam estabelecidos. No entanto, a implantação e

disseminação desses nos E.U.A. acontece com mais antecedência, maior aceitação

e maior abrangência do que no Brasil, pois apenas

um ano após a sua formação a rede de Youth Hostels norte-americana consistia em mais de 30 hostels ao todo. A maioria eram rurais, no estado de New England e foram concebidos principalmente para servir ciclistas e entusiastas do lazer. Seu crescimento recebeu grande atenção, e o aval do presidente dos Estados Unidos. "Fui criado nesse tipo de ambiente e percebi a necessidade do alberguismo", declarou o presidente Franklin D. Roosevelt em 1936, quando ele era presidente honorário da AYH. "Esta foi a melhor educação que eu já tive, muito melhor do que as escolas" (HI-USA, 2013).

Figura 19 – Foto do casal Smith em frente ao Youth Hostel de Northfield (1936)

Fonte: Isabel Smith (arquivo pessoal da família).

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O primeiro youth hostel estadunidense (figura 20), assim como no caso do primeiro

albergue europeu, nasce em edifícios de grande significado histórico e arquitetônico.

A apropriação desse patrimônio histórico edificado por meio dessa tipologia de

hospedagem é extremamente comum na Europa, principalmente na Alemanha, onde

encontram-se 38 castelos, palácios e edifícios de grande significado cultural, inclusive

alguns tombados pela UNESCO, transformados em albergues da juventude

(GERMAN YOUTH HOSTEL ASSOCIATION, 2014).

Figura 20 – Foto do primeiro youth hostel estadunidense (1963)

Fonte: Gerda Peterich, Historic American Buildings Survey (Library of Congress).

Em 1935 um fato histórico auxilia o desenvolvimento do alberguismo nos E.U.A.

Richard Schirrmann realiza sua primeira viagem fora do continente europeu,

promovendo a ideia dos albergues da juventude. De acordo com Heath (1962), desde

o término da primeira guerra grupos de jovens norte-americanos estavam, assim como

os ingleses, redescobrindo as belezas naturais do interior da Alemanha, geralmente

em viagens de ciclismo ou através das caminhadas. Tais viagens tinham como ponto

alto uma visita à Richard Schirrmann em Altena, com estadia garantida no albergue

do castelo. Dois desses viajantes eram o casal Smith que estabeleceram o primeiro

albergue estadunidense e, posteriormente, convidaram Schirrmann a visitar os E.U.A.

em uma turnê de palestras sobre o alberguismo.

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Em seu retorno à Alemanha, as autoridades nazistas confiscaram seu passaporte,

destituíram-no do cargo de presidente da HI e desapropriam-no do castelo de Altena,

“o qual havia sido sua casa nos últimos 25 anos, ficando também proibido de entrar

em qualquer albergue na Alemanha” (HEATH, 1962, p. 50). No entanto, rapidamente

o alberguismo cruza o continente norte-americano e o primeiro youth hostel da costa

do pacífico é inaugurado na Califórnia, em 1937, chamado de Hidden Villa (figura 22).

Atualmente o local se transformou em uma organização educacional, com ênfase em

sustentabilidade e sem fins lucrativos. Além de prover acomodação, o local, em seu

período inicial, exerceu um importante papel social para os norte-americanos,

tornando-se

um centro de ativismo social. Os Duvenecks [casal que fundou o hostel] abrigavam refugiados fugindo dos nazistas, ajudaram famílias nipo-americanos que retornavam de campos de internamento e hospedavam grupos para a reforma social e educacional. Afligidos pelo internamento dos nipo-americanos, bem como pelo Holocausto e o racismo que encontraram em sua própria comunidade, os Duvenecks estabeleceram os primeiros acampamentos de verão multiculturais e racialmente integrados no país. Além disso, de acordo com a sua visão de justiça social, os Duvenecks abriram sua casa para o movimento dos United Farm Workers (Trabalhadores Agrários Unidos) na década de 1960, oferecendo um espaço seguro para Cesar Chávez18 organizar os trabalhadores agrícolas da Califórnia em sua primeira greve (HIDDEN VILLA, 2014).

O movimento alberguista norte-americano experimentou dificuldades no período entre

guerras. Estabelecimentos foram fechados, em ambos os continentes, e até mesmo

apropriados pelos governos e convertidos em outros estabelecimentos com fins

militares (HI-USA, 2013). Após a Segunda Guerra Mundial um processo reverso

acontece no Canadá. Os youth hostels, que anteriormente cederam seus espaços aos

militares, agora recebiam do ministro das Minas e Recursos Naturais, através de um

pedido de doação feito por Mary Belle, 20 quartéis abandonados pelo exército. Dos

18 Cesar Chávez (31 de março de 1927 - 23 de abril de 1993) era um trabalhador agrícola norte-

americano, líder sindical, ativista de direitos civis e co-fundador do sindicato United Farm Workers, UFW). Chávez tornou-se o mais conhecido ativista Latino-americano dos direitos civis nos E.U.A e promoveu fortemente o movimento operário norte-americano. Sua abordagem de relações públicas para o sindicalismo e táticas agressivas, mas não violentas, fez da luta dos trabalhadores rurais uma causa moral com o apoio de todo o país. No final de 1970, suas táticas forçaram os produtores a reconhecer o UFW como forte agente de negociação, representando cerca de 50.000 trabalhadores de campo na Califórnia e na Flórida. Ele também é famoso por popularizar o slogan "Sí, se puede" (espanhol para "Sim, se pode"), que foi adotado como slogan de 2008 nas campanhas de Barack Obama. Seus defensores dizem que seu trabalho levou a inúmeras melhorias para os trabalhadores sindicalizados nos E.U.A. (UFW, 2014).

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vinte mil dólares necessários para renovar e montar os novos albergues apenas três

mil foram angariados. Este dinheiro serviu para estabelecer o Castle Mountain Hostel,

o primeiro albergue da juventude em um Parque Nacional (EDGELLER, 1988).

A vida de Mary Belle é uma linda lição que culminou em algo que hoje auxilia

estudantes, viajantes e qualquer pessoa que esteja procurando um abrigo em um local

desconhecido, esperando encontrar pessoas de confiança e apreender sobre aquela

região com elas. Como disse Mary Belle, ela “estava aprendendo junto com as

crianças. Pode ter parecido um cego guiando outro cego, mas eu tinha um objetivo

claro: a descoberta da nossa relação com o outro e com o meio ambiente”

(EDGELLER, 1988, p. 138). Hoje a região de Bragg Creek, figura 21, é um popular

destino para quem deseja conhecer as Montanhas Rochosas canadenses e o Bragg

Creek Hostel foi nomeado como local de significância histórica pelo governo

canadense, por ser o primeiro albergue da juventude em solo norte americano.

Figura 21 – Foto panorama da região de Bragg Creek

Fonte: Alberta Tourism, Parks and Recreation, 2013.

Em setembro de 2000, Mary Belle (figura 22) faleceu pouco após seu aniversário de

100 anos. Seu legado é medido além de suas conquistas financeiras com os albergues

da juventude. Ela deixou uma visão nobre, de espírito pioneiro, de determinação e

sucesso, de “ajudar a todos, especialmente aos jovens, a ganhar maior entendimento

das pessoas, lugares e culturas através dos albergues da juventude” (HI – CANADA,

2013). Em resumo, o espirito alberguista pode ser visto na alma dessa mulher, a qual

esperava que “o pequeno volume de sua vida e trabalho pudesse inspirar as pessoas

a engajar em seus próprios pioneirismos, a caminho do conhecimento que enaltece,

através da verdadeira educação, do maior entendimento entre as pessoas e da busca

pela paz entre todos os homens” (EDGELLER, 1988, p 164).

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Figura 22 – Foto de Mary Belle Barclay aos 87 anos de idade

Fonte: EDGLLER, 1988.

2.4 Brasil: raízes de uma sociedade hospitaleira ou hospedeira?

A “cultura, [como meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos] mais do

que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica suas

realizações” (KROBER, 1950 apud LARAIA, 2014, p. 48). Portanto, um olhar sobre os

primórdios da colonização e da hospitalidade brasileira podem oferecer uma

perspectiva cultural de seus impactos sobre os meios de hospedagem que se

estabeleceram no país. Assim, as raízes do turismo brasileiro também oferecem um

panorama dos aspectos socioespaciais que determinam suas condições atuais. O

histórico de apropriação da terra, dos povos, dos bens e dos meios de produção no

Brasil, por diversas nações estrangeiras, mas principalmente por Portugal, molda a

cultura, a percepção da realidade e a psique brasileira, pois a verdade

por menos sedutora que possa parecer a alguns de nossos patriotas, é que ainda nos associa à península Ibérica, a Portugal especialmente, uma tradição longa e viva, bastante viva para nutrir, até hoje, uma alma comum [...] podemos dizer que de lá nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma” (HOLANDA, 1995, p. 40).

Contemporaneamente, o que chamamos de “colonização” aliada ao determinismo

geográfico – o qual “considera que as diferenças do ambiente físico condicionam a

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diversidade cultural” (LARAIA, 2014) – formou nossa cultura e dita a maneira como o

brasileiro se percebe e como percebe o estrangeiro. Isso interfere, até os dias de hoje,

como se recebe as pessoas nos lares e no modo como são administramos nossa

infraestrutura e serviços turísticos, e evidentemente, como percebemos, recebemos e

tratamos o turista em nosso país (ASSUNÇÃO, 2012; CASTRO, GUIMARÃES e

MAGALHÃES, 2013). De um modo geral, as relações antagônicas permeiam a história

brasileira e criam nosso modo de ser, tais como escravidão e liberdade, alienação e

esclarecimento (FAUSTO, 2013). A relação mantida entre binômios antagônicos,

constituintes de nossa realidade, como “trabalho e aventura; [...] rural e urbano; [...]

norma impessoal e impulso afetivo” (HOLANDA apud CÂNDIDO, 2013, p. 13), são

similares aos encontrados na formação socioespacial alemã, correspondente ao

período da gênese alberguista.

A relação de usurpação, caracterizada sobre o território recém descoberto, o qual era

usado exclusivamente para retirada de bens materiais para sustentar o poderio da

coroa portuguesa, (FAUSTO, 2013), dá origem a “um tipo de sociedade que se

desenvolveria, em alguns sentidos, quase à margem das congêneres europeias, e

sem delas receber qualquer iniciamento que já não trouxesse esse germe”

(HOLANDA, 1995, p. 31). A relação de exploração, estritamente comercial, entre

colônia e coroa portuguesa, estabelecida nos primórdios de nossa história, implanta

em nossa psique diversos aspectos que determinam nossa relação entre o indivíduo

hospitaleiro e o estrangeiro (MORAES, 2005). Nossos costumes, e por consequência,

nossa cultura é um fenômeno natural, de causa e efeito, é tudo aquilo que não é

transmitido geneticamente, e sim tudo aquilo que é aprendido, sob múltiplas

influências das pessoas, do território e do tempo (LARAIA, 2014).

Para o turismo no Brasil isso tem impacto direto. O primeiro registro hoteleiro que se

tem conhecimento, acontece na Vila de São Paulo, quando começou a servir de base

para os tropeiros rumo às minas. Bruno e Pilagallo (2004 apud VALENZUELA, 2013,

p. 25) mostram que a gênese da hospitalidade brasileira está voltada diretamente ao

estabelecimento de laços comerciais, onde “em 1599, Marcos Lopes foi nomeado

hoteleiro oficial, responsável pelo fornecimento de carne e farinha, entre outros

produtos” aos forasteiros que passavam pela vila de São Paulo. Apesar de oferecer

acomodação, “não se pode dizer que o seu estabelecimento constituísse uma

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hospedaria” (VALENZUELA, 2013, p. 25), pois, apesar de ser considerado o primeiro

hoteleiro do Brasil, fornecia principalmente suprimentos para que desbravadores do

interior brasileiro pudessem continuar sua viagem, sem focar seus esforços em

acomodação, hospitalidade e/ou cordialidade.

Somente em 1603 que “teria sido aberto uma estalagem [...] que se transformou na

segunda casa a oferecer pouso” (VALENZUELA, 2013, p. 25). Ainda assim, a

hospitalidade oferecida aos hóspedes era praticamente inexistente, pois as

atenções hospedeiras eram dirigidas primeiro aos animais de carga e, só depois, às necessidades dos viajantes e de passageiros ou acompanhantes. Tanto assim, que a taxa cobrada era medida pelo consumo de pasto pelos animais e não pela permanência na estrebaria, que também servia, em muitos casos, como acomodação para dormir” (VALENZUELA, 2013, p. 25).

Com o passar do tempo, acaba-se por instalar no “modo de ser” do colonizador

brasileiro um comportamento denominado de personalismo19, que descende da

“frouxidão das instituições e da falta de coesão social” (HOLANDA apud CÂNDIDO,

2013, p. 13), impedindo que no início a sociedade brasileira criasse um senso forte de

comunidade e união, em consequência, também, da escravidão que perdurou no país

por séculos (FAUSTO, 2013). Nesse tipo comportamento, todos se preocupam

somente com o aspecto individual, sem fazer parte de um todo, fato esse que reflete

uma forma de alienação e desfavorece as relações hospitaleiras, criando-se uma

apropriação do território de forma totalitária e excludente, que extirpa de parte da

sociedade seus direitos urbanos (PURCELL, 2002).

A “a falta de coesão em nossa vida social não representa, assim, um fenômeno

moderno” (HOLANDA, 1995, p. 35), tendo origem no interesse exclusivamente

pessoal presente desde o início da colonização, incutido até hoje em nossa

personalidade, impedindo ou dificultando a instalação da hospitalidade genuína, sem

fins comerciais, e de qualquer pensamento, ação ou organização que gire em torno

do social. Há, desde o início dos tempos brasileiros, uma segregação socioespacial,

a qual se faz presente também no turismo em diversas outras culturas (ERKUş-

ÖZTÜRK, 2010), onde a classe dominante “consome e controla o espaço [e] o aspecto

19 Conduta de quem refere tudo a si próprio. Doutrina segundo a qual a pessoa é o tema central da

reflexão (FERREIRA, 2004)

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econômico sobrepõe todos os outros tipos de segregação. A segregação, portanto,

não é simplesmente um fator de divisão de classes no espaço urbano, mas também

um instrumento de controle desse espaço” (NEGRI, 2008).

A hospitalidade em seu sentido mais puro corresponde ao acolhimento, ajuda ao

estranho de maneira desinteressada (MONTANDON, 2011), enquanto que para

Derrida (1997) a “hospitalidade é a bandeira de uma verdadeira cruzada contra e

intolerância e o racismo” (apud CAMARGO, 2002, p. 06). No entanto, é comum

perceber que as demonstrações de hospitalidade nos povos hispânicos venham

acompanhada de uma relação de interesse, pois nessas nações os atos primordiais

de receber indivíduos eram tidos como o objetivo de fazer alianças comerciais ou

políticas (ASSUNÇÃO, 2012; CASTRO, GUIMARÃES e MAGALHÃES, 2013).

Cria-se, então, de acordo com Holanda (1995), a figura do homem cordial. De um

modo geral, o homem brasileiro é visto pelos estrangeiros que visitam o país como

uma figura polida, generosa, simples nos tratos sociais, cordial e até certo ponto

submissa e serviçal, principalmente nos serviços turísticos (OLIVEIRA e MARTINS,

2009). Essas características são inatas da personalidade brasileira, a qual foi

fecundada por uma influência ancestral rural, patriarcal e ibérica (MORAES, 2005).

No entanto, outros aspectos dessa mesma influência ancestral fazem com que a

hospitalidade seja, em sua essência, diferente da hospitalidade pura e genuína. A

herança hospitaleira voltada aos interesses comerciais e políticos, incutida ao ser

brasileiro pela descendência de seus colonizadores, faz com que a hospitalidade

brasileira sirva como uma máscara social voltada aos negócios. Tanto que,

aparentemente, pode parecer que o ser cordial seja genuinamente hospitaleiro. No

entanto, essa condição

pode iludir na aparência – e isso se explica pelo fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mimica deliberada de manifestações que são espontâneas no “homem cordial”: é a forma natural e viva que se converteu em formula. Além disso a polidez é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epidérmica do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar inatas sua sensibilidade e suas emoções (HOLANDA, 1995, p. 147).

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A partir do momento em que o homem empregado torna-se simplesmente uma parte

funcional da máquina de serviços, passa também a deixar de expressar sentimentos

e emoções humanas. Passa a projetar uma caricatura hospitaleira, incutida através

de ensinamentos, treinamentos e exigências. Essa hospitalidade artificial, criada a

partir de uma exigência mercadológica, através da padronização da cordialidade, da

transformação de algo vivo, puro e humano em uma fórmula, é uma hospitalidade

falsa (GOTMAN, 2009). Vale lembrar que em determinadas culturas, como as

localizadas no crescente fértil, o ato de servir é visto com orgulho e felicidade, como

uma dádiva e até mesmo uma benção divina (MONTANDON, 2011). Esse não é o

caso do Brasil, onde o ideal de vida é ser servido e não servir (HOLANDA, 1995).

Portanto, o empregado, o serviçal, em posse dessa mascara hospitaleira e cordial,

desempenha um papel perante o indivíduo que acolhe, um papel muitas vezes não

inato à sua essência, à sua vontade. Consequentemente, em decorrência dessa

interação social forçada e artificial, conflitos surgem com mais frequência do que

quando há uma relação de hospitalidade genuína e espontânea entre ser acolhedor e

ser acolhido (CAMARGO, 2004; GOTMAN, 2011; GRINOVER, 2002; LOUDEN, 2011;

MONTANDON, 2011).

É comum no trato social e nos serviços turísticos que as demonstrações de

cordialidade e hospitalidade deem lugar a um comportamento passivo-agressivo,

quando ocorrem os primeiros desentendimentos entre ser acolhedor e acolhido

(LOUDEN, 2011). Esse tipo de comportamento é caracterizado pela expressão

indireta de hostilidade, como através de procrastinação, teimosia, mau humor

deliberado ou fracasso repetido para realizar tarefas solicitadas por parte de quem é

responsável. Esse traço da personalidade humana pode se manifestar em todos,

porém em alguns com mais frequência, podendo até se caracterizar como distúrbio

psíquico, identificado como uma resistência deliberada em satisfazer expectativas de

determinadas relações interpessoais ou no cumprimento de tarefas, caracterizado por

atitudes negativas indiretas e oposição velada (WETZLER, 1993). Este

comportamento é uma arma de defesa do “serviçal”, uma maneira de expressar, de

modo relativamente educado, sem retirar sua máscara, de que ele, ser acolhido,

devido ao seu comportamento inadequado, não é mais bem-vindo, ou de que está

sendo atendido por obrigação. Como ressalta Holanda, não há nada mais

demonstrativo dessa “aversão ao ritualismo social, que exige, por vezes, uma

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personalidade fortemente homogênea e equilibrada em todas as suas partes, do que

a dificuldade em que se sentem, geralmente, os brasileiros, de uma reverência

prolongada ante um superior” (HOLANDA, 1995, p. 148).

Sendo assim, segundo Trigo (2002), mesmo após duzentos anos do descobrimento,

a indústria hoteleira no Brasil era praticamente inexistente. Somente em 1776, tem-se

registro de um local que se assemelha com um estabelecimento hoteleiro

contemporâneo, oferecendo hospitalidade ao ser humano, além de transações

comerciais e cuidados com os animais cargueiros. De acordo com Valenzuela (2013),

o “senhor Manuel Pereira Crispim, mais conhecido pela alcunha de “o Hospitaleiro”,

instalou uma “albergaria” [grifo nosso] que, por não ter aparência de senzala ou

mesmo de estrebaria, diferenciava-se das demais” (p. 25). Portanto, os primeiros

indícios de hospitalidade voltada ao ser humano estão ligados à palavra albergue.

Desde essa época vale ressaltar que no panorama catarinense o personalismo

domina as relações socioeconômicas. Esse fator pode explicar o grande número de

pequenas empresas hosteleiras improvisadas na atualidade. Nessa época, a

colonização de Santa Catarina, que tem sua base na pequena produção familiar,

difere das demais regiões brasileiras

onde dominava a monocultora em extensas glebas de terra com mão-de-obra escrava – gerou excedentes que ampliaram as relações comerciais de vários núcleos costeiros, [...] também favoreceu o desenvolvimento das atividades portuárias, estando seus principais comerciantes vinculados aos capitais comerciais tradicionais do Rio de Janeiro pela navegação de cabotagem. Entretanto, apesar de precoce, a pequena produção mercantil açoriana, devido a um conjunto de fatores, não desembocou em relações capitalistas de produção (PEREIRA, 2011, p. 02).

O cunho estritamente exploratório sobre o país continuaria até a vinda da Família Real

Portuguesa ao Brasil em 1807. Somente com a mudança da Coroa Portuguesa para

o Rio de Janeiro é que, efetivamente, a ocupação do território brasileiro muda de

perspectiva, pois as decisões políticas, econômicas e sociais passam a ser tomadas

a partir do Brasil, e, ineditamente, porém ainda parcialmente, para o Brasil (FAUSTO,

2013). Portanto, o Brasil viveu um período de exploração exclusiva de praticamente

300 anos, suficientes para moldar nossa psique e cultura. Enquanto outros países

estavam prestes a mudar completamente a sociedade ocidental, através da

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Revolução Industrial, o Brasil ainda dava os primeiros passos para a criação de uma

sociedade verdadeiramente brasileira.

Ainda na virada do século XVIII para o XIX, apesar de encontrar-se menções sobre a

palavra pousada, praticamente todos os relatos de viajantes descrevem as pousadas,

ranchos e albergarias como estabelecimentos destinados ao comércio e cuidados

com os animais. Os relatos mostram locais imundos e a cidade de São Paulo como

despreparada para acolher turistas, (TRIGO, 2002). Os meios de transporte públicos

e/ou privados, de extrema importância para a ocorrência do turismo, eram ambos

praticamente inexistentes e precários. Segundo Trigo (2002), somente em 1833 se

cria a Lei No. 60, “que assinalou o início de uma política governamental de incentivo

à implantação de sistemas de transporte no Brasil” (p.81). Até o final do século XIX, a

atitude dos paulistas para com os estrangeiros era de “desconfiança” (VALENZUELA,

2013, P. 28) e o Brasil foi uma colônia de Portugal até o início do século XIX, onde

toda a sua produção era controlada pela metrópole portuguesa: açúcar, ouro, etc. No

século XIX, começa a se destacar a produção de café – no vale do Paraíba,

principalmente – destinado, ainda, à exportação. É somente entre1838 e 1848 que os

primeiros hotéis, propriamente ditos, são inaugurados no Rio de Janeiro e em São

Paulo, com o Hotel Pharoux e o Hotel das Quatro Nações, respectivamente (TRIGO,

2002; VALENZUELA, 2013), sendo que o último chegou a oferecer aos hóspedes um

baile de máscaras que ficaria famoso na cidade.

Outra similaridade entre Brasil e Alemanha, é a existência de meios de hospedagem

para estudantes. No entanto, até então, só se hospedavam nesses novos

estabelecimentos pessoas que estivessem de posse de uma carta de apresentação

e/ou recomendação emitida “por alguma autoridade do Império ou, ainda, por alguma

outra pessoa de reconhecido prestígio” (VALENZUELA, 2013, p. 32). Com a mudança

da situação política e econômica brasileira (Abolição da Escravatura e Proclamação

da República) e mundial (Revolução Industrial), as viagens ao exterior também se

transformam, e cada vez mais o Brasil passa a receber viajantes de outros países

(TRIGO, 2002; VALENZUELA, 2013). A abolição da carta de

recomendação/apresentação gera um impulso em direção à hospitalidade e à

cordialidade. Esta abolição da carta de recomendação está para os hotéis como a

abolição da carteirinha de sócio está para os youth hostels, uma liberdade,

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flexibilidade e maior abrangência dos níveis de hospitalidade locais. Como

consequência o que se vê no Brasil até o final da década de 1890 é uma diversificação

e crescimento expressivo da movimentação de turistas, dos meios de hospedagem e

dos serviços turísticos, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo, desde os hotéis

de luxo aos situados nas proximidades das estações de trem (TRIGO, 2002;

VALENZUELA, 2013; CASTRO, GUIMARÃES e MAGALHÃES, 2013).

A implantação de academias, colégios e outras instituições de ensino, as quais

recebiam estudantes estrangeiros, oferecendo-lhes boas condições físicas de

hospedagem e atividades sociais que os inseria no contexto do país, dá início no que

pode se chamar de hospitalidade, propriamente dita, no Brasil. Logo esses locais,

devido à alta concentração de estudantes nacionais e estrangeiros e à jovialidade de

seu comportamento, se tornariam o centro da vida social da cidade de São Paulo

(TRIGO, 2002; VALENZUELA, 2013). Apesar desses estabelecimentos acomodarem

estudantes, como os albergues da juventude, em nada se assemelham, pois no Brasil

havia quartos privados em edifícios ou casas particulares.

Com a nova ordem econômica mundial que nascera da Revolução Industrial, a

sociedade do século XX sofre uma transformação política e cultural que altera,

também, o contexto das viagens mundiais. No século XX, tornaram-se comuns as

viagens individuais e seus relatos através da escrita, de desenhos e de imagens

fotográficas. A presença das cidades brasileiras se torna cada vez mais forte nesses

relatos, e o interior passa a um segundo plano.

Percebe-se que a motivação principal das viagens começa a mudar em direção às

cidades, devido ao frisson causado pelas novas tecnologias da Revolução Industrial.

Porém, similarmente à formação de grandes cidades europeias, no Brasil também se

percebe que as riquezas não são distribuídas de forma homogênea e o avanço

industrial, cultural e tecnológico não alcança toda a população. Especialmente em

Santa Catarina,

a organização do espaço e o crescimento da população no século XX, somada à tendência mundial de esvaziamento do campo (devido à mecanização da agricultura e à uma nova divisão do trabalho) e de expansão do espaço urbano sem a infra-estrutura correspondente, influenciaram no aumento da pobreza, da degradação ambiental e da violência (PEREIRA, 2011, p. 11).

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O crescimento desenfreado e desordenado das grandes cidades brasileiras começa

a fazer suas vítimas, e as condições de vida de grande parte da população tornam-se

precárias, apesar da grande riqueza do território, da burguesia e do estado. Diversos

cronistas relatam suas viagens durante o final do século XIX, muitos descrevendo a

cidade brasileira como perigosa e “desagradável para o estrangeiro. Na cidade não

há nenhuma sociabilidade” (ASSUNÇÃO, 2012, p. 218).

É prudente argumentar que o turismo nasce no Brasil somente a partir do século XX.

O dia 22 de julho de 1907, pode ser considerado, de acordo com Castro, Guimarães

e Magalhães (2013), como a data de nascimento do turismo moderno internacional no

Rio do Janeiro, e consequentemente, no Brasil, devido à chegada do primeiro navio

Byron, com um grupo de turistas trazidos pela Agencia Thomas Cook, filial de Nova

Iorque, em uma viagem à América do Sul. Muito rapidamente, o Rio de Janeiro torna-

se o principal destino turístico do Brasil, um local onde se encontrava a natureza

exuberante ao lado do desenvolvimento moderno. No entanto, há ausência e

precariedade da infraestrutura e dos serviços turísticos. A principal delas refere-se à

hospitalidade, onde lamenta-se que não houvesse, para os turistas,

cicerones habilitados, que os guiem inteligentemente, ministrando-lhes informações seguras e minuciosas acerca dos acontecimentos mais notáveis, [...] das belezas naturais que a adornam, das nossas tradições, da vida, enfim, de uma grande cidade, sob os múltiplos aspectos por que pode ser encarada no espaço e no tempo (CASTRO, GUIMARÃES e MAGALHÃES, 2013, p. 14)

Após o hiato econômico, político e social mundial em decorrência da primeira guerra,

a década de 1920 representa o período em que nascem as primeiras tentativas de

organização do fenômeno turístico no Rio de Janeiro, consequentemente no Brasil,

mediante o surgimento das primeiras agências de viagens, de hotéis turísticos, como

a inauguração do Copacabana Palace (1923), e iniciativas governamentais para

incrementar a atividade no Brasil, como o lançamento da pedra fundamental do Cristo

Redentor em 04 de Abril de 1922 (CASTRO, GUIMARÃES e MAGALHÃES, 2013). O

panorama de Santa Catarina mostra-se diferente dos principais destinos turísticos

brasileiros. Enquanto esses experimentavam de avanços, para SC o século XX

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imprimiu novas características à formação litorânea catarinense, aprofundando a crise das comunidades fundadas por açorianos, herdeiras de um modelo econômico centrado na pequena produção mercantil oriunda da prática de uma policultura de subsistência [...] O advento da fase depressiva do terceiro ciclo de Kondratieff (1920-1945), entretanto, ao originar um novo pacto de poder no interior da formação social brasileira, expresso pela aliança entre a burguesia industrial – dissidência dos comerciantes – e os latifundiários feudais (RANGEL, 1985), mergulha os núcleos urbanos do litoral catarinense num ritmo lento de desenvolvimento (PEREIRA, 2011, p. 04).

Vale ressaltar que, nessa mesma época, a Associação Internacional Dos Albergues

Da Juventude, gestora de um meio de hospedagem ainda inexistente no Brasil, já

estava totalmente organizada e ativa, produzindo encontros entre empreendedores,

realizando trabalhos de assessoria, determinando regras e leis para a implantação,

operação e divulgação dos Youth Hostels (COBURN, 1950; HEATH, 1962).

Apesar da ocorrência da Segunda Guerra Mundial, é significativa a expansão e

melhoria da infraestrutura e serviços turísticos, principalmente pela criação de uma

série de marcos que acabaram por configurar a paisagem turística do Rio de Janeiro

e, consequentemente, do Brasil no exterior. Um desses marcos é a criação tardia do

primeiro Parque Nacional brasileiro, o de Itatiaia, na Serra da Mantiqueira, fundado

em 12 de outubro de 1937, por iniciativa dos alunos da Escola de Minas de Ouro Preto

(TRIGO, 2002), diferentemente da Alemanha e do Canadá, onde os parques nacionais

desses países foram criados já no início do século XVIII. Na Alemanha esses parques

eram o principal local de retiro dos Wandervogels e, no caso canadense, os albergues

da juventude tiveram influência direta na criação do primeiro deles20 (COBURN, 1950;

HEATH, 1962; EDGELLER, 1988).

No início da década de 1940, em decorrência das imigrações provocadas pela

Segunda Guerra Mundial, a atividade econômica brasileira volta a crescer e o

deslocamento populacional se interioriza. Como consequência, nascem dessa época

20 Banff National Park é o mais antigo parque nacional do Canadá, fundado originalmente como Rocky

Mountains Park em 1885, nas Montanhas Rochosas. O limite e proteção oficial do Parque mudou diversas vezes até que em 1930, o tamanho do parque foi fixado oficialmente em 6.697 km2, com a aprovação da Lei de Parques Nacionais. É sobre esta lei que a associação de albergues da juventude canadense possui influencia em sua criação. A lei também renomeou o parque como Parque Nacional de Banff, localizado 110-180 km (68-112 km) a oeste de Calgary, na província de Alberta. Possui terreno montanhoso, com numerosos glaciares e campos de gelo, densa floresta de coníferas, e paisagens alpinas.

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“os tradicionais hotéis familiares de cidades de porte médio e as colônias de férias

institucionais, além dos hotéis de lazer em balneários, estancias, serras e litorais”

(TRIGO, 2002, p. 154). Nos anos 50, a hotelaria passa a ser vista como uma atividade

sofisticada e a chegada das redes internacionais oferece um impulso significativo para

o profissionalismo no interior da atividade hoteleira brasileira.

Na década de 60 é criada pelo Governo Militar a o Instituto Brasileiro de Turismo -

EMBRATUR (1966) com o propósito de “levar a mensagem do turismo a todas as

classes sociais, e a imagem da política objetiva do governo Federal, provendo seu

desenvolvimento através da EMBRATUR” (CASTRO, GUIMARÃES e MAGALHÃES,

2013, p. 20). O avanço dos transportes aéreos teve impacto direto no desenvolvimento

do turismo e do Brasil, nas décadas de 1960 e 70, considerada a época do milagre

brasileiro, período em que “o transporte aéreo comercial do país teve um crescimento

médio anual de 20%, o dobro da taxa média do PIB” (TRIGO, 2002, p. 97). Porém,

nem todas as áreas sociais e regiões territoriais se beneficiam igualitariamente dos

avanços econômicos e turísticos brasileiros. Em Santa Catarina, nas primeiras

décadas do século XX,

as comunidades costeiras, apesar das transformações em curso, permanecem à margem do processo de mudanças gerado pela emersão das relações capitalistas de produção, pois a evolução da técnica e do trabalho não se faz uniformemente nos diversos lugares, visto que os lugares são marcados “por uma combinação técnica diferente e por uma combinação diferente dos componentes do capital, o que atribui a cada qual estrutura técnica própria, específica, às quais corresponde uma estrutura própria, específica, do trabalho” (SANTOS, 1997) (PEREIRA, 2011, p. 13).

Os albergues da juventude fazem sua primeira aparição no país, também na década

de 1960, coincidindo curiosamente com a época da ditadura militar, um período de

instabilidade política e social. Enquanto que nas demais regiões centrais o fenômeno

turístico já estava implantado, o estado catarinense passa a experimentar uma

revolução turística somente quando “a estagnação dominante nos núcleos do litoral

[catarinense] só começa a ser rompida, a partir dos anos de 1960, por uma nova

dinâmica sócio-econômica” (PEREIRA, 2011, p. 14). Isso pode explicar o atraso de

praticamente quatro décadas, no aparecimento dos hostels em Santa Catarina, em

comparação ao Rio de Janeiro e São Paulo. Este meio de hospedagem alternativo,

vem propor uma revolução de conceitos no turismo assim como as revoluções sociais

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propunham uma mudança política. Os Youth Hostels, como foram denominados na

época de seu aparecimento, propunham conceitos diferentes dos impostos pelo

governo daquela época. Representavam, como poucos, um movimento original,

romântico e social, que veio de “baixo para cima”, com raízes históricas

revolucionárias, diferente dos movimentos brasileiros vistos até então. No Brasil,

esses movimentos eram quase sempre impostos pelas classes superiores, partiam

sempre de cima para baixo [...] nossa independência, as conquistas liberais que fizemos durante o decurso de nossa evolução política vieram quase de surpresa; a grande massa do povo recebeu-as com displicência ou hostilidade. Não emanavam de uma predisposição espiritual e emotiva particular, de uma concepção de vida bem definida e específica, que tivesse chegado à maturidade plena. Os campeões das novas ideias esqueceram-se, com frequência, de que as formas de vida nem sempre são expressões do arbítrio pessoal, não se fazem ou desfazem por decreto (HOLANDA, 1995, p. 160).

A dialética materialista nos permite fazer uma análise científica do turismo, o qual

nasce com a consolidação das relações capitalistas de produção e das causas

originárias desse fenômeno (MEDINA, 2012), sendo assim, é somente mais uma

mercadoria a ser consumida. O fato da formação socioespacial brasileira diferir tanto

da época e lugar de onde os youth hostels nasceram, gerou um atraso nas revoluções

acontecidas no Brasil em comparação com o exterior, pois o aparecimento dos

albergues da juventude no Brasil é relativamente tardio. A geração de diversas

dualidades pode explicar a disparidade percebida entre esse meio de hospedagem no

exterior e no Brasil (SANTOS, 2012), pois certas partes da sociedade sentem a

necessidade de se modernizar mais rapidamente para poder estabelecer relações

com os países mais avançados no centro do sistema capitalista. Isso acaba por gerar,

especialmente no turismo, uma desorganização e improvisação na forma como o

espaço é ocupado e como os conceitos, nesse caso de meios de hospedagem, podem

ser mal apropriados ou menos desenvolvidos.

2.5 O advento dos albergues da juventude no Brasil

Conforme Giaretta (2003), somente na década de 1960 o movimento alberguista daria

seus primeiros sinais de vida no Brasil, através do casal de professores Joaquim e

Yone Trotta. Em uma viagem de estudos realizada na França, em 1956, Trotta

conheceu o movimento, e o fascínio foi imediato. Em seu retorno, trouxe a ideia ao

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Brasil e leva um grupo de brasileiros ao exterior, em uma “excursão cultural [...],

hospedando-se em albergues da juventude” (p. 89). Novamente no Brasil, o casal,

decidido a implantar os albergues, inicia o que a autora supracitada denomina de fase

teórica, consistindo na divulgação do movimento e sua filosofia através de palestras e

colégios e universidades (GIARETTA, 2003). Trotta relembra que os primeiros

contatos com albergues internacionais da juventude foram decorrentes do aproveitamento do tempo vago durante o estágio no Centro Internacional de Estudos Pedagógicos de Sèvres (França), em janeiro de 1956. Em fins de 57 lavamos um grupo de 32 participantes em uma excursão cultural à Europa. [...] lamentávamos ainda que outros estudantes ou professores não tivessem condições financeiras para tal empreendimento, pois a hospedagem tinha sido em hotéis. [...] pensamos em organizar uma nova excursão, desta vez utilizando-nos daqueles albergues [e] em adaptá-los no Brasil. Para tudo isso seria necessário melhor conhecê-los (TROTTA, 1978, p. 20).

Em 1961, Trotta retorna à França e entra em contato com as associações estudantis

e alberguistas da França, mergulhando em sua essência, interagindo com o maior

número de pessoas e albergues possíveis, o que facilitou a compreensão das nuances

e, finalmente, da essência dos albergues da juventude. Isto fez com que ele

percebesse que a juventude que se hospedava nos albergues estava satisfeita, pois

podia com poucos recursos “aproveitar suas férias em excursões culturais, vividas

com boa higiene mental, tão necessárias àqueles que estudam, [formando, assim, a

prova de que vivemos] em um mundo civilizado, sem privilégios para alguns e

dificuldades excessivas para outros” (TROTTA, 1978, p. 21). Nesta fase chamada de

teórica, o prof. Joaquim Trotta, com o objetivo de unir a juventude brasileira em tempos

de ditadura, necessitava tomar ciência profunda da filosofia dos albergues da

juventude, de certos critérios e seus regulamentos, para então, aproveitá-los da

melhor forma possível. O que ele buscava, durante esta fase, era saber e tomar

propriedade da essência dos albergues, antes de abrir o primeiro empreendimento em

terras brasileiras (TROTTA, 1978). O materialismo, enquanto metodologia de estudo,

também busca conhecer a essência do objeto estudado, assim como Trotta com os

albergues da juventude. Pois, somente assim é possível se apropriar desse objeto

com a maior precisão possível. Esta fase teórica “tomou seis longos anos (de 1961 a

1966). Somente em 1966, por condições especiais, conseguimos, afinal, o início das

realizações práticas” (TROTTA, 1978, p. 43).

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Chega-se, então, à fase de realizações. O primeiro albergue da juventude foi

inaugurado em meados de 1965, na cidade do Rio de Janeiro, e intitulado de

Residência Ramos, em referência ao bairro onde se encontrava. Os primeiros

hóspedes foram um “grupo de estudantes [...] da Escola Evangélica de Porto Alegre

– RS. Eram rapazes e moças [que] preferiram uma excursão recreativa e cultural ao

Rio aos gastos de uma formatura com festas” (TROTTA, 1978, p. 47). A Residência

Ramos, contando com 36 leitos, pode acolher diversos estudantes brasileiros que

viajavam pelo país. Além desses, o casal hospedava “estudantes [...] e mochileiros

vindos do Uruguai, Chile, Alemanha, Suíça e Inglaterra” (GIARETTA, 2003, p. 90),

pois “da Embaixada do Brasil em Santiago do Chile, o jovem diplomata Paulo Dirceu

Pinheiro [...] recomendava a Residência Ramos” (TROTTA, 1978, p. 49). Trotta define

que “os albergues da juventude internacionais existem para ajudar os jovens a viajar,

conhecer e amar a natureza e apreciar os valores culturais de pequenas cidades e

grandes metrópoles” (1978, p. 17). O referido autor ainda lembra que os albergues

variam, mas as características gerais permanecem as mesmas,

oferecem dormitórios, lavatórios e toaletes separados para cada sexo. Dispõem, também, de um local onde usuários podem preparar a própria comida. Há uma sala de estar comum a todos. Cada albergue está sob a responsabilidade de diretores, em geral, um casal denominado “Pai de Albergue” [...] eles recebem os frequentadores, dão-lhes as orientações necessárias sob o ponto de vista cultural, social e educacional e os assistem em casos de doença e qualquer dificuldade (TROTTA, 1978, p. 17).

O primeiro albergue brasileiro é relativamente tardio (ver figura 23). Se comparado à

gênese alemã, são aproximadamente 54 anos de distância e mesmo nossos vizinhos

sul-americanos estavam à frente. Trotta relata que “os estrangeiros, em geral, já

participavam racionalmente [do movimento alberguista, e os] sul-americanos

começaram a aparecer, principalmente da Argentina e Uruguai, onde já existiam

albergues há alguns anos” (1978, p. 49). Por mais que a geração juvenil dos anos de

1960 desejasse viajar, o início do movimento alberguista no Brasil não teve a mesma

expansão rápida que ocorreu na Alemanha, por não ter sido

fácil, no princípio, conseguir clientela para ocupar o prédio durante todo o ano, mesmo nas férias de verão, o que tornava a manutenção sempre deficitária, ficando mesmo, alguns meses seguidos, sem hóspedes na Residência. Conseguimos melhor divulgação de nossas atividades [...] apelando para os representantes de várias cidades brasileiras, do Encontro de Professores de Matemática realizado em Brasília (TROTTA, 1978, p. 49).

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A construção do movimento alberguista brasileiro contaria, a seguir, com uma peça

muito especial. O segundo albergue brasileiro foi um empreendimento planejado e

construído pelos próprios alunos e membros da recém-criada federação, a exemplo

do Alemanha e Canadá. Trotta relata que

os alunos da Escola T.F.C.S. Fonseca conseguiram uma doação de terreno em Araruama – RJ. Motivados pela causa dos albergues, a conquista do terreno mais os animou para “meter mãos à obra”. Foi feito com concursos de projeto para a construção. [...] o projeto vitorioso foi do aluno José Francisco Tadeu, do Curso de Edificações (1978, p. 50).

O espírito alberguista, de união e entendimento entre as pessoas, de educação da

juventude, havia sido materializado na construção do Albergue da Juventude Prof.

Celso Suckow da Fonseca, nomeado em homenagem “àquele que foi um dos

primeiros a compreender o alcance da iniciativa [...] a tomar as providencias

preliminares [...] desta obra altamente educativa” (TROTA, 1978, p. 51).

Figura 23 – Foto da Residência Ramos, Rio de Janeiro (1969)

Fonte: arquivo pessoal de Maria José Giaretta.

O próximo passo, no intuito de levar a bandeira dos albergues à frente e devido à

ligação dos albergues da juventude com a educação (desde sua gênese através do

professor Schirrmann até a disseminação desses pela Europa em escolas do ensino

fundamental), foi o de procurar por “estabelecimentos estudantis, com o objetivo de

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estabelecer convênios”, resultando em novos albergues em pouco tempo, assim como

acontecera na Alemanha (GIARETTA, 2003, p. 90). A ideia do um local que

promovesse a união e o entendimento entre os jovens, facilitando o ato de viajar para

a juventude brasileira com segurança e conforto, começou a tomar as grandes

proporções que Trotta idealizava a partir da parceria formada com a Casa do

Estudante do Brasil (TROTTA, 1978). Novos albergues foram instituídos, como a

Pousada da Juventude, na Lapa, Rio de Janeiro, com 300 leitos, e,

em 1970, a Federação Internacional de Albergues da Juventude convidou o casal Trotta para participar da Conferência Internacional de Albergues da Juventude, na Finlândia, o que foi marcado como a primeira participação do Brasil no movimento [alberguista] internacional. No retorno do casal ao Brasil, eles deram entrevistas à mídia brasileira, contribuindo para a divulgação do movimento no país (GIARETTA, 2003, p. 90).

Devido à contatos com a mídia, a Residência Ramos recebe a visita do jornal diário

“O Globo” do Rio de Janeiro, o qual além de retratar a boa índole do movimento, tenta

captar a essência educacional, social e comunitária dos albergues no Brasil. Na

ocasião encontravam-se hospedadas no albergue um grupo de “moças

excursionistas, pertencentes a um colégio de Barretos [...] preparando café quando

foram entrevistadas e fotografadas. Apanhadas de surpresa, com toda a naturalidade,

revelam o ambiente de uma grande família que a Residência oferecia” (TROTA, 1978,

p. 65). Trotta afirma que, após a matéria ganhar notoriedade, em pouco tempo após

sua publicação, uma reportagem da “TV Globo” é realizada na Residência Ramos,

propelindo a imagem dos albergues a “um sem número de cidades brasileiras,

[aumentando] consideravelmente os pedidos de reservas, resolvendo o problema do

tempo ocioso, pelo menos no período de férias” (1978, p. 65).

Os albergues da juventude no Brasil, devido a seu caráter social e educativo, assim

como no exterior, começam a ocupar edifícios de valor universal antes abandonados,

dando novos significados e reutilizando, agindo assim na conservação, do patrimônio

histórico edificado, como é o caso da Casa do Estudante do Rio de Janeiro, em 1974.

Segundo Trotta, este foi um acontecimento muito importante para o local, pois a “casa

ficou fechada e afastada da juventude no período de 1964 a 1971, época da ditadura

militar, quando o movimento ficou estagnado no Brasil” (GIARETTA, 2003, p. 93).

Nesse período da história brasileira, a perseguição a políticos, artistas, movimentos

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juvenis e estudantis, que ousavam se opor ao sistema político, econômico e social

vigente foi implacável e os albergues da juventude não passaram por ela ilesos, e pela

primeira vez, desde sua fundação, o crescimento de associados e albergues diminui.

Até meados da década de 1970 os conceitos de turismo da juventude e principalmente

o de backpacker estavam em seu estágio embrionário e ainda não eram

completamente difundidos e definidos, portanto os albergues acharam no turismo

social sua melhor moradia, já que o jovem é fundamental em qualquer processo de

renovação social. Assim sendo, procura-se, entre outros aspectos, disseminar e

fomentar o turismo social e os albergues, ao

criar a consciência de que o turismo social [dando] às associações criadas, e em formação, absoluta independência para se organizar de acordo com a realidade socioeconômica do país onde se criam, enquadradas dentro das exigências mínimas da IYHF [...] tratar de complementar a educação dos jovens dentro dos albergues da juventude (GIARETTA, 2003, p. 92).

Em resposta a essas ações, a década de 80 pode ser considerada a época de ouro

dos albergues no Brasil, um período de extrema socialização e interação entre seus

usuários e o meio onde se encontravam. Um período, analisando-o em retrospecto,

considerado como ideal, onde a filosofia alberguista era vivida e experimentada por

todos no albergue, como relembra Giaretta em relatos informais a esse autor21

a minha melhor memória do casal Trotta é como eles seduziam os alberguistas, para Literatura, poesia, história e Geografia. Iam abrindo livros e de fato seduzindo as pessoas à leitura e quando percebíamos estávamos todos lendo algo. Eles nunca aprovaram TV no hostel porque sempre alegaram que a TV cortava o espírito de integração, de cultura no albergue.

Apesar dessa expansão vista por Giaretta (2003), Trotta (1978) lamenta a lenta

progressão do movimento no Brasil em comparação aos nossos vizinhos, Argentina e

Uruguai. Dentro da esfera do poder público, essa época, diferente do que se observa

atualmente, foi caracterizada por uma considerável aproximação entre essas partes.

Devido ao apoio da EMBRATUR, através da criação do Plano Nacional de Albergues

da Juventude, o qual contou com uma equipe treinada para supervisionar a criação

de novos empreendimentos em todo o território nacional, além de fornecer verba

destinada à divulgação deste novo meio de hospedagem (GIARETTA, 2003).

21 Depoimentos fornecidos por Maria José Giaretta através de e-mail no dia 13 de novembro de 2014.

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Por motivos desconhecidos o casal Trotta fecha a Residência Ramos e abre um novo

empreendimento, o Albergue Muxarabi, em Cabo Frio-RJ (figura 24). Giaretta, em

relatos saudosistas e informais, destaca o caráter familiar, social dos albergues nessa

época áurea, relembrando que “no Muxarabi por exemplo, o último a sair escondia a

chave no esconderijo combinado e todos sabiam onde estava, chegava abria e a casa

era sua”22. Essa essência dos hostels, de serem uma “casa longe da sua casa”, está

presente até hoje na expectativa dos backpackers (WILSON e RICHARDS, 2008).

Figura 24 – Foto do Albergue Muxarabi, Cabo Frio (1979)

Fonte: arquivo pessoal de Maria José Giaretta.

É desse período que nascem as primeiras tentativas de regulamentação legal dos

albergues da juventude perante os órgãos oficiais governamentais do turismo,

apontando os seguintes aspectos a serem considerados (GIARETTA, 2003, p. 94):

1. Os albergues da juventude são destinados à acolhida de jovens associados

em viagens por período de curta duração;

2. Destinam-se a aproximar jovens de todo o mundo e incentivar o turismo da

juventude;

22 Depoimentos fornecidos por Maria José Giaretta através de e-mail no dia 13 de novembro de 2014.

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3. Os albergues da juventude podem ser temporários ou permanentes, da cidade

ou do campo. São considerados temporários aqueles que só funcionam nas

férias ou em darás especificas, como festivais, congressos, etc.

4. Devem obedecer a requisitos mínimos da federação internacional, sendo: sala

de estar, dormitórios, banheiros com duchas, local para guardar bagagem,

cozinha de alberguista.

Vale ressaltar a similaridade filosófica e conceitual que os albergues brasileiros

possuíam com os europeus, principalmente os alemães, com mais veemência até o

final da década de 1980. Até esse período os estabelecimentos possuíam uma pessoa

que “tomava conta do albergue [...] chamado de pai ou mãe alberguista, e eram

pessoas chave no albergue, por que, além de cuidar do local, tinham como função

desenvolver o espírito comunitário nos usuários e difundir a filosofia do movimento”

(GIARETTA, 2003, p. 97).

O início dos anos 90 foram fundamentais para a consolidação do movimento

alberguista no Brasil, principalmente em razão da modernização decorrente do avanço

dos meios de comunicação eletrônicos. A rede de albergues experimentou também

uma modernização em sua estrutura, uma matriz de procedimentos foi elaborada no

intuito de controlar a qualidade dos albergues. Chamado de “manual de abertura e

operação de albergues da juventude”, essa matriz determinava

os padrões mínimos de qualidade, cursos de capacitação para inspetores de qualidade, gestão de albergues da juventude, participação do Brasil nos encontros internacionais, maior enfoque aos cuidados da natureza [focando na] educação ambiental, implantação do sistema internacional de reservas [e] entrada do alberguismo na era da internet (GIARETTA, 2003, p. 98).

No entanto, em meados da década de 90, o movimento alberguista começa a

apresentar os primeiros sinais de dificuldades. Pela primeira vez, em 1995, o número

de associados decaiu, em consequência, segundo Giaretta, do “plano Real, que

elevou os preços dos serviços e o custo de vida da população, da ausência de

propaganda eficiente, como a de 1987, [...] e a concorrência das pousadas” (2003, p.

100). Ainda se nota, a partir dessa data, um continuo distanciamento entre os

albergues e o poder público. Apesar disso os esforços da IYHF de propagar o

movimento na América do Sul não diminuíram, e o ano de 1996 foi marcada pela

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primeira conferência da associação a ser realizada no Brasil. Mesmo assim, Giaretta

(2003, p. 100) relata que a “segunda metade da década de 1990 foi marcada pela

entrada de um menor número de albergues da juventude” na associação nacional.

Não foram encontrados registros sobre a gêneses dos hostels no Brasil, mas após a

virada do século percebe-se sua revitalização com o crescimento do número e o

aparecimento de diversas tipologias desse meio de hospedagem (NASH, THYNE e

DAVIES, 2006). Como os hostels Boutique, que oferecem serviços e infraestruturas

de alto padrão, ainda a preços relativamente acessíveis, há clientes que exigem tais

condições para se hospedarem em suas férias, porém não abrem mão de algumas

características singulares que são conhecidos por favorecerem, por exemplo, a

sociabilização entre os hóspedes (MUSA e THIRUMOORTHI, 2011).

O último grande marco histórico é a inserção da HI-Brasil no Conselho Nacional de

Turismo, em 2003. Porém, em uma última pesquisa realizada para averiguação da

condição de participação da entidade no conselho, constatou-se que a HI-Brasil foi

excluída, ou se retirou, da lista de participantes, como consta no DECRETO Nº 6.705,

DE 19 DE DEZEMBRO DE 2008 (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2008), que revoga

o anterior de 2003. Comprovando o distanciamento do poder público, não somente

em relação aos hostels, mas também à HI-Brasil.

Concluindo, as Ciências Sociais tratam, no exterior, da compreensão da modernidade,

no Brasil trata da ausência dessa (ORTIZ, 2002). No Brasil a ausência de

conhecimento sobre esse meio de hospedagem, de trabalhos científicos e de uma

classificação oficial, pode ser explicada pelo atraso ou falta da modernidade no Brasil

em comparação à Alemanha e outros países à época do nascimento dos albergues

da juventude. Espera-se que este resgate histórico, possa esclarecer o leitor quanto

à essência dos albergues da juventude e aproximá-lo de um conceito grande demais

para ser colocada dentro de quatro paredes.

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3 VARIÁVEIS PARA UMA PROPOSTA CONCEITUAL

Nesse capítulo se inicia a proposta de uma construção conceitual do meio de

hospedagem hostel. Esta proposta é criada a partir de quatro pilares que podem ser

considerados como os de sustentação desse conceito: o primeiro é distinção entre as

palavras hostel e albergue da juventude; o segundo é a análise do público-alvo desse

meio de hospedagem; o terceiro é o trinômio hostels/hospitalidade/espaço; e,

finalmente, a matriz classificatória das áreas físicas.

3.1 Um confronto etimológico: Hostel vs. Albergue

Etimologicamente, de acordo com o Elementary Latin Dictionary [dicionário elementar

de latim] (LEWIS, 2010) e o New Latin Dictionary [novo dicionário de latim], a palavra

hospitalidade tem suas raízes no latim hospes, significando “hospedar, [e até mesmo]

anfitrião e/ou convidado” (LEWIS e SHORT, 1958, p. 371). De acordo com o Novo

Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a palavra hospitalidade,

contemporaneamente, vem do latim hospitalitate, sendo um substantivo feminino que

se refere ao “ato de hospedar [ao] acolhimento afetuoso” (FERREIRA, 2004, p. 1058).

Outro autor, propõe que a hospitalidade “é tão antiga quanto a própria civilização [...]

e deriva da palavra de origem francesa hospice que significa dar ajuda, abrigo aos

viajantes” (WALKER, 2002, p. 4). Essa palavra e seus significados possuem ligação

direta com a palavra hostel, que de acordo com o American Heritage Dictionary of the

English Language [dicionário do patrimônio americano da língua inglesa] é um termo

proveniente do Inglês Medieval, que possui suas raízes nas palavras provenientes do

Francês Velho e Latim Medieval de hostel e hospitāle ou hospice, respectivamente.

(EDITORS OF THE AMERICAN HERITAGE DICTIONARIES, 2011).

Deve-se, também, ressaltar a relação e similaridade de conceitos que estes termos

possuem com a palavra hospital, pois atualmente o termo hospitalidade “remete a uma

reflexão e estreita relação com esta palavra, que está ligada diretamente ao

atendimento, aos desejos e aos anseios do usuário” (STOLL, 2006, p. 14).

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A palavra hostel possui, além das ligações etimológicas, também ligações filosóficas

e comerciais diretas com os conceitos de hospitalidade, com o simples ato de

hospedar um estranho ou viajante, com a filosofia de entendimento entre as pessoas.

Suas origens remetem às primeiras excursões gregas e romanas de desbravamento

e descobrimento, onde algumas pessoas eram bem recebidas ao invés de

ameaçadas, às tavernas que ofereciam alimentos e estalagens que proviam

acomodação. Nasce, assim, o conceito moderno de hospitalidade, por volta de 1700

a.C., das primeiras estalagens em casas particulares no início do sec. XVII, as quais

praticavam a hospitalidade em seu sentido mais puro (WALKER, 2002).

Esses conceitos são mutáveis ao passar do tempo, são apropriados de formas

diferentes em locais diferentes, até que, nesse caso especifico do tema desse

trabalho, se transformaram no conceito que temos dos primeiros hostels na

contemporaneidade. Portanto, resumidamente, essa palavra entra no vocábulo do

idioma Inglês através da própria palavra hostel do francês velho, que deriva do latim

tardio hospitale, o que denota um hospice, ou um lugar de descanso, o lugar da

hospitalidade (EDITORS OF THE AMERICAN HERITAGE DICTIONARIES, 2011).

Já, a palavra albergue, de acordo com Ferreira (2004, p. 84) possui outra raiz

etimológica, diferente do latim hospes. Ela deriva do Gótico haribaírgo, e possui

significado de “abrigo, asilo, [...] local em que se recolhe alguém por caridade [e] asilo

onde se recolhem de noite os mendigos”. Portanto, é possível notar a clara distinção

etimológica, filosófica e comercial entre os termos hostel e albergue.

A adoção do termo albergue no Brasil, talvez decorra da época do Brasil Império, onde

as albergarias23, chamadas também de hospedarias, davam abrigo aos primeiros

viajantes, geralmente comerciantes, exploradores e estudiosos, em nosso país. Essas

albergarias eram instalações extremamente precárias, que serviam, a priori, mais para

dar descanso e comida aos animais dos viajantes do que conforto, hospitalidade e

segurança aos seus próprios hóspedes (VALENZUELA, 2013). Provavelmente é aqui

que se inicia a mescla de termos e confusão etimológica que se encontra atualmente.

23 Segundo Ferreira (2004, p. 84) as albergarias eram locais onde se recolhiam “os peregrinos e

viajantes, principalmente os pobres”.

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Apesar da preferência desse autor pelo termo hostel24, nesse estudo, ainda será

usado o termo albergue da juventude e/ou youth hostel, quando estiver se tratando do

meio de hospedagem associado à HI (HOSTELLING INTERNATIONAL – HI).

O termo hostel será usado para descrever todo e qualquer outro tipo de

empreendimento contemporâneo e independente, não associado à HI. É interessante

notar que a própria HI, no exterior, adota a palavra hostel como nomenclatura oficial

e não, por exemplo, a palavra inglesa shelter, que se traduziria literalmente como

abrigo (que vem da do gótico haribaírgo, dando origem à palavra albergue). Em uma

tradução literal, albergue da juventude seria traduzido como youth shelter. Portanto,

acredita-se que a tradução de Youth Hostel para Albergue da Juventude tenha sido

equivocada, levando à um preconceito e à uma imagem enganosa. Faz-se necessário,

portanto, ou um estudo etimológico aprofundado para se achar uma palavra que

melhor traduza o hostel, ou adotar o termo em original em inglês. Nessa batalha

etimológica (ver figura 25), o vencedor deve ser o hóspede, que ao ver qualquer tipo

de anúncio de um hostel e ao se hospedar em um estabelecimento que se intitule

como tal, saberá o que essa palavra significa e quais infraestruturas básicas ou

serviços serão encontrados nesse local.

24 O termo hostel é o adotado por todos os demais países do mundo para definir este meio de

hospedagem, mesmo os que não são de língua inglesa (HOSTELWORLD, 2015). Apesar de ser um estrangeirismo em nossa língua, faz sentido adotar o termo em inglês pois esclarece e diferencia bem esse meio de hospedagem dos tradicionais albergues da juventude filiados à HI. Além disso, adotando hostel como termo oficial, se estaria, comercialmente, em sintonia com o mercado mundial.

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Figura 25 – Batalha etimológica Hostel vs. Albergue

Fonte: elaborado pelo autor (2015).

3.2 Perfil geral do púbico alvo dos hostels

O público alvo dos hostels é difícil de ser categorizado pois não representa uma faixa

demográfica e econômica clara e específica (NASH, THYNE e DAVIES, 2006). Este

segmento de mercado, amplo e variado, pode ser considerado e definido, de uma

maneira mais específica, como um turista alternativo e/ou um backpacker/mochileiro

e, de uma maneira mais geral, como as pessoas que compõem o segmento

denominado de turismo da juventude (MUSA e THIRUMOORTHI, 2011). Nash, Thyne

e Davies (2006) e outros autores (OLIVEIRA, 2008), consideram que o turista

backpacker pode englobar as mais diversas definições, desde turista jovem, turista

não institucionalizado, turista econômico ao alocêntrico (COHEN, 2011).

Quanto ao termo juventude, este é amplo, até mesmo ambíguo e controverso, pois

delimitar uma faixa etária (dado quantitativo) para agrupar pessoas que se enquadram

num determinado estado de espírito (dado qualitativo) é como conciliar ciência e

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religião. De acordo com a OMT, para fins de caracterização demográfica, o turismo

da juventude é aquele praticado por pessoas de uma faixa etária de 15 a 26 anos

(UNWTO, 2008). Além da OMT, diversos autores tentam limitar uma faixa etária para

definir a juventude, colocando, assim um limite quantitativo. Não há, porém, um

consenso quanto à uma faixa definida, variando de 15 a 35 anos. Mas essas noções

quantitativas da juventude pecam por não conseguirem abarcar as exceções à regra,

pois, como a própria OMT adverte, o turismo da juventude “não é apenas uma questão

de demografia, mas cada vez mais um estilo de viagem [e] os meios de hospedagem

designados para a “Juventude”, são agora usados por viajantes de todas as idades”

(UNWTO, 2008, p.01). Essa definição embarca, assim, as diversas pessoas que se

enquadram numa descrição qualitativa de juventude, mas não se encaixam na faixa

etária adequada.

Portanto, a noção que mais se aplica a esse presente estudo é de que juventude é

um conceito muito vago que varia em âmbito geral e pessoal conforme uma

determinada cultura, sociedade e indivíduo, num determinado tempo/espaço,

é um período da vida situado entre a infância e a vida adulta e que expressa todas as ambiguidades de um tempo marcado pela busca da maturidade e identidade sexual, as incertezas de assumir novos papeis sociais, posicionar-se perante a estrutura social e de poder de sua sociedade. [...] a juventude apresenta aspectos típicos do momento “limítrofe” dos ritos de passagem [...] esse esquema se aplica também ao processo de socialização dos indivíduos [...] a juventude deve ser considerada uma fase crucial para a formação e a transformação de cada um, quer que se trate da maturação do corpo ou do espírito, quer no que diz respeito às escolhas decisivas que preludiam a inserção definitiva na vida da comunidade (LEVI e SCHMITT, 1996, p. 11 apud GIARETTA, 2003, p. 02)

Esse período de vida, citado acima, pode variar imensamente para cada indivíduo

dentro de um grupo específico e, também, de sociedade para sociedade, e entre

culturas diferentes. O processo de socialização, de formação e transformação pessoal

e a determinação de uma idade para a maturidade sexual, e principalmente a social,

que irá determinar a posição de um indivíduo perante sua sociedade em um

determinado tempo/espaço pode variar igualmente. Portanto, vale levar em conta que

o conceito de turismo da juventude é definido não somente pela faixa etária de seus

componentes, mas também pelo seu comportamento, que inclui, não somente, a

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autoafirmação, busca de liberdade, crescimento pessoal e intelectual, o desafio presente no turismo de aventura, a busca da exaltação. O desbravamento, traço característico do mochileiro que acaba trazendo ao turismo o descobrimento de novos destinos, [...] a forma de andar, vestir, o corte de cabelo e até mesmo os hábitos alimentares (GIARETTA, 2003, p. 09).

No caso do Reino Unido, essa faixa etária é considerada oficialmente tão ampla que

pode abarcar pessoas de 15 a 60 anos de idade (NASH, THYNE e DAVIES, 2006),

porém, ainda de acordos com os autores, todos possuem características em comum,

como “a preferência por alojamento barato, uma ênfase em conhecer outros viajantes,

[realizam] uma viagem organizada de forma flexível e com cronograma

independentemente, as férias geralmente são longas ao invés de breves, [e dão]

ênfase para atividades informais e participativas” (p. 526).

Dentro dos aspectos quantitativos pode-se caracterizar o público alvo dos albergues

da juventude conforme o estudo realizado por Giaretta (2003), sobre a demanda deste

meio de hospedagem no estado de São Paulo, com um universo de 400 alberguistas

entrevistados em 07 albergues, dividindo este segmento em “quatro categorias:

demográfica, socioeconômica, de motivação e o tipo psicográfico” (p. 103). Mediante

os dados de Giaretta (2003), a maior parte da faixa etária dos alberguistas de São

Paulo encontra-se acima dos 26 anos, com 56,75% da amostra, contrariando, assim,

diretamente a classificação padrão da OMT que limita esse segmento de mercado até

26 anos. Isso pode provar o quanto a idade é irrelevante se comparado ao estilo de

viagem dos turistas que se consideram jovens e que usam meios de hospedagem

destinados ao turismo da juventude (LARSEN, ØGAARD e BRUN, 2011).

Ainda, tendo como base o estudo realizado por Giaretta (2003), percebe-se que, ao

contrário do que o preconceito popular preconiza, os alberguistas não são turistas de

baixa renda. A maioria dos entrevistados se situam na faixa mais superior de renda

da pesquisa, onde 47,64% possui uma renda mensal superior a nove salários

mínimos. No entanto, isso não significa que esse tipo de visitante relaciona como um

bom meio de hospedagem aquele que cobra mais caro por sua infraestrutura e

serviços, pois utiliza os albergues como meio preferido e o gasto médio de viagem por

dia ainda continua relativamente baixo, até R$ 50/dia, se comparado à alta renda.

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Talvez o quesito mais importante sobre a definição desse público alvo seja quanto ao

seu tipo psicográfico. Essas características psicográficas tentam expressar a essência

dos frequentadores de hostels, quem eles realmente são e o que buscam quando em

viagens. São essas as características que determinam o tipo de viagem que realizam,

o tipo de transporte que utilizam, assim como os meios de hospedagem, serviços e,

principalmente, quais as relações que mantêm com o destino visitado (AKATAY,

ÇAKICI e HARMAN, 2013).

Para compreender melhor essa tipologia psicográfica deve-se remeter ao modelo

classificatório criado por Stanley Plog em 1974. Esse modelo teórico propõe que a

popularidade de um destino está associada diretamente à personalidade inerente dos

viajantes (PERSONAL, SOCIAL AND HUMANITIES EDUCATION SECTION, 2013).

Plog sugere que os viajantes podem ser classificados, de acordo com suas diferentes

personalidades, em diferentes tipos. Primeiramente, são estabelecidos os tipos de

personalidades opostas, sendo elas a alocêntrica e a psicocêntrica, e posteriormente

a que se encaixa entre as duas anteriores, a mesocêntrica (GIARETTA, 2003).

O turista do tipo alocêntrico (de latim ale, "outro" + grego kéntron, "ponto central"), que

caracteriza a maior parte dos backpackers (PARIS e TEYE, 2010), possui alto nível

de curiosidade, um apelo pelo desejo por aventura, preferem destinos ainda não

desenvolvidos turisticamente, são flexíveis e dão preferência aos atrativos

educacionais, culturais e exóticos (CUNHA, 1997 apud GIARETTA, 2003, p. 104).

Além disso esse tipo de turista quanto ao comportamento, é extrovertido e

autoconfiante. O indivíduo alocêntrico

prefere explorar áreas novas e incomuns antes que os outros o façam [...] gostam de conhecer pessoas de outros países ou diferentes culturas [...] preferem não estar comprometidos com um itinerário estruturado [e] ter a liberdade para explorar uma área, fazer o seu próprio roteiro e escolher uma variedade de atividades e atrações turísticas (PERSONAL, SOCIAL AND HUMANITIES EDUCATION SECTION, 2013, p. 36).

O turista do tipo psicocêntrico tem suas preocupações de viagem direcionadas ao seu

próprio ser, às suas preocupações pessoais, são considerados passivos,

caracterizando um tipo de turismo sedentário, possuindo, assim, um interesse

relativamente limitado no mundo exterior e no destino e pessoas visitados (FIRTH e

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HING, 1999). Por consequência, acabam por procurar serviços e infraestrutura, como

os meios de hospedagem, tradicionais, viagens organizadas por terceiros e destinos

de fácil acesso e desenvolvimento consolidado (CUNHA, 1997 apud GIARETTA,

2003, p. 104). Além disso, os turistas psicocêntricos possuem a tendência para serem

pessoas

mais conservadoras. Eles tendem a ser inibidos e não-aventureiro. Preferem voltar para destinos de viagens familiares, onde eles podem relaxar e saber quais os tipos de alimentos e atividade que esperar. [...] ao organizarem um pacote turístico, os psicocêntricos preferem um itinerário estruturado de forma que eles sabem o que esperar. A segurança é muito importante para este grupo (PERSONAL, SOCIAL AND HUMANITIES EDUCATION SECTION, 2013, p. 36).

Já, os turistas mesocêntricos encontram-se em uma classificação que se posiciona

relativamente no meio das duas anteriores. Dentro do turismo, essa tipologia abrange,

talvez, o maior número de pessoas/turistas, que resumidamente tendem a não ser

extremamente aventureiros, mas são abertos a novas experiências (PERSONAL,

SOCIAL AND HUMANITIES EDUCATION SECTION, 2013).

Tabela 2 – Tipologia dos alberguistas, segundo modelo de Stanley Plog

Tipo F (n=394) %

Alocêntrico 226 57,36

Cêntrico 146 37,06

Psicocêntrico 22 5,58

Total 394 100

Fonte: Giaretta (2003).

Conforme a tabela 2, Giaretta (2003) mostra, sem generalizar com os demais perfis

de outros estados, que a maior parte do alberguistas do estado de São Paulo, podem

ser classificados como alocêntricos, com 57,36%, seguidos dos indivíduos

mesocêntricos, com 37,06, e somente 5,58 indivíduos da pesquisa foram

caracterizados como psicocêntricos. Esse fato comprova a expectativa de que

pessoas que possuem a tendência a se encaixar com mais facilidade no perfil

psicocêntrico são considerados os principais frequentadores dos hostels (FILHO,

2010), devido às suas características culturais, sociais e de sua relação com o turismo,

população e local onde se encontram (OOI e LAING, 2010).

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Portanto, os hostels possuem um público alvo de perfil ativo (participa de atividades

intra e extra hostel, com alta frequência) (KHOZAEI, HASSAN e KHOZAEI, 2010),

ambientalmente consciente (preocupado com a cultura e meio ambiente do local

visitado), que prefere a interação com a comunidade, cultura e gastronomia locais,

viaja por mais tempo e preza pelo bem-estar de todas as partes envolvidas no

processo de visitação turística (CICCIO, 2011; FILHO, 2010; FIRTH e HING, 1999;

GIARETTA, 2003; KHOZAE, et al., 2010; NASH, THYNE e DAVIES, 2004; UNWTO,

2010).

Apesar do turismo da juventude estar relacionado “a um produto ou estilo de viagem

particular (como [mas não somente] as viagens independentes, os mochileiros,

viagens de aventura, o estudo da língua, da troca experiências, e intercâmbio de

trabalho”), esse tipo de turismo, assim como os hostels, servem “como um veículo

para o intercâmbio internacional e para a paz e compreensão mundial” (UNWTO,

2008, p. 01).

3.3 O trinômio hostel-hospitalidade-espaço

Mostra-se aqui o tipo de relação que os hostels podem possuir com a hospitalidade e

o espaço que ocupam. É importante ressaltar que nem todos os hostels possuem essa

condição exposta a seguir, isso depende da qualidade da infraestrutura e dos serviços

prestados. No entanto o que se busca é mostrar que desde sua gênese até os dias

de hoje, os hostels podem, com facilidade, se aproximar dos conceitos de

hospitalidade pura/ genuína. Sendo assim podem constituir um meio de hospedagem

voltado ao turismo sustentável, um local voltado às pessoas, muito mais do que um

simples local barato para se pernoitar. Como se mostra nos exemplos a seguir.

3.3.1 As relações entre hostels e hospitalidade

De acordo com o Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),

patrimônio imaterial é tudo aquilo que diz

respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas e nos lugares, tais como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas. [...] essa definição está em consonância com a Convenção

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da Unesco [...] que define como patrimônio imaterial "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Enraizado no cotidiano das comunidades e vinculado ao seu território e às suas condições materiais de existência, o patrimônio imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado e apropriado por indivíduos e grupos sociais como importantes elementos de sua identidade (IPHAN, 2015).

A hospitalidade consiste numa relação social entre o hóspede e o anfitrião. É o

agrupamento dos costumes e simbologias culturais que compõe o ato ou prática de

ser hospitaleiro, mais especificamente, inclui a recepção e entretenimento dos

hóspedes, visitantes ou estranhos, nos âmbitos sociais, rituais e éticos, passados de

geração a geração (CAMARGO, 2008). Se analisarmos as origens de nossa

civilização ocidental, afim de entender a filosofia alberguista, podemos voltar à Grécia

antiga, onde Xênia (em tradução informal do Grego: amizade-hospedeira)

corresponde ao antigo conceito Grego de hospitalidade, da generosidade e cortesia

demonstrada àqueles que estão longe de seus lares (WALKER, 2002). Os antigos

rituais gregos de hospitalidade mostram que esse fenômeno tem origem nos

domicílios ou nas residências e é uma relação recíproca entre anfitrião e convidado,

expressada em benefícios materiais (como a doação de um presente), e também de

uma forma intangível (tal como proteção, abrigo e até mesmo amizade) (ALMEIDA,

2009). Um tema recorrente na mitologia grega é o caso em que os seres humanos

demonstram sua virtude estendendo hospitalidade a um estranho (xenos), que acaba

por ser uma divindade disfarçada, com a capacidade de conceder recompensas

(CHELHOD, 1990). Portanto, “a história da hospitalidade é a história do homem, de

seus encontros, de seus diálogos e de tudo aquilo que ele tem criado para facilitar sua

aproximação com seus semelhantes” (GRINOVER, 2007, p. 20).

Essas histórias ensinam que qualquer hóspede deve ser tratado como potencialmente

uma divindade disfarçada, todos devem ser tratados de forma igualitária, sem

descriminação e recebendo o melhor que o anfitrião tem a conceber (FERRAZ, 2013).

Estas ideias morais ajudaram a estabelecer o conceito contemporâneo de

hospitalidade, que além de ser um costume grego é um ato fundamentalmente

humano, tem até contribuído na definição de questões sócio-políticas e econômicas,

expressas pelos paradigmas de honra, em sociedades antigas (Grécia Antiga e Roma,

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em particular) onde as regras de hospitalidade foram legalmente e religiosamente

definidas (GOTMAN, 2011; LOUDEN, 2011; MONTANDON, 2011). Portanto, o

acolhimento de um estranho, como fator remanescente da antiga hospitalidade

adaptada ao conceito de hospitalidade moderna

e o conjunto dos comportamentos, das políticas e das técnicas praticadas para ter bom êxito na aproximação do turista (hóspede/estranho), no sentido de uma relação humana de qualidade, com o objetivo de satisfazer sua curiosidade, suas necessidades, gostos e aspirações, na perspectiva de desenvolver um encontro de trocas, de modo a estimular o conhecimento, a tolerância e a compreensão entre os seres humanos” (SEYDOUX, 1983 Apud. GRINOVER, 2006, p. 32).

Como se pode perceber a raiz da hospitalidade dá-se entre duas pessoas: aquele que

recebe e aquele que é recebido. Corresponde a uma relação interpessoal entre o

hóspede e o anfitrião que, além disso, pode ser “uma instituição, uma organização

social, isto é, uma organização integrada em um sistema que pode ser institucional,

público, privado ou particular” (GRINOVER, 2006, p. 31). Seguindo esta ideia de

mudança de paradigmas, vê-se na modernidade europeia um lento declínio do

prestigio da hospitalidade doméstica e o novo símbolo de prestigio transitando para

os hotéis, como lugares ou espaços desejáveis. Esses locais, que se originaram dos

antigos albergues, passaram por um processo de transformação de um reduto de

pessoas que não seriam recebidas em casas particulares para hoje serem novo

símbolo de lazer, hospitalidade e status (CAMARGO, 2008; MONTANDON, 2011).

Atualmente, em um segmento de mercado de competição acirrado, como o da

hotelaria, e diante de um cliente exigente, raro e volátil, (a hotelaria) será obrigada a

restabelecer um contato mais próximo com a demanda por diversos meios, como

através da personalização e formulação comercial da relação pessoal e até mesmo

através da proposta da gestão das emoções dos hóspedes (MANOSSO, GÂNDARA,

et al., 2012). Essa proposta, de personalização e gestão emocional da hospitalidade

com fins estritamente comerciais, é a própria negação da verdadeira hospitalidade

(GOTMAN, 2009). Por tanto, para Gotman (2009), a tentativa de usar a genuína

hospitalidade como alternativa de diferenciação comercial, fracassa antes mesmo de

ser tentada, pois a encenação muitas vezes forçada, a falta de desejo e vocação dos

recursos humanos de atuarem no âmbito da hospitalidade (fazendo-o muitas vezes

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apenas por necessidade), e o câmbio monetário entre anfitrião e hóspede

determinada uma relação comercial e não um ato de hospitalidade.

As ideias de hospitalidade genuína25, a qual de acordo com Gotman (2009) é

extremamente rara no turismo, devem, a princípio, promover uma quebra de

fronteiras, uma aproximação cultural e, mais importante, uma alteração básica de

consciência tanto do anfitrião como do hóspede (PERAZZOLO, SANTOS e PEREIRA,

2013). O primeiro deve deixar de ver o segundo como uma autoridade/subalterno e o

segundo deixar de percebê-lo como um estranho/cliente, e ambos passarem a terem-

se como seres iguais. Isso acontece através do estranhamento inicial, do

relacionamento interpessoal, e posteriormente da mudança de ideias que produz um

novo significado. Mesmo que haja o ato de pagar pela hospedagem, essa mudança

de consciência, de relacionamento entre anfitrião e hóspede é passível de acontecer,

com mais frequência nos hostels do que nos hotéis convencionais.

Na verdade, o que se vê no turismo em grande número de casos, é uma série de

conflitos entre “anfitrião” e “hóspede”. Se percebe que, nesses casos de conflito, o

receptivo turístico não oferece seu melhor serviço de livre arbítrio e bom intuito

(conceito de dádiva) (CAMARGO, 2004; GOTMAN, 2011; GRINOVER, 2002;

MONTANDON, 2011). O visitante, em seu papel de cliente, exige certo tipo de

tratamento ou serviço simplesmente por que está pagando e é de seu direito. Este

conflito resulta, em parte, ao fato de que a maiorias das pessoas que trabalham com

receptivo turístico, na hotelaria ou em outros segmentos, não possuem o dom do bem

receber, muito menos a intenção de receber e servir alguém estranho, visto que em

diversas culturas o ato de servir é visto como degradante (MONTANDON, 2011).

Parte dos recursos humanos em hospitalidade turística, dedica-se a esse tipo de

trabalho porque não possui outra alternativa socioeconômica. Gotman (2011)

considera a verdadeira hospitalidade como uma virtude, um assunto de real beleza e

um reflexo da filosofia moral antropológica. Talvez se deva abordar a hospitalidade no

25 Para Gotman (2009) existem duas realidades básicas da noção de hospitalidade, a verdadeira e a

fake (falsa). Na genuína, seu sistema de regras e conjuntos de atos que compõe a noção de hospitalidade estão estruturadas no sistema de dádiva, proveniente da hospitalidade doméstica. Já a fake é caracterizada por uma encenação do receptivo turístico.

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turismo de uma forma mais sincera, não só como uma mimese da verdadeira, mas

como uma honesta demonstração de afeto a um estranho, por pessoas que queiram

realizar estes tipos de atos para com o visitante (ALMEIDA, 2009). Quando se analisa

a hospitalidade no turismo, especialmente nos meios de hospedagem, é prudente que

se tenha em mente que ela constitui um embate entre as relações interpessoais. Cada

nicho cultural de um determinado destino turístico possui, intrinsicamente, suas

próprias maneiras de demonstrar tanto a hospitalidade quanto a inospitalidade. Por

isso é que a hospitalidade, enquanto um atributo ou qualidade, está tão ligada ao

patrimônio cultural da humanidade, pois constitui um reflexo de como cada nação ou

grupo menor de pessoas age em relação ao estrangeiro em diversas situações

domésticas, públicas e comerciais (MONTANDON, 2011).

Portanto, é de fundamental importância considerar hospitalidade como

demonstrações culturais ou de sistemas culturais, os quais são

padrões de comportamento socialmente transmitidos, que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamentos sociais e organização política, crenças e práticas religiosas, e assim por diante (KEESING, 1974, p. 75).

Esse modo de vida, para que a hospitalidade seja considerada como parte formadora

do patrimônio cultural de um determinado destino turístico, deve ser analisado como

“uma qualidade social antes de ser uma qualidade individual, um fenômeno que

implica uma organização” (GRINOVER, 2006), e somente assim pode-se atribuir

significado e importância a estas manifestações de hospitalidade como um ato

coletivo, demonstrando o patrimônio cultural de um local.

Adicionalmente, sobre a ideia de hospitalidade como patrimônio cultural, Camargo

(2008) advoga que a perspectiva da verdadeira hospitalidade “coloca seres humanos

como protagonistas de um ritual ancestral, com regras definidas e mantidas

secularmente, sempre renovadas e adaptadas, mas sempre mantidas como leis não

escritas, ainda mais fortes que as leis escritas, a ponto quase de constituir uma

segunda natureza” (p. 42), sendo essa, demonstrada através da hospitalidade.

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A transformação de costumes em cultura é algo natural e a preservação desses, e

sua consequente demonstração perante estranhos, pode ajudar o turismo rumo à

verdadeira hospitalidade. Gotman (2011) ainda adverte para a diminuição da

hospitalidade no mundo individualista contemporâneo ocidental, dando a verdadeira

hospitalidade como rara. Nas sociedades democráticas onde a igualdade domina as

relações sociais, a privatização da esfera doméstica não prevê um lugar específico

para o estranho. Onde os hostels se encaixam nesse turbilhão de definições

filosóficas, morais e costumes, nessa dicotomia entre a verdadeira e a falsa

hospitalidade? Numa posição privilegiada que pode servir de modelo à hotelaria, em

como agir em direção à hospitalidade sincera, promovendo um contato mais pessoal

e genuíno entre anfitrião e hóspede, uma relação direta entre visitante e patrimônio

cultura local através de demonstrações de hospitalidade. Visto que suas raízes estão

fincadas em atos da mais genuína hospitalidade.

Ainda que estudos mais aprofundados sobre a relação entre os hostels e a

hospitalidade devam ser realizados, algumas análises primordiais podem ser

sintetizadas a partir dessa análise:

1o – As demonstrações de hospitalidade de uma determinada cultura fazem parte do

patrimônio cultural de um destino turístico;

2o – Os hostels possuem, em sua gênese, ligação direta com essas demonstrações

de hospitalidade local, consequentemente com patrimônio cultural de um destino;

3o – A “hospitalidade genuína”, se possível dentro do turismo, é mais provável que

aconteça em estabelecimentos de pequeno porte, empresas familiares e nos hostels,

que nasceram desse conceito e o tem incorporado em sua filosofia desde então;

Considerando o modo como o turismo de massa se organiza “[...] a efemeridade da

relação do turista com os territórios visitados constitui uma barreira cada vez mais

difícil de ser transposta” (CRUZ, 2001, p. 23). Espera-se que tenha conseguido

demonstrar a possibilidade de uma nova relação entre visitante e meio de

hospedagem, consequentemente com o destino turístico, sua cultura e povos locais.

Para aqueles que procuram por uma relação mais pessoal, humana e preocupada

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ambiental e socialmente com as partes envolvidas no fenômeno turístico, os hostels

podem representar uma opção de combate à “frieza” e à falta de sustentabilidade

constatada em parte hotelaria convencional (OOI e LAING, 2010). Concluindo, a

relação entre a essência da filosofia dos albergues da juventude com o patrimônio

cultural de destinos turísticos, na forma da hospitalidade, se mostra em muitos casos

como evidente e indissociável. A gênese alberguista nos mostra que os alicerces dos

primeiros albergues estavam diretamente relacionados à hospitalidade genuína, à

cultura local, ao relacionamento interpessoal dos seus integrantes e desses com o

meio visitado.

3.3.2 As relações entre hostels e o espaço

Além do exposto anteriormente, ainda de acordo com sua gênese, os albergues da

juventude estão ligados à preservação de edifícios históricos, os quais nos remetem

diretamente ao patrimônio histórico e cultural. Na sequência desse estudo se buscará

estabelecer uma relação entre os hostels e espaço, que pode resultar no fomento ao

turismo sustentável através da conservação de edifícios de interesse histórico. Não é

o propósito desse subcapitulo determinar que todo e qualquer hostel necessite dessa

premissa para ser caracterizado como tal, mas mostra-se que, desde sua gênese,

esse meio de hospedagem favorece a conservação desses locais de interesse

histórico e consequentemente possuem, em sua essência, o potencial de constituírem

um meio de promover a conservação do patrimônio histórico edificado, a hospitalidade

urbana e, consequentemente, o turismo sustentável.

De acordo com o IPHAN, patrimônio material é

composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza, conforme os quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Os bens tombados de natureza material podem ser imóveis como os cidades históricas, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais (IPHAN, 2014).

Dentro das definições de turismo já revistas anteriormente, pode-se notar que dois

componentes básicos são necessários para que este fenômeno ocorra: 1) a pessoa,

o viajante, sedento por deixar seu habitat natural, desejando viajar; 2) e o destino, o

objeto, o território ambicionado pelo observador (GOELDNER, RITCHIE e

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MCINTOSH, 2002; KRIPPENDORF, 2009; LOHMANN e NETTO, 2012;

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2008; UNWTO, 2010). Neste processo, onde o

turismo ocorre, diversas variáveis interagem entre observador e objeto (viajante e

destino, turista e paisagem) dando origem a um fenómeno complexo e extremamente

interativo. De uma maneira básica, desconsiderando inúmeras variáveis desse

fenômeno, vê-se que para chegar ao destino é necessário o transporte. Uma vez no

destino, a acomodação e a alimentação se fazem necessárias, como demonstrado na

figura 26.

Figura 26 – Representação gráfica do processo turístico

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

O observador se debruça sobre esse tripé que contempla o território, apoiado nas

bases do transporte, acomodação e alimentação (sendo que a hospitalidade permeia

todas estas interações). É primordial, no turismo contemporâneo (realizado de forma

organizada e com ambições sustentáveis), que o planeamento do território e

empreendimentos turísticos que o ocupam, seja desenvolvido de maneira que supra

as necessidades de todas as partes envolvidas no processo turístico e preservem

esse território para futuras gerações. Pois, o turismo possui grande potencial de

proporcionar aos destinos uma alternativa de desenvolvimento sustentável que “tem

plenamente em conta os seus atuais e futuros impactos econômicos, sociais e

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ambientais, abordando as necessidades dos visitantes, a indústria, o ambiente e as

comunidades anfitriãs” (UNWTO, 2005, p. 12).

Quando contemplamos o desenvolvimento do território turístico, a criação do

patrimônio histórico edificado e a apropriação desse patrimônio via meios de

hospedagem, levantam várias questões. Dentre elas, uma atinge certeiramente o

tema deste estudo: Como devemos abordar o planejamento turístico e a utilização do

patrimônio histórico, de forma que estes supram as necessidades dos envolvidos com

o turismo e se mantenha “vivo” para futuras gerações?

Reflexões decorrentes dessa última questão são essenciais ao turismo, pois em sua

gênese esta atividade tem sido concebida quase que exclusivamente como atividade

comercial, com um só objetivo, o da capitalização monetária. O passado não deve

somente ser vendido, como preconizam alguns autores (HENDERSON, 2013), mas

sim lembrado, preservado e usado como fonte rica de conhecimento, de aprendizado.

O turismo possui além dos aspectos econômicos, um viés impactante na vida de

pessoas e lugares. Devemos abordar este assunto de forma holística e sustentável,

considerar a racionalidade das formas de condicionamento, de utilização e de

apropriação do espaço se quisermos assegurar aos lugares26 alguma hegemonia e

competitividade (LAZAROTTI, 1994 apud. CRUZ, 2001), pois o turismo

só pode ser entendido à luz de matrizes conceituais-metodológicas que iluminam o contexto social da modernidade, [que impuseram] um pacto social baseado na redistribuição do excedente material da produção e na distinção bipolar do espaço-tempo, nomeada como esfera de trabalho e esfera do ócio (RODRIGUES, 2006).

Portanto, o turismo possui a vantagem de poder agir como uma alternativa econômica

a ser realizada com foco em resultados que considerem o bem-estar social e

ambiental dos destinos. Apresentar o turismo como um fenômeno sustentável – que

nasce no destino turístico, tem seu processo desenvolvido pela e para a comunidade

local, envolvendo-a e beneficiando-a, assim como o espaço onde este se encontra, e

gerenciado de uma forma que possa ser aproveitado por gerações futuras

indefinidamente – é uma proposta árdua e desafiadora.

26 Entenda-se aqui como lugar um conjunto inseparável de sistemas de objetos, territórios, ações, de

pessoas, culturas e história em um sem fim de interações solidárias, mas contraditórias que se dão em determinado recorte temporal (CRUZ, 2001).

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O objetivo deste subcapítulo é estabelecer uma relação direta entre:

a) território turístico – como o homem se apropria dos espaços,

consequentemente dos destinos turísticos e como, reciprocamente, o território

influencia nessa apropriação;

b) patrimônio histórico edificado – representado por castelos, fortificações,

palácios e edifícios de valor universal, podendo favorecer essa interação entre

homem e território, da cultura e patrimônio local;

c) hostels – por poderem ocupar tais locais na atualidade, em decorrência de sua

gênese histórico-social e da possibilidade de auxiliar na conservação desse

patrimônio.

É possível apontar os hostels, através de seus conceitos e filosofia, como opção de

renovação conceitual dentro da hotelaria e de desenvolvimento sustentável, através

do potencial de conservação do patrimônio cultural edificado. Propõe-se que quando

essas três partes interagem, produzem estabelecimentos de caráter, utilidade e locais

únicos, e acabam colaborando na interação entre visitantes e anfitriões, na promoção

do patrimônio cultural dos locais onde se encontram e no desenvolvimento do turismo

com ambições sustentáveis.

No trinômio abordado nesse subcapítulo (espaço/patrimônio/hostel) deve-se

considerar como primeiro componente do fenômeno turístico o espaço territorial pois,

este é o elemento receptor do turismo, que produz e mantem os atrativos turísticos. É

o território turístico que sofre os impactos, tanto positivos quanto negativos desta

atividade. Além disso, é nele que o turismo se realiza e é no destino que se percebe

o caráter “imutável27” do fenômeno turístico. É na imutabilidade do território – extensão

considerável de terra [...] base geográfica que abrange o solo, rios, mares, lagos

interiores, golfos, baías (FERREIRA, 2004) – que o turismo se constrói. É com este

território que interagimos e sobre ele que construímos nossos alicerces, ambos

27 Sabe-se que, apesar de hoje o homem conseguir transformar e modelar grande parte do território à

sua conveniência, não obstante, ainda há obstáculos territoriais intransponíveis e inalterados. A base espacial, o território onde vivemos se mantem relativamente perene, enquanto nossas representações sociais, em justaposição, são voláteis e mutáveis.

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ideológicos e materiais (CARVALHO, 2011). É no espaço que materializamos nossos

conceitos e vivemos o que percebemos por realidade, portanto o território é, em cada

recorte temporal específico, a representação social de sua época e

a localização num dado sítio e num dado momento das frações da totalidade social depende tanto das necessidades concretas de realização da formação social quanto das características próprias de um sítio [...] o local torna-se assim, a cada momento histórico, dotado de uma significação particular (SANTOS, 1979, p. 16).

Cada peculiaridade deste espaço determina as características sociais da população

que o ocupa e vice-versa, produzindo desde o desenvolvimento sustentável à

segregação social (MESQUITA e XAVIER, 2013). Consequentemente, estas

peculiaridades espaciais, essas rugosidades, moldam também o patrimônio histórico,

material e imaterial, no decorrer da formação da sociedade (SANTOS, 2013). Haja

vista que estas edificações são o resultado da interação entre Homem (modos de

produção e interação entre classes sociais) vs. Natureza – aqui tida como

espaço/território/paisagem turística. A função (utilidade), de cada forma material

(edificação), depende do contexto social em que se encontra, o qual muda no decorrer

do tempo (CRUZ, 2001; SANTOS, 1979; 2013), pois “a paisagem oferece pistas

materiais que permitem perceber seu caráter histórico [...] que conduzem ao

entendimento geomorfológico e social da paisagem contemporânea e de suas

sucessivas fisionomias anteriores, ao longo do tempo” (YÁZIGI, 2002).

O turismo tem como seu “principal objeto de consumo o espaço, entendido como o

conjunto indissociável de objetos e de ações, de fluxos e fixos” (CRUZ, 2001, p. 17).

Especialmente, a hotelaria se enquadra no setor terciário, o qual experimentou grande

crescimento com o acúmulo de capital e tempo livre após a Revolução Industrial.

Anteriormente, os bens adquiridos eram de ordem material e atualmente uma parcela

da sociedade pode se dar ao luxo de consumir bens culturais, imateriais, como as

viagens (HARVEY, 1993). Mas, a hotelaria, também pode ser colocada como um bem

material e edificado, quando atua na preservação do patrimônio histórico. Sendo

assim, age em ambas as frentes de encontro entre turista e território. Surge daí a

necessidade de suprir essa demanda por serviços turísticos através do planejamento

do território. Em alguns casos notamos o surgimento desordenado desses serviços,

através de pequenas empresas ou negócios de turismo como meio de sobrevivência,

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de pessoas ou famílias inseridas nesse novo sistema econômico que impõe

transformações globais como se fossem naturais (SANTOS, 1979).

Nem sempre essa demanda é suprida de forma adequada qualitativa e

quantitativamente, e nem sempre esta relação é benéfica a todas as partes,

acarretando diversos atritos e consequências por vezes desastrosas para visitantes,

comunidade local e meio ambiente de destinos turísticos. O conceito de território

turístico, compila todas as interações sociais e transformações materiais e culturais

do homem no espaço “determinadas por necessidades sociais, econômicas e

políticas; assim, o espaço reproduz-se, ele mesmo, no interior da totalidade, quando

evolui em função do modo de produção e de seus momentos sucessivos” (SANTOS,

1979, p. 18). Para o turismo isso é a fonte de sua criação, pois este fenômeno

ocorre no processo de transformação dos territórios para seu uso, com outros usos do território, bem como com suas formações socioespaciais precedentes a seu aparecimento. Apesar desses confrontamentos, a força do turismo é dada por sua capacidade “de criar, transformar e, inclusive, de valorizar, diferencialmente, espaços que podiam não ter valor no contexto da lógica de produção (Nicolás, 1996)” (CRUZ, 2001, p. 17).

Esta apropriação do território pelo turismo pode ocorrer de forma organizada ou não,

de forma oficial ou marginalizada, e são os acontecimentos históricos, socioespaciais

que determinaram como essa apropriação se realiza, conferindo-lhes características

e qualidades, através do uso e da atribuição de significado aos espaços ocupados

pela sociedade (CRUZ 2001; SANTOS, 1979; YÁZIGI, 2002). Essa relação entre

território e turista muitas vezes é vista como efêmera e transitória, não somente pelo

curto espaço de tempo em que o turista passa em contato com o território, mas

também pela superficialidade, rigidez e pasteurização dos pacotes turísticos. Assim

como, pela personalidade e posicionamento do turista perante o território e vice-versa

(CRUZ, 2001). A percepção visual, componente primário, mas não único da interação

turista/território, é “uma condição fundamental para a existência cultural da paisagem

[e] não há paisagem [território turístico, neste caso efêmero] sem um observador”

(YÁZIGI, 2002). No entanto, confiar apenas no contato visual com a paisagem

turística, proporciona uma interação apenas superficial. O destino consiste-se de

representações e interações pessoais, ambientais e sociais. A relação turista/território,

chamado de fenômeno turístico, ocorre no contato pessoal, em uma paisagem que

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não é um objeto. Para compreendê-la, não basta saber como se agenciam morfologicamente os componentes do ambiente, nem como funciona a fisiologia da percepção [...] é preciso também conhecer as determinações culturais, sociais e históricas da percepção – isto é, aquilo que constrói a subjetividade humana (BERQUE, 1995).

Essas interações são inseparáveis e criam nossa percepção de realidade

socioespacial e moldam nossas experiências de vida, assim como nossas interações

turísticas. É desta premissa que partimos para a inclusão dos hostels nesse raciocínio.

Esses locais nasceram de uma relação entre sociedade-espaço diferente de outros

estabelecimentos comerciais de apoio ao turismo. Por consequência, possuem uma

filosofia social e cultural que promove a integração entre pessoas e destinos, pois

transmitem importantes mensagens para aqueles que os visitam. A interpretação

desses destinos pode contribuir para a manutenção e reconstrução de uma identidade

cultural (HORVÁTH e NAGY, 2012). A conservação e promoção do patrimônio

histórico em edificações que em outro contexto histórico-social encontravam-se em

estado de abandono, pode se dar pelo meio de hospedagem tema dessa pesquisa,

pois muitos são, agora, ocupados por albergues da juventude.

Os hostels podem agir como uma segunda-residência, onde a “posse do meio de

hospedagem e a reincidência da visita instigam uma relação mais duradoura e menos

fugidia entre turista e território turístico, o que o turismo na hotelaria dificilmente poderá

estimular” (CRUZ, 2001). A relação mais profunda entre e visitante e destino pode,

através de suas características e de sua apropriação do território, dar origem à pratica

de um fenômeno turístico mais sustentável. É dessa interação – entre homem e

território, dos embates sociais, culturais e históricos que ocorrem sobre o território –

que brota o que hoje chamamos por patrimônio histórico edificado. É do convívio, e

muitas vezes da luta, entre homem e natureza que nasce a superação e a construção

de nossos bens materiais e imateriais.

As “faíscas” decorrentes dos atritos dessa relação são as manifestações reais de

nossa civilização, assim como a luta de classes sociais escrevem as leis no decorrer

de nossa história

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os modos de produção escrevem a História no tempo, as formações sociais escrevem-na no espaço [...] a história da formação social é aquela da superposição de formas criadas pela sucessão de modos de produção28, da sua complexificação sobre o seu território espacial dando-lhe assim novo sentido (SANTOS, 1979, p.15).

Esse “novo sentido” expressado por Santos (1979), dado a todo o território e as

interações acontecidas sobre este, pode ser traduzido como patrimônio. Na verdade,

este conceito é extremamente amplo e complexo. Segundo o Novo Dicionário Aurélio

da Língua Portuguesa (FERREIRA, 2004) a palavra patrimônio em sua raiz significa

“herança paterna”, o que herdamos de nossos pais, esta herança podendo ser as mais

diversas, desde um bem material à uma receita de família. Portanto, em uma análise

mais profunda podemos definir o patrimônio como o conjunto de bens culturais e

naturais, de valor reconhecido para determinada localidade, ou para a humanidade,

que uma pessoa, grupo ou entidade possuem, e que ao se tornarem protegidos ou

tombados, devem ser preservados para o usufruto de futuras gerações (BARRETO,

2001; FERREIRA, 2004; YÁZIGI, 2002).

Podemos dividir o patrimônio em natural e cultural. O natural consiste em todas as

riquezas de valor universal contidas no solo, subsolo, mares e atmosfera de nosso

planeta. O conceito patrimônio cultural vem sendo amplificado com o passar dos

últimos anos. De acordo com Barretto (2001, p. 10), compreende aquilo que “passou

a ser considerado como como um mediador entre o passado e o presente, uma âncora

capaz de dar uma sensação de continuidade [...] de ser um referencial capaz de

permitir a identificação com uma nação”, incluindo, também, os bens imateriais29. A

UNESCO, determina que o patrimônio cultural é constituído dos (UNESCO, 1972):

Monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais,

elementos de estruturas de carácter arqueológico, elementos com valor

universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

28 Os modos de produção são compostos de todos os processos de produção propriamente ditos, além

da circulação de bens e pessoas, distribuição e consumo. São compostos também dos alicerces imateriais, como ideologias e o patrimônio cultural. As caraterísticas peculiares de cada lugar são decorrentes dos diferentes modos de produção, em ambos os níveis qualitativos e quantitativos, e das lutas sociais que os antecederam e os transformam constantemente. Portanto, “tornam-se concretos sobre uma base territorial determinada, [sendo assim] as formas espaciais seriam uma linguagem dos modos de produção” (Santos, 1979, p. 14).

29 Bens imateriais: todas as manifestações artísticas e culturais, todo o fazer humano, não só a cultura elitizada, mas também a popular.

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Conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua

arquitetura, unidade ou integração na paisagem têm valor universal

excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

Locais de interesse: Obras do homem, ou obras conjugadas do homem, e as

zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal

excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.

O conceito evolui e contempla a relação homem/espaço e “a continuidade dos valores

e funções a ela associados, assim como os vínculos afetivos, passaram a ser um dos

referenciais decisivos para o reconhecimento de um valor universal excepcional”

(YÁZIGI, 2002). Sendo assim, dentro do turismo, atualmente a UNESCO propõe que

a paisagem digna de ser considerada de valor universal pode ser categorizada em

três classes (UNESCO, 2013):

1. A paisagem claramente definida, projetada e criada intencionalmente pelo

homem. Essa engloba jardins e parques, paisagens construídas para razões

estéticas, que são muitas vezes (mas nem sempre) associados com edifícios

monumentais religiosos ou outra de outra natureza.

2. A segunda categoria é a paisagem organicamente evoluída, resultante de um

imperativo social, econômico, administrativo e/ou religioso, tendo desenvolvido

sua forma atual por associação com e em resposta ao seu ambiente natural.

Elas se enquadram em duas subcategorias:

a. Uma relíquia (ou fóssil) de paisagem é aquela em que um processo

evolutivo acabou em algum momento no passado. Suas características

distintivas são, no entanto, ainda visíveis na forma material.

b. Uma paisagem contínua é aquela que conserva um papel social ativo na

sociedade contemporânea associada com o modo de vida tradicional, e em

que o processo evolutivo ainda está em andamento [os hostels podem se

encontrar nessa categoria].

3. A última categoria é a paisagem cultural associativa, decorrente de poderosas

associações religiosas, artísticas ou culturais dos elementos naturais, em vez

de provas culturais materiais.

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Destas definições emerge uma problemática: quem deve cuidar e como deve ser

cuidado este patrimônio? Apesar do debate ser extenso e complexo, este estudo vem

propor que os hostels podem contribuir para a conservação desse patrimônio através

de sua filosofia e conceitos, os quais pregam a sociabilização de pessoas e lugares.

3.3.3 Caracterização do local de pesquisa

Para determinar a que tipo de relação pode existir entre hostels e o espaço que esses

ocupam, são usados três exemplos, a seguir.

Hostel do Castelo de Altena – Alemanha

O Hostel do Castelo de Altena localiza-se na cidade homônima (aprox. 18 mil

habitantes), situado no oeste da Alemanha, no estado da Renânia do Norte-Vestefália,

que faz divisa com a Holanda e a Bélgica (ver figura 27), tem como cidade próxima

mais proeminente Düsseldorf (a capital), além de Colônia e Bonn (antiga capital

alemã, após a Segunda Guerra Mundial). O castelo da cidade foi construído no início

do século 12 e pertencia aos Duques de Berg, até estes dividirem seu império entre

familiares. Depois de 1202, tornou-se uma das várias fortificações da família de

Altena-Mark e em 1609 a última linhagem da família morreu sem deixar sucessores.

Este reinado foi dividido em uma parte católica e uma protestante (STADT ALTENA,

2008; DEUTSCHE JUGENDHERBERGSWERK, 2014).

Durante a ocupação napoleônica Altena foi palco de confrontos e anexada ao Grão-

Ducado de Berg. Após a queda do império de Napoleão, o Congresso de Viena, em

1814, fundou a Confederação Alemã, anexando a região ao novo estado. Durante

anos o castelo esteve abandonado, para somente séculos depois ser utilizado

novamente. Uma restauração completa foi realizada em 1909 para celebrar o 300º

aniversário da incorporação do condado à Prússia. A maior parte do trabalho, no

entanto, não terminou antes de 1914. Em 1912, o primeiro albergue da juventude do

mundo foi criado por Richard Schirrmann dentro do castelo, a fim de utilizá-lo e

conservá-lo. Os antigos quartos ainda estão em exibição e novas salas dentro da área

do castelo fazem parte do hostel ainda hoje (HEATH, 1962; STADT ALTENA, 2008).

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Figura 27 – Mapa topográfico da localização do Hostel de Altena

Fonte: Elaborado pelo autor (2014).

Atualmente, oferece 36 leitos, em cinco quartos de 4, 13 e 14 camas, a uma diária de

20 a 34 euros, com café da manhã e pensão completa, respectivamente.

Recentemente, foi criada uma pousada, com quartos particulares e o museu do

castelo (ARTEN-MEYER, 2013). O local (figura 28) oferece uma oportunidade ímpar

de mergulhar na história da Alemanha e dos albergues da juventude, proporcionando

uma estadia única em um belo castelo a preços baixos, com conforto, segurança e

muita hospitalidade, mantendo vivo até os dias atuais o sonho de Schirrmann.

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Figura 28 – Fotos ilustrando o Hostel do Castelo de Altena

Fonte: Montagem do autor (2014). Fotos de Ângela Arten-Meyer (2013).

Hostel 99 – República Tcheca

A pequena cidade de Český Krumlov, localizada no sul da Bohemia, há

aproximadamente 180 km de Praga, capital da República Tcheca, é terceiro maior

destino turístico do país. As primeiras menções escritas sobre a cidade datam do início

do século XIII. Essa região é muito rica culturalmente, tendo sido parte do império

austro-húngaro durante séculos. Český Krumlov possui uma beleza única que atrai

visitantes de todas as partes do globo. Durante o período em que os Senhores de

Rožmberk (1302 - 1602), dominaram a região, Český Krumlov encontrou seu maior

período de prosperidade. Tornou-se, então, a sede de seu reino estando “no

cruzamento entre a República Checa, Áustria, Baviera e terras italianas do Norte e se

percebe a influência dessas diferentes culturas, que deixaram sua marca na cidade e

Castelo com pinceladas do Renascimento italiano” (OIS, 2014). O Imperador Rodolfo

II comprou Krumlov em 1602 e deu-a a seu filho natural Julius d'Áustria. De 1719 até

1945 o castelo ficou sob a guarda da família Schwarzenberg e entre 1938 e 1945 foi

tomada pela Alemanha nazista. Após o término da Segunda Guerra Mundial, a cidade

foi devolvida à Tchecoslováquia (OIS, 2014).

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Durante o domínio comunista, Krumlov sofreu com o desuso e abandono, mas a partir

da Revolução de Veludo, de 1989, grande parte da antiga beleza da cidade foi

restaurada e, em 1992, a cidade entra para a lista da UNESCO como Patrimônio da

Humanidade (UNESCO, 2013; MĚSTO ČESKÝ KRUMLOV, 2014). Em 1992 Český

Krumlov entrou para a lista do Patrimônio Mundial da UNESCO, por ser uma cidade

cosmopolita, com uma atmosfera única, rodeada por uma paisagem intocada, onde

se sobressai um castelo que se estende ao longo de aproximadamente 01km do

sinuoso Rio Moldava. Dominada por casas patrícias, onde se encontra exposições de

artistas de renome mundial, festivais de música, apresentações teatrais, mas

principalmente por ser ainda uma parte viva da história e cultura da República Tcheca.

A cidade de Český Krumlov, devido à sua condição praticamente de preservação total,

possui grande importância para ilustrar a evolução urbana orgânica medieval e renascentista da Europa central em resposta a acontecimentos políticos, sociais e econômicos, e Český Krumlov é o melhor exemplo sobrevivente desta época, em termos de tanto de seu estado intacto e da qualidade dos seus edifícios e paisagem urbana” (UNESCO, 2014).

Atualmente, a cidade é um importante destino de férias, possuindo um centro histórico

com elementos góticos, renascentistas e barrocos, um excelente exemplo de cidade

medieval centro-europeia (SUNDERLAND, 2013), cujo patrimônio se manteve intacto

graças a sua evolução relativamente pacífica ao longo de mais de cinco séculos

(MĚSTO ČESKÝ KRUMLOV, 2014). Além disso, Český Krumlov é (OIS, 2014):

Uma cidade com 300 prédios tombados, o segundo maior complexo de castelo

na República Checa, e o mais antigo teatro barroco ainda em funcionamento;

Um local de arte e cultura – com o Egon Schiele Art Centrum, sete museus,

lojas de arte, 5 festivais de música e festivais de teatro em um auditório rotativo;

Um conjunto de muitas experiências - festivais medievais, degustação na

cervejaria local, rafting em barcos de madeira históricos ao longo do rio

Moldava, passeios temáticos noturnos e especialidades culinárias singulares;

Uma cidade com áreas naturais protegidas – perfeitos para caminhadas,

ciclismo, equitação, golfe, rafting e canoagem e o Parque Nacional da Šumava,

com lagos remanescentes da última era glacial.

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Dentro desta paisagem encontram-se diversos meios de hospedagem, do cinco

estrelas Hotel Růže aos campings a beira do rio Moldava. Diversos hostels oferecem

acomodação alternativa para pessoas de todas as idades que procuram um lugar de

baixo custo e padrões decentes de conforto, higiene e segurança, mas principalmente

um lugar de alto nível social, onde possam conhecer pessoas e mergulhar na cultura

local. O Hostel 99 é um albergue familiar localizado dentro do centro histórico de

Český Krumlov, num edifício tombado pela UNESCO que outrora foi utilizado como

parte da muralha de proteção da cidade (início do séc. XIV) e posteriormente

convertido no Hospital Santa Elizabeth (final do séc. XV). Após o fechamento do antigo

hospital, o edifício foi dividido em várias partes tornando-se propriedade privada de

diversas famílias ao longo desses anos. Após a queda do muro de Berlin, o fim do

comunismo na Europa central e, consequentemente, a divisão da Tchecoslováquia

entre República Tcheca e República Eslovaca, a família Pecha adquiriu as demais

propriedades do que hoje se transformou no complexo do Hostel 99 (figura 29).

Figura 29 – Foto da entrada do centro histórico, Hostel 99 à esquerda

Fonte: www.hostel99.cz

O prédio principal do hostel (figura 30) possui quatro dormitórios e dois quartos

privados, os banheiros são comunitários. Ao lado da recepção, encontra-se a sala de

TV, sala de internet e a cozinha comunitária. A cozinha é completamente equipada e

sempre servida de chá e café. Há um grande terraço com vista para o castelo da

cidade, mesas com toldo, churrasqueira, jogo de dardos e mesa de ping-pong. É na

sala de TV, assistindo a filmes, na cozinha dividindo uma refeição, e principalmente

no terraço, saboreando a cerveja local, que os hóspedes interagem, trocam

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experiências sobre destinos passados, futuros lugares que irão conhecer, informações

sobre outros meios de hospedagem e transporte.

Figura 30 – Fotos ilustrando o Hostel 99

Fonte: Montagem do autor (2014). Fotos de Hostel 99 (2011).

Logo ao lado da parte principal do localiza-se o Restaurante 99, que oferece mais uma

opção de sociabilização aos hóspedes. Além da tradicional cerveja local Eggenberg,

o estabelecimento oferece diariamente opções de refeições de culinária local, e um

extenso menu com diferentes pratos de culinária nacional. Acima do restaurante há

um bar onde acontecem esporadicamente shows de bandas locais. Cruzando a rua

encontra-se a Deli 99, que fornece lanches e bebidas. No subsolo deste local

encontram-se os quartos duplos privativos com banheiros privativos. O Hostel 99

oferece, além de acomodação a um custo médio de 12 euros, serviços de lazer,

gastronomia e hospitalidade, possuindo uma empresa de rafting, restaurante, bar e

café. É o maior da cidade com aproximadamente 60 leitos, divididos em quartos

duplos, triplos, quádruplos e dormitórios de 8 e 12 camas (HOSTEL99, 2013).

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Figura 31 – Mapa topográfico da localização do Hostel 99

Fonte: Elaborado pelo autor (2014).

Samambaia Hostel – Petrópolis/RJ

Para que se possa compreender esse local é preciso recuar ao período do Brasil

Colônia e caminhar por uma das Estradas Reais que davam acesso o interior do

território colonial português, neste caso às Minas Gerais. A Coroa Portuguesa, por

volta do séc. XVI estimulou o desbravamento do interior (através dos bandeirantes)

em busca de ouro e pedras preciosas. Para acessar a região que deu origem ao atual

estado de Minas Gerais, em meados do séc. XVII fez-se necessária a abertura de

diversos caminhos para escoar a produção desses minerais em direção aos portos no

litoral brasileiro e daí para Portugal. A primeira dessas estradas reais, hoje conhecida

como Caminho Velho, tinha como destino final a cidade de Diamantina e ligava a

cidade porto de Paraty a Vila Rica (atual Ouro Preto). De Paraty, o ouro escoado das

minas era embarcado e seguia por via marítima até o Rio de Janeiro. Posteriormente,

após ser fiscalizado, tomava o rumo de Portugal. Apesar de ser uma rota precária e

perigosa, ainda assim tornou-se a estrada preferida dos tropeiros para atingir a região

das minas. Esta rota (figura 32) possuía uma extensão de aproximadamente 1.200 km

e podia ser percorrida, caso livre de maiores desastres, em cerca de 95 dias

(FAUSTO, 2006).

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De acordo com Fausto (2006), o Caminho Velho era particularmente perigoso perto

do litoral, já que os indígenas nessa fase da história de nossa colonização não

representavam mais uma grande ameaça, o maior perigo enfrentado pelos viajantes

eram os ataques piratas perto da costa. Portanto, decidiu-se criar uma nova rota mais

segura e rápida que ligasse diretamente o porto do Rio de Janeiro e o sertão das

Minas, evitando ao máximo os ataques perto da costa. Assim, o Caminho Novo foi

trilhado por Garcia Rodrigues Pais, por volta de 1707, e partia direto da baía de

Guanabara até se fundir com o Caminho Velho em Ouro Branco, seguindo até

Diamantina pelo mesmo caminho antigo. Posteriormente, foi utilizado para

escoamento da produção de café do Vale do Paraíba (FAUSTO, 2006).

Ao longo dessas duas estradas reais, nas paradas dos tropeiros, diversas fazendas

foram fundadas, afim de prover abrigo, alimentação e descanso aos tropeiros. Além

disso, serviam como pontos de troca e comércio de mercadorias. Essas “paradas de

tropeiros” tiveram um papel destacado nesse período de nossa história, pois foi no

local dessas paradas que surgiram algumas vilas e posteriormente, as mais prósperas

cidades. Outras, no decorrer do tempo, perderam seu significado, as minas se

esvaíram, a produção de café decaiu e diversas fazendas caíram no desuso e foram

abandonadas. Aqui é que encontramos a Fazenda Samambaia (antiga Belmonte).

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Figura 32 – Mapa da Estrada Real e localização do Hostel Samambaia

Fonte: Caminhantes da Estrada Real (2012).

As primeiras menções históricas sobre o local datam do séc. XVIII, praticamente 100

anos antes da fundação de Petrópolis, município onde hoje a fazenda se encontra. De

acordo com o Instituo Samambaia de Ciência Ambiental, uma das instituições que

ocupam o casarão da fazenda nos dias de hoje, o sítio estava localizado em uma

variação do caminho novo, e após o desuso dos caminhos reais

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muitos anos se passaram entre heranças e divisões, até que em 1780, Maria Brígida Goulão legou a Fazenda a seu filho mais velho, o Cônego Luis Gonçalves Dias Correia [o qual recebeu diversas condecorações de Don Pedro II]. No início do século XIX, a Fazenda foi visitada e descrita por muitos naturalistas como Cunha Mattos, Langsdorff, entre outros. [Após abandono] em 1940, a Fazenda foi comprada pela família Leite Garcia e logo foi restaurada (1942-1945) pelo arquiteto Wladimir Alves de Souza, que resgatou o precioso ambiente dos velhos tempos da Fazenda da Samambaia (INSTITUTO SAMAMBAIA DE CIÊNCIA AMBIENTAL, 2014).

O Casarão da fazenda Samambaia foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico

e Artístico Nacional (Nº inscrição: 391; Vol. 1; F. 076) em 29 de Marco de 1951, alguns

anos após a restauração realizada pela família Leite Garcia (IPHAN, 2012). Para que

fosse possível manter a casa ativa, foram escolhidos, não somente um, mas uma

variedade de usos para auxiliar na conservação local, devido ao seu tamanho de

grandes proporções. Atualmente o casarão é sede do Instituo Samambaia de Ciência

Ambiental30, o Borboletário Cores de Samambaia e o Restaurante Taverna do

Cônego. No intuito de retomar a tradição de acolhimento de viajantes, como faziam

os donos do casarão quando recebiam tropeiros no Brasil Colônia, um albergue da

juventude foi o meio de hospedagem escolhido para ocupar parte da casa, pois a

filosofia alberguista coopera com a filosofia do Instituto, ambos pregando a

compreensão de culturas diferentes, sociabilização entre pessoas e conservação do

patrimônio histórico e do meio ambiente, entre outros conceitos.

O Hostel Samambaia (figura 33) conta com aproximadamente 50 leitos em quartos

comunitários, wi-fi, biblioteca, lan-house, lavanderia, cozinha independente e lockers

(armários fechados, geralmente com cadeados, para guardar pertences pessoais dos

hóspedes) individuais dentro dos quartos. O estabelecimento está aberto a grupos

fechados, excursões, escolas, imersões para treinamentos, grupos de estudo e

pesquisa, viajantes e mochileiros em geral, sem fazer distinção de idade, constituindo

um excelente local que proporciona uma experiência turística única, uma completa

imersão no território, história e cultura de nosso país.

30 O Instituto Samambaia de Ciência Ambiental-ISCA tem como principal objetivo a Educação

Ambiental, a aplicação da Agenda 21 Local, a inclusão social e a capacitação, tem por princípios e missão a defesa, preservação e conservação do meio ambiente e das espécies e a promoção do desenvolvimento sustentável na APA (Área de Proteção Ambiental) de Petrópolis; a promoção gratuita da educação ambiental, tendo com diretrizes as indicadas pela Política Nacional de Educação Ambiental, na forma da Lei 9.795 de 27 de abril de 1999 (INSTITUTO SAMAMBAIA DE CIÊNCIA AMBIENTAL, 2014).

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Figura 33 – Fotos ilustrando o Hostel Samambaia

Fonte: Montagem do autor (2014). Fotos do Instituto Samambaia (2014).

3.3.4 Resultados

Esses locais exemplificam perfeitamente o tema de pesquisa deste capítulo, um

processo complexo e extenso, mas que pode ser basicamente resumido da seguinte

forma:

1. Um território desocupado passa a influenciar pessoas que decidem ocupá-lo.

Com o passar do tempo nasce uma sociedade/nação/civilização com

caraterísticas determinadas pelo território;

2. Os povos interagem com o espaço e com outros povos ao seu redor, constroem

uma fortificação, para garantir a segurança e a dominação do espaço;

3. Isso ocorre em razão das peculiaridades do próprio tempo e espaço, fazendo

com que local e pessoas adquiram características singulares motivadas por

essas interações;

4. Após gerações, o território dito “imutável”, continua relativamente inalterado,

mas os acontecimentos históricos e sociais conferem diferentes significados e

usos ao local – em alguns casos o desuso toma conta de edifícios que eram

importantes e atualmente perderam seu significado original;

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5. Entram em cena os hostels, criados a partir de um motivo social singular, com

características que representam a materialização de uma filosofia. Os castelos

e fortificações são os locais ideais, do ponto de vista dos idealizadores, para

abrigar os alunos em viagens a campo;

6. Os albergues acabam ocupando estes locais, dando-lhes novo significado

sociocultural, diferente do estabelecido anteriormente, porém não menos

importante, favorecendo a conservação do patrimônio e os empreendimentos

se beneficiam dessa relação, assim como os seus ocupantes. Uma antiga

forma passa a desempenhar novas funções;

7. Finalmente, estes meios de hospedagem acabam por ajudar a disseminar a

cultura de um local e a preservar o patrimônio histórico edificado de uma nação,

caso sigam as premissas filosóficas idealizadas em suas origens.

A filosofia alberguista torna vantajosa essa ocupação, tanto para o patrimônio quanto

para o visitante, enquanto o primeiro é conservado, o segundo interage com o destino

de uma forma mais profunda do que a relação efêmera vista na hotelaria convencional.

Esta é a síntese do pensamento desse capítulo, o qual propõe que hostels, espaço e

hospitalidade podem constituir um trinômio de significativo impacto no fenômeno

turístico, como expressado na figura 34. Deve-se notar que, nem todo o

empreendimento denominado de hostel possui essas características e sua existência

não deve ser vinculada a essas. Porém, o que se demonstra aqui é que esse tipo de

hospedagem pode contribuir para as relações puras de hospitalidade e a conservação

do patrimônio histórico edificado, como tem feito desde sua gênese e ainda o faz, em

diversos casos, com facilidade.

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Figura 34 – Mapa conceitual da possível relação socioespacial dos hostels

Fonte: Elaborado pelo autor (2014).

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3.4 Denominador comum de áreas físicas

Pretende-se delimitar um denominador comum das características físicas dos

estabelecimentos selecionados, comparando-os com os três internacionais já

descritos anteriormente. Busca-se saber que tipo de infraestrutura é essencial para

um hostel, do ponto de vista do empreendedor e, consequentemente, do hóspede.

Partindo da hipótese que estes três estabelecimentos são os que possuem grande

similaridade com aspectos presentes na gênese desse meio de hospedagem, é bem

provável que suas características sejam as mais aceitáveis pelos clientes que os

frequentam. A identificação de características comuns nesses empreendimentos

poderá contribuir para o estabelecimento dos primeiros passos para uma delimitação

comum das suas estruturas físicas no Brasil e, num futuro próximo, para a definição

das características físicas oficiais desse meio de hospedagem. Justifica-se a escolha

dos empreendimentos para esse subcapitulo pelo fato desses hostels serem de

fundamental importância mercadológica (HOSTELWORLD, 2015) e histórica

(GRASSL e HEATH, 1982).

Além disso, a inexistência de uma metodologia que aborde esse tema específico, da

denominação de áreas físicas essenciais para hostels, fez com que o autor desse

estudo elaborasse um método inédito. Levando isso em conta, vale notar que essa

matriz é inicial, aberta e provisória, ela pode e deve ser, num futuro próximo,

melhorada e ampliada, considerando outras variáveis e estabelecimentos. O Hostel

de Altena foi duplamente considerado, uma em sua gênese (polo teórico, histórico e

bibliográfico) e em um segundo momento mercadológico (suas estruturas atuais).

Busca-se, contudo, delimitar quais características físicas seriam aceitas como as

mínimas necessárias para que um estabelecimento seja denominado de hostel.

3.4.1 Caracterização dos hostels da matriz classificatória de áreas físicas

Os estabelecimentos que compõem a matriz classificatória de áreas físicas

encontram-se no capítulo anterior, sendo esses o Hostel do Castelo de Altena –

Alemanha; e o Hostel 99 – República Tcheca. Complementada pelo Home Lisbon

Hostel, de Portugal, cuja a descrição é apresentada a seguir.

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146

Home Lisbon Hostel – Portugal

O Home Lisbon Hostel (figura 35), localizado em pleno centro histórico de Lisboa, em

um edifício de aproximadamente 200 anos de idade, é considerado um dos mais

antigos de Lisboa – um destino turístico europeu de grande porte e famoso pelo seu

perfil backpacker e grande oferta hosteleira de alta qualidade (HOME LISBON

HOSTEL, 2014; HOSTELWORLD, 2014). Portugal foi escolhido para esta pesquisa

por ser o país com mais empreendimentos premiados na 12ª edição dos Hoscars31.

Na liderança dessa premiação está o Home Lisbon Hostel, o mais premiado do

mundo, com cinco “estatuetas”, incluindo Melhor Hostel do Mundo de Médio Porte,

Melhor Hostel de Portugal, Melhor Hostel de Lisboa, Prémio de Limpeza e Prémio pelo

Conjunto da Obra (DINHEIRO VIVO, 2014).

Figura 35 – Fotos ilustrando o Home Lisbon Hostel

Fonte: Home Lisbon Hostel (2014).

Além de excelentes localização e instalações (diárias médias de 14 euros), o

empreendimento é famoso pelo seu alto grau de hospitalidade, sendo, de acordo com

alguns depoimentos de hóspedes, “uma casa longe de casa”, oferecendo uma

31 Os Hoscars são prêmios atribuídos a hostels de todo o mundo, através das avaliações dos clientes

do site Hostelworld. Durante o ano de 2013, foram efetuados mais de um milhão de comentários no site.

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147

atmosfera única e diversas atividades como caminhadas guiadas pelo centro da

cidade, passeios noturnos pelos bares de Lisboa e o famoso “Jantar da Mamãe”,

composto de pratos típicos portugueses, a um custo rateado pelos hóspedes e feito

pela própria mãe do dono do hostel (HOSTELWORLD, 2014). O Home Lisbon é um

típico exemplo da filosofia alberguista e de seus princípios básicos definidos por

Schirrmann, quando este estabeleceu o primeiro do mundo em Altena, 1909. Na figura

36, encontra-se a localização dos estabelecimentos que compõem a matriz

classificatória de áreas físicas que este subcapitulo se propõe a criar.

Figura 36 – Mapa da localização dos hostels da matriz classificatória

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

3.4.2 Critérios analisados

As categorias para a escolha dessa matriz foram determinadas a partir de uma síntese

de fatores com base em três vertentes teóricas e empíricas. A primeira, de acordo

com as principais áreas de um hostel convencional (CÂNDIDO e VIEIRA, 2003), e a

definição de áreas físicas do MTur (2015) para um hotel, através da Cartilha de

Orientação Básica do SBClass. A segunda diz respeito à revisão bibliográfica e

histórica, realizada pela presente pesquisa e, portanto, em consonância com a filosofia

da gênese alberguista estabelecida por Schirrmann – visando a sociabilidade e

vivencia dos hóspedes no local visitado (HEATH, 1962; COBURN, 1950). Finalmente,

a terceira, de ordem empírica e experimental, foi determinada pelas áreas físicas

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148

comumente encontradas em hostels no exterior, no decorrer de seis anos de

experiência do autor na área. A partir dessas três bases de conhecimento, foram

delimitadas as principais aéreas a serem avaliadas em 17 itens com três graus de

avaliação (atende totalmente; atende parcialmente; não atende às demandas físicas

estabelecidas), visando determinar o nível de atendimento das áreas físicas. O quadro

1 expressa, em alfabética, as principais áreas físicas esperadas em um hostel.

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149

Quadro 1 – Grau de incidência das áreas físicas

H. de Altena

(original) H. de Altena

(atual) Hostel 99

Home Lisbon Hostel

Grau de incidência

Banheiro para cada dormitório 12

Bar 6

Beliche no dormitório 9

Cama solteiro no dormitório 4

Cozinha pública 12

Dormitório 12

Guarda-volumes/locker individual 12

Lavanderia 12

Quarto privado c/ banheiro 3

Quarto privado s/ banheiro 0

Recepção 10

Restaurante 5

Sala de estar ou de TV 12

Sala de internet 7

Sala de jogos 3

Sala de leitura/biblioteca 8

Área social externa 12 Legenda:

Atende totalmente = 3 pontos; Atende parcialmente = 1 ponto; Não atende = 0 pontos;

Fonte: Elaborado pelo autor (2014).

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150

O grau de incidência corresponde à quantificação dos itens (áreas físicas) em comum

aos três estabelecimentos (quatro, sendo que o Hostel de Atena conta como original

e atual). Quando uma área física for comum a todos hostels, atende totalmente às

expectativas da pesquisa. Este item atingirá 12 pontos e será então considerado como

área física essencial ou fundamental para um estabelecimento intitulado como tal,

criando-se assim a matriz de avaliação para os demais empreendimentos abordados

nesta pesquisa. As demais áreas físicas que não atingiram a pontuação máxima, mas

ficaram próximas (entre 7 e 10 pontos), serão categorizadas como opcionais básicos,

e as demais áreas (de 6 pontos e abaixo) como opcionais de luxo.

Os resultados dessa matriz classificatória inicial podem ser melhor visualizados

através do gráfico 2:

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151

Gráfico 2 - Matriz classificatória de áreas físicas

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

0 0 0 0 0 0

3 3

1

3 3 3 3 3 3 3

0 0 01

01

3 3

3

3 3 3 3 3 3 3

0

3

0

33

3

10

3

3 3 3 3 3 3 3

0

0 3

13

31

33

3 3 3 3 3 3 3

0

3 3

5

6

7

8

9

10

12 12 12 12 12 12 12

Hostel Atena Original Hostel Atena Atual Hostel 99 Home Lisbon Hostel Total

Essenciais Básicos Opcionais

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152

Portanto, as áreas físicas que podem ser consideradas como essenciais (com 12

pontos cada, estando presente em todos os estabelecimentos), são as sete seguintes:

Área social externa

Banheiro para cada dormitório

Cozinha comunitária

Dormitório

Guarda volumes

Lavanderia

Sala de Estar

As áreas físicas consideradas como opcionais básicos (7 a 10 pontos) são as quatro

abaixo:

Beliche no dormitório

Recepção

Sala de internet

Sala de leitura

As demais áreas que alcançaram no máximo seis pontos, consideradas como

opcionais de luxo, são as seis listadas abaixo:

Bar

Restaurante

Cama no dormitório

Sala de jogos

Quarto privado com banheiro

O item “quarto individual sem banheiro” não apareceu em nenhuma instância

analisada, não entrando, pois, na matriz classificatória inicial.

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153

3.4.3 Resultados

Os dez hostels de Florianópolis aqui analisados e comparados à matriz criada acima,

não serão nominalmente identificados, pois não é intuito deste trabalho delimitar quais

se enquadram nesta matriz, mas quantos estão de acordo com esta nova classificação

proposta. Portanto, eles serão retratados aqui como Hostel 01, 02 e assim

sucessivamente, como demonstrado no quadro 2.

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Quadro 2 – Adequação dos hostels Top 10 de Florianópolis (SC) à matriz classificatória

Área social

externa

Banheiro para

dormitório

Cozinha

comunitária Dormitório

Guarda-

volumes Lavanderia Sala de Estar

Total de pontos por

hostel

Hostel 01 15

Hostel 02 16

Hostel 03 21

Hostel 04 16

Hostel 05 12

Hostel 06 18

Hostel 07 21

Hostel 08 16

Hostel 09 18

Hostel 10 16

Total de pontos por

área 30 20 24 30 20 18 30 172 169

Legenda:

Atende totalmente = 3 pontos; Atende parcialmente = 1 ponto; Não atende = 0 pontos;

Fonte: Elaborado pelo autor (2014).

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O quadro 2 permite identificar diversas premissas e suposições, destacando-se como

principais as quatro a seguir:

1 – No Brasil, alguns empreendimentos não se adequam às características essenciais

internacionais deste meio de hospedagem.

Apenas dois estabelecimentos, classificados entre os 10 melhores de Florianópolis

(representando 20% da amostra), apresentaram todas as características

estabelecidas como essenciais pela matriz classificatória original, cunhada a partir dos

3 hostels europeus. Sendo assim, a maioria dos Top 10 do município não apresentam

TUDO o que se espera de um hostel original;

2 – Algumas áreas físicas consideradas como essenciais no exterior, são

negligenciadas por grande parte dos empreendimentos nacionais.

Apenas 03 itens (área social externa; dormitório; sala de estar) considerados como

essenciais, estão presentes em todos os estabelecimentos analisados, significando

que apenas 40% dos requisitos essenciais estão sendo preenchidos pelos

estabelecimentos em questão. Em uma média geral, menos da metade dos requisitos

básicos de um hostel estão sendo oferecidos aos hóspedes que frequentam este tipo

de estabelecimento e em teoria esperam por esses;

3 – Oferecer uma área física do empreendimento para uso do hóspede, sem

supervisão, parece algo desafiador para os empreendedores hosteleiros.

O item com menor pontuação foi o setor de lavanderia, com 18 pontos, de um total de

30. Portanto, aqui no Brasil quase 50% dos estabelecimentos analisados deixam de

oferecer essa área física/serviço aos hóspedes, setor é extremamente comum no

exterior. Lá, os hostels oferecem uma área equipada e aberta aos hóspedes para que

estes lavem suas roupas a um custo reduzido, outros locais cobram uma taxa extra e

fazem a lavação pelos hóspedes; nos EUA é comum uma área equipada com

lavadoras e secadoras de roupa que funcionam, no sistema vending machines

(máquinas de venda automática) com sabão e amaciante. Na maioria dos

estabelecimentos avaliados, este setor sequer é oferecido em nenhuma das formas;

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4 – Aparentemente alguns empreendimentos nacionais desconhecem a gênese e

filosofia alberguista, deixando de oferecer itens extremamente necessários ao

hóspede frequentador deste meio de hospedagem.

O segundo item com menor pontuação foi o “guarda-volumes” (locker) individual e

dentro do quarto, com 20 pontos, representando que aproximadamente 45% da

amostra não disponibiliza esta ferramenta ao hóspede. Este item é uma das principais

características inerente à gênese dos hostels (que pretendia oferecer aos alunos de

Schirrmann, conforto, segurança, hospitalidade e sociabilidade) e, portanto, uma

característica intrínseca desse meio de hospedagem. Esse item é fundamental por

proporcionar segurança e tranquilidade aos hóspedes que podem trancar seus

pertences em lugar seguro e privado, permitindo que saiam e realizem suas

atividades, sabendo que ao retornar encontrarão seus pertences intactos;

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4 PANORAMA ATUAL EM FLORIANÓPOLIS (SC)

A formação socioespacial de Santa Catarina influencia diretamente no aparecimento

da rede hoteleira do estado, consequentemente dos hostels e de suas características.

De acordo com Santos (2012, p. 171) “diferentemente do restante do litoral brasileiro

onde a atividade agrícola era monocultora, utilizando-se da mão de obra escrava em

grandes glebas de terra, no Sul se estabeleciam colônias de povoamento alicerçadas

na pequena propriedade familiar”. Como consequência os hotéis e afins podem ser

caracterizados, de uma maneira geral, como empresas familiares, de micro e pequeno

porte. Similarmente ao panorama de São Paulo e do Rio de Janeiro, o aparecimento

dos primeiros hotéis em Florianópolis é tardio, em meados do século XIX e, assim

como as duas grandes cidades brasileiras, esses estabelecimentos eram ainda

voltados, pelo menos em parte, para o comércio de mercadorias e não à prestação de

serviços. Até 1850, data de fundação do primeiro empreendimento intitulado como

hotel, denominado Hotel Comércio (o nome ilustra literalmente o panorama descrito

aqui),

não existiam hotéis para atender aos viajantes, entretanto a presença de tabernas era marcante, pois exerciam uma função comercial com a venda de produtos e uma precária estrutura de hospedagem para receber aqueles que chegavam à cidade. Os empreendimentos hoteleiros ofereciam serviços e produtos diferenciados, além da hospedagem. Como já foi destacado, em alguns deles funcionava no piso térreo um tipo de armazém, denominado de “secos e molhados”, onde se podia encontrar uma diversidade de produtos alimentícios, homeopáticos, bebidas, cigarros, cafés, velas de carnaúba, papéis, além de outros objetos colocados à venda (SANTOS, 2012, p. 175).

Prova disso é que a entrada efetiva das grandes redes hoteleiras internacionais

somente foi estabelecida no estado a partir do ano de 2000 (SANTOS, 2012). Os

hostels não escapam, como é esperado, dessa formação socioespacial. Esses últimos

são extremamente recentes, de cunho familiar e de pequeno porte. Os questionários

e entrevistas aplicados corroboram com essa afirmação e levantam outros dados

interessante que são expostos a seguir. Os resultados estão subdivididos em duas

partes: 1) perfil pessoal dos proprietários/gerentes/responsáveis pelos hostels e; 2)

perfil básico dos meios de hospedagem. Os apêndices A, B, C e D mostram,

respectivamente, os modelos do termo de consentimento livre e esclarecido, o

questionário do perfil pessoal do entrevistado, o questionário do perfil básico do

estabelecimento e a guia das entrevistas não-diretivas.

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4.1 Perfil dos hosteleiros

Apesar da leve predominância do sexo masculino dos respondentes principais, gráfico

3, havia quase que totalidade dos estabelecimentos, uma figura feminina vinculada à

idealização, fundação, propriedade e/ou gerência dos hostels em Florianópolis.

Gráfico 3 – Quanto ao gênero dos proprietários

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

A ocorrência de que a maioria dos hosteleiros possuem o estado civil de solteiro, pode-

se dever ao fato de que a faixa etária dos gestores é relativamente baixa. Sendo

assim, o casamento é uma fase da vida social ainda por vir. O perfil do gestor parece

estar relacionado a indivíduos que não buscam contatos sociais considerados mais

formais e/ou tradicionais, visto que alguns respondentes declararam ter consciência

de tratar-se de um relacionamento não reconhecido por lei, apesar de estável.

Pressupõe-se, também, que a tipologia do estabelecimento exige uma disponibilidade

integral por parte do gestor, somado ao fato de que, normalmente, o ambiente de um

hostel não é o mais indicado para crianças de baixa faixa etária (ver gráfico 4).

9

6

Masculino Feminino

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Gráfico 4 – Quanto ao estado civil dos hosteleiros

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

Pode-se considerar a faixa etária dos hosteleiros como baixa, praticamente 30% dos

entrevistados possui menos de 30 anos de idade e nenhum possui acima de 50 anos

de idade. Isso pode ser um reflexo do caráter de novidade deste meio de hospedagem

no Brasil e consequência da exigência de um perfil jovem de gerencia, para lidar com

um público alvo, também, extremamente jovem (ver gráfico 5).

Gráfico 5 – Quanto à idade dos hosteleiros

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

Segundo o gráfico 6, todos os entrevistados cursaram, pelo menos parcialmente, o

ensino superior. O alto grau de escolaridade dos hosteleiros pode facilitar no

5

10

00

Casado Solteiro Divorciado Viúvo

2

2

10

1 00

Entre 18-25 26-30 31-40 41-50 51-60 Acimda de 60

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entendimento e aceitação de conceitos e/ou medidas gestoras oferecidas pela

comunidade acadêmica e pelo ministério público.

Gráfico 6 – Quanto à escolaridade dos entrevistados

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

Os hosteleiros estão ainda, mesmo se envolvendo comercialmente com um

empreendimento que demanda tempo integral de dedicação, em um constante ritmo

de viagens, que caracteriza o estilo de vida do backpacker. Mostrando que os gestores

podem estar em sintonia com o seu público alvo (ver gráfico 7).

Gráfico 7 – Quanto à frequência de viagens dos empreendedores

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

1 0

4

8

3

Fundamental Médio Superior Incompleto

Superior Completo Pós graduação

1

6

6

2

Não viaja 01 vez por ano 02 vezes 03 ou mais vezes

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161

O gráfico 8 mostra que o meio de transporte menos utilizado (navio, 0%) e o mais

utilizado (avião, ≈60%) pode demonstrar que o perfil do hosteleiro, apesar de possuir

renda para viagens com custo relativamente elevado, prefere viagens independentes

e mais flexíveis, de acordo com o próprio perfil do público que frequenta esses

estabelecimentos.

Gráfico 8 – Meio de transporte mais utilizado em férias

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

Quando em viagens, é clara a preferência dos hosteleiros pelo tipo de meio de

hospedagem que administram, quando escolhem um local de acomodação. Isso

pode-se dever ao fato de que procuram ficar nesse tipo de empreendimento para

verificar esses estabelecimentos em outros destinos turísticos. Sendo assim, estar em

sintonia com o mercado, observando pontos limitantes e potencialidades, tendências

mercadológicas e concorrentes indiretos. Além disso, como demonstra o gráfico 9, o

perfil desses empreendedores parece favorecer a escolha de sua acomodação pelos

hostels.

1

5

1

8

00

Não viaja Carro Ônibus Avião Navio Outros

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Gráfico 9 – Meio de hospedagem mais utilizado em férias

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

É interessante saber que ≈25% da amostra ainda reside no próprio hostel. Mesmo

sendo um número pequeno, é relativamente expressivo. Esse hábito era recorrente

nos Hausvater/Hausmutter (pai/mãe alberguista, figura hoje representada,

principalmente, pelo recepcionista) dos albergues da juventude em sua gênese.

Percebe-se que esses empreendimentos, onde o recepcionista/proprietário/gerente

reside no próprio local, possuem uma atmosfera que se assemelha muito mais à uma

residência do que um empreendimento comercial. Estes locais parecem expressar

melhor o conceito de hospitalidade genuína de uma maneira mais frequente dos

demais estabelecimentos (ver gráfico 10).

3

1

9

2

01

0

2

Hotel convencional Hostel HI Hostel Independente

Pousada Resort Camping

Couchsurfing Outros

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163

Gráfico 10 – Local de residência do hosteleiro

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

Nota-se, no gráfico 11, que a maioria dos entrevistados (≈ 65%) possui nos hostels

sua única fonte de renda, onde apenas 5 respondentes possuem outra profissão. Isso,

em uma análise superficial, pode demonstrar que os hostels são autossuficientes

economicamente.

Gráfico 11 – Segunda profissão do hosteleiro

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

3

8

4

0

Imóvel próprio Imóvel alugado Hostel Outro

1

2

1

0

1

00

Hoteleiro Comerciário P. liberalTrabalhador agrícola Professor Funcionário públicoOutro

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164

4.2 Perfil dos hostels

Os hostels em Florianópolis podem ser considerados como um meio de hospedagem

de gênese extremamente recente, conforme ilustra o gráfico 12. De acordo com a

pesquisa, até o ano de 2002 não haviam hostels na cidade, fazendo com que o

advento desse meio de hospedagem aconteça de forma efetivamente tardia, cerca de

30 anos depois do primeiro albergue da juventude no Rio de Janeiro, e praticamente

90 anos após o primeiro em Altena, Alemanha. Somente em 2013 se percebe um

crescimento efetivo desse meio de hospedagem. No entanto, essa expansão se dá

de forma desordenada, e até mesmo clandestina, sem a adequação desses hostels à

conceitos, filosofias e leis. Conforme relatam os próprios entrevistados: “tem gente

que coloca uns beliches abre as portas e chama de hostel”.

Gráfico 12 – Data de fundação dos hostels de Florianópolis (SC)

Fonte: elaborado pelo autor (2015)

Os hostels podem ser caracterizados, conforme o gráfico 13, como empreendimentos

de pequeno porte. Apenas ≈25% da amostra possui uma área construída acima de

500 m2. Isso pode significar o baixo poder econômico desses empreendimentos, que

são viabilizados, geralmente, de uma maneira improvisada. Por outro lado, pode

expressar o caráter intimista e familiar que possuem desde sua gênese, assim como

0

1

2

3

4

5

6

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Data de fundação

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165

a relação de com a hospitalidade, pois é difícil proporcionar hospitalidade genuína a

um grupo de pessoas em uma área física, ambos de proporções exageradas.

Gráfico 13 – Área total construída em m2

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

Considera-se como “micro e pequenos estabelecimentos hoteleiros aqueles com

menos de cinquenta quartos e empregam menos de 10 pessoas” (WTO, 2000 apud

TEIXEIRA, 2004, p. 02). Porém, o tamanho de um hostel não deve ser delimitado,

exclusivamente, pelo número de quartos, e sim pelo número de leitos, pois os

dormitórios agregam inúmeros leitos e contam somente como um quarto. É errônea a

categorização desses empreendimentos, mediante definições emprestadas de outro

meio de hospedagem.

Não se deve aplicar o mesmo critério para classificar os hotéis e hostels. Portanto, o

número médio de leitos deve ser ponderado na classificação do tamanho de um

hostel, pois é esse número que determina quantas pessoas utilizarão o

estabelecimento num determinado momento. Esse número médio, em Florianópolis

(cerca de 40), em comparação à área física, ao número de quartos e ao número de

funcionários, pode ser considerado de magnitude média (ver gráfico 14).

1

4

3

3

4

Até 200 de 201 a 300 de 301 a 400 de 401 a 500 Acima de 500

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Gráfico 14 – Número total de leitos

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

Se levada em consideração somente o número de quartos, os hostels poderiam ser

considerados empreendimentos de micro a pequeno porte (ver gráfico 15). Mas, como

argumentado anteriormente, o porte destes empreendimentos deve ser estimado

através do número de leitos, por se tratar de uma predominância de quartos coletivos.

Gráfico 15 – Número total de dormitórios

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

O tamanho dos dormitórios pode ser considerado, de acordo com o gráfico 16, de uma

forma geral, como de pequeno à médio porte, acomodando até dez pessoas, em

média. Diversos hostels, no exterior, principalmente na Europa, de acordo com a

1

3

7

3

1

Até 15 de 16 a 30 de 31 a 50 de 51 a 70 Acima de 70

0

4

6

1

4

Até 01 de 2 a 4 de 5 a 7 de 8 a 10 Acima de 10

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167

experiência profissional desse autor, possuem quartos maiores, com 12 a 16 camas,

e alguns casos possuem os megadormitórios, com 30 camas ou mais. Isso pode ser

um reflexo de que o público frequentador desses estabelecimentos, no exterior, está

culturalmente mais acostumado a dividir o ambiente privado do quarto com um maior

número de pessoas sem maiores constrangimentos e problemas. A cultura brasileira

parece dificultar a sociabilização e o compartilhamento do espaço privado com outros,

portanto, se adota quartos com menos camas.

Gráfico 16 – Número médio de leitos por dormitório

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

Segundo o gráfico 17, o uso de beliches é unânime, com apenas dois casos usando

uma mistura de beliches e camas de solteiro em vista do tamanho da unidade

habitacional. Os beliches são um aspecto determinante das características dos hostel

desde sua gênese. Contemporaneamente o uso desse equipamento é considerado

como facultativo em diversos estabelecimentos europeus, onde alguns preferem as

camas de solteiro, por oferecerem aos ocupantes dos dormitórios maior conforto,

tranquilidade e espaço dentro da unidade habitacional.

5

10

000

Até 05 de 06 a 10 de 11 a 15 de 16 a 20 Acima de 20

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168

Gráfico 17 – Quanto ao uso de beliches nos dormitórios

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

A preferência por dormitórios é clara através do baixo número de quartos privados

oferecidos pelos empreendimentos de Florianópolis. Isso demonstra que esses dão

preferência às unidades habitacionais compartilhadas ao invés das privadas, uma

característica, também, fundamental dos hostels genuínos (ver gráfico 18).

Gráfico 18 – Número de quartos privados

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

Quanto ao número de funcionários, os hostels se caracterizam, em sua grande parte,

como microempreendimentos. Foi relatado com frequência nas entrevistas não

13

0

2

Sim Não Parcialmente

1

3

11

00

Não possui Até 01 de 02 a 04 de 05 a 07 Acima de 08

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169

diretivas, que há um método informal de contratação de backpackers como

recepcionistas. Existem sites que se assemelham a redes sociais como Facebook, os

quais possuem perfis de viajantes e de empreendimentos hosteleiros. Nesses sites

ambos completam seu perfil com diversas informações. Quando há mutua afinidade

de interesses, como local e período onde se encontram a afinidade por um perfil

pessoal/profissional, o viajante é “contratado”. Geralmente, para ajudar em alguns

turnos, ou em outros afazeres, como pequenas obras de manutenção ou até mesmo

exercendo o papel de guia/recreacionista dos hóspedes em atividades intra/extra

hostel, geralmente em troca de acomodação e/ou alimentação (ver gráfico 19).

Gráfico 19 – Número total de funcionários

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

A área social “sala de TV”, em comparação aos próximos itens (salas de estar, cozinha

comunitária e áreas sociais externas), pode ser considerada de baixa incidência.

Apesar disso, ≈ 50% da amostra possui no mínimo duas salas de TV, uma aérea

considerada como não essencial. Na época de gênese, por volta do início do século

XX, mais precisamente em 1912, essa área era inexistente. Os aparelhos de TV, como

são conhecidos hoje, foram inventados na década de 1920 e só se tronaram realmente

populares após a segunda guerra mundial, exclusivamente nos E.U.A. e Reino Unido.

Mesmo depois de sua popularização a nível mundial as TVs não eram parte integrante

das atividades sociais dos albergues da juventude. Acreditava-se que o aparelho

causava a alienação e individualização do grupo dentro do estabelecimento. As

3

5

5

11

Até 02 de 03 a 05 de 06 a 10 de 10 a 15 Acima de 15

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170

pessoas que utilizavam a TV acabavam por deixar de participar e/ou interagir em

atividades que envolviam todos os hóspedes e/ou atividades exercidas fora do meio

de hospedagem, como caminhadas e excursões (ver gráfico 20).

Gráfico 20 – Número de salas de TV

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

O gráfico 21 coloca que as salas de estar se mostram presentes em maior número

nos estabelecimentos, porém, a frequência pode ser considerada como média, em

comparação às áreas sociais externas.

Gráfico 21 – Número de salas de estar

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

1

9

5

0

Não possui Até 01 de 02 a 03 Acima de 03

1

7

7

0

Não possui Até 01 de 02 a 03 Acima de 03

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171

A cozinha comunitária, uma área física presente desde a gênese alberguista e tida

como essencial, se mostra nessa pesquisa como item também fundamental, com

100% da amostra disponibiliza no mínimo uma cozinha aos hóspedes (ver gráfico 22).

Gráfico 22 – Número de cozinhas comunitárias

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

Conforme o gráfico 23, ≈ 50% da amostra disponibiliza no mínimo duas áreas sociais

externas para seus hóspedes. Isso deve-se ao fato de que Florianópolis, marcada

pelas praias e extensas áreas verdes, proporciona uma melhor sociabilização em

ambientes externos do que internos.

Gráfico 23 – Número de áreas sociais externas

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

0

11

4

0

Não possui Até 01 de 02 a 03 Acima de 03

0

7

5

3

Não possui Até 01 de 02 a 03 Acima de 03

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172

A área social voltada aos jogos é a de menor incidência nesse estudo. Os hostels

disponibilizam uma abundante oferta de atividades gratuitas, geralmente realizadas

fora do estabelecimento, como surfe, jogos na praia e trilhas (em função do

determinismo geográfico de Florianópolis), isso não viabiliza a construção de uma

infraestrutura especifica para jogos internos (ver gráfico 24).

Gráfico 24 – Número de sala de jogos

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

Os lockers não estão disponíveis em todos os hostels entrevistados. Um respondente

não disponibiliza o serviço e três não possuem lockers para todos os leitos. Portanto,

≈20% da amostra não cumpre com um item estabelecido como essencial. Isso denota

a falta de preocupação dos gestores com a segurança dentro do estabelecimento ou

a falta de conhecimento desses sobre a gênese alberguista (ver gráfico 25).

Gráfico 25 – Quanto ao tipo dos lockers

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

5

9

1 0

Não possui Até 01 de 02 a 03 Acima de 03

1

11

3

Não possui Individual Coletivo

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173

A maioria não fecha suas operações durante o inverno. Apesar das declarações de

que a sazonalidade em Florianópolis é evidente, os hosteleiros preferem ficar abertos

por esse período. Principalmente pelo fato de que há muitos backpackers estrangeiros

viajando fora da temporada. Apesar de serem em número exponencialmente menor,

esses turistas necessitam desse tipo de acomodação, e os hosteleiros reiteraram que

não gostariam de deixá-los sem opção de acomodação (ver gráfico 26).

Gráfico 26 – Quanto à sazonalidade dos hostels

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

Apenas dois respondentes (≈10% da amostra), conforme gráfico 27, possuem um

restaurante disponibilizado aos hóspedes. Isso pode levantar diversas premissas.

Dentre elas, a primeira é de que o poder aquisitivo dos hóspedes limita seus gastos,

principalmente com a alimentação. A segunda, é de que a infraestrutura dos hostels

se mostra simples e reduzida, assim como o poder financeiro dos empreendedores.

Esses constroem, ampliam e restauram em cima de estruturas já existentes, casas

domiciliares e prédios residenciais e/ou comerciais. Poucos tiveram a capacidade de

começar o empreendimento, desde a aquisição do terreno à execução da obra, com

os olhos voltados para o meio de hospedagem que desejavam. Tiveram que se

adaptar uma edificação já existente, portanto a estrutura de A&B ficou em segundo

plano. Apesar de ser uma área física/serviço não essencial, a culinária e/ou a

gastronomia é importante componente da experiência turística do visitante no destino

3

12

Sim Não

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174

turístico. Porém, ainda é considerada como de baixa relevância por parte dos

empreendedores.

Gráfico 27 – Existência de estrutura de A&B

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

O café-da-manhã, incluso no valor da diária, é um serviço que não se vê como

essencial. No entanto, para a amostra dessa pesquisa, parece ser um item quase que

obrigatório. Os respondentes que não oferecem o café-da-manhã aos hóspedes estão

pensando seriamente em fazê-lo em breve. Devido, talvez, à execução desse serviço

por parte de todo o restante da oferta hoteleira na região, conforme o gráfico 28.

Gráfico 28 – Quanto ao oferecimento do serviço de café-da-manhã

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

2

13

7

2

Não possui Bar Lanchonete Restaurante

12

3

Sim Não

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175

Conforme o gráfico 29, o serviço de lavanderia, essencial na matriz classificatória do

presente estudo, é o que possui a menor taxa de oferta perante à amostra, ≈40% não

oferecendo o esse serviço ao hóspede. Ao contrário da gênese alberguista e das

tendências internacionais, principalmente as europeias e norte-americanas, onde

esse serviço é visto com frequência. Para o viajante backpacker, o serviço de

lavanderia é, especialmente, importante. Muitas vezes esse tipo de viajante não utiliza

de taxis, preferem os meios de transporte públicos. Caminha mais que o turista

convencional, geralmente com sua mochila nas costas. Fica dias, ou até mesmo

semanas, sem poder lavar suas roupas. Há hostels europeus que oferecem uma

maquinada de roupas gratuita aos hóspedes que ficam por mais de 3 noites.

Gráfico 29 – Quanto ao oferecimento do serviço de lavanderia

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

A internet gratuita é o único serviço oferecido com unanimidade e praticamente 100%

da amostra oferece esse serviço em ambas as formas, computadores fixos (PCs) e

em forma de Wi-Fi (ver gráfico 30). Isso demonstra a clara tendência mercadológica

de conexão ao mundo virtual e às redes sociais do perfil do público-alvo. No entanto,

esse foi o fator mais notado no discurso das entrevistas como o que mais cria

empecilhos na sociabilização e interação entre os membros do grupo que se hospeda

em um hostel. A tendência é que as pessoas fiquem conectadas a seus aparelhos

moveis, se comunicando à distância, sem interagir com a pessoa logo a seu lado.

9

6

Sim Não

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176

Gráfico 30 – Quanto à disponibilidade do serviço de internet

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

O valor da diária média é R$45, cerca de €14. Esse valor aproxima-se de uma diária

em dormitório nos hostels europeus, principalmente da Europa Ocidental (França,

Itália, Espanha). Em Portugal e na Europa Central e Oriental (Rep. Tcheca,

Eslováquia, Polônia, Hungria, etc.) essa diária baixa significativamente. Portanto

alguns destinos e seus empreendimentos, se tornam mais atraentes economicamente

para os backpackers, para os quais o Brasil é visto como um país caro para se viajar.

Isso pode indicar a tentativa do mercado hosteleiro brasileiro de adequar a diária do

estabelecimento nacional ao preço do mercado internacional, sem levar em conta sua

situação econômica interna e seu lugar no panorama turístico (ver gráfico 31).

Gráfico 31 – Valor da diária média no dormitório em Reais

Fonte: elaborado pelo autor (2014)

0

13

15

Não Em PCs Wi-Fi

0

9

5

1

Até R$ 30 de 31 a 50 de 51 a 70 Acima de R$ 70

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177

4.3 Reflexões sobre o perfil hosteleiro de Florianópolis (SC)

Além das análises feitas para cada gráfico, existem algumas considerações gerais e

essenciais que devem ser feitas. É percebido que a maioria dos empreendedores

hosteleiros de Florianópolis possuem uma relação íntima com a essência dos hostels,

principalmente a posição de hospitalidade que estes estabelecimentos devem ter,

apesar de todos desconhecerem completamente sua gênese. É como se a essência

hospitaleira dos hostels tivesse sido transmitida de hostel a hostel, como que

consanguineamente. Nenhum dos hosteleiros havia ouvido falar de Richard

Schirrmann, no entanto as semelhanças eram inúmeras. A busca pela interação e

entendimento entre as pessoas estava presente em quase todos os entrevistados,

mais em alguns menos em outros. Procuravam à sua maneira dispor um local que

acolhesse o viajante. No entanto, há estabelecimentos que parecem iniciar uma

formatação da hospitalidade hosteleira, caminhando no mesmo rumo da HI, da

padronização, da qualidade nos serviços, da lucratividade como meta principal.

Os responsáveis por administrarem os hostels do sul da ilha, assim como seus

estabelecimentos, se mostraram particularmente hospitaleiros, recebendo o autor

com café, bolo, etc. O ambiente e o comportamento lembravam o de uma casa, de

uma família, esses empreendedores normalmente moravam no próprio hostel e

encaravam seu trabalho não como labuta, mas como um estilo alternativo de vida.

Com essas pessoas, a entrevista discorreu de forma mais intima e mais aberta, foi

mais fluida e sem restrições, os entrevistados agiram de forma mais aberta. Os hostels

na região da Lagoa da Conceição, apesar de haver exceções, procuram tratar seus

estabelecimentos e hóspedes com a maior cordialidade e presteza possíveis, porém

de uma maneira mais positivista, com uma visão essencialmente mercadológica.

Visam a qualidade nos serviços como um diferencial, uma ferramenta de marketing

que podes lhe oferecer promoção frente a um mercado tão competitivo.

Vale ressaltar aqui que não é o intuito desse autor fazer qualquer julgamento de valor

quanto a qualidade dos hostels entrevistados. O que se procura aqui é somente relatar

uma distinção percebida em função do determinismo geográfico da Ilha de Santa

Catarina. Somente está se fazendo uma observação que há diferenças essenciais

entre os hostels do sul da ilha e os da lagoa.

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178

4.4 A essência dos hostels

Por tratar-se de um meio de hospedagem extremamente jovem, procurou-se descobrir

e relatar, concomitante à história dos estabelecimentos, a história pessoal dos

entrevistados, pois acredita-se que a formação pessoal de cada indivíduo determina

sua personalidade e vários outros aspectos materiais de sua vida, inclusive seu perfil

profissional, como por exemplo a escolha pela gestão de um meio de hospedagem

como o hostel. Essas histórias também contribuiriam em conteúdo, quando a história

do estabelecimento pecava em substância, haja vista que alguns estabelecimentos

possuem apenas uma temporada de verão de existência.

A transcrição do conteúdo de todas as entrevistas não seria viável nessa dissertação,

pois deixaria o conteúdo extremamente extenso. Com a finalidade ilustrativa,

encontra-se o Apêndice D uma das entrevistas realizadas, transcrita de maneira

informal. O entrevistado não é identificado, pois não é o intuito do trabalho colocar

sobre os respondentes nenhuma responsabilidade ética, moral, pessoal ou

profissional, assim como não é o intuito beneficiar ou prejudicar nenhum respondente

quanto ao teor de suas respostas.

Para formular um conceito de hostel analisou-se a essência dessas entrevistas. Pois,

os conceitos nada mais são, em sua forma mais abstrata, do que uma pretensão de

encapsular a essência de um fenômeno e/ou objeto através da comunicação verbal,

escrita à ciência humana. Os quadros conceituais são uma forma de ilustrar essa

essência, pois propõem trazer à tona uma mudança de consciência, uma aceitação

ao novo ou ao desconhecido (ZOPIATIS e CONSTANTI, 2012).

Ainda, para aa formulação desse conceito, a categoria de essência/aparência do

materialismo foi escolhida pois, uma teoria de desenvolvimento conceitual deve

especificar as premissas representacionais inatas [ao objeto], deve caracterizar os

modos em que o estado inicial difere do estado adulto, e deve caracterizar o processo

pelo qual um [objeto/fenômeno] é transformado em outro (CAREY, 2011). Os

indivíduos entrevistados se apropriaram do espaço turístico devido á

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179

sua inclinação para exibir respostas frente a um conceito ou objeto (Fishbein & Ajzen, 1975). A afetividade, e os campos da cognição e comportamento humano são considerados os domínios dessas atitudes (Rosenberg & Hovland, 1960) e servem como ponto de partida para as análises mais contemporâneas (Ajzen, 1989, p. 245) (RAMKISSOON, WEILER e SMITH, 2012, p. 259).

Finalmente, um conceito do meio de hospedagem intitulado de hostel, deve

representar as características aparentes, mas principalmente suas características

essenciais. As palavras consideradas como chaves do discurso de cada respondente

forma divididas entre esses dois grupos, essência e aparência. Assim, permite-se

determinar os aspectos superficiais do objeto de estudo, como as características

essenciais dos hostels, ilustradas no quadro 3.

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180

Quadro 3 – Análise dos discursos Superficiais vs. Essenciais

ESSENCIAIS SUPERFICIAIS

Hospitalidade Serviços Estrutura física Perfil backpacker Outros

Sujeito 01

“Morei em muitos hostels”

“O que eu gostaria de oferecer, que eu não

ofereço aqui é café da manhã”

“Meu pai tinha comprado essa casa que hoje é o hostel”

“Tu encontras pessoas do mundo inteiro

[...]cada um tem uma história”

“2011 que acabamos dando início”

“Marketing boca a boca”

“O recepcionista é todo o charme da parada”

“Já pensei em aula de surf, em aluguel de

bicicleta”

“Um ambiente assim mais de descontração”

“Tem pessoas que não respeitam, por exemplo,

as tuas coisas”

“Albergue da juventude é [...] para jovem. Hostel dá todos os tipos de pessoas”

“Morei muito tempo na Austrália”

“No HI vai ser difícil tu conhecer o dono, [...] no meu [...] todo dia eu tô

aqui”

“A gente quer aproveitar a Gastronomia, mas

também tem que economizar”

“Um hostel são quartos coletivos”

“Fazer novas amizades, conhecer mais pessoas

né [...] descontrair e conhecer coisas novas”

“Hostel são pessoas diferentes, culturas

diferentes, num ambiente só”

“No começo foi bem difícil, no

inverno também”

Sujeito 02

“Estilo familiar, os donos tomavam conta [...]

sustentável [...] ambiente de harmonia”

“Somos nativos, manézinhos, [...] daqui há

pouco tamo saindo pra fazer uma trilha bem legal

que não tá no mapa”

“Essa casa já estava aqui [...] não dessa

forma [..] um hostel é tudo de uma maneira

informal”

“Mentalidade jovem [...] aspecto econômico pesa,

quer sobrar mais pra conhecer mais”

“Inauguração foi 08 de novembro de 2010. [...]

Os acontecimentos mais marcantes são

todas as pessoas que a gente encontra, as

diferentes culturas”

“Sempre me identifiquei com esse espírito de

aventura”

“Tratava o hóspede com uma hospitalidade

diferente de um hotel comum [...] se aproxima,

senta aqui, vamos conversar”

“O staff ter pessoas da cidade que conheçam a geografia e a história da cidade [...] não só aquilo superficial [...] bilíngues”

“Uma área de lazer [...] de convivência, uma sala, um espaço com material turístico e

informativo da cidade”

“Até hoje recebemos 93 nacionalidades

diferentes [...] choque, conflito entre brasileiros

e outros”

“eu prefiro albergue, por que eu acho que é português e tal, mas

hostel é o que habituou”

“Morei na Nova Zelândia por um ano [...] é difícil trabalhar com

várias culturas”

“Várias nacionalidades fazendo amizade [...] já surgiu até casamento

daqui [...] pessoas que se conheceram aqui e...”

“O recepcionista recepciona em tudo [...]

acolhe, o hóspede se sente em casa [...] é uma

família, se sente abraçado”

“Cozinha de uso comum é fundamental [...] espaço de convívio [...] a ideia é o coletivo [...] mas com uma boa cama, quarto limpo”

“O público de hostel quer cada vez mais esse

contato com a natureza [...] foge dessa coisa de

centro [...] troca de experiências”

Hostel é um estilo de vida mais descontraído,

ambiente familiar, troca de energia, experiências, [...]

interação entre as pessoas”

“Minha mãe é socióloga, sempre viajou muito [...] meu pai conhece quase o mundo

inteiro”

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181

Quadro 3 – Análise dos discursos Superficiais vs. Essenciais (continuação)

ESSENCIAIS SUPERFICIAIS

Hospitalidade Serviços Estrutura física Perfil backpacker Outros

Sujeito 03

“Toda a vez que vejo alguém entrar com uma

mochila eu vejo eu mesmo [...] fiz vários

amigos”

“Ordem, organização e sou maníaco por limpeza [...] tudo o que tem aqui é um preço de mochileiro,

não quero fazer um grande lucro sobre isso”

“Área de convivência grande [...]colocar mais

dez camas, oferecer menos conforto [...] eu

nunca fiz isso, quero qualidade”

“O pessoal gosta de ficar conversando [...]

incomodar uma pessoa não existe [...] se vem

aqui só pra economizar tá no lugar errado”

“01 de outubro de 2013 [...] nasceu quase por acaso [...] o sonho de qualquer mochileiro é

abrir um hostel”

“Nasci em Nápoles, cresci perto de Milão,

área industrial [...] morei 06 meses na

Austrália”

“É importante que o recepcionista tenha sido mochileiro, para ter essa vibe [...]para manter essa

atmosfera tem que ser jovem na cabeça”

“Gastronomia é importante [...] se me

colocasse num hostel em qualquer parte do mundo saberia onde estou pelo

café da manhã”

“O hostel do meu sonho é com uma vista

maravilhosa para a praia, com área de

convivência, café da manhã, um barzinho”

“Muitas pessoas que viajam sozinhas [...] se

você conversa sem vontade eles reparam e

fica chato”

“Sem ter sido um hóspede não teria

conhecimento do que é bom num hostel [...]o

ponto negativo é saber lidar com as pessoas”

“Eu estudei o científico e

ciências sociais [...] apaixonado pela

geografia, viagem”

“Recepcionista mora no hostel [...] é importante

que ele conheça a ilha [...] vejo o hostel como a casa

longe de casa”

“Faço mil perguntas pra eles não pra ser

simpático, mas por que sou interessado mesmo”

“Fui criado com minha mão num lugar que era como uma joia, assim

era minha casa, é assim que quero meu hostel”

“Sem frescura, viagem diferente [...] grande

diferença entre o mochileiro brasileiro e o

estrangeiro”

“Hostel é a atmosfera que você cria [...]

hostel é vender uma experiência de vida”

“Muito rebelde até os 18, 20 anos,

muito sonhador”

Sujeito 04

“Recepcionista tem que ser uma pessoa proativa,

sem problemas pra se relacionar com outras

pessoas, bilíngue”

“Wi-fi, limpeza do local e café da manhã [...]

gastronomia faz parte total da experiência [...]

europeus gostam de comer bem”

“Esse hostel era casa de uns amigos [...] muita coisa foi atropelada,

inauguramos de maneira improvisada”

“Necessidade de conhecer lugares que

trazem enriquecimento pessoal [...] contato com

culturas, crenças, geográficas diferentes”

“O hostel tem 04 meses [...] meus amigos tinham receio de

investir nisso [...] viram o sucesso de dois

hostels daqui”

“Nasci em Porto Alegre, trabalhei no Club Meb por

07 anos [...]na Europa”

“Pode ser a segunda casa do hóspede, depende da

sinergia entre a equipe do hostel e os turistas [...]

problemas com segurança nos quartos

coletivos”

“Pessoas capacitadas e que tenha um perfil pra

isso [...] o rapaz da recepção é musico, cada um traz sua bagagem [...]

informalidade”

“Foco nas áreas de convergência, nas áreas sociais, cozinha ampla,

parte de lazer abrangente [...] cozinha

e bar no centro”

“Hóspedes internacionais com conceito de

interagir, conhecer pessoas de outros

lugares [...]

“Língua franca é o inglês, o termo natural

é hostel [...] hostel é um lugar informal de

convergência de pessoas”

“Meu pai é italiano, tenho o passaporte [...]

morei na França, Itália, Turquia,

Suíça e no México”

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182

Quadro 3 – Análise dos discursos Superficiais vs. Essenciais (continuação)

ESSENCIAIS SUPERFICIAIS

Hospitalidade Serviços Estrutura física Perfil backpacker Outros

Sujeito 05

“O intuito de um hostel é proporcionar a união das

pessoas que estão viajando”

“Dar conforto, segurança, alegria e amizade para

quem está viajando, num lugar sadio”

“Fizemos uma pesquisa de mercado [...]

pousadas e hotéis fechando [...] decidimos

montar um hostel”

“Não quer se sentir sozinho [...] viajam o ano inteiro, tem tempo livre,

flexível”

“04 de janeiro de 2014. A Lagoa da Conceição respira o público de

hostel [...] Falo diversos idiomas”

“Morei 20 anos nos EUA [...] viajei muito, fiquei em hostels conheci

muita gente legal”

“Receber é participar da história de outras

pessoas [...] fazer ele perceber que está em

casa”

“Eu gosto de receber, o relacionamento é o mais importante pra gente [...] cordialidade, cortesia, de

coração ”

“Uma cozinha bem montada. Boa

habitação, é essencial”

“É um estilo de vida, uma atitude específica, informal, sedento por

cultura”

“Conheço hostels em Amsterdam, Zurique,

Paris [...] proporcionar clima de hostel com qualidade de hotel”

“Viajava sozinho, poderia ficar em hotéis luxuosos, mas procurei um

lugar com alegria”

“Se sentir acolhido, se sentir seguro [...] adora

interagir, importante pra nossa sociedade”

“Limpeza, limpeza. Esses jantares são muito

importantes, é onde eles se conhecem”

“Boa área de convivência”

“Todo mundo é bem pra frente, bem aberto, sem preconceito, todo mundo

se respeita”

“o mais importante não é dinheiro é a amizade

[...] prefiro hostel, albergue um lugar sujo”

“Adoro viajar, faz parte de mim, me

sinto melhor muito haver com hostel”

Sujeito 06

“Aqui é outra proposta, sul da ilha, a gente gosta

de receber gente em casa [...] tem que ser um lugar

aconchegante”

“O contato pessoal, a sensibilidade de perceber

o que ele precisa, tenta passar essa presteza, fora

isso a limpeza”

“A casa era grande, dividi os quartos e

aluguei pra estudantes. Fomos fazendo

reformas de acordo com a necessidade”

“A essência é fazer tudo compartilhado, sem

muita frescura, em união [...] a gente já foi visitar hóspedes na Argentina”

“16 dezembro de 2011, primeiro do Campeche. Tentamos um hostel em

2007, mas não sabíamos direito como

funcionava”

“Sempre gostei muito de viajar,

minha mãe também”

“Quando a pessoa chega aqui pingando no verão eu faço um suco gelado, levo a bolsa pra cima...”

“Todo o final de tarde tem a free popcorn e filme, toda quarta tem free pasta, a gente dá os

ingredientes e eles fazem”

“Deveria construir apenas em 1/3 do

terreno, o resto é área de lazer, convivência”

“Teve um tiozinho que chegou aqui achando

que hostel era hotel em alemão”

“Já tinha essa cultura de que albergue não é

lugar de sem teto [minha mãe é professora]”

“Morei na Europa e lá se dividia a casa, como uma

república”

“Ele ficou 10 dias aqui. Ele falou que conseguia

descansar, se sentir em casa e ficou...”

“Eles não sabem falar Márcio, mas lembram

sempre do churrasco e o café da manhã é nossa cara, nossa filosofia”

“Não tem mesa individual, tudo

compartilhado. O que tem no quarto? Cama”

“Teve uma menina que desceu chorando quando

ela viu o quarto: não sabia que ia ter que ficar

com mais 7 pessoas! ”

“World Packers [troca de acomodação por

trabalho], rentabilidade e interatividade. Prefiro hostel, amizade. Tenho preconceito albergue”

“Fui morar na Inglaterra tinha a minha carteirinha

de albergue da juventude”

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183

Quadro 3 – Análise dos discursos Superficiais vs. Essenciais (continuação)

ESSENCIAIS SUPERFICIAIS

Hospitalidade Serviços Estrutura física Perfil backpacker Outros

Sujeito 07

“Aluguei como apartamento, o único

contato era oi e tchau [...] hoje mesmo vamos fazer

pizza aqui no hostel”

“Pegamos onda juntos, tomamos café juntos [...]

eu converso com as pessoas, interagimos”

“O quarto as pessoas não se importam

tanto”

“Vêm atrás da cultura surfe, do ambiente

saudável. Pessoas se conhecem aqui, passam a

viajar juntas, mudam roteiro. Volta ao mundo”

“Foi em fevereiro de 2014. A gente vive

apagando incêndio, não tem como prever”

“Europa (08 anos) pra aprender

inglês. Fizemos uma volta pela

Ásia e ficamos em alguns hostels”

“O dono atua no hostel. Eu quero que as pessoas venham aqui e digam eu conheci o Rodrigo [...] se tronam meus amigos”

“Um apoio às pessoas. Num hostel você é o pai

deles, tem que agir como um pai. O recepcionista é

o elo”

“O principal é ter uma cozinha, sala ou área

de lazer, redes, churrasqueira, um bar”

“O público elitizou, eclético, vegetarianos, de hábitos simples, focado

em economizar por causa das trips longas”

“Pessoas aqui são únicas, tem histórias

pra contar [...] A mola do hostel é entreter,

fazer amizade”

“Ficávamos em hotel, isolados, em

hostels nos comunicávamos”

“Gosto de conversar, com certeza é a segunda casa

do viajante [...] o meu hostel é o local acolhedor,

vai relaxar.

“Tenho regra o preço, sugiro buffet por kg,

barato, prático e bacana. Sequência de camarão,

prato único daqui ostras”

“O principal é a atmosfera e não o

espaço físico”

“Quando você é solteiro sai pra tomar uma

cerveja com o pessoal. Quando você tem uma família já é mais difícil”

“O pessoal estrangeiro não associar a palavra albergue. Hostel é um

local “a fudê” pra encontrar amigos”

“Hostel grande, mas não sei quem era o funcionário, o dono, não podia

interagir”

Sujeito 08

“Sempre gostei de hospitalidade [...] tem

gente que acaba se sentindo em casa, como o

meu marido, pai dos meus filhos”

“A gente tá aqui pra prestar serviços, pra dar

esse apoio. Café da manhã é opcional”

“Não tinha recepção, em 2004 dobramos de 23 para 46 e fizemos a recepção. Era o único

hostel de Floripa”

“Quadro da honestidade, a pessoa vinha pegava o

que queria no bar, anotava no quadro e

deixava o dinheiro. Fazia festa, ”

“Dois australianos trouxeram conceito de

hostel pro Brasil, em 2003. Fiz hotelaria e não conhecia, não

existia isso no Brasil”

“Intercâmbio nos E.U.A. por 2 anos [...] sempre gostei de inglês, coisas

novas”

“É fundamental ter alguém do staff com o

hóspede. Ele é a cara do hostel, tomar uma cerveja

com a galera”

Antigamente tinha muito mais interação, mudou

com a wi-fi”

“Tem que ter dormitórios, uma cozinha ondes as

pessoas possam sentar e comer”

“Brasileiros não tem o costume, acham que é

uma pousada barata, não querem interagir e hostel

é isso”

““Hostels trabalham juntos, no Brasil

ninguém tá nem aí, não tem união”

“Procuro manter certos padrões, aluga privado quarto anual e

chama de hostel”

“O recepcionista faz atividades de passeio,

trilha, que é fundamental, conhecer o hóspede”

“Quando tem essas jantas faz uma grande diferença,

procura fazer pratos brasileiros, tem feijoada”

“Cantinho de TV, onde as pessoas possam ler, fazer pesquisas, uma

área comum”

“Tem o público que não quer gastar com nada, a

gente permuta, perfil jovem, quer relaxar”

“Hostel é uma comunidade que só

tem a agregar experiências”

“É o futuro da hotelaria. Vários

tipos, estrutura de resort...”

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Quadro 3 – Análise dos discursos Superficiais vs. Essenciais (continuação)

ESSENCIAIS SUPERFICIAIS

Hospitalidade Serviços Estrutura física Perfil backpacker Outros

Sujeito 09

“Relação mais informal que se pode ter com um

hóspede. Fizemos um luau, alguma festa ou até

fazer jantares”

“Troca de experiências, desde fazer trilhas juntos, ou fazer e organizar um

jantar”

“Eu cedo a casa de veraneio que a gente

tem”

“Tão educadinhos, pega ali seu livrinho, não

fazem bagunça. Alguns acham que hostel pode tudo, tudo liberado, dão

trabalho”

“Em maio de 2009. Preconceito que se tem

sobre hostel hoje. A cultura do hostel é o

sair do lugar conhecido, sair do padrão”

“Sempre tive essa coisa de viajar com mochila. Ficava em

hostel porque tinha interação com pessoas”

“A gente vai sentar junto pra comer, pra tomar um drink, jogar sinuca, falar

com o meu hóspede, com a mesma desenvoltura

que com um amigo”

“Serviço de limpeza. Essa informalidade, as vezes

gera também uma distorção, que é essa

perda na qualidade do serviço”

“As áreas de uso comum, jogos, bar

onde vão poder interagir. Cozinha, para

sentar juntos e congregar”

“Sempre tentando buscar formas alternativas de

fazer as coisas, de viajar, de se hospedar, contra um sistema instituído”

“Preferência pelo termo hostel.

Albergue, esse lugar para abrigar gente que

não tem onde ficar”

“Tirei um ano sabático pra viajar um pouco. Acabei

dando aula de vela, num hostel”

“Hostel não é um deposito de viajantes. Não só financeiro, mas

oferecer a melhor experiência possível”

“Todos resolveram cozinhar juntos e eram vinte e cinco pessoas

numa mesa de sete países diferentes”

“Espaços que privilegiem essa

interação entre as pessoas”

“Estão ali pra dividir, pra congregar. Todo mundo

dormindo no mesmo quarto, soa como algo contra as instituições”

“Um lugar de encontros, onde

pessoas se encontram e interagem. Aliás um lugar de encontros

improváveis”

“Gostar de diversidade.

Conhecer coisas diferentes”

Sujeito 10

“Quer oferecer uma experiência e não uma

acomodação. Você trabalha para mudar a

perspectiva da pessoa pra melhor”

“Tenta proporcionar um local ideal pro público”

“Uma sala de TV com muito espaço para sentarem e ficarem

juntos”

“O pessoal de fora procura poupar, por

farra, festa. Brasileiro pra ter uma experiência diferente de viagem”

“Abriu em 2008. Hostel na Polônia parece hotel

de cinco estrelas. O recepcionista é o

coração do hostel, amigo do hóspede””

“Me envolvi com ONG, fui escoteira,

trabalhei por 2 anos na Europa”

“Ela sai daqui sabendo que tem uma família e

não um lugar que hospedou ela”

“Essencial é café da manhã. Todo o domingo a gente faz um churrasco, é

o momento que todo mundo interage”

“Um banheiro por quarto”

“O lema do hostel é sua casa longe de casa. Você e obrigado a falar, a dar

um sorriso”

“Prefiro hostel. Albergue no Brasil é um

grande galpão, pra quem não tem como

pagar. Hostel é sentimento, sensação”

“Fiquei em hostel em todos os

lugares. Prefiro lidar com pessoas

o dia inteiro”

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Quadro 3 – Análise dos discursos Superficiais vs. Essenciais (continuação)

ESSENCIAIS SUPERFICIAIS

Hospitalidade Serviços Estrutura física Perfil backpacker Outros

Sujeito 11

“Receber pessoas é como se você estivesse

viajando”

“Eventos mais tranquilos, voltado ao ecoturismo,

luau”

“Essa casa meus avós têm quase 40 anos. Foram reformando, como ninguém usa resolveu no hostel”

“A galera mais jovem acaba optando por ser mais barato e oferecer

aquela atmosfera”

“Abriu em maio de 2014. A gente sabe que

é confiável lá fora e aqui é uma tendência”

“Minha mãe resolveu morar no

Havaí”

“O hóspede tem um maior contato com o

recepcionista do hostel. Saímos prum barzinho...”

“É importante o transfer do aeroporto/rodoviária”

“Acho que tem que ter pelo menos uma área

para as pessoas se reunirem,

conversarem, interagirem”

“Disposto a conviver com as outras pessoas,

conhecer, participar de uma comunidade, fazer as coisas pensando nos

outros”

“Começamos a divulgar só com amigos, boca a boca. Conhecer gente do mundo inteiro, mil

culturas, aprendo coisa nova”

“Mudou minha vida, era mais

urbana”

“É legal a interação com os hóspedes”

“Café da manhã é opcional. Limpeza

mínima”

“Quartos compartilhados, e uma cozinha compartilhada é essencial também. E

lockers”

“O brasileiro não tem essa visão. Não estão dispostas a ficar com pessoas estranhas”

“Fala albergue acham que é pra gente de rua. Hostel é interação, sociabilidade, uma viagem diferente”

“Só queria viajar, curtir a vida.

Acabamos indo pra Indonésia...”

Sujeito 12

“Sinta-se em casa, sinta-se da terra. A gente não tá recebendo hóspedes,

tá recebendo amigo”

“Passeio, ainda mais aqui em Florianópolis, trilha,

bicicleta. Serviço de bar”

“Aqui já existia um pub. O pub teve que ser

fechado e resolvemos abrir o hostel”

“Cada hóspede, quem procura o hostel quer um

tratamento diferenciando”

“Abriu dia 27 de outubro de 2014”

“Queria sempre a escapar do sistema”

“A gente não faz check-out são despedidas. Acaba tendo um elo

muito grande”

“Amanhã vai ter um evento de brechó com

foodtruck”

“Tem que ter essa sala de estar, de interação de hóspedes, pra ele conhecer os outros”

“Um casal com mais de 60 anos de SP, vieram

parar aqui e que se identificou muito”

“Eles pegaram uma imagem ruim nossa, gurizada, só querem festa. E começaram a ver com outros olhos”

“Minha essência sempre foi fazer

algo fora do padrão”

“Contato com hóspede, a gente é muito dado, de

conversa”

“Ficamos tri amigo delas, fizemos janta juntos.

Nosso ambiente acaba ultrapassando o

profissional

“A cozinha compartilhada é um

lugar onde tu conhece muitas pessoas”

“Vieram pra ficar dois dias e ficaram uma

semana”

“Hostel é uma experiência que não vai encontrar em nenhum

outro tipo de acomodação. É um

lugar mágico”

“Exterior não, eu fui pro Uruguai e

Argentina”

Fonte: elaborado pelo autor (2015)

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De acordo com o quadro resumo dos depoimentos dos entrevistados, pode-se deduzir

algumas afirmações quanto à essência dos hostels em Florianópolis. Esses aspectos

essenciais devem ser considerados, juntamente à história desse meio de

hospedagem no Brasil e na Alemanha, local de sua gênese, e ao panorama do

restante do universo de hostels brasileiros, quando se for contemplar a criação de um

conceito desse meio de hospedagem, para a sua futura classificação perante ao MTur.

Portanto, a essência da hospitalidade dentro dos hostels, de acordo com os

entrevistados, pode ser traduzida como uma relação de maior proximidade entre ser

acolhedor e ser acolhido. Esse elo pode ser tão íntimo que a amizade brota dessa

interação, em alguns casos. O hostel pode ser considerado como uma casa longe de

casa para o ser acolhido e em alguns casos é, realmente, a casa do ser acolhedor,

onde seus integrantes compõem uma grande família. O ser acolhido, devido à

informalidade do local e das relações pessoais realizadas nesse último, se sente

seguro e à vontade, confortável não só fisicamente, mas psicologicamente, pois o ser

acolhido é visto como seu par, ambos podem ser quem realmente querem ser e não

uma interpretação de papeis como cliente e empresário. A hospitalidade possui na

figura do recepcionista sua personificação, é através dele que as ideias, o conceito de

hospitalidade se materializa, pois, um hostel é composto de pessoas e suas

interações. O ser acolhedor é a essência desse estabelecimento, devido ao seu

passado como viajante ele projeta sua própria essência pessoal nos seres acolhidos

que adentram seu recinto.

Há, além da relação entre hóspede e anfitrião, uma relação de simbiose entre ambos.

O relacionamento entre essas partes, traduzida aqui como hospitalidade, reside no

âmago da essência de um hostel. Esse relacionamento é traduzido em uma interação

entre essas partes, que possui o intuito de promover a união pessoal e do grupo, união

essa que perdura até os dias de hoje na filosofia dos albergues da juventude. Quando

essa relação produz uma sinergia, a hospitalidade pode ser materializada em sua

forma mais pura e genuína, onde pagamento monetário por serviços é substituído por

outras formas de remuneração, como uma troca de experiências e reconhecimento

pessoal. Verdadeiras amizades são concretizadas que perduram além do período de

estadia do hóspede no estabelecimento. Excepcionalmente, algumas relações

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pessoais podem ultrapassar o domínio da amizade e tornar-se uma relação intima,

amorosa e até mesmo conjugal.

De uma maneira geral, o serviço tido como essencial, do ponto de vista dos

empreendedores hosteleiros de Florianópolis, é aquele muito próximo ao conceito de

hospitalidade visto no parágrafo anterior, o serviço de acolhimento, informação e

interação entre as pessoas. O papel do recepcionista é o de “abraçar” o hóspede, no

sentido não literal, mas fazer com que ele se sinta em casa, não só “à vontade”, mas

que conheça o lugar da perspectiva de um morador local, para que possa desfrutá-lo

da melhor maneira possível durante sua estadia. Especificamente, o recepcionista

promove essa interação de diversas formas, no caso de Florianópolis, as mais comuns

são a realização de trilhas ou passeios de bicicleta em meio à natureza, atividade essa

que reside na gênese dos Wandervogels e dos albergues da juventude, sendo essa

atividade a geradora desse meio de hospedagem no início do século XX. Outro serviço

tido como essencial é o café da manhã. Além de prover o suprimento alimentar e

satisfazer as necessidades biológicas pessoais, é nesse ato que as pessoas

interagem pela primeira vez no dia, traçam planos de visitar locais fora do albergue, é

onde nascem novos elos pessoais.

Os eventos gastronômicos noturnos, as jantas comunitárias complementam o serviço

de café da manhã. São esses eventos que reúnem as pessoas ao final do dia, é ali

que são concretizados esses elos estabelecidos ao decorrer do dia, nas atividades

diversas realizadas pelo grupo de hóspedes e muitas vezes com a presença do

recepcionista. A congregação em volta da mesa, tendo a gastronomia como pano de

fundo, é uma atividade hospitaleira recorrente à gênese da civilização humana. A

limpeza é tida como outro serviço essencial e vista como uma área de grande

preocupação perante os hosteleiros. Outros serviços recorrentes são as aulas de surfe

ou o aluguel de equipamento para a prática desse, devido à disponibilidade e

popularidade do esporte em toda a ilha de Santa Catarina, assim como internet

disponibilizada em forma de wi-fi, devido ao perfil do viajante mochileiro, do desejo e

da necessidade de estar sempre conectado ao mundo, compartilhando suas

experiências em praticamente tempo real e planejando seus próximos passos.

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As áreas físicas essenciais são todas aquelas consideradas como áreas comunitárias

ou áreas de convivência. Dentre elas as mais mencionadas são os quartos coletivos

com banheiro dentro desses, as cozinhas comunitárias, salas de jogos, estar e/ou TV,

e os espaços gastronômicos (como áreas de churrasqueira, bares/pubs, lanchonetes

e/ou restaurantes). As áreas sociais e de lazer externas, como varandas, piscinas,

decks e redes, estão entre as principais, de acordo com os hosteleiros, pois o clima

de Florianópolis favorece a interação pessoal em espaços abertos. Os espaços

informativos (de leitura, informação sobre a cidade e outros destinos turísticos),

incluindo-se aqui a recepção completam as áreas físicas essenciais dos hostels do

município.

Quanto ao perfil backpacker, os empreendedores definem esse público alvo

essencialmente como pessoas que são amigáveis, descontraídas, cosmopolitas,

voltadas à natureza, que buscam, acima de tudo uma troca experiências, uma

experiência única em sua viagem, memorias que perdurem por uma vida. De uma

maneira geral, gostam de conversar, interagir com outros hóspedes, pois viajam

sozinhas, mas não gostam de ficarem ou se sentirem sozinhas, preferindo

compartilhar desde refeições, a atividades realizadas fora do meio de hospedagem

como passeios turísticos e atividades esportivas. Congregam, geralmente, em

atividades gastronômicas, mas principalmente em atividades noturnas, como festas,

bares e clubes. Procuram economizar, no intuito de estender sua viagem ao máximo.

São flexíveis quanto ao período de estadia e às atividades que realizam quando em

férias. Geralmente viajam por um longo período, encontram-se em uma volta ao

mundo ou ano sabático. Possuem um perfil informal, priorizam o enriquecimento

pessoal e cultural, através da interação profunda entre pessoas e o destino que

visitam, ao status que o ato de viajar pode oferecer para algumas pessoas e ou

sociedades. Esse público alvo, que pode ser denominado de turista da juventude e/ou

backpacker, não se limita somente a essas categorizações. Ele é constituído de

pessoas ecléticas, de uma grande variedade de nacionalidades e formação pessoal e

socioeconômica.

Quanto à distinção entre o termo albergue e hostel, é clara a preferência dos

entrevistados pela palavra hostel. Mesmo aqueles que não são favoráveis ao

estrangeirismo preferem hostel por que ela reflete melhor a essência filosófica e

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mercadológica desse meio de hospedagem. O termo albergue da juventude define um

meio de hospedagem diferente, redigido pela HI, com filosofia similar, mas diretrizes

próprias e singulares que não abarcam o ponto de vista dos hosteleiros

independentes. Além disso, é reportado com frequência que existe um preconceito

quanto à palavra albergue, essa refletindo um local para desabrigados, geralmente

sujo e barato.

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5 HOSTEL, UM CONCEITO EM FORMAÇÃO

Reunindo todo o arcabouço teórico e os resultados da pesquisa de campo, chega-se

ao último capítulo cumprindo o objetivo principal, a proposta de um conceito do meio

de hospedagem denominado de hostel.

Primeiramente, a figura 37, visa expressar a ideia do autor sobre a relação dos hostels

com o território/espaço e a relação do poder público com este meio de hospedagem,

essa última residindo no âmago da problemática desse estudo. O território

(representado na figura 37 como um círculo maior) é o aspecto geral de uma nação,

uma concepção mais ampla e abrangente do espaço em que se vive, podendo conter

toda uma sociedade, nação ou civilização. Por sua vez esse espaço possui partes

territoriais menores, sob seu domínio (representados como os círculos menores).

Esse território pode possuir potencial turístico ou não. Desses territórios apenas

alguns se consolidam como destinos turísticos e, consequentemente, apenas uma

pequena parte destes é considerada como patrimônio histórico. Dentro deste

patrimônio encontram-se alguns meios de hospedagem, dentre eles os hostels, assim

os círculos vão diminuindo.

Essas várias camadas, representadas agora como uma pirâmide, são na verdade uma

única representação socioespacial de nossa realidade, mas que pode ser abordada

de diferentes pontos de vista. Pode-se observar esse fenômeno de cima para baixo

ou de fora para dentro. Nessa abordagem, que é adotada pelo poder público, os

hostels ficam praticamente invisíveis, pois enxergam-se todas as camadas maiores e

ditas “mais importantes”, antes de se chegar ao âmago do território. Assim sendo, o

fundo dessa pirâmide fica inexplorado e desconhecido. Do ponto de vista inverso,

esse meio de hospedagem aparece como parte integrante do patrimônio histórico, e

este patrimônio é parte integrante de um círculo maior e assim por diante. Nessa

concepção, de dentro para fora ou de baixo para cima, nenhuma camada é deixada

de lado, pois todas se complementam e são, na verdade uma só.

Para melhor compreensão dessa concepção poderia se estabelecer uma comparação

com um vaso cheio de terra com flores brotando deste. O vaso seria a hospitalidade,

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o fio condutor que propicia toda essa relação. As várias camadas de terra são as

várias representações do território e os eventos socioespaciais que acontecem sobre

ele. As flores corresponderiam às diversas manifestações do fenômeno turístico que

brotam do território e da hospitalidade. Para que essas relações turísticas não sejam

completamente efêmeras e produzam flores que perdurem e possam renascer com o

passar do tempo, seria necessário que as raízes fossem profundas e se alimentassem

do patrimônio histórico do território, da boa relação entre turista e anfitrião.

O desenvolvimento dos empreendimentos hoteleiros deve estar conectado ao

desenvolvimento do destino turístico. Deve haver sincronia entre o que é necessário

para o destino e o que é realizado nos empreendimentos. Planejamento turístico pode

significar rejuvenescimento turístico, com novos conceitos, novas abordagens, novas

relações turísticas e novos resultados. Os hostels podem ser considerados como uma

proposta de reforma na hotelaria convencional, pois oferecem a junção de três noções

de hospedagem, a privada, a social e a comercial32. Sendo assim, estes meios de

hospedagem constituem uma síntese destas modalidades, um denominador comum,

podendo contribuir para a reciclagem hoteleira através da colaboração com o

planejamento sustentável dos destinos turísticos.

32 O conceito, na hotelaria, de hospedagem privada aqui abordado, é o de Goeldner, Ritchie, &

McIntosh. Segundo ele, as primeiras acomodações do turismo “eram partes de residências privadas e os viajantes eram hospedados quase como se fossem membros da família” (2002, p. 53) e é nesse tipo de acomodação, que se experimenta a verdadeira hospitalidade. Posteriormente, essa concepção foi levada a esfera comercial onde esses atos de hospitalidade foram inserido na forma convencional de hotelaria ou hospedagem comercial. Os hostels unem essas duas formas e ainda adiciona o fator social à hospedagem, devido aos quartos compartilhados, áreas sociais e promoção da interação entre as pessoas.

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Figura 37 - Mapa conceitual da relação espaço/patrimônio/hostel

Fonte: Elaborado pelo autor (2014).

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A figura 38 ilustra a proposta de um conceito de hostel, proposta essa que é o objetivo

principal desse trabalho. Pode-se constatar que os hostels são um meio de

hospedagem social que possuem um grande potencial de constituírem uma opção

viável para os meios de hospedagem no turismo sustentável. Ele se apoia em uma

grande base matricial (1) da qual nascem os três principais pilares de sustentação (2)

para esse conceito. A base dessa matriz está fundada na sua gênese histórica-social

e na relação entre homem e território, a qual não pode ser ignorada, pois é nela que

se encontra todas as interações entre o homem e o espaço, dando início as nossas

representações físicas e culturais e, consequentemente, a esse meio de hospedagem.

Isso, por conseguinte, gera uma filosofia, que é expressada em suas características

físicas e nos serviços únicos. É essencial saber que a hospitalidade (2) permeia esta

filosofia e age como fio condutor de todas as relações entre visitante e meio de

hospedagem. A hospitalidade propõe, entre outros princípios, a união entre pessoas,

povos e culturas, o acolhimento honesto de desconhecidos, oferecendo-lhes auxílio e

amparo e propiciando a troca de conhecimento entre anfitrião e visitante. Essa filosofia

de hospitalidade, que se traduz no tipo de infraestrutura e serviços que serão

oferecidos aos hóspedes, acaba por definir uma nova relação entre sujeito acolhedor

e sujeito acolhido (3). Essa relação, informal e de maior intimidade do que a percebida

na hotelaria convencional, permite ao ser acolhido se aproximar mais facilmente e

profundamente na cultura local e de outros viajantes que se encontram no

estabelecimento. Além disso, o caminho dessa interação também é inverso (4). O

sujeito acolhedor, geralmente representado na figura do recepcionista, participa de

atividades e eventos, intra/extra hostel, junto com o hóspede. Inevitavelmente ele

acaba por absorver a cultura de seus hóspedes, aprende com eles, interagindo na sua

própria viagem, se tornando parte da experiência de vida de outras pessoas, enquanto

cresce na sua própria.

Dessa relação simbiótica, entre hóspede e anfitrião, acaba-se obtendo, em alguns

casos, uma modificação na própria estrutura física do local e nos serviços, com a

influência direta do hóspede (5). O proprietário do hostel procura moldar sua estrutura

física de acordo com o perfil do público alvo, o que ocorre em qualquer ramo da

hotelaria. Mas, no caso dos hostels, os hóspedes, por vezes, acabam interagindo

diretamente nessa transformação. Como relatado pelos entrevistados, e pela

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experiência profissional desse autor, devido ao cunho comunitário dos hostels, os

hóspedes podem ajudar desde a limpeza à pequenas reformas na estrutura física,

como, por exemplo, em um desenho/pintura interna de uma sala de estar, que acaba

por decorar o local. Nos serviços, essa simbiose é ainda maior. Diversos passeios e

eventos gastronômicos são organizados pelos próprios hóspedes, quando se sentem

à vontade e dispostos para tanto, e o anfitrião participa dessas atividades como

“convidado” do grupo. Ele deixa o papel de “chefe” do recinto e passa a ser mais um

indivíduo dentro do grupo de viajantes. Essa relação de simbiose reside na essência

do entendimento do conceito de hospitalidade, de reconhecer no outro seu valor, de

comunhão cultural e pessoal.

Essa relação única acaba por influenciar diretamente o território turístico (6), pois o

ser acolhedor que fica, absorve parte do ser acolhido que parte. Ele se modifica a

cada hóspede e acaba por modificar seu espaço, sua casa. Cada viajante leva consigo

uma parte daquele local, daquela pessoa. As ações dos hosteleiros perante seu local

de moradia, seu local turístico, serão direcionadas à promoção e conservação desse

último, pois no orgulho da partilha desse patrimônio reside o cuidado com o mesmo.

O turismo sustentável completa seu ciclo de visitação, mas as memórias e amizades

perduram para sempre (ver figura 38).

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Figura 38 – Representação gráfica do conceito hostel

Fonte: Elaborado pelo autor (2015)

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A título meramente ilustrativo e lúdico, propôs-se criar mais uma representação visual

do conceito de hostel, em forma de um possível logo desse meio de hospedagem que

traduzisse a essência do mesmo (ver Apêndice F). Esse logo foi idealizado a partir da

letra “H”, inicial da palavra Hostel, e composta das palavras ditas com maior frequência

pelos entrevistados, palavras essas que expressam a essência desse meio de

hospedagem. Essa representação gráfica é chamada de Word Cloud (nuvem de

palavras, em tradução nossa, literal), ou ainda Tag Cloud (nuvem de tags ou

etiquetas/palavras-chave). É uma representação visual de dados de texto,

normalmente usada para descrever metadados de palavras-chave (tags) em sites ou

para visualizar, de uma forma facilitada, um texto livre. Ainda pode ser considerada

uma lista hierarquizada visualmente, uma forma de apresentar os itens de conteúdo

de um texto extenso (HALVEY e KEANE, 2007).

Quanto ao esclarecimento etimológico, os entrevistados, assim como o presente

autor, preferem a palavra hostel à albergue. O termo hostel, apesar de ser um

estrangeirismo, não o é desnecessário. A palavra albergue, no Brasil, possui

conotação e significados diferentes do que a palavra hostel propõe no exterior,

principalmente na Europa, América do Norte e Ásia. Internacionalmente, não somente

em países de língua inglesa, este termo é extremamente difundido e define

claramente um tipo específico de meio de hospedagem. Além disso, é claro o

preconceito que se possui quanto à palavra albergue, que pode ser entendida como

um local para desabrigados.

Adotando a palavra hostel, para designar o meio de hospedagem a que esse estudo

se refere, estar-se-ia evitando um possível preconceito derivado da ignorância quanto

a este novo meio de hospedagem e eventual confusão quanto os abrigos para idosos,

sem teto, entre outros, aos quais a nomenclatura albergue atende no Brasil. Ademais,

ao utilizar-se o termo hostel, propõe generalizar a nomenclatura e oferecer um meio

de hospedagem que atenda a um público alvo variado e abrangente, ao invés de se

referir unicamente a um tipo especifico de hospedagem que aceita somente

associados, jovens e/ou estudantes, como é o caso de alguns albergues da juventude.

A diversidade cultural é um fator tido como essencial, favorecendo o desenvolvimento

pessoal dos próprios administradores, que entram em contato com diversas culturas

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no seu ambiente de trabalho. Os hosteleiros também discursam que esse fator é um

dos de maior apelo à imagem desse meio de hospedagem para o seu público alvo, os

backpackers procuram, além de um local que seja original ao destino visitado, por um

ambiente culturalmente diversificado, onde possam trocar ideia e experiências com os

hóspedes do hostel onde se encontram.

Em retrospectiva, o primeiro aspecto que se deve considerar para a elaboração do

conceito de hostel é a carga histórica que esse meio de hospedagem possui. Esse

meio de hospedagem é único e diferenciado por que possui na sua gênese história

aspectos que determinaram claramente suas características atuais. As revoltas e

movimentos revolucionários sociais são a explosão do ser humano suprimido à animal

por demasiado tempo. Uma dessas revoltas não buscou o embate direto ou o combate

armado contra a sociedade vigente. Eles preferiram se retirar das cidades, deixando

o opressor impotente, não detentor de seu destino. Decidiram voltar à natureza, à

musica, à uma alimentação saudável, à uma vida simples e em harmonia com os

demais. Por se ausentarem do papel de oprimidos, se tornaram livres. Criaram, na

Alemanha de seu tempo, com este ato de retiro, um impacto tão grande quanto outros

movimentos que foram às armas. Este movimento, que acaba por influenciar a

essência dos albergues da juventude na Alemanha, início do século XX, é chamado

de Wandervogel. O qual criou um meio de hospedagem alternativo, uma válvula de

escape às mazelas do capitalismo do seu tempo.

Em um segundo momento deve ser considerar a clara a presença e grande influência

da hospitalidade na formação e propagação dos albergues da juventude, na Alemanha

e, finalmente, no mundo. A filosofia alberguista promove o contato social; os hostels,

principalmente os privados, são, geralmente, empresas familiares e tem uma certa

autonomia em relação à indústria hoteleira e, consequentemente, conseguem expor,

mais facilmente que os hotéis convencionais, demonstrações de hospitalidade

verdadeira; e o papel do recepcionista num hostel é fundamentalmente o de um

anfitrião.

Diante do exposto, cabe a reflexão para futuras pesquisas: se a hospitalidade e uma

dádiva, portanto desinteressada, e legítima a apropriação do termo pelo turismo? Se

a resposta que se busca é otimista, então demonstrações dessa verdadeira

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hospitalidade no turismo é possível através dos hostels, com maior facilidade, do que

talvez, nos tradicionais empreendimentos hoteleiros. Haja vista que, de acordo com o

alberguismo contemporâneo, esse meio de hospedagem busca criar elos sociais

através da sensibilidade para os assuntos coletivos e culturais. O Alberguismo busca,

também, além de proporcionar um meio de hospedagem à um público alvo,

proporcionar uma relação turística mais íntima e humanista, aproximando as pessoas,

culturas diferentes através da relação entre ser acolhedor e ser acolhido, e assim,

eventualmente, aproximando os povos. A educação da hospitalidade, privada e nas

instituições de ensino, é assimétrica. Coloca-se que a hospitalidade como a qualidade

na prestação de serviços turísticos, como uma rua de mão única, onde o ser acolhedor

recebe, agrada e ensina, o ser acolhido sobre sua cultura. Porém, a hospitalidade, em

sua essência é uma troca de experiências entre ser acolhedor e ser acolhido.

Quanto à gênese desse meio de hospedagem no Brasil, pode-se considerar que a

ausência de movimentos sociais de origem popular no país, ou a fraqueza com que

estes se manifestam esporadicamente e de maneira breve, sem organização e real

impacto social, dificulta a implantação de novos valores, novas realidades que

favoreçam as camadas sociais alienadas. Essas camadas sociais e os demais

segmentos alternativos da sociedade, atreladas aos velhos conceitos em vigência ou

a novos impostos pelas classes superiores, ficam marginalizados ou excluídos do foco

principal do desenvolvimento social, e em último caso da corrente principal do turismo.

O personalismo, quando prolongado em demasia num determinado espaço/tempo,

torna-se uma oligarquia, e elimina qualquer chance de movimentos liberalistas. Por

um lado, assegura uma estabilidade política aparente, pois a insatisfação popular fica

suprimida e ignorada. Sem poder de união, diversos segmentos da sociedade se

percebem como isolados, incapazes de requisitarem seus desejos e direitos. No caso

especifico dos hostels dentro do turismo, vale notar que este movimento vem

ganhando força constantemente, e o fato desse meio de hospedagem possuir um

caráter revolucionário e social, espera-se que tenha forças, num futuro bem próximo,

de gozar de direitos básicos, assim como outros segmentos já o fazem. Em uma

tentativa de conceituar a essência dos albergues da juventude, deve-se ir além do

simples meio de hospedagem, pode-se dizer que estes fazem parte dos movimentos

sociais juvenis do século XX, que procuram pelo intercâmbio cultural, a troca de

experiências e a união entre grupos.

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De uma maneira geral, em relação à essência dos hostels, quando questionados

sobre essa, os proprietários/gerentes de Florianópolis declararam que esses meios

de hospedagem são um local de união entre pessoas, entre culturas e de

entendimento entre diferentes povos. Um local de troca de experiências, de energia,

de sentimentos e sensações, de interação entre pessoas, de experiências de vida.

Um ambiente familiar, social e descontraído. Um local de convergência de pessoas,

de encontro de histórias, de amizade, onde as pessoas se sentem em casa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O turismo da juventude é de extrema importância econômica e social. O perfil dessa

“juventude” é interativo, ambientalmente consciente, sedento por cultura, viaja pelo

destino visitado por mais tempo e em maior profundidade. Esse perfil tem nos hostels

seu maior meio de hospedagem. No entanto, a pesquisa acadêmico-científica sobre

esse tema é recente, assim como o advento dos hostels no Brasil, e carece de

aprofundamento. Essa presente pesquisa não pretende determinar definitivamente a

filosofia, serviços e áreas físicas essenciais desse meio de hospedagem no Brasil,

mas sim iniciar uma investigação, um esboço do que virá a ser essa classificação

oficial. Apresentar um possível caminho a ser trilhado pelas instituições de ensino e

poder público e privado para a construção de conceitos que se traduzam em um meio

de hospedagem original e honesto às suas raízes.

As limitações temporais, financeiras e espaciais do autor quanto à pesquisa

contribuíram para resultados relativamente iniciais/superficiais, mas não menos

esclarecedores e reveladores. Portanto, faz-se extremamente necessário um

aprofundamento da pesquisa bibliográfica, mas principalmente da pesquisa de campo,

fundamental para averiguação dos dados levantados. O fomento à pesquisa sobre

esse tema é essencial para o sucesso e promissor futuro deste meio de hospedagem,

pois somente assim as instituições de ensino estarão munidas de conhecimento

suficiente para ser repassado aos poderes público e privado. Para que, num futuro

próximo, os hostels sejam considerados um meio de hospedagem alternativa, afim de

suprir algumas necessidades do planejamento turístico sustentável, devemos,

primeiramente, conhecer a fundo a essência desse meio de hospedagem. Deve-se

desenvolver, harmoniosamente, novos empreendimentos conectados à visão de

mundo e turismo contemporâneos e sustentáveis, para que empreendedores e

público-alvo possam usufruir de um meio de hospedagem honesto às suas raízes,

digno de uma classificação oficial e ser visto como o meio de hospedagem que

realmente é, e não simplesmente uma sombra do original.

Quando se trata da definição de um público alvo, não é da opinião do presente autor

que a essência do espírito humano quando reduzida à categorias seja totalmente

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correta e adequada. Porém, o ato de categorização auxilia no entendimento de um

determinado objeto. No entanto, deixa margens para suposições que diferem do

modelo e exceções que fogem à regra. O modelo psicográfico de Plog (1991), apesar

de útil para a compreensão de um perfil de pessoas quando em viagens, não é

necessariamente correto o tempo todo. Há pessoas que não se encaixam em

nenhuma das descrições propostas. Existem indivíduos que em um determinado

momento de vida ou estado de espírito pessoal podem ser classificados como

psicocêntricos, e em outro momento como mesocêntricos. Há indivíduos que variam

de viagem para viagem. Em determinada ocasião procuram por aventura e em outro

a conveniência. O importante é saber que os hostels estão abertos a todos os tipos

de pessoas e que, esse tipo de turismo, assim como os hostels, servem como um

meio de propagação cultural, união e entendimento entre os povos.

Ademais, é importante lembrar que nem todos os hostels possuem esse caráter

extremamente comunitário, solidário, social e hospitaleiro. Há estabelecimentos que

tentam manter o espírito alberguista presente, mas de uma maneira muito mais formal

e sem a interação mutua entre recepcionista e hóspedes. Estes locais geralmente

pertencem a grandes cadeias hosteleiras, como a rede Plus Hostels, que investe

neste meio de hospedagem aliando um pouco de sua filosofia e formatação física a

um modelo hoteleiro tradicional. Estes locais, ainda que pequem pela falta de um

anfitrião atuante, possuem características suficientes para serem caracterizados

como hostel. No entanto, há estabelecimentos, como colocado anteriormente na

problemática deste estudo, que não oferecem as condições mínimas que se espera

desse meio de hospedagem. Como no Brasil não há uma classificação oficial, espera-

se que essa pequena contribuição acadêmica possa abrir ideias e novos conceitos

que determinarão em um futuro próximo o que é um hostel, ou pelo menos parte dele.

Devido à novidade desse segmento de mercado no Brasil, à inexistência de uma

classificação oficial do mesmo por parte do MTur, e à baixa produção acadêmica sobre

o tema, novos caminhos de pesquisa se abriram no decorrer desse estudo.

Na relação dos hostels com o território turístico e o espaço que ocupam, percebe-se

que esses possuem uma relação de conservação, renovação, reutilização e

promoção. Se há algo de fugaz, de transitório e de efêmero na relação entre turismo

e território, isto se dá, indubitavelmente, de forma mais evidente, no chamado turismo

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de massa e na hotelaria convencional. Se é verdade que poucas pessoas quando em

férias possuem a ousadia e a coragem de se aventurar fora dos rígidos programas e

horários estabelecidos pelos pacotes turísticos, principalmente em território brasileiro,

que procuram meios de hospedagem alternativos, cabe à academia esclarecer certos

conceitos e disponibilizá-los aos visitantes. Assim, esses visitantes estarão munidos

de informação e poderão tomar decisões concisas. Esses meios de hospedagem

podem proporcionar ao turista uma apropriação mais humana e profunda com a

localidade receptora, através da hospitalidade e do patrimônio histórico que este ajuda

a preservar. Vimos como o território age sobre o ser humano e vice-versa, e por

consequência dessa interação, eventualmente, o patrimônio histórico é estabelecido.

Vimos como nasceram os albergues da juventude, da decorrência dessa interação

socioespacial. Vimos como estes estão ligados diretamente, em sua gênese, à

conservação do patrimônio e como, através de sua filosofia, oferecem ao turista uma

experiência menos fugaz com o destino turístico, com o meio de hospedagem, com

outros viajantes e com os moradores locais. Vimos, finalmente, que no exterior este

meio de hospedagem é difundido, respeitado social e economicamente.

No entanto, no Brasil há um certo descaso, falta de conhecimento e até preconceito,

com este tipo de acomodação. Esta situação se deve ao recente advento deste meio

de hospedagem em nosso país, às relações estabelecidas em sua chegada,

diferentes das relações originais e ignorância de sua filosofia. No Brasil, o processo

de industrialização e urbanização foram rápidos e exploratórios em demasia, em

muitos casos a apropriação do território se deu de forma indevida, interferindo

negativamente no turismo e na conservação do patrimônio cultural edificado.

Consequentemente, há apropriação de ambos território e modos de produção –

refletidos na absorção de cultura e conceitos exógenos – também de forma indevida,

como é o caso dos hostels. Há, recentemente, uma expansão do número destes

empreendimentos em um curto espaço de tempo, visando suprir uma nova demanda,

mas não há a preocupação com a delimitação de sua filosofia, missão, suas áreas

físicas, características essenciais e serviços.

Quanto aos serviços hosteleiros, é essencial mencionar, também, que a

disponibilização dos lockers foi um serviço pouco mencionado pelos empreendedores

de hostels em Florianópolis. Apenas um entrevistado mencionou esse serviço como

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essencial. Vale ressaltar que os lockers são um fator oferecido pelos youth hostels

desde sua gênese e visa a segurança dos pertences pessoais dos ocupantes dos

estabelecimentos. Essa segurança de um patrimônio pessoal físico (bolsa, carteira,

laptop, dinheiro, passaporte) acaba refletindo na segurança psicológica do hóspede e

influencia diretamente no bem-estar de sua estadia. Caso seus pertences estejam

seguros, ele pode relaxar e aproveitar a vida em grupo dentro e fora do hostel. Isso

reflete talvez o estado de desconforto dos hóspedes brasileiros quanto a se

hospedarem nesse tipo de acomodação. Percebendo que seus bens não estão

resguardados, esse viajante pode entrar em estado extremo de desconforto, gerando

medo, separação e insatisfação. A adição desse serviço ao hall dos já existentes dos

hostels, sejam de Florianópolis ou de qualquer cidade brasileira e mundial, é tido como

essencial para a caracterização desse meio de hospedagem e seu sucesso comercial.

A gastronomia é um componente essencial da experiência turística e, por vezes, é o

principal atrativo turístico de um destino e ainda pode agir como a força motriz de uma

viagem. A culinária e/ou a gastronomia representa a hospitalidade e a cultura do

destino de uma maneira única, onde o visitante pode provar, literalmente, do local

visitado, ao invés de somente observá-lo, levando-o a um contato íntimo com o

patrimônio imaterial do lugar visitado. Para os hostels isso não é diferente. Desde sua

gênese há uma ligação entre esse meio de hospedagem e a alimentação, não só

como reposição biológica, mas como forma de hospitalidade. Notou-se no discurso

dos entrevistados que a culinária e/ou a gastronomia representa um fator essencial

da composição de um hostel. O café-da-manhã é tido como um fator crucial na

integração do grupo hospedado.

Mas, a menção de maior importância fica para os eventos culinários/gastronômicos

realizados no período noturno, pelos hóspedes, pelo anfitrião ou ambos. Essas jantas

ocorrem em todos os hostels entrevistados, cada um possui sua maneira de organizar

esse evento, sendo o mais comum os churrascos. Um hostel em particular, fomenta o

que foi chamado de jantar temático. Duas vezes por semana, o proprietário fornece

todos os ingredientes, e cada hóspede ou grupo de hóspedes de um país diferente

ficam encarregados de fazer um prato de seus país de origem. O resultado é diversas

pessoas cozinhado juntas e compartilhando histórias, ideias e comida de diferentes

culturas num mesmo ambiente. Vale ressaltar que todas essas experiências

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culinárias/gastronômicas são sempre acompanhadas de um fator limitante primordial,

o desejo de economizar, de poupar, enquanto realizam essas atividades.

Aparentemente, o perfil do backpacker demonstra que é na alimentação onde mais se

pode economizar, afim de estender a viagem, assim como a economia na

acomodação, daí, também surgem os hostels como meio de hospedagem favorito.

Há um tom antagônico no discurso coletivo dos hosteleiros, pois a diversidade cultural,

citada como aspecto essencial aos hostels, é apontada, também, como a maior

dificuldade em se administrar um hostel. Administrar dezenas de pessoas de

diferentes formações culturais, línguas e costumes pode ser, em alguns casos,

conflitante e extenuante. O hosteleiro se vê, muitas vezes, fazendo malabarismos

culturais, procurando conciliar um grupo multicultural que ocasionalmente não

consegue encontrar uma harmonia. Haja vista que praticamente tudo em um hostel é

feito coletivamente. De acordo com os hosteleiro, esses conflitos ocorrem, em sua

maioria, quando há um tipo de viajante desinformado, desacostumado ou insatisfeito

com a proposta de sociabilidade e coletividade de um hostel. Essas ocorrências

acontecem com maior frequência quando o viajante brasileiro entre em conflito com o

estrangeiro. Devido à desinformação do brasileiro quanto à filosofia alberguista e o

conceito desse meio de hospedagem, muitos acabam por se hospedar nesse tipo de

meio de acomodação esperando um hostel barato, com privacidade e exclusividade.

Quando se depara com a vida em comunidade, expressa sua frustração se fechando

do restante do grupo e reclamando da gestão com o hosteleiro.

Quanto ao cooperativismo dos hostels de Florianópolis, apesar de o histórico dos

albergues da juventude mostrar um espírito de união e cooperação entre os

estabelecimentos, nessa cidade o panorama é diferente, com a cooperação ainda em

estágio inicial e a concorrência superando-a, assim como em outros destinos turísticos

no Brasil. Em países como República Tcheca e até mesmo em nossos países vizinhos

como Uruguai e Argentina, os hostels se encontram unidos e bem definidos.

Entretanto, em Florianópolis os empreendimentos mostram um grande potencial de

crescimento comercial e estão caminhando em direção à filosofia e conceitos originais

essenciais a esse meio de hospedagem. O poder de cooperação dos hostels, através

de sua filosofia, pode colocá-los como opção de renovação conceitual dentro da

hotelaria e do desenvolvimento do turismo sustentável e para o planejamento de

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destinos turísticos, através do potencial de conservação do patrimônio cultural e

histórico edificado. Pois, essas partes quando interagem e produzem hostels de

caraterísticas próprias em locais únicos, colaboram na interação entre visitantes e

anfitriões, conservando o patrimônio cultural dos lugares onde se encontram,

auxiliando no desenvolvimento do turismo com ambições sustentáveis. Portanto,

deve-se reunir esforços, dentro do turismo, em nossos lares e em ambientes públicos

afim de propagar a ideia e atos de hospitalidade, no intuito de prover aos nossos

familiares, cidadãos de nosso país e estranhos, um mundo mais cordial e humano.

Em um futuro próximo, quando uma classificação oficial for proposta, o MTur deve

considerar outras categorias, como as propostas por esse estudo, para avaliar um

determinado empreendimento que se intitule como tal. Essas questões podem ter

mais ou o mesmo peso do que os aspectos tradicionalmente considerados para se

caracterizar outros tipos de acomodação, como os hotéis, por exemplo. Esse estudo

não se considera definitivo, muito pelo contrário, apenas abriu algumas poucas

categorias e possibilidades que se devem ser exploradas. Uma classificação oficial

desse meio de hospedagem deve abranger o maior número possível de estudos sobre

o tema, que ainda é embrionário em nosso país.

Diversas limitações de estudo foram observadas, entre elas a temporal e financeira

desse pesquisador. Um questionário mais completo, aplicado à uma amostra mais

abrangente é extremamente necessário para a validação dos resultados preliminares

aqui obtidos. Durante o estudo novas áreas de questionamento, que antes não

haviam sido contempladas, foram levantadas. Como, por exemplo, a questão da

contratação do recepcionista. Como se dá esse processo em detalhes? Haja vista que

essa figura é essencial para a existência desse meio de hospedagem. Outra questão

ainda a ser abordada é uma melhor caraterização do público alvo brasileiro e suas

próprias opiniões e ideias sobre esse meio de hospedagem. Um estudo voltado

especificamente aos backpackers é essencial para o entendimento dos hostels no

Brasil. Somente abordando esses aspectos e outros que ainda poderão surgir é que

um conceito oficial poderá ser lançado. Conceito esse que faça jus à essência desse

meio de hospedagem, para que num futuro próximo a palavra hostel possa ser

compreendida e ser escrita sem a necessidade do grifo itálico.

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APÊNDICES

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223

Apêndice A – Termo de consentimento livre e esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) para participar de uma pesquisa acadêmica. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que é apresentado em duas vias. Uma delas é sua e a outra do pesquisador responsável. Não há nenhum custo para a participação, não há nenhuma responsabilidade quanto ao conteúdo das respostas. A qualquer momento, você poderá desistir de participar e retirar seu consentimento.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA

HOSTELS: análise socioespacial, proposta conceitual e panorama atual em Florianópolis (SC)

Pesquisador responsável : Álvaro Augusto Dealcides Silveira Moutinho Bahls Professor orientador : Dra. Raquel Maria Fontes do Amaral Pereira Telefone celular : (47) 8457-2737 Secretaria do mestrado : (47) 3261-1315 E-mail : [email protected] R.G. : 6.154.521 C.P.F. : 033.613.269-74 Assinatura do pesquisador : Esta pesquisa faz parte de uma dissertação de Mestrado em Turismo e Hotelaria da Universidade do Vale do Itajaí. Tem como objetivo delinear as características essenciais e singulares do meio de hospedagem hostel. O conteúdo desta entrevista será gravado e transcrito para a dissertação, sem qualquer identificação do respondente.

CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO

Eu

1. Concordo em participar do presente estudo como sujeito. 2. Declaro que fui devidamente comunicado e esclarecido sobre o teor da pesquisa. 3. Foi assegurado que não haverá nenhuma identificação, ônus, comprometimento legal de minha

pessoa e/ou do estabelecimento, quanto ao conteúdo de minhas respostas. 4. Sei que posso retirar meu consentimento a qualquer momento.

Assinatura do entrevistado: RG.

Data : ........../........../........... Local : ..............................

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Apêndice B – Questionário do perfil dos empreendedores

PERFIL DO ENTREVISTADO

1. Gênero

1.1 Masculino [ ]

1.2 Feminino [ ]

2. Estado civil

2.1 Casado [ ]

2.2 Solteiro [ ]

2.3 Divorciado [ ]

2.4 Viúvo [ ]

3. Idade

3.1 Entre 18-25 [ ]

3.2 Entre 26-30 [ ]

3.3 Entre 31-40 [ ]

3.4 Entre 41-50 [ ]

3.5 Entre 51-60 [ ]

3.6 Acima de 60 [ ]

4. Escolaridade

4.1 Fundamental [ ]

4.2 Médio [ ]

4.3 Superior [ ]

5. Frequência de viagens

5.1 Uma vez por ano [ ]

5.2 Duas vezes por ano [ ]

5.3 Três ou mais vezes [ ]

6. Meio de transporte utilizado

6.1 Carro [ ]

6.2 Ônibus [ ]

6.3 Avião [ ]

6.4 Navio [ ]

6.5 Outros: ....................................

7. Meio de hospedagem mais utilizado

7.1 Hotel convencional [ ]

7.2 Hostel HI [ ]

7.3 Hostel independente [ ]

7.4 Pousada [ ]

7.5 Resort [ ]

7.6 Camping [ ]

7.7 Couchsurfing [ ]

7.8 Outros: ....................................

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8. Local de residência

8.1 Imóvel próprio [ ]

8.2 Imóvel alugado [ ]

8.3 No próprio hostel [ ]

8.4 Anexo ao hostel [ ]

9. Profissão

9.1 Hostel [ ]

9.2 Hoteleiro [ ]

9.3 Comerciário [ ]

9.4 Profissional liberal [ ]

9.5 Trabalhador agrícola [ ]

9.6 Professor [ ]

9.7 Funcionário público [ ]

9.8 Aposentado [ ]

9.9 Outros: ....................................

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Apêndice C – Questionário do perfil dos hostels

PERFIL DO EMPREENDIMENTO

1. Área total (m2)

1.1 Até 200 [ ]

1.2 De 201 a 300 [ ]

1.3 De 301 a 400 [ ]

1.4 De 401 a 500 [ ]

1.5 A cima de 500 [ ]

2. Número total de leitos

2.1 Até 15 [ ]

2.2 De 16 a 30 [ ]

2.3 De 31 a 50 [ ]

2.4 De 51 a 70 [ ]

2.5 Acima de 70 [ ]

3. Número de dormitórios

3.1 Até 01 [ ]

3.2 De 02 a 04 [ ]

3.3 De 05 a 07 [ ]

3.4 De 08 a 10 [ ]

3.5 Acima de 11 [ ]

4. Tipo de dormitório (no de camas)

4.1 Até 05 [ ]

4.2 De 06 a 10 [ ]

4.3 De 11 a 15 [ ]

4.4 De 16 a 20 [ ]

4.5 Acima de 21 [ ]

5. Possui beliches?

5.1 Sim [ ]

5.2 Não [ ]

6. Número de quartos privados

6.1 Até 01 [ ]

6.2 De 02 a 04 [ ]

6.3 De 05 a 07 [ ]

6.4 De 08 a 10 [ ]

6.5 Acima de 10 [ ]

7. Número de funcionários

7.1 Até 02 [ ]

7.2 De 03 a 05 [ ]

7.3 De 06 a 10 [ ]

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7.4 De 11 a 15 [ ]

7.5 Acima de 15 [ ]

8. Sala de TV

8.1 Não possui [ ]

8.2 Até 01 [ ]

8.3 De 02 a 03 [ ]

8.4 Acima de 03 [ ]

9. Sala de estar

9.1 Não possui [ ]

9.2 Até 01 [ ]

9.3 De 02 a 03 [ ]

9.4 Acima de 03 [ ]

10. Cozinha

10.1 Não possui [ ]

10.2 Até 01 [ ]

10.3 De 02 a 03 [ ]

10.4 Acima de 03 [ ]

11. Área social externa

11.1 Não possui [ ]

11.2 Até 01 [ ]

11.3 De 02 a 03 [ ]

11.4 Acima de 03 [ ]

12. Área de jogos

12.1 Não possui [ ]

12.2 Até 01 [ ]

12.3 De 02 a 03 [ ]

12.4 Acima de 03 [ ]

13. Lockers

13.1 Não possui [ ]

13.2 Individual [ ]

13.3 Coletivo [ ]

14. Empreendimento sazonal

14.1 Sim [ ]

14.2 Não [ ]

15. Estrutura de A&B

15.1 Restaurante [ ]

15.2 Lanchonete [ ]

15.3 Bar [ ]

16. Café da manhã

16.1 Sim [ ]

16.2 Não [ ]

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17. Serviço de lavanderia

17.1 Sim [ ]

17.2 Não [ ]

18. Internet

18.1 Não [ ]

18.2 PC [ ]

18.3 Wi-Fi [ ]

19. Diária em dormitório (média)

19.1 Até R$ 30 [ ]

19.2 De R$31 a R$50 [ ]

19.3 De R$51 a R$70 [ ]

19.4 Acima de R$70 [ ]

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Apêndice D – Guia de entrevista com empreendedores

ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DO EMPREENDIMENTO:

Conte um pouco de sua história de vida

Onde e quando nasceu, infância, adolescência, formação escolar, formação de seus pais, suas

viagens, experiências com hostels. Qual é sua religião? Suas visões políticas. Qual é sua filosofia

de vida? Opiniões sobre a revolução industrial, hippies.

Conte sobre a história do seu hostel

Data de fundação. Descreva os acontecimentos marcantes do seu empreendimento. Porque

abrir um hostel a outro meio de hospedagem? Você é/era mochileiro, fica/ficava em hostels?

Descreva essas experiências. Porque um hostel em SC? Considerou fechar as portas?

Você conhece a história da origem dos albergues da juventude no exterior e/ou no Brasil?

ESTRUTURA FÍSICA:

1. Na sua opinião, quais as áreas físicas que um hostel deve possuir? Por que?

2. Dentre estas, qual é a principal área física de um hostel?

SERVIÇOS:

4. Quais os tipos de serviço que um hostel deve oferecer?

5. Na sua opinião, qual é o serviço mais importante a ser oferecido ao hóspede?

HOSPITALIDADE:

7. Qual é o papel do recepcionista em um hostel?

8. Você acha que um hostel é a 2a casa do viajante? Justifique?

9. Possui amizades com hóspedes do hostel?

10. A gastronomia é importante para a experiência do hóspede no hostel? Por que?

OUTROS ASPECTOS:

11. Na sua opinião, porque as pessoas escolhem se hospedar em um hostel?

12. Quais os pontos negativos de se ter um hostel?

13. Você prefere o termo hostel ou albergue da juventude? Justifique?

14. Como você contrata o recepcionista?

15. Qual é a principal diferença entre um hostel e um hotel?

16. Você poderia definir, em poucas palavras, a palavra hostel?

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APÊNDICE E – Transcrição da entrevista de número 09 (04 de maio de 2015)

Entrevistador: eu acho que muita da história pessoal tem a ver com o porquê

escolhemos uma profissão, então antes de começar com a história do hostel eu

gostaria que você falasse um pouco sobre você.

Sujeito 09: Eu nasci em Pernambuco, Recife, em dezenove de fevereiro de setenta e

quatro, cresci em Recife e cursei Técnica Agropecuária e depois Zootecnia e trabalhei

muito tempo viajando implantando projetos de inseminação artificial. Trabalhava como

veterinário, fui um dos primeiros a fazer congelamento de sêmen a campo. Então a

gente tava sempre viajando ficando em alojamento, e eu sempre tive essa coisa de

viajar com a mochila, com pouca coisa e se deslocar pra um…talvez isso tenha

influenciado na busca por meio de hospedagens mais alternativos, menos

convencionais do que a gente tem aqui e aí sim eu entrei em contato com hostel.

Depois num outro momento minha vida, quando eu decidi que não gostaria mais de

trabalhar com Zootecnia, com a produção comercial, lidando com animais, eu comecei

a migrar de área. Tirei um ano sabático pra viajar um pouco, migrei um pouco de área,

tive um restaurante por três anos e depois fui trabalhar em hotelaria. Comecei por

indicação de um amigo no Hotel X em Y, Rio Grande do Norte, ali vizinho a praia da

Pipa e entrei como auxiliar da gerencia, porque não tinha experiência dentro da área

de hotelaria, mas tinha várias experiências ali que poderiam me ajudar em coisas

diferentes, então entrei como coringa ali para atuar em várias áreas. Poucos meses

depois, o gerente geral do hotel que também acumulava a função gerente de obras e

manutenção... o hotel estava em um momento de expansão, e ele saiu, se demitiu do

hotel. E o RB, chamou a gerente de A&B, o gerente de hospedagem e a mim que era

o auxiliar da gerencia para informar que ele não contrataria um outro gerente geral no

meio da temporada, que não conhecia o hotel dele, que tinha mais chances de errar

do que acertar. Então automaticamente, eu fui pra função de gerente de manutenção,

pra cuidar de toda essa parte de construção e tal. Porque já tinha dentro do curso de

Técnica em Agropecuária, a gente tem a parte de construções e instalações, e um

pouco de desenho. Então eu tinha uma boa experiência com obras e tal. E no final

da temporada, ele disse “como você, por ser mais coringa, acabou nessa área, então

obviamente não tenho a intenção de contratar um outro gerente geral e você vai ficar”.

Fiquei lá por dois anos e meio, então assim foi meu contato com a parte de

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hospedagem e hotelaria. Mas na própria Praia da Pipa já tinha um hostel, como o Pipa

Hostel e outros, e a gente já conhecia os proprietários, fazia uns eventos lá fora da

temporada pra quem não era morador e quem era local. Então a partir daí sempre que

podia viajar ficava em hostel porque tinha essa coisa da interação com as pessoas,

porque normalmente como eu viajo sozinho, então pra não ficar ali em uma pousada

ou num hotel pra não ficar ali meio deslocado então o hostel possibilita essa interação

entre as pessoas o que é o mais interessante do hostel. E viajei por algum tempo

ficando em hostel. Acabei dando aula de vela, num hostel na Praia de Jabaquara em

Parati. Eu morei em Parati por três anos, no primeiro ano lá, passei dando aulas de

vela. O hostel tinha uma estrutura de náutica importante e tinha um pequeno veleiro,

um Paturi dezesseis, com cinco metros, quarto hobie cats e caiaques. E como nesse

meio tempo entre a saída do hotel e estado em Parati, eu fiz algumas coisas e uma

delas foi aprender a velejar. E eu trabalhei na construção de um veleiro e tava em

Parati esperando um projeto de construção de outro. Então com já tinha esse vínculo

com hostel, acabei me identificando com essa questão de náutica e trabalhei lá por

um ano inteiro, dois verões ali. E depois com a vinda pra Florianópolis em dois mil e

treze eu tive num hostel com a parte de bar, massagem e também com a parte de

fazendo algumas guiadas porque eu fiz o curso aqui de formação de condutores em

Florianópolis com o pessoal do AdrenaIlha e até chegar ao ponto de o hostel X estar

no processo de fechar como hostel e só alugar os quartos pra mensalistas e ai surgiu

a oportunidade de fazer a proposta pra arrendamento do hostel X. Isso em setembro

do ano passado, foi então a primeira temporada nossa, vamos pegar a primeira baixa

temporada, depois desse processo, mas ele está indo muito bem, tem satisfeito

bastante.

E: esse ano sabático que você tirou como viajante, foi para onde?

S09: Foi uma época que eu tava viajando muito pelo Brasil, que tive a chance de

conhecer bem o Brasil de ficar meses em várias regiões. Algumas eu morei depois.

Mas hoje, de Manaus a Florianópolis, eu conheço quase todas as regiões, ainda me

falta o Rio Grande do Sul, o Acre, Rondônia e Roraima e só. Os outros estados eu

conheço bem assim, capitais e interior, foi uma boa temporada.

E: E chegou a viajar para o exterior em alguma ocasião?

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S09: Sim pro Caribe por um ano. Então, fomos velejando pro Caribe, pra entregar um

dos veleiros que a gente trabalhou na construção. Fiquei por lá fazendo a reforma de

um outro veleiro, pra trazer de volta pro Brasil e aí surgiu a oportunidade de estar em

algumas regiões, Ilhas Margaritas na Venezuela, San Martin, Curaçao, Porto

Elizabeth, San Vincent Granadino.

E: E você fala algum idioma estrangeiro?

S09: Então, meu inglês tava bem enferrujado, nessa temporada eu pude praticar

bastante, porque eu tava bem enferrujado. Agora eu já bem melhor.

E: E alguma coisa da tua infância e adolescência que fez você, pelo que eu percebo,

ter esse interesse ou até paixão por viagem, por línguas e consequentemente pelos

hostels?

S09: é, eu tive esse desapego na infância por conta do meu pai. Ele trabalhava pra

companhia de energia elétrica do estado, cada vez que ele fazia um curso interno ou

recebia uma promoção, acabava tendo uma transferência de cidade, então a gente

tinha a média de um ano, dois anos em cada cidade, e mudando, então não tinha esse

apego da escola que eu estudei a vida inteira ou aquele amigo de infância que eu

conheço a dez, quinze, vinte anos. Então tinha essa coisa de lidar bem com a

mudança. Fiquei um tempo no litoral pernambucano, uma área que recebia muitos

turistas, onde um dos meus grandes amigos era filho de um francês que tinha um hotel

na Praia de São Jose da Coroa Grande. Então, a gente falava das viagens, do mundo,

trazia quadrinhos na época dos gibis de fora e pude conhecer inclusive alguns

cartunistas que são pouco convencionais e tal e teve algumas coisas que

influenciaram nessa coisa de gostar de uma diversidade, gostar do mar e achar que o

mundo não é tão pequeno assim, dá pra conhecer coisas diferentes.

E: E a formação dos teus pais, qual é?

S09: Meu pai tinha só o ensino médio, minha mãe também. Eles não tiveram formação

superior, mas na época meu pai teve a sorte de indicação, quando eu nasci, no meio

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da ditadura militar. Então os empregos em empresas públicas não obedeciam essa

lógica atual de concurso tal, tinha muito essa coisa de indicação. Então ele foi

trabalhar numa companhia do estado que fornecia algumas regalias, então a gente

tinha, ele tinha um departamento médico da empresa, medico contratado pela

empresa de energia elétrica, mas tinham tantos médicos na folha de pagamento, que

tinha um departamento médico e ortodôntico pra tratar os funcionários e os familiares.

Estudei nas melhores escolas que cada cidade tinha, porque tinha bolsa integral da

empresa, então apesar de o meu pai não ter uma formação superior, eu pude ter

algumas regalias que outras crianças, no nordeste do Brasil dos anos setenta e

oitenta, não podiam ter.

E: E sua mãe?

S09: minha mãe sempre teve em casa, ao longo da vida ela teve uma loja de plantas,

uma coisa que funcionava mais como uma ocupação, um hobbie do que… mas ela

sempre foi do lar mesmo. Só dona de casa, tinha uma ou outra coisa, mas com quarto

filhos... éramos quatro.

E: E você é?

S09: Era o terceiro. O terceiro de quarto irmãos.

E: você contou um pouquinho dessa viagem que você fez ao Rio de Janeiro e para o

Caribe. Você construiu esse veleiro num hostel que você trabalhava em Parati?

S09: não, eu fiquei o primeiro ano, enquanto aguardava, porque o projeto da

construção de um veleiro não era nada muito imediato, as coisas são com processos

e tudo mais. Nesse primeiro ano, entre dar o orçamento e finalizar a construção de

um veleiro que foi no litoral de Pernambuco, um amigo que sabia que eu tinha curso

de desenho técnico e tal, me convidou pra olhar as plantas de um projeto, que ele

comprou de um inglês, chamado JW. E esse barco ficou pronto. E um amigo meu

espanhol fez umas fotos dele e mandou pra um amigo alemão, meio alemão, meio

português que era dono de uma galeria de artes em Berlim e tinha paixão pelos

projetos do JW, que é considerado um hippie chique na Europa nessa área de náutica.

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Ele projeta catamarãs desde sessenta e oito, baseado nas canoas polinésias. Tem

um livro e um documentário a respeito dele chamado Duas Mulheres e Dois

Catamarãs. Então o B, esse alemão que é meio português meio alemão, viu as fotos

do projeto e decidiu que queria construir um JW pra ele também. Um catamarã do JW

e nos pediu um orçamento. Então, entre entregar um orçamento, decidir-se pela

construção, decidir em que local construir, avaliar os custos tudo mais, foi um tempo

grande. Então, tinha um ano livre, por isso mudei para Parati porque tá no meio do

caminho entre Rio e São Paulo, as principais fornecedoras de madeira, resina,

ferramentas tal. E por ser uma região que tem uma náutica muito forte, tem várias

marinas, vários iates clubes, dentro de uma baia fechada.

E: Então foi construído em Parati?

S09: Foi construído em Parati.

E: E enquanto isso você trabalhou num hostel?

S09: Até iniciar mesmo a construção do veleiro. E quando começou a construção do

veleiro tive que deixar a náutica do hostel e me dedicar exclusivamente a construção

do veleiro. Quinze meses depois quando ele foi pra água, foi mais um mês testando,

regulando mastreamento. Daí partimos em viagem de Parati, Rio, Salvador, Fernando

de Noronha e depois Porto Elizabeth em São Vicente.

E: Me conta um pouco mais, se tu tiveres disposto, sobre essa viagem?

S09: A viagem foi capitaneada pelo FG, um skipper que me ensinou a velejar, meu

mestre de velas. Então fomos eu ele e o M, um amigo também, um marinheiro muito

experiente. Acho que eu era o menos experiente de todos. Fui aluno do FG, então

confiava muito nele. A escolha de San Vincent Granadino como o primeiro ponto de

parada era uma questão estratégica porque os barcos construídos artesanalmente no

Brasil, eles podem entrar sem problemas na Europa, mas os motores, que daí já

obedece uma outra regra de importação, de produto industrializado. O motor teria que

ser cortado lá, em San Vincent e Granadino há um banco offshore chamado Loyal

Bank que ele faz, ele cuida de todo o processo de transferência de bandeira para a

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bandeira de San Vincent e Granadino, que é um protetorado britânico, no Caribe.

Então, essa primeira parada foi técnica, foi estratégica. De lá a gente entregou o barco

depois da bandeira mudada, uns dez dias no máximo, para um capitão sueco que iria

transportar o barco para a Europa e de lá ele nos.... e uma coisa sobre donos de

veleiros, iates e coisas assim, eles não velejam e pra isso eles têm os skippers, esses

capitães que transportam as embarcações. Eles passeiam, eles só passeiam. É muito

raro. Normalmente é dono de veleiro pequeno que é capitão do seu próprio veleiro.

Veleiros maiores não, esse tinha, cinquenta e um pés, um barco com uns quinze

metros.

E: Então essa pessoa levou o veleiro até?

S09: de San Vincent e Granadino pra Portugal

E: No próprio veleiro, ou ele usa uma embarcação maior?

S09: Sim, sim é um breacing oceânico, um barco pra cruzar oceanos mesmo, um

barco de quinze metros né? San Vincent e Ilhas Granadinas são um primeiro mundo,

é um protetorado britânico, só que dentro do Caribe, em outras ilhas, você vai ter muito

claro assim: num lado da ilha a face mais voltada assim para as praias mais

paradisíacas, então vão ter os hotéis, as festas. E vai ter o outro lado das ilhas que é

mais da população nativa tal. Ver esses contrastes ali, especialmente, nas Ilhas

Margaritas, na Venezuela, que hoje tá bem pior, mas na época não ia muito bem assim

economicamente, questões de liberdades individuais e tal. Ver esses contrastes ali

quase que na totalidade das ilhas no Caribe é bem interessante, porque normalmente

se fala Caribe, praias paradisíacas, iates, mulher bonita de biquíni e tal. E não falam

da população nativa com a cultura aqueles de dentes coloridos e tal. Há uma

população nativa cheia de culturas ali , normalmente culturas vindas de tudo porque

tem muita influência europeia de várias regiões, as vezes uma mesma ilha já

pertenceu no passado a Inglaterra, a Espanha, a Franca, a Holanda , isto tem lá uma

mescla de influências na arquitetura das influências europeias, mas também muito da

população nativa que vivia lá, que foram mescladas, os povos africanos que foram

levados pra lá. Então, há toda uma cultura, religiosidade forte nesse povo lembra muito

coisas do interior do Brasil, na questão da religiosidade. Havia uma festa do Divino

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em Goiás, no Mato Grosso, mais para o interior do estado, ver alguns movimentos

dele vai lembrar muito isso. Então o mundo não e tão diferente assim da gente.

E: E você tem religião?

S09: Não

E: Agnóstico poderias dizer?

S09: Sim acho que agnóstico é o que mais se aproxima. Porque eu não consigo

acreditar. Mas por exemplo, não digo que Deus não existe, que uma energia, uma

força não existe. Eu pessoalmente não consigo acreditar, mas pode ser que tudo seja

exatamente como dizem, eu só não consigo crer.

E: e os hostels na sua origem, você conhece um pouco da história? O pesquisador

conta brevemente sobre a origem do primeiro hostel na Europa.

S09: Muito pouco, mas acho que essa fuga de um ambiente que tá se tornando mais

inóspito ali, inadequado pra a maneira que ele acreditava em educação, queria ter

essa vivencia mais de campo, é interessante. Acho que tem bem haver com que essa

cultura do hostel se tornou, sair do lugar conhecido, não necessariamente inóspito,

mas sair do lugar conhecido, padrão, pra ir pra um outro lugar. Estar num ambiente

que lhe possibilite ficar, lhe dá as condições mínimas para estar ali, não privilegia a

um estar com conforto máximo, com exclusividades e luxo e tal, mas lhe oferece o

mínimo para estar ali e lhe obriga a conviver com outras pessoas, num outro local. E

força a interação entre as pessoas né? Não digo nem força, mas possibilita, você tem

que estar vivendo, convivendo com pessoas, assim, no dia a dia. Essa questão da

revolução industrial, nem a vejo assim, necessariamente. como... cara, inicialmente

assim, sempre é traumático as mudanças, mas eu acho sempre desde que os

macacos desceram das árvores e iniciaram a fabricar ferramentas foi disparada uma

flecha do arco que não vai voltar mais, estamos vivendo aí todo um lindo processo,

não tem marcha ré.

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E: O pesquisador fala um pouco de como se desenvolveram os hostels nos Estado

Unidos e como eram vistos e recriminados por muitos. Eu queria que você falasse o

que você acha. Se existe essa relação ainda hoje, se já existiu enfim?

S09: E eu acho que isso inclusive alavanca um pouco o preconceito que se tem sobre

hostel hoje. Porque, claro, na linha de pensamento dos ricos ou qualquer pessoa que

tem uma visão mais... vamos pegar na época dos anos sessenta, início dos anos

setenta, final dos anos cinquenta, até que tinham essa oposição ao que se estava

colocando como esse é o padrão de vida ideal, o sonho Americano ou o ideal de

progresso e tal. Então quem se contrapôs a isso está sempre, vai sempre estar

tentando buscar formas alternativas de fazer as coisas, de viajar, inclusive de se

hospedar, de viver, de criar os filhos. É claro, eram vistos como “ah não! Esses são

contra um sistema instituído, tão querendo fazer uma revolução, acabar com o que a

gente tem, acabar com essa segurança”. Pelo menos com essa sensação de

segurança que esse mundo organizadinho nos fornece. E a lógica seria claro, pra

essa linha de pensamento buscar meios de você não se hospedar num quarto enorme,

muito maior do que você precisa só pra passar uma noite. Então estar ali dividir,

congregar junto a mesma ideia, ótimo, mas causou e acho que causa até hoje essa

visão de “ah! Muita gente no mesmo quarto”, dividindo e tal. Muito comum ver isso

aqui. Eu tive muitas experiências de pessoas que se hospedaram aqui, que fizeram

reserva, mas chegaram aqui, e que “é a primeira vez que eu vou ficar num hostel,

como é essa coisa de todo mundo dormir no mesmo quarto e tal? ” Soa como algo

meio contra as instituições.

E: Vamos falar um pouco sobre o hostel especificamente. Qual a data de fundação do

hostel?

S09: Ele é acredito de maio de dois mil e nove. De começar a preparar, abrir tudo pra

temporada e tal. E ele nasceu muito parecido com muitos hostels que eu conheci, ou

que eu fiquei sabendo. A VA, que é a proprietária do hostel, largou por um tempo,

trancou o curso de Direito e foi aos dezenove anos pra Austrália. Ela foi passar, o que

seria uma temporada de poucos meses, acabou ficando uns cinco anos por lá. Fez

um bom tour pela Europa e claro, estudante, viajando com pouco dinheiro, foi um meio

de hospedagem econômica, é que muita gente acaba chegando ao hostel pela

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questão de ser um meio de hospedagem mais barato, mais econômico. Que depois

acaba entrando em contato com essa filosofia do hostel, que é mais do que

simplesmente uma hospedagem barata. É um meio de hospedagem, onde você

conhece pessoas do mundo inteiro. Troca experiências, vive ali experiências muito

interessantes. Desde sair pra fazer trilhas juntos, ou fazer e organizar um jantar, como

a gente teve aqui. Todos resolveram cozinhar juntos e eram vinte e cinco pessoas

numa mesa de sete países diferentes juntos e tal. Essa vivência foi o que ela teve,

viajando pela Europa e na própria Austrália. E quando voltou ao Brasil, voltou

encantada com isso e era uma coisa que eu queria ter, que era um negócio que eu

seria feliz era ter um hostel. É claro, a mãe dela tem até uma linha de pensamento

mais maleável, mas o pai dela um gaúcho de pensamento muito tradicional, do interior,

disse “não, isso é um negócio que não vai dar certo, todo mundo ocupando os mesmos

quartos”. Então ele foi meio contra a ideia dela e ele não apoiou e disse “eu não dou

nenhuma ajuda, nem pra alugar um prédio, nem pra comprar um prédio pra fazer isso.

Você quer brincar de ser dona de hostel ali, eu cedo a casa de veraneio que a gente

tem num bairro no sul da Ilha, você vai lá põe seu hostel, cede alguns quartos da

casa”. O andar de cima ficou para uso da família e inicialmente só os quartos do andar

de baixo ela poderia utilizar pro hostel. Mas como ela é muito persistente, foi ali,

levando essa contrariedade dos pais, que ela ganhou inicialmente o apoio ali da mãe.

A mãe dela também se encantou com essa ideia, “ah! Um lugar pra hospedar jovens

estudantes do mundo inteiro e tal”. Ela vendeu essa ideia pra mãe e ela se encantou

com os estrangeiros que vinham pra cá. Ela achava assim tão bonzinhos, tão

educadinhos, pegam ali seu livrinho, sua água, saem pra ir à praia, voltam, não fazem

bagunça. Não era assim aquela ideia de todo mundo junto e bagunça, festa demais e

tal. E assim ela foi levando os três primeiros anos do hostel. Só que chegou um ponto

que ela tem um processo de cidadania, como ela já tem por conta dos avós, a

cidadania italiana, ela deu a entrada no processo de cidadania australiana. E pra isso,

pelas normas, ela teve me explicando uma outra vez, ela tem que voltar a morar na

Austrália por um período e só se ausentar no máximo por três meses por ano. E ainda

assim todo dia que ela passa fora da Austrália atrasa um dia o final do processo de

cidadania. Que seria a cidadania definitiva. Então ela voltou, agora a dois anos já pra

Austrália. E no primeiro ano, ficou a mãe dela com um funcionário, tentando aqui, mas

já é uma senhora de mais idade e eles não tinham o ritmo pro hostel. Depois só com

funcionários, meio que deu uma desandada, pelo que me contaram, ela e a mãe me

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contaram, que o hostel teve três anos bem e dois anos mal. Assim que não deu

dinheiro e que andou ficando muito sujo, muito bagunçado. A casa precisando de

manutenção e no ano passado em dois mil e quatorze, ele funcionou, teve uma

temporada de verão, muito, muito fraca, sem inscrição no Hostelworld. Estavam só

dependendo de quem chegava a porta, procurando hospedagem e eles estavam

alugando quartos fora da temporada. A partir de maio, começaram a alugar para

moradores mensalistas e não foi uma experiência muito boa, porque o funcionário que

tava tocando aqui acabou não se responsabilizando pela cobrança do aluguel, então

muita gente ficou em atraso e também fazendo muita bagunça e depreciando o imóvel.

Daí a intenção delas já tava em começarem a pensar em fechar o hostel. A proposta

já era da mãe da VA, “ou você volta pro Brasil pra tocar seu negócio ou então ele vai

ficar fechado, aguardando quando você resolver voltar”. E aí foi o tempo, que eu já

tinha conhecido o hostel anteriormente, numa festa que fizeram aqui e já trabalhava

com outro hostel e tive aqui pra conhecer e tal. Ele tem um potencial muito grande, só

precisa estar um pouco mais cuidado. E eu fiz uma proposta, “ah não! Não quero uma

relação, que seja de gerente do hostel, não como um funcionário. Então podemos

fazer uma proposta que seria um arrendamento. Vocês entrariam com a estrutura

física que já existe e é muito boa. Tem móveis, estrutura, tudo. Com a marca, me

comprometo a não mudar o nome do hostel, o hostel que a V idealizou, tanto no nome

como nas linhas gerais, o que ela acredita. E a carteira de clientes vai ser sempre em

nome do RH, os contratos que foi firmado com a Booking.com, que foi renovado com

o Hostelworld, foi renovado em nome do, porque se algum momento a gente reincidi

esse contrato de arrendamento, mas a carteira de clientes já é do hostel, já é da

empresa que vai se manter com esse CNPJ que tem, com a marca, com a proposta.

E eu entraria com toda a parte de manutenção, nas instalações, a administração e

operação mesmo do hostel”. E a proposta pra isso é, como ele tem uma sazonalidade

muito grande, sul da ilha, até então seria um arrendamento com aluguel fixo, um

pagamento fixo. Quarenta por cento do lucro líquido pra mim e sessenta por cento do

lucro líquido pagando todas as despesas para o hostel, para a empresa. Onde era a

VA, a mãe dela, é sócia em quinze por cento. Fizeram a mãe dela de procuradora aqui

no Brasil, daí ela cuida de todos os temas ligados a empresa enfim. Então a proposta

foi essa, justo porque se eu tivesse um valor liquido fixo, poderia botar um funcionário,

não me importando se dá lucro ou não. Quando você pensa que o meu lucro é o deles

e baseado sim no lucro líquido, me força a manter os custos operacionais baixos, para

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aumentar a lucratividade e a eficiência do hostel. Tanto é que recebi uma proposta

essa semana do Hostelworld, em função da avaliação do hostel estar em noventa e

três por cento. Muito boa, assim, a avaliação dos hóspedes. Então nesse tipo de

relação, a maneira que foi contratada, como foi concebido é priorizar a eficiência e

lucratividade. Então você é eficiente na operação e eficiente na administração.

E: deixa ver se entendi então, foi fundado por ela VA em dois mil e nove. E você

chegou em Florianópolis quando?

S09: em dezembro de dois mil e onze.

E: e pegou o hostel em dois mil e quatorze. O teu primeiro contato com esse hostel foi

quando?

S09: em dois mil e, final de dois mil e doze. Eles faziam de vez em quando umas

festinhas aqui, uma bandinha de música ou até os próprios hóspedes pegavam uns

instrumentos e tocavam ali. Vinham pessoas de outros hostels, era uma festa aberta,

na área externa, no pátio externo.

E: você residia aonde em Florianópolis nessa época?

S09: nessa época na Lagoa.

E: e qual é a tua primeira impressão, isso e uma coisa que pergunto pra todo mundo,

mas o teu ponto de vista aqui sobre a diferença do sul da Ilha, da Praia da Armação

pra Lagoa da Conceição?

S09: bom, o sul da Ilha ele tem as virtudes, essa vocação mais pra natureza, trilha,

praia. Armação, Pântano do Sul são bairros, que originalmente eram de famílias de

pescadores e nativos. E que se mantem muito com essa cara, apesar do crescimento

que já teve, você vai ver que tem uma população ali de famílias, que todas se

conhecem, que cresceram, conhecem os avós e tal. Apesar de já ter muita gente de

fora também. Então tem sempre esse ritmo, andando pelas ruas, tem sempre esse

ritmo de praiazinha ou... os bairros de Florianópolis parecem pequenos feudos. São

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muito diferentes entre si e tal. E esse tem cara daquelas praias que a gente conhece

de população caiçara, na costa verde por exemplo, litoral entre Rio e São Paulo.

Parece aquelas prainhas pequenininhas que tem por lá. A Lagoa não, já tem aquela

coisa muito de o ano inteiro ter muito estrangeiro por causa dos intercambistas, dos

estudantes que tão frequentando, tem essa coisa mais da vocação artística, cultural.

Também tem uma especulação imobiliária muito forte, os aluguéis são muito altos. Os

pontos comerciais são bem mais cuidados, mais charmosos. Tem aquela coisa mais

cosmopolita mesmo. Acho que o bairro mais cosmopolita de Florianópolis é a Lagoa.

E: e você acha que isso deve influenciar no perfil das pessoas que se hospedam num

hostel aqui e os que se hospedam num hostel na Lagoa?

S09: na verdade não. Assim, quase a totalidade os hóspedes que tiveram aqui, ou

estavam vindo ou indo pra lá. Eles curtiram um tempo mais da Lagoa, mais essa coisa

de ir nas festas lá e circular a noite, ver gente, mais essa badalação. E depois

passaram outra temporada, alguns dias mais pro sul da ilha, pra aproveitar fazer trilha

até as cachoeiras no entorno da Lagoa do Peri, quase todos vêm aqui pra fazer a trilha

da Lagoinha do Leste. Conhecer um pouco a Solidão e tal. Ter esse ritmo, inclusive

tem hóspedes que ficaram aqui uma semana, foram e ficaram na Lagoa um pouco pra

ficar um pouco nessa coisa do agito. ‘Ah não! Pra última semana antes de ir embora

quero ficar aqui de novo no hostel com vocês pra ficar mais tranquilo”. Sair, dar essa

caminhadinha que a cinco minutos já está ali na praia, volta faz um almocinho rápido,

descansa. Vai pro final da tarde de novo na praia, aí já pro Matadero. Então acho que

o público dos hostels na Lagoa é o mesmo público que fica aqui, só que em momentos

diferentes. Eles exploram as diversidades da ilha.

E: e por que abrir um hostel e não outro meio de hospedagem? Por que administrar

um hostel e não uma pousada? Eu acredito que você já respondeu essa pergunta

nesse discurso todo, mas se quiser complementar alguma coisa?

S09: Claro, claro. Eu acredito muito... inclusive eu larguei a minha área de formação,

justamente por conta disso, assim você tem que fazer o que te faz feliz. Trabalho,

independente de qual seja, vai te dar um certo nível de estresse, vai te dar algumas

dores de cabeça, algumas contrariedades. Já que você vai dedicar uma parcela

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grande do teu dia a um trabalho, que seja alguma coisa mais haver com você, com

teu estilo de viver. Então eu gosto muito dessa, digamos, relação mais informal que

se pode ter com um hóspede de hostel. Claro que vou poder estar em algum momento

na cozinha preparando uma refeição, a gente vai sentar junto pra comer, pra tomar

um drink, jogar uma sinuca ali, falar com ele, com o meu hóspede. Falo com o meu

cliente com a mesma desenvoltura que eu falo com um amigo. Claro, esse tipo de

relação me encanta muito, muito mais do que ter uma pousada que digamos, entra ali

pro roteiro de charme de pousadas, que vai me dar uma certa projeção entre os

comerciantes locais, daquela pousada tão boa, que tem ali tal. Então não é o que me

faria feliz. Então as escolhas acho que pra tudo, não só como pra abrir um negócio,

mas como pra carreira, já que você vai dedicar uma boa parcela do teu tempo pra

fazer alguma coisa que tenha a ver com o teu estilo.

E: acho que contamos um pouco da tua história, sobre a história do hostel, tem mais

alguma coisa que você queira acrescentar sobre a história do hostel. Antes de a gente

começar a gravar você falou que essa temporada depois de uma ou duas temporadas

negativas e que essa temporada foi positive né?

S09: Foi bastante positiva, só o Carnaval que assim, na semana do Carnaval, as

chuvas que caíram foram impressionantes. Já alguns dias antes do Carnaval começou

a chover muito, isso deu uma quebrada no ritmo, algumas reservas canceladas, e

gente que não pegou Estrada. Então salvo o Carnaval todos os outros períodos da

temporada estavam ali dentro do esperado e alguns até acima do que a gente

esperava, então...

E: pensa em abrir o ano que vem, vai estar aberto, tens uma previsão de quando

tempo pretende ficar aqui, até ela voltar ou mais que isso?

S09: Bom, o nosso contrato foi de cinco anos, renováveis por mais cinco.

Automaticamente, é um contrato de dez anos com uma revisão pra ver se todas as

partes estão felizes no meio do processo. É muito difícil dizer, eu não faço esses

planos: realmente eu vou ficar os dez anos aqui, os cinco anos aqui, não. A intenção

agora é o que me propus foi deixar o hostel funcionando como uma empresa, redondo.

Toda a parte de documentação, legalização em dia, ter ali os livros caixas e um

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histórico todo do processo de arrendamento ali todo documentado, até pra você ter

um raio-x de como foram as temporadas se evoluindo. Então, acho que só vou

considerar meu trabalho concluído aqui quando eu deixar tudo isso pronto, tudo isso

andando. Tem a parte física também, a gente está construindo agora um deck pra

piscina, fez algumas modificações na estrutura pra da mais eficiência. Tem algumas

outras coisas ainda a fazer, tem que ver toda a parte elétrica, uma parte, uma coisa

pra fazer aos poucos. Então tem algumas coisas ainda que eu considero missão.

Então não abandonarei o barco antes disso. Mas quanto tempo eu vou ficar aqui eu

não sei, mas acredito que a VA, voltando pro Brasil, acho que não seria o caso de

encerrar a parceria. Por exemplo, ela veio, toda a parte de negociação foi feita com a

mãe dela. O processo de arrendamento foi feito com a mãe dela que é procuradora,

mas pra assinatura de contratos e até pra gente se conhecer ela veio ao Brasil em

dezembro, ficou quarenta dias aqui. A gente ficou juntos ali em dezembro. Isso em

janeiro meio que trocando ideia, trocando figurinha. Era um pouco sobre o que ela

pensava do hostel, o que ela queria dar de roupagem, que cara. E eu passando pra

ela mais dessas impressões do técnico e do administrativo, não só pra um hostel, mas

que qualquer empresa precisa. Então desde gestão de fluxo de caixa, a outras

questões técnicas, até pensar assim nessa relação com os vizinhos, essa inserção no

bairro, essa personalidade do hostel também. Então a gente meio que ajustou muito

ali o discurso e chegamos num patamar que eu acho que faremos uma excelente

parceria quando ela voltar aqui ao Brasil. Então acho que por si só, a volta dela ao

Brasil não seria um final de parceria.

E: e em termos assim de imagem de hostel, de bairro de cara de empreendimento.

Você falou da parte mais técnica ali, mas o que que ela passou pra você assim. Qual

que é a imagem que ela tem de hostel, qual é o ideal dela?

S09: ela já tinha por intuição a ideia de hostel conceito, que foi uma ideia que eu

apresentei pra ela. De ter um hostel não só como um deposito de viajantes. Um hostel

que eu conheço coloca treliches nos quartos, ocupa todos os espaços, com cama,

cama, cama pra onde pode. Acho que não privilegia o hóspede. Já que a estrutura da

casa permite ter bastante área de uso comum, ter espaços diferentes pra quem está

querendo ver uma TV, ou pra quem está querendo só música, ou ficar com área de

bar pra conversar ou quer tirar um cochilo na rede lá fora. Então pensar até nas

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questões dos usos, no volume do som, da música. E também nos quartos não ter

camas fechando janelas. Não ocupar todos os espaços disponíveis. A decoração dos

quartos também. O hostel já tem uma identidade essa ideia do retro. Então ela pegou

toda essa questão de decoração. A decoração como esta tem muito coisas que eu fiz,

mas com todos os elementos que ela já tinha aqui a disposição, onde colocar o

material informativo essas coisas, foram decisões mais minhas. Como estruturar essa

funcionalidade, mas tudo material que ela já tinha escolhido quando veio pra cá. Então

o hostel já tinha essa cara, essa ideia do Retro. Então já tinha uma temática, que e

uma das coisas importantes pro tal do hostel conceito. Você tem uma temática e deixar

essa temática fluir por todos os espaços da casa. É questão de pensar as

acomodações que sejam funcionais não só pra questão financeira do hostel, pra gerir

maior renda possível, mas também que você possa oferecer a melhor experiência

possível pros clientes nos quartos. Então foram ideias que ela já tinha intuitivamente,

apesar de não ter o conhecimento do termo hostel com seu conceito, ter um hostel

mais conceitual.

E: em temos de área física, na tua opinião, qual é a área física essencial pra um

hostel? Se você não pudesse enumerar todas, teria uma que seria essencial pra

estrutura física do hostel?

S09: Um hostel, apesar de muita gente que não conhece, não ter o hábito de viajar,

pensa, “ah não! Uma forma de acomodação barata onde as pessoas vão estar ali

dividindo os espaços”. Mas um hostel não e só uma funcionalidade do bed & breakfast,

do cama e café. Não é isso, então, o que faz diferença num hostel é, além de você ter

os dormitórios, é as áreas de uso comum. Então, área pra jogos, ter um bar

funcionando onde as pessoas vão poder interagir, uma estrutura de cozinha, que

permita não só preparar um alimento rápido ali, mas, se vai cozinhar coletivamente o

espaço de uma mesa grande para que as pessoas possam sentar todos juntos e ali

congregar essa mesma ideia. Então espaços que privilegiem essa interação entre as

pessoas. Que seja na área de jogos ou TV, bar se possível, todos eles... Piscina não

é necessário, mas é um meio de interação muito importante. Verão, alta temporada,

madrugadas quentes, galera quer ficar ali pelo menos tomando um drink, pondo o pé

na agua, trocando uma ideia. Então a questão das áreas de uso comum é que faria a

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diferença entre o hostel com este conceito de hospedagem onde as pessoas

interagem.

E: e a mesma pergunta só que voltando para o lado do serviço. Qual o serviço ou

serviços que o hostel deve oferecer pro hóspede?

S09: o serviço ainda é um calcanhar de Aquiles assim pra muitos hostels. Tem um

hostel que as vezes tem uma estrutura boa, se pegar a menor nota de quase que a

totalidade dos hostels, é a limpeza. Se vai pegar ali as avaliações, normalmente

limpeza é a nota mais baixa de quase todos os hostels. Então serviço ainda é um

calcanhar de Aquiles porquê é uma coisa que é um pouco complicada, tem as

questões de relação trabalhista, questões legais e muitos hostels também tem essa

coisa de trocar hospedagem por trabalho por acomodação, acomodação por trabalho.

E muitas pessoas também querem trabalhar com hostel, pensa que o trabalho é bem

festa, mas está ali, junto, e tem uma relação também com o proprietário com o

administrador. O que é diferente em um hostel que faz parte de uma rede, de uma

franquia, é que tem obrigação de manter um determinado padrão, mas que não é

como a maioria dos hostels. Então, ainda é um calcanhar de Aquiles esse serviço de

limpeza. Essa informalidade também na relação com o cliente, as vezes gera também

uma distorção, que é essa perda na qualidade do serviço. Isso é uma coisa que eu

acho que todo hostel vai ter que fazer o dever de casa e melhorar isso um pouco.

Esse é um detalhe de quem tem o hábito de viajar em hostel e de quem não tem. Por

exemplo, já chega toma seu café, lava sua louça. Cozinhou a noite não deixa louça

pra lavar no dia seguinte, é na hora tal. Terminou de usar o banheiro pra tomar um

banho, se tiver um pano ali, ou as vezes dentro da recepção, pede um material pra já

deixar tudo seco, limpo. Você tem isso, que é um público muito com essa cara, está

sempre mudando, tem outros que você percebe que deixa uma loucinha ali pra lavar

amanhã, se ninguém perceber que é dele, não lava. Tem um pouco disso também,

mas o hostel obrigatoriamente tem muita área de uso comum, fica difícil, está todo

mundo utilizando ali, vendo um filme, comendo pipoca aqui na sala. Criando até um

dia de tempo ruim, mais feio, a gente criou uma tarde com os filmes, até compra uns

filmes mais recentes no pacote e tal. Faz um uso comum aqui. Então caiu uma

pipoquinha ali, aquela coisa que ninguém, nenhum deles vai fazer isto. Então aqueles

serviços que os hóspedes não vão poder, não vão dar conta ou mesmo que deveriam,

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mas não vão fazer. Então tem que ter alguém pra fazer se não vai ficar sujo e soa mal

até porque há uma troca muito grande. O hóspede que está chegando hoje, não sabe

que a galera se reuniu pra fazer uma festa ontem e ficou uma sujeirinha que ainda vai

ser limpa. Você chegou viu alguma coisa suja e já começa a pensar, “o hostel não

cuida tanto da limpeza”. Então tem que ter alguém pra cobrir o que o hóspede deveria

fazer ou faz, mas não dá conta de fazer tudo. Tem que ter um staff ali pra estar atento

a isto. Se não, a impressão é uma outra coisa que pega em relação a esta coisa da

limpeza e os pequenas detalhes, um fio solto ali que não é necessariamente sujeira,

mas como não tem uma forma de avaliar isto, então os hóspedes acabam sinalizando

como na parte de limpeza. Porque, tem um fio descascado ali, uma tomada solta,

alguma coisa não tão... uma pintura que está caindo, então o cara vai sinalizar isso

na parte de limpeza. Mas entre outros serviços, se a estrutura permite, lavanderia

porque tem gente que está viajando a muito, muito tempo, pegou chuva na mochila.

Então se pode ser um, se a estrutura física permite, lavanderia faz uma diferença

muito grande. Eu tenho um dos quartos que é um dormitório feminino, único quarto

que eu tinha que era uma suíte, com banheiro interno, eu transformei num dormitório

feminino. A maioria dos hóspedes que chegam aqui dizem pra mim “não tem problema

fico em dormitório misto”. Mas ter um dormitório feminino é importante, porque as

vezes tem hóspedes aqui que estão viajando a três, quarto, cinco meses sempre em

dormitórios mistos. Então se pode chegar a ficar três, quarto dias em um quarto só

com mulheres, ficar mais à vontade, com banheiro interno, que dá pra sair só de

toalha, de calcinha pra pegar alguma coisa que esqueceu na bagagem, voltar no

banheiro e tal. A ideia de tê-lo é para agregar esse serviço a quem está viajando a

muito tempo, mulheres viajando muito tempo. Também as vezes um casal viajando

junto em hostel, ficando em dormitório por muito tempo. As vezes o hóspede nem

solicitou mas se eu tenho disponibilidade, se é um casal que já conversei, que está

viajando a muito tempo, fazer um upgrade no último dia, nos últimos dois dias. Então

um upgrade para eles estarem juntos num quarto de casal. Faz diferença pra quem

está viajando a muito tempo de vez em quando ter um pouco de privacidade, se é um

hostel que lhe ofereça isso sem cobrar a mais. Um upgrade, um serviço do hostel.

E: e na tua opinião qual é o papel do recepcionista num hostel?

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S09: é baseado nessa história da informalidade de lidar com as pessoas, seria fazer

essa primeira apresentação do bairro ou da cidade. As vezes está pegando um

hóspede que acabou de chegar em Florianópolis, já conversar bastante com ele da

cidade, ter uma ideia do que eles já pretendem fazer, a impressão que ele tem prévia

do lugar, de onde ele está indo visitar e tal. Apresentar isto antes até do que apresentar

a estrutura física do hostel. Então, já quando entra o check-in bate um papo, descobrir

de onde que é, está chegando em Florianópolis ou estava em outra parte da cidade e

tal. A lógica seria apresentar o bairro, no nosso caso aqui é apresentar o sul da ilha e

da essa ideia de onde se está. Acho que hoje o check-in chega praticamente pronto.

A maior parte das reservas que a gente tem e através do Booking ou do Hostelworld

que já nos forneceu quase todos os dados do cliente. Todos os dados de cartão pra

fazer cobrança de um no-show. Endereço, e-mail, telefone, mas o procedimento de

check-in acaba ficando muito, muito simples. Assinatura numa ficha, pra gente manter

um histórico físico e nada mais. Então antes mesmo de apresentar a casa, este bate

papo, se dá ali sim, enquanto está apresentando o quarto, caminhando pra

acomodação e tendo esse dialogo ali sobre expectativas e sobre o que a gente tem a

oferecer, não só o hostel, mas o bairro ou a cidade.

E: você acha que o recepcionista acaba assim ultrapassando os limites dele da

recepção, interagindo com os hóspedes em outros momentos e de outras formas?

S09: aliás, hoje quem trabalha comigo tem, na minha opinião, a obrigação de sair da

recepção, até mesmo porque o lugar da recepção ali e mínimo ali. Ele vai ali só pra

fazer... a função é tá ali conversando, trocando uma ideia, interagindo. Vendo como

essa funcionalidade, normalmente como eu fico na preparação e reposição do café

da manhã, essa pessoa que tá comigo pela manhã já troca uma ideia, vê quem tá

querendo fazer que passeio. Se precisar ligar pra reservar já faz essa função.

E: os recepcionistas aqui no teu hostel eles costumam fazer algum passeio ou sair

com eles? Vocês chegam a fazer alguma atividade com os hóspedes?

S09: sim, sim. Fizemos algumas de luau, ir em alguma festa ou até fazer jantares no

hostel. O recepcionista que trabalha de manhã vem de noite aqui pra curtir um pouco,

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pra estar junto. Eu próprio vou com eles na praia, quando posso, também faço uma

trilha. Acho que isso é obrigação assim de...

E: você possui ainda alguma amizade com hóspede? Fez alguma amizade com algum

hóspede nesta temporada?

S09: sim alguns. Alguns que a gente mantém sempre contato. Que tão ali sempre

fazendo contato, “na próxima temporada de verão vou aí, quero trabalhar, quero ficar

aí com vocês, foi muito bom”. Outros querem vir pra ficar de novo como hóspedes.

Alguns convites também pra ir visitar. Uma amiga que ficou aqui, tem um hostel na

Patagônia, na Argentina, me mandou foto do hostel dela, dos eventos que tão fazendo,

tem convite pra ir lá visitar. Um casal francês que ficou aqui, que tem um hostel com

restaurante. Então ela toca o hostel, e ele é chef de cozinha, eles têm essa parceria

assim. Aí tem muita gente que ficou que a gente mantém contato, segue falando.

E: e sobre a Gastronomia, você acha que a Gastronomia é uma parte importante da

experiência do hóspede no hostel? Ou até na experiência do turista no local visitado?

Como você vê essa relação da Gastronomia com a experiência do visitante no local?

S09: tem uma coisa bem interessante. O MBD, que é proprietário do Hostel X, aqui

no Campeche, ele viu uma coisa num hostel, não sei se foi na Inglaterra, e ele aplica

lá. Não apliquei aqui ainda, mas eu acho bem interessante, porque eles tinham lá uma

noite da pasta free, ou seja, ele dava o macarrão, a massa pro macarrão crua, deixava

lá na mesa da cozinha e alguns legumes, pra que naquela noite, que ele está

fornecendo os insumos, pra que naquela noite os hóspedes se reúnam e cozinhem

juntos. E eu trabalhei com eles em dois mil e treze com a parte do bar, massagem,

guias e trilhas, com essa parte mais divertida ali, essa parte de recreação do hostel.

E era uma das noites mais animadas, uma das que as pessoas mais interagiam era a

tal da noite da pasta free. Então, foi uma experiência que foi bem interessante

acontecer lá. E ele tinha visto isso num hostel na Inglaterra, ele morou lá por um tempo

e uma coisa assim que vale a pena, uma noite que nós fornecemos o material para

que eles cozinhem. Não está dando o jantar de graça, está dando os insumos pra que

vocês cozinhem juntos. E aqui a gente fez a noite mexicana, uns nachos com

guacamole. Churrasco, umas duas vezes por semana. A gente até pensa, ainda nessa

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temporada, não consegui viabilizar isso, mas ter um buffet de feijoada, porque é uma

coisa bem brasileira e todos querem provar. E nem todo mundo teve a oportunidade

de provar porque muitos vieram da Argentina passa aqui pelos hostels do Sul vai pra

São Paulo pra embarcar de volta. Então aqui o churrasco é muito mais forte, mas

também ter a feijoada um dia na semana ou a cada quinze dias. Ou talvez, cada vez

permitir quando um grupo tiver interessado em viabilizar isso. A gente tem uns

quadrinhos ali de anuncio, as vezes põe “churrasco hoje, quem vai participar?” Quem

vai poder, deixa um recado ali. E os recepcionistas ali também na manhã fazendo

isso. Uma outra que a gente faz é ter uma segunda TV aqui que fica durante a

temporada voltada pro público e a gente coloca imagens em slide show da

programação da semana, o que tem na cidade pra fazer, o que tem aqui pra fazer o

que vai ter no hostel, então tem no quadro ali. E quem trabalha na recepção, na

verdade todo mundo que trabalha no hostel aqui ajuda em tudo, também conversando

sobre o que tem pra fazer, vai ter um luau, vai ter um DJ de for a tocando ali e tem o

Gringo Party nas segundas feiras. A gente pega essas imagens todas, copila e coloca

lá exibindo, na segunda feira, tudo da semana. Passou segunda já tira as imagens

dos eventos, vai colocando outras e vai preparando já pra semana que vem. E a

Gastronomia é uma das coisas que a gente faz bem forte.

E: eu gostaria que você enumerasse alguns ou pelo menos um dos pontos negativos

de se administrar um hostel ou de ficar num hostel?

S09: bom, uma coisa que ainda e negative na minha opinião é quem ainda vem pro

hostel com uma visão não exata do que é, como funciona. Então é muito mais

desafiador aquele cliente que vai te dar mais trabalho. Seja o que vem muito

precavido, “vou ficar porquê e o mais barato que eu encontrei e cabe dentro do meu

orçamento”. Como também quem vem e acha que hostel pode tudo, tudo liberado e

tal. E aí também dão trabalho. Acho que seria um dos pontos negativos de

administrar, esses seriam os desafios maiores. Chegar a educar este hóspede que é

menos informado sobre como deve funcionar um hostel. Os outros desafios, os outros

pontos negativos são de administrar qualquer empresa pequena no Brasil. Então tem

as questões legais. Algumas imposições de como deve funcionar uma cozinha ou

banheiro, que seriam de uma Vigilância Sanitária, de ter que ter isso ou aquilo. Nesse

meio de hospedagem isso não casa, mas é regra. Para um meio tão informal não dá

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para ter um, porque ele é o meio do caminho entre você hospedar alguém em casa,

você está à vontade ali pra você cozinhar. Então não dá pra impor certas regras de

higiene até porque eles não têm, pensam diferente. Cozinham, tem hábitos diferentes

e tal. Então tem algumas coisas que pro hostel especificamente ficam mais difícil de

se adequar a essa norma, essa regra. E no mais seriam desafios comuns para uma

empresa pequena.

E: você tem preferência pelo termo hostel ou albergue da juventude?

S09: hoje considerando que o meu público é o público que vem com a ideia hostel,

teria preferência pelo termo hostel. E até para o público que não conhece, muita gente

tem a ideia do albergue, desse lugar para abrigar gente que não tem onde ficar, então

fica mais difícil ainda mudar. Mas as vezes o cara não sabe, mas o que quer é hostel

mesmo. Trocando e-mail com alguém e falam “o hotel de vocês”, não... é um hostel.

“E qual é a diferença?”. Daí você vai catequisar e tal, então é até melhor um termo

que é menos conhecido nacionalmente e que não vai estar ligado diretamente a uma

ideia. É mais simples pegar um termo menos conhecido, é claro. O estrangeiro que

daí sim... na temporada, acima de noventa por cento da minha ocupação na

temporada é estrangeiro. As vezes cem por cento, as vezes não tem nenhum

brasileiro.

E: geralmente são de que países?

S09: Final de setembro, outubro, começam a chegar aí europeus. Muitos ingleses,

escoceses, franceses, alemães ainda vem um canadense, australiano. Ali pra dar um

contraponto de só Europa, Europa. Americanos vem pouquíssimos. Australiano e

canadense vem bastante, dos não europeus, australianos, mas muito mais

australianos e neozelandeses. As vezes vem de Singapura, reunião, aqueles

hóspedes em lugares menos convencionais, que a gente viu pouco. A gente viu um

ao longo da temporada inteira. Mas em dezembro começam a vir também argentinos

e uruguaios. Depois do dia vinte. Daí janeiro fica cinquenta por cento de argentinos e

uruguaios e cinquenta por cento de europeus, canadenses e australianos. E ali mais

ou menos meio a meio.

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E: se você tivesse que determinar qual seria a principal diferença de um hostel e um

hotel?

S09: seria a experiência de vida no local, é isso que é determinante. Em um você tem

ali pessoas que te servem com toda a delicadeza e presteza porque tem obrigação de

fazer isto e tem inclusive regras, você tem que se aproximar da mesa assim e tal. Um

tratamento assim que é lindo, redondo, que tudo funciona. Mas funciona porque tem

que funcionar. No hostel, normalmente quem trabalha no hostel, pelo menos eu só

agrego pessoas pra trabalhar que gostem de interagir com gente, que gostam de lidar

com isso, que gostem desse clima de manter essa animação, se está um dia mais

chuvoso, se tá uma galera meio de canto ali, vamos reuni, vamos cozinhar. Deve fazer

isso, colocar, manter essa experiência sempre num up. Então, a experiência é o que

determina, independente de questões físicas, de espaço. A experiência é o mais

determinante.

E: defina com poucas palavras a palavra hostel. O que significa hostel para você?

S09: Um lugar de encontros. Um lugar onde as pessoas se encontram e interagem.

Aliás, um lugar de encontros improváveis. Fugindo um pouco agora das poucas

palavras já que seria isso, uma das coisas que converso assim com os hóspedes e

amigos que vem aqui me visitar aqui. Eu digo que outro negócio em qualquer lugar do

mundo que não seja um hostel, você não vai ter, sigo o exemplo do tal do jantar, vinte

e cinco pessoas de sete ou oito países diferentes, sentados numa mesma mesa,

conversando sobre suas coisas. Não tem um lugar que privilegie essa inter-relação

de pessoas de lugares tão diferentes. Esse ponto de encontro, de convergência de

vários países, de lugares diferentes. Essa é uma das maiores virtudes do hostel.

---Fim da transcrição---

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APÊNDICE F – Logo H

Word cloud, em forma de “Logo H”, apresentada em duas versões, cada uma delas

de forma monocromática e colorida. A primeira versão consiste no logo feito com as

palavras ditas com maior frequência pelos entrevistados, onde essas aparecem em

maior tamanho. As palavras ditas com menor frequência parecem em tamanho menor,

sugerindo sua hierarquia. Nenhuma palavra é repetida, os espaços entre elas

permanecem em branco destacando, assim, cada palavra. Na segunda versão, todas

as palavras são repetidas aleatoriamente afim de preencher os espaços em branco

da letra “H”, podendo a letra ser visualizada em uma melhor forma.

Fonte: elaborado pelo autor (2014).

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APÊNDICE G – Ilustrações do Logo H

Esse logo poderia ser empregado no dia a dia dos hostels, em objetos que são

comumente vendidos nesses estabelecimentos, geralmente com o logo do próprio

hostel. Essa ação tem o intuito de divulgar a filosofia, a essência desse meio de

hospedagem, ao invés da imagem de um estabelecimento especifico. Procura-se

difundir esses conceitos, torna-los públicos e acessíveis, para que os hostels sejam

conhecidos pelo meio de hospedagem que realmente são.

Fonte: elaborado pelo autor (2015).

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ANEXOS

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Anexo A – Ata de defesa de dissertação

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Anexo B – Ficha de avaliação de defesa de dissertação