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HORIZONTES Revista Semestral do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco Volume 30 Número 1 Janeiro/Junho de 2012 ISSN 0103-7706 A revista Horizontes é um veículo de divulgação e debate da produção científica na área de Educação e está vinculada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco, Itatiba/SP. O propósito da revista é servir de fórum para a apresentação de pesquisas desenvolvidas, estudos teóricos e resenhas na área de Educação, em suas vertentes históricas, culturais e de práticas educativas. Com vistas a manter uma interlocução com pesquisadores nacionais e internacionais, a revista aceita publicações nas línguas portuguesa, inglesa, francesa e espanhola. Os textos publicados são submetidos a uma avaliação às cegas pelos pares, componentes do conselho editorial ou consultores ad hoc. Os conteúdos não refletem a posição, opinião ou filosofia, nem do Programa de Pós-Graduação nem da Universidade São Francisco. A revista é composta de dossiês com temática educacional coerente com a política editorial da mesma e/ou artigos de demanda espontânea encaminhados e aprovados para publicação. Os direitos autorais das publicações da Horizontes são da Universidade São Francisco, permitida apenas ao autor a reprodução do seu próprio material, previamente autorizado pelos editores da revista. As transcrições e traduções são permitidas, desde que no limite dos 500 vocábulos e mencionada a fonte. Editores Alexandrina Monteiro Jackeline Rodrigues Mendes Paula Leonardi Conselho Editorial Ademir Donizeti Caldeira - UFScar Alfredo Veiga-Neto - UFRGS Beatriz Maria Eckert-Hoff - Unianchieta Carlos Alberto de Oliveira - Unitau Celi Espasandin Lopes - Unicsul Celina Ap. Garcia de Souza Nascimento - UFMS Daniel Clark Orey - UFOP Dario Fiorentini - Unicamp Décio Gatti Júnior - UFU Denise Silva Vilela - UFScar Elisabeth Ramos da Silva - Unitau Elizeu Clementino de Souza - UNEB Elzira Yoko Uyeno - Unitau Ernesto Sérgio Bertoldo - UFU Gelsa Knijnik - UNISINOS Juliana Santana Cavallari - Unitau Maria Ângela Borges Salvadori - USP Maria Auxiliadora Bueno Megid - Puccamp Maria Carolina Galzerani Boverio - Unicamp Maria Cristina Soares Gouveia - UFMG Maria Gorete Neto - UFMG Maria José Rodrigues Faria Coracini - Unicamp Maria Laura Magalhães Gomes - UFMG Maria Tereza Menezes Freitas - UFU Maura Corsini Lopes - UNISINOS Maurício Rosa - ULBRA Patrick Anderson - Université de Franche-Comté Rebecca Rogers - Université Paris Descartes Renata Prenstteter Gama - UFScar Rita de Cássia Galego USP Rosana Giaretta Sguerra Miskulin - UNESP/RC Samuel Edmundo López Bello - UFRGS Vera Lúcia Gaspar da Silva - UDESC Edição Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Revisão Enid Polachini Abreu Projeto Gráfico, Revisão e Diagramação Samanta Mazzolini

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Page 1: HORIZONTES - USF · HORIZONTES Revista Semestral do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco Volume 30 Número 1 Janeiro/Junho de 2012

HORIZONTES Revista Semestral do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco

Volume 30 Número 1 Janeiro/Junho de 2012

ISSN 0103-7706

A revista Horizontes é um veículo de divulgação e debate da produção científica na área de Educação e está

vinculada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco, Itatiba/SP.

O propósito da revista é servir de fórum para a apresentação de pesquisas desenvolvidas, estudos teóricos e

resenhas na área de Educação, em suas vertentes históricas, culturais e de práticas educativas. Com vistas a manter

uma interlocução com pesquisadores nacionais e internacionais, a revista aceita publicações nas línguas

portuguesa, inglesa, francesa e espanhola. Os textos publicados são submetidos a uma avaliação às cegas pelos

pares, componentes do conselho editorial ou consultores ad hoc. Os conteúdos não refletem a posição, opinião ou

filosofia, nem do Programa de Pós-Graduação nem da Universidade São Francisco.

A revista é composta de dossiês com temática educacional coerente com a política editorial da mesma e/ou artigos

de demanda espontânea encaminhados e aprovados para publicação. Os direitos autorais das publicações da

Horizontes são da Universidade São Francisco, permitida apenas ao autor a reprodução do seu próprio material,

previamente autorizado pelos editores da revista. As transcrições e traduções são permitidas, desde que no limite

dos 500 vocábulos e mencionada a fonte.

Editores

Alexandrina Monteiro

Jackeline Rodrigues Mendes

Paula Leonardi

Conselho Editorial

Ademir Donizeti Caldeira - UFScar

Alfredo Veiga-Neto - UFRGS

Beatriz Maria Eckert-Hoff - Unianchieta

Carlos Alberto de Oliveira - Unitau

Celi Espasandin Lopes - Unicsul

Celina Ap. Garcia de Souza Nascimento - UFMS

Daniel Clark Orey - UFOP

Dario Fiorentini - Unicamp

Décio Gatti Júnior - UFU

Denise Silva Vilela - UFScar

Elisabeth Ramos da Silva - Unitau

Elizeu Clementino de Souza - UNEB

Elzira Yoko Uyeno - Unitau

Ernesto Sérgio Bertoldo - UFU

Gelsa Knijnik - UNISINOS

Juliana Santana Cavallari - Unitau

Maria Ângela Borges Salvadori - USP

Maria Auxiliadora Bueno Megid - Puccamp

Maria Carolina Galzerani Boverio - Unicamp

Maria Cristina Soares Gouveia - UFMG

Maria Gorete Neto - UFMG

Maria José Rodrigues Faria Coracini - Unicamp

Maria Laura Magalhães Gomes - UFMG

Maria Tereza Menezes Freitas - UFU

Maura Corsini Lopes - UNISINOS

Maurício Rosa - ULBRA

Patrick Anderson - Université de Franche-Comté

Rebecca Rogers - Université Paris Descartes

Renata Prenstteter Gama - UFScar

Rita de Cássia Galego – USP

Rosana Giaretta Sguerra Miskulin - UNESP/RC

Samuel Edmundo López Bello - UFRGS

Vera Lúcia Gaspar da Silva - UDESC

Edição

Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação

Revisão

Enid Polachini Abreu

Projeto Gráfico, Revisão e Diagramação

Samanta Mazzolini

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Publicações:

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação

Secretaria de Pós-Graduação

Apoio Executivo às Comissões de Pós-Graduação

Av. Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 - Centro

CEP: 13251-900 Itatiba-SP

Tel: (11) 4534-8040/ 4534-8080 Fax: (11) 4524-1933

Homepage: http://www.saofrancisco.edu.br/itatiba/mestrado/educacao

Editora Universitária São Francisco - EDUSF

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CEP: 12916-900 Bragança Paulista - SP

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Processamento Técnico da Universidade São Francisco.

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Si richiede lo scambio

Indexação em:

Psicodoc (Espanha); Clase (México); Francis

(França).

Horizontes / Universidade São Francisco. -- Vol. 14 (1996)-. -- Bragança Paulista:

Editora Universitária São Francisco, 1996-

v. : il.

Anual, 1996-2003; semestral, 2004-

Continuação de: Revista das Faculdades Franciscanas (1983-1985); Revista da

Universidade São Francisco (1986-1989); Horizontes: revista de ciências humanas

(1990-1995)

Disponível on-line: http://www.usf.edu.br/revistas/horizontes

ISSN 0103-7706 (versão impressa)

ISSN 2317-109X (versão on-line)

1. Ciências humanas - Periódicos. 2. Linguagem - Periódicos. 3. Educação -

Periódicos. 4. Educação matemática - Periódicos 5. Historiografia - Periódicos.

I. Universidade São Francisco.

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3

Sumário

Artigos

5

7

17

25

35

47

57

69

79

83

91

Editorial

“Meu Catecismo”: cultura católica e modernidade na produção de livros didáticos para a

educação da infância brasileira

Evelyn de Almeida Orlando

Cultura, educação e lei 10.639/03: discussões, tendências e desafios Luciane Ribeiro Dias Gonçalves

Leituras para crianças: vida e obra de quatro escritoras entre a metade do século XIX e início

do Século XX Priscila Kaufmann Corrêa

Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus

Fabiana Rodrigues Carrijo

João Bôsco Cabral dos Santos

O Curso de Pedagogia em Goiás e a formação do professor alfabetizador

Juçara Gomes de Moura

Maria Aparecida Lopes Rossi

A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG

Luciane Manera Magalhães

Formação de professores e o exercício da docência numa visão complexa na educação a

distância Edilaine Vagula

Marilda Aparecida Behrens

Resenha: Lev Vigotski mediação, aprendizagem e desenvolvimento uma leitura filosófica e

epistemológica

Renata Correa Rocha

Relação das dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação da Universidade São Francisco no período de janeiro a junho de 2012.

Normas para publicação

Publishing Norms

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Editorial

A Revista Horizontes, iniciativa do

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação da Universidade São Francisco, chega à

sua trigésima edição, consolidando-se como órgão

de divulgação de produções relacionadas a

Linguagem, Discurso e Práticas Educativas;

Matemática, Cultura e Práticas Pedagógicas, bem

como História, Historiografia e Ideias

Educacionais, linhas de pesquisa do programa.

Igualmente, mantém seu espaço aberto a

colaborações de pesquisadores do país e de outras

partes do mundo, fomentando diálogos

interdisciplinares, sempre necessários à pesquisa

educacional. Dossiês temáticos e contribuições

oriundas de demanda espontânea, ambos

submetidos à avaliação do comitê científico, em

conjunto com resenhas temáticas e os resumos das

dissertações defendidas no programa formam a

estrutura básica dos números da revista.

Neste número, a revista Horizontes

publica sete artigos que versam sobre diferentes

temáticas.

Em “Meu catecismo”: cultura católica e

modernidade na produção de livros didáticos

para a educação da infância brasileira, Evelyn de

Almeida Orlando se debruça sobre a coleção título

do artigo a fim de observar o projeto de

escolarização da catequese empreendido pelo

Monsenhor Álvaro Negromonte. Articulam-se,

neste projeto, as questões postas no debate

educativo do período (1940 – 1960), a adequação

de métodos e programas a idades diversas, a

seriação do conteúdo, o trabalho a partir da

criança, a interação com o material didático e

entre professor e aluno. Assim, ao analisar as

questões materiais e o conteúdo do Meu

catecismo, Orlando toca nestes pontos

fundamentais. Mas, também, discute o avanço e

apropriação da Igreja, especificamente na figura

deste padre, de novas pedagogias e de releitura

interna empreendida pela Igreja alcançando novas

representações da instituição ao atualizar seu

discurso.

Em Cultura, educação e lei 10.639/03:

discussões, tendências e desafios, Luciane Ribeiro

Dias Gonçalves, ao recuperar as ideias de alguns

autores, discute em que implica, para o trabalho

docente e para os currículos, a obrigatoriedade de

inserção da história da África e da cultura afro-

brasileira nas escolas. O deslocamento do

eurocentrismo para uma perspectiva que entende

que a existência de um povo já o qualifica como

objeto a ser estudado é tematizado ao longo do

texto.

Priscila Kaufmann Corrêa apresenta o

artigo Leituras para crianças: vida e obra de

quatro escritoras entre a metade do século XIX e

início do Século XX. As quatro mulheres

focalizadas neste estudo escreveram obras

clássicas. São elas: Condessa de Ségur (Meninas

exemplares), Louisa May Alcott (Mulherzinhas),

Johanna Spyri (Heidi) e Maria Clarice Marinho

Villac (Clarita da pá virada). A autora apresenta

uma breve análise da vida dessas mulheres,

discute o uso de fontes literárias na pesquisa

historiográfica bem como a noção de escala e a

forte religiosidade presente nestas obras.

No artigo de Fabiana Rodrigues Carrijo e

João Bôsco Cabral dos Santos,

intitulado Nas fissuras dos cadernos encardidos:

O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus,

os autores propõem uma análise discursivo-

literária que discute as diferentes posições-sujeito

de Carolina Maria de Jesus em seu livro Quarto

de despejo: diário de uma favelada, onde a autora

narra sua existência como moradora de uma

favela, em meio à pobreza e à exclusão. A análise

dos autores discute essas diferentes posições na

escrita do texto, no qual é criado um relato em que

a personagem é protagonista de uma

história/estória, onde os fios dessa escritura

apresentam diferentes marcas do sujeito-narrador,

do sujeito-personagem e, ainda do sujeito-autor,

formando um tipo de relato autobiográfico.

Discutindo a reformulação curricular de

cursos de Pedagogia em Goiás, o artigo de Juçara

Gomes de Moura e Maria Aparecida Lopes

intitula-se O curso de pedagogia em Goiás e a

formação do professor alfabetizador. O estudo

focaliza a década de 1980 e as influências

governamentais e sociais para democratização do

ensino que acaba por propor a reformulação do

curso de pedagogia, formando profissionais que

atuariam nas escolas de primeiro grau. Para a

compreensão deste processo, as autoras recuperam

as mudanças históricas nos métodos de

alfabetização que implicam diferentes

compreensões de ensino-aprendizagem, de aluno e

de professor, chegando aos conteúdos específicos

do curso de pedagogia para o ensino de leitura e

escrita.

Em A formação inicial de professores

alfabetizadores no município de Juíz de Fora/MG,

Luciane Manera Magalhães discute a formação

desses profissionais nos cursos de Pedagogia a

partir de análise de documentos (currículos,

grades curriculares, programas das disciplinas) e

de entrevistas com os professores regentes e

coordenadores dos cursos. Para problematizar os

conteúdos envolvidos nesta formação, a autora

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recupera e discute o conceito de “transposição

didática” e expõe onde este conceito pode ser lido

na Proposta de diretrizes para a formação inicial

de professores da educação básica. As

discrepâncias entre carga horária e metodologias

de ensino são apontadas como foco para

reformulação da proposta de formação.

No artigo intitulado Formação de

professores e o exercício da docência numa visão

complexa na educação a distância, de Edilaine

Vagula e Marilda Aparecida Behrens, as autoras

propõem uma discussão sobre as modalidades de

formação de professores em um ambiente

complexo frente às demandas provenientes das

relações entre o ensino e as Tecnologias da

Informação e Comunicação (TICs). Para essa

discussão, as autoras ressaltam a questão do

currículo na educação a distância guiado por uma

perspectiva de dialogicidade, interatividade e

aprendizagem colaborativa, de forma a contribuir

para um processo de autoformação do professor.

O volume termina apresentando a resenha

do livro Lev Vigotski: mediação, aprendizagem e

desenvolvimento uma leitura filosófica e

epistemológica, elaborada por Renata Correa

Rocha, bem como a relação das dissertações

defendidas no Programa de Pós-Graduação Stricto

Sensu em Educação da Universidade São

Francisco no período de janeiro a junho de 2012,

através da publicação de seus resumos.

Esperamos que a leitura seja prazerosa e

que estes artigos possam estimular o diálogo com

outras pesquisas.

Alexandrina Monteiro

Jackeline Mendes Rodrigues

Paula Leonardi

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* Endereço eletrônico: [email protected]

“Meu Catecismo”: cultura católica e modernidade na produção de livros didáticos

para a educação da infância brasileira

Evelyn de Almeida Orlando*

Resumo

Este artigo analisa o projeto pedagógico de escolarização da catequese do Monsenhor Álvaro Negromonte

com base em uma série de manuais de catecismo produzida pelo autor para o ensino primário entre os anos

1940 e 1960. Seu projeto abarcava uma mudança de cunho didático-pedagógico no conteúdo apresentado,

mas também uma mudança editorial, buscando transformá-los em livros didáticos interessantes para os

alunos. Esses livros serviram para dar uma virada no ensino religioso, desprestigiado entre os alunos, e pôs

em circulação novas representações pedagógicas acerca da Igreja, que, sem perder as suas finalidades,

atualizou e reconfigurou seus discursos, muitas vezes, como uma estratégia para se manter nos debates da

vida moderna. Dessa forma, a cultura católica foi se fazendo presente na História da Educação ao mesmo

tempo em que ao se apropriar das contribuições das ciências educacionais modernas ia reconfigurando as

práticas educativas católicas.

Palavra-chave: História da Educação; pedagogia católica, escola nova, manuais de catecismo.

"My Catechism": catholic culture and modernity in textbooks production for brazilian childhood

education

Abstract

This article examines Monsignor Alvaro Negromonte's pedagogical project of schooling the catechesis from

a series of catechism manuals, produced by the author for primary education, between 1940 and 1960. His

project involved a change of didactical/pedagogical nature in the content presented, but also an editorial

change, seeking to turn them into interesting textbooks for students. These books worked a shift in religious

education, discredited among students, and put into circulation new pedagogical representations about

Catholic Church which, without losing its purposes, updated and reconfigured its speeches, often as a

strategy to stay in the debates of modern life. Thus, the Catholic culture became present in the History of

Education at the same time that, by appropriating the contributions of modern educational sciences,

reconfigured the modern Catholic educational practices.

Key-words: History of Education; catholic teaching; new school; cathecism books.

Introdução

Os quatro livros da série “Meu

Catecismo” foram publicados pelo Monsenhor

Álvaro Negromonte1 em 1942 e fazem parte da

sua coleção de quatorze catecismos didáticos

endereçados à escola, destinados a todas as séries,

do primário ao Curso Normal2. A publicação

desses manuais em forma de coleção, tendo como

principais destinatários os alunos das escolas

confessionais católicas e também os das escolas

públicas, deve ser entendida como uma estratégia

de escolarização da sociedade, que buscava

associar instrução e doutrinação religiosa nas suas

práticas educativas. Nesse projeto, a civilização

dos costumes empreendida pela escola

corroborava o projeto salvífico, e ambos eram

pensados de forma interdependente, configurando

o conceito de educação integral na perspectiva

católica, que contempla a educação da mente (por

meio do desenvolvimento cognitivo), do corpo

(por meio do cultivo de corpos castos e saudáveis)

e do espírito (por meio da educação moral). Esse

tripé ajudaria a formar o homem cristão,

encaminhando-o na direção da salvação da sua

alma, verdadeira finalidade da educação para a

Igreja e um dos principais pontos de discordância

que acirrou a disputa nos anos 1930 em torno do

campo educacional, estabelecendo em posições

opostas, “católicos e liberais”.

O tema da educação religiosa

sensibilizou, significativamente, os educadores

católicos pela forte mobilização criada em torno

da discussão acerca do ensino religioso nas

escolas públicas, de onde foi retirado com a

instauração do Estado Republicano. O movimento

em prol da laicização do ensino não foi aceito

pelos católicos que, apesar de terem aceitado o

novo regime, consideravam essa medida

absolutamente incompatível com um país de

maioria católica3. O grupo que defendia o

laicismo na educação e o grupo católico se

colocaram em polos antagônicos no movimento

que se instaurou em prol da educação nacional. O

termo “educadores católicos” é utilizado neste

trabalho na perspectiva proposta por Magaldi ao

analisar esses posicionamentos. Segundo a autora,

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8 Evelyn de Almeida Orlando

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012

ao nos utilizarmos do termo ‘educadores

católicos’, estamos considerando, não a

fé religiosa- de natureza individual – do

intelectual em questão, mas sua adesão a

um projeto de educação inserido no

movimento mais amplo de renovação

católica. Tal projeto educacional possuía

como núcleo a temática da orientação

religiosa, considerando-a em clara

articulação com a visão do papel

essencial da família na formação do

indivíduo e de seu lugar inviolável na

definição do modelo a ser seguido na

educação dos filhos (MAGALDI, 2006, p.

102).

O objetivo deste artigo é compreender o

projeto pedagógico do Monsenhor Álvaro

Negromonte como parte de um movimento de

renovação catequética que se alastrou pelo mundo

no século XX, que incidia diretamente em uma

mudança nas práticas educativas católicas, a partir

da análise de parte da sua coleção de catecismos,

especificamente, os catecismos primários,

atentando para a mudança de cunho didático no

conteúdo e na mudança editorial proposta por seu

autor.

O movimento de recristianização

sociedade pela escolarização da catequese que

tomou corpo no Brasil no final dos anos de 1920

estava ligado a mudanças que a Igreja Católica

vinha empreendendo no âmbito internacional. Em

1905, com a Encíclica Divini Illius Magistri,

única dedicada à catequese, o Papa Pio X

reconheceu o primado da catequese na missão da

Igreja e uma onda de ações foi desenvolvida nesse

sentido. Em 1912, foi publicado o Catecismo da

doutrina cristã, um texto que buscava condensar

as verdades da fé em um texto único de

catecismo, uma exigência desde o Concílio de

Trento, que não se chegou a se concretizar

totalmente4; Em 1923, foi criado o Conselho

Catequético central com a missão de promover e

coordenar ações catequéticas em todo o mundo;

em 1929, foi instituída a disciplina Catequética

nos cursos teológicos e, dois anos depois, também

nas faculdades de teologia; Em 1935, foi

decretada a instituição do Conselho Catequético

em todas as dioceses (BOLLIN & GASPARIN,

1998).

Nessa direção, uma série de reuniões

catequísticas foram promovidas, inovando os

debates com semanas e dias de atualização que

eram destinadas não só aos sacerdotes, mas

também à formação de catequistas leigos para

serem enviados às áreas com pouco clero. Esses

encontros propiciaram um avanço nos debates

sobre a catequese e estimularam a reflexão sobre

antigos e novos problemas do ensino de

catecismo, envolvendo um número cada vez

maior de leigos nos projetos da Ação Católica,

ampliando o leque das discussões educacionais

que, em vários países como a França, Bélgica,

Alemanha, Portugal, Itália, dentre outros,

passaram a apresentar um diálogo maior com a

esfera científica (BOLLIN & GASPARIN, 1998).

Foi na efervescência desse movimento

que, no Brasil, a partir dos anos 1930, o padre

Álvaro Negromonte empreendeu um projeto de

renovação da pedagogia católica que abrangia

várias ações encadeadas5, dentre as quais, a

reformulação nos textos de catecismo, adaptando-

os para a escola, em estreita relação com as

contribuições oriundas das Ciências da Educação.

Certamente, ele não foi o único, no Brasil, a

empreender projetos nessa direção. Em diferentes

estados, educadores católicos vinham

manifestando a necessidade de se reformular o

ensino religioso, formar novos professores dentro

das novas concepções pedagógicas modernas e

produzindo ações nessa direção6. O discurso

psicopedagógico que se instalou nesse campo

levou a Igreja a rever sua concepção de criança e

o método utilizado para a instrução e transmissão

da fé. Alguns catequistas, influenciados pelas

ciências da educação e pelo movimento

escolanovista, modificaram sua práxis pedagógica

e criaram novos métodos, incorporando,

sobretudo, as suas contribuições de caráter

técnico-didático.

O trabalho de Negromonte ganha relevo

nesse contexto porque suas ações foram calcadas

em duas importantes estratégias que o conduziram

a essa posição de destaque nesse movimento:

concomitantemente, ele conquistou uma

importante rede de sociabilidade que contribuiu

para propagar de forma vigorosa as suas ideias em

diferentes espaços da sociedade e desenvolveu um

projeto pedagógico vasto, sistematizado e com um

alto grau de coesão. Seus livros foram publicados

de forma sequencial e articulados a um projeto de

formação de professores, veiculado na imprensa

periódica educacional católica do Estado de

Minas e, posteriormente, convertidos em uma

coleção de livros didáticos, que abrangia da 1ª

série primária ao Curso Normal. A esses,

posteriormente, foi acrescentado um conjunto de

livros destinados à educação das famílias, dando a

ver uma proposta de colaboração entre família e

escola em seu projeto pedagógico.

Ancorado nas discussões travadas com os

escolanovistas mineiros, o trabalho do padre

Negromonte está articulado em larga medida aos

usos que os católicos fizeram do impresso nas

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“Meu Catecismo”: cultura católica e modernidade na produção de livros didáticos para a educação da 9

infância brasileira

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012

suas estratégias de conformação do campo

doutrinário da pedagogia, como assinala Carvalho

(1994). Ao utilizar o livro como um dos principais

instrumentos de difusão da sua proposta

pedagógica, o autor revela a compreensão que

vinha sendo dada a esse tipo de objeto acerca da

cultura material escolar.

Um novo texto de catecismo para o ensino

primário

“Tudo estava a pedir um texto nosso...”

(Negromonte, 1942a). Como uma das principais

estratégias de ação nessa direção, Negromonte

propôs uma reformulação nos textos de catecismo

em um duplo aspecto: material e textual. O novo

significado da catequese compreendia uma

formação voltada para a vida religiosa na prática.

Deveria se ensinar a doutrina sem perder de vista

o aspecto formativo da educação religiosa, mas de

forma atraente, interessante para os alunos e,

consequentemente, eficaz para o objetivo ao qual

se propunha. Os antigos manuais não atendiam a

essas expectativas.

Os novos textos, se quiserem realmente

servir à finalidade do catecismo, que é

formar o cristão prático, devem ter uma

feição inteiramente diversa da atual. Sei

que diante de um catecismo novo, todos

sentiremos uma impressão estranha.

Temos na mente aquelas perguntas,

aquelas expressões que decoramos em

criança e ensinamos mil vezes aos

pequenos; acostumamo-nos aquela ordem

de matéria; afizemo-nos até o tipo de

livro dos nossos catecismos [...] Mude-se

aquilo e nós estranharemos [...] Mas é

preciso mudar! (NEGROMONTE, 1942a,

p.75).

Legitimado por importantes figuras do

catolicismo, ao falar na Revista Eclesiástica

Brasileira sobre essa necessidade de um texto

novo de catecismo, Negromonte já o preparava

em quatro volumes, sob o estímulo de amigos

como D. Hélder Câmara que não hesitava em

referenciar suas obras como modelos de

programas escolares a serem adotados. O padre

Hélder Câmara chamava a atenção do corpo de

agentes eclesiásticos para as realizações do padre

Álvaro Negromonte:

sentindo, por experiência própria, a falta

que fazem livros adaptados ao meio

brasileiro, não se contentou em dizer como

esses livros deveriam ser escritos. Deu-nos

os livros de que precisávamos. Ofereceu-

nos o mestre brasileiro um manual para o

curso de admissão e uma coleção

completa para o curso secundário. No

momento, ele prepara uma coleção

também, completa, para o curso primário

(CÂMARA, 1941, p.401).

Assim, os novos textos publicados por

Negromonte foram produzidos como livros

didáticos. Tal conceito, segundo Munakata,

permite ampliar o leque de possibilidades do autor

em relação aos usos do texto. Pare ele,

livro didático é para usar: ser carregado

à escola; ser aberto; ser rabiscado; ser

dobrado, ser lido em voz alta em alguns

trechos e em outros em silêncio; ser

copiado; ser transportado de volta à

casa; ser aberto denovo; ser ‘estudado’

[...] Objeto para ser usado, livro didático

implica não uma relação direta e

imediata do aluno e do professor com o

conteúdo, esse mundo platônico de

formas inteligíveis, mas antes atividades,

práticas e de fazeres, numa situação

efetiva de ensino e aprendizagem (1997,

p. 204).

E foi nessa perspectiva que ele produziu a

série Meu Catecismo. Na abertura dos quatro

livros, destinados ao primário ele apresenta uma

Nota ao aluno, onde explica qual a relação que ele

deve ter com o livro. No volume destinado ao 2º

ano é possível depreender como a sua forma de se

dirigir ao aluno é permeada de sentidos, revelando

ainda seu conhecimento e apropriação das

contribuições da Psicologia Infantil.

Criança!

Este catecismo é seu. Foi para você que

eu o escrevi. Veja o nome dele: “MEU

CATECISMO”. Leia-o com cuidado,

estude nele com gosto. Pegue seus lápis

de cores para colorir as figuras, mas tudo

de uma vez, não. É para ir colorindo só a

lição do dia. Complete as lições

escrevendo o que falta. Faça os desenhos.

O livro vai ficar todo estragado. Não faz

mal. No fim do ano dê a mamãe para

guardar: será uma ótima lembrança

quando você for grande. E, para o ano

você terá outro catecismo. Seja sempre

bonzinho, queira bem ao Menino Jesus e

reze por mim (NEGROMONTE, 1942, p.

9).

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10 Evelyn de Almeida Orlando

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012

A postura incentivada pelo autor de

interação com o objeto material tinha um sentido

de propiciar uma relação de aproximação e

intimidade com o texto que deveria ser estendida

ao próprio processo de ensino-aprendizagem. Da

mesma forma que o aluno deveria se sentir à

vontade para interagir com o livro, dobrando,

pintando, manuseando suas páginas, fazendo

anotações, ainda que salvaguardando alguns

cuidados que refletiam hábitos de moderação

como não pintar o livro todo de uma só vez, ele

deveria se sentir à vontade para interagir também

em suas aulas, com a professora, perguntando,

participando, se expressando, como forma de

facilitar a aprendizagem dos saberes considerados

elementares para a sua fé.

Os livros de catecismo do padre Álvaro

Negromonte se configuravam como “uma

tentativa de condensar e simplificar num espaço

mínimo e portátil o que se teria necessidade de

conhecer e utilizar na atividade escolar”.

Evidentemente,

Isso implica uma série de critérios já

apontados: conteúdo adequado ao

currículo, legibilidade e inteligibilidade

apropriados ao público-alvo, subdivisão

da obra em partes, como texto

propriamente dito, boxes, resumos,

glossário, bibliografia, atividades e

exercícios, etc, segundo, uma estrutura de

organização adequada à aprendizagem;

e, sobretudo, subordinação do estilo do

texto e da arte gráfica a esse objetivo de

servir de instrumento auxiliar de ensino-

aprendizagem” (MOREIRA LEITE apud

MUNAKATA, 1997, p.101).

Nesse sentido, conforme Darnton (1990) é

importante a dupla estratégia, que combina a

análise textual à pesquisa empírica para

destrinchar uma fonte tão elucidativa. A

materialidade evidencia a história dessa produção

e fornece elementos que iluminam as sombras

desses livros que foram estabelecidos como

monumento na memória coletiva daqueles que

com ele interagiram.

Segundo Chartier,

mais do que nunca, historiadores de

obras literárias e historiadores das

práticas e partilhas culturais têm

consciência dos efeitos produzidos pelas

formas materiais. No caso do livro, elas

constituem uma ordem singular,

totalmente distinta de outros registros de

transmissão tanto de obras canônicas

quanto de textos vulgares. Daí, então, a

atenção dispensada, mesmo que discreta,

aos dispositivos técnicos, visuais e físicos

que organizam a leitura dos escritos

quando se torna um livro (1994, p. 8).

O suporte material de um texto o carrega

de significação para o leitor. As distintas formas

materiais estão diretamente ligadas às práticas de

leitura, à produção de sentidos. No mundo do

texto, é preciso se atentar para o que Chartier

chama de “formas e sentidos”, que vai da produção

material até a apropriação da mensagem pelo leitor.

O livro sempre visou instaurar uma

ordem; fosse a ordem de sua decifração,

a ordem no interior da qual ele deve ser

compreendido ou, ainda, a ordem

desejada pela autoridade que o

encomendou ou permitiu a sua publicação

[...] A ordem dos livros tem também um

outro sentido. Manuscritos ou impressos,

os livros são objetos cujas formas

comandam, se não a imposição de um

sentido ao texto que carregam, ao menos

os usos de que podem ser investidos e as

apropriações às quais são tão suscetíveis

(CHARTIER, 1994, p. 8).

Publicada, inicialmente, pela Editora

Vozes, a série Meu Catecismo, posteriormente,

passou, juntamente com os outros livros do padre

para a Editora José Olympio e, a partir de 1960,

para a Edições RUMO, aberta pelo autor em

sociedade com seu sobrinho para divulgação de

obras de cunho religioso e literário7. Os livros

aqui analisados, no entanto, foram diferentes

edições publicadas pela José Olympio.

Por serem destinados ao curso primário,

esses livros apresentavam uniformidade no

formato, no título, no método de exposição das

lições e nos conteúdos, encadeados e

aprofundados de forma sequenciada. Tinham em

vista responder a necessidade de novos textos de

catecismo, mais didáticos, mais interessantes,

mais voltados para a Psicologia da criança, sem

deixar escapar os conceitos mais importantes da

doutrina e da fé.

Do ponto de vista material, tratava-se de

brochuras com formatos em torno de 12, 5 cm por

18,5 cm. O número de páginas variava de acordo

com o público alvo. As duas primeiras séries

possuíam conteúdo mais sucinto, enquanto os livros

da terceira e da quarta série apresentavam maiores

desdobramentos das lições, o que resultava em um

consequente aumento do número de páginas.

As capas dos livros da série Meu

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“Meu Catecismo”: cultura católica e modernidade na produção de livros didáticos para a educação da 11

infância brasileira

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012

Catecismo, publicados pela José Olympio, são

todas ilustradas com figuras traçadas, mantendo

uma cor de fundo padrão em diferentes edições. O

formato da capa permanece o mesmo: uma tarja

vermelha no alto e no pé da página, com o nome

do autor e o da editora respectivamente; a

ilustração, ocupando quase toda a capa reservando

um espaço para o título Meu Catecismo, abaixo da

ilustração, e a série no alto, à esquerda, destacada

dentro de um círculo vermelho.

As contracapas dos manuais dessa série,

em sua maioria, serviam como espaço de

propaganda para os livros da coleção Monsenhor

Álvaro Negromonte, com exceção do volume

três, que traz essa referência nas orelhas e, na

contracapa, faz uma propaganda do Dicionário

da Língua Portuguesa, de Laudelino Freire. A

folha de rosto segue a habitual sequência

burocrática de informações: nome da coleção com

a indicação do volume; título do livro; a indicação

da série; a autoria das ilustrações; a edição, nome

da editora, lugar em que se situa e ano de

publicação.

Alguns elementos são distintivos na

estrutura desses livros. Em todos eles, aparece uma

carta do Papa endossando o trabalho do autor, o que,

por sua vez, funcionava como selo de legitimidade

da obra; há, ainda, uma nota da editora falando sobre

o autor, sua trajetória e seu trabalho educacional

(nos volumes um e três); uma nota “Aos

professores” por parte do autor explicando o seu

método e a proposta didática para o uso do texto;

uma carta do padre às crianças falando do livro em

questão (nos volumes dois e três)8. Não há

bibliografia em nenhum deles. Mas, algumas

indicações de textos bíblicos e missal aparecem

como recurso para consulta do aluno sobre

determinado assunto.

Todas as lições possuem ilustrações

vazadas, permitindo que o aluno possa interagir

com ela, colorindo-a ao seu gosto. No volume para

o primeiro ano, as ilustrações ocupam uma página

inteira e precedem as lições. No segundo e terceiro,

elas ocupam quase toda a página, salvo alguns

casos em que aparecem em tamanho menor no

meio das lições. No quarto volume as ilustrações

estão em quadros pequenos, no interior das lições,

com legendas ao lado, que algumas vezes

aparecem para o aluno completar.

Essa possibilidade que o livro apresenta

torna não só o conteúdo mais didático e aprazível

ao aluno como, do ponto de vista comercial, incide

diretamente na circulação do objeto em dois

aspectos: ao desmistificar o velho caráter sagrado

que se configurou em torno de sua representação,

ele se torna um objeto de desejo pessoal, cada um

quer ter o seu próprio livro de catecismo,

rompendo com a tradição de passar de um irmão a

outro e garantindo suas vendas no ano seguinte; as

ilustrações vazadas, de acordo com Smith Jr

(1990), poderiam não ser apenas uma estratégia

didática, mas, sobretudo, uma possibilidade de

compensação comercial por terem custo reduzido.

De uma forma geral, o “texto novo de

catecismo” presente nas alocuções do padre

Negromonte, deveria ser tão atrativo quanto os

das outras disciplinas escolares, acompanhando as

inovações que a Psicologia sugeria para o trabalho

com as crianças, para maior eficácia do processo

ensino-aprendizagem. Segundo Negromonte,

“para sermos entendidos das crianças falemos sua

língua, reduzamo-nos ao seu vocabulário, embora

com a louvável preocupação de aumentá-lo e

enriquecê-lo [...]. A mudança de linguagem de um

texto novo de catecismo é indubitavelmente

preocupação de primeira linha” (1942a, p. 75). O

senso de medida, pouco comum na maioria dos

catecismos, revela-se uma das preocupações do

padre, que procura, através das lições do Meu

Catecismo, oferecer apenas o que o aluno pode

comportar, em lições que vão aumentando as

dosagens e se desdobrando de acordo com a série.

Essa possibilidade de um programa de catecismo

seriado se apresenta como uma das principais

vantagens do catecismo escolar.

Preocupado em formar para a vida, as

lições apoiam-se no método integral,

desenvolvido, claramente, na nota “Aos

Professores”, onde o autor retoma algumas

sugestões de trabalho aprofundadas na Pedagogia

do Catecismo. A proposta era fornecer um roteiro

temático, em lições, para que os professores

pudessem, de forma inventiva, adaptá-los às

realidades das suas salas de aula. Nos volumes

para o segundo, terceiro e quarto ano, o conteúdo

da nota “Aos Professores” é, praticamente, o

mesmo, acrescentando um ou dois parágrafos com

explicações específicas, como é o caso do livro

para o terceiro ano, que o padre indica quais as

lições que podem ser suprimidas se não houver

tempo de dar todo o conteúdo9. No volume para o

quarto ano, o autor explica que o livro foi pensado

para duas aulas semanais. Na escola em que só

houver uma aula semanal, a matéria deverá ser

dividida e o livro poderá ser usado, também, no

ano seguinte.

Em todas as notas, Negromonte reforçava

a importância de seguir o seu método que,

segundo ele, era baseado em uma história de onde

sai a doutrina, na qual se fundamenta a formação.

No volume Guia do Catequista, destinado a

orientar o trabalho no segundo ano, ao tratar dessa

questão, o padre afirma:

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12 Evelyn de Almeida Orlando

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012

sendo a inteligência a faculdade mestra

do homem vamos direto à inteligência: a

leitura, dando a história e a doutrina,

deve ser entendida. Feita a leitura, vem a

verificação, através do questionário, em

cada lição, apelando-se mais para a

Inteligência que para a memória. O que

for bem entendido será facilmente

conservado. Seguem os exercícios, cuja

importância nunca será demasiado

encarecida. Por vários motivos: integram

a lição, que ficará muito incompleta sem

eles; constantemente é neles que se

completam os quatro pontos da formação

e dão maior prazer às crianças,

constituem excelente aprendizagem para

a ação católica com seus métodos do

“ver, julgar e agir”, pois sou dos que

acham a capacidade de julgar o ponto

fundamental da educação. Gravíssimo

erro seria eliminá-los, sob qualquer

pretexto. Pelo contrário: devemos

multiplicá-los até. Outras atividades, que

o livro não pode dar – álbuns, cartazes,

dramatizações, excursões -, serão

praticadas com agrado e proveito. As

recapitulações, orais ou escritas (em

forma de testes, serão muito úteis,

algumas vezes ao ano. Cada lição termina

com uma pergunta e sua resposta, para o

aluno decorar. Deste modo evitamos

inconvenientes do sistema e lhe

aproveitamos as vantagens. É que

perguntas e respostas não devem ser

ponto de partida, mas de chegada –

quando a doutrina aprendida vai ser

conservada numa fórmula completa

(NEGROMONTE, 1961, p. 7-8).

As marcas dessa relação de

interdependência, que se estabeleceu ao longo dos

séculos entre catequização e leitura, aparecem de

forma clara nos livros dessa série. De um ponto de

vista prático, as lições se organizam de forma que

“lição e exercício” acabam, quando não

exercendo, auxiliando o processo de

alfabetização. Essa articulação também tem uma

história. Segundo Hèbrard (2007), a lição e o

exercício fazem parte da história das práticas

escolares. Assim, a “lição é a ordem do saber que

só se exprime quando perfeita. O exercício, ao

contrário, é essa autorização que a instituição dá

ao aluno, de mostrar suas tentativas, seus

esforços, seus fracassos, suas dificuldades. Expor

o momento da aprendizagem muito mais que seu

resultado: é isso o exercício” (Hèbrard, 2007, p. 4).

A ênfase, nos exercícios, dada pelo autor,

insere-se nessa perspectiva de aprendizagem e na

formação de habitus10

. Para ele,

a finalidade do ensino religioso é criar

atitudes e hábitos [...] perfeita escola

para a vida, o catecismo deve encaminhar

para o cumprimento dos deveres [...]

insistiremos nesses pontos de formação

sempre e sempre porque são a essência

da catequese e porque a constituição de

um hábito requer, em geral, não pequenos

cuidados (NEGROMONTE, 1960, p.12).

Os exercícios, propostos nas lições,

incluem o habitual questionário, a partir do

segundo ano, com perguntas abertas. Além disso,

é clara a referência para que o professor vá além

dos exercícios propostos e utilize dos recursos que

a moderna Pedagogia já atestou serem

proveitosos, como as dramatizações, a confecção

de álbuns, pelos próprios alunos, a ornamentação

da sala em conjunto, excursões, jogos,

recapitulações e a mesma técnica de leitura usada

na aula de Língua Portuguesa, “mesmo porque

todo ensino, principalmente no curso primário

deve ser entrosado” (NEGROMONTE, 1960, p.

13).

As lições da série Meu Catecismo são

organizadas em pequenas porções, que se

desdobram e se aprofundam ao longo do curso

primário, de acordo com a capacidade dos alunos.

O método tradicional era descrito por Negromonte

como muito dogmático e apresentava a tendência

de prescrever, de fora para dentro, o que a criança

deveria aprender, sem a preocupação de saber se

ela era capaz ou se o programa estabelecido

estava de acordo com as suas potencialidades

momentâneas e suas aptidões. Em contrapartida,

sua proposta pedagógica estabelecia porções de

medida para os conteúdos, de forma que o ensino

religioso não aborrecesse o aluno, tornando-se

indesejado e pouco compreensível.

Esse encadeamento e organização das

lições, reforça o que Lajolo (1996) afirma em

relação ao livro didático e confere aos catecismos

do padre Álvaro Negromonte maior legitimidade

quanto ao seu papel na História da Educação

Brasileira. Para Lajolo

o livro didático é instrumento específico e

importantíssimo de ensino e de

aprendizagem formal [...] Assim, para ser

considerado didático, um livro precisa ser

estudado de forma sistemática, no ensino-

aprendizagem de um determinado objeto do

conhecimento humano, geralmente já

consolidado como disciplina escolar. Além

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“Meu Catecismo”: cultura católica e modernidade na produção de livros didáticos para a educação da 13

infância brasileira

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012

disso, o livro didático caracteriza-se ainda

por ser passível de uso na situação

específica da escola, isto é, de aprendizado

coletivo e orientado pelo professor (1996, p.

4).

Os catecismos escolares produzidos por

Negromonte eram, na verdade, os livros utilizados

nas aulas de ensino religioso. Por essa razão

deveriam estar equiparados, pedagogicamente,

com as outras disciplinas escolares, gráfica e

pedagogicamente. Neste caso, o projeto do seu

autor buscava atender o princípio da

funcionalidade. A expressão “educação funcional”

foi usada por Edouard Claparède11

para

designar a educação que se propõe

desenvolver os processos mentais

considerando-os, não em si mesmos, e sim

quanto à sua significação biológica, ao seu

papel, à sua utilidade para a ação presente

ou futura, para a vida. A educação

funcional é a que toma a necessidade da

criança, o seu interesse em atingir um fim,

como alavanca da atividade que se deseja

despertar nela (CLAPARÈDE, 1954, p.1).

A função da lição seria, a partir do interesse,

produzir ações que respondessem a uma

necessidade. Com isso, Negromonte se aproximava

da Pedagogia Funcional de Claparède. De acordo

com este autor, “o interesse é o princípio fundamental

da atividade mental [...] Agir, ter uma conduta, é

escolher, a cada passo, entre muitíssimas reações

possíveis. O móvel dessa escolha contínua é o

interesse” (CLAPARÈDE, 1954, p. 61).

Nessa perspectiva, ao tratar da pessoa de

Jesus Cristo, tal como o autor faz logo na primeira

lição do primeiro volume, criando um enredo

entre as lições, deveria não só despertar a

curiosidade do aluno como aguçar o seu interesse

em saber mais sobre o assunto. Primeiro, Jesus

aparece como um menino que, como todos os

outros, têm uma história que segue com o seu

nascimento, com os convidados que foram lhe

prestigiar com presentes, a sua vida em família, o

seu crescimento e a sua relação de proximidade

com as crianças. Suscitado o interesse,

estabelecida a relação de proximidade, a eficácia

do processo está no que Claparède chama de “Lei

de Adaptação funcional”, que pode ser formulada

pelo seguinte corolário: a ação se produz quando é

de natureza a satisfazer a necessidade ou o

interesse do momento. Dela se extrai a seguinte

regra de aplicação prática: para fazer um

indivíduo agir, deve-se colocá-lo nas condições

próprias ao aparecimento da necessidade que a

ação que se deseja suscitar tem por função

satisfazer.

Na mesma perspectiva quando trata da

Igreja, da missa e das festas como instituições

sagradas, mas também como espaços de

sociabilidade, o autor espera criar necessidades

que suscitarão um conjunto de ações para

satisfazê-las e que resultarão na configuração de

um cristão prático.

As lições sobre os Mandamentos, a graça,

a oração, os sacramentos estão carregadas de um

código comportamental próprio da civilidade

cristã. Segundo Chartier (2004, p. 58), “cristã e

universal por excelência, a civilidade se

diferencia, portanto, na sua execução em tantos

comportamentos convenientes a cada estado ou

situação”. De maneira que esse conjunto de

regras, que se constituem práticas de um

determinado grupo, faz parte do processo

civilizatório ao qual o homem está submetido.

Mas, a civilidade, segundo La Salle, vai além das

normas de conveniência social, se estiver

embasada no Evangelho. Nesse caso,

ela é uma maneira de render homenagem a

Deus: ter uma postura modesta e decente é

respeitar sua presença perpétua, ser civil e

honesto com outros é prestar honra a ‘

membros de Jesus Cristo e a Templos vivos,

animados pelo Espírito Santo. A civilidade

é, então, ao mesmo tempo, honestidade e

piedade e abrange tanto a Glória de Deus e

a salvação como a conveniência social

(CHARTIER, 2004, p. 64).

O Tratado de civilidade de La Salle,

citado reiteradamente por Elias no volume um do

Processo Civilizador (1990), cristianiza os

fundamentos da civilidade e faz circular, a um

público infantil, “normas de condutas coercitivas

e exigentes na intenção de frear os impulsos

sensuais e afetivos” (CHARTIER, 2004, p. 67).

A estratégia estaria em criar, no aluno, o

interesse por esses preceitos, tornando sua

aprendizagem uma necessidade. Nesse ponto,

poderia se perguntar: como criar essa necessidade

na escola? Ao que Claparède responde: “A

solução desse problema parece desesperadora.

Não o é, entretanto, para quem leve em conta os

ensinamentos da psicologia da criança. Esse

saberá que o jogo, o brinquedo, é uma das

principais necessidades da criança” (1954, p.

157). Não por acaso, foi esse o caminho que

Negromonte elegeu em seu projeto pedagógico.

Os professores deveriam atrair os alunos,

despertando-lhes a curiosidade, estimulando-os a

participarem da aula, através de jogos e

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14 Evelyn de Almeida Orlando

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012

brincadeiras pautados na temática em questão.

Com isso, eles iriam incorporando, por uma

necessidade que lhes é inerente - a brincadeira -

inúmeros hábitos e normas de conduta que

passariam reger a sua vida cotidiana,

transformando-os em verdadeiros cristãos, pela fé

e pelas práticas. Ao tratar dessa questão em sua

Pedagogia do Catecismo, o padre ensinava:

Chego a uma classe de criancinhas todas

desatentas. A catequista ensina quantas

naturezas há em Jesus Cristo e se esforça com

as mãos para manter os pequeninos voltados

para ela, a fim de ouvi-la. E não consegue

nada. Eu tiro do bolso meia dúzia de

santinhos e os espalho no banco. A criançada

rodeia. Chovem comentários. Fazem-se

perguntas inocentíssimas, deliciosíssimas.

Respondo e faço outras [...] Deixa eu ver [...]

e estendem as mãozinhas ávidas, os olhos

rutilantes, fonte contraída, suspensa a

respiração (NEGROMONTE, 1940, p. 149-

150).

O que parecia ser uma preocupação

apenas de ordem metodológica, acabou se

tornando a base de uma proposta pedagógica para

as aulas de ensino religioso, fazendo com que os

saberes elementares sobre a doutrina da Igreja,

que consistem no conteúdo básico desses

manuais, associado às questões do seu cotidiano,

permitissem ao aluno estabelecer as articulações

necessárias entre fé e vida, através de um conjunto

de práticas que reforçam a civilidade cristã.

Considerações Finais

A mudança de cunho didático no

conteúdo e a mudança editorial empreendida pelo

Monsenhor Álvaro Negromonte em seus textos de

catecismo foram elementos essenciais para a

renovação do ensino religioso e a Pedagogia

católica na sociedade brasileira entre as décadas

de 30 e 60 do século XX. De fato, o catecismo

auxiliou na recristianização da nação no que tange

à disputa externa pelo campo religioso, mas do

ponto de vista interno, a qualidade dos novos

cristãos era fruto de um projeto de cristianização

mais eficiente e duradouro.

A publicação de novos livros de

catecismos, em um novo suporte material e

textual, tinha um significado mais amplo para a

Igreja, que ia além da esfera pedagógica e recaía

no âmbito político. Publicar é tornar algo público.

É fazer conforme assinala Bourdieu “passar do

oficioso ao oficial. A publicação é a ruptura de

uma censura” (2001, p. 244). Publicar novos

textos de catecismos era uma demonstração

pública do diálogo católico com os novos tempos

que vinha tentando ser silenciado pelo grupo de

liberais republicanos, ao fazerem frente ao

catolicismo. Significava romper com a censura

republicana e imprimir as marcas da Igreja na

História.

Dessa forma, a cultura católica foi se

fazendo presente na educação ao mesmo tempo

em que, ao se apropriar das contribuições das

ciências educacionais modernas, reconfigurou

muitas das suas práticas educativas. Essa

renovação da Pedagogia Católica permite pensar

em outros enfoques e contornos que configuraram

a educação brasileira na primeira metade de

século XX, imprimindo marcas, ainda sombreadas

na historiografia educacional do Brasil.

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Universidade Católica, 2005. (Tese de

Doutoramento).

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Santa Catarina, 1990.

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CÂMARA, Jaime D.; FREYRE, Gilberto. In:

Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis/RJ:

Editora Vozes, 1964, vol. 24, fasc.3.

(Depoimentos contracapa)

CERTIDÃO DA ESCRITURA DE EDIÇÕES

RUMO S.A. In: Diário Oficial da União. 29 de

março de 1960. Seção 1, parte 1, p. 5751, 5752.

NEGROMONTE, Álvaro (Pe.) Meu Catecismo:

2º ano primário. Petrópolis/RJ: Editora Vozes,

1942

______________________. Meu Catecismo: 3º

Ano Primário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Ed. José

Olympio, 1957.

_____________________. Meu Catecismo: 4º

Ano Primário. 17ª ed. Rio de Janeiro: Ed. José

Olympio, 1959.

_____________________. Meu Catecismo: 1º

Ano Primário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ed. José

Olympio, 1960.

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16 Evelyn de Almeida Orlando

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 7-16, jan./jun.2012

Notas

1 O Monsenhor Álvaro Negromonte, foi um intelectual da educação católica que atuou, principalmente, nos

Estados de Minas Gerais e no Rio de Janeiro, implementando, a partir de Minas, um projeto pedagógico

que alcançou circulação nacional e lhe conferiu o título de um dos maiores educadores católicos do Brasil,

como atestam D. Jaime Câmara e Gilberto Freyre (1964).

2 Sobre a coleção, ver Orlando (1998).

3 Sobre a posição dos católicos face ao regime republicano e os desdobramentos da questão laicista na

educação brasileira a partir dos anos de 1930, ver Jamil Cury (1978), Horta (1994), Beozzo (1984).

4 Alguns países como Itália, Alemanha e Áustria adotaram em diferentes momentos, textos únicos de

catecismo que refletiam mais a idéia de identidade sócio-cultural do que a unificação das práticas

educativas da Igreja. O próprio Catecismo da Doutrina Cristã, apesar de ter sido difundido em muitos

países, só foi instituído, na prática, como texto oficial na Itália. Sobre esse movimento catequístico no

âmbito internacional, ver Bollin & Gasparin (1998).

5 Tais ações não se constituem objeto de análise deste artigo, mas podem ser encontradas nos trabalhos de

Orlando (2008), Calvo (1986) e Silva (2005)

6 Essa expressividade pode ser vista nas teses do Congresso Catequístico Brasileiro, realizado em 1928, em

Belo Horizonte e nas teses apresentadas no I e no II Congresso Católico de Educação, realizados pel

Confederação Católica Brasileira de Educação (CCBE), em 1934 e 1937, nas cidades do Rio de Janeiro e

Belo Horizonte, respectivamente. Só o I Congresso de Educação católica publicou Anais com as teses

apresentadas. No entanto, as teses apresentadas nos outros dois congressos foram largamente difundidas na

imprensa periódica católica do Estado de Minas, sobretudo, nos jornais O Horizonte e O Diário.

7 Ver Certidão de Escritura publicada no Diário Oficial da União (1960)

8 Essa carta, que muda a cada série, tendo em vista o público para o qual se dirige, aparece como um dos

elementos pré-textuais dos livros da série Meu Catecismo e confere uma singularidade à obra, por

estabelecer uma relação pessoal entre o autor, o objeto impresso e o leitor. Por ser endereçada a cada

público específico, o fato de alguns dos manuais analisados não a conterem revela que as reimpressões não

são uniformes, mesmo se tratando de uma coleção publicada pela mesma casa editorial.

9 “Quando não for possível dar as 31 lições durante o ano, suprimam-se, digo com pena: foi tudo tão

planejado!) as seguintes: O homem, Promessa do Salvador, Vida Oculta, Vida pública, A missa une os

cristãos, As festas da Igreja, Perdão dos pecados, Para a boa confissão, Os Sacramentos, A comunhão,

Respeito à Igreja, Os Mandamentos” (NEGROMONTE, 1957. p. 10)

10 A prática de leitura, para o autor, também se constitui em um exercício. Mesmo quando a professora lê a

lição, ou apresenta a lição, os alunos devem estar ouvindo, atentos, concentrados, o que ele defende

também como processo ativo de aprendizagem.

11 Segundo Claparède, foi na América que surgiu a Psicologia funcional, com William James, sendo nada

mais do que a “aplicação à Psicologia, por um lado, do ponto de vista biológico, e, por outro, do ponto de

vista pragmatista, segundo o qual, antes de mais nada é a ação que importa: não vivemos para pensar,

pensamos para viver”. No entanto, para Claparède, James não expõe de maneira muito explícita os

princípios da educação funcional, tendo sido John Dewey quem realizou essa parte do programa. A

concepção da educação funcional está presente portanto, segundo o próprio Claparède, em toda a obra

pedagógica de John Dewey (CLAPARÈDE, 1954).

Sobre a autora:

Evelyn de Almeida Orlando: Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe; Doutoranda da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da

Educação (NEPHE) da UERJ.

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17

* Endereço eletrônico: [email protected]

Cultura, educação e lei 10.639/03: discussões, tendências e desafios

Luciane Ribeiro Dias Gonçalves*

Resumo

Este artigo é uma reflexão teórica que busca dar sentido à cultura negra no cotidiano escolar, a partir da

promulgação da Lei 10.639/03, que lançou para a escola o desafio de trazer a história da África e cultura

afro-brasileira como um dos conteúdos eleitos para discussão em sala de aula. A dificuldade de

implementação da referida lei pousou sobre a falta de conhecimento sobre o assunto, o que nos convoca a

discutir acerca da uma postura pertinente, por parte da escola, frente a cultura negra. Nesse trabalho,

apresento e defendo como pertinente, a postura de reconhecimento e valorização da cultura negra a partir do

resgate da história da África, designando à Educação o papel relevante de romper com o legado eurocêntrico

que tem excluído a cultura negra. Proponho a utilização dos valores civilizatórios afro-brasileiros e as

africanidades como forma de fortalecimento da autoestima negra e a construção de uma nação mais criativa e

produtiva.

Palavras-chave: Cultura negra, valores civilizatórios, africanidades.

Culture, education and law 10.63903: discussions, trends and challenges

Abstract

This article is a theoretical reflection that seeks to make sense of the black culture in school everyday, from

the enactment of the law 10.63903, which launched to school the challenge of bringing the history of Africa

and Afro-Brazilian culture as one of the elected content for classroom discussion. The difficulty of the

implementation of the law landed on the lack of knowledge on the subject, which convenes to discuss about

an appropriate posture on the part of the school, front black culture. In this work, present and defend as

relevant, the posture of recognition and appreciation of black culture from the rescue of African history,

referring to the important role of Education break with Eurocentric legacy that has deleted the black culture.

I propose the use of African-Brazilian civilization values and africanidades as a way of strengthening of self-

esteem and the construction of a more creative and productive nation.

Keywords: black culture, civilization, values africanidades.

A formação pluriétnica da população

brasileira é um fato inquestionável. Mesmo um

olhar empírico direcionado a realidade à nossa

volta é capaz de nos fazer perceber o quão diversa

é a nossa composição étnico-cultural. É

justamente isso que diferencia a população

brasileira: a sua pluralidade de matrizes culturais.

Não seria mais justo e produtivo que esta

diversidade estivesse presente em todos os setores

da sociedade e, principalmente, no campo da

Educação?

É fato que a diversidade cultural não é

reconhecida de forma equânime pela escola. Em

um breve olhar sobre este espaço, percebe-se a

existência do predomínio, para não dizer

hegemonia, da matriz cultural europeia como

cultura eleita para o trabalho pedagógico. Porém,

a atual discussão sobre as conjunturas sociais tem

promovido aberturas de espaços para maior

número de contestações e revoltas dos diversos

setores “excluídos”.

Diante disso, somos instados a perguntar:

se somos um país diverso, por que a Educação

não reflete esta diversidade? Como uma forma de

resposta a esse estado de coisas, as culturas

excluídas e grupos subjugados têm procurado

cada vez mais formas de reestruturações

curriculares, o reconhecimento de seus valores e

influências, conforme Gonçalves (2004) destaca,

em um de seus estudos.

A discussão sobre a questão das relações

raciais tem ocupado papel de destaque nos debates

recentes. Os movimentos negros têm buscado

espaço para que, no ambiente escolar, seja dada

visibilidade à cultura negra, para que aluno(a)s

negro(a)s e branco(a)s possam (re)ver a formação

da nossa sociedade e sua própria formação

identitária.

Nessa perspectiva, a postura da instituição

educacional, revelada pela sua proposta curricular,

deve se preocupar com as culturas negadas a fim

de promover mudanças na estrutura sócio-

econômica da sociedade. Sobre isso, Santomé

indica que:

O discurso educacional tem que facilitar

que as crianças de etnias oprimidas,

assim como as dos grupos dominantes,

possam compreender as inter-relações

entre os preconceitos, falsas expectativas

e condições infra-humanas de vida das

populações marginalizadas com as

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18 Luciane Ribeiro Dias Gonçalves

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 17-23, jan./jun.2012

estruturas políticas, econômicas e

culturais dessa mesma sociedade

(SANTOMÉ, 1995, p. 170).

Dessa forma, recorro a um conjunto de

símbolos gráficos de origem akan, chamado

adinkra para buscar o ideograma sankofa. Este

ideograma é representado por uma estilização do

pássaro, que vira a cabeça para trás. Como a

cultura africana é povoada de mitos e símbolos

que expressam conceitos filosóficos, o sankofa

significa “nunca é tarde para voltar e apanhar

aquilo que ficou atrás”, sempre podemos retificar

nossos erros. Esta é a proposta deste texto: voltar

às raízes e buscar compreendê-la nas suas

especificidades.

A proposta é que reformulemos a nossa

representação sobre cultura negra, que a

busquemos, voltando às nossas raízes, para que a

escola possa reformular a sua postura

eurocêntrica. Contudo, podemos nos questionar:

Qual é a cultura negra que se reivindica estar

presente nos currículos e no cotidiano escolar?

Disponho-me, neste ensaio, a discutir a

cultura negra, especificamente no que tange ao

fato de sua negação e seu silenciamento nos

currículos escolares, uma vez que, atualmente, a

necessidade legal tem feito com que

educadore(a)s de todo país repensem suas práticas

eurocêntricas. Busco, assim, apresentar o

arcabouço jurídico normativo que impulsiona esta

mudança. A partir daí, discuto que a mudança não

pode ser apenas no acréscimo de conteúdos nas

disciplinas que compõem os currículos dos

diversos níveis de ensino. Argumento a

necessidade de se conhecer conceitualmente as

africanidades e os valores civilizatórios, pois são

eles que alicerçam o reconhecimento da cultura

negra.

Educação, cultura e identidade

Em 2003, foi sancionada a normativa que

propõe uma mudança no contexto eurocêntrico da

escola. A Lei 10.639/03 inclui no currículo oficial

da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática

"História e Cultura Afro-Brasileira”. Apesar de

ser um avanço em termos das reivindicações

históricas dos movimentos negros, essa normativa

suscitou vários questionamentos e dúvidas entre

os profissionais da Educação. O motivo destas

dificuldades está diretamente ligado à ausência do

debate sobre a história de África e sobre a cultura

afro-brasileira na formação inicial, tendo como

consequência a necessidade de elegê-las como

temática na formação continuada de professores.

Em seu primeiro artigo, a referida lei determina:

1o O conteúdo programático a que se

refere o caput deste artigo incluirá o

estudo da História da África e dos

Africanos, a luta dos negros no Brasil, a

cultura negra brasileira e o negro na

formação da sociedade nacional,

resgatando a contribuição do povo negro

nas áreas social, econômica e política

pertinentes à História do Brasil (BRASIL,

2003).

Entende-se assim por que tantos

profissionais da educação ficaram atônitos com a

promulgação da lei, enquanto que outros

profissionais que, por vários motivos estiveram

envolvidos com as manifestações culturais negras

brasileiras, sentiram-se à vontade para trazer a

temática para suas salas de aula.

Durante a formação inicial poucos

profissionais de Educação puderam conhecer a

história de África e em suas vidas presenciaram a

desqualificação das manifestações culturais

negras. Entendo que este seja um dos motivos que

causaram dificuldades de implementação da

proposta em seus momentos iniciais. Contudo,

hoje vários profissionais têm conseguido construir

seus caminhos buscando apoio nas manifestações

culturais negras de suas localidades. Voltaram

atrás e buscaram nas raízes.

Acredito que precisamos superar a

estereotipia, a invisibilidade e a folclorização da

cultura negra para atendermos de forma efetiva e

transformadora os preceitos legais. África é um

continente pouco conhecido por nós, brasileiros, a

não ser nas suas formas estereotipadas e

apresentadas pela mídia ressaltando a pobreza,

miséria e doenças. Certamente, não é esta visão

que a lei suscita o debate. Precisamos conhecer a

história de lá que nos faz aqui.

Para Cunha Jr, a simples existência de um

povo deveria ser a justificativa para que houvesse

o reconhecimento da história e da cultura do

mesmo para a Educação. Contudo, isso não se

evidencia na prática ou quando se diz estar

contemplando, a cultura negra brasileira não se

consegue reconhecer na versão apresentada. Para

ele, “a dificuldade deste reconhecimento é em

virtude da forma caricatural e reduzida com que

somos incluídos nessas versões da cultura e da

história nacional” (CUNHA Jr, 2005, p. 254).

Ainda nesse sentido, Gomes destaca que

cada vez mais confirmaremos que, para entender

o Brasil, é preciso conhecer e compreender a

África (GOMES, 2003, p.84). O compromisso

político que a autora traz mostra que a intrínseca

ligação histórica entre Brasil e África não pode

ser reduzida a passado, mas ao contrário, marca

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Horizontes, v. 30, n. 1, p. 17-23, jan./jun.2012

também a atualidade. Cunha Jr corrobora com a

questão destacando a postura seletiva que a

Educação tem frente aos conteúdos:

Cultura, identidade e história

apresentarão sempre aspectos críticos ao

serem tratados pela carga política que

estas definições e conceitos encerram. A

educação transmite a cultura, assim, ela

se reserva o direito de dizer o que é

cultura. Cabe, antes de qualquer coisa,

perguntarmos qual educação, para quem

e para quê? A educação faz a seleção dos

temas por um critério unicamente

ideológico, político, mas se ampara nas

ciências para justificar as escolhas.

Vendo que as ciências fazem um esforço

para serem consideradas neutras, e

também verdadeiras. Consideramos as

ciências como não neutras. Como espelho

de uma sistematização dos conhecimentos

provisórios, portanto mutáveis, sem o

sentido de certo ou errado, muito menos

de verdadeiro ou falso. As definições de

cultura e história abrangem sempre

concepções sobre as quais não existe uma

unanimidade de perspectiva, e as

definições fazem parte da cena do

confronto políticos entre os grupos

sociais (CUNHA Jr, 2005, p. 20).

A definição de conteúdos voltados a

contemplar a diversidade da cultura negra é

prioritária, neste momento. No que diz respeito à

cultura negra brasileira, sabemos da sua

variedade. Como discuti no início deste texto,

prevalece nos currículos escolares uma postura

eurocêntrica que nos leva a materialização da

invisibilidade e folclorização da cultura negra

brasileira nas práticas pedagógicas. Nunes destaca

que:

Historicamente temos o processo de

exclusão da cultura negra da cultura

oficial, consequência de uma ideologia

racista e discriminatória que tem negado

a participação desses povos na

constituição da cultura nacional. Esta

cultura de base africana sempre foi

desvalorizada e comumente associada à

bruxaria, tratada como folclórica e

exótica (NUNES, 2011, p. 39).

A atuação da escola deve ser voltada para

o resgate da cultura negada e silenciada com

intuito de desconstruir visões pejorativas e

discriminatórias. Isso implica na problematização

da discussão, levando-nos a uma reflexão mais

ampla e ao entendimento sobre os processos de

produção de uma cultura elaborada de base

africana no contexto brasileiro, bem como avaliar

a participação das populações afrodescendentes na

cultura nacional e nos sistemas educacionais

recolocando esta temática na orientação dos temas

educacionais do Brasil.

Assim, o desafio lançado por este artigo é

de buscarmos a compreensão da cultura negra na

perspectiva dos conceitos de africanidades. Esta

postura nos leva a outra forma de encarar a

contribuição negra para a cultura nacional e está

alicerçada no respeito à herança africana ancestral

recriada e ressignificada no contexto brasileiro.

Não seria a troca da cultura europeia pela cultura

africana; contrariamente, a proposta é do diálogo

dessa com as outras etnias, ao mesmo tempo, em

que, inevitavelmente, evidencia-se com as formas

de dominação ocidental.

Nesse sentido, precisamos (re)conhecer as

especificidades desses povos, buscando

compreender como, ao longo do seu processo

histórico e social, têm se ressignificado os valores

socioculturais de base africana e construído

formas bem particulares de cultura.

Africanidades e valores civilizatórios presentes

na cultura negra

Na sociedade brasileira, houve a tentativa

de se descartar as contribuições da cultura negra

quando da composição da nossa identidade. A

atualidade exige uma nova postura com relação a

isso. Necessitamos romper com eurocentrismo e

reconhecer a contribuição africana, buscando nele

as bases do seu pensamento para que nos sirva

como referência na (re)elaboração do

conhecimento.

Com a escravização do povo africano, seu

sequestro e a extradição para outros países, os

colonizadores impuseram a ruptura violenta com

os valores civilizatórios deste povo. Em África, os

negros tinham em cada um dos grupos sua cultura

própria. A escravização colocou todos em um

único grupo e ainda houve a tentativa de forçar a

cultura dos colonizadores.

O povo africano possuía/possui uma

forma de ver o mundo e estabelecer relações com

ele que perduram naqueles países e em outros,

espalhados pelo mundo através da diáspora

africana. Surpreendentemente, ao invés de ser

anulada a cultura negra consegue dar uma

resposta criativa, como denomina Oliveira (2006).

Para este autor, a população negra

espalhada pelo mundo através da diáspora

conseguiu resistir em suas tradições e, além disso,

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20 Luciane Ribeiro Dias Gonçalves

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 17-23, jan./jun.2012

através de uma resposta criativa espalhou-a pelo

mundo. Oliveira destaca que o que é repassado de

geração para geração não são os mesmos

conhecimentos originais trazidos de África. Para

ele, valores civilizatórios, são elos, valores e

princípios que nos aproximam, guardando

características da cultura negra, reconstruída no

contexto brasileiro, preservando, entretanto, sua

matriz africana.

Dessa forma, consideramos que nos

atermos a entender estas contribuições é propício

ao momento mundial que traz à tona discussões

sobre sociedade, cidadania, paz, meio ambiente,

crise na produção econômica e outras temáticas

em que a visão de mundo africana pode contribuir

de várias formas.

A negação da cultura negra foi

estabelecida nas relações de poder e, desta forma,

fazer um resgate desta cultura também tem uma

conotação política. Entender que a cultura negra

trazida durante a colonização pelos escravizados

pode/deve ser considerado conhecimento muda a

representação do povo negro na atualidade.

Historicamente, os vários movimentos de

resistências do povo negro conseguiram, mesmo

sob pena de sanções, manter uma forma cultural

própria de lidar com o mundo. Tanto para uma

criança/jovem negro quanto para um não negro

entender isso pode mudar sua forma de se ver e

ver o mundo.

Entendo que esta é a possibilidade da

Educação reposicionar-se frente ao processo que

Freire chamou de Pedagogia do Oprimido. Esta

pode ser a hora em que a Educação poderá

assumir seu caráter inovador e transformador,

carecendo, porém, de que reconheçamos os

valores civilizatórios presentes na cosmovisão

afro-brasileira, pois é ela, conjuntamente com as

demais contribuições étnico-culturais, que nos faz

ser o que somos.

Embaso-me em Cunha Jr, na tentativa de

esclarecer alguns elementos dos valores

civilizatórios afro-brasileiros:

Para a constituição de um pensamento de

base africana alguns elementos foram

fundamentais: a comunidade e o seu

enraizamento na terra, e a

ancestralidade. Estas marcas significam,

para o africano, a noção de repetição dos

ciclos da vida, dos astros e do universo.

Sequência que se repete, mas com

modificações, com acréscimos. Como

trajetórias que são próximas, mas não se

repetem, com idéias que hoje, no mundo

ocidental, são representadas na

matemática pelas teorias do caos. A idéia

da comunidade e da cabeça humana

inspira as circularidades de

representação do mundo para os

africanos. A terra sempre foi redonda

para os africanos, em função desta

concepção circular de representação da

perfeição. O ser humano pensante está

sempre no centro do pensamento dos

diversos povos e filosofias africanas. A

ancestralidade é a marca de permanência

do ser sobre o tempo. Neste se assentam

todos os processos de conhecimento e de

evolução do mundo. No conceito de

ancestralidade e a marca de permanência

do ser sobre o tempo. Neste se assentam

todos os processos de conhecimento e de

evolução do mundo. No conceito de

ancestralidade e do respeito a ela se

fundam os princípios da organização

social e da interação do ser humano

coletivo com os demais seres da natureza.

O pensamento africano procura sempre a

explicação da totalidade como um

conjunto indivisível complexo e de

conexões múltiplas. A comunidade, sua

terra e seu povo constituem a base da

identidade e da construção das

sociedades africanas. A força vital e a

palavra são dois conceitos que explicam

os dinamismos, as mudanças, nas

sociedades africanas. A força vital é a

energia a ser acumulada para a

continuidade e para a mudança. A

palavra é cultuada com conhecimento e

como elemento de criação. A palavra

precisa ser pronunciada com cuidado,

dado seu poder de criação. A palavra tem

um sentido rítmico na sua expressão.

Para os africanos, também os tambores

falam (CUNHA Jr, 2005, 262-3).

Quando buscamos os valores

civilizatórios afro-brasileiros, tomamos a postura

de negar a afirmação construída historicamente

para resguardar o processo de escravização de que

o povo negro era um povo desprovido de cultura e

conhecimento. Pelo contrário, além de possuírem

conhecimento este povo conseguiu de forma

resistente e criativa manter este conhecimento em

toda a diáspora.

São saberes ligados às diversas áreas do

conhecimento como as artes, as ciências, religião,

literatura entre outras. Souza, pesquisando a

realidade da Educação Infantil e a criança negra

constatou que os valores civilizatórios afro-

brasileiros como a circularidade, a oralidade, a

alegria, a ancestralidade, a aprendizagem

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Cultura, educação e lei 10.639/03: discussões, tendências e desafios 21

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 17-23, jan./jun.2012

iniciática, o princípio da energia vital são valores

que “se consolidados na Educação Infantil, podem

ganhar fôlego e potência para se ampliarem para

além dos muros da escola com o status que nos é

socialmente devido, neste longo processo de

constituição da sociedade brasileira” (SOUZA,

2005, p.8). A autora acrescenta ainda que:

As culturas africanas assentam-se em três

pilares básicos: oralidade, relação

dinâmica com a ancestralidade e

sincronicidade entre o espaço histórico

(aye) e o espaço sagrado (orun). A

oralidade dá sustentação às histórias

humanas e sagradas desses povos. Entre

os iorubas (povo da África Ocidental:

Nigéria, Togo e Daomé), a "oratura"

sustenta-se nos Versos Sagrados de Ifá,

transmitidos pelos mais velhos aos mais

jovens, iniciados na tradição. Essa é a

forma de veiculação do axé (força vital

ancestral), inoculado no rito de passagem

iniciático. A relação dinâmica com o

ancestral não o segrega no passado. Pelo

contrário: o ancestral – histórico e mítico

orixá – está presente no dia-a-dia do

fazer humano. Ele é o elo que liga o

ioruba ao mundo sagrado, orun. Mundo

que retroalimenta os sonhos e as

realizações dos seus descendentes

(SOUZA, 2005, p. 10).

Reconheço que necessitamos nos

apropriar de forma mais concreta deste saber. Faz-

se necessário um processo de formação inicial e

continuada que possa esclarecer os princípios dos

valores civilizatórios afro-brasileiros, para que

efetivamente possamos utilizá-los de forma

transformadora. Esta reflexão recoloca as

discussões sobre formação da identidade nacional,

questiona a inferiorização negra e o papel da

cultura negra neste processo. A Educação é

prioritária neste debate que é premente.

A escola ficará de braços cruzados?

Poderemos continuar numa postura eurocêntrica

frente a tantas evidências de contribuições da

cultura negra? Este é o questionamento que

acredito ser pertinente neste momento. Impossível

ficarmos inertes frente às discussões apresentadas

até aqui quando pensamos em uma escola

democrática/transformadora e em aluno(a)

crítico/participativo(a).

Pensarmos nas contribuições da cultura

negra esquecidas pela escola eurocêntrica é pensar

na escola que nega o outro conhecimento que

pode ser ampliado e esclarecido. Para Gomes,

trata-se de compreender que há uma lógica gerada

no bojo de uma africanidade recriada no Brasil, a

qual impregna a vida de todos nós, negros e

brancos.

Nesse sentido, qualquer adjetivação da

cultura, seja cigana, judaica, indígena ou

negra, é uma construção social, política,

ideológica e cultural que, numa sociedade

que tende a discriminar e tratar

desigualmente as diferenças, passa a ter

uma validade política e identitária. A

cultura negra possibilita aos negros a

construção de um “nós”, de uma história

e de uma identidade. Diz respeito à

consciência cultural, à estética, à

corporeidade, à musicalidade, à

religiosidade, à vivência da negritude,

marcadas por um processo de

africanidade e recriação cultural. Esse

“nós” possibilita o posicionamento de

negro diante do outro e destaca aspectos

relevantes da sua história e de sua

ancestralidade. A cultura negra só pode

ser entendida na relação com as outras

culturas existentes em nosso país. E nessa

relação não há nenhuma pureza; antes,

existe um processo contínuo de troca

bilateral, de mudança, de criação e

recriação, de significação e

ressignificação. Quando a escola

desconsidera esses aspectos ela tende a

essencializar a cultura negra e, por

conseguinte, a submete a um processo de

cristalização ou de folclorização

(GOMES, 2003, p. 78-9)

Concordando com a autora, entendo que é

impossível a compreensão da nossa história

desconsiderando a participação de africanos e

indígenas na composição desta sociedade. Sem

conteúdos referentes à História da África, o

entendimento sobre as origens do povo brasileiro

fica comprometido (NUNES, 2011).

Quando solicitados a externar formas de

manifestações afro-brasileiras presentes em nossa

sociedade, muitos poderão responder

manifestações como samba, capoeira e congada,

por exemplo. Certamente, estas são

exemplificações de manifestações culturais

negras, porém quando falamos de africanidades,

pretendemos ir além da constatação factual.

Queremos compreender como estas manifestações

se organizam, como se perpetuam, como são as

relações de poder estabelecidas nelas, enfim,

queremos buscar, nestas manifestações, os seus

princípios herdados das culturas africanas que

podem contribuir à construção de uma mudança

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Horizontes, v. 30, n. 1, p. 17-23, jan./jun.2012

conceitual visão de mundo.

Buscar as africanidades é um processo de

resgate. Silva esclarece que:

Ao dizer africanidades brasileiras

estamos nos referindo às raízes da cultura

brasileira que têm origem africana.

Dizendo de outra forma, estamos, de um

lado, nos referindo aos modos de ser,

viver, de organizar suas lutas, próprios

dos negros brasileiros, e de outro lado, às

marcas da cultura africana que.

Independentemente da origem étnica de

cada brasileiro, fazem parte do seu dia a

dia (SILVA, 2005, p. 155).

Compreender as africanidades se faz

necessário no contexto atual, com a intenção de

que, conhecendo melhor a história e a cultura

negra, a observação do cotidiano, da escola, dos

diversos espaços sociais pode, na perspectiva das

africanidades, promover o combate a

discriminação racial e cultural.

A Educação pode utilizar as africanidades

nas diversas disciplinas. Cada conteúdo

disciplinar tem seu potencial interdisciplinar.

Devemos nos aproximar das diversas

manifestações culturais negras existentes e

dialogar com elas a fim de entender a realidade e

servir-nos do trabalho dos movimentos negros,

por exemplo, que têm desenvolvido alternativas

para preservar a cultura negra e da mesma forma,

divulgá-la abrangentemente.

Considerações Finais

O valor que a cultura tem para um povo é

enorme. Talvez isso justifique o fato de, no Brasil,

ter havido um esforço grandioso para que a

cultura negra fosse “invisibilizada” e

“inferiorizada”. A ideologia do branqueamento

em conjunto com a defesa da mestiçagem, até por

meio políticas públicas nacionais, demonstram

algumas das metodologias utilizadas para isso.

Contudo, na contramão, a cultura negra conseguiu

subverter a ordem e preservar-se nos diversos

pontos de resistência negra e, ainda na atualidade,

pode ser observada a manutenção de aspectos dos

valores civilizatórios africanos presentes entre

nós.

Acredito que o resgate da cultura negra

não interessa somente às crianças e jovens

negros/negras, mas a todos os alunos de outras

ascendências étnicas. Dada a grandiosa

participação de várias contribuições étnicas na

formação da sociedade brasileira, em seus

diversos aspectos, inclusive o cultural, reconhecer

a participação de todas é se reconhecer nas

particularidades. Incorporar a diversidade cultural

e étnica significa assumir o compromisso com a

dignidade humana.

À Educação cabe o papel relevante de

romper com o legado eurocêntrico que tem

excluído a cultura negra. Isso contribuirá para que

possamos compreender a história de África e sua

cultura. Assim poderemos sem temor “voltar

atrás” e aprender com ela preceitos básicos para

conseguirmos relacionar com o que somos hoje.

Esse é uma exigência básica da cidadania, pois é a

afirmação de nossa identidade cultural enquanto

um direito da pessoa humana.

A intenção da discussão apresentada neste

artigo é de que a Educação aposse-se da cultura

negra a fim de promover uma revolução em nosso

país; a revolução em busca da cidadania baseada

no reconhecimento da história e cultura negra que

forma a nossa identidade nacional.

As crianças negras serão favorecidas na

formação do seu processo identitário e de

autoestima. Ser descendente de uma cultura rica

em princípios e valores é algo que muda a visão

de si mesmo. As crianças brancas poderão

confrontar seus saberes culturais com os

apreendidos da cultura negra, e com isso,

aumentar seu repertório de alternativas para

enfrentar o mundo. Isso só poderá contribuir para

construir uma nação mais criativa e produtiva.

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Sobre a autora:

Luciane Ribeiro Dias Gonçalves: É doutora em Educação pela UNICAMP (2011), mestre em Educação

pela UFU (2004). Atualmente é professora adjunta na Faculdade de Ciências Integradas do Pontal - FACIP /

UFU no curso de Pedagogia.

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* Endereço eletrônico: [email protected]

Leituras para crianças: vida e obra de quatro escritoras entre a metade do século XIX

e início do Século XX

Priscila Kaufmann Corrêa*

Resumo

A pesquisa aqui apresentada encontra-se em fase inicial e lida com as histórias de vida de quatro escritoras e

um conjunto de suas obras publicado entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século

XX. As escritoras escolhidas são a Condessa de Ségur, Louisa May Alcott, Johanna Spyri e Maria Clarice

Marinho Villac. Todas elas escreveram livros destinados ao público infantil e juvenil e, por este motivo, este

estudo procura reunir e analisar o caráter educativo das obras, traçando seus paralelos e suas peculiaridades,

assim como seus alcances e limites no contexto em que foram produzidos. Neste primeiro momento são

apresentadas a vida e a obra de cada uma destas mulheres e inicia-se a construção de um diálogo entre suas

trajetórias de vida, abrindo para reflexões possíveis para este estudo que ora se inicia.

Palavras-chave: História da Educação, Literatura infantojuvenil, Escritoras, Trajetórias de vida.

Reading for children: life and work of four writers from the mid nineteenth and the early twentieth

century

Abstract

The research presented here is in the initial stage and deals with the life stories of four writers and a

collection of their works published between the second half of the nineteenth century and the first half of the

twentieth century. The writers chosen are the Comtesse de Ségur, Louisa May Alcott, Johanna Spyri and

Maria Clarice Marinho Villac. All of them have written books aimed at children and youth, and for this

reason, this study seeks to gather and analyze the educational character of the works, tracing their parallels

and their peculiarities, as well as its scope and limits in the context in which they were produced. At this

moment life and work of each of these women are presented and this study starts building a dialogue

between their life trajectories, opening for possible reflections.

Keywords: Juvenile Literature, History of Education, Writers, Life trajectories.

Apresentação

(...) dentro de cem anos, pensei, alcançando a

porta

de casa, as mulheres terão deixado de ser o sexo

protegido. Logicamente, participarão de todas as

atividades e esforços que no passado lhes foram

negados.

(...) Tudo pode acontecer quando a feminilidade

tiver deixado de ser uma ocupação protegida,

pensei ao abrir a porta.

Virginia Woolf

Virginia Woolf ansiava pela emancipação

feminina, defendendo que as mulheres poderiam

circular pelo meio social e desempenhar as

atividades que desejassem, inclusive como

escritoras. Para poder se dedicar ao exercício da

escrita Virginia Woolf defendia que a mulher

precisaria de um teto e uma renda, o que

asseguraria sua independência e autonomia para

circular pelo meio social, buscando inspiração

para suas produções. As atividades domésticas e a

dedicação à família, segundo a autora, teriam

afastado as mulheres de outras possibilidades de

ocupações.

Este cenário pouco alentador não impediu

que mulheres em diferentes países se tornassem

escritoras que alcançaram fama e obtiveram uma

renda com suas produções. Meninas exemplares,

Mulherzinhas, Heidi e Clarita da pá viradas são

algumas obras destinadas aos públicos infantil e

juvenil que se consagraram ao longo de várias

décadas. As obras escritas pela Condessa de

Ségur, por Louisa May Alcott, por Johanna Spyri

e Maria Clarice Marinho Villac1 são consideradas

clássicos da literatura infantojuvenil, posto que

são publicadas, adaptadas e relembradas até os

nossos dias. São livros que marcaram as leituras

de muitas gerações em diferentes lugares do

mundo e ainda são lembradas com saudades.

Alguns livros inclusive foram transformados em

filmes e séries de televisão, dando mostras da

longevidade destas narrativas, sempre

reinventadas.

O período de publicação das obras

abrange a segunda metade do século XIX até o

início do século XX, momento no qual as

mulheres ganharam espaço no âmbito social,

dando mostras de seu talento para a escrita. A

Condessa de Ségur publicou cerca de 20 obras,

das quais se destaca a trilogia composta pelos

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26 Priscila Kaufmann Corrêa

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 25-34, jan./jun.2012

livros Meninas exemplares, Os desastres de Sofia

e As férias. Louisa May Alcott também publicou

diversos livros, consagrando-se com os livros

Mulherzinhas e Boas esposas. Johanna Spyri, por

sua vez, tornou-se célebre com as obras Heidi e

Heidi pode precisar do que aprendeu. Maria

Clarice Marinho Villac completa o grupo com sua

trilogia Os cinco travessos, Clarita da pá virada e

Clarita no Colégio.

O que leva as mulheres a se debruçarem

sobre o exercício da escrita? O que as move no

desejo de orientarem as gerações futuras acerca do

comportamento esperado para o sexo feminino?

Longe de perscrutar a alma das escritoras,

esta pesquisa se propõe a analisar uma coletânea

de livros publicados por mulheres destinados às

meninas e moças. Cada obra foi concebida em

momentos e lugares diferentes, porém é possível

tecer diálogos entre as publicações, destacando-se

o fato de serem escritas por mulheres, possuírem

protagonistas femininas e serem destinadas ao

público infantil e juvenil, mais especificamente às

meninas e moças. Cada obra carrega em si os

valores e ideais que circulavam pela sociedade no

período em que foram publicados, permitindo

investigar também as relações sociais que estavam

em jogo.

Trata-se de um estudo que se encontra em

sua fase inicial e este texto se propõe a ser um

ensaio que busque refletir sobre os primeiros

passos desta pesquisa. Neste sentido as ideias aqui

esboçadas não são conclusivas e se abrem para

novas possibilidades de reflexão.

Mulheres escritoras: quatro trajetórias de vida

Este estudo partiu de uma indagação

acerca dos livros escritos pela Condessa de Ségur,

Louisa May Alcott, Johanna Spyri e Maria Clarice

Marinho Villac, que se apresentavam como livros

desejáveis para a leitura de crianças e jovens,

principalmente do sexo feminino. A publicação

destas obras até nossos dias indicam que ainda

existem valores e elementos morais considerados

adequados nestes romances. Além disso, o fato de

todos estes livros terem sido escritos por mulheres

em momentos históricos que começavam a abrir a

possibilidade para a profissionalização feminina

aponta para um possível diálogo entre estes livros.

Apesar de terem sido publicados em

países diferentes e momentos distintos, os livros

possuem elementos em comum, posto que todos

eles têm meninas como protagonistas e que se

destinavam aos públicos infantil e juvenil. Mesmo

tendo sido publicadas no exterior, tais obras

chegaram ao Brasil, seja em suas versões

originais, seja em edições traduzidas. Neste

sentido, o estudo destas obras carece também de

uma investigação sobre a sua circulação, os

caminhos que percorreram até chegarem aos seus

leitores e leitoras e as políticas das editoras para a

divulgação destes impressos.

Entretanto, a mera reflexão acerca dos

livros e seu conteúdo não se apresenta como uma

possibilidade muito profícua à pesquisa. O estudo

da trajetória de vida de cada uma das escritoras e a

compreensão do que as levou a se dedicarem à

literatura permitirão uma análise mais

aprofundada das obras e a construção de um

diálogo que busque aproximações entre estas

mulheres e suas obras, sem desprezar suas

peculiaridades. A breve apresentação da vida e

dos livros de cada escritora se mostra necessária

neste ensaio.

Esta análise inicia-se pelos livros da

Condessa de Ségur, que deixou um legado

considerável para seus netos e jovens leitores.

Sophie Rostopchine nasceu em São Petersburgo,

na Rússia, no ano de 1799. Segundo relatos, sua

infância teria sido marcada pelo rigor da educação

familiar, inclusive com castigos físicos. No ano de

1817 a família Rostopchine precisou fugir da

Rússia, exilando-se na França. Após dois anos a

jovem Sophie se casou com Eugène de Ségur,

com quem teve oito filhos (LEÃO, 2007, p. 05).

A carreira de escritora começou aos 58

anos de idade, quando já tinha 19 netos, a quem

dedicava suas obras. Seu primeiro livro intitulado

Os novos contos de fadas, foi lançado em 1856

pela Editora Hachette. Desde 1852 o editor Louis

Hachette possuía uma rede de livrarias nas

estações de trem, que comercializava a coleção

Bibliothèque de chemins de fer. O marido de

Sophie era presidente da Companhia das Estradas

de Ferro do Leste e autorizou o editor a implantar

suas livrarias nas estações. Foi também Eugène

que apresentou a esposa a Louis Hachette.

A partir de 1856 Sophie de Ségur passou

a produzir livros compor a Bibliothèque Rose,

coleção destinada ao público infantil e juvenil que

se tornou independente da Bibliothèque des

chemins de fer. A Condessa contribuiu com vinte

obras para a Bibliothèque Rose, tornando-se uma

escritora célebre entre as crianças e jovens.

Desta coleção será selecionada, para esta

pesquisa, a assim chamada “Trilogia de

Fleurville”, que traz as personagens que marcaram

a obra da escritora. A trilogia é composta pelos

títulos As meninas exemplares, Os desastres de

Sofia e As férias. Os dois primeiros livros foram

publicados simultaneamente em 1858, enquanto a

terceira obra foi lançada no ano seguinte. As

principais personagens das três histórias são as

irmãs Camila e Madalena e suas amigas

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Horizontes, v. 30, n. 1, p. 25-34, jan./jun.2012

Margarida e Sofia. Esta última personagem

comete muitas travessuras e vivencia muitas

tristezas com a perda dos pais.

Em As meninas exemplares o leitor é

apresentado às irmãs Camila e Madalena, crianças

que nunca brigam e vivem em perfeita harmonia.

Elas vivem com a mãe viúva, Mme. de Fleurville

e ajudam a resgatar Mme. De Rosbourg e sua

filha Margarida de um acidente de carruagem. As

duas passam a morar com a família de Fleurville e

Margarida inicia um esforço para se tornar tão

virtuosa e obediente quanto suas amigas.

As meninas recebem a visita de Sofia,

uma órfã que mora com sua madrasta, Mme de

Fichini, que a maltrata e espanca. A madrasta

viaja à Itália e deixa Sofia sob os cuidados de

Mme de Fleurville e Rosbourg. A menina inicia

um percurso de aperfeiçoamento moral, no qual

ela aprende a ser mais comedida e obediente.

Durante este percurso ela já não sofre castigos

físicos. Mme de Fleurville adota a postura de

tutora e a menina aprende a refletir sobre seus

erros e se arrepender sobre seus atos. Um

momento significativo da narrativa se dá quando

Sofia se recusa a doar uma parte da geleia de

cereja que as meninas preparariam para uma

senhora humilde e seus seis filhos. A discussão

leva a uma briga entre Sofia e Margarida, que

começam a se agredir. Camila e Madalena

procuram impedir as amigas e Mme de Fleurville

decide levar Sofia ao gabinete de penitência para

copiar o Pai Nosso dez vezes. A menina destrói

tudo o que encontra, mas, após este acesso de

raiva, acaba se arrependendo. Ao ser informada

que não levaria uma surra, mas que continuaria

naquele gabinete, a menina pede perdão a Mme de

Fleurville.

Sofia passa a morar na casa de Fleurville,

pois sua madrasta voltou a se casar e não poderia

ficar com a menina. O passado de Sofia é

revelado em Os desastres de Sofia, no qual são

narradas as travessuras da menina de quatro anos,

quando ainda morava com os pais. Em As férias

Sofia também relembra seu passado, o

falecimento de seus pais e reencontra o primo,

Paulo, que julgava ter perdido numa viagem de

navio que fazia com seus pais. Nesta obra também

aparecem os primos de Camila e Madalena: Léon,

Jean e Jacques.

A formação do menino Paulo pelo pai de

Margarida, Sr. Rosbourg, delineia a necessidade

da fé católica. Ambos conseguiram se salvar

vivendo em uma ilha habitada por selvagens e a fé

se mostrou um elemento que os diferenciava da

tribo e fortalecia sua esperança em retornar. Nesta

obra o aspecto religioso é mais evidente do que

nas anteriores.

Com relação às obras da Condessa, Nelly

Novaes Coelho (2010a, p. 201) coloca que elas

“revelam um mundo onde tudo deve funcionar

harmoniosamente, desde que cada indivíduo

permaneça em seu lugar e atue com honestidade,

entusiasmo e devoção aos que lhe são superiores”.

Ao analisar a contribuição da Condessa de Ségur

para a literatura infantil, Coelho se mostra

bastante severa, uma vez que acredita que o

“humanismo generoso” presente nos livros da

autora, apesar de fomentar a generosidade, a

piedade e o afeto, também incentivam a

humildade, a obediência e a submissão, que não

contribuem para o rompimento das desigualdades.

Reconhecendo a importância da obra da

Condessa de Ségur, é preciso atentar para o

potencial e as limitações de sua obra. Longe de

classificar sua obra como tradicional ou

inovadora, buscar-se-á analisar a trilogia de

Fleurville na sua contribuição para o âmbito

educacional, o que implica em uma investigação

que contemple a complexidade do contexto de

criação e circulação destas obras.

Além das particularidades da obra da

Condessa, pretende-se, com este estudo, buscar

tecer diálogos entre a trajetória de vida desta

escritora e de suas colegas de profissão, como

Louisa May Alcott, que publicou seu célebre

Mulherzinhas uma década após Sophie lançar

seus livros.

A obra de Louisa May Alcott apresenta

um viés pedagógico, por sua experiência ao lado

dos pais, Amos Bronson Alcott e Abigail May

Alcott. Amos Alcott era adepto da filosofia

transcendental e diretor da escola “Little

Paradise”, onde eram aplicadas as ideias

pedagógicas de Pestalozzi e Jefferson (COELHO,

2010a, p. 202). Abigail Alcott, por sua vez, era

defensora do sufrágio feminino e da abolição.

Nascida em 1832 em Germantown, na

Filadélfia, Louisa May Alcott, vivenciou as

discussões filosóficas, políticas e pedagógicas de

seu pai. A família de Louisa passou por diversas

dificuldades financeiras, levando seu pai a instalar

sua escola em locais diferentes, uma vez que suas

ideias pedagógicas acabavam sendo questionadas

pelos pais dos alunos, que eram retirados da

instituição. Esta condição fez com que as

mulheres da família buscassem o sustento por

meio do trabalho. Louisa trabalhou como

professora, costureira, governanta, empregada

doméstica e escritora. Sua vivência doméstica

inpirou-a ao campo literário, publicando novelas

para adultos e terminando por dedicar-se à

literatura para crianças, por sugestão de seu pai.

Seu romance Mulherzinhas conta a

história das irmãs March; Margaret, Josephine,

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28 Priscila Kaufmann Corrêa

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 25-34, jan./jun.2012

Elizabeth e Amy. O livro narra um ano na vida

das meninas, no qual elas trabalham e se esforçam

para manter a casa junto com sua mãe, enquanto

seu pai está distante, auxiliando as tropas durante

a guerra civil. Durante esse percurso as meninas

fazem amizade com Theodore Laurence, o

menino que mora na casa vizinha.

Cria-se um forte vínculo de amizade entre

as meninas, o menino e seu avô. Como a família

empobreceu, as meninas precisam trabalhar, cada

uma em função diferente. Meg é governanta de

duas crianças, enquanto Jo trabalha como dama de

companhia de uma tia abastada. Beth se dedica

aos afazeres domésticos, enquanto Amy frequenta

a escola. O ano das meninas se passa com

bastante esforço e dedicação, valorizando o

trabalho e a boa conduta moral. O desfecho se dá

com o retorno do pai e o noivado de Margaret, a

mais velha das irmãs.

No romance Boas esposas cerca de dois

anos se passam após o desfecho do primeiro livro.

Neste momento Meg se prepara para o casamento

e sua vida em um novo lar, ao lado do Sr. Brooke,

que fora preceptor de Laurence. Neste livro as

irmãs tornam-se mulheres, cada qual encontrando

um marido digno e dedicado, à exceção de Beth,

que falece. A menina contraíra febre escarlatina e

a doença a enfraqueceu. O relato de seu

falecimento se mostra tocante, colocando a morte

como uma passagem, para a qual a alma precisa

estar preparada.

Diferentemente das obras da Condessa de

Ségur, guiadas pela moral católica, os livros de

Louisa May Alcott são norteados pela moral

protestante. A importância do trabalho, a

necessidade do aperfeiçoamento moral sem se

apegar a símbolos e amuletos fazem parte do

romance. Em diversos momentos as irmãs March

são postas à prova, devendo escolher pelo

caminho desejável.

O aspecto religioso, que envolve a fé em

Deus, emerge também em Heidi, de Johanna

Spyri. A autora nasceu em Hirzel, na Suíça, em

1827. Filha do médico Johann Jakob Heusser e da

poetisa Meta Heusser-Schweizer, Johanna viveu

na cidade natal até os 15 anos de idade, quando se

mudou para Zurique para estudar. Anos depois ela

retornou para ensinar seus cinco irmãos e auxiliar

a mãe nos afazeres domésticos.

Johanna casou-se em 1852 com o jurista

Joh Bernard Spyri, com quem teve um único

filho, cuja gestação levou a uma crise de

depressão, da qual teve dificuldades para se

recuperar. A vida de casada também não se

mostrou muito satisfatória. Por meio da mãe

Johanna conheceu o pastor Cornelius Rudolph

Vietor em Bremen, que a estimulou a escrever,

como uma terapia para dar vazão ao seu

descontentamento. O pastor convenceu-a a

publicar histórias em algumas gráficas da cidade.

Sua primeira história “Uma folha sobre o túmulo

de Vrony” foi publicado em Bremen em 1871 e

tornou-se um sucesso.

Joahanna Spyri se lançou no mercado da

literatura infantil com a obra Sem casa, no ano de

1878, porém seu grande sucesso foi seu livro

Heidi, publicado no ano seguinte. A história de

Heidi ganhou uma continuação com Heidi pode

precisar do que aprendeu, lançada em 1881. A

personagem Heidi tornou-se célebre, sendo

adaptado para o cinema e para desenhos animados

e traduzido para 50 línguas. Ao longo de sua vida

Johanna Spyri publicou 31 livros, 27 coletâneas

de histórias e quatro brochuras, deixando uma

obra vasta.

Para este estudo serão analisadas as obras

que têm Heidi como protagonista. No primeiro

livro é apresentada a menina dos Alpes, que,

sendo órfã, foi levada pela tia para morar com o

avô. O avô não era bem visto pelos moradores da

aldeia, vivendo afastado nas montanhas. A

chegada da neta, porém, altera a rotina do homem,

que a acolhe em sua casa. A menina se adapta

rapidamente à nova vida, acompanhando Pedro, o

pastor de cabras até os campos que servem de

pastagem. O avô possuía duas cabras, que

acompanhavam o menino todos os dias, junto com

as outras enviadas por seus donos das aldeias.

A menina também fez amizade com a avó

de Pedro, que era cega. A presença de Heidi

amenizava os longos dias passados em sua frágil

cabana. A menina inclusive convenceu o avô

consertar a cabana, tornando-a mais resistente aos

ventos.

Certo dia, porém, a tia da menina retorna

para levá-la a Frankfurt, onde ela passaria a fazer

companhia a Clara, que se locomove com cadeira

de rodas. A menina é filha do senhor Sesemann,

que, apesar das suas posses, não podia fazer a

filha voltar a andar. A governanta de Clara,

Tinette, não se mostra favorável à presença da

visitante, uma vez que Heidi não conseguia se

adaptar à rotina na cidade, longe da natureza.

Além disso, os modos rústicos da menina

incomodam a senhora.

A passagem por Frankfurt fragiliza a

saúde de Heidi, que demonstra sentir falta da vida

nas montanhas. Por outro lado, a estadia na cidade

permitiu a Heidi conhecer a avó de Clara, que a

estimulou a aprender a leitura e a escrita. A avó de

Clara também ensinou Heidi a rezar, pedindo que

Deus assegurasse o melhor caminho, mesmo que

isso significasse um afastamento de seu lar nos

Alpes.

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Leituras para crianças: vida e obra de quatro escritoras entre a metade do século XIX e início do Século XX 29

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 25-34, jan./jun.2012

Por fim, Heidi retorna para casa, por

indicação do médico de Clara. A volta da menina

gera mudanças na vida do avô, que passa a levar a

neta para a escola na aldeia durante o inverno. A

frequência à Igreja sinaliza também a

reconciliação do avô com os moradores da aldeia.

Em Heidi pode precisar do que aprendeu

Clara visita sua amiga nos Alpes. A menina passa

um mês com Heidi, sob os cuidados de seu avô,

que se mostra um excelente enfermeiro. A dieta à

base de pão, queijo e leite de cabras e a atmosfera

alpina fortalecem sua saúde a tal ponto que pode

voltar a andar. O pai de Clara, Sr. Sesemann,

torna-se grato ao avô, comprometendo-se a cuidar

de Heidi quando o avô viesse a falecer.

As narrativas de Heidi são simples,

deixando claro que o contato da menina com a

natureza e o ambiente dos Alpes são vitais para

sua saúde. A vida rústica nas montanhas se mostra

mais desejável que a vida na cidade, cercada de

casa e edifícios e distante do campo e da floresta.

A religiosidade aparece também nas obras

desta autora, uma vez que a fé em Deus assegura

o retorno da menina à casa do avô e convence o

homem a frequentar a igreja. A moral protestante

orienta a religiosidade da obra, aproximando-a

dos livros de Louisa May Alcott. O aspecto moral

da formação feminina perpassa os livros de todas

as autoras.

Maria Clarice Marinho Villac é a

representante brasileira do grupo de escritoras

escolhido para esta pesquisa. A autora se utiliza

de suas próprias memórias e experiência de vida

para elaborar suas narrativas e apontamentos.

Maria Clarice nasceu em Itu no ano de 1903.

Quando criança, circulava pelas fazendas de seus

avós no interior do estado de São Paulo, além de

estudar como interna no Colégio Progresso

Campineiro.

Casou-se com Dr. Paulo José Villac ao se

formar e tornou-se escritora quando perdeu o

marido aos 27 anos de idade, tendo cinco filhos

para criar. O primeiro livro que publicou foi

Cinco travessos, em 1937, pela Editora Revista

dos Tribunais, com uma tiragem de 44 mil

exemplares (VILLAC, 2008). O livro seguinte foi

lançado em 1939, com o título de Clarita da pá

virada. Este foi republicado na década de 1980

pela editora Fermata e, posteriormente, em 2006,

pela editora Lacruce. O último livro de Maria

Clarice, Clarita no Colégio, saiu em 1945 pela

editora Cristo-Rei e foi republicado em 2008,

também pela editora Lacruce.

O livro Clarita da pá virada relata

primordialmente a vida no campo, na qual a

protagonista se mostra uma criança peralta. Nesta

obra, Maria Clarice narra sua infância nas

fazendas da família, apresentando seus familiares

e as crianças que a acompanhavam em suas

brincadeiras e confusões. A menina chega a

frequentar a escola, aprendendo elementos do

catecismo, a leitura e a escrita, porém o ingresso

definitivo no universo escolar se dá no final do

livro, quando Clarita toma o trem para Campinas,

para estudar no Colégio Progresso.

Este deslocamento marca uma nova fase

na vida de Clarita, deixando para trás a infância

repleta de brincadeiras para dedicar-se aos

estudos. O cenário primordial de Clarita no

Colégio é o Colégio Progresso, por vezes

alternado pelo espaço rural, quando a menina

passa as férias nas fazendas da família. A vida no

colégio não se mostra fácil, uma vez que Clarita

precisa aprender a controlar seus impulsos e

adequar-se às regras do internato. Seu

comportamento acabou merecendo alguns

castigos e muitas conversas com Dona Emília,

que emerge como figura central no esforço de

tornar Clarita uma menina mais obediente.

A religião católica é o elemento utilizado

pela diretora para que Clarita incorpore o

comportamento esperado para uma menina. A

Primeira Comunhão, a Crisma e o ingresso na Pia

União das Filhas de Maria são descritos como

momentos cruciais na trajetória escolar da

menina, que abraça a religião católica com fervor.

A moralidade calcada na religião católica

aproxima a autora brasileira das obras da

Condessa de Ségur.

Por fim, a obra Cinco travessos:

amiguinhos de Jesus Hóstia se diferencia dos

outros dois livros por se destinar a um público

diferente: as mães de família. O livro reúne os

apontamentos de Maria Clarice sobre a formação

de seus filhos, narrando alguns acontecimentos

considerados dignos de nota. Cinco travessos foi

publicado, como a própria autora explica,

“impelida por reiteradas instâncias de algumas

amigas, religiosas de uma Santa Ordem” (1956, p.

05). Na obra a “mãe brasileira” relata como

buscou criar seus cinco filhos dentro dos preceitos

da moral católica, estimulando-os a amarem Jesus

e a realizarem sua Primeira Comunhão por volta

dos cinco anos de idade.

Apesar de não ser exatamente uma obra

destinada aos públicos infantil e juvenil, Cinco

travessos permite identificar a influência da

escolarização sobre a vida de Maria Clarice, que

estimulou os filhos a uma vida religiosa intensa,

tal qual aquela vivenciada no colégio. Estes

apontamentos se mostram um registro valioso

sobre o papel da mulher formada no Colégio

Progresso Campineiro nas décadas iniciais do

século XX. Mesmo sendo o registro de uma única

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30 Priscila Kaufmann Corrêa

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 25-34, jan./jun.2012

mãe, o que não possibilita generalizações, ele

auxilia a compreender o que o cotidiano do

internato, permeado de práticas religiosas,

suscitou em pelo menos uma de suas alunas.

Maria Clarice Marinho Villac é a única

escritora do século XX, que também leu os livros

da Condessa de Ségur e se identificava com a

personagem Sofia. Neste sentido, a pesquisa das

trajetórias de vida das escritoras permitirá

identificar aproximações e peculiaridades de cada

autora, tecendo um diálogo entre estas mulheres e

suas obras. Também não pode ser ignorado o

caráter educativo das publicações, uma vez que se

destinam a leitores e leitoras em formação.

As fontes iniciais para este estudo são os

livros As meninas exemplares, Os desastres de

Sofia, As férias, Mulherzinhas, As boas esposas,

Heidi, Heidi pode precisar do que aprendeu, Os

cinco travessos, Clarita da pá virada e Clarita no

Colégio. Contudo, para conhecer a trajetória de

vida da Condessa de Ségur, de Louisa May

Alcott, Johanna Spyri e Maria Clarice Marinho

Villac, a consulta de outros documentos se mostra

necessária. Biografias, correspondências,

catálogos de editoras, textos de críticos de

literatura e outras fontes referentes à vida pessoal

das escritoras e suas famílias permitirão

compreender um universo mais amplo que levou

estas mulheres a se dedicarem à escrita e o papel

que desempenharam no âmbito familiar e social.

A materialidade dos livros também será

analisada, uma vez que cada uma das autoras

conseguiu assegurar a publicação de seus

trabalhos, permitindo que circulassem em

diferentes espaços. O formato dos livros, a

política editorial adotada para a sua divulgação

são aspectos que não podem ser ignorados e que

auxiliam na compreensão do alcance das obras.

Tal questão também permitirá compreender os

motivos que tornariam as obras desejáveis para a

leitura de crianças e jovens, especialmente do

sexo feminino.

Dessa forma, buscar-se-á elaborar um amplo

panorama deste conjunto de obras, investigando

as condições da criação e posterior impressão,

assim como sua difusão, consagrando estas obras

entre a literatura para a infância e a juventude.

Percursos possíveis

Ao analisar as obras de ficção realista de

Charles Dickens, Gustave Flaubert e Thomas

Mann, Peter Gay (2010) sinaliza para a riqueza

das publicações literárias para o historiador, que

as toma como fontes, frutos de seu tempo. Diante

desta possibilidade, o conjunto de livros proposto

para esta pesquisa também será investigado à luz

da história. Embora se trate de obras de cunho

literário, as narrativas ali traçadas fornecem

elementos importantes acerca das expectativas

sobre a formação da infância.

Gay argumenta ainda que a ficção é um

espelho que “fornece reflexos muito imperfeitos”

(2010, p. 18), e que não reflete a realidade tal

como se apresenta. Isso significa que os livros em

si não podem ser tomados como “testemunhos” de

seu tempo e outras fontes devem auxiliar na

composição dos cenários e das narrativas acerca

das trajetórias de vida das quatro escritoras.

Os romances da Condessa de Ségur, de

Louisa May Alcott, Johanna Spyri e Maria Clarice

Marinho Villac se perpetuaram graças à sua

publicação. Cabe, pois, procurar identificar as

condições vivenciadas pelas autoras que

permitiram que seus escritos fossem

transformados em livros impressos. Também é

interessante compreender os motivos que

asseguraram a longevidade destes livros e sua

aceitação no contexto escolar.

Uma vez que se busca analisar as trajetórias de

vida, as condições da criação e da impressão dos

romances, será preciso ampliar os documentos a

serem utilizados para este trabalho. Conforme

Peter Gay (2010, p. 24):

(...) qualquer um que avalie a evidência

que um romance pode fornecer deve

procurar conhecer não apenas a ficção

em questão, mas seu criador e a

sociedade desse escritor.

(...) Para compreender o que a ficção tem

para oferecer ao pesquisador, ele deve

aprender o que a fez acontecer.

Como já foi sinalizado anteriormente,

outros documentos como correspondências das e

para as autoras, catálogos das editoras, e fontes

que ofereçam indícios sobre a vida das escritoras

se mostrarão valiosos para este estudo. A

compreensão da trajetória de vida de cada

escritora, o contexto em que conceberam suas

obras permitirão lançar novas luzes sobre suas

publicações e perceber em que medida a vida

destas mulheres e suas produções se entrelaçam.

O trabalho com as fontes exige um rigor

metodológico que oriente o trabalho do

historiador, impedindo que papéis e livros sejam

encarados como provas que falam por si. Neste

contexto, Thompson (1981, p. 37) afirma que:

Os fatos estão ali, inscritos no registro

histórico, com determinadas

propriedades, mas isso não implica,

decerto, uma noção de que esses fatos

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Leituras para crianças: vida e obra de quatro escritoras entre a metade do século XIX e início do Século XX 31

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 25-34, jan./jun.2012

revelam seus significados e relações

(conhecimento histórico) por si mesmos.

Cabe ao historiador saber interrogar suas

fontes a fim de obter delas as informações de que

precisa para elaborar sua narrativa. Recorrendo

mais uma vez a Thompson: “A evidência histórica

existe, em sua forma primária, não para revelar

seu próprio significado, mas para ser interrogada

por mentes treinadas numa disciplina de

desconfiança atenta” (ibidem, p. 38).

Dessa forma, as perguntas que o

historiador formula às suas fontes seguem uma

determinada lógica e são orientadas por suas

inquietações no presente. Porém, como Thompson

alerta: “A evidência histórica tem determinadas

propriedades. Embora lhe possam ser formuladas

quaisquer perguntas, apenas algumas serão

adequadas” (ibidem, p. 50).

O trabalho de pesquisa sobre Condessa de

Ségur, Louisa May Alcott, Johanna Spyri e Maria

Clarice Marinho Villac e suas produções exigirá

uma investigação cuidadosa, elaborando

perguntas que sejam adequadas aos romances e ás

demais fontes. Conforme Bloch (2001, p. 78):

Em nossa inevitável subordinação em

relação ao passado, ficamos [portanto]

pelo menos livres no sentido de que,

condenados sempre a conhecê-lo

exclusivamente por meio de [seus]

vestígios, conseguimos todavia saber

sobre ele muito mais do que ele julgara

sensato nos dar a conhecer.

A noção de escala também se mostra

importante a este estudo, pois ela percorre os

contextos macro e micro, desde o meio social de

cada escritora e amplia para os lugares pelos quais

suas obras circularam, identificando em que

medida se aproximam e se distanciam. Não se

trata, aqui, de estabelecer se as autoras estudadas

se enquadram em esquemas meramente

conservadores ou inovadores, criando uma divisão

estanque, mas perceber os alcances e limites das

produções destas mulheres, que se dedicaram à

escrita em um período no qual poucas poderiam

ter esta possibilidade. Nelly Coelho (2010b, p. 19)

confronta uma visão tradicional e uma visão

inovadora para a literatura infantil, porém tal

divisão se mostra muito limitada, já que não

permite “reconhecer as circulações fluídas, as

práticas partilhadas que atravessam os horizontes

sociais” (CHARTIER, 2002, p.134).

Um primeiro contato com os relatos e

estudos sobre a vida das escritoras permite

identificar que das quatro autoras, três tiveram a

preocupação em oferecer livros de caráter

educativo às crianças. Em suas obras, a Condessa

de Ségur se mostrava contrária aos castigos físicos

e defendia o catolicismo ultramontano, que se

guiasse pelas orientações do Vaticano

(HEYWOOD, 2008). Os livros de Louisa May

Alcott, por sua vez, relatam o aperfeiçoamento

moral proposto pelo método pedagógico do pai da

escritora, Amos Bronson Alcott. O método de

Bronson Alcott também repudiava os castigos

físicos e se apresentava como ousado, uma vez

que levava os próprios alunos a refletirem sobre

seus atos, buscando seu desenvolvimento

cognitivo e moral (SAXTON, 1995). Os livros de

Maria Clarice Marinho Villac também trazem a

trajetória da protagonista, que serve de exemplo

inspirador, já que a menina travessa consegue se

tornar uma menina virtuosa e obediente. Tais

livros concorriam com a obra de Monteiro Lobato

nas bibliotecas infantis, bem como com os livros

estrangeiros, como publica a Folha da Noite em

06 de junho de 1946.

Além disso, as três escritoras se utilizaram

de suas memórias da infância para escreverem

seus livros. Maria Clarice Marinho Villac relata a

própria infância em seus livros, enquanto a

Condessa de Ségur e Louisa May Alcott se

inspiram naquele período de suas vidas para

escreverem para as crianças. A lembrança da

infância auxiliaria as escritoras na elaboração de

seus personagens, por vezes de comportamento

exemplar e, mais freqüentemente, com uma

postura a ser corrigida.

Também não se pode esquecer que o

próprio exercício da escrita se mostrou

fundamental para as quatro mulheres, por projetá-

las na vida pública, fornecendo-lhes uma renda e

por oferecer a possibilidade de se expressarem e

liberarem de circunstâncias de descontentamento,

como no caso de Johanna Spyri e de Louisa May

Alcott, cuja família apresentava uma situação

financeira precária.

Estes primeiros indícios levam a perceber

que o diálogo entre as trajetórias das escritoras e

suas obras é possível, podendo ser ampliado para

permitir a compreensão de um panorama maior da

condição destas mulheres nos diferentes países e a

circulação de suas publicações pelo mundo, um

dos fatores que permitiu a sua consagração. O

relato de pesquisa aqui exposto não pode

apresentar questões conclusivas, mas se inicia

com a possibilidade da construção de reflexões e

diálogos enriquecedores.

Fontes bibliográficas

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WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. São Paulo:

Círculo do Livro, 1990.

WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. São Paulo:

Círculo do Livro, 1990, pp. 50-51.

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34 Priscila Kaufmann Corrêa

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 25-34, jan./jun.2012

Nota

1 Foram consultadas diferentes edições das três obras. O livro Cinco travessos data de 1956, enquanto a

edição de Clarita da pá virada é aquela publicada pela editora Lacruce, de 2006. Em virtude das

supressões encontradas na publicação da editora Lacruce, optou-se pela versão original de Clarita no

Colégio, publicada na década de 1940.

Sobre a autora:

Priscila Kaufmann Corrêa: Estudante de doutorado pela Faculdade de Educação da Unicamp (Campinas –

SP) e professora da rede municipal de Vinhedo – SP. E-mail: [email protected].

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35

*Endereço eletrônico: [email protected]

**Endereço eletrônico: [email protected]

Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria

Jesus

Fabiana Rodrigues Carrijo*

João Bôsco Cabral dos Santos**

Resumo

Este artigo objetiva referendar a escritura de uma autora que conseguiu alçar voos mais longínquos que as

suas limitadas condições socioeconômicas lhe impuseram. Propõe, ainda, desvelar que os escritos de

Carolina Maria de Jesus indicam uma cisão conceitual do mundo através de uma ressignificação do discurso

do cotidiano e que este é materializado através de alegorias severamente vividas. A instância-sujeito autor

coloca na experiência empírica de um discurso da exclusão a real experiência da fome e faz deste

experimento uma forma de visão social. Apoiado nos aportes teóricos da AD (francesa), o presente artigo

ambiciona olhar para o corpus de base literária, ainda que não canônica, constituída pela obra intitulada

Quarto de Despejo – Diário de uma favelada, com vistas a propor um trabalho em interface, que, a par de

bosquejar os processos de subjetivação, ambiciona, ainda, delinear o que estamos denominando de

discursividade literária incanônica em Carolina Maria de Jesus.

Palavras-chave: Carolina Maria de Jesus, Escritura, Discursividade Literária.

In the chinks of grimpy notebooks: Carolina Maria de jesus’ the testimonial embroidery

Abstract

This paper aims at approaching the way of writing focusing an author who postponed her social, economic

and limited conditions. It also proposes examining the writings from Carolina Maria de Jesus as an indication

of a conceptual reframing of everyday discourse. Such experiences will be demonstrated, considering the

author dislocation to the condition of subjective instance who reveals a discourse of social exclusion bringing

to literature such a kind of social portrait. It is registered in the theoretical contributions of AD (french), that

this thesis project aims to look, closely, to the corpus of basic literary, although incanonic, consisting by the

work entitled “Quarto de Despejo – Diário de uma favelada”, with a view to propose an interface that work

together to sketch the processes of subjectivation, aims also to outline what we are calling for literary

discursivity incanonic Carolina Maria de Jesus. This paper aims to assess the writings of an author who

succeeded in overcoming the limitations of her social and economical status. It is our purpose, as well, to

reveal that Carolina Maria de Jesus's writings suggest a split in world conception by means of a

resignification of the everyday discourse and that it is materialized through a harshly lived alegories. This

subject-author puts in the empirical experience of an exclusion discourse the real experience of hunger and

turns this experience into a socially envisioned form. Taking the French Discourse Analysis, we consider the

literary non-canonical

Keywords: Carolina Maria de Jesus, literary minorities writings, literary discursivity.

Introdução: “Principiando algumas prévias

discussões em torno da escritura de Carolina”

Carolina Maria de Jesus entrevê na escrita

a possibilidade de ir além da favela, do quarto de

despejo, contudo o faz buscando como modelo de

objeto estético literário, a norma culta, os tons

românticos e ultrarromânticos de autores

rastreados no lixo e com os quais buscava meios,

artifícios e respaldo para seguir adiante, para ser

aceita na cultura letrada. Segundo Sousa (2004,

p.13) “A linguagem fraturada de Carolina deve

ser entendida pelo que de fato é: a tentativa de

uma pessoa das camadas subalternas de dominar

os códigos da cidade letrada.” Estamos diante de

uma instância-sujeito que criva o mundo,

ressignifica-o e o enuncia no entremeio de uma

literariedade que busca uma inclusão no universo

discursivo da literatura como forma de inserção

social. Trata-se, pois de uma tentativa de

deslocamento de um lugar social de pobreza e

miséria para um lugar discursivo imaginário de

constituição pelo seu dizer sobre si. Um exercício

de alteridade da e pela linguagem que lhe confere

uma autoria como forma de emergência de um

sujeito do mundo nele próprio.

Em outras palavras, no artigo intitulado

“Experiência e representação o feminino, o latino-

americano” Richard (2002, p.149) profere:

Vários textos do feminismo latino-

americano operam com este ideologema

do corpo (realidade concreta, vivência

prática, conhecimento espontâneo,

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36 Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012

biografia cotidianas, oralidade popular),

que encarna a fantasia de uma América

Latina animada pela energia salvadora

do compromisso social e da luta

comunitária, cujo valor documental e

testemunhante seria julgado politicamente

superior a qualquer elaboração teórico-

discursiva. Esta relocalização da mulher

(vivência, ação, “experiência pessoal”,

da imediatez do fazer (vivência, ação,

experiência, compromisso) com seus

emblemas domésticos e cotidiano-

populares, faz par com uma imagem do

feminino/latino-americano, que o

simboliza como o “outro” selvagem

(preconceitual) da academia.

Não é sem razão que Carolina opte e

entreveja na escrita uma possível ascensão para os

seus textos, que, após um período de

existência/resistência, foram seguidos de um

silenciamento total para autora e obra, fadadas

ambas ao esquecimento. Seu caráter

autobiográfico-ficcional-realista enuncia de si

num ethos outro, o da literatura, o da inserção e

aceitação social, o da condição humana digna. A

própria escrita nessa discursividade revela-se

enquanto alteridade de uma forma-sujeito da

miséria que se transpõe para um lugar discursivo

de ser humano inserido em um mundo possível.

É instigante, quase um contrassenso

pensar que alguém, para ter acesso ao mundo

letrado - entenda-se, aqui, literário - tenha que

fazê-lo lançando mão de um tipo de forma, de

padrão literário que, de antemão, já o exclui. Ou

seja, sair do subterrâneo, do processo de

submissão e tentar infiltrar-se em um processo

outro, em um viés outro para mostrar justamente o

quarto de despejo, o subsolo, a periferia da cidade.

Vê-se a emergência de um sujeito em interpelação

que procura na escrita, na literatura, nos modelos

literários, uma forma de deslocamento de sua

condição ideológica.

Referencial Teórico: algumas notações

temáticas e metodológicas

Carolina, o sujeito-autor, diferencia-se de

outros favelados por ter sido e se permitido ir para

além do quarto de despejo (o espaço físico

favela). Ela se singulariza por ser uma catadora de

sonhos (ainda que pegos/catados na leitura de

autores românticos, ainda que impetrados por uma

memória discursiva que anuncia e enuncia a

leitura de Casimiro de Abreu, Castro Alves,

dentre outros entrevistos em Quarto de Despejo –

diário de uma favelada1 (1960) - sonhos e

inspiração encontrados no lixo, nos papéis

revoltos das ruas por Carolina Maria de Jesus.

Assim, os sonhos de Carolina – tanto o sujeito

empírico (aquele sujeito do mundo) tanto o sujeito

discursivo (enquanto instância e/ou função

assumida pelo autor em uma dada discursividade)

– perpassavam pela rudeza das sucatas, mas

entremostravam as auspiciosas aspirações de uma

mulher favelada, pobre, semiescolarizada,

provedora única de três filhos em um barraco e,

ainda, confabuladora de uma ‘escrita de si’ que

evidencia as rasuras de um sujeito em ininterrupto

embate com as palavras.

O sujeito-autor, para recorrermos aqui a

uma das funções e/ou posições possíveis

propostas por Foucault (2009), tenta traduzir a

matéria local: a favela e os seus problemas diários

apostando na possibilidade de harmonizar as

misérias reais que evidenciam a fonte/origem de

seu dizer para estabelecer um dizer outro. Um

dizer que, justamente por tratar do real, pode

parecer/configurar estranho para outros que não o

vivenciaram e/ou não o vivenciam. Daí a

necessidade premente de se fazer ouvir, de se

fazer lida, para mostrar, ainda que, em uma

linguagem pretensamente dicotômica, híbrida,

(re)vele/(des)vele as mazelas humanas fazendo

com que o real, o periférico se tornem universal,

digno de nota e, talvez por esta razão, digno de ser

lido, um exercício de autoria que significa a

história pelo crivo de um protótipo de estética,

dito consagrado, com o intuito de buscar uma

legitimidade de enunciação. A expressão literária

de um realismo cotidiano, enfim, traduzido em

sentidos da constituição de uma instância-sujeito

que esboça uma tomada de posição perante seu

lugar social. Assim, uma estetização desse real

por um viés romântico/ultrarromântico instaura

uma espécie de legitimação de um cotidiano que

necessita de representação.

Seguindo, ainda, as considerações de

Richard (2002, p.149, grifos do autor):

Ainda que seja certo que as batalhas

descolonizadoras, as lutas populares e as

convulsões ditatoriais na América Latina

gestaram texto e conhecimento fora do

cânone livresco (nas margens informais e

subversivas do extra-acadêmico),

emblematizar esse corpo de experiências

como a única verdade do feminismo

latino-americano (sua verdade primária e

radical; radical por extrateórica) vem a

confirmar o estereótipo primitivista de

uma outra “outricidade” que só tem vida

através de afetos e sentimentos. Esta

“outricidade” é romanceada pela

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Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus 37

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012

intelectualidade metropolitana, que

concebe o popular e o subalterno, o

feminino e o latino-americano, como uma

espécie anterior à tradução, de modo que

deixa intacta a hierarquia

representacional do centro: um centro

que continua hegemonizando, assim, as

mediações teórico-conceituais do

“pensar”, enquanto relega a periferia à

empiria do dado, para sua sociologização

ou antropologização através das histórias

de vida e do testemunho.

A instância enunciativa sujeitudinal, para

recorrermos aqui às extensões principiadas por

Santos (2009), Carolina Maria de Jesus lança mão

de um recurso narrativo inovador para a época,

final da década de 50, princípio de 60, a narrativa

em diários e/ou relatos memorialísticos,

especialmente, oriundos das penas, das mãos de

uma mulher e antecipa em dez anos esse tipo de

gênero textual materializado por escritores

(homens) e vale-se dele para alinhavar/tecer um

relato em que os fios discursivos, embora

chamuscados de dor, entremostram a memória de

uma mulher negra, semiescolarizada, favelada,

mãe solteira, moradora da favela do Canindé e

catadora de lixo.

Ao se tomar Carolina Maria de Jesus

como instância enunciativa sujeitudinal, observa-

se o jogo de alteridades entre a forma-sujeito

pobre, o lugar social ‘excluída’ e o lugar

discursivo sujeito de si pela inserção literária. A

materialidade linguística por essa instância

produzida inaugura a singularização de uma

modalidade de expressão estética que se

consagraria na temporalidade de uma causalidade

estética da modernidade. O caráter memorialista

instaura, também, a alteridade autor/personagem

como uma relação sujeitudinal dialética, pensada

na perspectiva de expressar uma evanescência do

cotidiano como elemento de perpetuação de uma

historicidade do sujeito.

Fios e agulhas em mãos carolinianas

tecem/destecem/alinhavam/suturam e cerzirão um

discurso literário incanônico, para utilizarmos

aqui um neologismo que possa indicar, em uma de

suas acepções, o fato de a crítica literária

especializada da época não enquadrá-lo dentro dos

cânones da referida ocasião. Uma incanonicidade

que desvela o caráter de unicidade da própria

tentativa de apropriação de características de uma

literatura romântica e/ou ultrarromântica. Nesse

sentido, a crítica não poderia reconhecer o

produto estético de uma individuação no nível de

autoria, uma vez que assim quebraria os dogmas

de uma erudição ad referendum.

Assim conforme dissera Sousa (2004,

p.158):

...a tessitura narrativa de Carolina, que

compreende também a linguagem que lhe

serve de meio para representar a

realidade na qual vive, se é truncada e

rasurada, é porque dá a ver as

contradições que operam dentro da

sociedade. O fato de Carolina, como diz

Marisa Lajolo (1996), estar na contramão

do momento literário dos anos 60, quando

a literatura buscava na cidade, na cultura

de massa, meios para criar uma

linguagem literária que respondesse

àquele momento histórico, na verdade,

evidencia a exclusão social – que é

também cultural, e se assim é, é também

de gosto, uma vez que o padrão de gosto

de Carolina não corresponde ao da

época. E se não corresponde é porque

está fora dos circuitos da elite dominante.

Em uma leitura ingênua, pretensamente

ingênua, ficamos indignados, quando não

amofinados pelo fato de que, se o que apregoava

Virgínia Woolf, em outras condições materiais,

intelectuais, enfim, sob outras condições de

produção histórico-ideológica e cultural, a mulher

que escrevia, que quisesse lançar mão de ser

escritora deveria fazê-lo quando, de fato, tivesse

um teto todo seu. Carolina, em meio ao caos,

literalmente, em meio ao lixo, encontra nos

cadernos encardidos recolhidos deste mesmo lixo,

a possibilidade entreaberta de sair de seu limitado

mundo e confabular meios, entenda-se, aqui,

materiais, intelectuais e financeiros para prover os

seus e provê-los com o dinheiro advindo da

escrita. Sua escritura, que, a despeito de ter e ser

um valor testemunhal inegável, (re)vela uma

autenticidade do vivido, (des)vela, ainda, uma

espontaneidade de sua consciência de mulher,

mãe, favelada, escritora, consciente, delatora e/ou

relatora das ocorrências da favela e/ou para nos

servirmos de uma metáfora elaborada pelo

sujeito-autor (Carolina Maria de Jesus),

denunciante do Quarto de Despejo.

Se há valor testemunhal, há e haverá

ainda uma representação, uma abstração, um

simulacro desse mesmo real transfigurado, desta

feita em discurso literário - ainda que incanônico-,

pois quem estabelece o que seja ou não canônico,

também o faz lançando mão do que é e/ou está

sendo produzido na referida época, a supor que

outros textos com outras características e/ou

oriundos das mãos de uma mulher negra,

favelada, mãe solteira, pobre, descendente de

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38 Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012

escravos, dentre outras atribuições, fatalmente não

estariam, portanto, dentro do intitulado cânone.

Essa testemunhalidade advém,

principalmente, da alteridade constituinte dessa

representação. Uma alteridade que imbrica papéis

sociais, projeta estereótipos sociais e ratifica

vislumbres sujeitudinais nunca antes idealizados

nos meandros literários. Tal representação de uma

‘escrita de si’ singularizada entremostra os

deslocamentos do sujeito permeados pela

interpelação da linguagem frente aos olhares

sobre os mundos possíveis.

Não é sem razão que, se tivermos contato

com os textos/os manuscritos originais de

Carolina, facilmente identificamos uma escritura

que precisa, ininterruptamente, grafar com força,

com toda a força possível (necessidade de

escrever e reescrever, fortemente, sua história) se

materializando em um texto como se ele fosse

sempre um palimpsesto, uma escritura em

palimpsesto. A escrita em palimpsesto é utilizada

aqui com a concepção que era dada pelos gregos,

não só no sentido literal, mas na acepção de raspar

o texto e reescrever, fortemente, por cima,

deixando à mostra aquela versão primeira. Sem

contar que Carolina já escrevia em cadernos que

eram retirados do lixo e, neste caso, já

evidenciavam, já traziam em si uma página

amarela, folhas arrancadas, descoladas e

(re)aproveitadas – um dizer já alterado/retalhado e

outro que seria – intensamente - reescrito nas

folhas/nas fissuras dos cadernos encardidos.

Essa escrita ‘por sobre’ revela uma

historicidade pertencente a uma anterioridade que

determina o lugar social do sujeito, trazendo a

superposição de outra escrita que, por uma

alteridade em clivagem, revela o lugar discursivo

da instância enunciativa sujeitudinal escritora.

Dessa forma, a alteridade ‘por

sobre’/‘superposição’ significa essa movência

sujeitudinal que constitui uma forma-sujeito

traduzido por seu lugar social e faz emergir uma

tomada de posição reveladora do lugar discursivo

autor. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de

registrar o deslocamento simultâneo entre os três

lugares (posição-sujeito, lugar social e lugar

discursivo), síntese da criação literária que se

enuncia nos cadernos encardidos.

Carolina Maria de Jesus – enquanto

instância sujeito que congrega inúmeras posições

possíveis, a saber: sujeito-autor; sujeito-narrador;

sujeito-personagem, ao criar um relato em que a

personagem é protagonista de uma

história/estória, desvela uma escritura em que as

marcas do sujeito-narrador, do sujeito-

personagem e ainda do sujeito-autor resvalam a

um tipo de relato autobiográfico, como já sugere o

título Quarto de Despejo: diário de uma

favelada (1960) - mais precisamente, em um

diário íntimo que, a par de revelar o preço dos

alimentos, dos transportes, também faz uso do

intitulado “discurso citado” para testemunhar, dar

cunho de veracidade aos relatos.

Segundo Sousa (2004), não basta para

Carolina citá-los, é preciso lançar mão deste

recurso para testemunhar (com uma autenticidade

possível) os comentários de outros favelados, de

outros moradores, de outras personagens. É

imperioso comprovar que eles de fato existiram,

ainda que tenha que recorrer – não raras vezes –

ao tom de ameaça aos seus vizinhos e

personagens do seu diário, prometendo citar

nome, endereço, profissão e até mesmo número

do documento de identidade.

O estranho diário de Carolina é utilizado

para recorrer, aqui, ainda que de maneira

avizinhada, ao título de uma tese2 cunhada com o

desejo de explicitar sua escritura. Tal explicitação

faria emergir na obra da escritora, a marca

legítima de um cânone – os românticos e

ultrarromânticos. Ao tentar reproduzir este

cânone, Carolina Maria de Jesus singularizou-o e

reportou-se a outro gênero textual, mais

tipicamente próximo dos textos memorialísticos.

QD acaba por apresentar uma discursividade

outra, fora do cânone literário vigente, que

intitulamos aqui, de incanonicidade.

A existência de um diário constitui-se

como um elemento revelador das condições de

produção da obra da escritora, condições de

produção que trazem à tona temáticas, sentidos

recorrentes, índices de interpelação da instância-

sujeito em sua clivagem com o mundo e a

sociedade em que vivia. Essas temáticas, sentidos

e enfoques de interpelação fazem emergir

elementos da memória, da história e da

anterioridade discursiva de uma época, de um

grupo social e de um legado de acontecimentos e

condições de vida que significam a evanescência

sentidural da obra da escritora.

Como proceder diante de um texto que, a

todo momento, se nos apresenta enquanto uma

figura de linguagem intitulada oxímoro? Como se

portar diante da materialidade discursiva em que

as funções-autor, narrador, personagem, dentre

tantas outras possíveis, se apresentam dispersas,

quando não imiscuídas e não raras vezes

inseparáveis? Como apreender um sujeito-autor

que, em um processo de interpelação – nos

moldes que apregoara Pêcheux (1997, p.148) -,

promovem a constituição de um sujeito que é

chamado à existência?

Carolina é prontamente,

ininterruptamente, instigada/incitada à existência:

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Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus 39

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012

seja para apresentar aos outros a favela e a miséria

dos favelados (seus iguais); seja, ainda, para se

destacar deles, por possuir, por ambicionar à

detenção da cultura letrada para, a par dela, e

utilizando-a enquanto ferramenta, alçar voos

longínquos ou tão-somente revelar ao mundo sua

condição de negra, favelada, mãe solteira,

catadora de lixo e escritora.

Se o sujeito se constitui na e pela

ideologia e traz tatuado/inscrito em seu processo

de subjetivação (no ato de se constituir,

ininterruptamente, sujeito) um lugar social, uma

posição social, uma formação discursiva e,

consequentemente, um lugar discursivo, Carolina

Maria de Jesus - o sujeito-autor, a partir de uma

dada condição ideológica, política, social,

histórica, no espaço limítrofe do barraco nº 05, na

Rua A, da Favela do Canindé - quer crer que a

escrita, a escritura é uma profissão possível,

pretendida, ambicionada. Mesmo cônscia de suas

limitações relacionadas à cultura intitulada

letrada, padrão, infiltra o mundo literário ou,

conforme expressa Lajolo, “arromba” a literatura,

provocando fissuras no arcabouço desta

“república das letras brancas e cultas”, “mundo

das concordâncias e das crases” (LAJOLO, 1996,

p.43-44, grifos da autora).

Há na materialidade discursiva apreendida

no corpus literário incanônico de Quarto de

Despejo inscrições dicotômicas, reveladoras de

marcas de oralidade e marcas de um discurso mais

próximo dos textos românticos e/ou intitulados

letrados. Essas inscrições se sobrepõem na

alteridade da produção de sentidos e da

constituição da instância-sujeito na emergência da

obra. Dicotômicas porque se deslocam,

transmutam-se, movem-se signicamente no

encaminhamento da enunciação literária.

Segundo a fortuna crítica de Carolina

Maria de Jesus, notadamente os textos oriundos

de áreas antropológicas e sociológicas,

especialmente os escritos por José Carlos Sebe

Bom Meihy e Robert M. Levine, a autora só

detinha o segundo ano primário. Toda a leitura

que o sujeito-autor Carolina entremostra em QD,

apreendido por meio dos sentidos veiculados

nesta obra e, também, entrevistos nas diversas

marcas no interdiscurso caroliniano fora

tateada/buscada/burilada nos moldes tomados

enquanto cânone – os poetas românticos, entre

eles, Casimiro de Abreu – primeiro poeta a ser

lido e tomado como referência, dentre outros,

como Castro Alves –, aceito e referendado pela

autora como um dos grandes poetas, o poeta dos

pobres, das minorias, dos excluídos.

É estimulante o fato de que a instância-

sujeito Carolina Maria de Jesus possui uma

escolaridade que parece aquém daquilo que

adquirira em termos de letramento – nos moldes

do que pontua Magda Soares: “como práticas

sociais efetivas de leitura e escrita”. Marisa

Lajolo, ao apresentar a Antologia Pessoal de

Carolina Maria de Jesus com o prefácio

intitulado “Poesia no Quarto de Despejo, ou um

ramo de rosas para Carolina” profere sobre a

escritura de Carolina uma escrita que, a despeito

de apresentar a cultura popular, a fala do povo, os

erros de sintaxe, os inúmeros erros de

concordância, as rimas pobres, as canções

populares, a trova/prosa oriunda, advinda de seus

ancestrais negros – o avô descrito como um

Sócrates africano – mostra, entremostra, delineia

o exercício, o fardo exercício de buscar/garimpar,

recolher os termos/vocábulos mais próximos do

dicionário, mais elitistas, mais incomuns, mais

atípicos de uma cultura fartamente anunciada

como sub-letrada.

Uma tessitura singular que desvela o

exercício do dizer, um exercício inacabável do

dizer... Carolina escreve e se inscreve como um

sujeito-autor, um sujeito-narrador e um sujeito-

personagem

marcado/circunscrito/cerzido/alinhavado – para

recorrermos aqui aos vocábulos correlacionados à

tessitura, ao exercício de alinhavar, cerzir,

costurar o dizer – e, ao cosê-lo, tenta remendar,

alinhavar um lugar possível para o discurso

caroliniano.

O que seria esse discurso caroliniano?

Uma conjuntura de sentidos em efeito que revela

a referencialidade polifônica de uma instância-

sujeito que enuncia pela significância de uma

discursividade tomada como literária. Efeitos de

uma historicidade, de uma anterioridade

discursiva, de uma memória discursiva que insere

a instância-sujeito escritora em um ethos sócio-

econômico-literário, para enunciar um pathos

resultante de sua clivagem e interpelação de um

mundo possível que vivencia e sobre o qual e a

partir do qual produz um logos que se inscreve em

uma amplitude linguístico-estético-literário.

É paradoxal, para não dizer instigante, o

fato de Carolina Maria de Jesus tomar como

molde os poetas românticos, o verso com rima, os

motes do amor, da saudade, do amor à pátria,

quando na ocasião – década de 60 – eram outros

os conceitos, os moldes: havia/era a necessidade

de justamente por fim ao verso, à forma, à

convenção, como apontavam os modernistas:

Contemplava extasiada o céu cor de anil.

E eu fiquei compreendendo que eu adoro

o meu Brasil. O meu olhar posou nos

arvoredos que existe no inicio da rua

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40 Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012

Pedro Vicente. As folhas movia-se.

Pensei: elas estão aplaudindo este meu

gesto de amor a minha Patria. (...) Toquei

o carrinho e fui buscar mais papeis. A

Vera ia sorrindo (QD, p.36).

Esqueceram de informar à Carolina, como

bem pontuara Lajolo, quais eram os modelos

denominados canônicos, literários:

E, como não tinha sido informada,

Carolina ia ao dicionário apesar dos

tropeços e do peso do cartapácio. E o

resultado são os poemas salpicados de

lantejoulas do quilate de abscondado,

desídias, estentóreo, recluída, cafua,

infausto, cilícios, ósculos, agro, olvida-

me, érebo, e similares ourivesarias falsas,

que dão a seu livro um indesejado tom de

pastiche involuntário (LAJOLO, 1996, p.

52-53).

Não obstante o prefácio referendar um

livro de poemas, postumamente editado, o

comentário acima também se assemelha à

materialidade discursiva entrevista na obra que

constitui o corpus de análise desse artigo, qual

seja QD. A escritura de Carolina é paradoxal. Ela

abriga, congrega quando não metamorfoseia o

dizer, recorrendo às intituladas lantejoulas3 para

abrilhantar, para enfeitar, para adornar o discurso

pobre, miserável, destoante do dito progresso

econômico, político, cultural anunciado. As

lantejoulas também são indicativas do desejo do

sujeito-autor de pertencer a outro lugar discursivo,

outro lugar social, um lugar legitimado, talvez

acadêmico/canonizado, para o seu dizer tão

miserável, e, mesmo sendo, intitulando-se,

apresentando-se humilde, tem sonhos vastos, tem

sonhos auspiciosos.

Se os sonhos são verdes, se os sonhos são

ditosos, a realidade é negra, é dura, é sofrível, é

roxa – “cor da amargura que envolve o coração

dos favelados” (QD, p.34) é repetível, pois os dias

são sempre iguais, os relatos são/serão sempre os

mesmos: a busca pela sobrevivência, a luta, a

enraivecida luta pela sobrevivência, quando, em

muitos momentos, o sujeito-narrador, ao relatar as

agruras dos favelados, os aproxima dos corvos,

quando não os apresentam como inferiores a estes

e outros animais:

As aves deve ser mais feliz que nós.

Talvez entre elas reina amizade e

igualdade. (...) O mundo das aves deve

ser melhor do que dos favelados, que

deitam e não dormem porque deitam-se

sem comer (QD, p.35).

Deus é o rei dos sabios. Êle pois os

homens e os animais no mundo. Mas os

animais quem lhe alimenta é a Natureza

porque se os animais fossem alimentados

igual aos homens, havia de sofrer muito.

Eu penso isto, porque quando eu não

tenho nada para comer, invejo os animais

(QD, p.61).

Só há beleza, só haverá beleza se ela vier

concretizada na metáfora da banha frigindo na

panela, e/ou ainda, quando há feijão com arroz e a

promessa de uma refeição, ainda que parca, ainda

que carente dos nutrientes necessários.

Pelos enunciados já citados nas diversas

ocorrências, o que se observa é a diversidade de

inscrições, de formações discursivas distintas. De

acordo com os estudos pecheutianos, a formação

discursiva é o lugar da constituição do sentido.

(PÊCHEUX, 1997, p.162) É nesta acepção que

empregamos a aludida notação temática.

Chamaremos, então, formação discursiva

aquilo que, numa formação ideológica

dada, isto é, a partir de uma posição dada

numa conjuntura dada, determinada pelo

estado da luta de classes, determina o que

pode e deve ser dito (articulado sob a

forma de uma arenga, de um sermão, de

um panfleto, de uma exposição, de um

programa, etc). Isso equivale a afirmar

que as palavras, expressões, proposições,

etc, recebem seu sentido da formação

discursiva na qual são produzidas:

retomando os termos que introduzimos

acima e aplicando-os ao ponto específico

da materialidade do discurso e do

sentido, diremos que os indivíduos são

“interpelados” em sujeitos-falantes (em

sujeitos de seu discurso) pelas formações

discursivas que representam “na

linguagem” as formações ideológicas que

lhes são correspondentes (PÊCHEUX,

1997, p.160-161- grifos do autor).

Ora, Carolina revela-se a escritora dos

pobres e de suas agruras. Ora ela se apresenta

como a delatora dos favelados e de suas

lambanças, fugindo e/ou fingindo escapar às suas

misérias; ora ela se exibe como a apaziguadora,

aquela pessoa que, por acreditar e se reconhecer

escritora, é a única expectativa dos seus

companheiros de miséria. É sempre ela que põe

fim às brigas, às discórdias, é sempre ela que

abranda os mexericos, é sempre ela a portavoz dos

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Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus 41

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012

favelados. É ela, também, que, em muitos

momentos controversos, para não dizer

paradoxais, parece intuitivamente desvelar uma

inscrição que a apresenta como uma mulher à

frente do seu tempo. Escolhe criar os filhos

sozinha, opta por não ter marido e não se sujeitar

a apanhar e, ainda, a ter que sustentar a casa como

fazem muitas de suas vizinhas, que trabalham fora

e ainda parecem tambor, apanham de seus

companheiros.

Em outros enunciados há referência ao

preconceito contra os imigrantes nordestinos,

proferindo que são sempre eles a se meter em

confusão, são sempre eles a iniciar uma briga, são

sempre eles os preguiçosos, cachaceiros,

baderneiros; tal atitude resvala em uma atitude

pré-concebida, quando não preconceituosa.

Como esta é apenas uma pré-análise,

outros caminhos poderão ser trilhados/

construídos/constituídos. É sabido que a proposta

inicial era trabalhar/cotejar alguns enunciados

representativos de algumas formações discursivas

que desvelassem o sujeito em sua ininterrupta

constituição enquanto instância enunciativa

sujeitudinal.

Há inúmeras inscrições do sujeito-autor

em uma dada discursividade política, ideológica,

social, literária, dentre tantas outras possíveis.

Carolina – enquanto sujeito-autor - em inúmeros

momentos fala/descreve a necessidade de o poeta

estar vinculado àquilo que registra. Ela se

reconhece como uma poeta dos pobres. Insiste-se

aqui no termo poeta e não poetisa, a supor-nos

que aquele não carrega em si nenhuma acepção de

gênero (masculino e/ou feminino) e porque a

própria Carolina também usa o termo/vocábulo

poeta. A escrita não tem gênero; aliás, não tem

sexo: “Vi os pobres sair chorando. E as lagrimas

dos pobres comove os poetas. Não comove os

poetas de salão. Mas os poetas do lixo, os

idealistas das favelas, um expectador que assiste e

observa as trajedias que os políticos representam

em relação ao povo”. (QD, p.54)

Segundo José Carlos Sebe Bom Meihy, ao

referendar, junto com Marisa Lajolo, a obra

intitulada Antologia Pessoal de Carolina Maria

de Jesus, publicada postumamente (1996, p.17)

pontua que:

Carolina escrevia muito. Não só músicas

– sambinhas pobres também foram

perpetrados por ela – mas, ao lado de

múltiplos gêneros, principalmente, versos

agarrados nas linhas do simplismo, da

rima mais que fácil e da repetição.

Carolina foi e era por definição poeta.

Sequer dizia-se poetisa. Sem entender o

significado disto, tudo que for dito sobre

ela soará pouco e, mais que incompleto,

vazio. (MEIHY, 1996, p.17)

Carolina escreveu diários, teatro, letras de

música, poesia, romance – ela perpassou por

diversos gêneros textuais, embora tenha ficado

conhecida apenas como a autora de diários

íntimos. Essa diversidade de escrituras literárias

funda-se na necessidade de uma expressividade

sujeitudinal inscrita em uma discursividade

literária que a revelasse como instância-sujeito

nesse universo discursivo. Trata-se de uma

constituição sujeitudinal plural em busca de um

lugar discursivo que a revelasse enquanto

instância enunciativa sujeitudinal escritora.

Na materialidade discursiva de QD é

possível identificar, assinalar diversos recursos

utilizados para compor o dizer. Trechos

carregados de metáforas, textos (des)veladores

dos motes utilizados nos textos de Casimiro de

Abreu, em Castro Alves, o uso de metáforas, o

recurso da hipercorreção – quando a instância-

sujeito Carolina, sabendo-se não possuidora do

código letrado, tenta se infiltrar nesse código e se

corrigir... Que chega ao exagero ou, ainda, abeira-

se nas bordas do que se intitula hipercorreção. O

uso exagerado e fora do código normativo dos

pronomes, da escolha de vocábulos burilados,

garimpados nos dicionários. Nesse sentido, o

dizer de Carolina traz tatuada a marca do

interdiscurso. E é inegável, em muitos momentos,

para recorrermos aqui as expressões apontadas

por Umberto Eco (1994), o sujeito-leitor

(re)conhece trechos, falas, verbetes, transcrições

de outros discursos, de outros autores,

notadamente os autores românticos. Veja-se este

fragmento:

Contemplava extasiada o céu cor de anil.

E eu fiquei compreendendo que eu adoro

o meu Brasil. O meu olhar posou nos

arvorêdos que existe no inicio da rua

Pedro Vicente. As folhas movia-se.

Pensei: elas estão aplaudindo este meu

gesto de amor a minha Patria. (...) Toquei

o carrinho e fui buscar mais papeis. A

Vera ia sorrindo. E eu pensei no

Casemiro de Abreu, que disse: “Ri

criança. A vida é bela”. Só se a vida era

boa naquele tempo. Porque agora a

epoca está apropriada para dizer: Chora

criança. A vida é amarga (QD, p.36).

Nessa perspectiva, é possível cotejar a

posição de Maingueneau (2006, p.72) quando

discute a questão do discurso constituinte:

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42 Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012

Como todo discurso constituinte, a

literatura mantém uma dupla relação com

o interdiscurso: de um lado, as obras se

alimentam de outros textos mediante

diferentes procedimentos (citações,

imitações, investimento de um gênero...)

e, do outro, elas se impõem à

interpretação, ao emprego.

É assim que o sujeito-autor ou a instância

enunciativa sujeitudinal escritora faz uso do que

lera, do que ouvira, do que entrara em contato e

(re)toma esses outros dizeres com outras

acepções. Não é, de maneira alguma, mera

reprodução, mas um outro dizer, marcado por

outras inscrições sociais, políticas, históricas,

ideológicas e culturais. Senão seria apenas uma

réplica dessas inscrições sem uma clivagem do

mundo que significativamente enunciasse e

referendasse o que disse Maurice Blanchot

(1996), quando argumentou que o que importa

não é dizer, mas redizer e, neste redito, dizer a

cada vez uma vez primeira.

Pelos excertos supracitados é facilmente

perceptível uma releitura e/ou uma relocalização

dos enunciados, dos vocábulos, das expressões

fundadoras do estilo romântico de alguns

escritores, entre eles, Casimiro de Abreu, Castro

Alves e o próprio Gonçalves Dias com o poema

Canção do Exílio que exalta a terra, os bosques, as

várzeas, as flores, os amores.

Conforme assevera Pêcheux “... o próprio

de toda formação discursiva é dissimular, na

transparência do sentido que nela se forma, a

objetividade material contraditória do

interdiscurso, que determina essa formação

discursiva como tal, objetividade material essa

que reside no fato de que “algo fala”” (ça parle)

sempre “antes, em outro lugar e

independentemente”, isto é, sob o domínio do

complexo das formações ideológicas (1997, p.162

– grifos do autor).

Considerações Finais: Realizando algumas

breves exposições e indicando um ponto-e-

vírgula

A instância enunciativa sujeitudinal

escritora Carolina Maria de Jesus é/representa um

grito de protesto contra as injustiças cometidas

contra os favelados, as minorias, os pobres. Sua

voz é contundente, cáustica. Neta de escravos, seu

discurso entremostra em ‘pé de garrafa’ – a

exemplo do mito africano – as migalhas, a dor, a

complacência com os desvalidos e, ainda que, não

sendo homem para mudar o curso da história,

sonha com o mundo das letras, com o mundo dos

adeptos ao dom da palavra – aqueles que são mais

abastados culturalmente e socialmente providos

de tradição letrada.

Talvez, nesse sentido, o discurso

caroliniano revele uma leve aproximação com o

mundo de Alice – na medida em que confabula

sonhos e ambiciona torná-los possíveis. Este será

seu dedal de mudança, possível legado aos seus

irmãos de cor. O dizer de Carolina é simples,

contundente, direto, sem meios-tons, sem o

requinte da sofisticação, embora se encontrem

espalhadas algumas lantejoulas, aqui e ali para

recorremos ao comentário feito por Marisa Lajolo

(1996).

O que esta autora chama de lantejoulas

são algumas metáforas, algumas expressões

atípicas para alguém com tão pouca escolaridade

formal. Sua singularidade se revela não somente

na denúncia social, mas ainda na possibilidade de

criar artifícios ficcionais para desvelar a

singularidade de sua denúncia. Deitar e acordar,

com lápis e papel na mão, não é uma atitude

puramente mecânica; é uma singularidade que

desvela na ação de escrever e de catar a

probabilidade de catar sonhos/realizar sonhos

feitos os de Alice no País das Maravilhas, de

Carroll.

A despeito de crer, de ter a lucidez de ver

e entrever que os lugares já estão postos, que as

injustiças se repetem, ininterruptamente, tais

como os elementos frasais com que iniciam seus

dias esquadrinhados em seu diário. Carolina sonha

com um mundo utópico, ideal, em que homens e

bichos sejam tratados com dignidade; aliás, em

muitos momentos de desespero, chega a crer que

os animais são privilegiados, pois conseguem se

alimentar, enquanto os favelados, em inúmeros

momentos, não têm o que comer.

Carolina representa a figura de uma

catadora de palavras – para calar/sufocar a fome

do não saber institucionalizado, por outro lado,

não dissonante deste, também, configura a

catadora de sonhos – para

criar/confabular/engendrar um universo de

sobrevivência possível. As páginas de cadernos

amarelados pela ação do tempo chegaram às mãos

de Audálio Dantas como que por coincidência.

Por uma obra do acaso, ou como diria o estimado

Rosa (2001), pela força do acaso que conspira

ainda que o “viver seja um descuido

prosseguido”.

Estava o jornalista andando na favela – a

procura de artifícios para engendrar um relato

sobre os favelados, quando como por uma

eventualidade ouve falar de Carolina – a favelada

que anotava tudo o que ocorria na favela. Golpe

de gênio e/ou mera obra do acaso? O fato é que

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Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012

encontrou ali alguém que, sendo da favela,

poderia falar muito melhor em nome desta, pois

isso daria maior veracidade ao testemunho.

O tempo de Carolina é o tempo do Era

uma vez, ainda que estabeleça uma possibilidade

de porvir, de tornar a ser, ainda que antecipe em

10 (dez) anos a escrita em diário... feito/concebido

por uma mulher. Era uma vez uma menina que

desde sempre havia sido destinada a ser poeta...

Por isso, recorrendo a sua memória, ao senso

comum e ao relato de um médico, quando

frequentemente sentia dores na cabeça... Ele

retrucava/sentenciava que ela havia nascido para

ser poeta... Era este o seu destino, era esta a sua

sina. Carolina ambicionava ser poeta, mais do que

isto, desejava sobreviver desta escritura e outra

vez... Relembramos Alice no país das maravilhas:

“Enquanto escrevo vou pensando que resido num

castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que as

janelas são de prata e as luzes de brilhante. Que a

minha vista estou no jardim e eu contemplo as

flores de todas as qualidades” (QD, p39).

Assim, em 1958, aparece Audálio Dantas

metamorfoseado em Chapeleiro Maluco – bem,

no caso de Carolina, não tão maluco assim, já que

ele, em sua antevisão jornalística, apura e prepara

um contexto editorial favorável para receber

Carolina Maria de Jesus – um achado. Alguém

que, vindo da favela, seria sua porta-voz. Nada

mais convincente em um país que se abria, ainda

que ilusoriamente, para a popularização, para a

democratização da cultura, mostrar a favela por

seu próprio ângulo, pelo seu próprio viés.

Na aludida ocasião houve talvez uma

confluência de astros: o acaso, a escrita, a

mensagem, os leitores, só faltou/careceu e, talvez,

este seja o aspecto que tenha recebido maior

aceno de Carolina, o ressentimento, o ressentir-se

pela falta de receptividade da crítica literária à sua

obra e pela mesma razão também entremostrou a

não aceitação de Carolina, aos cânones literários

vigentes.

Talvez date daí sua frustração, sua fuga

para o sítio de parelheiros e para seu processo de

encapsulamento. Se por parte dos leitores teve

uma audiência/uma aceitação imensa – superando

em um só dia até mesmo autores [intitulados]

clássicos, como Jorge Amado, por outro lado e,

dissonante deste –, pois mesmo tendo sido

Quarto de Despejo um dos livros mais lidos no

Brasil, na década de 60, quiçá no mundo, não fora

aceita pelos poetas de salão, pelos intitulados

acadêmicos e/ou imortais.

Carolina sentou-se e olhou as páginas em

branco que pretendia preencher com o saldo de

sua solidão e de suas carências pessoais,

emocionais, financeiras. De forma atabalhoada,

começa a entender que a vida é determinada pelas

escolhas e estas já foram a priori determinadas

pelas diferenças culturais, sociais, políticas,

profissionais, étnicas e, ainda, de gênero – o peso,

o árduo peso de ser mulher: negra, favelada, mãe

solteira e com baixa escolaridade. E ela, a

instância-sujeito Carolina Maria de Jesus, como

tantos, sempre tivera dificuldade em escolher.

Talvez justamente porque as escolhas já estavam

postas a priori. Nesse momento, a sua era uma

vida tão encapsulada que parecia ser impossível

chegar ao cerne, à origem deste enovelamento. A

sua história é multifacetada. Realizando uma

remota comparação entre a obra Alice no País das

Maravilhas e a obra Quarto de Despejo, de

Carolina Maria de Jesus pode-se dizer que esta é

repleta de fantasias oníricas e lúdicas acerca da

realidade e da linguagem.

São simbolizações e alegorias que, a um

primeiro parecer, contestam a lógica e o senso

comum primando pelo nonsense, pelo absurdo.

Contudo, como a própria instância-narradora

profere: “há de existir alguém que lendo o que

escrevo dirá isto é mentira, mas as misérias são

reais” o non-sense é só aparente, só quem passa

pela fome é quem sabe o que é sentir a fome,

segundo esta mesma instância-sujeito narrador

profere “a fome tambem é professora”. (QD, p.31)

Essa ludicidade desvela, contudo,

metáforas lúcidas a respeito do mundo e da

sociedade, da divisão entre favelados/miseráveis e

ricos; entre o quarto de despejo e a sala de estar.

A instância-sujeito Carolina Maria de Jesus

transpõe para a materialidade linguística e

discursiva o mundo lúdico de Alice, embora o

faça ao revés... Seu mundo é a favela, são as

marginais da cidade de São Paulo – cheias de

incertezas e ilogicidades. São Paulo como no país

das maravilhas é dividido/cindido em

castas/classes, proleátrios e classe média.

Carolina, a catadora, representa/configura a carta

de espada (os servidores, os jardineiros, os

pedreiros, os proletários, os desvalidos, os jogados

para o quarto de despejo).

QD e a sua recepção entremostram os

matizes da favelada, um quadro em que as cores

primárias e secundárias não são associadas ao

belo, mas antes ao cheiro de podridão, aos

entretons cinzentos e esfumaçantes da poeira, da

lama, do mau cheiro, da pinga, da imundície que

exala da favela, trazendo à mostra a metáfora dos

desvalidos esfomeados – quando então, passado o

boom editorial, autora e obra são silenciadas.

Contudo, o livro QD cresce no mercado

editorial nacional e internacional, alça voos

desmedidos, trazendo esta metáfora dos

desvalidos e esfomeados, contudo a academia faz

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44 Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012

vista grossa ao mercado editorial crescente para o

Quarto de Despejo.

“Era uma vez”... a vida da instância-

sujeito Carolina Maria de Jesus é repleta de

questionamentos existenciais: a fome, a luta

contra o tempo para catar, enovelar, dormir,

sonhar, tornar possível, trabalhar... A incoerente

realidade externa não se coaduna com a realidade

interna. Não é suficiente ser diferente do modelo

social de um determinado momento histórico; é

preciso diferenciá-lo, trazer à tona o que era

apenas vago e sufocador – para recorrermos aqui

aos dizeres de Clarice.

Era imperioso modificar esse momento

histórico, ainda que em folhas catadas no lixo. Tal

atitude desvela coragem, muita coragem. QD

metaforicamente revela um rito de passagem para

a coragem: a coragem de ser mulher, a coragem

de ser mãe, a bravura de resistir à fome e utilizá-la

como pauta para a denúncia social, política e

histórica, a força de SER só no mundo, os ônus de

ser uma mulher negra, semiescolarizada, favelada,

mãe solteira, catadora de lixo e escritora. Alice,

assim como Carolina Maria de Jesus, devolvem

ao seu país, por intermédio de seu discurso, dedais

de projetos que visam às minorias sociais.

Talvez essa seja a melhor, a única porção

que lhe cabia, talvez essa seja a atitude de uma

‘Alice negra da modernidade’ com sua pequena

varinha de condão – principiar as denúncias,

revelar as mazelas que afligem os favelados, os

seus iguais.

Carolina propõe uma cisão conceitual do

mundo por meio de uma ressignificação do

discurso, e esse discurso é materializado através

de alegorias vividas, duramente, severamente

vividas. A instância-sujeito autor coloca na

experiência empírica do discurso a real

experiência da fome e faz desta experiência uma

forma de visão social.

A propósito, observando as considerações

foucaultianas bem delineadas nas linhas do livro

O que é um autor?, bem como nas folhas que

antecedem a este e atribuídas aos prefaciadores

do presente livro: mais vale o projeto de

empreender uma tentativa de rascunhar uma

‘escrita de si’, portanto acreditar-se no gesto de

superar que nas próprias superações; “a própria

escrita (grafia) é um gesto da vida, e que, se a

pode negar, destruir, banalizar, também a pode

‘salvar’”. (2009, p.8-9).Talvez no exercício de

catar o lixo e salvaguardar os dias vividos haja no

corpo de Quarto de Despejo um projeto social,

literário e filosófico do sujeito autor Carolina

Maria de Jesus de proteger-se da própria solidão,

salvar-se da loucura, defender-se da miséria que

consome os sonhos e os engaveta nos escaninhos

obscuros da memória.

Como indagações finais e que não se

encerram com a proposição desta leitura, deste

gesto de interpretação, faríamos nossas as

palavras de J.Ullmo4 (2009, p.87):

Onde é que se encontra o que especifica

um autor? Bem, o que especifica um autor

é justamente a capacidade de alterar, de

reorientar o campo espistemológico ou o

tecido discursivo, como formulou. De

facto, só existe autor quando se sai do

anonimato, porque se orientam os campos

epistemológicos, porque se cria um novo

campo discursivo que modifica, que

transforma radicalmente o precedente.

Carolina Maria de Jesus – enquanto

posição sujeito – desestabilizou o posto, se

permitiu ir além do quarto de despejo, ousou um

atrevimento: possuir uma casa de alvernaria5,

considerado na época um atrevimento de negrinha

metida, arrombou a literatura da ocasião, nos

dizeres de Marisa Lajolo (1996), provocou

fissuras no meio jornalístico e ainda que não tenha

sido considerada uma autora da ordem do cânone,

desestabilizou o posto e fundou uma

discursividade outra para além do cânone.

Inventariou um legado que lhe permitiu escrever

diversos gêneros discursivos, teatro, poemas,

canções, cartas, novelas, diários (o conhecido),

dentre outros.

Carolina sai do anonimato, desestabiliza,

quebra regras, ainda que seja e tenha o intuito de

seguir a norma considerada padrão, a norma culta,

incomoda por não ser possível imputar-lhe uma

categoria, uma etiqueta. Carolina fere todas as

etiquetas intituladas e bravamente rotuladas como

aceitáveis para ser considerada uma escritora: ser

escolarizada, ter formação clássica e vir de uma

camada social mais abastada. Carolina – enquanto

sujeito empírico – é negra, favelada, pobre, mãe

solteira, semiescolarizada, descendente de

escravos e leitora autodidata. Assim, reciclava

lixo e ao reciclá-lo entrevia uma realidade outra,

acreditava no poder da escrita como forma de

anotar os dias e preservá-los do esquecimento.

Tentava, ainda, registrar as lambanças de seus

irmãos de cor e apontar os deslizes deste e

daquele governante. Tinha uma coragem para

além do prontamente esperado, ao reciclar lixos,

mantinha o desejo de um dia mudar o curso da

história, separava lixo e trocava por gêneros

alimentícios em uma época que nem se falava em

reciclagem. Resgatou e preservou seu instinto

primeiro de escriturar e inventariar o que é e seria

da ordem do não inventariável: a vida infame dos

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Nas fissuras dos cadernos encardidos: O bordado testemunhal de Carolina Maria Jesus 45

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012

homens comuns. E se sua ‘escrita de si’

abespinha-se é também porque desestabiliza o

posto, esfola regras, funda um novo campo

discursivo e ousa falar da vida cotidiana com

todas as suas singularidades, com toda a

precariedade e inalterabilidade dos dias, em que

vida privada e pública se entrelaçam no quarto de

despejo (espaço privado, o quarto de Carolina),

mas contracenam aos olhos de todos os favelados,

no meio da favela (no quarto de despejo, espaço

público), no centro paupérrimo do descaso e dos

desvalidos... lá onde jorram todas as estórias e

escorrias da cidade, quiçá do país.

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46 Fabiana Rodrigues Carrijo, João Bôsco Cabral dos Santos

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 35-46, jan./jun.2012

Notas

1 Doravante, apenas QD, seguido do número da página, já que todos os excertos são e serão retirados da 1ª

edição de Quarto de Despejo, 1960. Cumpre mencionar que essa obra não passou por uma revisão

gramatical; nesse sentido os referidos excertos entremostram as singularidades de um sujeito autor que

enquanto sujeito empírico, pertencente a uma dada comunidade, só cursou até o segundo ano primário, em

uma Escola Espírita de Sacramento denominada Allan Kardec.

2 Tese de doutoramento de Germana Henriques Pereira de Sousa intitulada Carolina Maria de Jesus – O

Estranho Diário da Escritora Vira-lata, defendida em 2004 na Universidade de Brasília, ilustra os

desdobramentos de sua escritura.

3 Recursos linguageiros de uma expressividade linguística que ilustra e caracteriza representações de um

dizer que reflete um realismo acontecimental, isto é, da ordem do acontecimento.

4 O livro de Foucault O que é um autor? é resultante de uma seleção de textos do autor reunidos sobre a

problemática do sujeito e a sua relação com a escrita. Trata-se de uma das suas inúmeras conferências

proferidas e traz a participação de alguns debatedores/mediadores, entre eles: Maurice de Gandillac, Lucien

Goldmann, J. Ullmo que realizaram algumas contribuições/questões durante a conferência que resultou

nesse livro.

5 Casa de Alvenaria está sendo usado aqui em duplo sentido: o primeiro deles, talvez mais premente, é a casa

de alvenaria conquistada por Carolina com a vendagem do seu primeiro livro lançado, a saber: Quarto de

Despejo – diário de uma favelada (1960) e, na segunda acepção, também se refere a outro livro bancado,

desta feita pela própria autora com o dinheiro ganho na edição de Quarto de Despejo. Livro que não

recebeu os acenos tanto de público, quanto de mídia e, ainda, do meio acadêmico como uma grande

promessa empreendida por Carolina. Assim, tanto a autora como os livros publicados após seu best-seller

Quarto de Despejo foram fadados ao esquecimento.

Sobre os autores:

Fabiana Rodrigues Carrijo: Professora de Língua Materna no Ensino Fundamental do Estado de Goiás.

Autora e executora de um projeto de leitura intitulado: Tecendo e (des) tecendo com laços de amor e dor:

como recobrar o prazer pela leitura no espaço da biblioteca. Doutoranda em Estudos Linguísticos no

Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos do Instituto de Letras e Linguística na Universidade

Federal de Uberlândia. Membro partícipe do Laboratório de Estudos Discursivos Foucaultianos. (LEDIF).

João Bôsco Cabral dos Santos: Professor Associado 2 do Instituto de Letras e Linguística da

Universidade Federal de Uberlândia. Doutor em Estudos Linguísticos pela UFMG. Coordenador do Grupo

de Pesquisa Laboratório de Estudos Polifônicos.

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* Endereço Eletrônico: [email protected]

** Endereço Eletrônico: [email protected]

O Curso de Pedagogia em Goiás e a formação do professor alfabetizador1

Juçara Gomes de Moura*

Maria Aparecida Lopes Rossi**

Resumo

O trabalho objetiva refletir sobre a organização curricular do curso de Pedagogia em Goiás, na década de

1980, e suas contribuições para com a formação do professor alfabetizador. Parte-se da proposição de que o

curso de Pedagogia sofre, ao longo da sua história, influências políticas do Estado e dos movimentos sociais

que reivindicavam a democratização da escola. Tais reivindicações materializaram-se na organização de um

currículo que buscava “transformar a escola de 1º Grau como um espaço verdadeiramente democrático”. O

novo currículo dá ênfase na compreensão da educação, da escola e da prática pedagógica, considerando sua

historicidade e funções sociais e o desenvolvimento de uma consciência crítica no processo de formação do

pedagogo. Assim, o curso busca formar profissionais com o domínio de conteúdos específicos da

alfabetização que passa a ser compreendida como um processo, que envolve a compreensão e o trabalho com

a função social da leitura e da escrita.

Palavras – Chave: Alfabetização, Currículo, Curso de Pedagogia.

The Pedagogy Course in Goiás and a training literacty teacher

Abstract

This essay aims to reflect on the curriculum of the Faculty of Education in Goiás, in the 1980s, and their

contributions to the training of literacy teachers. It starts with the proposition that what we call Faculdades de

Educação in Brazil have traditionally influenced state policies and social movements that demanded the

democratization of school. Such claims were materialized into a curriculum organization organizing that

sought to "transform the school from Grade 1 as a truly democratic space." The new curriculum emphasizes

the understanding of education, schools and pedagogical practice, considering its historical and social

functions and developing a critical consciousness in the process of formation of the pedagogue. Thus, the

course seeks to train professionals that master specific literacy contents in which literacy is understood as a

process that involves understanding and working with the social function of reading and writing.

Key - Words: Literacy, Curriculum, Pedagogy course.

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo

refletir sobre a organização curricular do curso de

Pedagogia em Goiás, na década de 1980, na

Faculdade de Educação da Universidade Federal

de Goiás (FE/UFG) e no Departamento de

Educação da Universidade Católica de Goiás

(EDU/UCG), assim como suas contribuições para

a formação do professor alfabetizador. Parte-se da

proposição de que o curso de Pedagogia, criado

em 1939 no Brasil, sofre, ao longo da sua história,

influências políticas do Estado e dos movimentos

sociais, especificamente do movimento dos

educadores, no final da década de 1970 e início da

década de 1980, que reivindicava, entre outras

questões, a democratização do espaço escolar.

Essa reivindicação materializou-se na organização

de um currículo, na FE/UFG e no EDU/UCG que

buscava “transformar a escola de 1º Grau em um

espaço verdadeiramente democrático”. Para

transformar esta escola era necessário, também,

formar um profissional docente, em nível

superior, com compromisso político, competência

e habilidades para alfabetizar crianças das escolas

públicas.

A reivindicação de uma escola

democrática está relacionada à luta dos

educadores contra a política de um Estado

autoritário (GERMANO, 1993) que controlava

ideologicamente a educação escolar em todos os

níveis; empreendia reformas na educação,

colocando-a numa relação direta e imediata com a

produção capitalista e incentivava a participação

do setor privado na expansão do sistema

educacional. Nesse momento histórico, de

controle ideológico da educação, o curso de

Pedagogia formava profissionais habilitados para

o trabalho técnico nas escolas: Administração

Escolar, Inspeção Escolar, Orientação e

Supervisão Escolar. A formação para a docência

estava direcionada às disciplinas pedagógicas,

para atuação, do pedagogo, no Magistério do 2º

Grau, nas Escolas Normais. Essa formação era

criticada pelo movimento dos educadores, como

uma formação que ignorava os aspectos

ideológicos e sociais da educação e sobrepunha a

técnica aos aspectos políticos da prática

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48 Juçara Gomes de Moura, Maria Aparecida Lopes Rossi

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012

pedagógica.

Nesse sentido, os documentos do novo

currículo do curso de Pedagogia, organizado em

1984 na FE/UFG e em 1985 no EDU/UCG,

registram a influência do movimento dos

educadores em prol de uma educação pública que

transformaria especificamente a escola de 1º

Grau, ou seja, a escola responsável pela

alfabetização dos filhos dos trabalhadores. É

importante ressaltar que a FE/UFG foi pioneira,

no Brasil, ao reformar o curso de Pedagogia,

dando ênfase na formação do profissional

pedagogo como docente/alfabetizador para atuar

na escola de 1º Grau.

Ao reorganizar o curso de Pedagogia, a

FE/UFG e o EDU/UCG dão ênfase à

compreensão da educação, da escola e da prática

pedagógica, considerando a historicidade da

educação e suas funções sociais; a importância do

desenvolvimento de uma consciência crítica no

processo de formação do pedagogo; a necessidade

de recriação da escola de primeira fase do

primeiro grau; a busca de superação da dicotomia

na relação teoria-prática; a importância de formar

pedagogos com capacidade para responderem aos

reais interesses da classe trabalhadora; a

necessidade da formação de um profissional que

recuperasse a experiência e o saber que o aluno

traz, ao chegar à escola, submetendo-o ao crivo da

reflexão e da crítica.

Assim, o curso, nas duas instituições

referidas, passa a formar profissionais pedagogos

para atuarem na escola de 1º Grau com o domínio

de conteúdos específicos da alfabetização. É

interessante lembrar que, nesse momento

histórico, a alfabetização passa também a ser

compreendida como um processo que envolve a

compreensão e o trabalho com a função social da

leitura e da escrita. Essa concepção é concebida

no Brasil, já a partir da década de 50, quando o

Censo, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística), considerava como

alfabetizado aquele que soubesse ler e escrever

um bilhete simples, o que implicava exercer uma

prática de leitura e escrita.

Essa visão amplia o que era considerado

alfabetizado até a década de 40 pelo mesmo

Instituto, quando os indivíduos que declaravam

saber ler e escrever eram tidos como

alfabetizados. Desse modo, desloca-se a ênfase

anterior, que era dada ao aspecto técnico da leitura

e da escrita, priorizando-se a decodificação, e

passa-se a considerar a importância do trabalho

com textos desde a fase inicial da alfabetização.

A discussão sobre a alfabetização nas

escolas brasileiras remonta ao final do século

XIX. É interessante também observar que, nesse

momento histórico, os profissionais responsáveis

pela alfabetização das crianças eram formados

pelas Escolas Normais. Até esse período o ensino

da leitura e da escrita, nas escolas primárias, no

Brasil, escolas essas, consideradas tradicionais,

era fundamentado nos Métodos sintéticos. A

soletração, a silabação e a consciência fonológica

são as características desse modelo de

alfabetização (CARVALHO, 2009). Na

soletração, por exemplo, a ênfase é dada aos

mecanismos de codificação e decodificação, o

objetivo é ensinar às crianças, a combinatória das

letras e sons. Nele, a alfabetizadora parte de

unidades simples, as letras, mostrando para os

alunos, que essas, quando se juntam, representam

os sons, representam as sílabas, e as sílabas, por

sua vez, formam as palavras.

Em 1890 (MORTATTI, 2000) foi

inaugurada no Estado de São Paulo a Escola-

Modelo do Carmo, semelhante à Training School

dos americanos, fundamentada nos princípios da

Escola Nova. Nesta Escola-Modelo, anexa à

Escola Normal, concebia-se o método analítico

para o ensino da leitura como o mais apropriado

para as crianças. Esse método de ensino parte do

“todo” para as “partes”, iniciando-se a

alfabetização por meio da sentença. Nesse modelo

de alfabetização, a compreensão é de que a

criança tem uma visão globalizada da realidade,

ela tende a perceber o todo, o conjunto, antes de

captar os detalhes. Neste aspecto, a alfabetizadora

inicia o ensino da leitura e da escrita apresentando

às crianças uma sentença. Após essa apresentação

e leitura da sentença, realizada pelas crianças, a

professora trabalhava as palavras e, após, as

sílabas e as letras.

Assim, esse método, caracterizado como

analítico, diferencia-se do método sintético, que

parte da silabação. Os adeptos dessa nova

concepção de alfabetizar criticavam o método

sintético, caracterizando-o como arcaico, “que

contrariava a função de globalização característica

da mente infantil” (CARVALHO, 2009, p. 32).

Os críticos consideravam o método analítico

como moderno, mais lógico e mais rápido.

Nesta perspectiva, a escola primária, ao

adotar a pedagogia do método analítico, método

moderno, também era considerada pelos críticos

como um espaço mais divertido, prazeroso, que

amenizava para as crianças a difícil e árida

aprendizagem das primeiras letras.

Na década de 1960, no Brasil, o educador

Paulo Freire cria um método de alfabetização de

adultos fundamentado na ideia de que, para

alfabetizar, é preciso compreender o homem como

ser político e que “a leitura do mundo precede a

leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta

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Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012

não possa prescindir da continuidade da leitura

daquele (FREIRE, 1984, p. 11)”. Nessa

perspectiva, o papel do alfabetizador é dialogar

com o oprimido sobre temas que lhe falem de

situações concretas e de experiências que o

alfabetizando vive diariamente. O autor fazia

críticas ao modelo de educação que dá ênfase à

memorização. Segundo ele:

A memorização mecânica da descrição do

objeto não se constitui em conhecimento

do objeto. Por isso é que a leitura de um

texto, tomado como pura descrição de um

objeto e feita no sentido de memorizá-la,

nem é real leitura nem dela, portanto,

resulta o conhecimento do objeto de que o

texto fala (Idem, p. 18).

A partir da segunda metade da década de

1970, período em que um forte movimento

político dos educadores brasileiros passa a

compreender a educação também como um ato

político, grupos de professores e pesquisadores

passam a estudar os trabalhos de Bakhtin,

Leontiev, Luria e Vygotsky (FREITAS, 1994).

Esses estudos influenciam a compreensão de

educação e do ensino da leitura e da escrita. Em

Vygotsky, a Psicologia humana tem como

característica a compreensão de que a

internalização das atividades são socialmente

enraizadas e historicamente desenvolvidas. Isso

significa que a formação dos processos mentais se

dá a partir do social e, neste sentido, a leitura e a

escrita são concebidas como um espaço de

interlocução e a linguagem compreendida como

constitutiva e não constituída.

Para Bakhtin (1992), o indivíduo

apresenta-se como um fenômeno sócio ideológico

e “esta é a razão porque o conteúdo do psiquismo

“individual” é, por natureza, tão social quanto a

ideologia e, por sua vez, a própria etapa em que o

indivíduo se conscientiza de sua individualidade e

dos direitos que lhe pertencem é ideológica,

histórica e internamente condicionada por fatores

sociológicos (1992, p. 38)”.

A partir desses estudos, que levam à

necessidade de se ampliar o conceito de

alfabetização, Soares (2004) destaca que, ainda na

década de 80, é introduzido no Brasil, tanto nas

ciências da linguagem quando no campo da

educação, o termo letramento, que vem destacar a

diferença entre este conceito e o conceito de

alfabetização. Segundo a autora, esses dois

conceitos, embora designem processos

interdependentes, simultâneos e indissociáveis,

“envolvem conhecimentos, habilidades e

competências específicos, que implicam formas

de aprendizagem diferenciadas e,

consequentemente, procedimentos diferenciados

de ensino (SOARES, 2004, p.15)”. A autora

explica ainda que a inserção no mundo da escrita

se dá por meio da aquisição de uma tecnologia e a

isso se chama alfabetização. O letramento se dá

com o desenvolvimento de competências de uso

efetivo dessa tecnologia em práticas sociais que

envolvem a língua escrita. Com isso, como

salienta Rojo (2009), passa-se a entender leitura

como um ato que envolve diversos procedimentos

e capacidades (perceptuais, motoras, cognitivas,

afetivas, sociais, discursivas, linguísticas) todas

dependentes da situação e das finalidades de

leitura. (ROJO, 2009, p. 75).

O conceito de letramento, conforme

explica Kleiman (1995), afirma-se no meio

acadêmico como uma forma de diferenciar “os

estudos sobre o impacto social da escrita dos

estudos sobre a alfabetização, cujas conotações

escolares destacam as competências individuais

no uso e na prática da escrita” (KLEIMAN, 1995,

p. 15,16).

Essas considerações são importantes para

entender a reorganização do currículo do curso de

Pedagogia na década de 1980 em Goiás na

FE/UFG e no EDU/UCG. É o primeiro momento

na história da educação brasileira em que se

materializa a formação de professores em nível

superior para atuar na alfabetização.

O curso de Pedagogia e os conteúdos

específicos para o ensino da leitura e da escrita

Na reformulação do curso de Pedagogia,

na década de 1980,foram incluídas no currículo

das duas instituições formadoras, FE/UFG e

EDU/UCG, as disciplinas: Língua Portuguesa;

Língua Portuguesa 1ª fase do 1º grau:

metodologia e conteúdo; Alfabetização; Português

I; Língua Portuguesa; Didática da Comunicação e

Expressão; Alfabetização I; Alfabetização II;

Cultura, Linguagem e Alfabetização;

Alfabetização III; Estágio III – Alfabetização.

A reorganização do curso de Pedagogia,

com a inclusão das disciplinas acima referidas,

deve ser entendida no seu aspecto histórico,

político e cultural. Isso significa que a seleção dos

conteúdos do novo currículo se deu em meio a

contradições e conflitos, redundando em soluções

“negociadas”. Considera-se que esses aspectos

são fundamentais na reflexão sobre a formação

docente, mas que o presente trabalho, devido a

sua complexidade, não tem como objetivo

explorar.

Moura (2011), ao analisar o currículo de

Pedagogia na FE/UFG e no EDU/UCG, mostra os

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50 Juçara Gomes de Moura, Maria Aparecida Lopes Rossi

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012

diferentes conteúdos selecionados para formar

profissionais da pedagogia responsáveis pelo

ensino da leitura e da escrita. Como exemplo, a

ementa da disciplina Língua Portuguesa – 1ª fase

do 1º grau: metodologia e conteúdo registra os

conteúdos básicos necessários ao domínio da

pedagoga/alfabetizadora:

Introdução ao estudo dos princípios que

subsidiam a aprendizagem do aluno de 1ª

fase do 1º grau, em Língua Portuguesa,

nos aspectos bio-psico-linguísticos e

sociais. Desenvolvimento do conteúdo de

Língua Portuguesa relativo à 1ª fase do 1º

grau nos aspectos: Leitura, (leitura

básica, informativa e recreativa),

Linguagem oral – audição, Expressão

escrita (composição, ortografia e escrita)

e Aspectos Gramaticais. Métodos,

processo e técnicas. Princípios e métodos

de avaliação da aprendizagem em Língua

Portuguesa (UFG/CCEP. Resolução nº

207/84. Anexo II, 1984, p. 2).

O Plano de curso da referida disciplina,

datado de 1986, registra como conteúdo:

Linguagem – oral – audição; Leitura; Escrita;

Ortografia; Composição e Gramática. Os

objetivos traçados no plano propõem que os

alunos conheçam os aspectos que interferem na

aprendizagem da leitura; analisem os aspectos de

desenvolvimento da linguagem na primeira fase

do 1º grau; criem estratégias para o

desenvolvimento de cada aspecto da linguagem na

escola de 1º grau.

Na bibliografia registrada no plano, estão

trabalhos que trazem reflexão sobre os temas:

iniciação à leitura, leitura na 1ª série, o processo

de alfabetização, diagnósticos e dificuldades na

aprendizagem da leitura, leitura na escola

primária, linguagem e escola.

As obras, com seus respectivos autores,

registradas no plano são: Iniciação à Leitura

(ARAÚJO, Maria Ivonne Atalécio de. 1985);

Leitura na 1ª Série (BACHA, Magda Lisboa.

1969); O Processo de Alfabetização e um Modelo

em Tentativa (SANT´ANNA, Flávia Mara. 1980);

Diagnóstico de Dificuldades na Aprendizagem da

Leitura (MEC-INEP-CBPE. 1973); Leitura na

Escola Primária (SILVEIRA, Juracy. 1960);

Linguagem e Escola (SOARES, Magda. 1986).

A leitura da ementa da disciplina Língua

Portuguesa – 1ª fase do 1º grau: metodologia e

conteúdo, estruturada no novo currículo do curso

de Pedagogia da FE/UFG, ano 1984, e a leitura do

plano de curso, ano 1986, mesmo este contando

com a obra de Magda Soares, que neste período já

realizava discussões sobre a linguagem como uma

construção social, revelam uma concepção de

ensino da leitura e da escrita cuja ênfase recai

sobre a ciência Psicologia (aspectos bio-

psicolínguísticos) e sobre o domínio da gramática

(Expressão escrita, composição, ortografia e

aspectos gramaticais).

Frente a esse dado, é importante

reconhecer que uma reorganização curricular,

mesmo realizada em um momento histórico com

forte conotação política não garante os avanços

preconizados pelos seus idealizadores, pois a

materialização do currículo, como a seleção dos

conteúdos das diferentes disciplinas, depende

também da concepção política, concepção

metodológica e de formação dos profissionais

docentes que atuam no curso. Isso significa que a

seleção e organização dos conteúdos podem negar

os princípios norteadores do currículo.

A ênfase no aspecto psicológico é

também perceptível na ementa da disciplina

Fundamentos de Alfabetização I do EDU/UCG,

datada de 1985, e que prevê o conteúdo básico

para a formação da pedagoga/alfabetizadora:

Abordagens psico-pedagógicas e sócio-

políticas da alfabetização: determinantes

individuais, sócio-culturais e intra-

escolares do desempenho em leitura e

escrita. Leitura e escrita: conceituação,

método, técnicas, estágios e preparo

psicomotor e psicossocial (UCG/EDU,

1985, p. 70-71).

Já em 1991, os conteúdos da mesma

disciplina, na mesma instituição, têm como

preocupação os Estudos introdutórios da

alfabetização infantil em sentido mais amplo:

concepções históricas clássicas (UCG/EDU,

1991). O Plano de curso da disciplina, também

datado de 1991, tem como conteúdo a ideia de

infância, a concepção de homem, de sociedade

que orienta os sistemas pedagógicos, a criança e a

escola como instituição: aspectos históricos, a

inserção social da criança na família, na escola e

na sociedade. O estudo dos teóricos da educação,

o significado da alfabetização; a visão tradicional

de alfabetização e seus pressupostos teóricos,

metodológicos, ideológicos, e compreensão da

formação profissional; visão escolanovista, seus

pressupostos teóricos, metodológicos, ideológicos

e compreensão de formação profissional.

Na bibliografia do plano de curso estão

registradas obras que discutem temas como: a

história social da família e da infância; a

mistificação pedagógica; o que é a criança;

fundamentos e didática na educação pré-escolar;

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Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012

provação cultural e educação primária; e as

funções da pré-escola.

Aqui é possível perceber a seleção de

conteúdos voltados para a formação de um

profissional pedagogo que compreenda a

alfabetização não só no aspecto psicológico, mas

também nos seus aspectos históricos, sociológicos

e culturais. Essa concepção de formação do

alfabetizador demonstra que os avanços nas

pesquisas, estudos e reflexões sobre os temas

alfabetização e ensino da leitura e da escrita só se

concretizam no currículo do curso de Pedagogia,

em Goiás, a partir da década de 1990.

Essas considerações levam à afirmação de

que uma nova organização do curso traz um novo

desafio para as instituições formadoras: formar

pedagogos com competência para

alfabetizar/letrar crianças filhas de trabalhadores.

As disciplinas relacionadas com o conteúdo do

ensino da leitura e da escrita trazem a

contribuição dos estudos da Linguística Textual e

da Análise do Discurso, colocando o ensino da

língua em uma perspectiva discursiva, com o

objetivo de levar os alunos à reflexão sobre a

língua e seu funcionamento na sociedade.

Conforme Rossi (2010), um exemplo

dessa produção pode ser encontrada em Geraldi

(2001), que, em 1984, ao lançar a coletânea de

textos reunidos sob o título “O texto na Sala de

Aula”, chama para uma reflexão sobre o ensino de

Língua Portuguesa, propondo um

redimensionamento das atividades de sala de aula.

Ao discutir as diferenças entre ensinar uma

língua, levando o aluno a entender e produzir

enunciados, ou enfatizar apenas o ensino de

descrições linguísticas, o autor se coloca a favor

da primeira alternativa, afirmando ser necessário

repensar as práticas de ensino.

Nessa perspectiva, Geraldi (1993) coloca

o texto no centro do processo

ensino/aprendizagem de línguas, dizendo que:

[...] é no texto que a língua –objeto de

estudos – se revela em sua totalidade quer

enquanto conjunto de formas e de seu

reaparecimento, quer enquanto discurso

que remete a uma relação intersubjetiva

constituída no próprio processo de

enunciação marcada pela temporalidade

e suas dimensões. (GERALDI, 1993,

p.135).

Para Koch e Elias, a dificuldade em se

adotar o texto como norteador das ações de

ensino/aprendizagem de língua materna situa-se,

principalmente, no ensino de leitura, que ainda se

fundamenta em uma concepção de leitura como

decodificação, em que o leitor é assujeitado pelo

sistema e caracterizado por uma espécie de não

consciência. Para essas duas autoras, a

transformação exige que se passe a considerar a

leitura como um processo de construção de

sentidos que acontece em condições determinadas

de caráter sócio-históricas. Nessa concepção,

conforme Koch e Elias:

O sentido de um texto é construído na

interação texto-sujeito, e não algo que

preexista a essa interação. A leitura é,

pois, uma atividade interativa altamente

complexa de produção de sentidos, que se

realiza evidentemente com base nos

elementos linguísticos presentes na

superfície textual e na sua forma de

organização, mas requer a mobilização

de um vasto conjunto de saberes no

interior (KOCH e ELIAS, 2006, p. 11).

Colocar essa proposta em prática

(BRONKCART, 2003) implica uma modificação

da concepção de linguagem que normalmente

subjaz às práticas escolares, além de se questionar

a tese do primado do sistema sobre o

funcionamento textual, e, portanto, do caráter de

anterioridade do ensino de gramática em relação

ao ensino textual.

Gregolin, ao fazer um estudo das

transformações no conceito de língua e os efeitos

destas no ensino da língua portuguesa, mostra que

esse deslocamento das concepções sobre a língua

e o ensino:

[...] nos aproximaram cada vez mais de

uma consciência sobre o papel da língua

na sociedade. Esses avanços da teoria

lingüística determinaram novas visões

sobre a língua e, nesse sentido,

contribuíram para a construção da

cidadania ao revelarem o papel da língua

portuguesa na consolidação de nossa

identidade brasileira, (GREGOLIN, 2007,

p. 55).

Em seu estudo, a autora destaca ainda que

as concepções de língua que estiveram na base do

ensino a partir dos anos 60 acompanharam a

história do país, tanto no aspecto político quanto

da própria teoria, com seus avanços e

transformações. Assim, ela mostra que “da ênfase

na comunicação durante o regime militar, com a

abertura política passamos à sociolingüística, à

textualidade e à discursividade

(GREGOLIN,2007, p.70)”.

Contribuindo para esse debate, Bortoni-

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Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012

Ricardo (2004) ressalta em seus trabalhos a

importância de a escola reconhecer a existência

das variantes não padrão presentes no seu interior,

defendendo que escola e professor, diante dessa

diversidade, devem adotar uma pedagogia que é

culturalmente sensível aos saberes dos educandos

e às diferenças entre a cultura que eles

representam e a da escola. Nesse sentido, a autora

ressalta um outro marco dos estudos sobre

alfabetização e ensino de Língua Materna, que

vão contar com a contribuição da Sociolinguística.

Tais estudos representam uma ruptura no que

tradicionalmente foi considerado “erro de

português”, defendendo que estes chamados erros

são diferenças entre variedades da língua. A

autora explica que:

Com frequência essas diferenças se

apresentam entre a variedade usada no

domínio do lar, onde predomina uma

cultura de oralidade, em relações

permeadas pelo afeto e informalidade, e

culturas de letramento, como a que é

cultivada na escola. (BORTONI-

RICARDO, 2004, p. 37).

Essas reflexões revelam complexidade e

desafios na busca da formação do profissional

pedagogo como responsável pelo ensino da leitura

e da escrita nas escolas dos anos iniciais de

escolarização. Percebe-se que a reorganização

curricular do curso de Pedagogia, em Goiás, na

década de 1980, na FE/UFG e no EDU/UCG,

sofreu influências, entre outras, do movimento

político dos educadores e da introdução, no

campo da linguagem, de estudos de teóricos tais

como Bakhtin (Linguagem) e Vygotsky

(Psicologia).

Nesse sentido, coloca-se o desafio para as

universidades: formar profissionais com

competência no domínio de conteúdos que

contribuem significativamente para com a prática

da alfabetização. Desafio também para os

professores do curso de Pedagogia: pesquisas

atuais apontam que ainda persistem práticas

pedagógicas, de pedagogas, nas salas de

alfabetização, cuja ênfase é dada nos mecanismos

de codificação e decodificação e cujo objetivo é

ensinar às crianças a combinatória das letras e

sons.

Para Rossi (2009), esse fato se explica na

medida em que se percebe que as teorias voltadas

para explicitar o processo de ensino/aprendizagem

não têm necessariamente equivalência com os

procedimentos e atividades que os professores

colocam em prática na sala de aula, já que a

profissão docente deve ser percebida dentro de

uma historicidade que a condiciona e é resultante

das inter-relações com a realidade cultural. Como

ressalta Villas Boas (apud Rossi, 2009), o

trabalho docente não é construído de forma

isolada, uma vez que o professor, ao assumir o seu

papel, recebe todas as imposições da escola e do

sistema de ensino em que se insere.

Já para Cagliari (1999), os professores

carecem de uma melhor formação técnica. Ele

critica os cursos de formação, dizendo que eles se

dedicam em demasia às disciplinas pedagógicas,

metodológicas e psicológicas, esquecendo-se do

que seria necessário a respeito da linguagem. Para

o autor, os conhecimentos sobre o fenômeno

linguístico trabalhados nos cursos de graduação

ainda são insuficientes, e não embasam

adequadamente o professor para lidar de forma

adequada com o fenômeno linguístico e, por

conseguinte, a alfabetização.

Assim, o que se pode concluir é que,

apesar das mudanças promovidas no Currículo

dos Cursos de Pedagogia, voltadas para formar o

profissional competente para letrar e alfabetizar as

crianças das camadas populares, ainda há muito

que caminhar. Os currículos ainda são muito

generalistas, enquanto se necessita de um

profissional com uma formação mais aprofundada

nos estudos que embasam a alfabetização. Essa é

a visão de Soares, quando ela afirma que “Não há

possibilidade de alguém ser alfabetizador, ensinar

a língua e, ao mesmo tempo, ser professor de

ciências, de história e de matemática” (SOARES,

s.d., p.9). Para a autora, um professor

alfabetizador necessita ter um domínio amplo da

língua portuguesa, a fim de que saiba usar a

língua escrita nas suas diversas variações. Além

disso, ela enfatiza ainda que esse professor deve

ter uma formação em diferentes áreas como

sociolinguística, psicolinguística e fonologia, sem

o que:

[...] é impossível entender o processo da

criança para relacionar fonemas com

grafemas; tem de conhecer literatura

infantil, que é com o que se deve

trabalhar para que a criança aprenda a

língua escrita; gêneros textuais, teorias

da leitura e diferentes estratégias exigidas

por diferentes gêneros textuais (SOARES,

s.d., p. 10).

Essas preocupações da autora

demonstram os desafios que se colocam na

organização curricular de um curso que pretende

formar profissionais com competência para

alfabetizar crianças, filhas de trabalhadores,

muitas vezes oriundas de meios iletrados,

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O Curso de Pedagogia em Goiás e a formação do professor alfabetizador 53

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012

especificamente em um momento histórico em

que a maioria das crianças tem garantido por lei, o

acesso aos bancos escolares, mas que essa mesma

maioria não tem garantido o direito de dominar as

funções sociais da leitura.

Considerações finais

Ao objetivar discutir a formação do pedagogo na

UCG e UFG (na década de 1980) e o ensino da

leitura e da escrita, este trabalho pretendeu

contribuir para com a reflexão sobre este tema. As

análises aqui postas, apesar de não encerrarem, ou

darem como definitivas, as compreensões sobre o

assunto, mostram a complexidade na organização

de um currículo, especificamente no que concerne

à formação de docentes alfabetizadores.

O que se pode visualizar, no estudo das

transformações que o currículo do curso de

Pedagogia experimenta, ao longo da sua história,

a partir da década de 1980, em Goiás, é que este

se mostra articulado com a produção acadêmica

da área e com o desenvolvimento das teorias que

subsidiam o processo de alfabetização e ensino de

Língua Materna.

É importante salientar que essas reflexões

se referem ao currículo escrito, que Goodson

(1995) denomina de currículo pré-ativo, currículo

escrito, formal ou currículo como documento. O

autor considera importante analisar esses

documentos na medida em que promulgam e

justificam determinadas intenções básicas de

escolarização, à medida que vão sendo

operacionalizadas em estruturas e instituições.

Nessa análise, apesar de considerarmos a

importância dos conteúdos de ensino da Língua

Materna, incluídos no currículo, acreditamos,

como Soares (s/d), que com tão poucas disciplinas

voltadas especificamente para a alfabetização, o

currículo escrito do curso de Pedagogia, ainda não

dá conta da formação inicial de um profissional

que necessita ter um domínio amplo da língua

portuguesa, e uma formação em diferentes áreas

como sociolinguística, psicolinguística e

fonologia, sem o que fica difícil entender um

processo tão complexo como a alfabetização.

O que se depreende dessa discussão é que

a questão da formação do professor alfabetizador

ainda não está resolvida e carece de estudos e

pesquisas que embasem os currículos dos cursos

de graduação.

Para além disso, é preciso que se construa,

nos cursos de formação de professores, um espaço

de estudo e reflexão, pensando a formação desse

profissional a partir de uma práxis criadora que

supere o processo ensino/aprendizagem calcado

na repetição e na visão tradicional de ensino.

Para nós o maior desafio continua sendo

formar o profissional que seja capaz de não só

levar o aluno à aquisição da técnica da leitura e da

escrita, mas, sobretudo, alfabetizar letrando,

mostrar-se sensível à diversidade linguística

presente na sala de aula, saber dotar os alunos dos

saberes linguísticos necessários para o exercício

da plena cidadania, em uma sociedade

grafocêntrica, que valoriza os bens culturais

próprios da cultura letrada.

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O Curso de Pedagogia em Goiás e a formação do professor alfabetizador 55

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 47-55, jan./jun.2012

Nota

1 Texto ampliado e revisado de versão originalmente apresentada no XIX Colóquio AFIRSE: Revisitar os

Estudos Curriculares onde estamos e para onde vamos indo, realizado em Lisboa-Portugal, em janeiro de

2012.

Sobre as autoras:

Juçara Gomes de Moura: Universidade Federal de Goiás/Campus Catalão. E-mail:

[email protected]

Maria Aparecida Lopes Rossi: Universidade Federal de Goiás/Campus Catalão. E-mail:

[email protected]

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* Endereço eletrônico: [email protected]

A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG

Luciane Manera Magalhães*

Resumo

A presente pesquisa foi realizada com o objetivo de se investigar três eixos fundamentais do processo de

formação inicial: (i) os cursos que oferecem formação inicial de professores alfabetizadores no município de

Juiz de Fora/MG; (ii) as disciplinas específicas e/ou correlacionadas à alfabetização, disponibilizadas na

grade curricular dos cursos, e (iii) a relação teoria/prática vislumbrada por meio das metodologias

empregadas pelos professores formadores. Realizamos uma pesquisa qualitativa, de cunho interpretativista e

contamos com a contribuição da abordagem quantitativa no tratamento dos dados generalizáveis. Os

resultados obtidos apontaram para (i) a inexistência de cursos de formação inicial específicos para a

formação do professor alfabetizador; (ii) a diminuição da oferta de cursos de formação inicial na área, no

município; (iii) a discrepância da carga horária destinada às disciplinas específicas ao se comparar as

diversas instituições e (iv) a diversidade de metodologias que ora conjugam teoria e prática, ora priorizam a

teoria.

Palavras-chave: Formação inicial; professores alfabetizadores; grade curricular.

The initial training of teachers of literacy in the city of Juiz de Fora/MG

Abstract

This research was conducted with the purpose of investigating three fundamental axis of the process of initial

training: (i) the courses they offer initial training of teachers of literacy in the city of Juiz de Fora/MG; (ii)

the specific disciplines and/or related to literacy, available on curriculum grid of courses and (iii) the

theory/practice relation observed through the methodologies employed by teachers trainers. We conducted a

qualitative research, interpretativist and we are counting on the contribution of the quantitative approach in

the treatment of the data being generalized. The obtained results showed (i) the lack of initial training

courses specific to the training of the teacher alphabetizing; (ii) a decline in the supply of initial training

courses in the area, in the municipality; (iii) the discrepancy of time load between the specific disciplines in

the various institutions and (iv) the diversity of methodologies.

Keywords: initial training; teachers of literacy, curriculum grid.

Introdução

A formação inicial dos professores

alfabetizadores é uma das diversas facetas

diretamente relacionadas ao sucesso/fracasso

escolar do aluno, no processo de aprendizagem da

leitura e da escrita. Destaque-se que a formação

do alfabetizador sempre se deu por vias indiretas;

é ele ou o profissional formado há mais tempo

pelo antigo curso normal, oferecido por ocasião

do ensino médio, ou o profissional formado pelos

cursos normais superiores, ou o pedagogo. O que

se observa é que, independente da formação

inicial, nenhum dos referidos cursos que habilitam

o professor a atuar como alfabetizador oferece

formação específica para a área, o que não

acontece, por exemplo, na área médica. O recém-

graduado em medicina é habilitado a trabalhar

como clínico geral, mas para atuar como

especialista em uma determinada área precisa

passar por um período de residência na referida

área. Por que não tomarmos o exemplo para a

educação? Seria a alfabetização de crianças

menos importante que a sua saúde? Para que essa

formação específica do professor alfabetizador

seja criada e funcione na prática, certamente

precisaríamos de incentivo das esferas

governamentais em pelo menos dois sentidos: (i)

na concepção e implantação de cursos/estágios

que funcionariam como “residências de

alfabetização”, e (ii) na entrada desse profissional

no mercado de trabalho, a qual precisaria ser

atrelada à sua formação específica como professor

alfabetizador, com salário diferenciado para se

poder captar os melhores profissionais. O que

temos presenciado em muitas escolas, entretanto,

é um movimento cruel para com o professor

recém-formado: é exatamente ele, sem

experiência de magistério, que, ao ser aprovado

em concurso público, vai ocupar as classes de

alfabetização, sobretudo, aquelas com “alunos que

não aprendem a ler e escrever”, entre outras

mazelas. Isto porque, em muitas escolas públicas,

o professor novato é o último a escolher a turma

em que vai atuar, ou seja, não escolhe, fica com a

turma que “sobra”.

Outro aspecto a se considerar é que o

professor alfabetizador, com exceção da dinâmica

de algumas escolas que articulam dois professores

para o ensino das diversas áreas de conhecimento,

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58 Luciane Manera Magalhães

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012

é o profissional responsável pela alfabetização

linguística de seus alunos, mas também pela

alfabetização matemática e pelo ensino de

história, geografia, ciências... Como se pode

querer um professor alfabetizador que seja

competente ao mesmo tempo em tantas áreas de

conhecimento?

A formação do professor alfabetizador

Hoje, quem forma o professor

alfabetizador, no Brasil, são exclusivamente os

cursos de pedagogia. Como se estruturam esses

cursos? Como são organizadas suas grades

curriculares? Que profissionais almejam formar?

As respostas a estas questões revelam que a

formação do professor da escola básica não é a

meta da maioria destes cursos, muito menos o

alfabetizador.

Esses cursos apresentam, em geral, uma

estrutura tradicional de formação de professores,

usualmente marcada pela cisão teoria/prática, em

que predomina, como referencial epistemológico,

a “racionalidade técnica” (SCHÖN, 1992). Na

racionalidade técnica os princípios científicos são

apresentados hierarquicamente como mais

relevantes que os conhecimentos de ordem

prática, os quais são considerados como aplicação

dos primeiros (SCHÖN, op. cit.). Esse referencial

epistemológico impõe, segundo Gómez (1992),

“uma relação de subordinação dos níveis mais

aplicados e próximos da prática aos níveis mais

abstratos de produção do conhecimento” (p.97),

dificultando a constituição de um conhecimento

sistematizado que auxilie o futuro professor a

articular os conhecimentos trabalhados na

formação com aqueles que fundamentarão sua

prática pedagógica. Dessa maneira, a formação

inicial, em muitos casos, acaba fragmentando o

conhecimento ao organizar sua grade curricular

por meio de disciplinas teóricas, metodológicas e

estágios. As disciplinas teóricas tratariam dos

fundamentos necessários à formação do professor

- apenas os fundamentos de caráter geral como a

psicologia, sociologia, história da educação,

dentre outros - e não se incluem aí, com raras

exceções, os fundamentos concernentes aos

conteúdos que os professores ensinarão aos alunos

da escola básica, como português, matemática,

ciências, história e geografia, exatamente nos

quais eles deveriam ter o domínio.

As disciplinas metodológicas estariam ligadas às

didáticas dos conteúdos a serem ministrados pelos

futuros profissionais, mas como aprender como se

ensina se não se sabe o conteúdo a ser ensinado?

Por fim, a formação inicial oferece aos futuros

profissionais a possibilidade de conhecerem o seu

campo de trabalho, por meio dos estágios. As

escolas que servirão de campo de aprendizado não

são, geralmente, escolhidas por seu potencial em

ensinar práticas bem sucedidas, mas pela

acessibilidade dos estagiários. Em decorrência

disso, aprende-se muito mais o que não se deve

fazer.

Conforme aponta o Programa de

Formação de Professores Alfabetizadores

(BRASIL, 2001), o professor precisa, por um

lado, dominar os conteúdos com os quais irá

trabalhar e, por outro, ser capaz de didatizar estes

conhecimentos. Mello (2000) destaca que “a

prática do curso de formação docente é o ensino,

portanto cada conteúdo que é aprendido pelo

futuro professor em seu curso de formação

profissional precisa estar relacionado com o

ensino desse mesmo conteúdo na educação

básica”.

Assim, os cursos de formação inicial

precisariam estruturar-se de forma a propiciar a

transposição didática (CHEVALLARD, 1985)

dos conhecimentos trabalhados, assunto que

trataremos, detalhadamente, na próxima seção.

Os recursos da transposição didática na

formação inicial

Procedente da Sociologia, o conceito de

transposição didática (TD) foi cunhado por

Michel Verret (1975), nos anos 70, no interior de

um movimento de revisão e reconceitualização da

didática. Apesar de a transposição didática não ser

o núcleo duro do trabalho de Verret, ele introduz

o conceito em um capítulo de sua obra Le temps

des études, por meio da problematização acerca

da transformação do saber dito teórico ou

científico em saber escolar, apresentando, assim,

os primeiros fundamentos da TD.

No início dos anos 80, Chevallard, com o objetivo

de fazer da didática das matemáticas uma ciência,

retoma o conceito de TD como um instrumento de

base, desenvolve-o e especifica-o no que diz

respeito à “passagem dos saberes científicos aos

saberes ensinados”. Em meados de 1985,

Chevallard e Johsua retomam o conceito em um

trabalho empírico, no campo do ensino da

matemática, especificamente sobre a noção de

distância. É somente depois desses trabalhos que

um público maior teria acesso ao conceito.

De acordo com os pressupostos da noção

de transposição didática, o sistema didático, em

seu sentido restrito é constituído por três facetas e

as interações entre elas: o professor, os alunos e o

saber ensinado (CHEVALLARD, 1985). Esse

sistema está inserido em um ambiente que,

segundo o autor, compreende os pais dos alunos,

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Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012

os pesquisadores (1) e as instâncias políticas.

Chevallard não explicita por que apenas esses três

grupos de sujeitos fariam parte do ambiente, mas,

considerando-se a organização da sociedade

francesa, pode-se compreender que seriam eles os

que “decidem”, em primeira instância, o que será

ensinado. Em outras palavras, os pais de alunos

teriam sua participação efetiva por meio das

associações de pais, os pesquisadores, por meio

dos resultados de pesquisa divulgados, e as

instâncias políticas, por meio das leis e decretos

publicados, programas e currículos instaurados.

Há que se considerar, entretanto, que esses três

segmentos não estão isolados como ilhas; eles

convivem com outros sujeitos responsáveis pelos

diferentes saberes produzidos nos diversos setores

da sociedade que, de uma forma ou de outra, são,

a nosso ver, também constitutivos desse ambiente

maior - o que descarta o entendimento da noção

de TD enquanto apenas um movimento

unidirecional, de passagem do saber científico

para o didático.

Entre o sistema didático, compreendido

em seu sentido restrito, e o ambiente tem-se o que

Chevallard (op.cit.) tem denominado de noosfera,

instância que pode ser entendida como o sistema

didático em sentido amplo, lugar de produção

formal do conhecimento a ser ensinado. Por sua

posição privilegiada, a noosfera compreende o

ponto de ligação entre o sistema didático e o seu

ambiente, articulando-os, como ilustra o diagrama

que propomos a seguir:

Diagrama 1: a transposição didática nas

diferentes instâncias de produção de saber

SHAPE \* MERGEFORMAT. Neste diagrama,

sist. did. é a abreviatura de sistema didático, S, de

saber, Prof., de professor e As de alunos.

Um primeiro aspecto a destacar, nesse

diagrama (1), é a presença de fronteiras

“pontilhadas” entre os sistemas didáticos que

ilustram a dinamicidade entre eles e o ambiente

em que estão inseridos. Em outras palavras, pode-

se dizer que os conhecimentos constituídos nas

diferentes instâncias interpenetram-se, não se

apresentando, portanto, hermeticamente fechados,

isolados.

Considerando-se que a noosfera é um

conceito proveniente da filosofia, que designa a

“camada humana pensante”, no contexto

educacional ela é compreendida como o espaço

em que são elaboradas, formalmente, as soluções

para os problemas que surgem no funcionamento

didático (CANELAS-TREVISI, 1997). Assim, é

nesse espaço em que atuariam profissionais, por

exemplo, os especialistas em educação; os

especialistas em linguística aplicada; os redatores

de programas e/ou parâmetros curriculares; os

autores de artigos de revistas e/ou periódicos de

didática, de pedagogia e áreas afins (incluindo-se

aí, muitas vezes, o próprio professor); os redatores

de livros didáticos e/ou paradidáticos; a mídia, por

meio de programas especializados, incluindo-se

nesta lista os profissionais responsáveis pela

formação inicial do professor. Em resumo,

profissionais responsáveis direta ou indiretamente

pela divulgação do saber científico, por meio de

sua didatização. Assim, ao mesmo tempo em que

esses profissionais seriam responsáveis por

garantir a menor distância entre o saber que é

ensinado nas escolas e o saber que é resultado

direto de pesquisas, eles atuariam no sentido de

garantir uma distância considerável entre esse

saber ensinado e o saber de senso comum, daí um

dos sentidos da existência da instituição escola.

A distância entre o saber científico e o

saber ensinado, no nosso entender, não deve

representar uma hierarquia de saberes, mas uma

transformação de saberes que ocorre nas

diferentes práticas sociais, em função da

diversidade dos gêneros discursivos e dos

interlocutores aí envolvidos.

A passagem do saber científico ao saber

ensinado não pode ser compreendida como a

transposição do saber no sentido restrito do termo,

mas apenas uma mudança de lugar. Supõe-se essa

passagem como um processo de transformação do

saber, que se torna outro em relação ao saber

destinado a ser ensinado. Assim, no processo de

didatização, o saber apresenta-se subordinado a

diferentes conjuntos de regras representados, por

exemplo, pelas forças institucionais da pesquisa

(KUHN, 1983); pela própria instituição escolar

(tipo de escola, objetivos, projeto pedagógico)

(PETITJEAN, 1998); pelas forças políticas

(programas e currículos de secretarias de

educação); pela força do mercado (livros didáticos

e/ou paradidáticos).

Ao se pensar na formação inicial de

professores, há que se considerar que diferentes

tipos de conhecimentos estão envolvidos no

processo ensino/aprendizagem em ambiente

didático, mas nem todos estão diretamente

envolvidos no processo de transposição didática,

no sistema de ensino stricto sensu, pois não se

constituem em um objeto a ensinar.

Considerando-se o ensino da leitura, por

exemplo, saber que quando lemos um texto há um

processo de elaboração de significados, que

consistiria no reconhecimento de unidades

significativas, que vão sendo estocadas em nossa

memória de trabalho, por meio de um processo de

fatiamento, e que esta memória tem uma

capacidade limitada de estocagem de unidades

(sejam letras, sílabas, palavras ou sintagmas)

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60 Luciane Manera Magalhães

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012

(KLEIMAN, 1992), pode auxiliar o professor –

em formação inicial – a refletir sobre a didática

e/ou metodologia a ser utilizada em sala de aula e

a reconhecer que abordagens de alfabetização

alicerçadas em unidades menores que a palavra

dificultam o aprendizado do aluno, se se quer

formar o leitor proficiente. Mas esse é um tipo de

conhecimento que não se espera ver no ensino

fundamental. Esse tipo de conhecimento deveria

servir de alicerce (objeto de estudo) para a prática

alfabetizadora do professor; mas não enquanto

objeto de ensino. Finalmente, esse tipo de

conhecimento não seria objeto de transposição

didática no nível do sistema didático stricto sensu,

pois não será (ou não deveria ser) ensinado pelo

professor.

O processo de transformação do

conhecimento se dá porque os funcionamentos

didático e científico do conhecimento não são os

mesmos. Eles inter-relacionam-se, mas não se

sobrepõem. Assim, um determinado

conhecimento, para que seja ensinado em situação

acadêmico-científica ou escolar, necessita passar

por transformações (4), uma vez que não foi

criado com o objetivo primeiro de ser ensinado

(SCHNEUWLY, 1995). A cada transformação

sofrida pelo conhecimento, corresponde, então, o

processo de transposição didática.

As TDs funcionam, assim, em dois níveis:

exterior (lato sensu) e interior (stricto sensu). No

nível exterior, têm-se as TDs realizadas no

domínio do ambiente e no domínio da noosfera.

São concernentes às relações entre os

conhecimentos de referência e os conhecimentos

destinados ao ensino. As TDs internas são

realizadas no sistema de ensino stricto sensu, que

envolve professor, alunos e saber; são as

transformações operacionalizadas no

conhecimento, no momento da exposição didática.

As TDs podem ser representadas pelo

esquema, exposto no quadro a seguir:

objeto de conhecimento objeto a ensinar objeto de ensino

(invenção exposição científica) (“divulgação”) (exposição didática)

no qual a primeira seta indica que o conhecimento

científico não é absoluto, mas mantém uma

estreita relação com a sociedade, situada em um

determinado momento histórico conforme

destacam Joshua et alii (1993). Enquanto objeto

de conhecimento, o saber sofre suas primeiras

transformações no ato da exposição científica. A

segunda seta marca as transformações sofridas

pelo conhecimento científico no espaço da

noosfera; por meio da ação dos diferentes

profissionais responsáveis direta e/ou

indiretamente pela divulgação do conhecimento,

conforme já apontado anteriormente. A terceira

seta indica as transformações sofridas pelo

conhecimento durante a exposição didática,

mediante sua ‘textualização’ (5) (mise en texte)

pelo professor (CHEVALLARD, 1985).

De fato, o momento de exposição didática

não seria, a nosso ver, o único momento de

‘textualização’ do conhecimento, uma vez que

não se pode separá-lo de seu caráter linguístico-

discursivo. Assim, pode-se dizer que o

conhecimento é textualizado no momento de sua

invenção e retextualizado a cada transposição

didática. A retextualização (6) diz respeito ao

processo de transformação de um texto em outro;

considerando-se que, ao sujeito, cabe

redimensionar a projeção de imagens

entre interlocutores, de seus papéis

sociais e comunicativos, dos

conhecimentos partilhados, das

motivações e intenções, do espaço e do

tempo de produção/recepção, enfim, de

atribuir novo propósito à produção

textual (MATÊNCIO, 2002);

o que nem sempre é evidente para o sujeito ao

operar a retextualização.

Pode-se dizer que um dos maiores

problemas enfrentados solitariamente pelo

professor alfabetizador é exatamente o de

redimensionar o objeto de conhecimento (objeto

de estudo objeto de ensino) ao “transpô-lo” de

uma prática discursiva para outra. Ou seja, tratar o

conhecimento levando em consideração a

mudança da situação discursiva – curso de

formação inicial, por exemplo, para aula de leitura

na escola fundamental – e, consequentemente, dos

interlocutores envolvidos. Apesar desse processo

de redimensionamento do conhecimento, no

sistema didático stricto sensu, ser da competência

do professor alfabetizador, iniciativas de criação

de disicplinas que priorizem o processo reflexivo,

por meio do qual o profissional em formação

tenha a oportunidade de confrontar conhecimentos

mais teóricos com aqueles subjacentes à prática

alfabetizadora, podem oferecer-lhe pistas que o

auxiliem nesta complexa tarefa. Desta forma, a

TD (7), operada pelo fututro professor, seria

iniciada no próprio ambiente de formação, sendo

concretizada, por ele, na sala de aula de ensino

fundamental.

Essa maneira de trabalhar o conhecimento

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A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG 61

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012

permite ao professor “... saber no sentido de

conhecer conscientemente, ter uma consciência

refletida do que se está ensinando. [pois] Sem o

saber, não há ensino, mas iniciação ou imitação

no nível puramente prático.” (SCHNEUWLY,

1995:48).

Os conteúdos envolvidos na formação inicial do

professor alfabetizador

Discutimos, na seção anterior, os

fundamentos da TD e suas relações com a

formação inicial do professor alfabetizador. Nesta

seção, interessa-nos colocar em pauta os

conteúdos envolvidos na formação inicial deste

profissional.

Inúmeras publicações (SOARES, 2004,

2008; ALBUQUERQUE, 2007; LEITE,

COLLELO e ARANTES, 2007, para citar apenas

algumas) têm contribuído com a ressignificação

da alfabetização em nosso país. Em um momento

histórico em que não se aceita mais apenas o

termo “alfabetizar” para designar todo o

aprendizado a ser vivenciado pela criança em fase

de alfabetização, os conteúdos a serem

ministrados nos cursos de formação inicial de

professores alfabetizadores ampliam-se

vertiginosamente. Se incluirmos aí os resultados

de pesquisas na área da linguística aplicada, mais

especificamente da sociolinguística, a lista de

conteúdos aumentaria ainda mais.

Segundo a Proposta de diretrizes para a

formação inicial de professores da educação

básica, em cursos de nível superior (BRASIL,

2000),

o currículo precisa conter os conteúdos

necessários ao desenvolvimento das

competências exigidas para o exercício

profissional e precisa tratá-los nas suas

diferentes dimensões: na sua dimensão

conceitual – na forma de teorias,

informações, conceitos; na sua dimensão

procedimental – na forma do saber fazer

e na sua dimensão atitudinal – na forma

de valores e atitudes que estarão em jogo

na atuação profissional. Os diferentes

âmbitos do conhecimento profissional do

professor prevêem conteúdos com essas

diferentes dimensões. A seleção dos

conteúdos deve levar em conta sua

relevância para o exercício profissional

em toda sua abrangência e sua

contribuição para o desenvolvimento da

competência profissional, tomando em

conta o professor como pessoa e como

cidadão. (BRASIL, 2000, p. 42 – grifos

nossos).

Noutros termos, segundo as diretrizes,

para se promover uma formação inicial de

professores de educação básica que seja de

qualidade, precisamos propiciar a esses

profissionais em formação o acesso aos conteúdos

específicos da alfabetização com os quais vai

trabalhar em sua atuação profissional e, ainda, a

possibilidade de transformá-los em objetos de

ensino para seus alunos (leia-se "transposição

didática").

Ainda com base nas diretrizes, a seleção

dos conteúdos a serem tratados na formação

inicial devem levar em consideração sua

relevância para o exercício profissional do futuro

professor. Quais conteúdos seriam, então,

relevantes? Tomando-se como referencial a

formação do professor alfabetizador, Soares

(1993), nos responde:

Um alfabetizador precisa conhecer os

diferentes componentes do processo de

alfabetização e do processo do

letramento. Conhecer esses processos

exige conhecer, por exemplo, as práticas

sociais e usos da língua escrita, os

fundamentos do nosso sistema de escrita,

as relações fonema/grafema que regem

nosso sistema alfabético, as convenções

ortográficas... exige ainda a apropriação

do conceito de texto, de gêneros textuais...

Mas, além de conhecer o objeto da

aprendizagem, seus componentes

lingüísticos, sociais, culturais, o

alfabetizador precisa também saber como

é que a criança se apropria desse objeto,

ter uma resposta para a pergunta: “como

é que se aprende a ler e escrever?

(SOARES, 1993).

Observe-se que a formação do professor

alfabetizador precisaria contemplar um viés

linguístico que pudesse informá-lo acerca do

objeto de ensino que será uma de suas ferramentas

de trabalho: a língua. Mas não é isto que

vislumbramos nos cursos de formação inicial

conforme apontaram os dados desta pesquisa.

Com o intuito de investigar como tem se

dado a formação dos professores alfabetizadores

no município de Juiz de Fora/MG, realizamos

uma pesquisa junto às instituições formadoras de

professores do ensino fundamental. Desta questão,

formulamos os objetivos específicos e o desenho

da pesquisa, os quais serão tratados na próxima

seção.

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62 Luciane Manera Magalhães

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012

Objetivos e metodologia de pesquisa

Ao concebermos esta pesquisa, várias

questões instigavam-nos, tais como: quais cursos

formam o professor alfabetizador? Existem

disciplinas específicas que tratam da

alfabetização? Existem disciplinas que tratem de

assuntos que possam propiciar a interface com a

alfabetização? Qual a carga horária destinada a

estas disciplinas? São disciplinas mais voltadas

para as reflexões teóricas, práticas, ou promovem

a interação entre elas? Existem estágios

específicos em alfabetização? São apenas de

observação ou incluem a intervenção do professor

em formação? Visando responder estas questões,

elaboramos três objetivos específicos que

direcionaram a presente pesquisa, quais sejam:

(i) investigar todos os cursos que

oferecem formação inicial de professores

alfabetizadores, no município de Juiz de

Fora/MG;

(ii) identificar as disciplinas específicas

de alfabetização e as correlacionadas;

(iii) examinar a relação

teoria/aplicação/prática nas disciplinas específicas

de alfabertização;

(iv) analisar as metodologias de ensino

empregadas pelos professores formadores.

Para alcançar os objetivos propostos,

realizamos uma pesquisa qualitativa, de cunho

interpretativista, associada à pesquisa quantitativa

no trato dos dados generalizáveis. Os

instrumentos utilizados foram: (i) análise de

documentos (currículos, grades curriculares,

programas das disciplinas), e (ii) entrevistas com

os professores regentes e coordenadores dos

cursos.

A formação inicial de professores

alfabetizadores em Juiz de Fora/MG

Em 2009, o município de Juiz de

Fora/MG contava com sete instituições de ensino

superior (as quais são denominadas de A, B, C, D,

E, G) que ofereciam o curso de pedagogia e uma

instituição que oferecia o curso normal superior

(denominada de F), ambos presenciais. Devido à

baixa na demanda de alunos, três instituições (A,

F, G) deixaram de oferecer o curso após a

conclusão das turmas de 2009, uma (D) forma sua

última turma em dezembro do ano corrente e não

abriu vagas para o próximo vestibular. Assim,

atualmente, o município conta apenas com três

instituições (B,C, E) que oferecem o curso de

pedagogia presencial.

Apesar de nem todos os cursos estarem

em funcionamento no ano corrente, os

profissionais formados por eles foram colocados

no mercado de trabalho nos últimos dois anos, por

isto analisaremos os dados obtidos junto às seis

instituições.

Para analisar as disciplinas de

alfabetização, definimos como categorias a ênfase

dada nos conteúdos. Classificamos, assim, como

(i) disciplinas teóricas, aquelas voltadas para os

fundamentos da alfabetização; como (ii)

disciplinas aplicadas, aquelas ligadas às

metodologias, incluindo-se aí as didáticas e; por

fim, as (iii) disciplinas práticas, aquelas

destinadas aos estágios.

No total geral dos sete cursos,

identificamos a existência de 11 (onze) disciplinas

específicas da área de alfabetização e 25 (vinte e

cinco) correlacionadas, conforme pode-se

observar no quadro (1), em anexo.

Por meio da análise dos programas e das

entrevistas com os professores responsáveis pelas

disciplinas específicas da área de alfabetização,

podemos organizar as referidas disciplinas em

quatro grandes grupos: (i) as exclusivamente

teóricas; (ii) as que aliam teoria e aplicação; (iii)

as que aliam teoria, aplicação e prática; e (iv) as

que têm ênfase na prática. Das onze disciplinas

oferecidas nos sete cursos, seis (55%), pertencem

ao grupo (i); três (27%) ao grupo (ii); uma (9%)

ao grupo (iii) e uma (9%) ao grupo (iv) (confira

quadro 2, em anexo). Destaque-se que dos sete

cursos de formação inicial, quatro (57%) só

oferecem disciplinas exclusivamente teóricas na

área da alfabetização, o que significa que a

transposição didática dos conhecimentos

específicos da área ficará a cargo do professor,

quando se defrontar com sua primeira turma de

alfabetização.

Quando voltamos nosso olhar para a

carga horária total das disciplinas obrigatórias da

área, constatamos grande discrepância. Apesar de

a maioria das instituições oferecer apenas uma

disciplina na área (57%), a carga horária destas

disciplinas oscila entre 60 e 144 horas.

Há apenas um curso (E) que oferece três

disciplinas específicas; entretanto, uma delas é

eletiva, raramente disponibilizada, por falta de

professor.

Com base nas entrevistas com os

professores regentes das disciplinas específicas,

foi possível constatar dez dinâmicas diferentes, as

quais coocorrem nas práticas dos professores. As

estratégias metodológicas utilizadas pelos

professores podem ser identificadas em duas

grandes categorias: (i) aquelas centradas no

professor (como as aulas expositivas e a

apresentação de vídeos), e (ii) aquelas centradas

nos alunos (como seminários, trabalhos em grupo,

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Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012

trabalhos de campo, estudos de casos, discussões

em grupo, elaboração de atividades, análise de

materiais, pesquisas individuais). As dinâmicas

podem ser assim distribuídas:

(i) centradas no professor:

- aula expositiva (30%);

- apresentação de vídeo (5%).

(ii) centradas no aluno:

- seminário (20%);

- trabalho em grupo (10%);

- trabalho de campo (10%);

- estudo de casos (5%);

- discussão em grupo (5%);

- elaboração de atividades (5%);

- análise de materiais (5%);

- pesquisa individual (5%).

Observe-se que as metodologias centradas

no professor somam 35% das ocorrências, e as

centradas no aluno, 65%. Poder-se-ia,

equivocadamente, pensar que as atividades

centradas no aluno estariam atreladas a processos

reflexivos acerca da prática de alfabetização, mas

não é o que acontece. Do conjunto de dinâmicas

desenvolvidas na formação inicial, 65% estão

pautadas nas reflexões mais teóricas (aula

expositiva, seminário, trabalho em grupo e

pesquisa individual) e apenas 35% oferecem

reflexões que propiciam ao aluno relacionar a

prática aos pressupostos teóricos (trabalho de

campo, estudo de casos, elaboração de atividades

e análise de materiais), o que ratifica a soberania

da teoria sobre a prática, ficando mais uma vez a

transposição didática por conta do futuro

professor.

Considerações finais

A necessidade de mudança na formação

inicial do professor alfabetizador é patente. Se se

quer verdadeiramente mudar o cenário nacional

no que concerne à alfabetização da população, é

preciso que se repensem as bases da formação do

profissional responsável por tão importante tarefa.

Essa mudança não se faz com a criação de leis e

diretrizes distantes da realidade nacional. Pensar

em um profissional competente requer dar-lhe

condições para sê-lo.

É urgente a criação de cursos de formação

inicial de professores que tenham como meta

formar o profissional que vai atuar na educação

básica; é urgente a concepção de cursos/estágios

complementares que formem especificamente o

professor alfabetizador, de tal forma que esse

profissional possa ter condições de atuar

competentemente na área, garantindo melhores

resultados aos nossos alunos de escola pública.

Consideramos que a aprendizagem de

conteúdos teóricos é imprescindível na formação

do professor, mas não é condição suficiente para

determinar o bom desempenho do profissional;

aliar objeto de estudo e objeto de ensino por meio

de processos reflexivos, entretanto, pode ser um

importante passo na garantia de um melhor

desempenho da prática pedagógica.

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A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG 65

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012

Notas

(1) Chevallard utiliza o termo savants para designar os Matemáticos, pesquisadores interessados diretamente

nas Teorias Matemáticas. No domínio da Língua Materna, teríamos os linguistas, pesquisadores

interessados nas Teorias Linguísticas, mas não diretamente interessados no ensino/aprendizagem da

Língua Materna, campo de atuação do linguista aplicado.

(2) « Le savoir, ingrédient essentiel de l’enseignement, existe d’abord comme savoir utile dans les situations

avant d’être transposé dans la situation d’enseignement et devenir savoir enseigné, c’est-à-dire un autre

savoir » (todas as traduções que aparecem no corpo do texto foram realizadas livremente por nós).

(3) « ... le passage du savoir savant au savoir enseigné ».

(4) Estas transformações seriam, sobretudo, marcadas pela necessidade didática de reordenação do saber

(VERRET, 1975), mas também da linguagem.

(5) Chevallard (1985) utiliza a expressão ‘mise en texte du savoir’ (textualização do saber) para referir-se ao

processo de preparo e/ou planejamento didático realizado pelo professor.

(6) Segundo Marcuschi (2001), a retextualização pode-se dar 1. da fala para a escrita; 2. da fala para a fala;

3. da escrita para a fala e 4. da escrita para a escrita (p.48).

(7) Referimo-nos aqui à TD operada pelo professor em formação continuada; o que não descarta as

transformações sofridas pelo saber nas TDs operadas na divulgação científica, seja por meio dos

diferentes autores, seja através do professor universitário.

(8) « … savoir dans le sens de connaître consciemment, avoir une conscience réfléchie de ce qui est à

enseigner. Sans le savoir, il n’y a pas enseignement, mais initiation ou imitation au niveau purement

pratique ».

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66 Luciane Manera Magalhães

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012

ANEXO 1

Institui-

ções

Disciplinas específicas

alfabetização

CH

Disciplinas relacionadas à

linguagem

CH

Total

Disc.

Total

CH

A

- Linguística e alfabetização

60h - Língua e linguagem: ato de ler

- Língua e linguagem: ato de escrever

- Língua e linguagem: ato de aprender

usar e refletir

- Língua e linguagem: ato de aprender

a aplicar

- Língua e linguagem: ato de saber

fazer

- Língua e linguagem: rede de saberes

em contextos orais

- Língua e linguagem: comunicação

social

- Pedagogia Saber docente: Literatura

infanto-juvenil

- Pedagogia Saber docente: rede de

saberes em Língua Portuguesa

30h

30h

30h

30h

30h

30h

30h

30h

30h

10

330h

B

- Alfabetização e Letramento

I

- Alfabetização e Letramento

II

80h

40h

- Língua Portuguesa I

- Língua Portuguesa II

- Conteúdo e Metodologia do Ensino

da Língua Portuguesa I

- Conteúdo e Metodologia do Ensino

da Língua Portuguesa II

- Literatura infanto-juvenil

40h

40h

80h

80h

80h

07

440h

C

- Alfabetização, Leitura e

escrita I

- Alfabetização, Leitura e

escrita II

68h

68h

- Língua Portuguesa I

- Conteúdo e Metodologia do ensino

de português I

- Conteúdo e Metodologia do ensino

de português II

34h

68h

68h

05

306h

D - Fundamentos, metodologia e

prática de alfabetização

144h

- Português Instrumental

- Literatura e escola

- Práticas de leitura e produção de

textos

72h

108h

108h

04

432h

E

- Fundamentos teórico-

metodológicos em

alfabetização I

- Estágio supervisionado em

alfabetização

- Fundamentos teórico-

metodológicos em

alfabetização II (eletiva)

60h

60h

60h

- Fundamentos teórico-metodológicos

em português I

- Fundamentos teórico-metodológicos

em português II (eletiva)

60h

60h

03

02

180h

120h

(eleti

vas)

F - Alfabetização e Letramento

(Teórica e Prática)

140h - Língua Portuguesa I (100h)

- Português Fundamentos e

Metodologia

100h

80h

03

320h

G - Alfabetização e Letramento

80h - Metodologia do Ensino de Língua

Portuguesa

80h

02

160h

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A formação inicial de professores alfabetizadores no município de Juiz de Fora/MG 67

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 57-67, jan./jun.2012

ANEXO 2

Grupos de disciplinas Quantidade Porcentagem

Teóricas 6 55%

Teórico-aplicada 3 27%

Téorico-aplicada-prática 1 9%

Prática 1 9%

TOTAL 11 100%

Este trabalho insere-se no contexto das pesquisas realizadas no interior do Grupo de Estudos e Pesquisa

ALFABETIZE, da FACED/UFJF. Agradecemos às acadêmicas de Pedagogia (Karina Emmanuelle de

Souza, Raissa de Araujo Pifano e Vanessa Titonelli Alvim) e Letras (Gillian Mariana Luciano) pelo apoio na

geração dos dados.

Sobre a autora:

Luciane Manera Magalhães: Universidade Federal de Juiz de Fora/MG.

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*Endereço eletrônico: [email protected]

**Endereço eletrônico: [email protected]

Formação de professores e o exercício da docência numa visão complexa na educação

a distância

Edilaine Vagula*

Marilda Aparecida Behrens**

Resumo

O presente artigo originou-se numa pesquisa exploratória aliada a experiência como docente e pesquisadora

e nas discussões realizadas na área de formação de professores por meio da educação a distância, dentro da

Linha de Teoria e Prática Pedagógica na Formação de Professores, no grupo de PEFOP “Paradigmas

Educacionais e formação de professores”, do Programa de Pós-Graduação em Educação Stricto Sensu, de

uma Universidade particular de grande porte. Buscamos nesta caminhada de investigação referenciais que

auxiliassem como fonte de reflexão para a formação de professores na educação a distância. Nosso objetivo

foi discutir as modalidades de formação de professores em um ambiente complexo que superem o paradigma

conservador para atender às constantes transformações que envolvem o ensino e aprendizagem frente às

Tecnologias da Informação e Comunicação. Trabalhamos com aportes teóricos que dão sustentação à prática

pedagógica nessa modalidade de ensino. Assim, a pesquisa nos conduziu, em primeiro lugar, a repensar

nossas práticas pedagógicas enquanto professores formadores e, para tal, nos apoiamos nos resultados

obtidos em trabalhos como Belloni (1998-1999), Kenski (2008), Pereira (2003), Morin (2000) e Pretti

(2005), bem como, a refletir sobre o desafio de acolhermos a proposta de paradigma inovadores na ciência e

na educação, em especial, com a contribuição de Capra (1996, 2002), Boaventura Santos (1997,1987), Morin

(2002), entre outros. O currículo na educação a distância não deve oferecer apenas a possibilidade de acesso

às informações e teorias, mas também às estratégias relevantes para a construção de novos conhecimentos,

incluindo-se nestes procedimentos o confronto com situações práticas, por meio da dialogicidade,

interatividade e aprendizagem colaborativa, contribuindo para um processo de autoformação. Acreditamos

que os cursos de licenciatura a distância, se optarem por uma visão paradigmática inovadora no ensino e na

aprendizagem, podem formar melhores profissionais da educação, baseados numa visão complexa,

acolhendo como eixo para a docência e a pesquisa, a formação crítica e a transformadora.

Palavras-chave: Formação de professores. Educação a distância. Trabalho docente.

Teacher formation and teaching profession in distance education

Abstract

This essay has been originated in an exploratory research combined with our experience as teacher and

researcher, as in discussions in the area of teacher training through distance education within the Educational

Theory and Practice Line in Teacher Education, by PEFOP group (educational paradigms and teacher

training) of a Graduate Program in Education stricto sensu, in a large private university. We seek this path of

research references that could help as a source of reflection for teacher education in distance education. Our

goal was to discuss the modalities of teacher training in a complex environment that exceed the conservative

paradigm to meet the constant changes that involve the teaching and learning forward Information

Technology and Communication. We have worked with theoretical frameworks that support the teaching

practice in this type of education, so the search has led us, first, to rethink our teaching practices as teachers

and trainers, and to this end, we rely on the results of work as Belloni (1998 - 1999), Kenski (2008), Pereira

(2003), Morin (2000) and Pretti (2005), as well as to reflect on the challenge we welcome the proposed

paradigm innovators in science and education, in particular, the contributions of Capra (1996, 2002),

Boaventura Santos (1997.1987), Morin (2002), among others. The curriculum in distance education should

not only offer the possibility to access information and theories, but also the strategies relevant to the

construction of new knowledge, including the confrontation with these procedures practical situations

through dialog, interactivity and collaborative learning, contributing to a process of self-education. We

believe that teacher graduation courses in distance education, if they opt for a paradigmatic vision in

innovative teaching and learning, can form better education professionals, based on a complex view,

welcoming as hub for teaching and research, training and critical manufacturing.

Keywords: Teaching formation. Distance education. Teaching practice.

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70 Edilaine Vagula, Marilda Aparecida Behrens

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012

Introdução

O exercício da docência pressupõe

concepções pedagógicas que se solidificam

durante nossa trajetória acadêmica, mesmo antes

do início da carreira profissional, que são

construídas em nossas primeiras vivências

escolares.

O contexto de profundas transformações

culturais, epistemológicas, ideológicas, sociais e

profissionais, estruturante de revoluções nos

diversos campos de conhecimento, de informação

e de tecnologia, influencia profundamente o

desafio de ser responsável por educar as novas

gerações. A preocupação com os processos

formais na Educação a Distância (EaD), pelos

quais os professores aprendem a ensinar, continua

sendo relevante, pois ainda buscamos a superação

de metodologias repetitivas focadas na reprodução

e na memorização para empreender aprendizagens

que auxiliem na produção do conhecimento. Há

que se diminuir, por conseguinte, o

distanciamento, ou mesmo os conflitos, que

possam ocorrer entre os saberes dos acadêmicos e

os saberes dos professores em ação, produzidos

no exercício de suas tarefas cotidianas.

A produção do conhecimento amplia-se

com rapidez e o aluno precisa aprender a

aprender, ou seja, “ser capaz de realizar

aprendizagens significativas por si mesmo, em

uma ampla gama de situações e circunstâncias”.

(COLL, 1992, p. 41). Partindo do princípio que

ensinar é atividade intencional e planejada, na

qual a interação professor e aluno estão mediadas

pelas tecnologias, deve ocorrer uma mudança de

postura no aluno e no professor, e ambos precisam

ser ativos nesse processo. A Formação de

Professores na EaD constitui-se de uma das

temáticas mais investigadas nesta área. Torna-se

evidente a necessidade de investir na formação

inicial, a fim de instrumentalizar os professores

para que possam criar novas possibilidades para a

mediação na EaD, utilizando-se de diferentes

linguagens. Nessa perspectiva, o professor passa a

ser o mediador entre o aluno, o conhecimento e a

construção das propostas curriculares que se

materializam na teleaula e no material didático.

Para Moore e Kearsley (2007, p. 4),

Educação a Distância é o aprendizado

planejado que ocorre normalmente em um

lugar diferente do local de ensino,

exigindo técnicas especiais de criação do

curso e de instrução, comunicação por

meio das várias tecnologias e disposições

organizacionais e administrativas

especiais.

Promover a interação ativa entre

professor, aluno e tutor por meio do diálogo é

possibilitar a construção dialética do

conhecimento, e esse processo ocorre mediado

por ferramentas de comunicação e apoiados por

uma equipe de trabalho, levando em consideração

que “no ensino a distância, a tecnologia está

sempre presente e exige mais atenção de ambos,

professores e aprendizes” (KENSKI, apud

BARBOSA, 2003, p. 101). Portanto, essa

modalidade de ensino centra-se na aprendizagem

do aluno.

A EaD rompe barreiras culturais, de

tempo e espaço geográfico e envolve

planejamento, pois a partir da realidade dos

alunos pode ser construído um projeto pedagógico

que possa orientar as ações dos professores com

foco na interdisciplinaridade e atendimento às

regionalidades. Esse projeto deve contar com

diversas possibilidades de interação como: chat,

aula web, fórum, portfólio, livros com linguagem

dialógica, produzidos por professores da

disciplina em parceria com outros autores, e-mail,

biblioteca digital, física e outros. Portanto, a

questão central que este estudo procurou

responder foi a seguinte: Como a formação inicial

de professores na EaD tem se constituído e qual a

relação com o trabalho docente?

O professor deve ser percebido como um

construtor de culturas e de saberes, levando em

conta que a vida pessoal e, especialmente, a

profissional se constroem, em parte, pela trajetória

profissional, a qual cria campos específicos de

significação, a partir das experiências vivenciadas.

Docência e autoformação profissional

Não há um modelo único de EaD. As

instituições podem apresentar projetos

diversificados, que apresentam inúmeras

combinações de tecnologias, recursos

educacionais e linguagens.

Atualmente percebemos que a oferta de

EaD organiza-se em torno do denominado modelo

Blended learning, também chamado de modelo

misto, caracterizado por múltiplas estratégias de

aprendizagem e organizadas de forma simultânea

e integrada permitindo maior flexibilidade e

levando em consideração peculiaridades como

características de alunos, por exemplo faixa etária.

A utilização desse modelo pedagógico

exige um aluno capaz de ser autônomo em suas

atividades acadêmicas, um modelo no qual os

próprios alunos decidem sobre seu percurso

educativo, utilizando diferentes meios, mídias e

estratégias de ensino, que contemplam desde

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Formação de professores e o exercício da docência numa visão complexa na educação a distância 71

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012

atividades presenciais junto ao grupo social, com

acompanhamento tutorial presencial, até o estudo

autodirigido em ambiente virtual de

aprendizagem, favorecendo as trocas

colaborativas mediadas pelas novas tecnologias da

informação e da comunicação (NTIC).

O uso intensivo das novas tecnologias de

informação e comunicação, assim como sua

democratização, possibilitaram a ampliação da

educação a distância, e hoje esta atende a uma

grande parcela da população, com ênfase na

relação dialógica e flexibilidade no ensino.

Dessa forma, nesse cenário

multimidiático, a necessidade de aprimoramento

constante tem-nos levado a um repensar de nossas

práticas, enquanto formadores de professores,

para atuar na educação básica. Tal fato implicou

uma maior regulação pelo ministério da Educação

em relação à EaD no que diz respeito à busca de

sua qualidade.

A análise dos diferentes contextos, no que

se refere à Formação de Professores, pode ser

realizada tendo como pano de fundo a produção

de pesquisas e de proposições teóricas e os

documentos emitidos por órgãos responsáveis

pela execução de políticas públicas. É nessa

instância de análise que buscaremos

contextualizar a oferta dos cursos que visem à

formação de professores na modalidade EaD, pelo

seu peso no cenário da produção científica sobre

Formação Inicial de Professores. Acreditamos que

formar profissionais da Educação, tendo a

docência e a pesquisa por princípios, como eixos

de sua formação, é o essencial. Para Calixto,

Oliveira e Oliveira (2009):

Rever o processo de ensino-

aprendizagem, privilegiando o trabalho

colaborativo entre formadora e

formando(as) e contemplando o

protagonismo do aprendiz ao indicar os

pontos de avanço e os que precisam ser

aperfeiçoados/inovados, pode contribuir

para a auto-formação contínua do

docente-pesquisador sobre sua própria

prática. Talvez seja esse um dos caminhos

para a consolidação de uma cultura

avaliativa reflexiva, investigativa e

questionadora rumo à construção de uma

nova pedagogia – com tecnologia – para

a educação face-a-face e/ou à distância.

(p. 9).

O currículo deve contribuir para a

formação do professor em uma perspectiva que

leve em consideração a tríade ação–reflexão-ação.

Essa tríade sustenta-se pela relação ensino com

pesquisa, em que, por meio do conteúdo

trabalhado, o aluno pode entrar em contato com a

pesquisa, estabelecendo proximidade com o

desconhecido.

Essa questão favorece a articulação entre

as disciplinas estudadas, visto que as mesmas

partem de um eixo norteador comum: o de

fundamentar a formação do graduando tendo

como elemento condutor o diálogo entre a área

educacional e as demais áreas do conhecimento.

Preocupado com o processo de expansão

da educação a distância, e buscando estabelecer

critérios de qualidade, o MEC - Ministério da

Educação - elaborou os Referenciais de Qualidade

para a Educação a Distância (BRASIL, 2007),

levando em consideração, dentre outros

elementos, a necessidade de aprendizagem

permanente e cooperativa.

Segundo a proposta, as discussões acerca

da Educação a Distância “têm oportunizado

reflexões importantes a respeito da necessidade de

ressignificações de alguns paradigmas que

norteiam nossas compreensões relativas à

educação, escola, currículo, estudante, professor,

avaliação, gestão escolar, dentre outros”

(BRASIL, 2007, p.3).

Podemos perceber a preocupação do MEC

em buscar a construção de um projeto político

pedagógico dos cursos de educação a distância

que contemplem a relação epistemológica de

educação, currículo e ensino. Esse processo tem a

utilização da tecnologia como suporte de

mediação e deve estar pautado em uma filosofia

que priorize a interatividade, a partilha de projetos

e o respeito às diferentes culturas e

conhecimentos.

Em relação a isso:

O conhecimento é o que cada sujeito

constrói - individual e coletivamente

como produto do processamento, da

interpretação, da compreensão da

informação. É, portanto, o significado

que atribuímos à realidade e como o

contextualizamos. (BRASIL, 2007, p.9).

A interatividade é considerada como

essencial na formação a distância. Vale destacar:

O desenvolvimento da educação a

distância em todo o mundo está associado

à popularização e democratização do

acesso às tecnologias de informação e de

comunicação. No entanto, o uso inovador

da tecnologia aplicada à educação deve

estar apoiado em uma filosofia de

aprendizagem que proporcione aos

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72 Edilaine Vagula, Marilda Aparecida Behrens

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012

estudantes efetiva interação no processo

de ensino aprendizagem, comunicação no

sistema com garantia de oportunidades

para o desenvolvimento de projetos

compartilhados e o reconhecimento e

respeito em relação às diferentes culturas

e de construir o conhecimento ( BRASIL,

2007).

O documento expressa, como ponto

central, a necessidades de momentos presenciais e

virtuais, baseado em uma proposta curricular

inovadora, que possibilite a integração entre

metodologias e conteúdos, bem como a auto-

reflexão do aluno, ou seja, o diálogo consigo

mesmo e a sua própria concepção de cultura, em

confronto com outras culturas. Promove a

superação da visão “fragmentada do

conhecimento e dos processos naturais e sociais,

enseja a estruturação curricular por meio da

interdisciplinaridade e contextualização”.

(BRASIL, 2007, 9.) Destaca, ainda, a necessidade

de a realidade ser considerada em suas múltiplas

dimensões, pois, “ao propor o estudo de um

objeto, busca-se, não só levantar quais os

conteúdos que podem colaborar no processo de

aprendizagem, mas também perceber como eles se

combinam e se interpenetram”. (BRASIL, 2007,

8.). A interdisciplinaridade e a contextualização

devem possibilitar uma compreensão da realidade,

formando o sujeito social e como destaca o

disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (Lei n. 9.394/96) “[...] o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho”. (BRASIL, 1996, art.2). Prevê a

necessidade de um módulo introdutório nos

cursos para que o aluno domine as especificidades

da EaD, a tecnologia e o conteúdo programático

do curso, sendo que cada instituição deve prover a

recuperação de estudos e propostas avaliativas

que contemplem os ritmos de aprendizagem dos

alunos.

O projeto do curso deve contemplar a

diversidade curricular expressa nas disciplinas e

nos serviços de apoio, como intérprete de Libras e

material em Braile. A formação do professor

passou a ser questionada e redefinida com base no

“impacto das tecnologias e das comunicações

sobre os processos de ensino e de aprendizagem,

suas metodologias, técnicas e materiais de apoio”

(BRASIL, 2000, p.2).

O decreto 5.622 (BRASIL, 2005), que

revoga o Decreto 2.494/98 e regulamenta o Art.

80 da Lei 9.394/96 (LDB) define a EaD como

modalidade educacional na qual a

mediação didático-pedagógica nos

processos de ensino e aprendizagem

ocorre com a utilização de meios e

tecnologias de informação e

comunicação, com estudantes e

professores desenvolvendo atividades

educativas em lugares ou tempo diversos.

Necessitamos de um modelo que combata

o modelo sequencial e linear e que possibilite

redes de conhecimento, com estrutura curricular

baseada na “metáfora do rizoma” (DELEUZE;

GUATTARI, 1995, apud BRITO, 2006, p. 6),

pois nessa proposta o saber não apresenta

hierarquia e não está centralizado. Nesse modelo,

qualquer ponto pode estar ligado a qualquer outro

ponto em que os eixos temáticos estejam em

permanente construção. Nesse sentido, os

“saberes que se desterritorializam e se

interpenetram produzindo novas abordagens

conceituais e metodológicas” e podem “ser

acessado[s] a partir de inúmeros pontos, podendo

remeter a quaisquer outros em seu território”, não

podendo assim, ser reduzido[s] à homogeneidade.

(BRITO, 2006, p. 6-7)

A produção específica sobre o tema

Formação de Professores na EaD vem enfatizando

a necessidade de um trabalho interdisciplinar que

envolva docentes e coordenadores de curso,

possibilitando trabalhos individuais e coletivos

que permitam ao aluno articular saberes teóricos

com saberes práticos, um trabalho inexistente em

algumas instituições, mas que na prática tem

contribuído para experiências de sucesso.

Trabalhar em uma perspectiva interdisciplinar é

possibilitar o constante diálogo entre as

disciplinas que compõem o currículo.

No que diz respeito à educação a

distância, o modelo atual apresenta para

fragilidades, e Torres (1998, p. 176) salienta: "a

questão [...] da formação inicial está se diluindo,

desaparecendo". Ao mesmo tempo, Barreto

(2004, p.1191-1192) aponta para o

“esvaziamento” existente no processo de

formação de professores, e este é tratado apenas

como formação continuada, pois a formação

inicial não tem possibilitado o acesso às

tecnologias, restringindo-se, em muitos casos “a

mera transposição de aulas para os novos

suportes”.

Belloni (1998, p.16) ressalta que os

professores exercem forte influência na melhoria

dos sistemas educativos e que “qualquer

melhoria ou inovação em educação passa

necessariamente pela melhoria e inovação na

formação de formadores.” Mas o desafio que se

impõem é a complexidade dos saberes

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Formação de professores e o exercício da docência numa visão complexa na educação a distância 73

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012

envolvidos para o professor ensinar, e em

especial, como as instituições formadoras devem

agir para envolver os alunos na busca da

produção do conhecimento. Este processo

demanda buscar uma metodologia que acolha

múltiplos procedimentos, que proporcione a

visão de todo, que seja significativa, que

proponha problematizações retiradas da

realidade dos alunos envolvidos, pois este e

outros fatores levam os estudantes a acompanhar

o curso ou a abandoná-lo por falta de interesse.

A metodologia proposta na EAD precisa

considerar um universo mais amplo, pois

movimento paradigmático da sociedade exige a

superação da visão reducionista de conviver no

universo e enfrentar um mundo repleto de

incertezas, contradições, paradoxos, conflitos e

desafios. Significa aceitar o questionamento e a

reflexão intermitente dos problemas e das suas

possíveis soluções. Assim, “Na realidade, busca

aceitar uma mudança periódica de paradigma,

uma transformação na maneira de pensar, de se

relacionar e de agir para investigar e integrar

novas perspectivas” Behrens (2006, p.21).

Em sua pesquisa, Pereira (2003, p. 206)

constata que: “o uso das tecnologias na educação

a distância vem se limitando a repetir métodos

convencionais da educação presencial, que

mostraram ser ineficazes”. As reflexões sobre o

ensino e a aprendizagem devem levar o professor

a repensar suas práticas pedagógicas enquanto

professores, por conseguinte, proporcionando, em

teoria, um rompimento com formas tradicionais e

lineares da condução dos processos de ensino e

aprendizagem. Neste novo olhar sobre a prática

pedagógica, cada vez mais competências

desejáveis devem ser desenvolvidas, mesmo

considerando-se os obstáculos a serem superados.

A educação, porém, parece incrustar-se

em uma redoma de vidro impenetrável e demora a

absorver aos novos paradigmas. Nesta

perspectiva, a Educação a Distância herda os

paradigmas conservadores que caracterizam ainda

grande parte do ensino presencial, daí a

necessidade de superar a ação docente baseada na

visão a cartesiana, única e fragmentada para

focalizar as diferentes modalidades de aprender e

que criem possibilidades de entender a educação e

o currículo numa visão complexa, bem como os

necessários desdobramentos na prática

pedagógica.

A prática pedagógica demanda uma ação

pessoal e profissional, não apenas de origem

individual, mas coletiva, dado que o professor é

um indivíduo inserido num contexto histórico-

cultural. Portanto, a proposta curricular do curso

deve ser construída coletivamente de forma que as

discussões em curso possam se desvincular de

modelos tradicionais e assim contribuir para o

desenvolvimento do pensamento reflexivo. Muitas

vezes, faltam-lhe estratégias de análise e reflexão,

bem como suporte teórico que possa embasar a

sua prática, o que dificulta os processos de

reflexão na e sobre a sua própria prática,

interferindo no seu desenvolvimento profissional

e pessoal.

A ênfase na formação de professores

reflexivos pode contribuir para a construção da

sua identidade profissional. Neder (2005) defende

a educação a distância como “uma possibilidade

de (re) significação paradigmática no contexto do

processo de formação de professores”. Nessa

modalidade de ensino, todo projeto de curso e

plano docente deve abrir caminhos para o

desenvolvimento da autonomia do educando, com

o intuito de formar alunos reflexivos e críticos, o

que implica uma mudança de paradigma.

O processo de Formação de Professores

em um paradigma inovador precisa considerar a

comunicação mediada, que constitui o cerne da

prática pedagógica, que tem como instrumento a

tecnologia. Como pano de fundo dessa

perspectiva, sobre formação de professores,

acreditamos que deva

ser levado em conta o contexto histórico-

cultural em que ocorrem esses processos

formativos, para se compreender as

limitações e as possibilidades de

práticas pedagógicas como

colaboradoras no processo de

construção da autonomia do aluno, em

suas diferentes dimensões e não somente

limitada à aprendizagem autônoma, ao

estudo independente (PRETI, 2005,

p.129).

Para tanto, refletir sobre o tipo de homem

que queremos formar, a opção teórico-

metodológica - a visão crítica e a concepção de

avaliação em uma perspectiva mediadora - pode

contribuir para a formação de sujeitos ativos,

reflexivos, cidadãos atuantes e participativos na

transformação do espaço sócio-histórico no qual

participam. Trata-se de exigências do paradigma

inovador ou da complexidade, que propõe que o

currículo atenda uma visão crítica, reflexiva e

transformadora na Educação e exige a

interconexão de múltiplas abordagens, visões e

abrangências. A complexidade segundo Moraes

(2004, p.20):

Complexidade esta compreendida como

princípio articulador do pensamento,

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74 Edilaine Vagula, Marilda Aparecida Behrens

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012

como um pensamento integrador que une

diferentes modos de pensar, que permite a

tessitura comum entre sujeito e objeto,

ordem e desordem, estabilidade e

movimento, professor e aluno e todos os

tecidos que regem os acontecimentos, as

ações e interações que tecem a realidade

da vida.

O pensamento complexo empreende o

conhecimento como uma teia proposta com base

nas conexões em sistemas integrados, pois, na

visão de Morin (2000, p.46), “Não se trata de

abandonar o conhecimento das partes pelo

conhecimento das totalidades, nem da analise pela

síntese; é preciso conjugá-las. Existem desafios da

complexidade com os quais os desenvolvimentos

próprios de nossa era planetária nos confrontam

inelutavelmente”. Assim, considerar na EaD uma

visão complexa implica garantir uma ação

docente que se reflita em uma prática pedagógica

crítica, reflexiva e inovadora. Portanto, a ação

educativa necessariamente deve atender a uma

nova visão de mundo, de sociedade e de homem.

A busca de respostas a essa questão

paradigmática levou-nos a refletir sobre a

necessidade urgente de que os cursos a distância

focalizem os processos dialógicos, superando o

ensino repetitivo e sem sentido, com pergunta e

repostas prontas e acabadas, e colocando em seu

lugar a comunicação e a mediação, como propõe

Pereira (2003, p.200):

[...] a comunicação mediada representa a

essência do processo de aprendizagem,

entendida no seu sentido seu duplo

sentido: o primeiro refere-se a mediação

entre o conteúdo e o aluno; o segundo, à

relação entre o professor e o aluno.

O uso intensivo da tecnologia como

mediação do trabalho pedagógico envolve novas

competências, que não têm sido contempladas na

formação inicial e nos programas de formação

continuada. O trabalho docente na EaD continua

sendo fundamental, o que nos conduz,

inevitavelmente, ao repensar de nossas práticas

diante da necessidade de criar estratégias de

ensino que enfatizem a produção de

conhecimentos por parte dos professores em

formação e, portanto, não reduzidos à

transferência e aplicação de conteúdos adquiridos,

para que construam uma prática pedagógica

baseada na autonomia e na motivação.

A interatividade articulada com a

tecnologia deve ser a base da prática docente

desenvolvida na EaD, pois

[...] determina, de modo fundamental, o

uso que se faz dos meios de comunicação,

as novas relações entre os atores do

processo de aprendizagem que se

estabelecem no plano da linguagem e na

produção do material didático

(FIORENTINI; MORAES, 2003, p. 318).

Os procedimentos de ensino, as diferentes

formas de ensinar e avaliar devem contribuir com

a interação, possibilitando o diálogo e o

desenvolvimento do aluno. O diálogo, para Moore

(1993 apud DIAS; LEITE, 2010), deve ser

resultado de interações favoráveis ao

desenvolvimento da aprendizagem. Ele esclarece,

ainda, que o diálogo precisa ser intenso, uma vez

que pouco diálogo conduz ao aumento da

distância transacional, e este é um “espaço de

potenciais mal-entendidos entre as intervenções

do instrutor e as do aluno” (DIAS; LEITE, 2010,

p. 77-78). Tal fato pode ser influenciado pela

estrutura do curso, pois as tecnologias contribuem

para a redução da distância transacional.

Através do diálogo, o aluno aprimora seu

pensamento crítico e reflexivo, adquirindo mais

autonomia, podendo posicionar-se em relação ao

seu próprio aprendizado. Ao se referir às

interações, Nunes e Vilarinho (2006, p. 118)

pontuam que é papel do professor captar as

dificuldades, elogiar, estimular, ouvir, promover

melhores relações e, dessa forma, manter “o nível

acadêmico do diálogo faz parte da sensibilidade

do professor”.

Realizamos leituras e reflexões com base

no texto de Tardif (2002), que caracteriza o saber

docente como múltiplo e pluriorientado por

diversos saberes, originados dos saberes

curriculares, das disciplinas, do exercício

profissional e da experiência pessoal. Tardif

(2002, p. 302-303) propõe três modelos de

identidade de professores: o tecnólogo do ensino,

o prático reflexivo e o ator social, assim

caracterizados:

O tecnólogo de ensino se define por

possuir competências de perito no

planejamento do ensino e sua atividade é

baseada num repertório de

conhecimentos oriundos da pesquisa

científica (grifo nosso);

O prático reflexivo, que se serve muito

mais de sua intuição e pensamento é

caracterizado por sua capacidade de

adaptar-se a situações novas e de

conceber soluções originais [...] é o

próprio modelo do profissional de alto

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Formação de professores e o exercício da docência numa visão complexa na educação a distância 75

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012

nível (grifo nosso);

O ator social desempenha o papel de

agente de mudanças, ao mesmo tempo em

que é portador de valores emancipadores

em relação a diversas lógicas de poder

que estruturam tanto o espaço social

quanto o espaço [institucional]. (grifo

nosso).

O processo educativo com essa visão

exige propor competências e habilidades que

permitam diferenciar o modelo empregado na

EaD.

Concordamos com Perrenoud (2002)

quanto a sua observação de que os saberes

constituem o fundamento das competências, uma

vez que “uma competência não é nada mais do

que uma aptidão para dominar um conjunto de

situações e processos complexos, agindo com

discernimento” (p. 8). O professor, em sua

formação profissional, necessita, portanto, que lhe

sejam propiciadas condições para que

futuramente, enquanto agente, possa dispor de

recursos cognitivos pertinentes, de saberes, de

informações, de atitudes, de valores e consiga

mobilizá-los em momentos oportunos.

Emprestamos do autor as seguintes questões:

“Estamos desenvolvendo essas “habilidades e

competências” de modo satisfatório, para que os

alunos saibam “mobilizá-las num momento

oportuno”? Criamos condições para que se

“estabeleçam ligações dos saberes à ação e ao

trabalho?” (p. 9).

Para adquirir esses saberes é necessário,

todavia, que os alunos aprendam. Em nossas

instituições formadoras não verificamos, com

freqüência, as condições propícias à aquisição

dessa gama de saberes.

O professor, como qualquer outro

profissional, vive um processo histórico,

caracterizado por mudanças contínuas e pela

presença de produtos sociais, por exemplo, que

emergem da tecnologia da informação, para os

quais nem sempre está preparado para participar e

intervir. A ausência de espaços para a construção

de conhecimentos críticos leva alguns contextos

escolares a inviabilizarem a prática reflexiva

sobre os saberes teóricos e práticos.

Considerações Finais

As discussões durante os quinze encontros

de discussão temáticas dentro da Linha de Teoria

e Prática Pedagógica na Formação de Professores,

no grupo de PEFOP “Paradigmas Educacionais e

formação de professores”, do Programa de Pós-

Graduação em Educação Stricto Sensu. Esse

processo investigativo proporcionou a pesquisa

exploratória aliada aos questionamentos gerados

nas experiências dos docentes e da pesquisadora

envolvida no processo de na área de formação de

professores por meio da educação a distância.

Buscamos nesta caminhada de investigação

referenciais que auxiliassem a reflexão sobre a

formação de professores na educação a distância.

Atingimos nosso objetivo de discutir modalidades

de formação de professores em um ambiente

complexo que superem o paradigma conservador

para atender as constantes transformações que

envolvem o ensino e aprendizagem frente as

Tecnologias da Informação e Comunicação.

Apresentamos e compartilhamos neste

artigo o fruto da tentativa de demonstrar a nossa

incursão no campo da produção do conhecimento

relativo à Formação de Professores na modalidade

da EaD, o que nos conduziu durante todo processo

de pesquisa a questionar e encontrar possíveis

soluções para repensar nossas práticas

pedagógicas enquanto professores formadores

nessa modalidade.

As conclusões a que chegamos apontam

para necessidade de pensarmos com urgência em

um meio de romper com as formas tradicionais e

lineares da condução dos processos de ensino e

aprendizagem na EaD e nas outras modalidades

de ensino, determinando assim uma profunda

mudança paradigmática.

Neste novo olhar, cada vez mais

competências desejáveis devem ser

desenvolvidas, mesmo considerando os obstáculos

a serem superados. Portanto, acreditamos que a

proposta curricular a ser construída coletivamente

pelos docentes responsáveis pela oferta dos

Cursos, dadas as discussões em curso, venha a

desvincular-se de modelos tradicionais e assim

contribuir para o desenvolvimento do pensamento

reflexivo.

Finalmente, lembramos que o objetivo

desta pesquisa não foi o de apresentar modelos

para a formação de professores na EaD, mas

oferecer subsídios para que as estratégias

utilizadas na condução dos cursos que se propõem

a formar professores possam ser repensadas.

É nessa perspectiva que consideraamos

urgente tanto uma mudança na e para a identidade

deste profissional quanto políticas públicas

formuladas apropriadamente, de modo que a

formação deste profissional convirja para as

definidas coletivamente por associações

reconhecidas, como as da ANPED e ANFOPE.

Concluímos, assinalando que as

instituições precisam contribuir no sentido de

formar professores para um uso pedagógico da

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76 Edilaine Vagula, Marilda Aparecida Behrens

Horizontes, v. 30, n. 1, p. 69-77, jan./jun.2012

Informação e Comunicação que venha a

corresponder a um paradigma complexo e que

abandone os modelos reducionistas baseados

unicamente na racionalidade técnica. Para tanto,

eles devem ser reorganizados, pois ainda, na

maioria das vezes, partem de uma educação

tradicional que concebe ensino focado unicamente

na transmissão de conhecimento. Com base na

pesquisa, acreditamos que o desafio está posto,

pois muitas vezes discutimos que esse é o maior

problema a se refletir na EaD, ou seja, a

abordagem pouco envolvente e reducionista que

caracteriza o abandono dos alunos ao longo do

processo de ensino e aprendizagem.

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Sobre as autoras:

Edilaine Vagula: Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR),

Curitiba, PR – Brasil. Docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e da Universidade Norte do

Paraná (UNOPAR).

Marilda Aparecida Behrens: Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(PUC-SP), professora titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR – Brasil.

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* Endereço eletrônico: [email protected]

Lev Vigotski mediação, aprendizagem e desenvolvimento uma leitura filosófica e

epistemológica

Resenhado por Renata Correa Rocha*

FRIEDRICH, Janette. Lev Vigotski mediação, aprendizagem e desenvolvimento uma leitura filosófica e

epistemológica. Tradução de Anna Rachel Machado e Eliane Gouvêa Lousada. Ed. Mercado de Letras,

Campinas, SP, 2012.

A pesquisadora e professora Janette

Friedrich, membro do grupo de pesquisa “História

e Epistemologia das Ciências da Linguagem”, é

uma grande especialista em Vigotski. Neste ano

de 2012, a autora de A significação histórica da

crise em psicologia (Paris, Dispute, 2010) e A

teoria da linguagem, de Karl Buhler (Maseille,

Agone, 2009), livros publicados em francês,

lançou um novo livro, também em francês e

recentemente traduzido por Ana Rachel Machado

e Eliane Gouvêa Lousada.

Em Lev Vigotski mediação, aprendizagem

e desenvolvimento uma leitura filosófica e

epistemoógica, Janette Friedrich nos traz uma

oportunidade de conhecermos ainda mais sobre as

obras desse autor já bastante conhecido e

discutido por outros tantos escritores, o que pode

trazer ao leitor certa desconfiança sobre a

originalidade dessa nova obra. No entanto é

importantíssimo frisar que esta originalidade está

garantida, pois segundo Ana Luiza Smolka, que

escreve o prefácio desse livro, “a novidade dessa

publicação encontra-se no modo como a autora lê

e dialoga com a teoria de Vigotski, como

compreende e discute suas ideias, como nos

convida a uma leitura que nos leva a pensar no

interior do pensamento do autor”.

Friedrich inicia seu livro com uma volta

ao início do século XX, um momento decisivo

para a constituição das ciências do homem, pois

um grande número de correntes que até hoje

dominam o pensamento teórico e os métodos

empíricos nas ciências do homem se constituíram

nesse período. Para apresentar o pensador russo e

soviético Lev Séminovitch Vigotski, a quem esta

obra é dedicada, Friedrich utiliza-se de um

método que busca discutir algumas partes da obra

de Vigotski, tentando não “falar sobre ele”, mas

sim pensar no interior de sua obra. Nas palavras

da autora “mostrar o que ele faz, o que ele diz,

quando ele o diz; pensar o que ele pensa, quando

o lemos” (Friedrich, 2012, P. 14).

Portanto, para cumprir seu objetivo a

autora apresenta em cinco capítulos questões

relevantes que nos ajudam a entender a

importância da obra de Vigotski na construção de

uma psicologia como ciência que estuda o ser

humano, proporcionando a nós educadores uma

definição da função da escola na formação deste.

No primeiro capítulo, intitulado “A

psicologia é possível como ciência?”, Friedrich

traz discussões do livro A significação histórica

da crise em psicologia, escrito por Vigotski em

1927, no qual ele tentava desenvolver as bases e

as premissas necessárias para uma psicologia que

pudesse ser uma ciência por inteiro. Friedrich

retoma a análise realizada por Vigotski do

caminho das diferentes correntes de sua época,

iniciando pela observação de que cada ciência

define seu objeto com a ajuda de uma abstração

primária. Retomando a questão da crise, Vigotski

demonstra o problema da psicologia dos anos 20,

apontando que nessa disciplina pode se encontrar

pelo menos três abstrações psicológicas, que

servem de base para uma corrente determinada.

A primeira delas é a psicologia do homem

normal. A segunda corrente é a ciência do

comportamento. E a terceira é a ciência da

abstração. Ainda nessa retomada das diferentes

correntes da psicologia, Friedrich recupera a

distinção que Vigotski faz entre as ciências gerais

e as ciências particulares e afirma que o

conhecimento científico não se produz apenas por

meio das experiências, das percepções, das

observações e de sua denominação, mas também e

em grande parte por meio de um trabalho sobre o

conteúdo real dos conceitos, eis aí o que está na

base do projeto vigotskiano de uma psicologia

geral (FRIEDRICH, 2012, P. 33).

Diante da afirmação de Vigotski,

Friedrich levanta os seguintes questionamentos:

“o que é esse famoso conteúdo real de um

conceito? Como se pode conhecer a realidade por

meio dos conceitos?” Para responder a tais

questionamentos a autora utiliza exemplos

apresentados pelo autor.

O segundo capítulo, com título “O

termômetro da psicologia”, traz discussões a

respeito do método de pesquisa, que, segundo

Vigotski, tem o objetivo de produzir a

correspondência entre o conhecimento e a

relidade. Para isso Friedrich recupera a discussão

de Vigotski em relação aos métodos utilizados

pela pscicologia, na qual ele distingui dois grupos

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de métodos: o grupo dos métodos diretos e o

grupo dos métodos indiretos, fazendo uma crítica

aos métodos diretos e reexaminando os métodos

que têm um caráter indireto, que para ele são

métodos que nos aproximam da verdade, em que

“interpretar significa recriar o fenômeno a partir

de seus traços e de suas influências com base nas

regularidades anteriormente estabelecidas”

(VIGOTSKI, 1927, P. 164 apud FRIEDRICH,

2012, P. 44).

Diante de tais afirmações, Vigotski

propõe a substituição dos conceitos de base: da

consciência e de comportamento, por um outro

que corresponde ao método indireto, o conceito de

psiquismo. Friedrich retoma então o conceito de

psiquismo, levando o leitor a entender tal conceito

e demontrando que esse só pode ser definido por

meio de métodos indiretos, de construção de

hipóteses, de reconstrução e de interpretação dos

traços da filtragem.

No capítulo três, o próprio título, “A ideia

de instrumento psicológico”, já nos dá uma noção

do conteúdo que será nele discutido. Friedrich

ressalta a importância da tese de Vigotski sobre os

instrumentos psicológicos, pois para o autor todas

as funções psíquicas superiores, como por

exemplo, a atenção voluntária ou a memória

lógica, surgem com o auxílio dos instrumentos

psicológicos e, consequentemente, se constituem

como fenômenos psíquicos mediatizados

(FRIEDRICH, 2012, P. 53).

Para falar sobre esses instrumentos a

autora recupera uma discussão sobre a memória

natural e a memória artificial, demonstrando que a

tarefa de memorização se realiza com o auxílio do

instrumento psicológico.

Para deixar ainda mais clara a tese de

Vigotaki sobre esses instrumentos psicológicos, a

autora faz uma diferenciação entre os

instrumentos ou ferramentas de trabalho e os

instrumentos psicológicos, e traz também

argumentos encontrados em Vigotski para ajudar

o leitor a compreender a escolha conceitual feita

pelo autor ao utilizar o par de conceitos natural e

artificial e não, como se poderia esperar, o par de

conceitos natural e cultural. Outra questão que

tem destaque nesse capítulo para a compreensão

completa do que é para Vigotski, um instrumento

psicológico, é a distinção entre a atividade

mediatizada e a atividade mediatizante.

A autora faz ainda uma observação sobre

a natureza sócio-histórica dos instrumentos

psicológicos, demonstrando que o indivíduo

interioriza as relações sociais que ocorrem entre

as pessoas; assim sendo, “o indivíduo deve estar

no centro da pesquisa, pois o que se estuda é o

indivíduo particular em sua qualidade de um ser

pensante” (FRIEDRICH, 2012, P. 75).

No capítulo quatro, Friedrich retoma as

discussões de Vigotski acerca de como se dá a

formação dos conceitos, por isso recebe o título de

“A formação dos conceitos na criança”. A autora

inicia o capítulo trazendo uma crítica do autor em

relação ao método da definição e o método da

abstração, já que nenhum dos dois permite acesso

ao pensamento da criança. Ressalta ainda a crítica

de Vigotski em relação ao dispositivo de Ach,

pois esse, assim como os outros métodos, também

não permite descobrir a natureza genética do

processo de formação de conceitos. Friedrich nos

apresenta então, o método utilizado por Vigotski e

Sakharov para o estudo dos conceitos, método que

segundo Vigotski possibilitou o estudo de como o

sujeito emprega os signos enquanto meios de

dirigir suas operações intelectuais e como, em

função desse modo de utilização da palavra, de

sua aplicação funcional, se desenrola e se

desenvolve todo o processo de formação do

conceito em seu conjunto (VIGOTSKI, 1934, P.

202 apud FRIEDRICH, 2012, P. 86).

Para ajudar o leitor a ter maior

compreensão sobre a especificidade da posição de

Vigotski, a autora destaca duas diferenças em

relação às três outras maneiras de definir e de

analisar os conceitos. A primeira diferença refere-

se à concepção da linguagem, pois para Vigotski

“o pensamento não se expressa na palavra, mas se

reliza na palavra” (VIGOTSKI, 1934, P. 428 apud

FRIEDRICH, 2012, P. 87). A segunda diferença,

de grande importância aos profissionais da

educação, é que esse estudo permitiu reconhecer a

existência de três grandes estágios de formação de

conceitos no processo de desenvolvimento da

criança: o estágio dos conceitos sincréticos, o

estágio dos complexos e o estágio do

pseudoconceito e o verdadeiro conceito.

Essa análise realizada por Vigotski do

processo de formação dos conceitos e a

interpretação que dela faz acarretam duas

consequências em relação ao desenvolvimento: a

primeira, o fato de que no processo de

desenvolvimento da criança podemos identificar

diferentes formas de pensamento em conceitos e

que os conceitos utilizados por elas antes da

adolescência compõem equivalentes funcionais; a

segunda, o papel que Vigotski atribui à escola no

ensino dos conceitos científicos.

Para finalizar, o quinto e último capítulo

aborda exatamente a última consequência relatada

no parágrafo anterior, recebendo o título “O

aporte específico da escola”. A autora inicia-o

fazendo uma diferenciação entre conceitos

cotidianos e conceitos científicos, o que, segundo

ela, ajuda o leitor a compreender melhor o papel

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que Vigotski atribui à escola, já que para ele a

especificidade dessa instituição é ensinar os

conceitos científicos. Para Vigotski, é a

capacidade de trabalhar com as generalizações já

existentes que os conceitos científicos permitem,

que deve ser privilegiada no ensino escolar. A

partir de tal afirmação, a autora levanta dois

questionamentos: “o que a criança adquire como

capacidades quando se dá a aprendizagem dos

conceitos científicos?” E “em que consiste, no

final das contas, o aporte específico da escola?”

(FRIEDRICH, 2012, P. 102).

Para responder a tais questionamentos,

Friedrich retoma uma série de exemplos

apresentados por Vigotski, e demonstra que a

criança inicialmente utiliza ideias, operações,

palavras sem ainda fazer generalizações a partir

desse conhecimento, sem ainda ter consciência do

conceito que está por trás de tudo isso. Assim

sendo, a tomada de consciência, segundo

Vigotski, é uma das duas principais neoformações

da escola; a outra é o domínio ou a intervenção da

vontade (VIGOTSKI, 1934, P.309 apud

FRIEDRICH, 2012, P. 105).

Ainda discutindo as reflexões de Vigotski

sobre a escola, Friedrich analisa a relação entre

aprendizagem e desenvolvimento que, segundo

ela, complementam tal discussão. Para estabelecer

tal relação, Vigotski apresenta três teorias que

procuram explicá-la. A primeira, que considera a

aprendizagem e o desenvolvimento como dois

processos independentes, a segunda, em que a

aprendizagem e desenvolvimento são tratados

como único e mesmo processo, e a terceira, que

afirma uma verdadeira interdependência entre

esses dois processos.

Sua própria concepção define-se a partir

de duas grandes teses: a primeira afirma que “a

aprendizagem precede o desenvolvimento”

(VIGOTSKI, 1934, P. 348 apud FRIEDRICH,

2012, P. 109), afirmação que se reflete no

conceito de zona de desenvolvimento proximal,

muito discutida nos últimos anos. A segunda

certifica que o ritmo de desenvolvimento não

coincide com o ritmo das aprendizagens.

É importante ressaltar que é o poder fazer

e o saber fazer que demonstram o

desenvolvimento da criança e, em consequência, o

sucesso das aprendizagens. No entanto esse

conhecimento não é dado nem adquirido, ele é

mostrado, acentuado, demonstrado pelo professor

e, a partir dessas operações, ele é construído pela

criança. O que é mostrado pelo professor é usado

como um instrumento pela criança que se

transforma ao mesmo tempo em objeto e sujeito

(FRIEDRICH, 2012, P. 114).

Isso esclarece a ideia de mediação

discutida por Vigotski e demonstra a importância

da participação ativa do aluno no processo de

construção de seu próprio conhecimento, pois sem

essa participação a aprendizagem não acontece.

Friedrich finaliza seu livro com uma

conclusão que possibilita ao leitor uma retomada

dos principais assuntos abordados em seu diálogo

com Vigotski, proporcionando maior

compreensão sobre a concepção de sujeito

exposta ao longo dos capítulos.

Essa é uma obra que, sem dúvida

nenhuma, demonstra o imenso conhecimento e

capacidade que a autora tem em dialogar com esse

autor tão importante para o campo da educação,

evidenciando o papel da escola e dos educadores

na formação desse sujeito ativo, capaz de em sua

relação com o mundo utilizar os instrumentos

necessários para a construção de seu próprio

conhecimento.

Sobre a autora:

Renata Correa Rocha: Mestranda em Educação pela Universidade São Francisco de Itatiba. Formadora de

professores da rede Municipal de Itatiba. E-mail: [email protected]

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Relação das dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação da Universidade São Francisco no período de janeiro a junho de 2012

ALENCAR, Laine Cristina Forati de. (Im)possibilidades de organizar ações pedagógicas que articulem

materiais produzidos a partir de diferentes perspectivas educacionais. 2012. 135p. Dissertação (Mestrado

em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco,

Itatiba/SP. Orientadora: Alexandrina Monteiro.

A presente pesquisa faz parte de uma inquietação profissional sobre a realidade de duas concepções

metodológicas de ensino e aprendizagem: a de um sistema apostilado baseado em concepções empiristas,

que ressalta atividades prontas para os alunos – como se aprendessem da mesma forma e no mesmo tempo; e

a de outro sistema de ensino baseado na concepção metodológica do construtivismo – onde os alunos são

considerados sujeitos de sua aprendizagem através das mediações que o professor tende a fazer para que eles

pensem, reflitam e evoluam no processo de aprendizagem. Para tanto, inicio a pesquisa ressaltando alguns

princípios da concepção construtivista e como a criança aprende e aprofundo este tema demonstrando a

realidade de um curso, no qual fui formadora por cinco anos em uma rede municipal em que a concepção

metodológica era de um apostilado. Realizei uma breve pesquisa sobre a municipalização do ensino no

Brasil para então chegar até o início dos apostilados, ou seja, enfatizar alguns pontos do porque este sistema

privado adentrou as redes municipais de ensino. Continuo a pesquisa tecendo uma breve análise de algumas

atividades que compõem o material apostilado e atividades similares na perspectiva do curso em questão: o

Letra e Vida e sua concepção de ensino. Esta análise não teve um fechamento final, levando-nos apenas a

reflexões e questionamentos sobre as duas propostas de ensino e a educação em um contexto mais amplo que

é algo ainda em construção diária, incerteza e busca de respostas contínuas.

Palavras-chave: construtivismo. material didático. metodologias. intervenção pedagógica. currículo escolar

BAGNE, Juliana. A elaboração conceitual em matemática por alunos do 2º ano do ensino fundamental:

movimento possibilitado por práticas interativas em sala de aula. 2012. 206p. Dissertação (Mestrado em

Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP.

Orientadora: Adair Mendes Nacarato.

Esta pesquisa, em que a professora assumiu também o papel de pesquisadora, é de abordagem qualitativa,

com alunos do 2º ano do ensino fundamental de uma escola municipal de Jundiaí/SP e tem como foco a

problematização em sala de aula. Com o objetivo de analisar tanto o movimento de elaboração conceitual

matemática dos alunos, inseridos num ambiente de problematizações, quanto as ações mediadas pela

professora-pesquisadora nesse contexto, toma como referencial teórico a perspectiva histórico-cultural e

busca responder a seguinte questão de investigação: “Como os cenários de investigação pautados no diálogo,

na cooperação e em problematizações possibilitam a circulação de significações matemáticas numa sala de

aula de 2º ano do ensino fundamental?”. A documentação foi constituída por registros produzidos pelos

alunos, audiogravações das tarefas propostas aos alunos e diários de campo da professora-pesquisadora. A

análise focalizou sete episódios selecionados e centrou-se no movimento de elaboração conceitual em sala de

aula, com foco na produção de significações para o conceito de medida. Os resultados evidenciam o quanto

os alunos trazem significações matemáticas relativas a contextos não escolares envolvendo medidas e como

esses conceitos espontâneos possibilitam o acesso aos conceitos científicos, num movimento de

argumentação, socialização, interações e ações mediadas. Esse movimento é possibilitado pelo cenário de

investigação criado em sala de aula, no qual os alunos, em grupos e no coletivo da sala, socializam e

compartilham ideias matemáticas. Há indícios de que os alunos produziram significações para o conceito de

medida, para o uso de unidades padronizadas de comprimento e massa, para o número como quantidade e

como medida e para os instrumentos que possibilitam essas medições. Também ficaram evidentes as

aprendizagens da professora-pesquisadora com o processo, tanto no campo da prática docente quanto no

campo da pesquisa em sala de aula.

Palavras-chave: Problematizações matemáticas. Anos iniciais. Grandezas e medidas. Prática pedagógica.

BROLEZZI, José Luis. Medidas do tempo em tempos contemporâneos: o Uso de saberes e práticas

relacionados aos astros em contextos agrícolas. 2012. 136 p. Dissertação (Mestrado em Educação),

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP.

Orientadora: Alexandrina Monteiro.

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Esta dissertação de Mestrado tem como objetivo problematizar a construção de saberes relacionados à

astronomia que circulam nas práticas pedagógicas da educação formal e a legitimação dessas práticas a partir

da discussão sobre a constituição e a mobilização desses saberes por meio das práticas agrícolas e a sua

ligação com os eventos celestes, usando como referência uma comunidade tradicional localizada no interior

do Estado de São Paulo. Esperase que essas discussões contribuam para se pensar na escola e no currículo

escolar de outra forma, a partir de um outro lugar. Para tanto, foi realizada uma pesquisa com apontamentos

etnográficos usando como procedimentos entrevistas, diários de campo e revisões bibliográficas, para, com o

material coletado, analisar como as tais práticas e os saberes desse grupo são produzidos, transmitidos e

legitimados. Tomamos como eixo central a discussão sobre o tempo relacionado à organização dessas

práticas. As questões orientadoras foram: “De que forma um grupo de agricultores organiza seu tempo e suas

práticas agrícolas?” e “Quais saberes atravessam essas práticas e por que o grupo os utiliza?”. Para embasar

nossa discussão e análise, valemo-nos dos autores Foucault, Bauman, Wenger e Gallo. Este trabalho nos

permitiu compreender que é necessário mudar o ponto a partir do qual olhamos e questionamos as práticas

escolares, sendo possível pensar sobre os saberes que perpassam o campo da Astronomia construindo

diferentes significados e sentidos surgidos na problematização de outras práticas, em particular daquelas que

envolvem a medida de tempo como elemento para a organização de atividades agrícolas. Isso nos permitiu

também (re)pensar como vem sendo praticado o ensino de Astronomia na escola (de forma disciplinar) e

problematizar a possibilidade de circulação das práticas não-escolarizadas na organização dos currículos

escolares.

Palavras-Chave: Astronomia. Currículo. Ensino de Ciências. Medida de Tempo. Práticas Agrícolas.

CAMPOS, Alessandro Marcelino. A recuperação paralela em matemática: entre o prescrito e o realizado.

2012. 145p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação.

Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Adair Mendes Nacarato.

Esta dissertação tem como foco a recuperação paralela e o fracasso escolar. Foi realizada na rede municipal

de Itatiba e na rede estadual paulista e teve como questão norteadora: “Quais são as percepções de alunos e

professores sobre a recuperação paralela e as implicações para a sustentação do fracasso escolar em

matemática?”. Seus objetivos são: 1) apresentar como os documentos legais, produzidos pelos diferentes

sistemas de ensino, prescrevem os projetos de recuperação paralela aos alunos com lacunas conceituais; 2)

identificar como o fracasso escolar em matemática vem sendo produzido em sala de aula a partir da ótica dos

alunos; 3) apontar como os professores que atuam nas aulas de recuperação paralela percebem esse projeto

oficial. Os dados foram produzidos com base em entrevistas com alunos e com três professoras em processo

de recuperação paralela; em observações de aulas de duas professoras; e em análise documental. A análise

centrou-se em três categorias e evidenciou que, embora os sistemas de ensino garantam, legalmente, as

classes de recuperação para os alunos com defasagens conceituais em matemática, há um grande

distanciamento entre o prescrito e o realizado. Os resultados corroboram nossa hipótese inicial: o fracasso

escolar é produzido na escola e por ela, e a forma como os processos de recuperação paralela vêm sendo

implantados nas escolas pouco tem contribuído para a aprendizagem matemática dos alunos.

Palavras-chave: fracasso escolar; sucesso escolar; relação com o saber; recuperação paralela em matemática;

condições de trabalho docente.

DALLAN, Maria Salomé Soares. Análise discursiva dos estudos surdos em educação: a questão da escrita

de sinais. 2012. 136p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Márcia Aparecida Amador Mascia.

A prática de trabalho com alunos surdos falantes de Libras – Língua de Sinais Brasileira - propiciou que

assistíssemos a várias mudanças nas concepções educacionais que pensam a educação desse sujeito.

Atualmente, tanto os professores surdos quanto os ouvintes chegaram a um aparente consenso de que estes

alunos têm direito a uma educação bilíngue (Libras e Língua Portuguesa na modalidade escrita) para que ele

se desenvolva e adquira conhecimento. Observando os atuais movimentos reivindicatórios por uma educação

de qualidade para estas pessoas, elegemos como corpus desta pesquisa uma análise da coletânea acadêmica

de quatro volumes, intitulada “Estudos Surdos”, editada pela Editora Arara Azul, confrontando-a com a atual

Política Nacional de Educação Especial na perspectiva inclusiva. O objetivo específico é localizar, nestes

documentos, dados que possibilitem dar visibilidade às inovações propostas para o ensino dos alunos com

surdez inseridos nas escolas regulares. Buscamos especificamente propostas de acesso ao conhecimento,

como por exemplo, uma escrita acessível, própria para a Libras, buscando identificar quais os regimes de

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verdade que esses textos veiculam em relação à necessidade de mudanças nos paradigmas educacionais, uma

vez que o percurso educacional do sujeito surdo falante de Libras na escola ainda aponta lacunas que muitas

vezes o transformam em deficiente quando este é solicitado a ler e escrever em uma língua oral auditiva.

Partimos do pressuposto de que as línguas de sinais têm um sistema próprio de escrita, que já está sendo

ensinado em cursos de graduação e pós-graduação em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, desde

outubro de 2006 através do Curso de Letras Libras da Universidade Federal de Santa Catarina. Esta pesquisa

pôde coletar dados que revelam que as opiniões expressas nesses documentos com relação ao direito a uma

Escrita em Sinais ainda são incipientes para a implantação efetiva desta escrita, pois o sujeito revelado dos

Estudos Surdos apresenta traços que denunciam uma transmutação dos mecanismos de biopoder, controle do

corpo, impostos aos sujeitos falantes de línguas de sinais desde o tão debatido Congresso de Milão de 1880:

incentiva-se mais que o sujeito aprenda a inscrever-se melhor nas práticas de leitura e escrita em português,

normalizando-o e mantendo as relações de poder-saber inalteradas, do que realmente permitir que ele se

inscreva nas práticas de leitura e escrita através da língua de sinais, à cultura surda. As considerações

realizadas nesse estudo pretendem trazer uma reflexão aos educadores e gestores educacionais, no sentido de

repensarmos a educação dos alunos surdos em relação às diferenças a que cada sujeito tem direito, ou seja,

aceitar por inteiro a língua de sinais e os sujeitos que falam e são falados por ela: naturalizar sua escrita, seja

em português ou em sinais.

Palavras chave: Libras. Escrita em Sinais. Signwriting. Educação Bilíngue. Surdez.

FAVRE, Fernanda de. A compreensão dos elementos da petição inicial para a produção de textos no curso

de direito. 2012. 190p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Luzia Bueno.

A presente pesquisa tem como objetivo a compreensão do gênero petição inicial, dentro do Direito. Para isso,

procuramos responder às seguintes perguntas: a) Quais são os elementos constituintes de uma petição inicial

da vara de família e sucessões nos manuais, conforme o modelo de análise do Interacionismo

Sociodiscursivo (ISD); b) Quais são os elementos desse tipo de petição em textos concretos? e c) Há

diferenças ou semelhanças entre a petição concreta e a do modelo? Como abordagem teórica, optamos por

utilizar a perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo de Bronckart (2009a, 2009b), mais o estudo de

gêneros textuais na escola e sua funcionalidade, de acordo com Dolz e Schneuwly (2010). A fim de atingir o

nosso objetivo, analisamos 5 petições modelo e mais 10 petições concretas, todas de direito civil, em

especial, na área de Direito de família. Nossa análise nos permitiu perceber que, principalmente nesse ramo

do Direito, os textos prontos, que possuem apenas espaços a serem preenchidos, não permitem que aquele

que está elaborando-o apareça, isto é, passe a expor seu ponto de vista, defenda seu Direito e, mais, avalie

para o leitor seu conteúdo escrito, dê suas opiniões ao julgador da petição. E ainda, mostre por meio de

citações doutrinárias ou jurisprudenciais posições semelhantes à que está defendendo para seu cliente. Os

modelos nem “abrem” espaço para que os que se utilizam dele possam expor o que precisam, de verdade,

para obtenção de êxito na causa.

Palavras-chave: petição inicial. gêneros textuais. interacionismo sociodiscursivo. letramento jurídico.

FEITOZA, Cláudia de Jesus Abreu. Trabalho docente em EAD: representações construídas em uma

entrevista de instrução ao sósia. 2012. 186p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Luzia Bueno.

O presente trabalho tem como objetivo principal contribuir para o conjunto de pesquisas que tratam sobre o

trabalho do professor visando à compreensão do trabalho docente em Educação a Distância (doravante EaD).

Para isso, procedemos com a análise e interpretação das representações construídas acerca da atividade

docente que emergiram de um texto proveniente de uma entrevista de instrução ao sósia. Para detectar essas

representações, adotamos um quadro teórico-metodológico que considera o trabalho como uma atividade

humana complexa e, como tal, postula que a mesma deve ser estudada à luz de várias ciências. A nossa

pesquisa está ancorada em dois aportes teóricos: o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) e as ciências do

trabalho (Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade). A partir dos estudos de Vygotsky, esse quadro

teórico-metodológico considera as duas principais atividades humanas – trabalho e linguagem – como forma

de desenvolvimento humano. Nesse quadro, o trabalho é tido como forma de agir humano do qual podem ser

extraídos modelos de agir que se configuram na e pela linguagem materializada em textos orais ou escritos.

O texto objeto de interpretação originou-se a partir de uma entrevista de instrução ao sósia, procedimento

utilizado na área de Psicologia do Trabalho como forma de intervenção e transformação das situações

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concretas de trabalho que vem sendo usado recentemente, no Brasil, como forma de produção de dados

acerca do trabalho educacional. Nesse procedimento, o pesquisador coloca-se no papel do sósia e o

trabalhador entrevistado deve orientá-lo na execução de suas tarefas. No caso desta pesquisa, a professora

pesquisadora realizou a entrevista de instrução ao sósia com um professor experiente em EaD para acessar as

representações/interpretações/avaliações sobre o seu trabalho, bem como compreender como a atividade

desse profissional se constitui. O diferencial em relação a esse método de produção de dados foi o uso da

ferramenta MSN (conversa instantânea), procedimento adotado para o qual também esperamos contribuir,

apontando as suas possíveis vantagens e limitações. A análise do texto produzido revelou as diferentes fases

da atividade do professor em EaD; estas, por sua vez, evidenciaram diferentes conjuntos de tarefas que eram

atribuídas ao professor que, devido à linearidade e cronologia do curso da atividade, assumia diferentes

funções. Foi possível identificar, também, que os diferentes elementos constituintes da atividade do

professor, bem como a forma de organização de seu trabalho parecem ser regidos por normas, regras do

ofício e práticas próprias, que em muito se diferenciam da atividade docente na modalidade presencial,

podendo, portanto, constituir um novo gênero da atividade.

Palavras-chave: Interacionismo Sociodiscursivo; Trabalho Docente; Educação a Distância; Entrevista de

Instrução ao Sósia, MSN.

GOMIDE, Cristiane Guerra dos Santos. O processo metodológico de inserção de jogos computacionais em

sala de aula de matemática: possibilidades do movimento de ação e reflexão da professora-pesquisadora e

dos alunos. 2012. 186p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Regina Célia Grando.

A presente pesquisa buscou investigar como a inserção de jogos computacionais em aulas de matemática

pode possibilitar um movimento de ação e reflexão da professora-pesquisadora e dos alunos dos anos finais

do Ensino Fundamental, numa perspectiva de resolução de problemas. Teve como objetivos: 1) identificar os

processos de resolução de problemas de jogo em sala de aula, com os jogos The Jaguar’s Eye, Diner City e

Yellowout; 2) identificar as potencialidades da utilização dos jogos computacionais Yellowout, para a

mobilização de conceitos matemáticos, em sala de aula e 3) evidenciar o processo de reflexão e ação da

professora-pesquisadora durante o desenvolvimento do trabalho pedagógico. Apresentou-se uma reflexão

teórica sobre a importância dos jogos na educação buscando refletir sobre a cultura lúdica juvenil. Discute-se

sobre a importância da inserção da tecnologia na educação e sobre o uso dos jogos computacionais para a

aprendizagem da matemática a partir da metodologia de Resolução de Problemas. A pesquisa foi

desenvolvida numa abordagem qualitativa em dois momentos: o primeiro foi constituído pelo

desenvolvimento dos jogos The Jaguar’s Eye, Diner City em que tivemos dois trios de alunos que estavam

cursando o oitavo ano do Ensino Fundamental. O segundo momento foi constituído pelo desenvolvimento

dos jogos Yellowout com uma turma com 35 alunos do nono ano do Ensino Fundamental. Os dados

empíricos foram produzidos através de audiogravações, diário de campo da pesquisadora e resolução de

situações-problema escritas. Esta última, especificamente para o segundo momento de nossa pesquisa. As

análises possibilitam desenvolver trabalhos em sala de aula como utilizar os jogos computacionais The

Jaguar’s Eye, Diner City e Yellowout, na perspectiva da metodologia de resolução de problemas em uma

turma de oitavo/nono ano do Ensino Fundamental a fim de mobilizar os alunos para a aprendizagem; o

registro possibilitando a relação entre a Matemática a partir do jogo e a Matemática ensinada em sala de

aula; o papel do professor na mediação pedagógica, as interações entre os grupos de alunos; como também,

suas ações e reflexões durante a ação do jogo; possibilitando trazer para o jogo situações do cotidiano. Os

resultados apontam para a importância da pesquisa do professor sobre a sua prática, assim, ao refletir sobre

suas ações, produz novos saberes com as experiências vividas, além do processo de re-significação da

própria prática pedagógica possibilitando o desenvolvimento profissional da professora que utiliza jogos

computacionais nas aulas de matemática.

Palavras-Chave: Saberes Profissionais. Jogos Computacionais. Educação Matemática.

GRILLO, Rogério de Melo. O Xadrez Pedagógico na Perspectiva da Resolução de Problemas em

Matemática no Ensino Fundamental. 2012. 279p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Regina Célia

Grando.

A presente pesquisa busca investigar de que maneira um trabalho de mediação pedagógica com o xadrez

escolar, em uma perspectiva de resolução de problemas, possibilita a aprendizagem matemática por alunos

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do 9º ano do Ensino Fundamental. Para tanto, elencamos os seguintes objetivos: 1- evidenciar como alunos

de um 9º ano do Ensino Fundamental produzem e/ou ressignificam o conhecimento matemático, em sala de

aula, a partir da prática com o jogo de xadrez; 2- identificar as potencialidades metodológicas do xadrez

escolar, em um movimento de resolução de problemas. Destacamos que essa pesquisa, de abordagem

qualitativa, foi desenvolvida em uma escola de zona rural, do município de Passos/MG, com alunos de um 9º

ano do Ensino Fundamental. Os dados foram produzidos a partir dos seguintes instrumentos: audiogravação

das aulas; diário e notas de campo do professor-pesquisador; cadernos dos alunos; resoluções de situações-

problema (oral e escrita); e registros de jogo. No que concerne a análise dos dados, optamos por desenvolvê-

la a partir de dois eixos, sendo um que considera o xadrez na sala de aula enquanto comunicação oral e outro

que busca evidenciar a potencialidade do xadrez pedagógico por meio do registro escrito. As nossas análises

nos permitiram inferir que o xadrez pedagógico, em uma perspectiva metodológica da resolução de

problemas, possibilitou que os alunos produzissem conhecimento matemático, em um ambiente de jogo. A

comunicação oral e os registros escritos por meio de situações-problema, puzzles, jogos pré-enxadrísticos e

jogo propriamente dito, juntamente com a mediação pedagógica do professor-pesquisador, contribuíram para

identificar as potencialidades pedagógicas do xadrez no desenvolvimento de habilidades como a percepção

espacial, o raciocínio lógico e hipotético-dedutivo, a tomada de decisões, a abstração, a previsão e a

antecipação, dentre outras. Ademais, evidenciam a produção de conhecimento matemático a partir do xadrez,

por meio de um processo de análise das possibilidades de jogo, levantamento de hipóteses, construção de

estratégias, reflexão sobre erros e acertos e criação de problemas.

Palavras-chave: Xadrez; Mediação Pedagógica; Resolução de Problemas; Conhecimento Matemático.

LIMA, Maria Aparecida Ferreira de. O poder da biblioteca nos processo de (in)visibilidade do saber: um

estudo de caso da EJA. 2012. 119p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Alexandrina Monteiro.

O poder da biblioteca nos processos do saber investiga as práticas de organização e acervo em bibliotecas,

para tanto discute os efeitos e mecanismos de legitimação e valorização do campo de saber da EJA. Esse

estudo inicia-se a partir do projeto de pesquisa intitulado “Múltiplas Representações da educação de Jovens e

adultos: professores (as) da rede municipal de Itatiba-SP”, que tem como um dos objetivos a organização de

um centro de referencia de EJA no Município de Itatiba e Região. Desse modo, a nossa investigação discute

algumas das práticas presentes no fazer da bibliotecária, em especial no que se refere as práticas atravessadas

por atividades de classificação e organização do material do acervo. Tais práticas serão por nós analisadas

com o intuito de compreender quais saberes/poderes são nelas mobilizadas. Ou seja, nos interessa investigar

que mecanismos de legitimação e valorização (simbólica no sentido proposto por Bourdieu) circulam em

certas práticas de organização e classificação de trabalhos sobre e da EJA e quais os efeitos que produzem

sobre a consolidação ou não desse campo do saber. Diante disso, somos atravessadas por algumas questões

como: Quais sentidos, significados, valores são construídos pelos modelos de classificação, indexação e

organização de acervos em especial aqueles relacionados a EJA? Qual o lugar ou não-lugar da EJA quando

analisada na perspectiva da biblioteca - aqui entendida como o local de organização e classificação de

saberes legitimados? Como os fios das novas tecnologias se cruzam com as tramas da organização de

acervos de bibliotecas e de centros de referências? Para problematização e discussão de nossa pesquisa,

investigamos a visibilidade ou apagamento do conceito EJA, no Banco de Teses da Capes.

Palavras-chave: EJA. educação de jovens e adultos. Biblioteca. banco de teses da Capes.

MATTIASSI, Rosana Cristina. O plano de ensino no trabalho docente: artefato ou instrumento de

desenvolvimento do professor em um espaço não formal de educação. 2012. 196p. Dissertação (Mestrado em

Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP.

Orientadora: Luzia Bueno.

Esta dissertação tem por objetivo investigar o trabalho docente, mais especificamente mostrar as

representações que os professores têm acerca do Plano de Ensino, documento construído anualmente,

normalmente no início do ano, dentro de um espaço não formal de educação. Desta forma, com nossa

pesquisa visamos mostrar como a construção, o entendimento, a leitura e utilização do Plano de Ensino é

apresentado em textos produzidos em situação de trabalho, por professores que atuam dentro de um espaço

não formal de educação. Para isso adotamos o quadro teórico-metodológico do Interacionismo

sociodiscursivo, como apresentado por Bronckart (1997, 2004a). Além disso, para complementação de

nossas análises, recorremos às Ciências do Trabalho, mais precisamente à Clínica da Atividade (Clot, 1999,

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2001; Faita,2001) e a Ergonomia da Atividade (Amigues, 2004, Saujat, 2004,2005), buscando o

aprofundamento das questões ligadas ao trabalho. A coleta de dados foi realizada numa Fundação que faz

parte do terceiro setor e tem como foco principal de trabalho a educação. Ela conta, atualmente, com sete

unidades educacionais entre espaços consideramos formais e não formais de educação. Esta pesquisa deu-se

dentro de uma dessas unidades considerada como um espaço não formal de educação, que atende

adolescentes de baixa renda entre 10 e 16 anos. Neste espaço, são oferecidas oficinas pedagógicas por

professores que possuem diferentes níveis de escolarização e de forma contratual. Para coleta de dados,

utilizamos a Instrução ao Sósia, metodologia que coloca o sujeito de pesquisa como instrutor de uma tarefa a

ser realizada, no caso desta dissertação, pela pesquisadora. A tarefa solicitada foi a orientação para a

construção de um Plano de Ensino. A análise dos dados foi realizada tendo como base o quadro de

procedimentos de análise do Interacionismo sociodiscursivo (Bronckart & Machado, 2005; Machado e

Bronckart, 2004; Clot, 1999,2001; Faita, 2001; Amigues, 2004, Saujat,2004,2005) estabelecendo um diálogo

entre o Interacionismo sociodiscursivo e as Ciências do Trabalho. Os resultados das análises dos textos orais

construídos pelos professores participantes da pesquisa revelaram o distanciamento entre o que é prescrito

pelo próprio professor no Plano de Ensino realizado na Instrução ao Sósia e entre o que é realmente realizado

em situação de trabalho. Os dados ainda apontam o esforço empreendido pelos professores na construção

deste documento, tido ainda como uma tarefa burocrática para a qual não se sentem preparados porque não

há o domínio deste gênero textual. Além disso, os professores entrevistados não o reconhecem como

instrumento de desenvolvimento, pelo contrário, há marcas de angústias geradas pelo não domínio do

gênero. Em nossas análises, observamos, ainda, que os professores se esforçam para atender as solicitações

da instituição educacional e à sociedade como um todo, que transfere a maior parte da responsabilidade da

boa formação do aluno ao trabalho do professor, desconsiderando toda a complexidade que envolve este

trabalho. Ressaltamos que a construção de documentos que fazem parte das atividades desenvolvidas pelos

professores merece ser mais pesquisada uma vez que é parte constituinte das atividades docente.

Palavras-chave: Trabalho Docente, Plano de Ensino, Instrução ao Sósia.

MENDES, Maria Helena Peçanha. A aprendizagem do professor sobre o trabalho docente com gêneros

textuais: o artigo de opinião no 9º ano do ensino fundamental. 2012. 138p. Dissertação (Mestrado em

Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP.

Orientadora: Luzia Bueno.

A presente pesquisa tem como objetivo específico buscar compreender o trabalho com gêneros textuais tanto

a partir dos produtos, os textos dos alunos, quanto do processo, com as reflexões por escrito de uma

professora. Para isso, procura-se verificar em que medida a aplicação de uma sequência didática provoca

mudanças nos textos de opinião iniciais e finais de alunos do Ensino Fundamental II e, por outro lado, quais

os aspectos do trabalho com uma sequência didática de artigo de opinião são revelados no diário de campo

do professor. Acreditamos que ao trabalhar, explorar e refletir sobre o gênero textual artigo de opinião, o

professor aproxima os alunos de situações originais de produção dos textos não escolares. Essa aproximação

oferece condições e instrumentos para que o aluno compreenda o funcionamento do gênero textual,

apropriando-se de suas peculiaridades e especificidades, o que facilitará o domínio que deverá ter sobre ele.

Além disso, o trabalho com o artigo de opinião contribui para o aprendizado de prática de leitura, de

produção textual, argumentação e de compreensão, habilidades essas que poderão ser empregadas no uso e

apropriação de outros gêneros de diversas esferas de circulação dos textos produzidos na sociedade. A opção

por esta perspectiva proporciona aos alunos a oportunidade de lidarem com a língua em seus mais diversos

usos, ou seja, não são somente aquelas composições escritas tradicionais com a qual se trabalha na

instituição escolar – descrição, narração e dissertação – mas, sim, com o texto que é produzido diariamente

em todos os momentos em que nos comunicamos, tanto na forma escrita como na forma oral, nas mais

diversas esferas sociais. Para tanto, optamos por utilizar a perspectiva do Interacionismo sociodiscursivo de

Bronckart (1999), o estudo de gêneros textuais na escola e sua funcionalidade, de acordo com Dolz &

Schneuwly (2004), os trabalhos do Grupo ALTER sobre o trabalho docente. A metodologia utilizada foi a

elaboração de uma sequência didática, a posterior aplicação da mesma, em seguida, coletamos o material e o

analisamos conforme a perspectiva adotada. Nossa análise nos permitiu elencar quais capacidades de

linguagem foram desenvolvidas, como a linguístico-discursiva, e outras que não apresentaram mudança entre

os alunos, como a capacidade de ação, analisar elementos não comum ao gênero encontrados e tecer

considerações sobre a grade adotada. Além disso, descrevemos em detalhes os modelos de agir, a relação

entre o professor e os alunos, a aplicação da SD e as inquietações e anseios que permearam o trabalho

professor durante a realização da pesquisa. Ao final, elaboramos sugestões ao professor para seu trabalho em

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sala de aula com gêneros textuais, contribuindo, assim, com algumas possibilidades de trabalho com gêneros

textuais em sala de aula.

Palavras-chave: Interacionismo Sociodiscursivo, Sequência Didática, Artigo de Opinião, Diário de Campo.

PEREIRA, Cristiane Cardoso Maia. A formação matemática de professores polivalentes em início de

carreira nos anos iniciais do ensino fundamental. 2012. 116 p. Dissertação (Mestrado em Educação),

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP.

Orientadora: Adair Mendes Nacarato.

A presente pesquisa teve o objetivo de investigar o início da carreira, bem como a formação profissional do

professor que ensinará matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, aspectos sobre os quais se

centram as discussões teóricas. Partimos do pressuposto de que a reduzida carga horária destinada à

Metodologia do Ensino de Matemática no curso de Pedagogia não possibilita ao futuro professor construir

um repertório de saberes profissionais para o ensino dessa disciplina e de que muitos, nos primeiros anos de

docência, tendem a reproduzir práticas vivenciadas quando estudantes. A pesquisa, de abordagem

qualitativa, foi realizada com alunas concluintes e egressas de um curso de Pedagogia de uma instituição

privada do estado de São Paulo e reuniu dados por meio dos seguintes instrumentos: 1) respostas a um

questionário aplicado às referidas alunas; 2) entrevistas semiestruturadas, realizadas com seis egressas do

mesmo curso; 3) observações de aulas de duas professoras no primeiro ano de docência; 4) diário de campo

da pesquisadora; 5) transcrição das entrevistas. Os resultados apontam que essas graduandas, egressas do

Ensino Médio em escolas públicas, trazem experiências negativas em relação à Matemática e avaliam que a

formação oferecida no curso de Pedagogia não lhes deu segurança para ensinar essa disciplina. Duas

professoras em início de carreira viveram dilemas quanto ao contexto de trabalho, e a Matemática ficou

relegada a um plano secundário, pela necessidade de sobrevivência na profissão. Muitos desafios são postos

a esses profissionais: falta de estabilidade profissional; mudanças constantes de escolas e de turmas; falta de

apoio das equipes gestoras e dos pares nas escolas nas quais atuam. Uma das professoras investigadas

revelou indícios de uma postura mais crítica em relação à profissão docente e criou formas de sobreviver,

mesmo em condições adversas de trabalho.

Palavras-chave: Formação docente em matemática. Curso de Pedagogia. Início de carreira.

RODRIGUES, Daniel Santini. A filosofia no currículo do ensino médio: aspectos discursivos nos

documentos oficiais. 2012. 118p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto

Sensu em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Jackeline Rodrigues Mendes.

O processo de discussão e de incorporação da Filosofia no currículo escolar trata-se da reimplantação de uma

disciplina que por muito tempo ficou ausente na maioria das instituições de ensino. Tendo deixado de ser

obrigatória em 1961 (Lei n. 4.024/61) e sendo, em 1971 (Lei n. 5.692/71), excluída do currículo escolar

oficial, criou-se um hiato em termos de seu amadurecimento como disciplina. E embora na década de 1990,

através da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96) se tenha determinado que ao final do

ensino médio o estudante deva “dominar os conteúdos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da

cidadania” (LDB n. 9394/96, art. n. 36), nem por isso a Filosofia passou a ter um tratamento de disciplina,

como os demais conteúdos, mantendo-se no conjunto dos temas ditos transversais. Somente com a lei nº.

11.648, de 2008, que a Filosofia reaparece como disciplina obrigatória no Currículo do Ensino Médio. Sendo

assim, o presente trabalho objetiva discutir as relações de poder-saber que permearam a questão da Filosofia

no currículo do Ensino Médio. Para isso, este trabalho pretende, a partir de uma análise discursiva,

problematizar o movimento relativo à discussão em torno do ensino de Filosofia no Ensino Médio tendo

como corpus de análise os seguintes documentos oficiais: Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei

9394/96) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, no capítulo referente ao Ensino de Filosofia.

Diante desse quadro, o presente trabalho tem como questões norteadoras de pesquisa: Quais as relações de

poder-saber que permearam a questão do ensino de Filosofia no currículo do Ensino Médio? De que forma

estas relações apontam para um tipo de sujeito do currículo? Para a discussão e problematização desta

pesquisa, este trabalho fundamentar-se-á nos estudos no campo do Currículo, numa perspectiva pós-crítica, e

na analítica discursiva de Foucault (1995, 2003, 2008), principalmente com seus conceitos de discurso,

relações de poder-saber e sujeito.

Palavras-chave: Ensino de filosofia. Currículo. Análise discursiva.

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SERAPHIM, Robinéia da Costa. O sujeito entre o desejo e o excesso: a escrita de si por adolescentes em

aulas de arte. 2012. 181p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

em Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Márcia Aparecida Amador Máscia.

Considerando-se o crescente número de problemas enfrentados pelo sistema educacional contemporâneo em

virtude das radicais transformações sócio-culturais, decidimo-nos voltar para a questão da ausência de

limites dos adolescentes. Este trabalho tem como objetivos levantar os efeitos de sentido presentes em relatos

de adolescentes que apontam para a constituição de subjetividades, bem como apontar as suas marcas

discursivas e rastrear qual tipo de sujeito prevalece: o sujeito do desejo ou o sujeito do excesso. O corpus

analisado constituiu-se de relatos de processo de criação em artes visuais presentes em diários de

adolescentes, bem como o produto final desses relatos de processo, ou seja, o objeto de arte. Nossa pesquisa

sustenta-se pelos pressupostos teóricos que embasam os estudos das transformações sócio-culturais, de

pensadores como Hall, Bauman e Lipovetsky. Enquanto isso, Foucault nos mostra o que resta ao sujeito

atravessado por essas transformações em sua terceira fase, a escrita de si. Também valemo-nos de alguns

insights psicanalíticos embasados nos pensamentos de Birman e Forbes para buscar compreender as

conseqüências das transformações sócio-culturais para as mudanças nos mecanismos psíquicos que levaram

os sujeitos a ter uma nova relação com a falta. Para a análise dos dados, velemo-nos dos pressupostos da

Análise do Discurso Francesa de Michel Pêcheux que entende o discurso como uma malha composta pela

história, pela ideologia e pelo inconsciente. Os resultados de nossa pesquisa demonstram que o sujeito da

educação contemporânea é um sujeito ambivalente, que ora é excesso e ora é desejo/excesso. Verificamos,

portanto, que na educação, jamais teremos um sujeito que se mostre plenamente desejante como na época

moderna e como ainda concebe a educação na contemporaneidade.

Palavras-chave: sujeito; escrita de si; adolescência; análise do discurso; arte.

SILVA, Márcia Lázara Pinheiro. Gracejos e artimanhas como Jogos Discursivos na Feira Livre:

Contribuições para se pensar os saberes e os processos de aprendizagem na prática social de venda e

compra. 2012. 96p. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação. Universidade São Francisco, Itatiba/SP. Orientadora: Jackeline Rodrigues Mendes.

A feira livre pode ser entendida na contemporaneidade como um espaço social-educativo não formal,

permeado por saberes, possíveis de denotar significação as práticas educacionais formais. Desse modo, o

presente trabalho, discute como se engendram esses saberes no contexto da feira livre e adota como eixo

norteador as relações de poder-saber (Michel Foucault) por meio do discurso proferido pelo sujeito feirante,

como figura de integração, interação e convencimento na contemporaneidade. Outro fator significativo é

entender como se alicerça essa comunhão de sujeitos, os feirantes, diante das relações capitalistas e da

Globalização que regem as relações sociais, políticas e econômicas na atualidade, e a forma como os sujeitos

feirantes conduzem essa dinâmica para manter a feira livre ávida frente às diversas possibilidades que

acometem todos os sujeitos pós-modernos. E, a partir desse tocante, presenciar a cena e o acontecimento por

meio do estudo etnográfico e pensar a feira livre como uma comunidade alicerçada sob os usos e costumes

(Thompson, 1998) e sobre a prática (Wenger, 1998). Logo, a pesquisa se fundamenta nas teorias pós-criticas

e, na análise do discurso a partir de Michel Foucault e de seus sistemas conceituais sobre o discurso, o

sujeito, a linguagem e o poder-saber.

Palavras-Chave: Jogos Discursivos, Comunidade, Sujeito, Poder-Saber.

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Normas para publicação

I. Tipos de colaborações aceitas pela revista Horizontes

Trabalhos originais relacionados à Educação em suas vertentes históricas, culturais e práticas

educativas que se enquadrem nas seguintes categorias:

1. Relatos de pesquisa, entre 20-25 laudas padrão, especificadas no item IV;

2. Estudos teóricos, entre 15-20 laudas padrão;

3. Entrevistas e/ou depoimentos de pesquisadores e estudiosos de reconhecida relevância no meio

acadêmico nacional e internacional, entre 10-15 laudas padrão;

4. Revisão crítica da literatura: análise de um corpo abrangente de investigação, relativa a assuntos

de interesse para o desenvolvimento da Educação nas vertentes assinaladas anteriormente,

limitada a 15-20 laudas padrão;

5. Resenha: revisão crítica de obra recém-publicada, orientando o leitor quanto a suas

características e usos potenciais, até 5 laudas padrão.

1. Seleção de artigos: originais que se enquadrem nas categorias 1 a 5 acima descritas serão avaliados

quanto à originalidade, relevância do tema, qualidade da produção, além da adequação às normas editoriais

adotadas pela revista. Serão aceitos para análise pressupondo-se que todas as pessoas listadas como autores

aprovaram o seu encaminhamento com vistas à publicação.

2. Critérios relevantes para publicação

a) Ineditismo do material: o conteúdo do material enviado para publicação não deverá ter sido

publicado anteriormente. Os conteúdos e declarações contidos nos trabalhos são de total

responsabilidade dos autores.

b) Revisão por pareceristas: os trabalhos enviados serão apreciados pelo Conselho Editorial, que

poderá fazer uso de consultores ad hoc, a seu critério. Os pareceres dos consultores comportam três

possibilidades: a) aceitação integral; b) aceitação com reformulação; c) recusa integral. Os autores

serão notificados da aceitação ou recusa de seus artigos, sempre que possível. Os originais, mesmo

quando recusados, não serão devolvidos. Revisão de linguagem poderá ser feita pelo Conselho

Editorial da revista. Quando este julgar necessárias modificações substanciais que possam alterar a

idéia do autor, este será notificado e encarregado de fazê-las, devolvendo o trabalho reformulado no

prazo máximo de um mês.

3. Direitos autorais: os direitos autorais dos artigos publicados pertencem à revista Horizontes. A

reprodução total dos artigos desta revista em outras publicações, ou para qualquer outra utilidade, está

condicionada à autorização escrita do(s) editor(es). Pessoas interessadas em reproduzir parcialmente os

artigos desta revista (partes do texto que excederem 500 palavras, tabelas, figuras e outras ilustrações)

deverão ter a permissão escrita do(s) autor(es).

Manuscritos submetidos que contiverem partes de texto extraídas de outras publicações deverão

obedecer aos limites especificados para garantir originalidade do trabalho submetido. Recomenda-se evitar a

reprodução de figuras, tabelas e desenhos extraídos de outras publicações e, se não for possível, o manuscrito

só será encaminhado para análise se vier acompanhado de permissão escrita do detentor do direito autoral do

trabalho original para a reprodução. Em nenhuma circunstância os autores citados nos trabalhos publicados

nesta revista repassarão direitos assim obtidos.

4. Língua: Os trabalhos serão aceitos em língua portuguesa, espanhola, francesa e inglesa.

5. Exemplares: Será oferecido 1 (um) exemplar da revista para cada autor ou co-autor da revista.

6. Notas sobre o(s) autor(es): incluir uma breve descrição (30-40 palavras) sobre as atividades atuais do(s)

autor(es) e sobre a sua formação.

II. Como enviar artigo aos editores

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O trabalho para publicação deverá ser enviado aos editores da Horizontes nos seguintes endereços

eletrônicos:

História, Historiografia e Idéias Educacionais

Profa. Dra. Paula Leonardi: [email protected]

Linguagem, Discurso e Práticas Educativas

Profa. Dra. Jackeline Rodrigues Mendes: [email protected]

Matemática, Cultura e Práticas Pedagógicas

Profa. Dra. Profª. Dra. Alexandrina Monteiro: [email protected]

III. Forma de apresentação dos manuscritos

Os manuscritos serão aceitos em língua portuguesa, espanhola, francesa e inglesa.

Normas de publicação: a revista adota normas de publicação da ABNT.

Formatação: os artigos devem ser digitados em espaço duplo em fonte tipo Times New Roman ou Arial,

tamanho 12.

3.1 Título completo na língua em que o manuscrito foi preparado.

3.2.Título completo em inglês, compatível com o título na língua em que o manuscrito foi preparado.

3.3. Nome de cada um dos autores.

3.4. Afiliação institucional de cada um dos autores (incluir apenas o nome da universidade e a cidade).

3.5. Nota de rodapé com agradecimentos dos autores e informação sobre apoio institucional ao projeto, se

necessário.

3.6. Nota de rodapé com endereço eletrônico.

3.7. Resumo na língua em que o manuscrito foi preparado e que deve ter no máximo 150 palavras.

3.8. Após o resumo, fornecer de 3 a 5 palavras-chave na língua do manuscrito, em letras iniciais minúsculas

e separadas com ponto-e-vírgula.

3.9. Resumo em inglês (abstract).

3.10. Keywords compatíveis com as palavras-chave.

Observação: A Horizontes tem, como procedimento padrão, fazer revisão final do abstract, reservando-se o

direito de corrigi-lo, se necessário. No entanto, recomenda-se que os autores solicitem a um colega bilíngüe

que revise o abstract, antes de submeter o manuscrito. Este é um item muito importante do trabalho, pois em

caso de publicação será disponibilizado em todos os indexadores da revista.

IV. Estrutura do texto

4.1. Notas. Devem ser evitadas sempre que possível. No entanto, se não houver outra possibilidade, devem

ser indicadas por algarismos arábicos no texto e listadas, após as referências, em página separada e intitulada

de Notas.

4.2 Citações dos autores. As citações de autores deverão ser feitas de acordo com as normas da ABNT

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Summary of the Instructions

Subscription of papers

Original papers related to Education in the following perspectives: historical, cultural and educative

practices.

Papers can be written in Portuguese, English, French or Spanish.

1. Format:

· Title;

· Name of the author(s) and affiliation;

· Abstract in the first language – around 150 words;

· Key-word;

· Abstract in another language – around 150 words;

· key-words in another language;

· The text should include: Introduction, Development, Conclusion, Endnotes, and References (according

to ABNT);

· Include at the end the author’s bio-data.

2. The length of the paper should be around 20 pages.

3. Double-spaced typewritten copy (12-point font, Times new Roman, Courier New or Arial).

Papers should be sent to:

Profa. Dra. Paula Leonardi: [email protected]

Profa. Dra. Jackeline Rodrigues Mendes: [email protected]

Profa. Dra. Alexandrina Monteiro: [email protected]

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