homo ecologicus - educação ambiental, ecologia e sustentabilidade

179

Upload: marcelopelizzoli

Post on 22-Dec-2015

126 views

Category:

Documents


41 download

DESCRIPTION

Livro na área ambiental e ecológica publicado pela EDUCS em 2011.

TRANSCRIPT

Page 1: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade
Page 2: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Homo EcologicusÉtica, Educação Ambiental e Práticas vitais

Marcelo L. Pelizzoli1

Caxias do Sul (RS), Brasil: Ed. EDUCS, 2011.(Texto sem revisão final)

Dedicatória

Para Ana Sofia G. P. e Luisa P. da V., meninas da família

Gratidão aos amigos da ONG AMANE coordenada por DorinhaMelo.

1 Filósofo, ecólogo, especialização em Ciência Política, Mestrado em Antropologia Filosófica e Doutorado em Filosofia. Professor do Mestrado em Gestão e Políticas Ambientais, Saúde Coletiva e Direitos Humanos (UFPE); coordenação de Especialização em Bioética, Sociedade e Saúde (UFPE); Laboratório de Filosofia e Café Cultura – PE. Apresentador do Programa Realidades – o cotidiano à luz do Saber, nas Rádios Universitárias AM e FM de Pernambuco. Escritor, autor das obras: A emergência do paradigma ecológico (1999).Correntes da ética ambiental (2003). Bioética como novo paradigma (2007), Saúde em novo paradigma (2010), Ética e Meio ambiente (2013) pela Ed. Vozes. Pela EDIPUCRS: Levinas – a reconstrução da subjetividade (2002). O eu e a diferença (2002). Organizador pela EDUFPE: Cultura de Paz: educação do novo tempo (2008). Cultura de Paz: a alteridade em jogo (2009), Saúde integral (2013), Novas visões em saúde (2013). Contato: [email protected] www.curadores.com.br

Page 3: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

ÍNDICE

Apresentação

PARTE ITEMPOS DE REFLEXÃO E ALERTA

1 - A emergência da (bio)ética: a simbiose necessária

2 - Da utopia tecnocêntrica à utopia Ecológica

3 - Ética ambiental como responsabilidade universal: notas de uma inspiração meditativa

PARTE IITEMPOS DE MUDANÇA: EDUCAÇÃO E AÇÃO

4 - A “METAFÍSICA” DO CONSUMO INFINITO, A BUSCA DA FELICIDADE E A CRISE SOCIOAMBIENTAL

5. O AMBIENTE DA SAÙDE: O ESTILO DE VIDA, A ALIMENTAÇÃO E AS DOENÇAS: ALERTA E NOVAS DESCOBERTAS

6 - SOBRE ÉTICA E POLÍTICAS PÚBLICAS SUSTENTÁVEIS

7 - ÉTICA E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

8. COMUNICAÇÃO NÃO-VIOLENTA (CNV): UMA ÉTICAPRÁTICA PELA EMPATIA E CIDADANIA

9. Educando crianças e adultos: em direção ao Homo Ecologicus

ANEXO

Page 4: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

10. Entrevista com o autor

Bibliografia Geral

*****************

Prefácio

Do homo excludens ao Homo ecologicus

A tarefa de ser sujeito, sabendo lidar consigo mesmo e com omundo (com os outros), diante das conquistas e fracassos, onde mundo(natureza) e si mesmo se confundem, se chocam e se adaptam, é a facegritante e desafiadora da existência – existimos em ambientes desdesempre “estranhos”. O homem é aquele que domestica e se domestica,imerso no confronto com o mundo natural e seus mistérios, em que vidae morte de gerações se misturam. Não há dilema maior do que aqueleque ocorre entre o que se chama de Eu e o que se chama de Outro;acontecimento em grande parte do tempo sem explicações racionais ouprevisibilidade. Todo Contrato Social, acordos interhumanos, dospequenos laços familiares e institucionais aos grandes conflitos entreetnias e Estados, revela a duras penas a crueza e ao mesmo tempo anecessidade vital de lidar com o que se chama de relações e conflitos –humanos e ambientais. O fato de que a espécie humana tem algo de anti-natural, perde-se no tempo. Tal situação, porém, não se opõe ao fato deque o ser humano sobreviveu pela sua capacidade de socialização, deconstituir famílias e grupos, a qual se casa a uma boa (harmônica...)interação com o que se chama de ambiente natural.

O que se chama de ética, tanto quanto normas, leis eordenamentos sociais de todo tipo, revelam o quanto é dramático o lidarcom as diferenças e interesses, suprir necessidades e ao mesmo tempoinstituir uma vida de não-violência, ou seja, a sociabilidade do humanus.Tal situação nunca prescindiu do que se chama de natureza ou ambiente,pois não há vida humana sem habitat, sem ecologia, sem ambiente, ou

Page 5: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

seja, relações e condições, biológicas, alimentares, culturais, políticas,religiosas, econômicas... A Questão que se coloca hoje é: por que osmodelos éticos tradicionais e o desenvolvimento científico excluíram(tornar invisível, fragmentar, relegar, expulsar...) muitas implicaçõesambientais, ou seja, as disposições de excelência na manutenção da vida– saúde, ecologia de sistemas, relações humanas etc...? A casa está emquestão, em crise; o humano se constitui pela capacidade de administrarbem a casa, de “casar”.

Homo economicus... Em tese, como os conceitos de ECO (oikos -casa) e de nomos (lei, organização...) e de logos (sentido, palavra,racionalidade) revelam que a economia é irmã gêmea de ecologia. O homoecologicus que trazemos aqui à tona, pode ser visto, idealmente, como umhomo economicus, não necessariamente no sentido de ser engolido pelasestratégias do mercado ou pelo consumo, mas no sentido de que viveem..., habitando - habitat - ambientes que se moldam pelo modo deadministrar, ordenar, organizar – tudo isto é o que revela a palavranomia, nomos. Por isto, “economia ecológica”, em termos, é redundante,pois, como poderá ser economia se não “economiza”, ou seja, planeja,organiza e executa sustentavelmente a “casa” ? O social determina-sepela economia, mesmo que não se reduza a ela. E aqui, evidentemente, serevela a manifestação dos seres humanos como zoon politikós, como diriaAristóteles, o animal político que somos. Do grego, pólis, significa a cidade,e um lugar em que se encontram os conflitos de interesses, as questões eas necessidades do nível social. O homo ecologicus é um zoon politikós.Todas ou quase todas as dimensões humanas passam pelo âmbito daintervenção e das conseqüências políticas. Há hoje, contudo, um certodescrédito e desesperança, além de perda de energia no âmbito políticoinstitucional; isto precisa ser sanado com urgência, pois algo da essênciainterhumana se consubstancia na política – de bairro, de vizinhança, deassociações, de partidos, de sindicatos, de organizações de todo tipo. Aquestão ainda, tal qual na economia, é: que tipo de política devemosimplementar hoje, diante dos modelos falidos na participação e narealização do bem comum, na nivelação social ? O homo ecologicus, comopoliticus e como economicus, seria, portanto, aquele que procura conhecere implementar modelos sustentáveis, justos e solidários de economia,

Page 6: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

organização política, tanto quando visão libertadora e sociambiental deeducação e cultura em tempos de alienação.

Diz-se que o homem é este ser de cultura; quem seria este Eu semas sementes que se plantam desde a agricultura à cultura artística,filosófica e científica ? O desenvolvimento humano – que se perde notempo e no espaço – a que nenhuma cronologia e nenhuma arqueologiapodem recuperar, deixa no ar grandes incógnitas. Há ao mesmo tempouma sabedoria inestimável nas culturas diversas e locais, que nosfizeram sobreviver em meio a todas as dificuldades. Este cabedal está,em parte, ainda disponível para o mundo moderno; e uma grande parte,foi deixada de lado, por razões que não são apenas de cunho cientifico,mas econômico e (i)moral.

Nos estudos antropológicos e filosóficos, traz-se noções paracercar este grande tema: o que somos (e então, na Ética, como devemosser...). Fala-se então em Homo Sapiens, e Sapiens sapiens, ou seja, aqueleque sabe que sabe, que tem um tipo de autoconsciência. Por outro lado,pergunta-se: a atual história da humanidade confirma esta auto-consciência ? Que tipo de autoconsciência a vida do homem ocidentalcultiva, a ser digna deste nome ? A filosofia Antiga definiu inicialmente ohomem como Animal Rational, indicando que há um patamar evolutivomais alto do racional sobre os irracionais (animais etc.). O que o homemda racionalidade ocidental faz hoje com os irracionais? O que será que osanimais, se pudessem falar, diriam aos homens ? A Racionalidade quecria lugares de cultura e cuidado tem sido a mesma que cria as doençasambientais e as bombas e armas de todo tipo. Mais perturbador ainda é aperspectiva moderna em torno do indivíduo, do ego cogito, do sujeitoracional, com uma ênfase na vida psíquica que tem seu centro na forçado domínio das coisas e poder sobre as pessoas. Sabemos doravante oquanto o racionalismo é limitado para lidar com os problemas sistêmicose complexos, emocionais e imponderáveis do humano. O jogo desafiadore aberto da vida não se entrega de fato aos métodos científicos oufilosóficos. Isto serve não apenas para a chamada “realidade material”,mas também a realidade psíquica, subjetiva e mental - tanto quantosocial.

Quem sou eu, quem é o mundo que me rodeia, quem são osdeuses (Deus) ? Sócrates colocava ao fundo de todas estas questões o

Page 7: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

mesmo enigma da esfinge na estória de Édipo: quem é o animalhumano ? “Conhece-te a ti mesmo...”, a saber, quais são os limites dohomem. Este o que e quem evoca o “como”: como vivemos ? Como fazermelhor? Como conhecer ? Como ser no mundo da melhor forma possível(sustentável...)? Tal nos pesa porque não se trata apenas de umapergunta e resposta filosófica, abstrata e de inquietação teórica, poismuitas vezes levamos a vida prática de forma boa e adequada sem noscolocarmos grandes questões metafísicas. A vida é muito prática, eultrapassa sempre nossas especulações. Talvez quem complique as coisasnão seja a visão ecológica e complexa, mas os que não aceitam uma vidasimples, um vivere parvo; o “pequeno é belo”. A ânsia que motiva oprogresso a todo custo liga-se a um desejo de expansão do ego até aexaustão - para tanto se precisa de uma certa cegueira.

Quem sabe o ideal seria um Homo Ludens ? Certamente, seríamosimpensáveis sem o jogo livre, a brincadeira, a leveza, típica da criança.Mas, como brincar em tempos de rigidez, de sufocamento das diferenças,de exclusão socioambiental ? Relata-se que muitos dos grandes mestresespirituais e sábios da humanidade tinham senso de humor, uma levezafundamental ligada à natureza da liberdade-liberação - o Ego pode pesarbem menos e as emoções negativas (ou mesmo o chamado “pecado”)perdem sua força. Freud apontou como sinal de saúde mental ajocosidade, e o saber rir dos próprios dilemas do nosso ego. Também,nos encontros de diversão, ou de humor, sabemos bem a importância debrincar, como as crianças. O teatro nos ensina sobre como fazer a catarsedo peso da vida e das mortes dolorosas; ensina que tudo são papéis;surpreendentemente, há uma lucidez no lúdico. Quão carentes e pesadossomos nós sem o Homo Ludens !

Por outro lado, quase tão antigo quanto o social, são asmanifestações deste em torno do que se chama o aspecto religioso davida, ainda tão presente mesmo em tempos pós-modernos. Fala-se entãoem Homo spiritualis. Quão profundos e quão belos exemplos desta formade sabedoria humana, em direção ao que se chama de transcendência,encontramos na história e nas diversas culturas. Ao mesmo tempo,quantos fiéis, religiosos ou tementes associaram-se ao poder e aomaterialismo espiritual ? E, bem pertinente ao tema: quantos destesexcluíram os seres não humanos das suas considerações ou interesses

Page 8: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

morais, ou seja, tomam a natureza natural como coisas sem valorintrínseco, sem interesse vital próprio? As lutas e preconceitos que seerguem em nome de dogmas religiosos revelam inflexibilidade ourigidez de um corpo ou psique que não brinca mais, perde a leveza e acapacidade de considerar a diferença, própria do amar; altera-se aautoconsciência devido à imagem exacerbada ou pecadora de si mesmo,o que atinge a consciência e recepção da alteridade.2 As religiões têm umpapel fundamental para salvar a humanidade hoje, do inferno real que seestá construindo, as vezes até com o apoio da hipocrisia do“materialismo espiritual”3.

De todas estas categorias antropológicas, talvez a que hoje maischame a atenção é o Homo faber, o grande fazedor, pelos seus feitos eefeitos, principalmente depois das revoluções científicas e industriais: osujeito e paciente da sociedade industrial de consumo. O encetar destahistória é tão intenso que podemos falar num verdadeiro homoconsumens. O mercado sempre fez parte da cultura humana, mas, nosúltimos tempos, é preciso perguntar: como ser menos ou mais do quecidadão do consumo, e se sentir incluído não só por poder comprar edescartar ? Consumir de modo veloz, intenso e insustentável torna-sehoje não apenas um ato indireto, instrumento para algo, mas umverdadeiro modo de ser, ou seja, há uma metafísica ou essência que fazdo homem modernizado um homo consumens, e adquirindo aí seu sentidode ser e existir. Provavelmente, este materialismo crescente aumenta como desespero e com a incapacidade de encontrar sentido humano-social eambiental para a vida, vida simples; novamente, seria uma incapacidadepara viver a dor e o amor ? Mas buscar a transcendência, típica daperegrinação humana, requer ir além deste mergulho materialista; é poristo que a riqueza apenas não nos basta, não nos tira da misériahumana/espiritual.

2 A característica de algo ou alguém Outro continuar sendo Outro, diferente, e ter vida e dignidade própria. O outro na sua alteridade; o mundo como estranheza, para além da lógica do Eu ou do Gueto.3 Sobre isto leia-se a excelente e provocadora obra “Para além do Materialismo espiritual”, de C. Trungpa.

Page 9: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Homo naturalis, o que seria e o que desejaria este conceito ? Épossível falar em “volta à natureza’ dentro da natureza humana (social) ?Será possível pensar ainda na reconciliação entre Sociedade e Natureza,entre Cultura e vida selvagem ? Seria este conceito, tomado de formanaturalista genérica, abstrata, que representaria o ideal de um Homoecologicus ? Aqui estamos numa seara “pantanosa”, pois os conceitostraem os significados, e revelam um modo de ser em cada tempocultural, político, econômico, dado a mudanças. Por exemplo, setomássemos os conceitos de Cosmos (harmonia dinâmica, beleza,universo), de Physis (natureza viva...), de Oikos (eco...) e Ethos (morada,ética), inspirados no tempo de Platão, podemos ficar admirados pelaforça cosmológica e de unidade, interdependência de fatores e elementosque fazem parte hoje de uma concepção ecológica e sistêmica da vida.Contudo, é necessário educar para uma esfera simbólica de inserção eum imaginário cultural a ser reconstruído para o nosso “órfãoambiental” – aquele que perdeu o cosmos; mas, como recuperá-lo, já quenão se pode voltar a tempos idos ? Para não ficar na crítica negativa e naabstração e na moral de boas intenções, se exige que conheçamos asalternativas pontuais e concretas em que “um outro mundo é possível”,já que a todo tempo as mudanças pedem para ser instauradas, por bemou por mal.

Os dilemas e ambiguidades conceituais, lógicas e teóricas dasquestões antropocêntricas, ou biocêntricas, os dilemas de se definirnatureza e natureza humana, bem como a extensão da degradaçãoambiental, não deve ser motivo para postergar e abstrair a questão porexcelência: como realizar a sustentabilidade nos atos diários e políticos esobreviver em tempos de crise humana e ecológica, melhor dito,socioambiental ? Que ponto nos levaria ao salto de qualidade, de fé, sejaqual for (salto quântico...), para uma reversão dos processos dedegradação e a constituição de uma razoável e sensível cultura de paz eequilíbrio socioambiental ? Seria apenas uma questão de aprimoramentotecnológico, desenvolvimento sustentável dentro do modelo doindustrialismo e mercado na atual globalização? Qual a orientação paraas instituições e organizações, que governam nossa vida social, pautadasainda por demais no poder, no dinheiro e na visão individualista?

Page 10: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Deve ficar claro aqui que não se pode negar a validade da análiseque diz que o homem é desde muito tempo Homo Tecnicus e entãotecnologicus. A técnica se confunde com a cultura humana, ou seja, com oque somos. Muitas análises se fazem em torno destas questões (naFilosofia em M. Heidegger, H. Jonas, Escola de Frankfurt etc.; naEcologia Profunda em Arne Naess, M. Serres, L. Boff, F. Capra, J. Macyetc.). Não obstante, é necessário pensar a essência da técnica moderna,diferente da Antiga. A primeira leva a processos de objetificação juntocom um cartesianismo metodológico vigente na abordagem da vida –como podemos ver bem na biologia, na agricultura moderna e nomodelo biomédico mecanicista e fragmentário4. È possível falar hoje emciência voltada ao bem comum e sustentabilidade, e livre de interesses ?Como falar em ciência fora do âmbito da tecnociência cooptada peloMercado ?

Tais questões apontam para o que considero os três pilares ou otripé da mudança socioambiental, extensível a outras mudanças nomundo moderno. O primeiro pilar é o padrão de validação científica eacadêmica dos paradigmas em jogo; trata-se de uma discussãoepistemológica crucial para perceber como os aspectos de exclusão sociale ambiental penetram e se reproduzem nas práticas tecnocientíficas, nasacademias e em institutos de pesquisa. Considerando-se que um cientistaou profissional tenha superado obstáculos da objetificação (mecanicismo,fragmentação, reducionismo etc.), trata-se, no segundo pilar, do embatepolítico e financeiro, pois o mercado e os interesses comerciais têmpassado por cima dos interesses do bem comum e da manutençãosocioambiental; precisamos assim mudar instituições ou criar novasdentro de novos paradigmas. O terceiro pilar, essencial, diz de um olharmenos material ou técnico: trata-se da ética, incluso aqui a estética(sensibilidade...) - disposições humanas que nos permitem ter coragemde agir em tempos difíceis e manter firmeza de propósitos em meio àdissolução de valores tradicionais. Tal nos permite olhar para as criançase seus futuros em jogo, e, agir. “Viver como se fôssemos a últimageração” – eis o receio mor, de nomes como José Lutzenberger, ícone daecologia brasileira e mundial. O que acontece a um, reverbera a outros.4 Sobre isto confira as obras por nós organizadas: Bioética como novo paradigma e Saúde em novo paradigma (Ed. vozes).

Page 11: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Homo ecologicus: buscar a dimensão de ser humano sistêmico,visto sob a perspectiva da integralidade, ou seja, da necessidade urgentede integração de faces, dons, disposições humanas essenciais,socialização e ecologização do estilo de vida. Aqui, apresenta-se omomento ou instância em que o humano encontra o húmus, a terra fértil.Não há fórmulas nem teorias nem boa intenção ética que digam ouimponham o que é exatamente esta integração, este encontro dasunilateralidades, pois trata-se aqui, reconhecemos, de um postuladogeral e regulador, como um convite ético, mas que visa a entrada naexperiência a que o leitor será convidado a fazer a partir das teorias emodelos práticos aqui relatados. Não podemos mais nos esconder naexclusão, no acordo silencioso de violação da vida.

O homo ecologicus não seria aquele que encontrou a verdade finalda vida ou do sentido da natureza e do humano, mas o que se permitefazer uma experiência (ex = fora / peiras: limite...) do novo tempo, de umnovo paradigma, ainda em experimentação. Nossa proposição somenteserá entendida neste campo de impermanência e transformaçãoparadigmática de valores, tanto quanto de idéias, e mais ainda nosso“sentimento interno bruto” – o mal estar de uma civilização, como diriaFreud. Ou seja, para entender é preciso vivenciar algo, e a vivência o étambém de cada um com suas peculiaridades; paradoxalmente, aqui setrata de um resgate dos antepassados, das tradições no que elas nosconstituem, e ao mesmo tempo a coragem do novo. O ecologicus é,portanto, aquilo que põe em xeque toda categorização, mas ao mesmotempo participa da contradição geral de ter que tomar posição e escolherdeterminadas teorias – visões de mundo – e principalmente as práticas,pois vive no contexto local e global e na historicidade do tempo emandamento.

O homo ecologicus seria também um ser comunitário, que resgatauma educação libertadora e autonomizadora dos processos interativos,positivos e que fazem crescer (inter)humanamente os sujeitos. É aqueleque se coloca como meta, entre outras, o desenvolvimento da capacidadede amar, de tomar para si responsabilidades ao seu alcance; que arrisca,que se expõe em meio a um mundo sonolento e drogado pela Matrix,pela normose – o veneno da normalidade social e ambiental em pleno

Page 12: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

tempo de crise global e integrada. Tempo de “avanço” assustador datecnociência..., e tempo de guerra, tempo de doenças e degradaçãoambiental, acontecimentos deveras acoplados. Fala-se muitogenericamente e demais em “Ser Humano”. Abstração ? Quando se tocanisto, seria necessário ao menos lembrar a estória clássica que nos evocao sentido etimológico da palavra humano, através da fábula de Higino (64a.C. – 17 d.C.) que relata a arte de Cuidado como centro da vida humana:

"Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço debarro. Logo teve uma idéia inspirada. Tomou um pouco de barro ecomeçou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava o que havia feito,apareceu Júpiter. Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O queJúpiter fez de bom grado. Quando, porém, Cuidado quis dar um nome àcriatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse impostoo seu nome. Enquanto Júpiter e o Cuidado discutiam, surgiu, de repente,a Terra. Quis também ela conferir o seu nome à criatura, pois fora feitade barro, material do corpo da terra. Originou-se então uma discussãogeneralizada. De comum acordo pediram a Saturno que funcionassecomo árbitro. Este tomou a seguinte decisão que pareceu justa: Você,Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito porocasião da morte da criatura. Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá,portanto, também de volta o seu corpo quando essa criatura morrer. Mascomo você, Cuidado, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficarásob seus cuidados enquanto ela viver. E uma vez que entre vocês háacalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura seráchamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa ‘terra fértil’”.

O que ocasiona, hoje, a falta de cuidado? Se fosse preciso escolherum obstáculo sério ligado à questão ambiental, escolheríamos o fosso oudicotomia - abismo aberto pelo desenraizamento de dimensões culturaistradicionais diante do mundo da artificialidade excessiva - que fazperder a raiz de onde vem e em que implica cada ação humana; porexemplo, consumir uma simples mas deletéria lata de Coca-Cola, ou ospseudo-alimentos em lojas de Mac Donald e assemelhados.

De origem, não poderíamos falar em “crise da ecologia, defendera natureza, proteger o verde, conservar o ambiente...”, lamentáveischavões, mas, antes, falar em questão sociológica, político-econômica,

Page 13: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

estética (sensibilidade) ou até ética, sendo que o resultado negativo epositivo de todas as áreas (na visão integrativa, o saber ambiental defato) compõe o que se chama questão ou crise ambiental. Observemos:haveria problema maior que este ? Talvez não. Trata-se de uma visão demundo dominante, acoplado a modelos educacionais e científicos e deum modus cultural que exclui ou enterra modos de vida quechamaríamos sustentáveis. A isto é somada a necessidade preconceituosade nomear e classificar em caixinhas limitadas as visões e açõesambientais, em geral por parte de críticos ao ecologismo; eis um dospontos que atuam contra a mudança de atitudes e a transição para onovo paradigma. Também, é comum ouvirmos críticas ao paradigmaecológico, como sendo radical etc, porque aquilo que é pedido para ummundo socioambientalmente sustentável e ético parece tão ameaçador aocomodismo da vida burguesa que seria melhor deixar o preconceito falarmais alto, e negar fatos e mudanças urgentes. Eu chamaria isto de“falácias dos críticos ao movimento ambientalista”.

Mas é preciso pensar mais fundo. Por que muitas pessoas nãoadotam posições de um homo ecologicus, não se sentem em casa, em suasvidas ? Os textos que compõe este livro que ora apresentamos tentamexplicar um pouco disso, e também apontar algumas alternativas davisão sustentável, com foco na área do desejo de consumo, das doenças eda saúde integrativa, da resolução de conflitos, da política pública, daecologia profunda e da bioética como novo paradigma e comomovimento, do aspecto filosófico da questão, e uma série de proposiçõesligados a isto.

Homo ecologicus é pensar as crianças e sua educação, pensá-las/cuidá-las desde que vêm ao mundo, ou seja, no parto ecológico,aquele que é feito de modo natural, em especial acompanhado departeiras, e dando oportunidade à mãe a produzir ocitocina e endorfinas,hormônios da ligação amorosa com o bebê, ambientada adequadamente,estabelecendo uma relação mais integrada5. Para tanto, é necessária umaopção básica das mães por uma alimentação e prática de vida o maisnatural possível. O aspecto ecológico é percebido fundamentalmente

5 Cf. Michel Odent, Genèse del’homme écologique. Paris: Epi, 1979.

Page 14: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

desde bebê, no contato com o ambiente natural, animais, frutas, plantas,terra, brinquedos ecológicos e criativos, fundados certamente dentro deum ambiente familiar acolhedor. Quiçá estaríamos entrando no tempodas crianças do novo tempo; isto contudo depende de nós adultos, aconstrução deste novo patamar no desenvolvimento da humanidade, osujeito planetário, o que se encontra em/como casa.

O homo cordialis talvez seja outro sinônimo para o ecologicus,aquele que busca agir com o cor ou cordis, com o coração, sabedor que amaior inteligência talvez seja a emocional. Con-cordar com a natureza,fazer acordos a valorizar e sentir o outro, mesmo os seres não humanos,é uma nova coragem de ser em tempos de excessos, artificialidade e crise.

Em meio a todas estas categorizações, não se pense que temos umconceito fixo de natureza humana, imutável. É necessário pensar ohumanus dentro de uma perspectiva de evolução, mesmo que lenta. Hojenos parece mais rápida, devido à velocidade da mudança cultural; istopode nos dar mais ânimo no reconhecimento de que nada permanececomo achamos que será pelo fato de que está assim agora ou “sempre foiassim”.

Vale a pena referir, ainda, que Edgar Morin fala num homocomplexus. Validamos esta perspectiva no sentido da integralidade, damultiplicidade, da interdependência de fatores humanos, e ambientais,ao novo modelo de ciência transdisciplinar, enfim, às posições da teoriada complexidade em jogo. Isto está casado com a busca da simplicidadede vida, da desaceleração, do enraizamento à terra, do estar presente acada momento na vida, para não ser engolido pelo desejo sem fim nasociedade de consumo.

Não poderíamos esquecer também do Homo Bellicus. VerdadeiraSombra aterradora que acompanha a pretensa luz da Razão e doProgresso vigente. Nos últimos séculos, a história contabiliza mais de 25mil guerras e conflitos bélicos. Não cremos, porém, que a violência possaser considerada naturalizada; a agressividade talvez sim. É fundamentaldesconstruir a violência como algo natural, como essencial ao serhumano, e pensar as perspectivas culturais, as crises e o contexto de dorque leva os sujeitos a guerrearem, até contra a própria consciência social.O homem sombrio que somos, belicoso, Homo demens; não se trata de o

Page 15: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

afirmar para acusar e se retirar do problema; antes pelo contrário, atomada de consciência é o fundamental aí. Se não tenho consciência domal que faço habitar e que nos habita, somos arrastados pela suareverberação, sua força dolorosa. Aquilo que não fazemos aflorar àconsciência e trabalhar, pode vir a nós como destino, arrasador, diriaJung.

Portanto, fique claro que se trata aqui de ecologia, do ambiental,como modo de vida, como qualidade vital, como harmonia dinâmica,como relação social, cultural, política, econômica, etc. Não se trataapenas de defesa do ambiente natural, algo verdizante e reducionista,pequenas proteções em meio à grande exclusão socioambiental. O homoecologicus busca consciência e transform-ação, deseja perder aingenuidade e o medo, quer cuidar de sua Sombra, viver a coragem deconfrontar o seu tempo, busca aprender a amar, ou seja, incluir.

O texto que hora apresentamos trilha dois caminhos interligados:um de reflexão constante e crítica do que estamos vivendo, outro, ooferecimento de nova consciência e de modelos de ação no mundodentro de algumas áreas ou práticas sociais com capacidade paramodificar situações. Trata-se portanto de saber Ver, saber Avaliar, esaber Fazer. O leitor perceberá por si o quanto as dimensões da política,da filosofia crítica e bioética, da saúde integral, da resolução de conflitose da educação que a tudo permeia compõe uma mesma dimensãocomplementar. Eis o ecologicus.

PARTE I

TEMPOS DE REFLEXÃO

1 - A emergência da (bio)ética: a simbiose necessária

Estar ciente das grandes mudanças histórico-culturais de nossotempo é tarefa urgente da sociedade organizada. A mais importante

Page 16: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

tarefa social da ciência e das humanidades hoje são os desafios da Ética,o sentido de nossas ações, as novas possibilidades diante dos rumosditos inevitáveis da sociedade de consumo no capitalismo. É devido àssuas intervenções econômicas catastróficas e imprevisíveis enfrentadashoje que a tradicional Moral dá lugar aos poucos à “bioética”, em vistados dilemas socioambientais dantes impensáveis, como o efeito estufa(aquecimento global) e a crise da saúde das populações. Por quedefender os seres não-humanos ? Por que deixar de intervir na essênciahumana, psicológica e biológica, genética, para transformá-la ? Por quenão levar a manipulação atômica a todas as suas possibilidades ? Por quenão desenvolver a indústria com todos os meios do progresso materialilimitado ? Não somos nós deuses na terra a ser dominada ? Por acaso amedicina tecnológica não irá curar as doenças ? São perguntas, hoje,obsoletas e ingênuas, além de perigosas, pois reveladoras de um tempode crença positivista ou cega no progresso. Contudo, continuam a ecoar emdiscursos políticos e oficiais, pregando “crescer a todo custo”. Mas comalto custo. É aí que se avolumam os alertas éticos, ecológicos, dentro daBioética. Por que a voracidade no consumo de tudo ? Estamos numaencruzilhada: ou criamos maior simbiose - união com as leis da Natureza- ou teremos sofrimento ainda maior da espécie humana.

O novo paradigma - padrão de olhar e valores – pode serchamado de Bioético. Não apenas como mais uma moda. Ele evoca ummovimento social e de consciência diante dos franksteins produzidos pelatecnociência, diante dos efeitos biológicos e psíquicos da tecnologia,diante das intervenções antrópicas fragmentárias com grande efeitocolateral, no ambiente complexo e de alta interdependência chamado deNatureza (natural, construída, corporal e inter-humana...), diante daresposta da natureza tornada “praga”, doenças, efeito estufa, seca,contaminação, iatrogenia e uma gama de reações, fruto da artificialidaderápida do “progresso” em seus aspectos obscuros. Que novos efeitosesperar ?

A Bioética como novo paradigma, o da era ecológica, no sentidoque já o mentor (Potter) do termo queria dar: “ética da Vida, união dohomem com a ecosfera”, evoca o movimento do espírito de um tempo, quetem nas mãos o destino da geração atual e futura. Não se trata apenas detom apocalíptico, mas de compreensão profunda do poder retido nas

Page 17: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

mãos de “senhores” do destino apoiados por massas fascinadas. Aeconomia de mercado pautada na noção de progresso material ilimitado ede intervenção humana sem pudores põe-se hoje como este fascínio,pregado como único modo civilizatório, como futurismo tecnocrático,onde todos, por fim, reencontrar-se-iam com seu sentido projetadodentro de um programa de computador que os guiam: a verdadeiraMatrix disseminada, a nova mente mecânica que não precisa pensar,protestar ou sofrer por amor.

Por outro lado, surge a questão dos Direitos humanos, surge ohabitar sustentável na Ética ambiental (“ecologia”), surge a afirmação dofeminino e da mulher, quiçá outro modo de pensar o civilizar-acolherhumano; surgem os movimentos alternativos, os movimentos sociaisengajados, culturas locais, a arte contemporânea arrebenta os padrõespositivistas, a psicanálise deflora o Desejo e o Inconsciente para além dasidentidades maquínicas, a humanidade começa a gritar: um outro mundoé possível! Sim, bioética como novo paradigma nada mais é do que oapontamento de um novo tempo, de reconhecimento de rumos tortos,interesseiros, dilapidação do ambiente natural e construído, de ameaça àessência humana pela via cultural, mas também pela via genética. Não émais cabível tomar o ser humano por meio e mero uso em vez de fim edignidade sagrada. Brincar de Deus tem produzido um apartheid social eambiental sem precedentes, bem como impactos socioambientaissentidos por nós a cada dia, em nossa precária saúde, em nossaqualidade de vida. Ser humano é ousar sim, avançar, progredir, crescer;não obstante, para onde e para quê ? Para ser feliz... Tecnologia para serfeliz ? Pílulas da felicidade ? Comumente, quem é feliz vive com amor ousabe amar, e lutar. Por conseguinte, progresso, verdadeiro, é amar,amizade, felicidade, solidariedade, usufruto da natureza equilibrada,alimentação adequada, vida sem estresse, ser humano respeitado,aceitação do outro, medicina promotora da saúde e não a indústria dadoença, não a engenharia de órgãos nem a aplicação de técnicasfragmentárias.

Como nossas instituições sociais, mormente a Saúde e aurbanidade, têm priorizado tais fins humanos ? Que impacto tem emnossa consciência a precariedade dada nas doenças da pobreza, e mais,das grandes doenças causadas pela riqueza, ou acumulação dela ? Quais

Page 18: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

os direitos das gerações futuras ? Somos máquinas nas mãos de médicos-mecânicos ou seres afetivos-simbólicos culturais ? Somos passíveis demelhoramento genético ou é melhor investir mais no progresso humano-pessoal ? Somos controláveis por drogas ou quem sabe precisamos maisé ser amados e incluídos ? Nossos filhos podem ser cobaias? Alguém temdireito a nos fazer de cobaias para novas drogas e alimentos? Nossosfetos podem ter apenas função de produzir tecidos ou peças ? Devemosengolir transgênicos e aditivos “guela abaixo”? Qual o impactoeconômico, ambiental e social disso tudo ?

Enfrentando o“Frankenstein”: a Bioética

Nas últimas décadas, as nossas cidades, o estilo de vida, oconsumo e a forma de se relacionar com as coisas e a vida mudoudramaticamente. A tecnociência criou um fascínio por coisas novas quese podem usar e abusar. Veio uma avalanche de equipamentos, aditivosquímicos (na alimentação: de 50 para mais de 1000, em 40 anos),celulares, eletrônicos, inseticidas, refrigerantes, pilhas, agrotóxicos,enlatados, carros, pneus (900 milhões por ano) peças de todo tipo,eletrodomésticos, apetrechos infindáveis... Enquanto um indígenayanomami precisa de menos de 70 tipos de utensílios para toda sua vida,o homem urbano de elite pode chegar a 7.000 ! Ao lado disso, montanhasde LIXO, poluição, degradação ecológica, ataques à qualidade de vidaetc.

Na área da Saúde e Ambiente, vemos as mudanças maissurpreendentes. Tínhamos a questão do aborto e da eutanásia, masagora temos muitas outras: bebês de proveta (laboratório), bancos desêmen de pais mortos, clonagem de animais, pesquisas com embriões epartes dos seres vivos; o ponto central: manipulação genética – alterar ocerne biológico do corpo, o código genético de plantas e animais(incluindo o ser humano). Daí os polêmicos transgênicos, tecnologia decultivos a qual é posse de pouquíssimos donos no mundo; é cara eameaça a autonomia do pequeno agricultor (a economia dos paísesfracos), bem como ameaça os cultivos tradicionais/naturais, sem falar naquestão da dúvida quanto a impactos na saúde do consumidor.

Page 19: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Nos anos 60, filósofos, ativistas, ecologistas, e alguns cientistascomeçaram a denunciar os efeitos negativos da técnica unida com aciência alimentando o modelo capitalista explorador e sua sociedade deconsumo infinito, que degrada a vida social e natural. Eles começaram acriar uma nova visão, sensibilidade e ação, uma contracultura. Defendemos direitos humanos, os direitos do paciente, dos animais, da natureza,dos pobres, das mulheres oprimidas, dos fracos, e pregam um modo devida ético, ecológico e verdadeiramente humano. Neste contexto é quesurgiu a BIOÉTICA, a ética da defesa da Vida, da essência humana, dasaúde equilibrada, do modo de vida comedido e simples, dosmovimentos “alternativos”, tudo isso contra os abusos dos“Frankensteins”. Este ser é parte monstro parte homem, umaaberração/deformação criada por um cientista, numa experiênciaplanejada mas inesperada. Hoje, médicos, químicos, pesquisadores,industriais, agentes de laboratório e até professores criam essas criaturas,quando por exemplo nos envenenam com excesso de medicamentos,alimentos quimificados e industrializados, aditivos artificiais, inseticidas,descartáveis, pilhas, equipamentos impactantes de todo tipo, um montede supérfluos, gastos de água e energia desmedidos, automóveis e seuspoluentes etc. E até a carne (a pecuária destrói as matas, o boi produzmetano que é um dos gases do efeito estufa – aquecimento global –favorece doenças como o câncer, cardíacas e muitas outras, ele toma oespaço de áreas que poderiam ter grãos e vegetais; o gado é tratado comcrueldade, existem algo como 200 milhões de cabeças no Brasil !).

A Bioética ficou mais conhecida na área da Saúde por lutar contraas experiências cruéis e fatais feitas com milhares de seres humanos comas pesquisas médicas, tal como se faz com ratos. Também pelotratamento desumano de muitos médicos com procedimentos técnicoserrôneos ou mesmo frios. Mas na origem do termo, criado por R. Potter,ela é a crítica da avalanche da tecnociência em nome da ética, e a buscade um mundo que respeita a Vida acima de tudo, uma ética planetária. Éum olhar, uma consciência, uma sensibilidade e depois uma Ação, porvezes barulhenta, outras silenciosa, que está tentando fazer ahumanidade caminhar para o tempo ecológico, da defesa da natureza,dos direitos humanos, dos movimentos alternativos, medicina natural eagroecologia, por exemplo.

Page 20: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

A Bioética, na Saúde, criou centenas de Comitês de Ética emPesquisa (CEP) nas universidades e centros de pesquisa, que procuramcontrolar as pesquisas com seres humanos para evitar abusos antiéticos.Porém, isso é um pequeno passo. O passo maior é quando nós, povo,vamos atrás das informações, e chegamos até a consciência crítica e asensibilidade de ser tocado pela violência: a degradação social (riqueza Xpobreza) e ambiental (consumo e capitalismo X equilíbrio e socialização),e então decidimos agir: boicotar o antiecológico e o consumo degradantee as corporações que só pensam no lucro, e optar conscientemente pelosimples, pelo menos, pelo orgânico, pelo ecológico, pela cidadania, peloespiritual, enfim, pela Vida em todas as suas formas. Mas, até onde vocêconsegue evitar os “frankensteins” e agir de modo (bio)ético ? Muitodisso depende de você leitor, pois estamos no período de transição doanti-ecológico para o olhar ou “paradigma ecológico”.

São apenas algumas questões bioéticas, que evocam não apenasos imensos desafios que nos esperam, mas revelam o atual espírito dotempo, de um prisma inadiável para a humanidade, postura de defesasocioambiental, um paradigma pautado mais na ética do que no lucro,uma autêntica racionalidade “Bio-ética”.

O Alerta Global – por uma ética ambiental

Uma avestruz, quando tem medo, mete a cabeça sob a terra, e dámargem a ser devorada por predadores. O mundo ocidental, pós-Revolução Científica e Industrial, e o malfadado capitalismo (doeurocentrismo branco ao american way of life), tendo “vencido” o mundoprimitivo, chamado de “selvagem” (como os “índios”), conquistando aLua e parte da matéria e da energia, vê-se em processo autofágico (auto-devoramento). Tal processo emerge a cada dia de uma série causalcomplexa de degradações constantes, que se assomam num continuumque reverbera por muitos anos depois de ocorrida uma ação. A exemplode um lixão, que mais tarde compromete toda uma região de lençóisfreáticos, ou a exemplo de um consumo inconsciente com alimentaçãoartificial e quimificada, que em alguns anos gera um câncer ou uma sériede doenças degenerativas (há uma “epidemia” delas hoje).

Page 21: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Demorou longos anos para que o establishment, a oficialidade dopoder (Governos, G8, por exemplo) aceitasse, a duras penas, a verdadeinconveniente de que estamos num caos crescente social e ambiental (usoa palavra socioambiental para indicar que é um só processo). É claro que,daí para a prática, “são outros quinhentos”. O alerta começou a ser dadono início do século XX, tendo como marco especial nos anos 50 a ameaçaatômica global, e depois os colapsos ecológicos espelhados nas crisesenergéticas, de recursos, lutas por territórios, água, migrações depopulações inteiras por questões de carência de recursos, problemasgraves de saneamento, mortalidade, e qualidade de vida comprometidadevido a condições de poluição em geral, alimentação precária eartificial, uso de inseticidas, agrotóxicos, e uma gama de outroselementos agregados deletérios. Tudo isso a demandar quantidadescrescentes de energia e materiais (natureza). Estamos nos encaminhandopara o auge desta crise. O estopim disso se chama Aquecimento Global.Entender isso apenas como aumento de temperatura do planeta é umreducionismo inaceitável, mais ainda por parte de pessoas esclarecidas . Eentender Ecologia ou ambientalismo apenas como conservação natural, éoutro reducionismo perverso.

A quem interessa fechar os olhos e desmentir o AquecimentoGlobal ? A quem interessa condenar ecologistas e taxar militantes comoradicais (isso deveria ser elogio, radical: ir à raiz)? Tem sido uma dasformas clássicas de quem se sente atingido, atacar no “modo(des)moralizante”6, bastante sutil mas hipócrita.

Vejo somente algumas alternativas para responder à negação daamplitude da crise e, consequentemente, da defesa do status quo:Hipótese 1: alguém quer ir contra 800 cientistas renomados contatadospela painel da ONU sobre Mudanças Climáticas, e contra o que estamossentindo na pele a cada dia (degradação socioecológica), e assim ganharholofotes numa mídia sensacionalista. Alguns conseguem isso. Mas hámais. Hipótese 2: alguém com interesses escusos, servindo àqueles quevêem seus negócios afetados pela diminuição do consumo e pela

6 Neste sentido, já vi textos acusando Al Gore, autor do filme talvez o mais importante deste século (Verdade Inconveniente) de gastar 5 mil dólares na conta de luz por mês ! Mas a mentira tem pernas curtas.

Page 22: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

consciência cidadã e planetária. Esse é um caso muito comum. Nos EUA,a indústria do Petróleo e as que demandam energias imensas, e de altoimpacto em gases de efeito estufa, são exemplos. Muitas vezes, ONGs,cientistas, sindicatos, pastores, mídia, são comprados constantementepara mentir em nome de algumas corporações.

Consideremos, por um minuto, que um indivíduo que nega oaquecimento global tenha razão? Pergunta-se: a quem serve o resultadodesta “verdade conveniente”? O que ele nega junto? Nós deveríamosparar de economizar cada vez mais energia elétrica ? Deveríamos, porcausa da verdade dessa falação, andar sempre de carro e produzir maispoluição e problemas respiratórios e engarrafamento? Deveríamospriorizar menos o transporte público? Deveríamos consumir cada vezmais, e continuar a poluir de todos os tipos nossos ambientes?Deveríamos continuar a destruir os nossos ecossistemas? Deveríamoscontinuar com valores egocentrados num individualismo grosseiro quefaz perder a noção de interdependência de todos os seres e do destinocomum dos que vivem num planeta limitado? Deveríamos abandonar otrabalho exemplar do Painel da ONU e de Al Gore e toda a consciênciaque estão trazendo aos povos? Vejam o absurdo a que chega uma talnegação.

Ética Ambiental: Alerta Global. Não se trata de uma brincadeira.Não podemos brincar com o futuro de nossos filhos, e o presente que jános pesa. O aumento de temperatura nos últimos anos com acomprovação consecutiva e comparação exaustiva da alteração do ciclouso do carbono desde a sociedade industrial é gritante. É uma questão damais alta responsabilidade e da coletividade. Não obstante, não podemosentender isso como simples aumento de temperatura por caprichos deeras climáticas de nosso planeta. Esqueçamos um pouco o aquecimentoem si, olhemos para baixo e para os lados e um pouco adiante. Somenteposso entender mais humanamente a negação dos aspectos graves dacrise ecológica e social em que vivemos se ligo este fato com o medo e ador das pessoas quanto a aceitar certas realidades. Isso seria maishumano e humilde. Dói profundamente saber que estamos num caminhocom estilo de vida profundamente anti-social e anti-ecológico; os fatosarrasam. Ou seja, admitir que o nosso capitalismo (e nós todos o somos emmaior ou menor grau), levou nossa loucura egóica a tal intensidade que

Page 23: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

gera retroações e quedas as quais queremos evitar. E então, ouve-se porvezes dizer: “está tudo bem”, “está tudo bem”, são apenas detalhes e atecnologia e a política liberal, o crescimento econômico “vão resolverisso”! Ninguém mais, de bom senso e sensibilidade, tem coragem denegar o quão fundo chegamos, gerando violências de todo tipo, perda devalores, degradação de culturas, exclusão social, relações de poderhipócritas e exploratórias, uma selvageria manifesta em especial noHemisfério Sul do Planeta, mas também no Norte. Por que defender ummodelo assim? American way of life. Superman. Até quando ? Por quenegar nossa situação e vulnerabilidade? Por que querer ser Deus? Ondequeremos levar nosso ego para que ele escape da minharesponsabilidade cada vez maior e dos meus limites?

A injustiça clama aos céus, diz o texto sagrado. Em todo caso, nãoprecisamos desanimar diante da situação. Ela nos clama pois nãoqueremos uma vida arruinada, mas boa, evitando o sofrimento,buscando a felicidade, mesmo nas coisas simples da vida, na partilha, nasocialização, na cultura. Alegria, amizade, culturas locais, cidadania. Masnão podemos mais viver num mundo de “faz de conta”. Não estamosmais na Era da Abundância e no infantil “Alice no país das maravilhas”,e, certas “verdades” que herdamos de nossos pais, mesmo professores(com viseiras), ou até de coronéis, hoje coronéis empresários, estão quasetodas obsoletas, e por isso se tornam altamente perigosas, pois mesmosendo por vezes religiosas, morais, perpetuam a dilapidação a que éjogada a grande população, tanto quanto o que chamamos de natureza.Viva o progresso? Viva a monocultura ? A pecuária extensiva? OPetróleo? Viva a sociedade industrial crescente? Viva cada vez maisautomóveis e a Economia dinossáurica? E qual o destino do ser humanoa cada dia ? Doenças e epidemias, poluição, depressão, perda de sentidonum mundo burguês que perdeu o controle sobre seus monstros ? É issoque queremos ?

A maneira de a natureza nos responder dá-se com avisoscrescentes e arrepiantes: desordens climáticas potencializando efeitos dechuvas, secas, furacões, inversões térmicas inesperadas. Doenças novasou doenças antigas que retornam. Vírus que se fortalecem comantibióticos e se potencializam. “Vaca louca”, “gripe do frango”, “gripesuína” (termos deveras deslocados !), plantações que florescem antes da

Page 24: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

hora, aumento de “pragas” tanto animais quanto vegetais; doenças quecampeiam o mundo pobre, mas também o rico. Lutar contra esse estadode coisas não quer dizer simplesmente voltar a um mundo romântico, aopassado e a algum paraíso que não existe mais, negando toda atecnologia. E não é também ser apenas “do contra”, esquerdista etc. Masé, antes de tudo, uma síntese, para a qual muito temos a nos preparar –sustentabilidade - exigindo cada vez mais mudanças,desacomodamento, criatividade, tecnologias brandas, agriculturaecológica, familiar, distribuição de terras e política agrícola,cumprimento da legislação ambiental, economia solidária e ecológica,bioconstruções, fiscalizações de todo tipo, reestruturação de cidadessustentáveis e muito mais. A luta ecológica é muito mais do queromântica e verdista ou de um partido apenas, é a construção de umoutro mundo possível, do que depende radicalmente a vida presente eprincipalmente futura.

Refletir em cima do Aquecimento global é compreender porquês,buscar mudar fatos como: de cada 4 pessoas, uma terá algum tipo decâncer (dados dos EUA; enquanto que na década de 50, era uma em cada43 - ao mesmo tempo, passamos de alguns poucos aditivos químicos naalimentação para mais de 2000 hoje !). É compreender que o uso deenergia tem um custo muito maior do que o que pagamos; é internalizarexternalidades, como no caso da carne. O consumo de carne é hoje umdos maiores vilões socioecológicos: destruição da Amazônia, da MataAtlântica (onde vivemos), do solo, poluição intensa de rios, aumento defome no mundo - pois a carne não é para os pobres, e toma o lugar dosgrãos etc. Refletir em cima do Alerta Global é despertar para o Zeitgeist,para o aqui e agora.

Abrir os olhos ao aquecimento global é promover a cidadaniaplanetária, a esperança na humanidade, a vida das crianças, o respeito àvida não-humana, e a humildade – ou seja, o humus, respeito à terra, deonde todos viemos e para onde retornamos.

Neste sentido, há uma história sobre o surgimento do ser humanoe o Cuidado. Diz a lenda narrada por Higino: "Um dia, quando Cuidadopensativamente atravessava um rio, ela resolveu apanhar um pouco debarro e começar a moldar um ser, que ao final apresentou formahumana. Enquanto olhava para sua obra e avaliava o que tinha feito,

Page 25: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Júpiter (céus) se aproximou. Cuidado pediu então a ele, para dar oespírito da vida para aquele ser, no que Júpiter prontamente a atendeu.Cuidado, satisfeita, quis dar um nome àquele ser, mas Júpiter, orgulhoso,disse que o seu nome é que deveria ser dado a ele. Enquanto Cuidado eJúpiter discutiam, Terra surge e lembra que ela é quem deveria dar umnome àquele ser, já que ele tinha sido feito da matéria de seu própriocorpo - o barro. Finalmente, para resolver a questão, os três disputantesaceitaram Saturno como juiz. Saturno decidiu, em seu senso de justiça,que Júpiter, quem deu o espírito ao ser, receberia de volta sua almadepois da morte; Terra, como havia dado a própria substância para ocorpo dele, o receberia de volta quando morresse. Mas, disse Saturnoainda, ‘já que Cuidado antecedeu a Júpiter e à Terra e lhe deu a formahumana, que ela lhe dê assistência: que o acompanhe, conserve sua vidae lhe dê o apoio enquanto ele viver. Quanto ao nome, ele será chamadoHomo (o nome em latim para Homem), já que ele foi feito do humus daterra’"7.

Compreender a ética e o ambiente como inseparáveis

Toda dificuldade deste tema considerado novo é vencer asdicotomias e a compreensão limitada do que sejam “Ética” e“Ambiente”, para superar as visões moralistas de um lado, e verdizantese meramente preservacionistas, de outro. Ética vem de Ethos, morada,modo de vida, cultura. Tem três dimensões: ambiental-natural,ambiental-cultural e ambiental-sociopolítica. Política vem de pólis:cidade; esta se insere num cosmos, ambiente ou universo em equilíbriodinâmico, algo harmonioso e belo. Nós vivemos e somos o ethos, o cosmose a pólis. Portanto, ética ambiental não é apenas cuidar do verde e dosanimais, ou uma moral pela Natureza. Na verdade, o adjetivo“ambiental” aí, é forçado e provisório ! Por que ? Porque a ética na suaorigem, e sempre deveria ser assim, inclui o “ambiente”. Na nossatradição ocidental, chegada ao cartesianismo - visão problemática vindada Revolução Científica – perdemos o todo da dimensão ambiental,

7 Ver:"Care". In: Encyclopedia of Bioethics, 2nd. ed., New York, Simon & Schuster Macmillan, 1995, v. 5.

Page 26: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

considerando apenas aspectos de progresso material humano. Em verdade,os próprios aspectos éticos - socialização/sociedade humana – não forambem realizados ainda, mesmo com os grandes ideais de amor, direitos,democracia, bem comum, fraternidade, muito propagados.Surpreendentemente, o que ocorreu em termos de destruição eimoralismo em relação ao que chamamos Natureza (natureza natural,mas não podemos esquecer da natureza construída!), foi essencialmentefruto da visão e relação que estabelecemos entre nós mesmos. Ou seja, anossa visão do outro mostrou-se problemática: racista, machista,burguesa, dominadora, violenta em suma. E foi assim com os seres não-humanos que matamos. Uma ética ambiental (como expus em Correntesda Ética Ambiental; Ed. Vozes, 2003) é o resgate da sobrevivência humanaintegrada no ambiente (natural e construído), desenvolvendo a economiapelos princípios da ecologia, ou seja, a “administração da casa (eco)”orientada pela “racionalidade/ordem da casa”. Portanto, ética como tal.

A pergunta é: que “bicho” é este ?Trata-se de um bicho de milhares de cabeças que, no entanto,

muitos querem decapitar, apesar da sua grandeza e urgência. Do que setrata? De cuidar do verde e do lixo? Ou ainda, preservar a naturezaintocada ? Ou as baleias, o macaco-prego e bichos em extinção? Estascoisas são partes menores do tema. As partes maiores aparecementendendo que estamos falando da nossa vida cotidiana, das nossasrelações - sociais, econômicas, culturais, afetivas, e isso é em primeirolugar o ambiente. Ética vem de ethos, ou seja, “habitação/habitat”, comsentido geográfico, político e de valores pessoais. “Ambiente” é assimum sinônimo de ética, e indica o estado de coisas que produzimoscontinuamente em relação com a Vida – natural, artificial, humana, não-humana: com sentido muito amplo. Ambiente e habitação trazem a idéiade complexidade (uma teia com bilhões de fios entretecidos), deinterdependência de fatores socioambientais, de ecossistema, de vidadinâmica em transformação e necessidade de equilíbrio aí dentro, comonuma dança. Para que? Para que os seres todos vivam e morram dentrode uma ordem de trocas coerentes (e aí está também o amor !), numavida apreciável para todos apesar de difícil. É a tendência natural ecultural para a expansão da vida, da biodiversidade e assim daconsciência - que vai da matéria ao espírito.

Page 27: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Já quando este propósito é ferido, e não tem tempo hábil paraconcertar-se, curar-se, caímos nalgum tipo de violência. A violência é afalta de Paz. A Paz é socioambiental: é entre países, é comigo mesmo,com o vizinho, com os seres naturais, com a vida. É uma integração,inteireza e movimento. E quando se diz “ética ambiental”, é para lembrarum pouco mais da relação dos homens com os seres todos e com oecossistema em (des)equilíbrio. Daí a palavra “sustentável”. Éticaambiental é levar uma vida sustentável, no possível. Como ? Criandoconsciência política, participando, criando melhores laços afetivos,aprendendo a amar a Vida; e claro, igualmente, não usar venenos,consumir menos, economizar energia e recursos como a água; evitarprodutos industrializados o máximo possível e buscar os produtosorgânicos/ecológicos, usar papel reciclado; priorizar a medicina e aagricultura natural e alternativa, andar mais de bicicleta e a pé, conheceros problemas ambientais básicos, que são sempre sociais.

Veja que entrar na ética ambiental é como que acordar para otempo ecológico que estamos vivendo. Não há nada mais importantehoje do que criar uma consciência socioambiental, pois disso dependenosso presente e nosso futuro próximo. Alguns podem estar pensando:mas o que eu ganho com isso ? “Ambientar-se”, criar sustentabilidade,não é algo apenas para os seres não-humanos, mas é para mim mesmo,pois todo mundo precisa “cair na real” e encontrar um sentido feliz para“com-viver”, e estamos numa interdependência enorme uns com osoutros. Ninguém quer viver num mundo insuportável. Ética ambiental écriar relações melhores, é criar ânimo (alma) em tempos desalmados; écriar laços de amizade e amor com os outros; é perceber a maravilha egrandiosidade, o mistério nas cores, sabores, texturas, sons, olhareshumanos e não humanos. É a magia que se estende dos raios solaresmatutinos ao brilho noturno das estrelas e da Lua. É preciso saber olhar...É poder respirar a energia vital, comer, absorver a natureza e os afetos erecebê-los como dons, e então, doar, entregar, fazer a sua parte.

A vida é uma troca. O universo responde à nossa violência ou ànossa benção, mais cedo ou mais tarde. Em todo caso, “antes tarde doque nunca” para aprender a sustentar-se, ambientar-se, integrar-se; isso éética para além de moral repressora. Aliás, a ética e o ambiente exigemgrande coragem, pois é uma luta que vai além do egoísmo, que não nega

Page 28: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

a individualidade e o mistério de cada um, mas junto a isso faz a entregade si à vida, talvez para além da morte. Afinal, medo da morte é medoda vida, medo da natureza, da nossa própria natureza/corpo. A éticaambiental é uma manifestação do amor humano corajoso que habitadentro de nós e que quando o despertamos, ele brilha nas cores da vida.Nós é que acinzentamos ou colorimos de beleza a nossa vida. A aquarelado ambiente está em suas mãos.

2 - Da utopia tecnocêntrica à utopia Ecológica

A utopia tecnocêntrica na Nova Atlântida de F. Bacon

Está história Milorde concebeu-a com o propósito deapresentar um modelo ou a descrição de um colégioinstituído para a apreensão da natureza e produção degrandes e maravilhosas obras... (W. Rawley –secretário de Bacon)

Considero New Atlantis uma das obras mais sintomáticas dentroda consolidação do grande paradigma epistemológico e civilizatóriomoderno da tecnociência, texto de Francis Bacon escrito em 1624 epublicado em 1627. Não propriamente por seu conteúdo filosófico oucientífico, até porque ela tem um tom literário marcante, mas peloespírito do tempo revolucionário que toma conta da civilização técnica eda vindoura idéia de progresso que representa. Parece ser uma simplescarta, trazendo uma novela imaginária, mas torna-se algo revelador. Ali,no fundo, Bacon pode aventar as possibilidades fantásticas do seumétodo indutivo experimental da ciência nascedoura.

Ela está na linha dos utopistas, certamente, como Cidade de Deusde Santo Agostinho, ou um Tomás Morus (Thomas More, 1478-1535),com sua bela Utopia; mas me parece bem mais significativa, em vista denosso imaginário científico futurista da cultura atual, e do próprio anseio

Page 29: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

do homem ocidental de tomar o lugar de Deus. Na verdade, NovaAtlântida quebra o mundo medieval, destrói seu Cosmos e seus pudores,ou seja, um modo ou mundo de inserção orgânica. Estamos colhendo osefeitos dessa mudança e pagando até hoje; não que se deva voltar paratrás, mas sim que a utopia científica propalada não se entende sem o seuoposto, devido a fatos como a grande crise ecológica e social atual, frutodireto da tecnociência e da industrialização do mundo ocidental.

Por conseguinte, podemos perfilar aqui, a título de contraposição,certas distopias8 - como que utopias negativas – tais como LaranjaMecânica, de Anthony Burgess (1962), levada com S. Kubrick ao cinema;ou antes, A máquina do Tempo, de H.G. Wells (1895). Esta brilhante obracrítica, de 1895, faz uma sátira social da sociedade (britânica),estruturada em duas classes sociais; Wells, para além de Julio Verne(1828-1905)9, descreve uma visão, num futuro remoto, de uma classe altaque vive ao Sol, formada de aristocratas que nada faziam, e que teriachegado ao máximo de exaustão cultural. Há também a classe baixa,literalmente baixa, pois vive no submundo e chega ao derradeiro grau dedegradação humana. Os de baixo começaram a querer ocupar os espaçosde cima (conhecemos bem essa história não ?). Temos ainda “1984”, deEric Arthur Blair (“George Orwell”, 1948), que também fala de um tipode Estado, mas não ideal; ou ainda Fahrenhait 451 (de Hay Bradbury,1953) e a atualíssima obra Admirável mundo novo, que Aldous Huxleyidealizou, em 1931. Esta última é uma “fábula” futurista de umasociedade completamente organizada, sob um sistema científico decastas, onde a vontade livre fora abolida por meio de umcondicionamento metódico; a servidão tornou-se aceitável mediantedoses regulares de felicidade quimicamente transmitida pelo “Soma” (adroga liberada do futuro), e onde as ortodoxias e ideologias eram

81 Distopias são em geral utopias negativas.9 Note-se que J. Verne é, em grande parte, muito mais um utopista positivo,ingênuo até nas suas elaborações e crenças no futuro evoluído. O séc. XIX é oséculo base da crença evolucionista. É apenas no final de sua vida que percebe aarmadilha que é o otimismo tecnológico, e passa a criticar o poder. Veja-sequanto a isso sua obra Robur, o conquistador, 1880, e bem mais a sua visionáriaobra Paris no século XXI, publicada apenas em 1994, por ser taxada de pessimistademais à época.

Page 30: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

“propagandeadas” em cursos noturnos ministrados durante o sono.Incrível previsão das sociedades drogadas de hoje10. Certamentedevemos pôr na discussão os imaginários futuristas tecnocêntricos emuitas vezes catasfróficos do cinema de Hollywood; menção à partemerece - no nível crítico e de alerta das distopias - o grande filme Matrix,uma obra prima retomando temas como a Caverna de Platão, ou O Ensaiosobre a cegueira, de Saramago, ou ainda Simulacros e simulações deBaudrillard. Em todo caso, veja-se que, ao contrário das utopias aindafelizes, como a do próprio F. Bacon, em Hollywood se apresenta em geraluma descaracterização completa do homem e da natureza, na medida emque não se vê animalidade (e também poucos animais), o homem perdemuito de sua mundanidade, sua historicidade, e igualmente quasedesaparece a natureza natural. Tudo é artificial demais. Vemos talpalavra enfaticamente em Nova Atlântida de Bacon. Tal motivação estáconsubstanciada dentro da configuração política contemporânea.

Podemos entender melhor sua proposta investigando a linha depesquisa de Descartes e Galileu, no contexto de propagação do paradigmacartesiano11 - que postula como base e motivação primeira da NovaCiência a possibilidade concreta de dominação da natureza. Como? Viarelação separativa e causal-linear Sujeito X Objeto, pela superação dossaberes tradicionais e em suma pelo olhar objetificador12. Com o domínioda linguagem matemática e da experimentação – carreadas pelo MétodoCientífico – seremos “senhores e possuidores da natureza”, pois a mesmaestá “escrita em linguagem matemática”, e basta-nos o procedimentomatemático e experimental para que nos apossemos dos seus segredos.A natureza é como uma serva, ou ainda, como uma bruxa na inquisição,

10 Além das drogas como tal, drogada em comidas e bebidas de todo tipo, empoder, dinheiro, sexo, sucesso, automóveis, jóias etc etc etc.11 Compreenda-se cartesiano ou cartesianismo não a filosofia de Descartes comotal, mas um modelo de procedimento relativo à validação do saber nos termoscientíficos marcados pela epistemologia cartesiana: ou seja, reducionista,dicotômica, objetificadora, fragmentária, que abandona a tradição, o todo, acomplexidade, a intuição etc. Para tal cf. nossas obras: Bioética como novoparadigma e tb. Correntes da ética ambiental, ed. Vozes.12 Termo que remeto a Heidegger e a Gadamer, semelhante ao conceito de razãoinstrumental, já da Escola de Frankfurt.

Page 31: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

que deve ser acossada e obrigada a entregar seus segredos, nas palavrasde Bacon. Na esteira de Descartes, Bacon buscará derrubar os saberesantigos através da quebra do que chama ídolos e por seu método13.

A virada da cosmologia clássica para o mundo geométricofriamente objetivo e apavorante, com diz Pascal, é a virada para aepistemologia moderna, cartesiana em especial, que compõe a maiorrevolução que a humanidade passou. Suas conquistas e glórias são atéhoje alardeadas, em nome do crescimento econômico e da sofisticação dasociedade de consumo. Porém, suas marcas negativas emergem comtoda força na era da crise ecológica e da tecnociência objetificadora nasociedade de Massa – Indústria cultural. Não obstante, é o estatutoepistemológico das ciências naturais pautadas na objetividade a todocusto - mas ao mesmo tempo na redução do espectro de considerações deseu “objeto” - que dará condições para que uma Revolução Industrialvenha a materializar muito do sonho e do pesadelo da humanidademoderna e contemporânea. A carta-novela de Bacon é deverassintomática. Ela introduz revolucionariamente a noção nunca antesenfatizada de progresso, e como progresso material ilimitado. Tal idéia-motivação começa a dizer que tudo o que a humanidade produziu nopassado é primitivo, e estamos numa marcha evolutiva científica eindustrial que a tudo justifica, como bem podemos ver, levado às últimasconseqüências, no positivismo e nas legitimações do primeiro e muitoselvagem capitalismo. Tecnociência e política pública – por sua vez cadavez mais determinada pela iniciativa privada – encontram-se numarelação direta. E eis que surge a questão: que visão de mundo estáimpressa dentro de nossa política social ainda hoje ? Qual os rumos queestá tomando a globalização econômica ?

Vamos agora, sem mais delongas, deixar o próprio texto de Baconfalar por si, no momento em que surge o discurso do Padre da Casa de

13 Tal método tem como fim constituir uma nova maneira de investigar e captaros fenômenos naturais. Para Bacon, a descoberta de fatos verdadeiros nãodepende do raciocínio silogístico aristotélico, mas sim da observação e daexperimentação regulada pelo raciocínio indutivo. O conhecimento verdadeiro éresultado da concordância e da variação dos fenômenos que, se devidamentecapturados, apresentam a causa real dos fenômenos. A realidade pode serexplicada...

Page 32: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Salomão, num tom solene: “vou oferecer a jóia mais preciosa quepossuo... vou fazer-vos uma revelação da verdadeira organização daCasa de Salomão...”. A revelação dirá respeito aos feitos científicosinimagináveis que existem na Nova Atlântida, uma verdadeira Utopiada transformação da ordem natural das coisas em nome do melhorismotécnico. “Temos fossas cavadas em diversos tipos de terreno, ondecolocamos os mais diversos tipos de cimento, como aqueles que oschineses fazem a porcelana. E ainda uma extensa variedade decompostos de terra e adubos para tornar a terra mais fértil” (p.263)14. É oelogio da transformação absoluta da natureza bruta em manufaturas;repare sempre a ênfase na palavra artificial, trata-se de uma grandetransformação vindoura, já do tempo da construção de uma segundanatureza, em oposição ao natural, o que equivale a dizer uma outracultura, em oposição àquela que está eminentemente ligada aosprocessos orgânicos, rurais, primevos e brandos do Mundo da Vida.

“Temos altíssimas torres, a mais alta medindo cerca de meiamilha; algumas delas se erguem sobre montanhas. Tais torres, conformesua altura e posição, servem para os experimentos de isolamento,refrigeração e conservação, e para as observações atmosféricas... (...)Temos também tanques , onde se extrai a água pura da água salgada, eoutros, em que artificialmente se transforma a água doce em salgada.Temos rochas no meio do oceano e enseadas para as operações queexigem o ar e os vapores do mar. Temos igualmente violentas correntes ecataratas, do que nos servimos para a produção de movimentosvigorosos, e igualmente temos máquinas para multiplicar e intensificar aforça do ventos, dirigindo-a para outros movimentos. (...) Temos tambémum certo número de poços e fontes artificiais construídos por imitaçãodos mananciais, que contêm, diluídos, vítrolo, enxofre, aço, chumbo,salitre e outros minerais.” (p. 264)

Se Bacon conhecesse o atual estado das chuvas ácidas, ou dassecas ou enchentes, frutos de alterações de ecossistemas, micro-climas epoluição, de fato se surpreenderia, mas negativamente, o que não era o

14 Esses números são das páginas da versão brasileira da obra editada pelaColeção Os Pensadores, da Abril.

Page 33: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

caso no momento histórico em pauta. “Temos ainda, casas grandes eespaçosas. Onde imitamos e reproduzimos os fenômenosmeteorológicos, como a neve, o granizo, a chuva e algumas chuvasartificiais de substâncias diferentes da água, trovões, relâmpagos, bemcomo criações de rãs, moscas e outros pequenos animais” (p.264)

A manipulação genética parece estar prevista, e portanto atransgenia. Bacon imaginava aonde chegaríamos, mas não cogitou osimpactos disso – na cultura, na saúde e nos ecossistemas. Podemos dizerque não era o momento, mas isso não é suficiente. Tudo caminhava paralegitimar a modificação artificial como a melhor e mais perfeita forma devida. O que se perceberá é uma verdadeira ideologia do melhorismoreconstrutivo dos “erros e imperfeições” da natureza, um tipo de nãoaceitação das lógicas complexas da vida e dos limites sábios da naturezae do homem. Novamente, um impactante golpe no Mundo da Vida e nosseus saberes antigos.

“Temos igualmente vários e amplos pomares e jardins, em quenão observamos a beleza, mas a diversidade do terreno e do solo... Aí érealizada toda sorte de enxertos e inseminações, e obtemos muitosresultados. Nesses mesmos jardins e pomares fazemos artificialmenteplantas e flores antes ou depois da estação própria, bem como fazemoscrescer mais rapidamente que no curso normal. Ainda por meiosartificiais, tornamo-las maiores que o normal e tornamos os frutosmaiores e mais doces e diferentes, no gosto, no aroma, na cor e forma doproduto natural.” (p.264)

Percebemos no texto o clima de legitimação da quebra dainserção no cosmos e da sacralidade das criaturas, mas também docorpo. O homem, de posse da ciência experimental, torna-se o novoDeus. Logo em seguida a Bacon surgirá, por exemplo, o modelo demedicina que romperá com os interditos do corpo e invadirá todos osseus espaços físicos. A secção de cadáveres se inicia. Busca-se o objetivomatemático por trás da determinação de objeto da experimentação, naordem restrita da causalidade material, químico-física. Estamos na épocada metáfora do relógio e da natureza como engrenagens de umamáquina imensa, bastando pois usar a ciência para produzir imensosaparatos técnicos futuros.

Page 34: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

“Temos também meios de fazer nascer diversas plantas semsementes, tão somente pela mistura de terras, e igualmente, de criardiversas plantas novas, diferentes das comuns, e ainda de transformarárvores e plantas em espécies diferentes.” (...) “Temos ainda parques ecercados de todo tipo para animais e pássaros, que não servem somentepara beleza ou raridade, mas também para experimentos de dissecação,pelos quais procuramos esclarecer tudo o que pode ser feito no corpohumano. Nesse terreno colhemos extraordinários resultados, como acontinuação da vida, quando diversos órgãos que já considerais vitais jáestão mortos ou amputados, a ressurreição dos corpos aparentementemortos e coisas semelhantes. Neles também experimentamos todos osvenenos e outras medicinas, tanto por via cirúrgica quando médica.Conseguimos artificialmente torná-los mais fortes e mais altos que onormal da espécie e também o contrário. Fazemo-los mais fecundos eprolíferos que o normal, ou ao contrário, estéreis e infecundos. Podemosmudar-lhes a cor, a forma, a atividade, de muitas maneiras.Conseguimos obter numerosas espécies de serpentes, vermes, moscas,peixes, de substâncias em putrefação; e alguns desses animais chegarama ser criaturas perfeitas como os animais ou os pássaros, providos desexo e capazes de se propagarem. E o que conseguimos não ocorre poracaso, já que sabemos com antecedência que espécie de criatura nasceráde cada substância ou cruzamento.” (p.264-265)

“Não quero alongar-me falando muito de nossas fábricas decerveja, dos fornos e das cozinhas, onde são fabricados pães, bebidas,manjares raros e de efeitos especiais. (...) algumas delas são ao mesmotempo, alimentos e bebidas, e apropriadas á pessoas que na velhicedesejam viver exclusivamente delas...” (p.265)

“Possuímos medicinas em vários graus de elaboração e algumasde muito demorada fermentação.... onde foram empregadas formasmuito precisas de combinação, a ponto de as substâncias seincorporarem, como se fossem substâncias simples por natureza.” (p.266)

Está-se aí no florescer do mecanicismo, quebrando asperspectivas vitalistas e animistas. E, como não poderia deixar de ser,como que numa conseqüência direta do desenvolvimento técnico,acompanha o desenvolvimento bélico. O autor é enfático nesse sentido.

Page 35: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

A importância da ciência para o desenvolvimento bélico. Saber é Poder,frase famosa de Bacon; aqui o lema chega ao seu extremo.

“Temos também casas de máquinas onde são preparados osinstrumentos e as máquinas para todo tipo de movimento. Aí fazemosexperimentos para reproduzir e tornar mais velozes aqueles movimentosque tendes, mesmo aquele produzido pelo mosquete ou por outramáquina vossa, e para torná-los mais ágeis e multiplicá-los...; para torná-los mais fortes e mais violentos que os vossos e superiores até àquelesdos vossos mais possantes canhões e balísticos. Fabricamos ainda armasde fogo, instrumentos de guerra e máquinas de todos os tipos e novasmisturas e composições de pólvora, de fogo grego, que queimam na águae que não se consegue extinguir. (...) Temos diversos relógiosextraordinários e outros movimentos semelhantes de retrocesso eperpétuos. Imitamos ainda os movimentos das criaturas vivas... temosainda um grande número de movimentos, admiráveis pela regularidade,pela perfeição e sutileza.” (p.268-269)

Por fim, como que predizendo a sociedade da diversão alienante,Bacon reconhece o lugar da diversão neste mundo tecnificado: “Temosainda casas de ilusões dos sentidos, onde executamos todas as espéciesde jogos de prestidigitação, falsas aparências, imposturas, ilusões efalácias.” (p.269). Realmente, vivemos hoje numa Matrix controladora,que entra em nossas mentes; ficamos amortecidos por aquilo queacreditamos que seja real, mas não é. Precisamos despertar.

Nova Atlântida de Bacon representa não apenas o abandono doideário religioso da nova Jerusalém que começa a desmoronar depois daIdade Média, mas, mais profundamente, a sua incorporação dentro daperspectiva salvífica do melhorismo técnico absoluto - impresso noideário do progresso material ilimitado. O advento e consolidação docapitalismo e do liberalismo não se entendem sem essa motivação, quecomeça a habitar profundamente o ego ocidental: a possibilidade efetivade tomar o lugar das determinações externas – a natureza selvagem emisteriosa, de um lado, e o controle simbólico último de Deus comofundamento do sentido da vida (e, portanto, do conhecimento), de outro.Em vários momentos as elites ocidentais convenceram-se, a elas e às suascomunidades, de que teríamos o céu na terra através da tecnociência e doprogresso – calcada na idéia contraditória e destrutiva de crescimento

Page 36: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

econômico/capital. Não obstante, os acontecimentos traumáticos, sejameles guerras, crise de valores, profunda mudança cultural, corrupção,mas mais intensamente a crise ecológica em todos os âmbitos de nossavida e a crise social crescente, de igual ou maior monta, produzem umadescrença neste modelo cego e perigoso. Não é por falta de crescimentoque estamos assim, mas justamente pela sua rápida implementação.Incrível é viver a contradição de um modelo civilizatório que não podeser universalizável, pois não foi feito para isso; daí vivermos numintenso apartheid socioambiental15. Uma política que não vai a estasraízes, não pode ser chamada de uma política social, ou mesmo depolítica no sentido original.

Não podemos mais viver como se fôssemos a última geração doplaneta, já dizia J. Lutzemberger16. Ao lado de magnífico “avanço”técnico e econômico de uma minoria, temos um imenso vazio existencial,ético, cultural, numa sociedade de consumo que a tudo volatiza, desdeque progrida, ou seja, produza e venda. Hans Jonas é um bom filósofoatual para mostrar esse estado de coisas, fazendo a ligação inevitávelcom as futuras gerações. E é nesse momento de vazio ético, que surgem aas tarefas mais urgentes da cultura e dos intelectuais: contrapor-sedentro do modelo vigente, em cada microfísica de poder, e ao mesmotempo criar laços de solidariedade e organização em torno das propostaspara um outro mundo possível em nível local. É o grande desafio políticodo momento. É nesse sentido, de uma utopia realizável, neste momentocrucial da humanidade, que apresentamos uma carta para apossibilidade de existência factível da nova geração, agora sustentável.

A Nova Geração Sustentável17 - “Carta à filha de minha neta” -um outro mundo é possível...

15 Se todos os chineses passassem a ler um jornal como Folha de SP por dia,acabaria o papel disponível do planeta em dois meses. Se todos os humanostivessem um padrão de vida como um europeu médio, precisaríamos 23 vezesmais energia no planeta. Se houvessem mais três países como os EUA, dobrariaa poluição do mundo em 100%. Um pouco mais de automóveis nas ruas denossa cidade, e já não trafegamos mais.16 Em sua bela obra Manifesto Ecológico Brasileiro, de 1978.

Page 37: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

“Querida Sofia. Agradeço à vida por ter esse dom esporádico depoder olhar pela fechadura do tempo e ver um pouco do futuro, a partirdas coisas ocultas no presente. Só assim pude escrever esta carta paravocê, conseguindo ler o passado no presente e o futuro interligado aestes. Fiquei realmente admirado em poder sentir um pouco de você,filha de minha neta, através do que vocês têm explicado aí como visãoquântica da mente, nessa teia vital onde as ligações ultrapassam alocalidade fragmentada e o tempo linear. Para nós, em 2007, isso aindaera uma coisa misteriosa demais, ou de cientistas meio complicados, defilósofos e místicos, ou então das videntes que consultávamos de vez emquando, com certo ar de surpresa. Estávamos no início da era da mente edas neurociências e do novo paradigma, a grande virada de consciência,da (des)sociedade industrial de consumo ilimitado para o novo tempo.

Vocês sabem aí o que foi a “era cartesiana”, e o modelo de biotecnologiae de biossocialização que se expandiu mas também foi sendodesmascarado; é um pouco a história de cidades que viram umamontanha de lixo. Que bom que há um novo renascimento cultural e aciência sistêmica e sustentável da humanidade cresce de fato,incorporando grandes saberes e tradições do passado, indo além da meraaplicação de técnicas e interesses econômicos lamentáveis quepenetraram na nossa vida e na nossa mente. Moça, talvez tudo seja comoum castelo de areia: afinal de contas, o que é que não muda? Você sabedisso pelo estudo da história e principalmente de como se deu asdécadas da crise - da qual vocês estão ainda se reerguendo. Mas nós quevivemos naquele período dos primeiros anos do novo século XXI,travamos uma luta dolorida, e tivemos infelizmente o desprazer decontribuir para muitas catástrofes em cada ação que fazíamos ouproduto que usávamos e não tínhamos coragem de mudar; mas também,por outro lado, começamos a contribuir para a visão ecológica e

17 Inspirada no olhar viceral de minha filha de dois anos, Sofia, e em resposta àreveladora carta tecnocêntrica Nova Atlântida (1627), de Francis Bacon; respostadentro do novo paradigma ecológico-ético e planetário, para além das utopias e dasdistopias, trata-se de como vamos construir nosso mundo desde agora.

Page 38: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

humanista, que você minha bis-neta está começando a viver. Como foiisso?

É uma longa história. É a história de um paradigma ou padrão cheio defascínios e perigos, e de um modo de olhar o mundo que estavacontaminado com nossos medos e desejos, o olhar e o mundocontaminados, de modo que agíamos mental e emocionalmenteenraizados numa cultura predominantemente destrutiva, que inclusivecomprava a cada momento nossos melhores cérebros, e por vezes até aalma e o coração de alguns. O filme Matrix, que deixei para sua avó,mostra um pouco dessa metáfora, de como nós fomos ficando cegos detanto brilho, de tanto fascínio com as coisas que iam sendotransformadas velozmente, uma avalanche de consumo e meiosartificiais, de mediações de mediações que nos impediam cada vez maisde viver o presente. Querida, nós ficamos cegos e obsessivos, ansiosos edeprimidos e solitários, e com uma produção vertiginosa de desejos, coma idéia de que deveríamos a cada momento renovar, trocar de produto,descartar e corrigir a natureza humana e não humana. Era a chamadacultura de progresso material ilimitado e tecnocentrismo, cultura domelhorismo artificial, os primeiros passos da biotecnologia cartesiana,quando tentou-se decifrar (e até eliminar!) todo poder e auto-organização da natureza e do corpo, e ter um controle matemático-físicosobre a própria mente, sobre o nosso próprio inconsciente, aquilo quenos resguarda como seres humanos, ambíguos e abertos, complexos noentendimento mas simples para viver a vida. Graças a muita luta esofrimento, a grandes choques que algumas pessoas desta geraçãotiveram que assumir já no século XX, vocês estão conseguindo aícontornar esse padrão, e unir o passado com técnicas sustentáveiscientificamente, politicamente, economicamente, ou seja, o social e oambiental. E acho surpreendente como vocês incorporaram o saberespiritual para além de qualquer religião; a verdadeira Ciência da Vidanão pode mesmo se afastar disso.

Minha querida, apesar de ter entrado na humanidade na época do séculoXVII, a visão materialista, mecanicista, reducionista e fragmentaria,cristalizou-se propriamente apenas no século XIX e XX. Havia um clima

Page 39: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

de positivismo, apoiado numa pretensa objetividade dos fatos -reforçado pelas técnicas que começavam a funcionar - e isso impressionanão é? – fatos e objetos isolados que poderiam ser manipuláveis até aessência (átomo, molécula, gen...), como peças de um automóvel. Aomesmo tempo, um clima de “mal estar”, que nos levava também a umniilismo, a uma descrença na vida e no ser humano. Você deve estarrindo disso, mas era assim que funcionava moça ! O corpo era vistoapenas por partes e de modo químico-fisico-experimental, um poucomais que uma máquina ou aglomerado de células e elementos químicosque deveriam ser consertados e trocados. As pessoas olhavam para osobjetos como se eles não dependessem do seu olhar, da sua mente.Fomos perdendo a idéia de Cosmos e Natureza, e a crença na vidanatural. Os nossos filmes de futuro tinham um imaginário futurístico-tecnológico árido, seco, calculado e caótico ao mesmo tempo, masprofundamente mitológico, e onde não havia mais natureza humanaambígua e mundana, animal, ou espiritual, ou mesmo a naturezanatural. Chegávamos ao absurdo de pensar em colonizar outros planetasporque o nosso poderia se tornar inviável ! Imagine você vivendo dentrode uma bolha artificial como um ET ? Nossas angústias existenciaisforam aumentando tanto – na medida do próprio fascínio tecnológico etransformação das cidades em consumo – tanto que começamos aimaginar seres vindo à Terra, ou que havia outros planetas com vida eque fariam algum contato. Inclusive lançamos foguetes contendo arte,feitos e obras humanas para que outros seres possam achar. Que louca enostálgica angústia de evasão, não é mesmo minha filha ? Parece queestávamos prevendo os momentos de catástrofes que estavamacontecendo aos poucos.

Mas, minha amada, nunca perdemos a fé no amor; amei você - acredite -nos olhos e no sorriso de sua avó, minha filha, que corria livre eespontânea sem saber o mundo que a esperava, sem saber quanta dorpairava no ar, quanto mentira e covardia, quanta falta de sensibilidade equanto falta de inteligência em nome da crença nas máquinas e nomercado. Ela cutucava meu coração a cada palpitação, pois as criançastodas reluziam no brilho de seus olhos; a extrema fragilidade que vi emminha filha me evocava a nossa fragilidade, seres humanos e não-

Page 40: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

humanos, e vi como somos facilmente fascinados e vencidos pelocomodismo, pela auto-defesa, pela inércia e pela preguiça. Via ali osofrimento das crianças do meu país; via ali sonhos lindos que maistarde iriam se despedaçar em nome da competitividade, em nome dagrande desordem da ordem burguesa vigente, em nome dos interessesde poucos e de um estilo de vida destrutivo, que “segurava as pontas”de um verdadeiro apartheid social. O olhar de Sofia me consumia pordentro, pois quanto mais eu estudava e pesquisava, mais se abriamcoisas assustadoras na minha frente, e se tornava muito difícil convenceras pessoas e lutar dentro da Matrix, ou prisão, pois as vezes, era melhorfazer de conta que não enxergamos, e então dormir, dormir e... morreraos poucos. Mas o choro, os gestos frágeis e tão humanos das crianças,como o olhar de Sofia, um apelo silencioso, uma extrema fraqueza naforça humana, uma alegria na tristeza e uma confiança sincera e puerilno olhar e na palavra do pai e da mãe, e de cada pessoa que encontrava,tudo isso me fazia arder o coração. Quando eu a abraçava, sentia opalpitar de seu coração, e num sublime momento de êxtase e dor, eusentia como se o seu sangue estivesse em todo lugar como a água doplaneta, e como se os movimentos de sua respiração fossem o ar todoque nos envolve e penetra, e como se o calor de seu corpo fosse o calorde todas as pessoas, e um pouquinho do Sol dentro da gente.

Sofia, tive que presenciar muita gente passando frio ou torrando ao solpedindo esmolas ou vendendo pequenas coisas, enquanto “os de cima”andavam em carros importados com ar, se protegiam em apartamentoscom vigias, cachorros, câmeras e grades sem fim, e armas; e iam dotrabalho para casa e nos shoppings fechados no fim de semana: mesmoassim, eles não agüentavam muito, e as vezes iam a um parque aberto oua uma praia com segurança semi-privada. Tive que presenciar o tempode acumulação de dinheiro de uma forma absurda e anti-ética, mas aomesmo tempo tudo considerado legal! Acompanhei as privatizações e adesmontagem do poder regulador dos Estados, e como a Lei daprodução e do Mercado acirraram todas as contradições e invadiramquase todos os espaços da natureza e do corpo, mercantilizando gens, ar,água, terras, idéias, e tudo o que se possa imaginar. E vi ainda como tudoisso levou à catástrofe, da violência social, da poluição química em todos

Page 41: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

os níveis, do uso da doença para lucrar e de medicações não para ir àscausas e à cura, e quanto menos à prevenção, mas para manter aspessoas sempre com doenças. Mas nunca duvidei de que: onde surgemgrandes doenças, surgem grandes curadores! Eis você aí ! Eis meuscolegas de luta aqui, muitos deles sendo considerados radicais. Viva osradicais filha !, pois eles têm raiz, eles sustentaram a seiva da vida futura,eles pensaram além de si mesmos, de seus corpos e egos e assumiram ador e a energia do mundo e da verdadeira evolução.

Infelizmente, vi uma medicina baseada na evidência dos lucrosfarmacêuticos e de equipamentos e suprimentos, buscando desacreditartoda sabedoria e todas as práticas naturais e medicinas tradicionais, emnome de uma falsa cientificidade. Buscando tirar a autonomia de saúdeque as pessoas e comunidades sempre tiveram o poder de desenvolver;buscando ver o corpo fragmentariamente, e mais absurdo ainda:menosprezando causalidades emocionais e psíquicas – mentais – dasdoenças. Vi o crescimento dos gastos e pesquisas com grandes doenças,que seriam curadas geneticamente, e que depois, você sabe,desembocaria num grande golpe econômico que privilegiaria alguns,uma verdadeira eugenia e algenia, e que para muitos traria efeitosteratogênicos, e engodos, em nome do lucro, pois logo em seguidacomeçamos a lidar cientificamente com a complexidade einterdependência de fatores, e a visão começou a mudar e pudemosrecuperar conjuntamente os saberes socioecológicos e a visão integral.Cheguei a ver coisas fantásticas na Saúde, que me marcaram muito,como estudar e conviver com medicinas e práticas tradicionais, e mesmoorientais, onde as pessoas eram tratadas como seres humanos integrais,onde se evitava e curava doenças ditas incuráveis, mas ao mesmo tempoa luta com um modelo biomédico que se armava contra tudo o que lheameaçava seu paradigma, suas técnicas e seus imensos capitais. Vi paísesserem enforcados economicamente por causa da medicina da doença epor condições de saneamento e ambientais precárias.

Vi as universidades terem suas pesquisas quase todas financiadas porgrandes grupos econômicos de falsa ética, e reforçar uma tecnociênciaque visava a produção contínua de consumo e mediações artificiais

Page 42: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

infindáveis e não os modos de vida simples e sustentáveis; vilaboratórios financiando pesquisadores, e invadirem os consultóriosmédicos com fármacos novos, manuais, presentes e congressos, ondepensamentos diferentes, alternativos ou mesmo tradicionais custavammuito a penetrar. Era a época da imagem e do marketing. Você nãoimagina, mas havia uma infinidade de estratégias disso, acadêmicas oufora da academia; havia uma avalanche de imagens e de simulacros tidoscomo reais, de modo que não tínhamos mais tempo para pensar, parasentar, meditar, para sentir o pulsar da vida e conversar, e até nosrelacionarmos como pessoas.

O que mais me entristecia nesse momento? A hipocrisia; é ver como osdiscursos que eram feitos em nome da moral ou mesmo da bioética,eram na maioria das vezes inócuos, moralistas e faltavam proposiçõespráticas efetivas, que fossem além das formações disciplinares e partidas,ou dos hábitos perniciosos da Matrix e do modelo de consumo da elite.Não conheciam realmente a própria contaminação do seu agir, ou seconheciam não conseguiam dar passos significativos adiante, mudar oolhar e as práticas, ver de onde eles mesmos se erguiam e levantavam avoz, ver o próprio niilismo. Os melhoramentos empregados eram namaioria dos casos uma exigência de certificação e justificação aos novosprocedimentos e invasões do mundo da vida e da cultura local com opoder das máfias mercantis. No início do século XX, acredite, estávamosnum tempo ainda de grande conservadorismo e preconceitos, onde osdesprovidos, os sem-terra, os transviados, os loucos, os radicais, osrebeldes, os questionadores, os desordeiros, os esquerdistas, osalternativos, tudo isso era sinônimo de ameaça; onde tudo era rotulado eassim colocado dentro de uma caixinha ou expulso da chamada vidaeconômica e do normal. Tempo de normose, a patologia sutil e gigantescada falsa normalidade e ordem.

Querida menina, hoje percebo um pouco melhor o quanto a nossacorrida, não apenas a armamentista, mercadológica ou decompetitividade, mas a nossa corrida do dia a dia, não tinha um rumomuito claro. É como o conto budista do cavalo corredor. “Um homemmontado num cavalo passa correndo por outros e estes perguntam ao

Page 43: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

homem: para onde vai com tanta pressa, desse jeito louco ? E o cavaleiroresponde: por favor, pergunte ao cavalo!” É tragicômico, não é mesmo ?Percebi o quanto se corre de si mesmo, o quanto se foge para mundosimaginários que se materializam em técnicas sobre fantasias, oschamados objetos de desejo, e o quanto isso mesmo nos evita de estarpresente em cada momento e em viver a vida com intensidade. Filha, nãovivemos o presente, parece que estamos passando por ele; parece queprecisamos passar por um grande choque ou parada forçada, como umataque cardíaco, ou um câncer maligno, um aviso da natureza humana edo planeta, para que a gente pare, simplesmente pare, e faça cada coisaem seu tempo, e esteja presente em tudo, e veja até que ponto estamospresos e dormentes, até que ponto somos marionetes de demandas quenão são saudáveis mental e biologicamente.

Eu não falo de esperança Sofia, comecei a olhar para mim e para opresente, como me concebo como ser humano e como concebo o outro. OAgora é o único que tenho, é o único que conta, sei que vocês dependemdele, do que acontece em cada segundo de nossa vida aqui. Filha, comecei a recusar aos poucos a servir esse Senhor maldito. Nãocomprava mais venenos químicos, não comprava mais transgênicos,gordura trans; não comprava mais açucar branqueado com clorados ousulforados, nem tampouco adoçantes sintéticos, não comprava maisexcessos de embalagens; não comprava mais doces químicos e porcarias,como coca-cola, ou margarinas e todo um monte de lixo legitimado pelosórgãos de proteção do consumidor idiotizado e dos lucros bestiais. Emtodo caso, sempre fui feliz e nunca isso me escravizou, e encontrei nascomidas e coisas simples uma diversidade enorme e prazeirosa, aténuma boa bebida nordestina. Aprendi a fazer pão integral em casa, acomer coisas cruas cada vez mais, a comprar na feira ecológica e dossem-terra, a economizar água e energia de todo tipo. Aprendi a comer demodo a evitar doenças; acima de tudo comecei a aprender a meditar eum mundo novo se abriu para mim, e estava ali, bem dentro de mim eno olhar das pessoas que, no fundo, são todas muito preciosas. E o quefazia não era só para minha sobrevivência e qualidade de vida de meusfilhos, era a real efetivação de uma nova sociedade, a qual sobreviveugraças a isso e outras coisas mais. Comecei a me organizar em ONGs e na

Page 44: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

política local. Aprendi que poderia cultivar amor cada vez mais meabrindo aos outros e diferentes, que poderia ceder lugar, que poderia sermais generoso e dar mais, que poderia ter respeito profundo pelos sereshumanos e não-humanos; que poderia usar bem menos drogas químicaslegalizadas; que poderia sofrer sem culpa e sentir dor pois sou um serhumano como qualquer outro. Aprendi que poderia andar mais a pé,respirar melhor, ajudar os necessitados, dar de meu tempo a minha filhae às pessoas e não só ao meu trabalho formal; aprendi a duvidar de tudo,tudo mesmo, e a me sentir de dentro para fora, e ser senhor das minhasescolhas. Aprendi a pedir desculpas e dizer que também sou fraco, mascada vez mais ser sincero e dizer o que penso.

Um grande ensinamento para mim foi que, apesar de ir meencaminhando para a raiz das coisas, vi que seria uma grande ilusão meconsiderar um milímetro que seja a mais ou melhor que os outros. Todostemos o mesmo valor, apesar das diferenças, todos temos e somos deusesdentro da gente; todos temos o diamante que é nossa mente-coração. Eapesar disso, somos muito diferentes. Viva a diversidade ! Viva o amor.É ele no fundo que a tudo dissolve e ao mesmo tempo nos mantém emotiva...”

* * *

Quanto ao tema, no cinema pode-se ver:

* Metrópolis, de Fritz Lang (1927) * La jetée, de Chris Marker (1962) * Fahrenheit 451, de François Truffaut (1966) (baseada em novela homônima) * Laranja mecânica (A Clockwork Orange), de Stanley Kubrick (1971) (baseada na novela homônima) * Naves misteriosas (Silent Running), de Douglas Trumbull (1972) * Soylent Green, de Richard Fleischer (1973) * Zardoz, de John Boorman (1974). * Mad Max, de George Miller (1979). * Blade Runner, de Ridley Scott (1982) (baseada em Sonham os andróides com ovelhas elétricas?)

Page 45: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

* 1984 (Nineteen Eighty-Four), de Michael Radford (1984). * Brazil, de Terry Gilliam (1985) * Os doze macacos (Twelve Monkeys), de Terry Gilliam (1995) (baseada em La jetée) * Ghost in the Shell, de Mamoru Oshii (1996) * Gattaca, de Andrew Niccol (1997) * Dark City, de Alex Proyas (1998). * 13. andar (The Thirteenth Floor) de Josef Rusnak (1999). * The Matrix, dos irmãos Wachowski (1999) * Equilibrium, dirigida por Kurt Wimmer (2002) * FAQ: Frequently Asked Questions, dirigida por Carlos Atanes (2004) * V de Vendetta (V de Vingança), de James McTeigue (2006).* 2001: Odisséia espacial - Arthur C. Clarke

3 - Ética ambiental como responsabilidade universal: notas deuma inspiração meditativa

Ética significa a ilimitada responsabilidade por tudo o que existe e vive(Albert Schweitzer)

Em torno da urgência, importância e complexidade da éticaambiental, cada vez mais parece enriquecedor focar num modelo deinspiração ético-sapiencial – aqui no caso haurida da recepção ocidental ebrasileira de elementos-chave da tradição budista tibetana. Para talapresento preliminares fundamentais para entender a questão e osdilemas do encontro entre “ética e ambiente”, entrando por conseguinteem posturas de mestres reconhecidos da tradição citada, antes que emtextos eruditos antigos. Trata-se, portanto de uma contribuição nãosomente para a especulação teórica, mas para o estímulo da vivência doque entendemos por ética no encontro com as chamadas exigências eposturas “ambientais”. A dimensão da compaixão no sentido budistaapresenta a vantagem de remeter a dimensões essenciais da

Page 46: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

sociabilidade humana e sua resolução pragmática, seja laica sejareligiosa, fundamentalmente apontando para os efeitos deinterdependência dos destinos comuns dos seres humanos e suasinterligações com os seres vivos.

Dentro deste espírito, uma boa pergunta que já levantamos é: porque há tantos e tantos discursos éticos e pouca efetividade quanto àspráticas e mudanças reais de comportamentos e hábitos ? É uma reflexãoa priori reveladora, notar que há uma superposição de discursos morais euma surpreendente carência ética atual, lá mesmo onde se escreve e falasobre temas morais, políticos, quando não até religiosos. Do mesmomodo, bastante cabível aqui é a pergunta pelo motivo da exclusão tantodo destino das gerações futuras quanto dos seres não-humanos dentrodos modelos éticos ocidentais (JONAS, 1995, Introdução). Vamos nosconcentrar agora, porém, na compreensão da postura do sujeitoperpassado pelo sofrimento (numa dimensão que liga o pessoal ao sociale ao ambiental) dos tempos atuais, e sua possibilidade de superaçãodentro do caminho da compaixão universal inspirada na tradição budistatibetana.

Por conseguinte, lanço, mais uma vez, algumas teses para fazerpensar, como momento a priori da questão “ética e ambiente”,preparando para ingressar após em algumas noções budistas quepoderão contribuir para a efetividade do almejado dos discursos éticosatuais.

Teses preliminares

1 – O debate ambiental, no nível privado ou público, está eivadode uma série de apelos morais e de boas intenções, onde as coisas“deveriam” ser assim, ou “deveriam” ser assadas. Muitas vezes,podemos nos dedicar a teorizar sobre o tema, mas este mesmo tempopoderia estar sendo aproveitado melhor, seja com a práxis, seja com aaprendizagem das experiências efetivas e como eu me coloco no mundo(relações). Trata-se então apenas de um lembrete ético a la Gandhi: “sejavocê a mudança que quer ver no mundo”.

2 – Por conseguinte, a radicalidade e prioridade da práxis nãoexclui a formação e os processos de autodescoberta do sujeito e seu sentido,

Page 47: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

mormente na intersubjetividade. Até pelo contrário, se há uma práticaparticipativa, esta será sempre de aprendizado mútuo dos sujeitos,professores e alunos, vindas, como diria Buber, do encontro, antes que dolivro e do mundo da técnica. Além do mais, é preciso ir além de macrovisões dos movimentos da história e da política, como se o profundo dasmudanças e revoluções acontecesse de modo latente em movimentosocultos, em meio às visões de mundo, em situações emocionais coletivasque se acirram e buscam uma “cura”. O trabalho ecológico e social acabamexendo com premência em questões ligadas a busca de um sentidopara a vida e esta “cura”. Como uma redescoberta de algo perdido, ou arealização de utopias que habitam o coração humano, ligadas “ao viverbem com os outros em instituições justas” (RICOEUR, 1990, cap. 10) e,não esquecendo, na convivência com a natureza ou os ambientespropícios de modo sustentável.

3 – Neste sentido, a busca pessoal-social e o “deveríamos” damoral, revelam e chocam-se com nossos anseios de completude efelicidade. Neste momento, dentro de nossos trabalhos pedagógicos,ambientais e políticos, temos a pretensão de convidar os outros a mudaras coisas muito imediatamente. Não obstante isso é fruto de nosso apegoa um ideário ou projeto de mundo que nos parece melhor e somente apartir da realização deste é que se poderá ser feliz. Isso gera frustração,pois na verdade queremos que o real se dobre a nós. Neste sentido, énecessário ver que tipo de postura e ação pode ser eficaz e ao mesmotempo não seja guiada apenas por demandas neuróticas.

4 – Em momentos de tristeza, desânimo, negatividade,desmotivação e frustração pessoal parece que o mundo é que está todoerrado. Como escapar disso? O mundo, no fundo, pode ser visto nemcomo Bem nem como Mal, nem feliz nem infeliz. Um “cair na real” paraalém das dicotomias, para “além do bem e do mal”, como querNietzsche; um amor fati diante de algo profundo, que é, que se dá (umaalteridade inexorável ?). Preciso aceitá-la, a vida, sua dor e alegria de ser,antes de tentar mudar o que pode e deve ser mudado. As duas coisas,num nível de compreensão mais profundo, não se oporiam de todo. Umacompaixão que inclui os acontecimentos bons e os ruins. Arrojado não?

5 – Neste sentido, a mentalidade da dualidade, da dicotomia, emesmo do Bem e Mal que se particularizam, do eu gosto e eu não gosto,

Page 48: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

é geradora de grandes frustrações e tristezas. Igualmente nas visõesmoralistas e utópicas que têm a pretensão de modificar de fato apenasuma realidade externa a nós, externa ao sujeito.

6 – Quando falamos em realidade, não se trata tanto de umrealismo ou uma ontologia do que sabemos o que é exatamente. A Razãoocidental parece ter tomado o caminho da dominação identificatória doreal em concomitância com a afirmação do sujeito como ego, cogito,conquiro... Mas antes, do imponderável e aberto da vida humana em suaconcretude, ao que não escapamos. Mesmo que nossa consciênciadetermine esse real, ele não cabe em nossa consciência, e no fundosabemos disso. Esse real deve ser objeto de aceitação, ontológica eexistencial, antes de qualquer coisa. Nenhum futuro certamente estádeterminado, seja negativamente seja positivamente, nenhum mundo vaiacabar ou vai se eternizar. Temos, agora, apenas o Presente, e nele, maisque dominar racionalmente, podemos sentir e nos entregar a uma outrajornada18.

7 – Quando dizemos que a ética tem caráter universal e dizrespeito à responsabilidade por todos os seres, importa menos toda umajustificação metafísica do que o estabelecimento de padrões mínimos devisão e ação para a sobrevivência planetária, que exige mais do quereformas ambientais ou mesmo morais. Em todo caso, é útil conceber avisão de sistema (como os ecossistemas que se engendram e formam osambientes, sejam naturais, artificiais, humanos, emocionais etc); a visãode interdependência de fatores, ou seja, de ligação complexa (“tecendojunto”) das coisas, a visão holística e cármica, sem o viés religioso daspalavras; o fato de que as coisas se comunicam entre si (como o ambiente,onde plantas, projetos e pessoas vicejam mais ou menos dependendo docontexto e de uma série de fatores); onde nos vemos com problemaspessoais, que na verdade estão em ligação com problemas de outros anossa volta, e dependentes do ambiente e das culturas que criamos esustentamos. Ainda, numa visão mais profunda, falamos eminseparatividade, ou seja, não estou separado radicalmente dos outros nemdos seres naturais. 18 A Ecopsicologia centra toda sua ação neste sentido, estabelecer contatoprofundo com nossos sentimentos, nosso corpo, nossa ligação psíquica com anatureza... (ver MACY, 2004).

Page 49: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Tendo em mente tais breves pressupostos, pode-se haurir valorda contribuição ética e ecológica da tradição (meditativa) budistatibetana hoje - psicológica, filosófica, ética, espiritual, conforme oenfoque – que tocamos.

Algumas contribuições da visão e prática atual do budismo tibetanopara a ética ambiental

O nome mais conhecido e representativo da tradição budista emgeral é hoje o do XIV Dalai Lama19, com dezenas de obras traduzidas pelomundo afora. No Brasil, tal tradição floresceu de forma intensa nosúltimos 20 anos. Ressalto por exemplo um nome que desponta, o exprofessor de física (UFRGS) e filósofo Lama Padma Samten, autor de A jóiados desejos, Meditando a vida, Mandala do Lótus e Relações e conflitos, além deO lama e o economista, que faz um trabalho de adaptação brasileira datradição, e opta por uma abordagem enfaticamente filosófica, reflexiva,da mesma. Tal trabalho de adaptação, numa consideração hermenêutica,é essencial para não se cair no arcaísmo, na anacronia e emdeslocamentos de contextos sem a perspectiva da mediação crucial dopresente, da recepção dos textos e discursos em cada momento histórico.Ou seja, não trazemos nunca os textos antigos para o presente como tais,mas sempre na mediação das interpretações e horizontes possíveis einteressantes dos intérpretes (GADAMER, 1998, 400ss e 436ss). Por isso,a leitura atualizada, dirigida, sempre interpretada e cotejada com osproblemas e motivações e perguntas cruciais do intérprete e seu tempo éque valem, muito mais do que a precipitada vontade de objetividade dostextos antigos e sua tradução “completa”. É por isso que não precisamosdo pseudo rigor pleno de retorno historicista e racionalista para fazervaler os sentidos estimulados pelas leituras e interpretações dos textos eidéias antigas. Dito isto, se entende melhor a necessária recepçãoocidental e brasileira de idéias e práticas impactantes de outras tradiçõesna atualidade. Na verdade, na tradição em pauta, os textos devem sertestados pelo intérprete, na prática da vida cotidiana, antes que nocotejar e nas disputas de argumentos.

19 Sobre sua história e fuga do Tibet assista-se o filme “Kundum”.

Page 50: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Diga-se ainda, que a leitura e recepção do século XIX de textos da“filosofia”, psicologia ou mesmo religião (seja como for) budista,presente por exemplo em autores como Schopenhauer, mas também eraa impressão de um Hegel e de um Nietzsche, tornaram-se por demaisniilistas. Este niilismo já latejava naquele momento, bem como uma certanoção de renúncia ao mundo concreto (que pode ser feita de modoidealista alemão por exemplo, pela razão [...]), como se a tradição“oriental” fosse dicotômica e pregasse o abandono do mundo e apassividade. Alerte-se, portanto, que tal leitura foi importante mas nãotraduz necessariamente o bonum e o leque dos usos possíveis daexperiência trazida pelo budismo.

Ainda, outro alerta importante é entender que não há apenas umsó budismo, quanto mais uma filosofia oriental. A diversidade de escolasé imensa. Deveríamos no mínimo do mínimo diferenciar entre as escolasindianas originais do budismo, budismo japonês (zen), budismo chinês(chan) e budismo tibetano (não esquecendo que há escolas, mosteiros etc.em outros países com peculiaridades próprias). Escolhemos o budismotibetano, e dentro dele na verdade a escola madhyamika, do caminho domeio20, devido a ser uma escola filosófica e ao mesmo tempo de grandepotencial de compreensão do sujeito humano e sua mente, e ainda, comintenção pragmático-ética intensa21.

20 Nome fundamental desta escola, é Nagarjuna (150-250 A.C.), bem comoShantideva (687-763 d.C.), professor da famosa escola Nalanda na Índia. 21 “No Prasangika Madhyamika, os proponentes não aceitam ou apresentam,como as outras escolas fazem, qualquer teoria em qualquer um dos quatromodos, conhecidos como as quatro alternativas de existência: [1] "é", [2] "não é",[3] tanto "é" quanto "não é", [4] não "é" nem "não é". Tomar uma posição ouapresentar uma teoria que caia sob um dos quatro modos é comprometer-se eapegar-se àquela teoria. Isto causa pontos de vista contraditórios e produz umateoria que tem o defeito de precisar ser defendida. Os prasangikas simplesmentedemolem e rejeitam as teorias dos outros. As principais teorias a seremdemolidas são aquelas mantém uma ou outra das visões extremas dosubstancialismo e do niilismo. O substancialismo [ou eternalismo] afirma aexistência de uma entidade universal que gera os fenômenos. O niilismo nega aexistência de tal substância subjacente. O método dos prasangikas é expor asconseqüências das visões dos outros sem apresentar qualquer visão própria.”(Tülku Thöndub Rinpoche)

Page 51: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Em Ética para o novo milênio, de Dalai Lama (2000, p. 138),podemos encontrar algo da ética advinda da noção mais capital nobudismo tibetano: nying je (traduzido como “compaixão”). Sobre isso,diz o autor no capítulo VII: “Forma-se um sentimento de intimidade comtodos os seres sensíveis, inclusive com os que podem nos ferir,comparado na literatura ao que a mãe experimenta por um filho único.”

No budismo tibetano a compaixão é fruto de um amplo processo,que começa com a percepção do estado da mente (em desequilíbrio). Emnossa tradição tendemos a pensar compaixão como pena ou piedade,uma noção comprometida com certa idéia de fraqueza, deinautenticidade do que somos concretamente, e ligada a uma motivaçãoem geral religiosa ou piedosa. Estes preconceitos relacionados com idéiasreligiosas (bem como ao positivismo ainda presente nas academias)confundem francamente a percepção de sabedoria ética proposta para osseres humanos e o possível caráter de seu valor universal, enquantoexperiência aberta e com vários graus de intensidade. A compaixão - nasobras do maior mestre vivo do budismo tibetano - não é vista como umaoperação artificial, fácil ou subterfúgio do sujeito; ao mesmo tempo emque ela se liga à sua essência, ao que ele é mais profundamente (e aípodemos discutir ilações metafísicas diversas), em geral pode estaroculta por outras demandas que tomam conta da consciência, vontade eafetividade do sujeito. Por tanto, a compaixão exige toda uma prática,não apenas intelectual, mas de corpo, emoção e mente (o que incluirelações humanas) para ser des-sedimentada, trazida à tona. O budismo,muito dele, entra como psicologia no ocidente, o que é deverasinteressante quando une reflexão e usos pragmáticos, éticos e de auto-compreensão. Num certo sentido, trata-se de levar às últimasconseqüências a intenção de Sócrates de penetração naquilo que “somos”mais originalmente.

A mente inquieta pode ser útil e ativa (criativa) em muitos casos,não obstante, é neste contexto que se geraria sofrimento. Por que ?Porque a mente inquieta é em geral faminta e deseja como ego consumira tudo no modo da objetificação, e em geral não se contenta com o quetem; nem com o presente (estando presa ao passado e às demandas defuturo – “um dia serei bom, rico, livre, etc”); a mente inquieta é como ummacaco que não consegue parar no galho. Enfaticamente, quanto menos

Page 52: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

pacificação, a mente não domesticada domina o sujeito. Mais que falar, osujeito é falado (gerede), pela tagarelice mental, pela cultura de massa. Emtese, ele acha que está no controle e tem autonomia, mas quando cai emsi ou se enfrenta com dificuldades maiores da própria vida e seus limites(perdas, mortes etc), vê-se escravo de uma série de condicionamentos,idéias, preconceitos, desejos egoístas, manias; falamos aqui certamentede condicionamentos ou hábitos negativos, e que impedem a mente ouconsciência de ter lucidez. A mente, perpassada por desejos sem fim, estáa serviço do ego; no entanto pode também, sem serenidade e semlucidez, levá-lo a um desgaste tremendo, cansaço, desânimo, frustração,perda da capacidade de amar, não aceitação da morte, medo doenvelhecimento, da doença, enfim, medo de viver (NAGARJUNA, 1994,cap. 1). É esta inquietude, estes medos, estas frustrações e toda umacarga imensa de negatividade a se retroalimentar que temos deinvestigar se queremos chegar às causas da degradação ecológica e social.Esta é não mais que uma conseqüência dos habitus, do ethos e da mentehumana. Por que trataríamos bem os animais se não o fazemos com ascrianças ?

No caminho do desejar coisas externas e colocar nelas adependência da felicidade, é aí que habita a grande armadilha da nãoaceitação da realidade e da infelicidade humana (SAMTEN, 2001, cap.1).O sujeito dominado pela negatividade, frustração e os desejosinfindáveis da mente (o desejo do infinito projetado nas coisas finitas, asociedade de consumo substituindo a relação Eu-Tu ?) os quais semanifestam na exacerbação do uso do corpo no máximo das sensações,está automaticamente tomado pelo conjunto de causalidades que oultrapassam e que formam o que se chama de carma (em sânscrito, ação),ou ações condicionadas. É neste contexto que aparece uma série de não-virtudes, as ações egoístas e danosas - frutos em geral da infelicidade edo auto-centramento narcísico do indivíduo sobre seu próprio sofrer,acima do sofrer dos outros.

Por outro lado, se percebêssemos a sabedoria de que “é a nossaexperiência de sofrimento que nos une a nossos semelhantes” (DALAILAMA, 2000, p. 148), seria mais motivador descentrar-se. Para obudismo em pauta, todo ser, essencialmente, procura evitar o sofrimentoe alcançar a felicidade. Mas o método (caminho) e atitudes utilizadas não

Page 53: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

têm sido corretos, pois não possuem lucidez e não compreendem aprofundidade ética da existência e dos seres em sua inseparatividade; adificuldade maior é não obter uma prática efetiva e adequada eperseverante para ver e realizar isso. Em primeiro lugar, é preciso atuarcom a “motivação correta”: “A motivação correta – trazer benefício aosoutros seres – tem o poder de transformar ações aparentemente comunsem prática espiritual” (SAMTEN, 1995, p.46 ). Aqui, a dimensãoespiritual não significa estar dentro de uma religião, mas um caminho decompreensão e de aprimoramento do sujeito de modo a tornar-se aquiloque ele, no fundo, mais deseja (um infinito?), felicidade, amor, bondade,união, serenidade, enfim, dimensões positivas e de grande alegria deviver. Como diz Dalai Lama, “religião deve ser compaixão, bondade eamor”, portanto, universalização do bem humano em profundidade.Não há ser humano que não encontre nisso algum valor e vida profunda.

Ou seja, a concepção individualista do ego, e do uso de outrempara sua própria gratificação, tomando os seres todos como objetos,objetifica também o próprio eu, que perde o contato (espiritual) com ouniverso, ou seja, com a “natureza ilimitada” de cada um. O conceito denatureza ilimitada (SAMTEN, 2006, p. 85ss) é chave dentro da leitura quefazemos do budismo, pois fala de uma essência que atravessa a vida euma realidade absoluta, para além das formas relativas (incluindo amorte). Em teoria, a partir do olhar da filosofia no ocidente,entenderíamos isso como o Ser acima dos entes e que permanece, típicoda metafísica clássica. É plausível, no entanto o entendimento éticoprofundo, vivencial, desta dimensão, como aconselham os mestres dobudismo, só pode ser alcançado por um via não racional; portanto, ameditação e suas várias formas têm precedência. A estrutura teórica,mais ou menos metafísica (ou não), é apenas um caminho provisório,maleável. A metáfora do discípulo confuso que olhava para o dedo deBuda apontando para a Lua é exemplar. O dedo serve apenas paraapontar algo, mas você deve contemplar de fato a Lua e não o dedo.

Para o budismo, “Buda” significa não um deus do passado ouque está nos céus, mas uma metáfora de iluminação, um despertarprofundo. É a essência natural de cada um, muitas vezes sedimentada econtaminada pelo apego ao eu e sua satisfação imediata, aomaterialismo, aos conceitos e preconceitos. Sem a remoção dos

Page 54: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

obstáculos (internos), não há progresso no caminho do despertar. O queevocaria uma boa reflexão é se há graus neste despertar, até ondepodemos chegar neste caminho. Em todo caso, junto de elementosespirituais (humanos), o budismo, principalmente o tibetano e da escolaMadhyamika, é, deveras, apuradamente filosófico, na medida em que fazuma des-realização ou des-solidificação do ente, dos conceitos, para alémdo Ser e do Nada, das gravitações da dualidade da razão convencionalcentrada no ego (filosofias da consciência, modernidade). Asperspectivas de Heidegger são bem apropriadas aqui numa comparação,no caminho de desconstrução da metafísica, do sujeito e da exacerbaçãoda técnica como destinação espiritual do ocidente. A dimensão ecológicaentra aqui de modo pleno.

A profundidade de uma ética budista é revelada quando sepercebe que a busca se coloca antes de bem e mal, antes das dualidadesda percepção, dos conflitos da emoção, das dicotomias sejam religiosassejam mundanas. Ou seja, a realização moral é dependente da resoluçãodos conflitos “interiores” (mentais, que não se desligam de modo algumdo “exterior”); é dependente do aflorar da natureza interior, a saber, umatomada de consciência e um despertar para aquilo que acontece de fatocomigo e com o mundo. “No que se refere à ética, contudo, o maisimportante é que, onde o amor pelo próximo, a afeição, a bondade e acompaixão estão vivas, verificamos que a conduta ética é espontânea”(DALAI LAMA, 2000, p. 147).

Esta “natureza desperta ou ilimitada” advém através de todo umprocesso, por exemplo: percepção do sofrimento próprio e dos outros;tomada de decisão de seguir o caminho espiritual (questionamento da“roda da vida”, onde estamos presos); prática de religiosidade comoauxílio; evitar os “venenos da mente” egoísta e as ações não-virtuosas(praticar moralidade e bondade, isso é claramente uma demanda ética dobudismo); meditação contínua (silenciosa em especial); aceitação eprática da compaixão por todos os seres; caminho do Bodisatva (aqueleque vem para ajudar os outros seres a ultrapassar o sofrimento da “rodada vida” – condicionamentos e automatismos) e iluminação (um estadoque todo ser já contém em si, conjugado ao próprio universo).

Não obstante, o budismo não prega aceder à iluminação paradepois agir eticamente. Não. Os textos dos filósofos e mestres falam

Page 55: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

eminentemente em prática da generosidade, na manutenção da energiasocial constante e da alegria pessoal; na equanimidade, colocando-se noseu lugar e na humildade, e também no “tomar refúgio”: na comunidadede praticantes e na meditação, no Dharma (caminho, ensinamento,retidão [...]), nos mestres, mas acima de tudo no “colo do absoluto”, nanatureza ilimitada presente em cada um. Tomar refúgio em sua próprianatureza, num mundo de extrema extroversão e consumo de objetos; sersenhor de sua própria vida, sua mente, seu corpo; cuidar de suasrelações. Um ideal ético desafiador. Pergunta ele: “Que tipo de amor é ode vocês, aquele que só existe se o outro sorrir ? Esse amor baseia-se noque recebemos, por isso é frágil” (SAMTEN, 2001, p. 75).

O budismo mostra, portanto, como é fundamental trabalharmoscom as nossas marcas mentais, ou habitus (chamados de carma) queprovêm de longos anos e de situações familiares, e que muitas vezes sãocausadores de nossa não compreensão da harmonia, ou melhor, daliberdade, da lucidez e da preciosidade que é a vida humana. Hápreliminarmente três “automatismos” do eu visados na prática budista, ocognitivo, o emocional, e o cármico (na ordem: aparente, oculto e sutil),este último é o mais difícil de lidar (SAMTEN, 2001, p. 80). Ou seja,podemos com esforço aprimorar idéias, percepções, conhecimentos e atémudar. Já no segundo nível, um bom exemplo é a necessidade de fazeralguma terapia durante muitos anos para acessar dimensões que noscausam sofrimento. O terceiro é o mais longo, profundo e difícil, pois sãodimensões que podem estar ligadas ou encarnadas ao nosso ego demodo sutil e profundo, e que geram novos apegos e inquietudes esofrimentos de difícil investigação. Há uma gama de meditações e astécnicas mentais para tentar acessá-las, durante muito tempo, e removê-las22.

Na mesma época em que na Grécia antiga Heráclito pregava o“tudo flui, nada permanece”, Sidarta Gautama, na Índia de 2600 anosatrás, pregava a impermanência de tudo. A impermanência é um dosensinamentos básicos, para mostrar que todo projeto humano, todapossibilidade está perpassada por impossibilidades; toda visão de22 A profundidade da psicologia budista é vista quando se surpreende umcatálogo de 84 mil nuances mentais, ligados á estados emocionais, construído etestado durante séculos.

Page 56: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

mundo é momentânea, o ego é frágil e passageiro, nossos apegos maisainda. Segundo essa posição, a vida humana é altamente preciosa, é aoportunidade única para “evoluir” e chegar ao sentido maior daexistência para além da existência cíclica (roda da vida condicionada). Oque faz transcender o tempo e espaço, como os conhecemos, são asexperiências relativas à natureza ilimitada, demonstradas na meditação,bondade, amor e compaixão e, assim, estado de felicidade duradoura.Estes aspectos “são fundamentais para a sobrevivência da espéciehumana” (DALAI LAMA, 2000, p. 146). E é esta a sua ventilada“revolução espiritual”. Temos aí, uma base que pode revolver o ethoscapitalista deste a raiz, revertendo quem sabe o processo de degradaçãoeconômica, social e ecológica atual.

Segundo o Budismo, o qual perceber-se ecológico por natureza,desde a raiz, a interligação e complexidade de todos os seres, bem comoa interdependência de observador e observado, são algo natural e vivido.“Acredito que cada um de nossos atos tem uma dimensão universal”(idem). E mais, o budismo opera com a concepção de que além dainterdependência, própria da ecologia e do holismo (bom exemplo é aecologia profunda), o homem situa-se na inseparatividade, apesar devivenciar percepções separadas entre as coisas e entre os humanos, eentre os humanos e os outros seres, e com o universo. Junto com o dailuminação, a inseparatividade é o conceito mais difícil de entender evivenciar como tal, até porque ele se dá dialeticamente em meio àseparatividade. O budismo, tal como certo aspecto teórico dafenomenologia (cf. VARELA, 2001, cap. II), possui apuradas teorias,debates e, acima de tudo, práticas de corpo e mente para vencer asdicotomias, colocar-se sempre acima da dualidade. Circularidadefundamental, dirá Merleau-Ponty, inseparatividade dirá o budismotibetano. Uma boa metáfora criada é a da mandala. Olhar a naturezacomo mandala parece fácil, pois conhecemos hoje os ecossistemas einterligações de tempo, espaço, energia, que entrelaçam odesenvolvimento dos contextos bióticos e das esferas e níveis emhomeostase; mas olhar as sociedades, pessoas e acontecimentos dentrodeste aspecto altamente sistêmico, de causalidades entrelaçadas, torna-seuma tarefa surpreendente e difícil, ao mesmo tempo que preservando asconquistas da liberdade individual e do estado não naturalístico da

Page 57: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

política e de nosso tempo. Uma universalidade levada ao extremo, umasolidariedade básica anterior à própria vivência ética; o caráter deabsoluto de uma natureza ilimitada para além das aparências e darelatividade de todas as coisas que concebemos na dualidade ediscriminação. O budismo nos convidaria a um certo retorno aperspectivas antigas, metafísicas, naturalistas ? Não acredite antes detestar, eis o conselho. O efeito do medicamento depende de cadapaciente; e além do mais, para o budismo, todo medicamento é tambémveneno, como o pharmakon de Platão. Notável sabedoria (cf.SHANTIDEVA, 1992).

O chefe espiritual do Tibet prega uma responsabilidade universal, apartir de uma “consciência universal” básica e imprescindível nestes“tempos de degenerescência” que, prescindindo da culpa e suasneuroses, aponta apenas a coerência do “caminho do meio”, dodirecionar corações e mentes para os outros. Dalai Lama afirma váriasvezes a “uniformidade da família humana”, e que basicamente, “todossomos iguais” (DALAI LAMA, 2000, p. 179); todos sofremos, somosfrágeis e ao mesmo tempo temos a natureza de algo perfeito. O perfeitoparticipa do imperfeito.

Isso tudo implica naturalmente a ética ambiental, já que todos osseres estão envolvidos e têm dignidade própria. Sobre o meio ambienteem particular, os budistas têm falado fartamente. Em Ética para o novomilênio, Dalai Lama afirma que a insatisfação das pessoas, fruto doegoísmo, apego e desejo, estão na origem da destruição ecológica edesintegração social (Idem, p.181). Aí, inveja, competitividade,crescimento do materialismo e da insatisfação convivem juntos. Elecritica pois o incessante crescimento econômico, a infelicidade causada evivida pelos ricos23, a desigualdade e injustiça nas relações Norte-Sul; epor outro lado, mostra-se otimista pelo crescimento da busca pelo“mundo interior”, pelo nível de conscientização, pelas soluções não-violentas de conflitos, e pelas novas esperanças que surgem para osoprimidos (DALAI LAMA, 2000, p. 185).

23 A vida de luxo “estraga as pessoas” e mina a civilização e o ambiente, cf. p.191.

Page 58: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Diferentemente de um holismo místico, a obra expressa que omundo natural é nosso lar, mas não é necessariamente sagrado ou santo,mas “o lugar onde vivemos”; trata-se pois, em questão socioambiental,de nossa sobrevivência antes de tudo. Ele fala ainda na necessidade deum desenvolvimento sustentável, de um planejamento familiar efetivo ecuidadoso, e da urgência da paz e do desarmamento (Idem, p. 204). Numlance de realismo e humildade, Dalai Lama afirma que precisamos, indoalém dos princípios, das palavras e filosofias, tomar medidas práticas;cada um deve fazer o que pode, mas que o faça24. Há também umamensagem que serve bem para os filósofos e intelectuais: “Os que têmgrande erudição, mas não têm bom coração, correm o risco de serematormentados por ansiedades e inquietações de desejos que não podemser realizados.” (Idem, p. 196).

Consequências: um convite à experiência ético-ambiental permeada pelatradição budista tibetana

Por conseguinte, é cada vez mais claro, ao nosso ver, a importân-cia inspiradora da retomada de culturas e filosofias de caráter não-dualista, não-dicotômico, não-cartesiana, e com ênfase pragmática,propícia para o que chamamos de filosofia prática, e que tem algoessencial a dizer e experienciar frente à crise dos rumos da cultura doOcidente (o “american way of life”). Os rumos de efetivação a seremtomados por uma tal proposta, ampliada e abrangente, demarcar-se-ãosem dúvida no campo central que é a ética e a educação (ambiental,integral)25, evidentemente aberta a novos fundamentos filosóficos

24 Cf. Dalai Lama, p. 194 25 "O papel histórico da educação ambiental consiste em passar em revista asculturas e as religiões tradicionais descritas aqui para descobrir o que elas têmem comum quanto às relações humanas e sua responsabilidade face ao meioambiente - em outros termos, os ingredientes comuns a uma ética ambientaluniversal. Uma atitude moral relativa ao ambiente no plano pessoal e profis-sional, individual e coletivo, que seja válido no mundo inteiro é, por sua vez, ahipótese e o fim deste novo grande domínio da educação, fazendo da EducaçãoAmbiental o princípio e o instrumento indispensável a seu desenvolvimento."

Page 59: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

atualizados e eficazes, numa hermenêutica ou dialética do novo e doantigo.

O reconhecimento do valor da tradição budista tibetana, tanto emtermos de discussão filosófica e existencial, quanto em dimensõesespirituais, tem despontado no ocidente a ponto de alguns autoresfalarem em um novo renascimento no ocidente, onde entram dimensãoecológica, guinada para o feminino, direitos humanos, novos paradigmasem ciência e outros movimentos culturais. A ecopsicologia é outro bomexemplo disso; mas também o crescente número de experimentadoresdas práticas e os teorizadores do legado budista o demonstram. NoBrasil esse processo estaria ainda em seus começos. Em países europeuse mesmo os EUA os estudos budistas têm sido intensos dentro e fora dasacademias (mosteiros, centro de estudos, locais de práticas), bastando verpelo número crescente de traduções de textos antigos e publicações decomentadores26.

O ponto que nos chama neste escrito é contudo a afirmação daforça argumentativa e práxica da compaixão universal, dainseparatividade dos destinos, da visão de interdependência de fatoreshumanos, naturais, e a possibilidade de estender uma ética global sob abandeira laica e includente da alteridade que pode ser a ecologia. Umethos mundial e consensos mínimos baseados no atual estado dedegenerescência cultural, e ao mesmo tempo no potencial imenso dosseres humanos para fazerem florescer o bem, a alegria, o amor, enfim, acompaixão pelos seres. Certamente este é um ideal voltado para o futuro,e também sempre um ideal. Não obstante, a inspiração budista nosindica a vivência plena do presente, começando onde estamos,assumindo completamente nosso estado atual, e da inclusão dos outroscomo prioridade, neste grande mistério que é viver como ser-com-os-outros e como ser-no-mundo. É provável que estejamos ainda numtempo inicial deste caminho; e o importante é caminhar, contemplandomais a Lua do que o dedo que a aponta.

(Connexion, p. 2).26 Uma simples pesquisa em um buscador de internet colocando-se a palavra“Buddha” (em inglês) aparecem 27 milhões de referências; 23 milhões com apalavra “buddhist”, mais 12 milhões para “buda”; e 500 mil para a expressãocompleta "buddhist philosophy".

Page 60: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

PARTE III

TEMPOS DE AÇÃO

5 - A “METAFÍSICA” DO CONSUMO INFINITO E A BUSCA DAFELICIDADE

Cada vez mais busco ter cuidado - mesmo que por vezes nãoconsiga - ao escrever um texto ou então fazer uma palestra, denunciandocoisas que não estão boas em nossas corporações, e em nossocomportamento. Este receio revela um pouco do nosso tempo, em quetemos muitas informações sobre os problemas sociais e ecológicos,muitos deles distantes e grandes, outros próximos e menores que seassomam, porém, temos reduzidas motivações e habilidades para a ação.Um clima de medo se instaura neste momento, e o risco dele é a quedana embriaguez, entorpecimento, ou no esquecimento. Em todo caso, háuma dor, culpa e impacto que se grava em nós aos poucos, e se une ànossa crise existencial. Muitas pessoas evitam entrar em contato com ador de ver, a inquietude de tomar consciência, a responsabilidade desaber algo e que se poderia fazer algo outro, pois a situação deveria serdiferente, melhor. Mais intenso ainda é quando olhamos para as nossascrianças, e tememos pelo futuro. O tempo exige superar esse torpor.Talvez uma reconciliação mais profunda se possa encontrar debaixo dadesesperança.

O tema do consumo e do comportamento pessoal dos hábitos daspessoas em sociedade, no ambiente, é dramático. De um lado, temos umesbanjamento de recursos, a criação de um consumo baseado quase todoem cima de supérfluos, a produção de novas demandas, e de outro ladouma miséria que campeia. Imagine o quanto é surpreendente perceberque os próprios hábitos alimentares, por exemplo, estão causandoimpactos ecológicos e urbanos crescentes, ou mesmo em nossa saúde, ouaté em nossas relações? Sim, relações, afetivas em especial, pois cada vezmais elas não estão imunes às demandas de consumo, de troca demercadoria ou obtenção do novo. Num estágio de alto grau de

Page 61: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

mercantilização, não apenas econômica mas a invadir a esfera cultural,nossa vida simbólica, emocional, familiar é afetada pela lógica vigente,da rotatividade e do efêmero. O que se coloca agora, como melhor formapara enfrentar esta lógica vigente, não é apenas o uso do nível racionalda informação, pois ela não tem nos levado a uma postura responsável.Pode até nos paralisar ou fazer entrar na velocidade do descarte, comonum tablóide em que lemos mil notícias soltas. A melhor forma pareceser cada vez mais a mudança de energia psicossocial, ou de modelosrelacionais, e através de bons exemplos; ou seja, observar como emitimosformas de “ser com os outros” no mundo e com o ambiente ondeestamos; como atraímos eventos negativos ou positivos, comoreproduzimos a violência que nós mesmos estamos a criticar. É algo emcima disso que este artigo buscará refletir, em torno de um conceitolapidar e novo, a metafísica do consumo em nossa vida, e como ela podedeterminar nossa saúde e ambiente, impedindo, através do apegodoentio, caminhos de felicidade mais sustentáveis e originais dohumano.

A idéia de Metafísica aplicada ao entendimento do fenômeno do Consumo

Em metafísica trata-se de buscar uma explicação e causa primeirae fundante do que tem sentido. Ou seja, a metafísica tradicionalmenteserviu para argumentar sobre o significado mais profundo das coisas,sua ligação com os fundamentos e sobre a realidade que está mais além,primordial, e que justifica o sentido da realidade presente. A metafísicabusca então as verdades primeiras, as causas, as essências que mepermitem entender o mundo mais profundamente. Operarmetafisicamente é colocar causas, é crer numa verdade fundamental, éunir verdade e bem, pois o que é verdadeiro, em geral, é bom e se liga aobem, a uma moral; implica buscar algo que visa transcendência, que vaialém do efêmero e além da aparência, pois busca o que tem substância. Oque dá sentido à vida presente? De onde viemos, para onde vamos? Qualo sentido da vida, da morte, da sociedade ? Eis grandes perguntas queconvidam a um olhar metafísico, que pode ser abstrato ou bem presenteem nossa existência.

Page 62: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

A metafísica aponta assim para a nossa busca de infinitude, deser mais que animal, de ir além, e até de imortalidade. Ser humano é “in-sistir” na vida, numa busca do paraíso perdido, do eldorado (do ouro...)do segredo, do divino. É a eterna fome humana pelo sentido inesgotávelda Vida, da natureza, de Deus. Como diz Levinas, ser humano é situar-seno reino da necessidade mas também no modo desejante, do Desejometafísico, abertura humana como fome que nada sacia; e é aí somenteque ele pode apontar para e aceitar o outro como outro, que permaneceinfinito27.

O fenômeno do consumo é próprio de toda sociedade humana, éum fato social que dá contas de necessidades básicas do animal humano.No entanto, hoje falamos em consumismo. É aí que podemos cotejar aidéia de metafísica, ou até, uma outra idéia agregada a esta: a religião doconsumo. Diz-se que a religião estaria moribunda, e superada pelaciência. Talvez não, pois ela pode estar camuflada em muitas práticassociais. Muitos acham que o mundo da tecnociência e do mercado, eentão do consumo voraz, teriam matado a metafísica, que é sinônimo defilosofia. Seria o fim da filosofia e da preocupação metafísica com osfundamentos e da própria religião ? Se assim o fosse, seria evidente oproblema, mas o “furo da bala” talvez seja mais embaixo. Ocorre que ametafísica tornada consumo, nitidamente na atual sociedade do americanway of life, parece antever e viver a possibilidade de tomar o outro, oinfinito e o metafísico como consumível, engolível, e talvez de modotrágico, pois este consumo torna-se crescente e insatisfeito. Voltando ànossa tese inicial, parece plausível entender que o consumo atual - e todoo marketing invasivo presente é prova disso - tomou o lugar dasmetafísicas, e modificou as formas tradicionais de vida e organizaçãosocial em torno da busca de bens e consumo no modelo desenfreado docapitalismo.

O mito de Sísifo é excelente para demonstrar essa situação socialcontemporânea. Na mitologia grega, Sísifo, filho do rei Éolo, da Tessália,e Enarete, era considerado o mais astuto de todos os mortais. Mestre da

27 Sobre Levinas indico: Pelizzoli, Marcelo. Levinas: a reconstrução da subjetividade.Edipucrs, 2002.

Page 63: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

malícia e dos truques, ele entrou para a tradição como um dos maioresofensores dos deuses. Chegou a enganar por duas vezes a Morte. Sísifomorreu de velhice e Zeus enviou Hermes para conduzir sua alma aoHades. No Hades, Sísifo foi considerado um grande rebelde e teve umcastigo, juntamente com Prometeu, Títio, Tântalo e Ixíon. Por toda aeternidade Sísifo foi condenado a rolar uma grande pedra de mármorecom suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez queele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanhaabaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. Daí que,a tarefa que envolve esforços inúteis ou dispendiosos demais passou aser chamada "Trabalho de Sísifo".

O sistema atual pressupõe uma instância inesgotáveis depossibilidades de recursos naturais e de usos os mais variados. A fometecnológica, a sua expansão vertiginosa, a abertura de mercados e oarrebanhar de consumidores intermitentes, tudo se liga para formar anova Metafísica, do consumo. Mas como toda metafísica, ela precisa sejustificar, fazer valer seu sentido, e como ela o faz ? Os argumentos aquiseriam fracos: como defender a abertura de mercados, a idéia decrescimento econômico e progresso, bases que dependem exatamente doconsumo crescente, diante da destruição socioambiental ? É nestemomento que a metafísica do consumo mostra uma de suas partesperversas: ela se justifica pelo que tem sido, pelo fato de ela estar aí, estar“funcionando” e ser “necessária”, e não haver na praça (e se há éconsiderada menor, fraca, radical, ou romântica, ou louca, algo assim,anormal) nada que a supere. Ou seja, a sua verdade esta no fato de queela é, ela é o próprio ser, ou seja a ontologia do real, a saber, a própriarealidade ! Como diz a Coca-cola28, “Coca-cola é isso aí” ! Seria absurdo

28 Se observarmos a fórmula original da Coca-cola do final do séc. XIX, até queparece um produto não tão nefasto: Açúcar: 2400g, água, Caramelo: 37g,Cafeína: 3,1g, Folha descocainizada de coca, 1,1g, Noz de cola: 0,37g, Embeba asfolhas de coca e nozes de cola em 22g de álcool a 20%, coe e acrescente líquidoao xarope. Suco de lima: 30g, Glicerina: 19g, Extrato de baunilha: 1,5g, óleo delaranja: 0,47g, óleo de limão: 0,88g, noz-moscada: 0,07g, óleo de cássia (canelachinesa): 0,20g, óleo de coentro: traços Nerol (tirado de uma variedade de floresde laranjeira): traços óleo de lima: 0,27g.

Page 64: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

dizer isso, ou coisas como: “Isso é que é", "Coca-Cola dá mais vida atudo", "Emoção pra valer", além das mais recentes: "Essa é a real".Surpreendente não ? Mas para um produto que nos bombardeia commilhões de símbolos o tempo inteiro, musicados, falados, filmados,vistos e usados, ele se torna o próprio real, o normal, e os outros,apêndices dele. E nós queremos estar in, ou seja, dentro do real,participantes sociais. Eis o processo exato de tomada do lugar metafísicoexplicativo e justificativo do sentido do real, e por sua vez da própriavida. Algo que é porque está sendo, e sendo confirmado pela veiculaçãomaciça, acompanhada do uso maciço. “Sempre Coca-cola”; mais umavez é a própria ontologia29 do real, a metafísica que permanece! Nãoobstante, a destruição de nossa saúde e do ambiente tem sido maciçatambém, não é ? Mas para a Coca-cola, ou o Mcdonald´s, isso seria umafalha vinda de outro lugar, não do uso de seus produtos! E quandotemos uma medicina que separa as causas dos efeitos, e só vê a doençaisoladamente e sem ir às causas, o ciclo de perversão está fechado. Oproblema não seria pois, nessa ótica, o consumo, seus excessos, seusaditivos químicos, sua precariedade nutricional, e sua capacidade dedestruição da saúde e do ambiente, mas a falta dele, e a falta dele demodo ainda mais sofisticado.

O ato do consumo levado ao consumismo pode beirar a uma religiãoobjetificada ?

Uma das obras mais destacadas e fortes, em tom crítico e irônico,ao uso de religiões para a defesa do próprio ego e a auto-proteçãoenganosa em nome de práticas místicas se chama: Para além domaterialismo espiritual, do mestre tibetano-americano Chogyam Trungpa.É uma denúncia muito perspicaz de como podemos estar enredados nosobjetos que pretensamente seriam indispensáveis para nós,crescentemente, e de como passamos desta objetificação para as relaçõescom os outros e com o divino ou o místico. Portanto, compreende-secomo a própria religiosidade pode estar “comprada” pela busca ansiosa

29 Ontologia estuda a essência, o ser, aquilo que é, e que permanece. E a essênciado ser humano.

Page 65: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

do gozo fugaz, do gole mais forte, das novas conquistas, da retenção decoisas que se tornam apêndices nossos, tudo muito difícil quando chegao momento de largar as coisas, momento da entrega.

Análises consagradas neste campo do que movimenta aeconomia, veio com Marx com a idéia do fetiche, ou feitiço, gerado pelacultura capitalista. Tais mistificações seriam essenciais para o girar daroda que em seu movimento torna a tudo mercadoria, mas não qualquerobjeto oferecido, mas objetos altamente desejados, enfeitiçados. Ametafísica aqui seria a produção alienante de fantasmas para além darealidade presente. Numa voracidade da mercadoria, o que importariana realidade não é tanto o que ou como é consumido, mas o própriomovimento de consumir. Quer um exemplo? Quando alguém entranuma loja ou num supermercado, sem ao menos saber bem o que vaicomprar ! O que conta é dar vazão à ansiedade, preencher algo que mefalta mas não sei bem o que é30. É mais do que o objeto a que eu passo aprecisar.

Na religião fetichista do objeto, não há na verdade umaautonomia e liberdade do sujeito no seu uso; surpreendentemente, háuma objetificação do próprio sujeito e uma quase autonomia do objeto,ou da máquina. “A produção produz não só um objeto para um sujeito,mas também um sujeito para um objeto. Do mesmo modo o consumoproduz a disposição do produtor solicitando-o como necessidade quedetermina a finalidade da produção.”31 A metafísica do consumo temcomo motor a repetição. Voltar e voltar, na mesma ação, no hábito. Eneste roldão, as corporações sabem que precisam massificar a marca nasmentes e desejos dos consumidores; eles devem ser bons consumidores,assim como quem diz que “comer bem” é comer bastante, e sempre. Asformas invasivas de inserir uma marca são hoje as mais diversas, desde apropaganda direta na mídia, até entrar em filmes, novelas, escolas,produtos de uso diário, músicas, sempre em associações com imagens de

30 “La avidez insatisfecha que pasa por deseo se corresponde com el deseoilusorio que pasa por necesidad; el gozo fáustico de lo nuevo se aplana en laacallada indiferencia de un ciclo que sólo remeda la novedad apelando a larepeticion” (Schnaith, Nelly, p. 18)31 Marx, Elementos fundamentais para a critica da economia política, Siglo XXI,Buenos Aires, 1972, p.13.

Page 66: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

juventude, beleza, grandeza, natureza, força, constituindo verdadeiramitologia. Há departamentos inteiros especializados em psicologia doconsumidor!

Outro aspecto considerável diz das escalas, níveis e lugares deconsumo. Há toda uma área de consumo feita somente para padrões deelite; é a organização burguesa do consumo. Ela precisa separar eoferecer algo como um serviço especial, de muitas formas, onde você éVIP, ouro, classic, elite, executivo, luxo, cliente especial, gold, fashion, plus,preferencial, exclusivo, e toda uma hipocrisia nebulosa; nestes âmbitos,onde poucos entram, o sujeito é acolhido no status, é considerado mais emelhor do que os outros pelo simples fato de ser do padrão, da classe, epossuir mais, podendo contudo ser até um “cafajeste de marca maior”,um ladrão de colarinho ou um empresário assassino de pessoas e doambiente.

Há também uma confiança excessiva nos objetos do consumo.Mas morremos pela boca. A quantidade de aditivos químicos, aqualidade precária da alimentação artificial, o uso de produtos sem saberde que é feito, de onde vem, que empresa o sustenta, que trabalhoescravo o produziu etc., tudo isso revela uma fé cega, quase religiosa nasociedade de consumo e suas corporações, hoje pouquíssimas epoderosas. Enfim, a questão aqui é poder viver uma religiosidade maisfeliz e menos materialista e frustrante, menos faminta, anti-ecológica,prejudicial. Afinas, até que ponto estes novos templos do consumo,shoppings, nos religam à transcendência que buscamos ou não ?

“Small is beautiful” – O que podemos aprender do pequeno, do simples eda irmã morte ?

Este é um lema econômico-ecológico famoso nos anos 60; nopequeno está o belo. Viva a beleza das pequenas coisas. Elas te exigemmenos. Se alguém vai subir uma montanha ou fazer uma caminhada,quanto menos coisas ele precisar, melhor. Ele pode, se quiser, subir dehelicóptero, mas terá perdido a convivência próxima das coisas, e teráproduzido uma série de poluições ligadas à produção, manutenção eoperação da máquina. Como citei na Parte I, uma família yanomamiprecisa de menos de 70 objetos para viver, quase que numa vida inteira.

Page 67: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Conte agora ao seu redor quantos objetos você está usando ou comprou ?Sim, ninguém precisa voltar a ser índio, precisa contudo “dar jeito” nasua atribulada e objetificada vida, para não ser sufocado pelas coisas. Ametáfora de Tio Patinhas e seus sobrinhos é um bom exemplo dametafísica do consumo infinito, acentuando agora a conservação, apoupança: você deve guardar sempre para, quem sabe, no fim da vidajuntar um milhão. Esta é uma receita que andou pelos jornais e TVs doBrasil por algum tempo, vendendo não só a esperança do milhão, mas aética “estoica” do capitalismo, sua moral sem pudores, ou seja, você deveguardar tudo, para quem sabe um dia poder viver, e este dinheiro é todoseu, não responderá a uma dívida social, não terá responsabilidade socialou ambiental ! A felicidade estaria num cálculo, numa poupada boa,numa bolsa bem aplicada quem sabe, para os mais arrojados. A idéia éfazer dinheiro do próprio dinheiro para quem tem bastante, ou dasmigalhas a serem disputadas por quem tem pouco. E se, no caso de nãoter dado certo, seria você que não soube poupar ! Cá entre nós, qual é averdadeira poupança ? O que será que fica na vida? E quandomorrermos ?

A morte assusta a metafísica do consumo, pois este se querexatamente infinito. A não aceitação da morte (ou melhor, é não aceitaçãoda própria Vida) acompanha aquele que segue a esperança ou obsessão deconsumir a vida em cada comprimido, alimento, bem, posse ou pessoaadquirida. Imagine se eu perder aquela pessoa ? Que pavor. Mas quemsabe, se obtiver dinheiro bastante, juventude ou fama, posso conquistaroutra logo em seguida. A morte é uma irmã sábia. E ela não está apenasno final, e apenas no caixão. Se você reparar bem, temos a visita ou apossibilidade de contínuas mortes, morte de idéias apressadas, mortepor perdas de pessoas queridas, morte por mudanças sexuais, dereligião, de humor, acidentes, mudanças drásticas etc. A impermanênciaé senhora. Cronos, deus (titã) do tempo, não deixa pedra sobre pedra.Qual será seu ensinamento básico, sua metafísica ? O que move oconsumo diante da morte é o medo e o desejo, com certeza. Quandotemos medo, desejamos ser o que não somos, fugir do presente e negar otempo e os acontecimentos. O consumo infinito nega justamente aimpermanência pois nos dá momentaneamente a idéia de cristalizaçãoda mudança, satisfação do ego pela posse, mas sempre momentânea,

Page 68: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

pois ele precisará sempre repetir, e defender suas posses e conquistas; o“olho gordo” pode estar por perto ? Alguém pode me roubar ? Ou algummau agouro ? Preciso de sigilo bancário, sigilo nas contas, pois precisodefender meu pedaço. Quanto tempo gastamos defendendo o efêmero ?Quantos milhões de minutos preciosos em torno das contabilidades, doscálculos, das defesas, do fazer render, do acumular, do proteger e doresgatar ?

Não devemos negar a importância da economia em nossas vidas.Mas, o que significa, para que e em que direção deve ser essa economia ?Economia é a lei da casa. Quanto maior essa casa, quanto mais gasto deenergia, de produtos, mais impacto, esforços, defesas, preocupações,mediações de mediações. Hoje, para se ter um exemplo, existem casascom bankers, com controle via satélite, com sistemas de segurançacomplexos, com uma infindável quantidade de instrumentos e utensíliose uma produção de lixo gigantesca. No Brasil, há uma média de 1,2 Kgde lixo por pessoa. Numa casa de ricos, isso pode chegar a 5 Kg por diapor pessoa ! Se no Brasil, todos fossem ricos, dentro deste modelo voraz,seriam 850 milhões de quilos de lixo por dia ! Quase 300 bilhões dequilos por ano !! Você sabe o que isso exige e aonde vai parar tudo isso?

Eis a necessidade ecológica, psicológica, econômica, social, deresgatar o princípio do vivere parvo, da renúncia ao excesso, do gosto pelasimplicidade, pelo mais direto, priorizando o tempo inter-humano, abeleza da natureza, a vida nos alimentos frugais, nos vegetais crus. Esta éa diferença entre destruição da saúde e do ambiente ou suasustentabilidade. Que a morte nos encontre razoavelmente felizes e bemvividos, cumpridos em nossa missão na Terra, e não como espectrosfamintos.

Quando um supérfluo ganha o estatuto de necessário. Demônios famintos ?

Trata-se de um ardil útil e perverso, a roda do consumo, namedida em que você passa a precisar de algo que complemente outracoisa, que por sua vez já é um complemento, um complemento docomplemento, e assim ad infinitum. A pergunta crítica aqui, que pode noscolocar “na real” é a seguinte: com todas essas mediações, você temganhado tempo de vida, de silêncio, de amizade, de convivência, de

Page 69: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

alegria, de serenidade, paz, ou tem perdido ? Há alguma dúvida quantoa isso? Time is money, diz a economia de mercado. Quando assim o é,prevalece o significado que não é vital, não é tempo propriamente, mastempo da máquina, tempo do sistema, tempo de produção, que em geralnão é o tempo mais importante para nossa vida. Domenico de Masimostrou bem isso com a idéia de ócio, tempo livre, como algofundamental para a vida humana, que é lúdica, brincadeira, liberdade ecriação livre32.

Não obstante, porque não é tão simples fazer uma critica aoconsumismo? Porque ele tem um de seus fundamentos na próprianecessidade de consumo próprio à vida humana. Psicologicamente,Freud mostra a importância da oralidade alimentar, forma primitiva deentrar em contato com a vida, assimilando o que pode ser incorporadoou rejeitando o que é ruim33. Em muitas situações nosso corpo reagevomitando o que é inadequado. Mas talvez precisássemos vomitar maisas milhares de coisas que nos são oferecidas e acabamos “engolindo”;regurgitar enlatados sem qualidade. É claro que se pode justificardizendo que precisamos de pão e de circo também, de diversão, deesquecer as dores do mundo, nos proteger diante da constante ameaça edos medos modernos. Mas o problema é permanecer apenas nessepadrão. Os sábios budistas desenvolveram uma imagem excelente paramostrar o que acontece em nossa vida quando dependemos acima detudo de satisfações externas, sejam materiais, de consumo, sejam elas depessoas, filhos, maridos etc. É a figura dos espectros famintos, oudemônios, não no sentido de diabo como entendemos mal, mas defantasmas ou espíritos que buscam viver mas não vivem; nós somos eles,quando nos entregamos à ansiedade da carência excessiva, de sempreestar atrás de algo; hábitos escravizantes. A figura destes espectrosaparece como pessoas desnutridas com barriga grande, e bocas pegandofogo, sempre atrás de posses que os outros possuem; o que é consumidonão satisfaz nunca, não pára propriamente em seus corpos. É comocomer algo em brasa o tempo inteiro, numa azia e má digestão contínua;ou um “estômago furado”, como se diz. É uma situação de extrema

32 Veja sua obra O Ócio Criativo, Ed. Sextante.33 Ver o ensaio A negação, de 1925, de Freud.

Page 70: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

mendicância, onde você pode ter muito dinheiro e estar absolutamentefaminto a vida toda!

Os supérfluos ganham estatuto de necessário quando nãosabemos mais nos livrar deles, quando cremos que são essenciais paranós e ficamos irritados se alguém questiona o seu real benefício eimportância. E se a isso se liga à fome insaciável, fecha-se um ciclo quepode estar escravizando a vida. Há antídotos para espectros famintos ?Muita meditação, renúncia, bondade, trabalho voluntário, engajamento,associação e coração, sem negar o bom prazer.

Page 71: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Em que está a saúde? O simples, o natural34, o comedido e o pouco.Partilhas

Se não curar acrescentando, diz um ditado da medicina chinesaantiga, cure retirando. Diminuição. Palavra que assusta a muitoseconomistas e adoradores do progresso e das novas tecnologias e seussupérfluos. Em medicina, é um grande ensinamento. Quando nossocorpo está com excesso de alimento, algo muito comum hoje, logo se fica

34 Eis um belo relato sobre medicina natural: Para muitos, medicina preventivasignifica um teste Papanicolau anual, check-ups rotineiros, mamografias ecolonoscopias. É este o conceito de prevenção da medicina convencional —exames para descobrir algo que você já tem — uma boa idéia, mas quecertamente não é prevenção. Faz parte do mesmo tipo de informação enganosaque nos leva a acreditar que precisamos ir ao médico por qualquer desconfortoque sentimos — uma idéia relativamente recente. Abdicar da responsabilidadepela nossa saúde tem trazido conseqüências desastrosas. As gerações passadassabiam o que fazer nos casos de dor de estômago, resfriado, artrite ereumatismo. Esse conhecimento era crucial no início deste século; os médicoseram poucos e estavam distantes. Hoje, há talvez médicos demais, que praticamum padrão de atendimento idêntico para todos — medicamentos ou cirurgia.Ninguém pode negar que os Estados Unidos possuem a melhor medicina domundo para traumas e emergências, mas este tipo de medicina não é adequadopara doenças crônicas ou degenerativas, das quais a maioria dos pacientes sofre.Nos últimos 15 anos, aprendi um sistema de cuidados pessoais — umaabordagem preventiva que é gratuita ou de custo mínimo e, até agora, manteveminha saúde sem necessidade de cirurgias ou medicamentos. O ambientemoderno é muito prejudicial ao nosso sistema imunológico — a Síndrome daFadiga Crônica e outras disfunções imunológicas refletem o efeito avassaladorde muitas investidas contra o organismo humano. Desde que tive a Síndrome daFadiga Crônica, há cerca de oito anos, concentro grande parte de meus cuidadospessoais (preventivos) no meu sistema imunológico, usando, principalmente,mentalização dirigida, um método fácil e muito eficaz. Outro reforço excelentepara o sistema imunológico é a ducha fria, seguida de ducha quente, o banhoalternado. Uma área primordial de prevenção, claro, é a alimentação. Minhaestratégia consiste em incorporar tantos alimentos "medicinais" na minhacomida quanto possível. Muitos deles são orientais: chá verde, algas marinhas emissô. Como duas a três frutas por dia; um limão inteiro ou meio melão,seguidos de cereais integrais, no café da manhã. Como muitas hortaliças cruas,principalmente brócoli cru, pepino e nabo. Outra parte importante do meu

Page 72: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

com alguma indisposição ou alguma pequena doença, e o corpo, na suasabedoria infinita, sente pouca ou nenhuma fome real, até ficar curado.Comer neste momento é uma violência em nome do consumo. Muitas emuitas vezes, nossa fome é ansiedade, hábito, apego. Comer sem fome éum grande sintoma de nossa crise do tempo, de como a metafísica doconsumo nos torna ansiosos e de como achamos que temos de absorver,botar pra dentro, incorporar, engordar, sentir pelo menos aquele prazer.A sabedoria do corpo diz o contrário. Ela une prazer e saúde, energia edescanso.

Muita comida, curta vida; pouca comida, longa vida. Hoje estatese antiqüíssima está toda comprovada. Quem consome menos vivemais (considerando aqui claro a reposição básica de nutrientesfundamentais). Vivemos uma avalanche do uso de refinados, açucares eproteínas animais, e muitos carboidratos concentrados. Países comgrande consumo nestes itens são mais doentes que alguns da África,

programa de cuidados pessoais consiste em reduzir o estresse e fazer exercícios.Todos os exercícios orientais como Kwan Do, T'ai Chi, Yoga e Qigong fazemisso. Comecei a praticar ioga, há alguns anos, para reduzir o estresse e cheguei àconclusão de que este é o melhor exercício para muita gente. Nossos problemasde saúde começaram realmente quando o exercício da medicina se tornou umcomércio e os medicamentos, um produto. Pagamos verdadeiras fortunas porcuidados médicos inadequados e muitas vezes, ineficientes. Os produtosfarmacêuticos matam centenas de milhares de pacientes a cada ano e, noentanto, somente se ouvem alertas sobre riscos associados a remédios"alternativos" como, por exemplo, ervas. Apesar do fluxo contínuo de novosmedicamentos lançados pelos laboratórios, dos anúncios semanais de novasconquistas, dos recursos imensos gastos em pesquisa genética, não estamosficando mais saudáveis. Em minha opinião, o velho provérbio de que "mais valeensinar os homens a pescar do que alimentá-los" aplica-se aos cuidados de saúde.Podemos fazer por nós mesmos muito mais do que os médicos. Nós, comoindivíduos, continuamos a ser responsáveis pela manutenção de nossa saúde.Cuidar destas três áreas — sistema imunológico, alimentação e exercícios comredução do estresse, funciona muito bem. Entretanto, é preciso lembrar que cadaum de nós é um ser especial; portanto, escolha o seu próprio programa pessoalde cuidados preventivos. Fonte: Townsend Letter for Doctors & Patients,agosto/setembro 2000. Irene Alleger. Veja www.vegetarianismo.com.br

Page 73: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

como é o caso dos EUA. Os dados de doença/saúde dos EUA sãoalarmantes. Os pobres lá são gordos, filhos do fast food. O maior índice deobesidade dos últimos tempos. A terra do Mcdonald´s, Coca-cola e umamontoado de produtos paupérrimos e aditivados quimicamente, e amaior quantidade de doenças degenerativas do planeta. Éimpressionante ver os carrinhos de alguém num supermercado comhábitos perversos; é lamentável saber que sua qualidade de vida épéssima e que o mesmo auxilia na crise ecológica e social vigente35.

Nossa medicina, apesar de suas conquistas tecnológicas, trazgrandes fracassos cada vez mais evidentes. Um deles é que a metafísicado consumo e do acrescentar se sobrepõe a do diminuir e do sustentável.Os hospitais e o próprio sistema exigem médicos aplicadores deequipamentos e receitadores de drogas36. É incalculável o número demedicamentos no planeta hoje, falamos aqui dos sintético-químicos. Oslaboratórios é que fazem a pressão e ensinam ao profissional qualmedicamento usar, para que e o que deve ser usado. (A ignorânciamedica é tão grave que, mais de seis meses depois de o Vioxx ter matado50 mil pessoas nos EUA, e ter sido retirado do mercado, encontrei umposter dele enorme num consultório médico em Recife - o terceiro pólomédico em grandeza no Brasil, ao lado de um enorme contingente dedoentes !) Temos uma medicina que não ensina ainda de fato nutriçãosaudável, quanto menos abordagem curativa naturalista aos seusprofissionais; os bons médicos vão aos poucos estudando por fora,adquirindo experiência, interessando-se de fato pela SAÚDE e não só porremediar ou escamotear a DOENÇA de modo unilateral. Estes podementão compartilhar com seus pacientes métodos de manter a saúde, e atédebelar doenças de modo muito simples, sempre no âmbito do natural,do saudável, recuperando os processos de equilíbrio do próprioorganismo. Na verdade, a metafísica que justifica a medicina cartesiana,tecnocientífico-química e cirúrgica, é mais a prática das grandes

35 Quanto a isso assista os seguintes filmes: The corporation, A carne é fraca,Terráqueos, Uma verdade inconveniente, Super Size Me.36 Doloroso demais é ver máquinas de refrigerantes, sanduíches, carnes, doces ebalas quimificadas, dentro de um hospital ! A que ponto chegamos decontradição. Mais doloroso é saber que a terceira causa de morte nos EUA estáligada às próprias intervenções médicas !

Page 74: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

corporações ou máfias farmacêuticas e de aparelhos hospitalaresagregados, do que a busca real de manutenção da saúde. Se olharmos agrande história da medicina ocidental e oriental tradicionais nas suasvariadas acepções, elas recuperavam a vis medicatrix naturae, forçamedicadora da natureza, o equilíbrio, a saúde verdadeiramente. Temoshoje uma medicina como “engenharia de órgãos”37 e peças, interaçõesquímicas altamente impactantes e nebulosas, pois opera com o corpocomo uma máquina. Você já imaginou divulgar modos de curar o câncernaturalmente, que existem, alias há mais de um século, sem alguém quelucre muito? O que aconteceria se diminuíssem os números de doentes?Uma tragédia para a metafísica do consumo infinito de corpos doentes,ou seja, drogas, equipamentos, porém uma benção para as populações.

No inverno brasileiro, no Sul, reparamos que os hospitais seenchem de doentes. Poucos médicos se arriscaram a dar causasplausíveis para isso. Em geral a culpa recai sobre o frio e as intempéries,bem como mudanças de temperatura. A causa está sempre na natureza,fora, ela é a culpada. Se isso fosse a causa real, não teríamos pessoas quepassam bem pelo frio, ou mesmo não teríamos sobrevivido aos milhõesde anos com intempéries no planeta Terra. Mas a causa base é que há umaumento enorme de consumo de alimentos cozidos, com quase nada deenzimas dos alimentos crus e a preciosa vitamina C, base para o sistemaimunológico e para a saúde como um todo. Há um consumo excessivo, eaí dentro, de carnes, leite, proteínas animais em geral, e também decarboidratos cozidos e sem fibras (exemplo: farinhas brancas),ocasionando-se prisão de ventre explícita e explícita, e maufuncionamento do organismo. E somando-se a diminuição das atividadesfísicas, tem-se um campo propício ao aumento de doenças e de mortes. Éassustador ver uma mãe alimentar seu filho apenas com carne, leite ecarboidratos cozidos e sem fibras, e depois chorar à beira do leito domenino derrubado pelas doenças respiratórias, digestivas, infecções e atéanemia!

Mais uma vez a natureza é sabia, e quanto mais nos afastamos dosimples, do natural, do vegetal, do frugal, mais sofremos, mais nos

37 Veja sobre isso a bela obra Contra a desumanização da medicina, de PauloHenrique Martins, Ed. Vozes.

Page 75: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

complicamos38. É a metafísica da doença sem fim. Muitos biomédicosalegam um aumento na longevidade neste século, devido ao avanço damedicina e dos medicamentos. Mas qualquer pesquisador na área desaúde pode desmentir certas afirmações aí e mostrar os dados negados.O aumento da longevidade começou antes da penicilina e de outrosmedicamentos, começou pelo aumento da qualidade SANITÁRIA daspopulações. Pelo melhor uso da água, pelo uso dos esgotos etc. Um dadoque faz cair por terra os argumentos alopáticos: os dados mostram que asdoenças crônicas têm vencido a batalha contra a medicina da doença. Se

38 Outro aspecto importante a ser considerado é a composição do alimentocultivado em solo vivo. A integridade e biodiversidade da flora e da faunasubterrânea dispõem para as plantas uma variedade de nutrientes acarretandomelhor qualidade nutricional dos produtos. Bob Smith publicou em 1.993 noJournal of Applied Nutrition (pg.35 a 45) extenso estudo sobre a composição devários produtos orgânicos comparados aos equivalentes obtidos pela agriculturaconvencional. Es relação ao trigo, observou-se que o orgânico tem 1.300% maisselênio, 540% mais manganês, 430% mais magnésio; por outro lado tem 65%menos chumbo e 40% menos mercúrio. Ainda em relação ao trigo a PricePottenger Nutrition Foundation divulgou que o trigo de 1.900 continha 90% deproteína enquanto que o de 1.990 tinha apenas 9% (muitas vezes a seleção decultivares resistentes às pragas acaba acarretando perdas na qualidadenutricional do produto). Em relação ao milho Smith constatou que o teor decálcio era 1.800% maior no orgânico, assim como 1.600% mais rico emmanganês, 490% em molibidênio, 300% mais selênio; por outro lado tinha 80%menos alumínio e 80% menos mercúrio. Essa tendência se mantém em outrostrabalhos como demonstra a metanálise de trabalhos desse tipo realizada porWilliams em 2.002. No geral se observa uma marcada tendência na redução denitratos assim como um incremento no teor de vitamina C nos alimentosorgânicos; também se observa uma maior disponibilidade protéica. Em 2.001 anutricionista inglesa Shane Heaton revisou 400 trabalhos científicos num projetoda "Soil Association" (instituição de pesquisa britânica) concluindo que emsíntese a alimentação orgânica tem efeitos positivos sobre a saúde humana;observou ainda que os teores de minerais dos produtos da agriculturaconvencional caíram vertiginosamente na última metade do século e reafirma ainfluência dos métodos de cultivo no teor de vitaminas e minerais e associa essefato ao crescimento da indústria de suplementos alimentares! Cf. Dr. FernandoA. C. Bignardi. www.aao.org.br (setembro de 2007)

Page 76: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

conseguimos alargar certa quantidade de vida, em termos de qualidadedeixamos a mesma na miséria. Nunca houve tantos doentes crônicos noplaneta. Não podemos, claro, tomar as épocas de pestes ou síndromescomo parâmetro, até porque no mundo ocidental por exemplo, commuito da qualidade de vida imunda européia de certas épocas, aexpectativa de vida era de menos de 40 anos. Por outro lado, nospromotores de uma vida frugal ligada à terra, vemos nossos bisavós epessoas do mundo inteiro alcançarem os 100 anos de idade.

Outro dado alarmante, é a epidemia de câncer surgida nos anos40 e até hoje. Aqui faz-se um alerta sério, pois de cada quatro pessoasuma vai morrer de câncer. Pasmem: o avanço da medicina vai de braçosdados com o avanço do câncer e de uma série de doenças que campeiam,principalmente as degenerativas ! Pergunte a seu médico se ele conheceamplamente e sistemicamente as causas do câncer, se ele liga isso àalimentação e qualidade de vida (e como, especificamente), e se eleconhece formas naturais e tradicionais de cura e prevenção ?! Devemoscompreendê-lo, pois sua formação não o preparou para isso. Ele tem sidoum técnico da mecânica da doença e aplicador de drogas. Por isso, seprecisar de médico, procure um naturalista, naturopata, unibiótico, ouaté um homeopata consciente e com visão em nutrição natural. Asdoenças não caem do céu. Uma das maiores obras escritas no Brasil naárea de Saúde se chama “Lugar de médico é na cozinha”, do Dr. AlbertoPeribanez Gonzales, uma das poucas que vai às causas das doenças epropõe alternativas naturais, inclusive com receitas, para prevenção ecura. Outras obras preciosas conhecidas são as de Dr. Márcio Bontempo,e de Dr. Yong Suk Yum, criador da Unibiótica. Em todo caso, é sempreum retorno à natureza, ao simples, à confiança nas energias da vida, aformas de sabedoria tradicionais.

Qual é a sua idéia de felicidade ?

Finalizo este texto sem propor especificamente um modelo de setornar mais feliz, pois isso diz respeito ao âmbito pessoal, pois nesteparticular não temos fórmulas fixas, apenas compartilhamosexperiências. Aliás, a minha idéia-chave é compartilhar, e do que tenhoaprendido das grandes tradições existenciais e espirituais, a partilha, a

Page 77: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

comunhão, conseguir dar um pouco mais de si a outrem, conseguiragregar forças e abraçar uma luta em comum pelos grandes ideais detrazer beneficio, pouco que seja, ao nosso meio, aos seres, principalmenteàqueles que sofrem. Este é um grande motivador e sentido para a vida. Aquestão do consumo passa por aí também; podemos fazer uma pequenarevolução através de sua mudança. Estivemos muito voltados para ascoisas, procurando felicidade nas coisas impermanentes, nas realidadesexternas, mas, no fundo, sabemos que é um atalho que não leva a lugaralgum, ele não transcende e não responde aos nossos desejos maisprofundos. Parece que a felicidade não vem superficialmente nem àforça, ela é uma conquista diária, e nos enganamos achando que ela vemcom o dinheiro, com objetos e mais objetos, com coisas, e com pessoasconquistadas, e não parece ser bem assim. O universo responde à nossaenergia, e nos devolve o que plantamos. Então, qual é sua idéia defelicidade e a sua prática ? Se não é como você quer, como é possívelmudar de fato? A mudança de hábitos de consumo pode trazer umarevolução na economia, na ecologia e na nossa vida (para além do egocondicionado), pois remove toda uma cadeia negativa, de entropia davida, e passa a exigir cidadania, direitos, sustentabilidade, práticassociais justas, postura de defesa socioambiental39.

39 Quanto a isso veja o que proponho em minhas obras na bibliografia. Um bomexemplo é o impacto do consumo da carne. Para cada quilo consumido, são 10mil litros de água gastos, perda de fertilidade da terra, produção de metano pelogado que aumenta o efeito estufa; 20% da Mata Amazônica foi desmatada parapecuária, a carne produz uma série de doenças, câncer, cardíacas, obesidade,entre muitas outras associadas. A carne fica 48 hs em nosso intestino; há umacrueldade enorme com os animais de abate; eles recebem hormônios eantibióticos; um quilo de carne retira dezenas de quilos de grãos não plantados.Enfim, a carne é um dos maiores problemas ecológicos e de saúde pública doplaneta; a sua diminuição traria uma mudança positiva substancial.

Page 78: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

6 - A ALIMENTAÇÃO, O ESTILO DE VIDA, CÂNCER EDOENÇAS

- ALERTA E RECOMENDAÇÕES40

Neste alerta, estamos partilhando com você alguns cuidadosbásicos com a alimentação e a saúde contemporânea, as quais estãoligadas direta ou indiretamente ao aumento assustador de doenças emortes prematuras41. Além do fumo e do álcool - drogas já amplamentepesquisadas em seus males infindáveis para a saúde mental e física,social e ambiental, além deles, há uma gama de outros produtos queestão difundidos e apoiados pelas indústrias, comércio e mídia, os quaislucram com a doença. Tais produtos são mantidos no mercado a um altocusto social e econômico, poderes escusos, poder político, à revelia dasaúde integral da população e do ambiente. Neste sentido, asterapêuticas naturais e complementares têm alguns pontos quaseconsensuais sobre o que deve ser evitado e o que deve ser preferido.Entre eles, apenas citaremos alguns para que o leitor saiba o que estácada vez mais sendo desmascarado e posto em questão. Ao final destecapítulo, você encontrará endereços de internet que contêm informaçõesmais precisas sobre esse assunto.

EVITE, EVITE, EVITE !:

Açúcar branco (Use mel ou melaço)Adoçantes: Aspartame, acesulfame, sacarina, ciclamato, sorbitol (Usestévia natural ou frutose)

40 Compilado por Marcelo Pelizzoli com assessoria de médicos pesquisadores: Júlio Barreto Lins e Alberto Peribañez.41 Saiba o leitor que estamos vivendo uma epidemia de doenças pelo mundo devido ao estilo de vida atual. Nos EUA, como referência, são 1,3 milhões de casos de câncer e 500 mil óbitos por ano! cf. http://www.preventcancer.com/ Uma em cada 3 pessoas nos EUA terá câncer ! http://www.healthy-communications.com Neste artigo e nos materiais que indicaremos você saberá o porquê.

Page 79: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Aditivos químicos alimentares (evite ao máximo, fuja deles ao máximolendo as embalagens e buscando informações)42

Alimentos cozidos/gordurosos (prefira as gorduras vegetais decastanhas, côco, dendê, abacate etc. Use pelo menos 50 % de suaalimentação CRUA !)Carnes vermelhas e frango (use proteínas vegetais, ovos “caipira” oupeixe do mar)Doces e salgados empacotados (São cada vez mais quimificados,artificiais. Use frutas e doces naturais em variedade)Farinha refinada e arroz branco (Use sempre integral. Bem melhor: usegrãos germinados em preparados crus)Leite e queijos. (Os leites UHT são os piores, processados e precários.Prefira leite da terra43, de soja, kefir e tofú)Margarinas (verdadeira bomba química, com uso gordura trans etambém transgênicos)Plásticos e alumínios – Evite ao máximo seu uso junto aos alimentos.Micro-ondas, raspar fundos de potes, potes com alimentos congelados(quanto a isso veja o sítio da internet: www.nossofuturoroubado.com.br).Os efeitos dos plásticos são um caso de saúde pública e ambiental sério.Refrigerantes: use suco natural feito na hora. Misture sucos com águagaseificada. Inseticidas: use substitutos naturais, ecológicos ou proteções criativas. Produtos de higiene e limpeza: use os que contiverem menos aditivosquímicos, os fitoterápicos, tradicionais, o mais natural possível.

O grande médico

Medicare, lembra meditar, meditar sobre o que fazemos com nossocorpo, nossa mente, nossas relações, enfim, nossa vida. Agindo assim,

42 Nos sítios de internet, ao final, você encontrará uma lista com mais de 500 aditivos químicos danosos à saúde! Cf. tb. http://www.healthy-communications.com/epstein'spage.html43 Leite da terra ou vegetal, suco verde, suco de luz, é altamente nutritivo e curativo, feito em casa com verduras, brotos e frutas. Veja os sítios de internet e livros citados, entre eles, “Lugar de médico é na cozinha”, de Alberto P. Gonzales.

Page 80: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

entramos no âmbito do cuidar e da vitalidade. Cura, em nossa língua,também serve para dizer “à cura de...”, ou seja, aos cuidados de alguém.Hospital, vem da mesma raiz de onde vem hospedar, e hotel; daí a belapalavra “hospitalidade”. É acolher alguém à sua cura, aos seus cuidados.Definitivamente, não há melhor médico e hospital do que nossa própriacondução de vida, nosso próprio cuidado, o cuidado de si, que na verdadeenvolve o cuidado mútuo, os outros e certamente o ambientenatural/artificial onde vivo. Neste sentido, aqui vão pontos básicos paraesse cuidado, de caráter geral e praticamente consagrado em saúde,pelos quais poderemos depender bem menos de médicos e hospitaisconvencionais - na grande maioria dentro do modelo que questionamosnesta obra. Isso é compilado a partir do contato com modelos desabedoria milenares, cotejados com saberes científicos contemporâneos.Não entraremos aqui na gama de possibilidades das medicinas não-convencionais, visto que são identificadas hoje mais de 150 terapiasalternativas em uso, e dentre elas citamos algumas mais conhecidas:

MEDICINAS “NATURAIS”

ACUPUNTURA, ANALISE TRANSACIONAL, AROMA-TERAPIA, ARGILOTERAPIA, ARTE-TERAPIA, AYURVEDA (medicinaindiana), BIO-FEEDBACK, BIOENERGÉTICA, COACHING,CONSTELAÇÕES FAMILIARES, CRUDIVORISMO (alimentação crua),HIDROTERAPIA, HOMEOPATIA, CRENOTERAPIA,CROMOTERAPIA/CROMOPUNTURA, CÓLON-HIDRO-TERAPIA,DANÇA-TERAPIA, FITOTERAPIA, FLORAIS DE BACH,HOMEOPATIA, INTEGRAÇÃO NEURO EMOCIONAL (NEI),IRIDOLOGIA, JEJUM TERAPÊUTICO, KINESIOLOGIA,MACROBIÓTICA, MASSAGEM CALIFORNIANO,MAGNETOTERAPIA, MEDICINA ANTI-ENVELHECIMENTO,MEDICINA ANTROPOSÓFICA, MEDICINA CHINESA, MEDICINAORTOMOLECULAR, MEDICINA TIBETANA, MEDICINASINDÍGENAS, MEDITAÇÃO, MUSICOTERAPIA, MÉTODOFELDENKRAIS, MÉTODO ZILGREI, NATUROPATIA (amplo),OSTEOPATIA, OXIGÊNIO TERAPIA, PNL (e EMDR, EFT), PRANICHEALING, REFLEXOLOGIA, REIKI, ROLFING, SHIATSU,

Page 81: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

SOFROLOGIA, TAI CHI CHUAN, TERAPIA CRÂNIO-SACRAL,TERAPIA DA ALIMENTAÇÃO, TERAPIA DE DORN, TERAPIA DEKNEIPP, TERAPIA DO RESPIRO/REBIRTING, TERAPIA DOSMERIDIANOS, TOUCH FOR HEALTH, TRAINING MENTAL,UNIBIÓTICA (probiótica), YOGA (vários tipos)...44

MEDICINA INTEGRATIVA45

A medicina integrativa enxerga a doença como um desvio dafisiologia normal, do comportamento humano original e da noção de suaorigem cósmica. Os diagnósticos são estabelecidos com base na históriaclínica, exame físico e complementar, e outras formas mais acessíveis damedicina convencional. Ao paciente é ensinado o caminho de volta, deforma que ele próprio se conduza ao estado de saúde original, através dorestabelecimento da fisiologia normal e das rotas metabólicasabandonadas, com a orientação de terapias alternativas e convencionais.

Princípios da medicina integrativa:

Estabelecimento de uma relação de parceria entre o paciente e opraticante no processo de cura.

Uso apropriado de métodos convencionais e alternativos parafacilitar a resposta inata de cura do corpo

Consideração de todos os fatores que influenciam a saúde, o bem-estar e a doença, incluindo a mente, o espírito e a comunidade,assim como o corpo.

Uma filosofia de trabalho que não rejeita a medicinaconvencional, nem aceita a medicina alternativa sem uma visãocrítica.

44 Com tantas terapêuticas consagradas, antigas, eficazes, naturais, o leitor deve estar se perguntando: por que temos um mundo tão doente ? Por que nossa medicina ocidental é tão precária ? Por que a avalanche de doentes crônicos ? Esta é uma ótima e estimulante pergunta, desde que sigamos adiante e abramos os olhos para o que se oculta.45 Cf. Peribanez Gonzales, Lugar de médico é na cozinha. Ed. Univ. Estácio de Sá, p.69 ss.

Page 82: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Reconhecimento de que a prática médica apropriada deve serbaseada em boa ciência, dirigida e aberta a novos paradigmas.

Uso de intervenções naturais e pouco invasivas, sempre quepossível.

Conceito, mais amplo possível, na promoção de saúde, prevençãoe tratamento de doenças.

O praticante deve ser modelo de saúde e cura, compromissadocom o processo de auto-exploração e autodesenvolvimento.

O projeto de investigação Oficina de Alimentos Funcionais, dirigidapelo Dr. Alberto Peribanez Gonzales, estuda a resolutibilidade depráticas de alimentação e higiene para a saúde da família no âmbitoculinário e aborda o tema em seus vários aspectos:

a)sociocultural, b)clínico, c)bioquímico, d)avaliativo, e)educativo.Sobre isso consulte o site www.oficinadasemente.com.br. Tal projetoapresenta a medicina integrativa em três fases:

1- Reconexão com a natureza: alimentação funcional, águaestruturada, luz solar, ar fresco, atividade física e lúdica, sono edescanso, harmonia emocional e mental.

2- Reconexão espiritual: leitura de textos de sabedoria, abertura parao amor, reencontro do poder superior, exercício da paz, reabilitaçãoprofissional e vocacional, percepção do eterno.

3- Resgate de relações pacíficas: com o próprio corpo, com a mente,com a família, com a comunidade, com a natureza, com Deus.

PRECEITOS PARA FICAR DOENTE46

1 - Não preste atenção a seu corpo. Coma alimentos ruins. Beba álcoolfrequentemente. Tome drogas. Tenha grande atividade sexual commuitos parceiros e, acima de tudo, sinta-se culpado. Se você estásuperestressado e cansado, ignore e vá além de suas últimas restrições.

2 - Cultive a experiência de vida como se fosse sem objetivo e sem valor.

46 Do livro "Cura Espiritual e Imortalidade", de Patrick Drouot, Ed. Record,citando o cirurgião Bernard Siegel (págs. 124 a 127).

Page 83: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

3 - Faça as coisas que você não gosta de fazer e evite fazer as que vocêtem vontade de fazer. Siga as opiniões e os conselhos dos outros, vendo-se a si mesmo como miserável e inútil.

4 - Seja rancoroso e supercrítico, especialmente para consigo mesmo.

5 - Encha seu espírito com imagens terríveis e em seguida seja obcecadopor elas. Fique preocupado, senão todo o tempo, pelo menos a maiorparte do tempo. Evite as relações íntimas, profundas com os outros.

6 - Censure os outros por todos os seus problemas.

7 - Não exprima seus sentimentos e opiniões honestamente e de maneiraaberta. As outras pessoas poderiam não gostar. Se é possível, sobretudo,não tente conhecer o que são seus sentimentos profundos.

8 - Varra do seu espírito tudo o que tem traço de humor. A vida não éuma brincadeira!

9 - Evite fazer mudanças que poderiam trazer-lhe satisfações maiores ealegrias em sua vida.

10 – Não cultive a serenidade, a amizade e o Amor.

COMBINAÇÃO_ALIMENTAR47

O corpo humano não se propõe a digerir facilmente mais do queum alimento concentrado no estômago ao mesmo tempo. Qualqueralimento que não seja fruta ou verdura é concentrado. No estômago, aproteína concentrada exige um suco digestivo especial para decompô-la -um suco ácido; enquanto um alimento concentrado em amido necessitade um suco digestivo não ácido, mas alcalino. Quando misturamos

47 Do livro: “Dieta sem Fome", de Harvey e Marilyn Diamond. Adaptação: Rubens Porto. Ed. Record.

Page 84: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

proteína e amido concentrados, o suco gástrico para decompô-los éneutralizado, requerendo mais sucos digestivos, mais energia e maistempo para digestão no estômago, que por fim são causadores de azia oudispepsia. Por conseguinte, o alimento que foi inadequadamentedigerido, é removido do estômago pela ação peristáltica dos intestinosonde viaja através de uns nove metros. Por isso ficamos cansados depoisde uma refeição como esta e sem energia. Assim, o alimento que levariatrês horas no estômago, demora oito horas para sair e de vinte a quarentahoras a mais para atravessar o intestino. Quando há uma combinaçãonatural de proteína e amido num mesmo alimento, como ocorre nosfeijões, este alimento deve ser ingerido sozinho e moderadamente emesmo assim, sua digestão é difícil. A combinação de dois tipos de proteínas diferentes não éaconselhável, devido à complexidade da sua composição. Sãoentendidas como diferentes proteínas: laticínios, ovos, nozes. A gorduraretarda a digestão da proteína; é melhor não comê-la com qualquerproteína. Portanto, pode-se combinar gordura com carboidratos; comopor exemplo: pão integral com pasta de abacate. A combinação entredois alimentos ricos em amido é aceitável, não sendo tão prejudicialquanto das proteínas, embora seja melhor comê-los separadamente. Otradicional arroz com feijão, mesmo sendo uma combinação pesada,pode ser compatível no estômago. As verduras não necessitam de sucodigestivo específico; elas se decompõem em qualquer meio, ácido oualcalino. Assim, podem ser ingeridas com um alimento concentrado. Na composição do corpo humano há 70% de água. As frutas elegumes possuem alto teor de água e devem predominar na nossa dieta. A água dessesalimentos é importante para a nutrição e limpeza do organismo;transportando os nutrientes para todas as células do corpo e, em trocaremove as sobras tóxicas, promovendo a desintoxicação. Nosso organismo possui três ciclos básicos: ingestão, assimilação eeliminação. Estes ciclos funcionam com maior facilidade quandoingerimos alimentos com alto teor de água.Mesmo o animal carnívoro quando caça uma presa, que sempre é umanimal que se alimenta de frutas e plantas, ele rasga o lado inferior da presa e

Page 85: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

come primeiro o intestino e vísceras, que são os órgãos mais ricos emágua e fibras, além de beber o sangue que contem mais de 90% de água epor final, come a carne e músculos. Toda planta, verdura, fruta, castanhas ou sementes em seu estadonatural crupossuem enzimas, que são os princípios vitais nos átomos e moléculas detoda célula viva; exercendo uma afinidade do tipo magnética com osátomos do corpo humano, quando é necessária a reconstrução ousubstituição das células do organismo. Desta forma, todas as células naestrutura do nosso corpo e todas as células nos alimentos naturais crussão impregnadas e animadas com a vida silenciosa das enzimas. Beberágua ou qualquer líquido durante uma refeição dilui os sucos gástricos,dificulta a digestão, debilita a assimilação e afeta negativamente oimportantíssimo ciclo de eliminação, desperdiçando grande quantidadede energia. As frutas e verduras são os alimentos mais adequados aos sereshumanos; entretanto, é importante que sejam consumidas corretamente.Elas possuem o mais alto teorde água dos alimentos; de 80 a 90% de água purificadora, vital, além detodos os nutrientes necessários à vida humana. Proporciona aoorganismo um funcionamento com o máximo de eficácia, pelaacentuação do processo de eliminar resíduos tóxicos. A digestão dasfrutas começa na boca, não no estômago, atravessando este último emvinte ou trinta minutos, com exceção da banana, tâmara, e frutasdesidratadas, que ficam mais tempo no estômago; de quarenta e cincominutos a uma hora e liberam os nutrientes vitais nos intestinos. Como afruta não se destina a uma permanência prolongada no estômago, aingestão correta significa que deve ser de estômago vazio e frescas, semnenhum processamento. O suco de fruta deve ser ingerido devagar,misturando bem com a saliva. Se as frutas entram em contato com outrosalimentos no estômago, e sucos digestivos, todo bolo alimentardecompõem-se (proteínas) e fermenta transformando-se em ácido,causando dispepsia e azia. Todas as frutas, incluindo as ácidas, setransformam em alcalinas seconsumidas corretamente. As frutas, assim como as verduras, possuem acapacidade única de neutralizar os ácidos que formam em nossos

Page 86: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

sistemas. Quando ingerimos outro alimento, devemos esperar um tempoadequado para ingerir fruta novamente. Para saladas cruas o tempo é deduas horas. Para uma refeição bem combinada sem carne o tempo é detrês horas. Para refeições não combinantes, o tempo é de oito horas.

Proteínas:

O organismo humano tem a capacidade de reciclar 70% dassobras de proteínas.Quando ingerimos proteínas além das necessidades, elas roubam energiado organismo e transformam-se em resíduos ácidos tóxicos. Nosso corpo éformado por vinte e três aminoácidos; todos são essenciais, sendo quequinze podem ser sintetizados pelo próprio organismo, enquanto oitodevem vir dos alimentos que ingerimos. Se nos alimentarmosregularmente de frutas, verduras, nozes, sementes, brotos ou legumes,estaremos recebendo os oito aminoácidos necessários para produzirmosa proteína quenecessitamos. O fígado tem a capacidade de estocar aminoácidos paraserem utilizados quando necessários. Quando o número de aminoácidos no sangue cai,devido àretirada feita pelas células, o fígado deposita parte dos aminoácidosestocados de volta à circulação. A célula também tem a capacidade deestocar aminoácidos. Se o conteúdo de aminoácidos no sangue cai, ou sealguma outra célula requer um aminoácido específico, a célula é capazde liberar seus aminoácidos estocados nacirculação. Já que a maioria das células do corpo sintetiza mais proteínado que é necessário para sustentar a vida celular, elas podem converternovamente suas proteínas em aminoácidos e fazer um depósito destesúltimos; o que desmistifica a falsa necessidade de ingerirmos proteínacompleta a cada refeição. O organismo pode compensar a falta deaminoácidos em uma determinada refeição, por meio da reserva, nodepósito de aminoácidos, contanto que se inclua uma variedade dealimentos na dieta. O conteúdo de aminoácidos utilizáveis nos vegetais é muito superior ao encontrado em

Page 87: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

alimentos de origem animal. Na realidade, não precisamos de proteínade alto peso. Aminoácidos de alta qualidade é o que precisamos paraproduzir a proteína que devemos possuir.O calor do cozimento coagula ou destrói muitos aminoácidos queperdem adisponibilidade para o uso do corpo. Estes aminoácidos não utilizáveistornam-se tóxicos e causam esgotamento de energia. Para acrescentarvida à nossa vida, é melhor que em nossa dieta predominem alimentosvivos. A palavra vegetal vem do grego vegetus; que significa cheio devida ! "Minha opinião é que a maneira vegetariana de viver, por seuefeito puro sobre o temperamento humano, influenciaria beneficamente toda ahumanidade." (ALBERT EISNTEIN)

Laticínios:

As enzimas necessárias para bem decompor e digerir o leite são: arenina e alactase. Na maioria dos seres humanos ela praticamente desaparece coma idade de três anos. Outro elemento presente no leite é a caseína. Há trezentasvezesmais caseína no leite de vaca do que no leite humano. No nossoestômago, a caseína do leite de vaca forma coágulo difícil de digerir,aderindo às paredes do intestino, impedindo a absorção de nutrientespelo organismo, resultando em letargia. Além da caseína ser umimportante fator contribuinte para problemas de tireóide. A dificuldademais séria com o consumo de laticínios é a formação de muco tóxico nosistema, resultados dos subprodutos do leite, que são ácidos, ficandoparcialmente retido no corpo, recobrindo as membranas mucosas,obrigando tudo a desdobrar-se de forma muito lenta, e deixando oorganismo sobrecarregado de muco. Esse muco acumulado nas viasrespiratóriassuperiores faz com que a pessoa emita um som gutural, enquanto tentaliberá-lo. O cálcio do leite de vaca é muito inferior do leite humano, e está ligado à

Page 88: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

caseína. Isso impede que o cálcio seja absorvido. Quando o leite ederivados sofrem algum processamento; pasteurização,homogeneização, etc, ocorre a degradação do cálcio, tornando maisdifícil a sua utilização. Mesmo o leite cru pode ser prejudicial pelo riscode contaminação por germes patogênicos, tuberculose, etc. Se ingerirmosalimentos de forma equilibrada, consumindo freqüentemente vegetaisverdes folhosos, nozes e castanhas cruas, sementes cruas de gergelim efrutas, dificilmente teremos deficiência de cálcio. As melhores fontes decálcio são: sementes cruas de gergelim, todas as nozes cruas, váriasespécies de algas, todas as verduras folhosas e frutas concentradas, comofigo, tâmaras e passas. É importante compreender o papel do cálcio nocorpo humano. Uma das suasprincipais funções é neutralizar o ácido no sistema. Uma alimentaçãoacidificada por excesso de proteína, açúcar, alimento refinado eindustrializado, consome o cálcio do organismo. Mesmo se ingerirmosgrande quantidade de cálcio, este é utilizado para neutralizar o ácido.Todos os laticínios, com exceção da manteiga, formam grandequantidade de ácido. A manteiga é uma gordura, portanto neutra. Parasuprir a necessidade, não deveríamos encher o corpo de cálcio mas, emvez disso, corrigir os hábitos alimentares de forma que se forme menos ácido no sistema. Assim, ocálcio será utilizado até seu potencial máximo. Muitas alergias eproblemas respiratórios podem estar diretamente ligados ao consumo delaticínios- especialmente asma. A mesma coisa é verídica em relação àcriança com infecção de ouvido.

FATORES DE INTOXICAÇÃO48

Se cada ser humano buscasse entrar em sintonia, através do esclarecimento, com o seu corpo, entender melhor seu funcionamento e necessidades, tenho certeza que o cuidado com as cinco formas de nutrição (respiração, hidratação, atividade física, relaxamento e alimentação) seria mais assertivo e amoroso. Não posso deixar de falar 48 Por: Dra. Conceição Trucom. Alimentação desintoxicante: para ativar o sistema imunológico. SP: Ed. Alaúde, 2004. (www.docelimao.com.br)

Page 89: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

aqui dos órgãos excretores, tão importantes na realização plena da saúde através da Alimentação Desintoxicante.

A PELE – O maior órgão do corpo humano

Protege nossa individualidade, é a membrana que separa o corpo físico do mundo externo. Extremamente sensorial e tátil, representa a sensibilidade e capacidade de troca saudável com o universo. O que eu permito receber e deixo entrar? O que eu não permito entrar e receber? Oque eu permito sair? O que aprisiono dentro de mim? Através desta enorme superfície que é a pele, poderemos viver os maiores estímulos deprazer e carinho, como também de dor. Metafisicamente falando, problemas de pele revelam medo e ansiedade. A pessoa sente-se ameaçada diante das trocas, e muito deste fenômeno se deve a uma necessidade emergente de se desfazer de “lixos” do passado. A maioria das substâncias aplicadas sobre a pele inibe a respiração cutânea ou a intoxicam pelo conteúdo de ingredientes tóxicos. Assim, escolha aquelas fórmulas que são mais neutras, naturais e fitoterápicas. A presença de corantes e muitos aditivos químicos nestes produtos não é benéfica. Evite usar roupas muito justas e feitas com tecidos sintéticos, poiseles perturbam o controle térmico natural, a circulação sangüínea subcutânea, a transpiração e o equilíbrio eletrostático. Atenção à qualidade e freqüência de uso de: tinturas e cremes para o cabelo, sabonetes muito alcalinos ou perfumados, cremes e óleos de beleza não fitoterápicos, desodorantes e roupas lavadas com excesso de produtos químicos. Evite também banhos muito quentes e demorados. Carinhos que a pele agradece: 1) Se auto-massagear e receber massagens usando produtos fitoterápicos e naturais, 2) Escovar a pele diariamente com uma escova de cerdas macias ao acordar ou antes do banho, 3) Praticar banhos diariamente com a água o mais fria possível, 4)Buscar um banho de cachoeira, rio ou mar uma vez por mês e, 5) Hidratar-se internamente diariamente através da dinâmica da Alimentação Desintoxicante com sucos, chás e sopas desintoxicantes.

Page 90: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

OS RINS - Cristalizam as críticas, desapontamentos e fracassos

Os rins filtram todos os líquidos que passam pelo corpo humano,portanto eles administram todas as questões emocionais do indivíduo.Além disso, é importante notar que o sistema renal funciona com um“par” de rins, portanto, depende de parceria e cumplicidade entre elespara seu pleno funcionamento. Metafisicamente falando, cálculos e doresrenais revelam raivas não dissolvidas. Existe embutido também umcomportamento emocional infantil ou rebelde diante dos desafios,principalmente aqueles ligados às nossas parcerias e uniões. Atualmente mais de 10% dos homens e 5% das mulheres sofremde cálculo renal durante a vida. Explica-se esta desproporção pelo fatodas mulheres se posicionarem mais emocionalmente, enquanto oshomens costumam cristalizar seus desapontamentos. A incidência variageograficamente, refletindo diferenças ambientais e comportamentais,entretanto o índice de casos é agora abruptamente crescente, associadocom a “modernização” da dieta ocidental. Sal, baixo consumo de água efibras, consumo em excesso de proteínas, aditivos químicos e alimentosindustrializados são hábitos péssimos para o pleno funcionamento dosrins. Mas, o simples cuidado de ingerir mais frutas e vegetais frescos ecrus, além de alimentos integrais, já impede notavelmente odesenvolvimento de dificuldades renais. Cuidados que eles agradecem: 1) Auto-massagem commovimentos circulares toda a região lombar, que vai desde a cintura atéo cóccix, 2) Auto-massagear as palmas das mãos, principalmente naquelaparte mais na lateral da palma e perto do pulso, 3) Fazer uso de chás deervas que auxiliam no funcionamento dos rins como a salsa e a quebra-pedra, e 4) Hidratar-se internamente diariamente através da AlimentaçãoDesintoxicante com seus sucos matinais desintoxicantes.

OS PULMÕES - Cristalizam o medo de ser digno de viver plenamente

A respiração é a fonte de energia vital que nos mantém vivos.Sem oxigênio por mais que três minutos a vida acaba. Mas ela é tambémo principal nutriente do corpo emocional (energético), ou seja, através da

Page 91: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

respiração adequada podemos conquistar um estado de serenidade erelaxamento emocional, além de sanidade. Entretanto, a familiaridade e afalta de consciência gera a indiferença. Acostumamos com o ar que é tãoessencial, mas por ser invisível, intocável e gratuito não damos a ele odevido valor e importância. Oxigênio é tão ou mais alimento que acomida e água que ingerimos. Para inspirar e expirar aproximadamente22.000 vezes por dia, são necessários 2 pulmões, 24 costelas, os músculosentre as costelas, os do pescoço, os peitorais, os abdominais, o diafragmae ainda veias, artérias e tecidos saudáveis em volta de toda essaestrutura. Isso tudo se movimenta constantemente, sem que vocêperceba. Metafisicamente falando, respirar inadequadamente revelatristeza, depressão ou sofrimento. Um medo de viver e de colocaroxigênio (combustível) para a vida. Subliminarmente é algo como não sesentir digno de viver plenamente a vida. Uma pneumonia, por exemplo,pode revelar um cansaço e desespero sobre a vida, com ferimentosemocionais que não recebem permissão para sarar. Lembre que o sistemarespiratório funciona a partir de duplicidade e parceria, motivo pelo qualseu pleno funcionamento depende da sanidade das nossas relações etrocas afetivas. Fisicamente falando, dificultam o pleno funcionamento dospulmões: Alimentos industrializados, poluição atmosférica, fumaças decigarro e outras, ambientes fortemente aromatizados, ambientes combaixo nível de higiene, sem ventilação natural ou com ventilaçãoartificial. Além disso, uma vida sedentária com falta de atividade física,que é um estímulo natural da respiração e todo o seu sistema, irá reduziro número de mitocôndrias em todas as células do organismo, portantodiminuirá a energia vital e a vitalidade como um todo. No emocional entramos em um círculo vicioso pois os bloqueiosemocionais diminuem a amplitude e o ritmo respiratório, que irãoprovocar uma subnutrição energética, que irá perpetuar, ampliar emultiplicar os bloqueios emocionais. Como podemos ajudar estesistema? Mudando muitos hábitos. Desde os alimentares até uma maiormobilização corporal. Evitar ao máximo se expor aos ambientesdemasiadamente poluídos. Muitas das substâncias nocivas que se encontram temporariamente

Page 92: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

dentro do corpo humano necessitam ser eliminadas pelas mucosasrespiratórias e pelo ar que expiramos. Entretanto, nós da sociedade “moderna” e acelerada expiramos menosdo que inspiramos. Ou seja, não colocamos para fora dos pulmões otanto de gás carbônico (CO2) e outras toxinas que deveríamos. Este gásnão eliminado acaba por se dissolver no sangue e transformar-se emácido carbônico, mantendo o sangue que irriga todas as nossas célulasnum padrão ácido que intoxica, excita e dificulta a ação metabólica. Cuidados que eles agradecem: 1) Para a reeducação respiratóriaexistem práticas recomendáveis como Yoga, o Tai Chi Chuan e aMeditação, 2) Fazer uso da aromaterapia nos locais de maiorpermanência, 3) Praticar uma sauna 1 vez por mês e, 4) Fazer uso diárioda Alimentação Desintoxicante pois ela tem a propriedade de alcalinizaro sangue, desintoxicar e harmonizar todos os líquidos corporais.

O FÍGADO - Cristaliza a raiva, ódio e as emoções primitivas

O fígado é verdadeiramente um órgão complexo e surpreendente.Sem dúvidas, o sistema hepático é o mais importante do metabolismo.Em grande escala, a saúde e a vitalidade de um indivíduo sãodeterminadas pela saúde e tonicidade deste órgão, que é o responsávelinicial pela desintoxicação do corpo humano. As funções básicas dofígado são: vascular, secretória e metabólica. Suas funções vascularesincluem o fato de ser um importante reservatório sangüíneo e em filtrarmais de 1 litro de sangue por minuto, removendo bactérias, endotoxinas,complexos antígeno-anticorpo e várias outras partículas da circulação. Ofígado é uma "usina de purificação" das toxinas alimentares. As funçõesmetabólicas do fígado são inúmeras e imensas porque ele estáintrincadamente envolvido na digestão dos carboidratos, proteínas egorduras, que irão gerar toda a matéria prima de construção emanutenção do corpo humano. Metafisicamente falando, os distúrbios do fígado sãoprovenientes do hábito de se queixar com amargura e rabugice apenaspara iludir-se (resistir às mudanças) de pensamentos agoniados, plenosde raiva, medo e ódio de situações do passado. As afirmações adequadaspara iniciar o processo de cura, segundo Louise L. Hay são: “Liberto o

Page 93: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

passado e avanço para o futuro”. “Adapto-me com doçura ao fluxo davida. Faço as pazes com o meu passado”. Os agentes físicos que causam dano ao fígado são: álcool, fumo,café, chá (exceto o verde e os de ervas), cacau, excitantes, açúcar branco,alimentos refinados, produtos químicos sintéticos ou naturais emexcesso, excesso de gordura animal, alimentos industrializados. Cuidados que ele agradece: 1) Uma dieta rica em alimentos crus,frescos, integrais, com elevado teor de fibras e substâncias antioxidantes,logicamente isentos de agrotóxicos, 2) Fazer uso de chás e tônicoshepáticos naturais, 3) Auto-massagear as palmas das mãos e solas dospés com uma bolinha de tênis, para estimular todo o sistema hepático,digestório e excretor e, 4) Praticar os exercícios como caminhardiariamente.

OS INTESTINOS - Recusa em largar velhas idéias. Prisão no passado eàs vezes avareza

Segundo o professor Arnold Ehret, criador de uma dieta baseadana ingestão de frutas, a doença é entre outras coisas uma tentativadesesperada para livrar-se dos seus lixos tóxicos. Ele realizou pesquisasfantásticas sobre o uso do jejum regular e percebeu surpreso que aspessoas que permaneciam 20 dias sem ingerir qualquer alimento aindaexpeliam regular quantidade de fezes. Ele afirma ainda que “o indivíduode porte médio tem ao redor de 4-5 quilos de fezes sem eliminar, queenvenenam continuamente sua circulação sangüínea e todo oorganismo”. Mas, segundo a filosofia da medicina chinesa, que procuraestudar a causa (a origem) da doença, os sintomas da doença são olhadoscomo sinais externos de uma falta de equilíbrio geral na vida doindivíduo. Portanto, toda doença é constitucional e envolve todo oorganismo e não apenas parte dele. Assim, o propósito de uma vida construtora de saúde é limpar efortalecer o organismo. E é nos intestinos que tal fenômeno acontece deforma intensa. No intestino delgado decide-se o que irá para a correntesangüínea como nutrição e o que não passa pelo crivo deste sistema deseleção irá seguir seu caminho para o intestino grosso e posteriorexcreção na forma de fezes. Na verdade o intestino delgado é

Page 94: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

considerado pela medicina chinesa como um cérebro, uma central deinteligência, onde é decidido o que irá perpetuar a vida e o que irá sereliminado. Este é o motivo pelo qual a medicina chinesa valoriza tanto opleno funcionamento deste sistema. Os mesmos maus hábitos que intoxicam o fígado também causamdificuldades aos intestinos. O longo tempo de permanência das toxinas evenenos nos intestinos provoca a reabsorção dos mesmos pelas paredesdos intestinos, ocasionando uma intoxicação mais grave, podendo chegara diferentes níveis de doença e até à morte. A permanência por tempoinsuficiente irá causar desidratação, desequilíbrio de sais, subnutrição eaté a morte em casos prolongados deste quadro. Metafisicamente falando, um intestino preso revela uma recusaem largar velhas idéias, crenças ou emoções. Prisão ao passado. Poderevelar um medo de abandonar o conhecido em prol do desconhecido. Cuidados que eles agradecem: 1) Uma dieta rica em alimentoscrus, frescos, integrais, com elevado teor de fibras – cortar ao máximo osalimentos refinados49, 2) Fazer uso de sucos e chás depurativos – que éuma forma divertida também de hidratar-se, 3) Massagearcarinhosamente abdome e as palmas das mãos e solas dos pés com umabolinha de tênis para estimular todo o sistema hepático, digestório eexcretor, 4) Praticar caminhadas matinais para estimular os movimentosperistálticos e 5) Dar-se tempo para ir ao banheiro com calma todas asmanhãs ao levantar-se.

ALIMENTOS CRUS50

49 Nos últimos anos tem-se publicado uma grande quantidade de informação sobre os efeitos curativos da semente de linhaça. Investigadores do Canadá e dos EUA têm enfocado sua atenção nesta semente na prevenção e cura de numerosas doenças degenerativas. As investigações e a experiência clínica têm demonstrado que o consumo em forma regular de semente de linhaça previne e ajuda na cura de numerosas doenças. Use deixando de molho por 3 horas na água e coloque em sucos no liquidificador.50 Fonte: Dr. Ernest Bauer. Palestra apresentada durante o Congresso Vegetariano em Widnau, Suíça, 1999.

Page 95: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Tenho 85 anos. Exerço a medicina há 20 anos em Arosa, Suíça. Meu pai era médico rural e conheci os limites da medicina convencional convivendo com doenças crônicas já na minha juventude. De constituição bastante frágil, procurava ampliar as possibilidades da medicina convencional com métodos alternativos. Hoje, considero a alimentação e o jejum os mais importantes. Já o famoso médico suíço, Dr. Max Bircher-Benner (1867-1939), recorreu aos incríveis efeitos da alimentação crua. Experimentou e ficou perplexo com o resultado. Naquela época, crianças com doença abdominal morriam. A clínica pediátrica do Hospital Universitário de Zurique encaminhou algumas crianças ao Dr. Bircher-Benner. Retornaram curadas. Sua alimentação consistia, principalmente, de bananas frescas, depois substituídas por maçãs frescas, com o mesmo resultado. Também as crianças diabéticas foram beneficiadas com uma dieta exclusiva de frutas frescas. O Dr. Bircher-Benner apresentou ao Dr. Joseph Evers, na Alemanha, pacientes que ficaram livres de esclerose múltipla, uma doença considerada incurável. O Dr. Evers começou, então, a tratar pacientes portadores de esclerose múltipla e outras doenças consideradas incuráveis, com resultados surpreendentes. Em reunião da Associação Alemã de Neurologia, o Dr. Evers apresentou suas radiografias e a estatística, mostrando que — ao iniciar a alimentação com frutas e verduras frescas dentro do período de um ano após o aparecimento dos sintomas — 94% dos portadores de esclerose múltipla ficavam curados. O Dr. Evers, falecido em 1975, não utilizava medicamentos, somente alimentação. Em seu livro "Warum Evers-Diät?" (Por que a dieta Evers?), ele afirma: "O sucesso é a melhor prova de que uma teoria está correta." Muito disso foi esquecido até recentemente, quando, por exemplo, o físico Fritz Popp descobriu que os nutrientes vivos irradiam fótons. Essas pequenas partículas de luz aparentemente protegem o sistema imunológico e destroem células cancerígenas. Quando aquecemos os alimentos vivos, a irradiação se torna muito forte e depois cessa — os alimentos estão, de certo modo, mortos. No livro "Biologie des Lichts" (Biologia da luz), publicado em 1984, ele descreve os princípios dairradiação extremamente fraca das células. Uma enfermeira do hospital da Universidade de Zurique estava

Page 96: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

morrendo. Anos antes, haviam-lhe retirado um tumor maligno da mama.Mais tarde, apareceram metástases no fígado. Quando o tumor reapareceu por uma terceira vez, após duas quimioterapias, acreditavam que nada mais poderia ser feito. Era Natal e seus amigos vieram despedir-se dela. Uma amiga lhe falou da alimentação crua e logo trouxefrutas e hortaliças frescas. No dia seguinte, a enfermeira já pôde deixar a alta dose de morfina que estava tomando contra as dores e levantar. A cada dia, ficava de pé durante mais tempo. Como podemos explicar este efeito sobre tumores malignos? A pesquisadora em oncologia, Virginia Livingston, de San Diego, EUA, descreve em seu livro "The Conquest of Cancer" que os alimentos vivos, as frutas e as hortaliças contêm um ácido,um sub-produto da vitamina A, que também é produzido no fígado. Essa substância freia o câncer, mas é sensível ao calor. Cenouras cozidas no vapor só contém 1% a 2% da quantidade do ácido que as cenouras cruas contêm. Recomendo aos pacientes em minha clínica — e eu mesmo me alimento desta forma:

Comer apenas o que nasce na natureza. Disso, só comer na quantidade que o corpo pede e quando

sentimos fome. Consumir os alimentos assim como a natureza nos oferece, sem

misturar, sem aquecer. Sempre que possível, comer os alimentos isentos de agrotóxicos

e adubos químicos.

Como podemos saber se uma fruta é saudável ou prejudicial?Nosso instinto pode nos dizer isso. Cada ser vivo tem sua voz interior,inclusive as bactérias e os vírus. O ser humano é o único ser vivo que nãosegue sua voz interior, nós nos achamos superiores. Porém, se nãoseguimos esta voz, surge o efeito contrário, o vício. O adulto é viciado nofumo, em alimentos desnaturados, cozidos etc. Após um jejum, estes víciospodem desaparecer. O instinto, a voz interior, está de volta, como em um recém-nascido. Se comermos alimentos cozidos, há um aumento dos glóbulos brancosapós a refeição — como se tivéssemos ingerido veneno. Nosso sistemaimunológico, neste caso, está ocupado de manhã até a noite enfrentando

Page 97: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

os tóxicos que introduzimos com a alimentação cozida e os aditivosquímicos. Ao dar alimentação cozida para animais selvagens, saudáveis,estes adoecem com nossas doenças da civilização e morrem. Seacrescentarmos vitaminas da farmácia, morrem alguns dias mais tarde.Entretanto, se os colocamos em liberdade para que voltem a se nutrircom alimentos vivos, seguindo o seu instinto, eles se recuperam.

21 MOTIVOS PARA SER VEGETARIANO51

1- Evitar carne é um dos melhores e mais simples caminhos para cortar aingestão de gorduras. A criação moderna de animaisprovoca artificialmente a engorda para obter mais lucros. Ingerir gorduraanimal aumenta suas chances de ter um ataque cardíaco ou desenvolvercâncer.

2- A cada minuto todos os dias da semana, milhares de animais sãoassassinados em abatedouros. Muitos sangram vivos até morrer. Dor esofrimento são comuns. Só nos EUA, 500.000 (meio milhão) de animaissão mortos a cada hora!

3- Há milhões de casos de envenenamento por comida relatados a cadaano. A vasta maioria é causada pela ingestão de carne.

4- A carne não contém absolutamente nada de proteínas, vitaminas ouminerais que o corpo humano não possa obter perfeitamente de umadieta vegetariana.

5- Os países africanos - onde milhões morrem de fome - exportam grãospara o primeiro mundo para engordar animais que vão parar na mesa dejantar das nações ricas.

6- "Carne" pode incluir rabo, reto, cabeça, pés e a coluna vertebral de umanimal.

51 Texto extraído de "Food For Thought" - Dr. Vernon Coleman. http://www.vernoncoleman.com

Page 98: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

7- Uma salsicha pode conter pedaços de intestino. Como alguém podeestar certo que os intestinos estavam vazios quando utilizados? Vocêrealmente quer comer o conteúdo do intestino de um porco?

8- Se comêssemos as plantas que cultivamos ao invés de alimentaranimais para corte, o déficit mundial de alimentos desapareceria da noitepara o dia. Lembre-se que 40 hectares de terra produzem carne suficientepara 20 pessoas, ou grãos suficientes para alimentar 240 pessoas!

9- Todos os dias dezenas de milhões de pintinhos de apenas 1 dia devida são mortos apenas porque não podem botar ovos. Não há regraspara determinar como ocorre a matança. Alguns são moídos vivos ousufocados até a morte. Muitos são utilizados como fertilizantes ou comoração para alimentar outros animais.

10- Os animais que morrem para a sua mesa de jantar morrem sozinhos,em pânico e terror, em profunda depressão e em meio a grande dor. Amatança é impiedosa.

11- É muito mais fácil ser e manter-se elegante quando se é vegetariano.

12- Metade das florestas tropicais do mundo foram destruídas para fazerpasto para criar gado. Cerca de 1000 espécies são extintas por ano devidoà destruição das florestas tropicais.

13- Todos os anos milhares de toneladas de grãos alimentam animais decorte - assim os ricos do mundo podem comer carne. Ao mesmo tempo,500 milhões de pessoas nos países pobres passam de fome. A cada 6segundos alguém morre de fome por que pessoas no Ocidente estãocomendo carne. Cerca de 60 milhões de pessoas morrem de fome porano. Todas essas vidas poderiam ser salvas, porque estas pessoaspoderiam estar comendo os grãos usados para alimentar animais decorte se comêssemos 10% a menos de carne.

14- As reservas de água fresca do mundo estão sendo contaminadas pelacriação de gado de corte. E os produtores de carne são os maiorespoluidores das águas. Se a indústria de carne nos EUA não fosse

Page 99: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

subsidiada em seu enorme consumo de água pelo governo, algumasgramas de hambúrguer custariam US$ 35.

15- Se você come carne, está consumindo hormônios que foramadministrados aos animais. Ninguém sabe os efeitos que estes hormônioscausam à saúde. Em alguns testes, 1 em cada 4 hambúrgueres contémhormônios de crescimento originalmente administrados ao gado.

16- As seguintes doenças são comuns em comedores de carne: anemias,apendicite, artrite, câncer de mama, câncer de cólon, câncer de próstata,prisão de ventre, diabetes, pedras na vesícula, gota, pressão alta,indigestão, obesidade, varizes. Vegetarianos há longo tempo visitamhospitais 22% menos que carnívoros, e por pouco tempo. Vegetarianostêm 20% menos colesterol que carnívoros e isso reduz consideravelmenteataques cardíacos e câncer.

17- Alguns produtores usam calmantes para manter os animais calmos.Usam antibióticos para evitar ou combater infecções. Quando você comecarne, está ingerindo estas drogas. Na América do Norte, 55% de todosos antibióticos são dados a animais de corte, e a porcentagem deinfecções por bactérias resistentes a penicilina avançou de 13% em 1960para 91% em 1998.

18- Num período de vida um comedor de carne médio terá consumido36 porcos, 36 ovelhas e 750 galinhas e perus. Você deseja tanta carnificinaem sua consciência!?

19- Os animais sofrem dor e medo como nós. Passam as últimas horas desua vida trancados em um caminhão, encerrados com centenas de outrosanimais, igualmente apavorados, e depois são empurrados para umcorredor da morte ensopado de sangue. Quem come carne sustenta omodo como os animais são tratados.

20- Animais com um ano de vida são freqüentemente mais “racionais”do que bebês humanos de 6 semanas. Comer esses animais é um atobárbaro.

Page 100: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

21- Vegetarianos são mais aptos fisicamente do que comedores de carne.Muitos dos mais bem-sucedidos atletas do mundo são vegetarianos.

O que posso comer !? Como ter certeza que seu corpo estárecebendo as vitaminas e minerais que necessita ?

Você está deixando de ser vegetariano porque não sabe o que comeria senão comesse carne? Um pequeno passeio pelo mercado de seu bairro lhemostrará não somente que há muitas frutas e vegetais diferentes, mastambém por quê o vegetarianismo está crescendo tão rapidamente. Hámuitas refeições vegetarianas prontas à venda.

1- Tenha uma dieta variada e tente incluir frutas frescas, vegetais verdes,ervilhas e produtos integrais - todos excelentes fontes de vitaminas,minerais e fibras.

2- Vitaminas são facilmente destruídas pelo cozimento, logo, você devecomer alimentos crus. Use o mínimo possível de água quando cozervegetais, prefira o processo a vapor (para evitar perda de vitaminassolúveis em água). Cozinhe o vegetal pelo menor tempo possível.

3- Vitaminas são freqüentemente armazenadas na casca de frutas evegetais, logo, procure comer a casca.

4- Coma nozes e sementes - elas contêm uma grande variedade devitaminas e minerais.

5- Livre-se das panelas de alumínio, que é um potente veneno que podecausar danos ao cérebro.

6- Zinco é encontrado em sementes, amêndoas e vegetais verdes escuros.

Lembre-se: se você suspeita estar com deficiência nutricional emvitaminas e minerais, consulte um nutricionista ou um bom médico.Nunca tome vitaminas ou suplementos minerais sem indicaçãoprofissional.

Page 101: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

DICAS DA MEDICINA ORTOMOLECULAR52

1. DIFICULDADE DE PERDER PESO.O QUE ESTÁ FALTANDO: ácidos graxos essenciais e vitamina A. ONDE OBTER: semente de linhaça, cenoura e salmão - além de suplementos específicos

2. RETENÇÃO DE LÍQUIDOS.O QUE ESTÁ FALTANDO: na verdade um desequilíbrio entre o potássio, fósforo e sódio. ONDE OBTER: água de coco, azeitona, pêssego, ameixa, figo, amêndoa, nozes, acelga, coentro

3. COMPULSÃO A DOCES. O QUE ESTÁ FALTANDO: cromoONDE OBTER: cereais integrais, nozes, centeio, banana, espinafre, cenoura e suplementos.

4. CÂIMBRA, DOR DE CABEÇA. O QUE ESTÁ FALTANDO: potássio e magnésio.ONDE OBTER: banana, cevada, milho, manga, pêssego, acerola, laranja

5. DESCONFORTO INTESTINAL, GASES, INCHAÇO ABDOMINAL O QUE ESTÁ FALTANDO : lactobacilos vivos.ONDE OBTER : missô, kefir, iogurte natural e similares

6. MEMÓRIA RUIM. O QUE ESTÁ FALTANDO : acetil colina, inositol.ONDE OBTER : lecitina de soja, gema de ovo e suplementos

7. HIPOTIREOIDISMO (PROVOCA GANHO DE PESO SEM CAUSA APARENTE)O QUE ESTÁ FALTANDO: iodo.ONDE OBTER: algas marinhas, cenoura, óleo, pêra, abacaxi, peixes de água salgada e sal marinho.

52 A ortomolecular é uma área médica hoje das mais avançadas, e ao mesmo tempo recomenda práticas de alimentação e saúde bem próximas das naturopatias tradicionais e visões integrais/naturais em saúde.

Page 102: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

8. CABELOS QUEBRADIÇOS E UNHAS FRACAS.O QUE ESTÁ FALTANDO: colágeno.ONDE OBTER: peixes, ovos, gelatina e suplementos

9. FRAQUEZA, INDISPOSIÇÃO, MAL ESTAR. O QUE ESTÁ FALTANDO: vitaminas A, C, e E e ferro.ONDE OBTER: verduras, frutas

10. COLESTEROL E TRIGLICERÍDEOS ALTOS. O QUE ESTÁ FALTANDO: Ômega 3 e 6ONDE OBTER: sardinha, salmão, abacate, azeite de oliva, soja, castanha.

Alimente-se a seu favor...

* Evite a ingestão de queijos e carnes gordas e frituras. A gordura acelerao processo de oxidação dos alimentos. * Se for cozinhar os vegetais, use o vapor breve, pois muito calor tambémoxida os alimentos.* Evite utensílios de alumínio; os resíduos desse metal são tóxicos epodem ficar nos alimentos.* Preferir panelas de vidro, barro, ferro, ou mesmo inox.* Em nenhuma hipótese aqueça os seus alimentos em embalagens erecipientes de plástico ou plastificados por dentro, no micro-ondas.

EVITANDO A FORMAÇÃO DE CÉLULAS CANCEROSAS

1. Em geral, as pessoas têm células de câncer no corpo. Estas célulascancerosas não aparecem nos testes padrões, até que elas semultipliquem em alguns bilhões. Quando os médicos dizem aospacientes de câncer que não há mais nenhuma célula de câncer nos seuscorpos, após o tratamento, isto quer dizer que os testes não podem maisidentificar as células cancerosas, porque elas não atingiram o tamanhodetectável.

2. Células cancerosas podem ocorrer de 6 a mais de 10 vezes na vida deuma pessoa.

Page 103: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

3. Quando o sistema imunológico da pessoa é vigoroso, as célulascancerosas, que acaso se formarem, serão destruídas e impedidas demultiplicar e formar tumores.

4. Quando uma pessoa tem câncer, isto significa que ela tem múltiplasdeficiências nutricionais. Estas deficiências são devidas ao fator genético,ambiental, da alimentação e do estilo de vida.

5. Superar as deficiências nutricionais múltiplas significa mudança dedieta e a inclusão de nutracêuticos53, que irá fortalecer o sistemaimunológico.

6. Quimioterapia impede o crescimento acelerado das células de câncer etambém destrói as células saudáveis, na medula óssea, na área gastro-intestinal e outras, e pode causar dano aos órgãos, como fígado, rins,coração, pulmões etc.

7. A radiação, enquanto vai destruindo as células de câncer, tambémproduz queimaduras, cicatrizes e danificam as células saudáveis, tecidose órgãos.

8. O tratamento inicial com quimioterapia e radiação muitas das vezespoderá reduzir o tamanho do tumor. Entretanto, o uso prolongado daquimioterapia e da radiação não resulta em mais destruição do tumor.Não vai à raiz do tumor.

9. Quando o corpo está muito sobrecarregado com o efeito daquimioterapia e da radiação, o sistema imunológico ou estácomprometido ou destruído; por conseguinte a pessoa pode sucumbir avários tipos de infecções e complicações.

53 Nutracêuticos são alimentos naturais considerados ao mesmo tempo comoremédios, em geral brotos crus, verduras e frutas, além de ervas e preparadosmedicinais naturais.

Page 104: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

10. Quimioterapia e radiação podem causar células cancerosas edisfunções futuras. Cirurgia também pode produzir células cancerosas eespalhar para outras áreas do corpo.

11. Um modo efetivo para combater o câncer é fazer as células cancerosasenfraquecerem, não as alimentando, pois elas necessitam de alimentopara se multiplicarem. Evite então: proteína animal, açúcar, leite, etambém alimentos cozidos e aditivos químicos. Substitutos do açúcarcomo o Nutrasweet, Equal, Spoonfull, etc, são feitos de Aspartame54, que éprejudicial à saúde ! Um mais adequado substituto natural seria o mel oumelaço, mas só em pequenas quantidades. O leite faz o corpo produzirmuco, especialmente no espectro gastro-intestinal. Elimine o leitesubstituindo-o por leite de soja não adoçado.

12. Células cancerosas prosperam em um ambiente ácido. Uma dieta combase na carne é ácida. Carne de gado contém antibióticos, hormônios decrescimento e parasitas, que são prejudiciais, principalmente às pessoascom câncer.

13. Uma dieta feita com 80% de legumes frescos, sucos, grãos inteiros,sementes, nozes e um pouco de frutas ajudam a pôr o corpo em umambiente alcalino. Aproximadamente, 20% delas podem ser ingeridascozidas, incluindo os feijões.

a) Sucos de vegetais frescos provêem enzimas que são facilmenteabsorvidas e alcançam até níveis celulares dentro de 15 minutos,para nutrir e aumentar o crescimento das células saudáveis. Paraobter enzimas vivas, para formar células saudáveis, tente ingerirsucos de vegetal frescos (a maioria dos legumes, inclusive brotosde feijão) e comer legumes crus, duas ou três vezes por dia. Asenzimas são destruídas à temperatura de 43 graus centígrados.

54 Como e porquê os adoçantes/edulcorantes artificiais ainda estão no mercado é um temaque envolve interesses e poder que não nos cabe agora explorar, mas simplesmente usar oprincípio de precaução. Evite ! A planta Stévia é uma das alternativas, ou oaçúcar de frutas, frutose.

Page 105: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

b) Evite café, chá preto (e chocolate), que têm alto nível decafeína. O chá verde é a melhor alternativa.

c) É melhor beber água limpa e natural, deionizada, filtrada, paraevitar as toxinas conhecidas e metais pesados da água detorneira. A água destilada é ácida; evite-a.

14. Proteína de carne é difícil de digerir e requer muitas enzimasdigestivas. Carne não digerida, que permanece nos intestinos, deteriora ecausa a formação de mais toxinas.

15. Alguns suplementos podem ajudar o sistema imunológico: O IP6,Flor-essence, (flor de essência - uma mistura de ervas para fazer chá, quese acredita, tem propriedades para curar o câncer) antioxidantes,vitaminas, minerais, etc., para permitir que as próprias células protetorasdo corpo destruam as células cancerosas.

16. Câncer é também uma doença da mente, do corpo e do espírito. Umespírito pró-ativo e positivo ajudará o guerreiro do câncer a sobreviver.Raiva, inclemência e amargura põem o corpo em estresse, num ambientedifícil. Aprenda ter um espírito clemente e amoroso. Aprenda a relaxar edesfrutar a vida.

17. As células cancerosas não prosperam num ambiente oxigenado.Exercitando diariamente e profundamente a respiração, ajuda circularmais oxigênio até o nível celular. A terapia de oxigênio é outra maneirausada para destruir as células cancerosas.

Observação sobre substâncias geradas a partir do uso do plástico

Não coloque nenhum recipiente ou embalagem de plástico nomicro-ondas. Substâncias químicas ligadas à produção de ftalatos podemser geradas a todo momento pelo uso do plástico. Eles derivam do ácidoftálico e são muito tóxicos. Utilizados em plásticos como aditivos, para ostornarem mais maleáveis; são contaminantes ambientais que exibemsintomas parecidos com os de hormônios ao atuarem como

Page 106: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

perturbadores endócrinos nos seres humanos. Quando se aquece oplástico, ocorre a libertação de ftalatos e a sua transmissão à água ou aosalimentos. Moléculas químicas artificiais são tanto princípios ativos defármacos, agrotóxicos e outros derivados petroquímicos utilizados comoaditivos e/ou plastificantes, e têm se comportado como mimetizadoras dehormônios. Ou seja, alteram, dramaticamente, as respostas biológicasnaturais em seres vivos, sejam machos ou fêmeas. A queima do plásticogera também uma das substâncias tóxicas mais potentes, a dioxina55.Saiba muito mais coisas surpreendentes e esclarecedoras neste tema, nonotável sítio http://www.nossofuturoroubado.com.br/index.htm , alémdo vídeo Agressão ao homem, e o livro Nosso futuro roubado, da Dra. TheoColborn e outros, lançado no Brasil pela L&PM Editores, em 1997.

SÍTIOS DA INTERNET MUITO ÚTEIS:

www.drmarciobontempo.com.brwww.oficinadasemente.com.br www.nossofuturoroubado.com.brhttp://saudealternativa.org/http://www.taps.org.br/ (temas atuais em promoção da saúde)http://www.feiramoderna.net/portfolio2006/port/anabranco.html

(Ana Branco, alimentação crua, Biochip, mandala de alimentos)http://comidaviva.com http://alimentacaoviva.blogspot.com/http://cozinhavibrante.blogspot.com/http://www.misturaviva.com/www.vegetarianismo.com.brwww.svb.org.br (Sociedade Vegetariana do Brasil)www.healingcancernaturally.com (cura natural do câncer)

55 São poluentes orgânicos que existem no ambiente, em nosso entorno, muitasvezes referidos como os mais tóxicos resíduos produzidos pela humanidade.Consistem num grupo de químicos, que inclui uma complexa mistura de 75diferentes moléculas cloradas. Alguns PCBs também são também compostossemelhantes a dioxinas, cuja exposição pode provocar ceratodermia – umaforma grave de doença de pele – e efeitos nocivos nas funções reprodutoras e dedesenvolvimento e, mais importante ainda, danificar o fígado e provocar câncer.

Page 107: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

www.organicconsumers.org/ (consumidores orgânicos)www.health-report.co.uk/ingredients-directory.htm e

http://www.healthy-communications.com/harmfulingredients1.html(aditivos que atacam a pele)

www.healthy-communications.com/epstein'spage.htmlhttp://somostodosum.ig.com.br/www.greenpeace.org.brwww.erromedico.com.brwww.caminhodomeio.org.br (tradições meditativas)

ALGUNS FILMES PROFUNDOS E IMPORTANTES

Sicko – SOS Saúde (de Michel Moore. Surpreendente e irônico)Uma verdade inconveniente (Al Gore - aquecimento global)A última hora (ecológico, de Leonardo Di Caprio)O ponto de mutação (Capra – um novo paradigma em todas as áreas). What the bleep do we know (traduzido como “Quem nos somos” –paradigma quântico e aplicação às emoções diárias)O jardineiro fiel (experiências cientificas e a ética). Super Size Me (consumo de MC Donalds pode levar a morte.Documentário irônico e excelente)Tiros em Columbine (competição e violência em escolas e cultura dosEUA)Gandhi Kundun (vida do Dalai Lama). Um golpe do destino (necessidade do amor nas doenças) Terráqueos (amplo uso dos animais)A carne é fraca (animais e consumo de carne não ecológico). The Corporation (A corporação) (como funcionam as multinacionais enossa economia)

Alguns LIVROS 56

Saúde integral:

56 Sobre isso, veja-se tb. a bibliografia final.

Page 108: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

BOTSARIS, Alex. Como prevenir e tratar o câncer com medicina natural. RJ:Best Seller, 2005.BURGOS, Enio. Medicina interior. Coração e mente. RS: Bodigaya, 2003. COLEMAN, Vernon. Como impedir seu médico de o matar. Lisboa: Ed.Livros do Brasil.FITZGERALD, Randall. Cem anos de mentira – como proteger-se dosprodutos químicos que estão destruindo sua saúde. SP: Idéia & Ação, 2008.GONZALES, Alberto P. Lugar de médico é na cozinha. RJ: Ed. Estácio deSá/Editora Rio, 2006.GOSWAMI, Amit. O médico quântico. SP: Cultrix, 2007.MACY, Joanna. Nossa vida como Gaia. SP: Ed. Gaia, 2005.MARTINS, Paulo Henrique. Contra a desumanização da medicina.Petrópolis: Vozes, 2005.PELIZZOLI, Marcelo L. (Org.) Bioética como novo paradigma. Petrópolis:Vozes, 2007.SERVAN-SCHREIBER. D. Curar. SP: Sá Editora, 2004.TENNER, Edward. A vingança da Tecnologia. SP: Campus, 1997.YUM, Jong Suk. ABC da Saúde. SP: Ed. Convite, s/d. & Doenças, causas etratamentos. (esgotados)ZAGO, Romano (OFM). Câncer tem cura. RJ: Vozes, 2007 (37a edição).

Auto-conhecimento, emoções, espiritualidade, relações:

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido. RJ: Zahar, 2003 (datas originais)CAPRA, F. O ponto de mutação. SP: Cultrix (1982)BOFF, Leonardo. Princípio de compaixão e cuidado. RJ: Vozes, 2001.CAROTENUTO, A. Eros e pathos. SP: Paulus.COMTE-SPONVILLE, A. Bom dia angústia! SP: Martins Fontes, 2000.CROW, D. Em busca do buda da medicina. SP: Pensamento, 2000.DALAI LAMA. Um coração aberto. SP: Martins Fontes, 2001.____________. Uma ética para o novo milênio. SP: Sextante, 2000.DISKIN, Lia e outros. Ética, valores humanos e transformação. SP:Peirópolis, 1998.GOLEMAN, Daniel (Org.) Equilibrio mente e corpo. RJ: Campus, 1997.

Page 109: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

GOLEMAN, D. & Dalai Lama. Como lidar com emoções destrutivas. SP:Ediouro, 2002HANH, Thich Nhat. Aprendendo a lidar com a raiva. SP: Sextante, 2001.HESSE, Herman. Sidarta. SP: Record, 1950.KORNFIELD, Jack. Um caminho com o coração. SP: Cultrix, 1993 MELLO, Anthony de. Auto-libertação. SP: Loyola, 1987.ROSENBERG, Marshall. Comunicação não-violenta. SP: Ed. Ágora, 2006.SINGER, Peter. Ética prática. SP: Martins Fontes, 1998.TAGORE, R. Sadhana, o caminho da realização. SP: Paulus, 1994THESENGA, Susan. O eu sem defesas. SP: Cultrix, 1994.TOLLE, Eckhart. O poder do agora. SP: Sextante, 2002TRUNGPA, Chogyam. O mito da liberdade. SP: Cultrix, 1976.ZWEIG, S. & ABRAMS J. (Orgs). Ao encontro da sombra. SP: Cultrix, 1991.

7 - SOBRE ÉTICA E POLÍTICAS PÚBLICAS SUSTENTÁVEIS

Preliminar57

A recepção desta temática tem sido bastante controversa,ambígua e dada a ideologias, ou mesmo maquiagens, mas também,temos tentativas sinceras e criativas de modelos de gerenciamento,administração e de visões alternativas e coerentes com nosso tempo - emtermos simples: percebe-se que a sustentabilidade é algo inadiável. Aqui,não podemos ser “salvos” por especialistas (em economia, e tecnologiapor exemplo), que apresentariam as fórmulas. Os exemplos e a troca deexperiências são fundamentais, e a busca é por proposições concretas emudança de hábito. Isso não exclui uma visão ampla, pertinente e comalternativas técnicas generalizadas, intercambiáveis e até complexas,desde os níveis de sustentabilidade que são como que reguladores (comoos documentos das comissões em Meio Ambiente e Desenvolvimento daONU por exemplo, ou dos governos).

57 Abreviaturas: DS = Desenvolvimento Sustentável. PPs = Políticas Públicas Sustentáveis. EA = Educação Ambiental

Page 110: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

O primeiro ponto a considerar na temática é que falar em políticaspúblicas, tal como sustentabilidade, já revela um forte sintoma: o de quenossos modelos de sociedade/economia tenderam a escamotear o âmbitopúblico em prol do privado. São conhecidos os debates de cientistas sociaise filósofos (como Habermas, Boaventura Santos, Dussel...), questionandoo “privatismo” (não só econômico), e assim tentando resgatar adimensão da ação pública: aponta-se aí para a emancipação em torno dobem comum, o que se reflete nas buscas de construção e fortalecimento dacidadania. Neste termo, cidadania, temos muito daquilo que se trata nasustentabilidade. Por que ? Porque ela não é só um modelo degerenciamento, tal qual um método que se aplica, ou um conjunto dereformas (ajustes) de desenvolvimento. Ela implica mudança estrutural ede concepção socializadora. Mas isso não esgota a investigação, ejustamente porque o estrutural passa pela construção desta culturacidadã a qual se quer realizar, por vezes de forma macro institucional,com políticas institucionais globais etc. Neste sentido, não se pode acharque a tomada de poder, por um partido de esquerda por exemplo,poderia, per si, reverter os processos anti-sustentáveis em curso. Ostemas “macro” em jogo referem-se em especial ao processo deglobalização (com ênfase nos movimentos de capitais, sistema financeiroe a nova ordem mundial ditada pelos países centrais), que se reflete emnossas sociedades e “ambientes” e que demanda estratégias e açõesalternativas e criativas, mas considerando-se que já estamos embarcadosnesse sistema interdependente.

Neste levantar das questões, é necessário alertar para quando ostemas da sustentabilidade, da ecologia e também da educação/cidadania,caem num momento de assimilação ideológica, como marketing social everde58, como melhoramento das implicações problemáticas do“capitalismo”, talvez já um “ecocapitalismo”. A questão da democraciareal e não eleitoral, da participação e gestão pública, da reformulaçãopolítico-econômica não entrariam aqui de forma concreta e commudanças substanciais neste modelo. Isso, contudo, não é o que miro emprimeiro lugar, pois não se trata de opor simplesmente um modelosustentável ao anti-sustentável. Primeiro, porque na História não

58 Cf. cap. III de minha obra A emergência do paradigma ecológico, Vozes, 1999.

Page 111: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

ocorrem mudanças radicais e imprevistas como tais; tudo comporta umatradição, uma construção, um choque e encontro de paradigmas emfacetas múltiplas e imbricadas. Neste sentido, o volume de reformas(verdizantes, antipoluição, resgate da natureza natural, maiorparticipação pública e uma série de aprimoramentos de participação eeducação, por exemplo) é importante. Aqui, a atitude mediadora, deconciliação, de aproveitar a mínima oportunidade que seja para instituir(e depois tornar instituição!) práticas de sustentabilidade no nível depolíticas públicas locais – e que passam também pelo privado – e ir aospoucos mudando uma tradição arraigada, e igualmente resgatandotradições sufocadas e saberes guardados que se compõem na sustentabilidadeatual, é a oportunidade que se apresenta em cada momento e que deveser agarrada e “publicizada”.

Neste sentido, desenvolveremos e finalizaremos a exposição comas alternativas gerais que apontam para as ações locais, dentro daspossibilidades de um artigo.

Resgatar políticas públicas no capitalismo

Vejam que entramos “de cheio” no nosso foco, com a temática dademocratização, participação, cidadania, frente ao fato de que “fomosafastados, em nosso país, dos temas políticos maiores e menores, dasdecisões e do acesso ao funcionamento e processos sócio-institucionais,principalmente públicos, e também das vias e formas que a práticaeconômica e industrial toma no desenrolar-se do Mercado. Oindustrialismo, as tecnologias convencionais dependentes e o LivreMercado foram inserindo-se entre nós com toda a legitimidade possível,na esteira do mito do progresso e bem-estar social aventado pelasúltimas ‘reformas’ do capitalismo para o III Mundo”59. O

59 Pelizzoli, cap. V de A emergência do paradigma ecológico.. Vide por exemplo o “Plano Bush para as Américas”, para a década de 90, verdadeiro e vergonhoso plano de controle sobre a economia e políticas públicas dos nossos países. Veja-se depois o volume de comprometimento do Brasil com os bancos (FMI) em especial, e agora de novo o Bush filho com a ALCA e o FMI na mesma linha de política externa. Que “progresso” e modelo de (in) sustentabilidade está por trásdisso ?

Page 112: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

desenvolvimentismo colocou-se à margem do controle e das decisõesdemocrático-políticas; nossa “coisa pública” mostrou-se cada vez maisprivada e economicamente privatizável, em detrimento da esfera da açãoe organização social. Nós não conseguimos ainda acompanhar o que istosignificou e interferir neste processo, nos países periféricos, e como istofunciona e se vincula progressivamente aos movimentos da macro-economia mundial, tendo como lastro uma sociedade de consumocrescentemente elitizada e massificada. Contudo, este modelo tambémmostra sérios sinais de esgotamento! É por isso que as visões e posturasalternativas a isso se avolumaram nas últimas décadas. Estamos, emtodos os lugares, falando em resgatar políticas públicas no âmbito dasustentabilidade. O discurso, pelo menos, está na boca da maioria doscandidatos a altos cargos político-públicos. “Desenvolver comsustentabilidade e resgate do social”, ou ainda, o “Socialmente justo eecologicamente equilibrado”.

Não obstante, políticas públicas devem ser pensadas para cadaâmbito de ação e cada área da vida pública em especial, demandandouma tomada de postura cidadã, ou seja, ética60.

Do paradoxo dos conceitos

“Desenvolvimento e políticas públicas sustentáveis” é o mote dosgrandes encontros internacionais, como os patrocinados por programasda ONU, dos últimos anos, em vista de uma alternativa urgente diante

60 Por exemplo, se sou professor universitário, dentro das várias demandas, quepor vezes parecem estar afastadas dos problemas mais concretos e graves dasociedade, posso encontrar ali meios de efetivar a sustentabilidade, aforacertamente o papel fundamental do professor na conscientização. Agora, poroutro lado sabemos que ninguém convence ninguém em termos da mobilizaçãoética ! Assim, é preciso postura efetiva. Como acontece por exemplo o aspectoda extensão universitária ? Como atinjo o social, que contribuições efetivasposso dar, além das aulas ? Como me engajo nos processo de acompanhamentoda coisa pública ? Do resgate do social ? Dos aspectos emocionais, culturais,ideológicos, de classes sociais, em jogo no processo de educação ?

Page 113: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

dos efeitos nefastos do “desenvolvimento” na sociedade (pós) industrialnão-sustentável.

Observemos que Desenvolvimento é um termo que remete àsCiências Sociais e à Economia, numa transformação artificial dos habitatsnaturais, ao crescimento urbano, ao ambiente construído. Sustentável éum termo próprio da Biologia, expressando o funcionamento dos ciclosnaturais, nos ecossistemas flexíveis e em equilíbrio. Temos um paradoxoin terminis. Mas o problema não é este; é fáctico. Certamente, odesenvolvimento econômico - e social - reporta-se ao modo como acultura e a racionalidade (desde nossa ciência e tecnologia) nocapitalismo, no seu anseio evidente de dominação e transformação danatureza bruta, moldou os projetos de emancipação socioeconômicos e ocomportamento privado dos próprios grupos sociais (mesmo a família).Já o “sustentável” reporta-se ao ecossistema em equilíbrio dinâmico, emsua integridade assimilando a entropia e elaborando a emergência docaótico, onde se mantém o funcionamento de um sistema com pontos deequilíbrio e reestabilização, e que possuem um limite de alteração emobilidade/adaptação. Surgem questões: Como conciliar tais forças ouinstâncias ? Deveremos ser então contra qualquer desenvolvimentoindustrial moderno ? Ou, então, vamos fazer como certa correnteeconomicista que advoga para que se calcule apenas os “custosambientais” e cada um pague, por cotas, para usar ou poluir, e pronto?Na sustentabilidade trata-se essencialmente de questão técnica ? Oprimeiro passo contudo é não cair na armadilha de oporirremediavelmente uma coisa à outra, numa atitude romântica, ou aocontrário, da salvação tecnicista, ou pressupor uma mudança de sistemapara que possa haver sustentabilidade.

Da factibilidade de seu significado

Tratar-se-ia pois de perceber que o DS que vinha sendoidealizado por alguns grupos de ecologistas (até a década de 80) seriafantasioso, no sentido de que demanda um retorno arcaísta impossível aalgo intocado e até perdido ? E deveríamos então trabalhar dentro daspossibilidades que o Sistema permite (nas empresas, por exemplo,promover a qualidade, programas ISOs, contrapartidas sociais e

Page 114: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

ambientais, etc.), ou seja, falaremos então no contexto de reformas naeconomia de mercado centralizadora, de tecnologias mais avançadas eeficientes, controle de qualidade, fiscalização, impacto ambientalamenizado etc. ? De certa forma SIM, mas isso não é suficiente. Poisdevemos pensar a recorrência das práticas viciadas e não questionadaspelas “reformas neoliberais” que bem conhecemos, no processo deglobalização - calcado no controle de mercados pelos poucos grandesgrupos e num processo inerente de dependência tecnológica e econômicaestruturais. Ou seja, a “integridade” ambiental e a segurança social(acesso aos bens mínimos etc.) não podem prescindir de certaemancipação da sociedade de forma inclusiva, a questão é como isso éfeito: devemos apontar para as proposições criativas, contextualizadaslocalmente e com visão do que chamo “oportunidade desustentabilidade”.

Aqui estamos no veio da democratização dos processos de tomadade decisão; estamos não na “sociedade” em geral, mas nas comunidades emque atuamos. Assim, que formas desta autodefesa e gestão podemos edevemos incorporar, ao alcance do raio de ação em construção ?

O que se quer em geral com o DS (desenvolvimento sustentável) eas PPs (políticas públicas) não está, portanto, apenas dentro de reformas naeconomia stricto sensu ! Muitos órgãos ambientais oficiais e inclusiveONGs do I Mundo tentaram sanar esta questão incluindo como metaessencial o controle de natalidade/diminuição da população e o uso demedidas amenizadoras na geração de poluentes. Mas, como elas lidamcom a questão central ?

O que se deduz ou nos resta novamente ? Que quando falamosem DS e PPs, estaremos remetendo em primeiro lugar, maisproximamente de nós e necessariamente, aos estilos de vida, práticas deconsumo, à auto-organização das localidades e regiões com suasvocações econômicas, ao uso dos recursos imediatos de forma renovável,à máquina da publicidade e Mercado, enfim, às demandas e formas degestão das comunidades no III Mundo. Uma questão evidente de habituse de ethos (ética), relação dos sujeitos entre si e com seu mundo – e estasserão nomeadas a partir da questão da qualidade de vida, da cidadania eda educação e cultura, com sentido apenas quando em vista dosmomentos e oportunidades de emancipação para a inclusão dos

Page 115: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

excluídos – isso implica a revisão dos modelos de sociedade feita para ospoucos incluídos. Comecemos pelos meios menores, onde alcançamoseficácia mais visível.

A questão político-urbana

Falar em PPs é remeter-se em primeiro lugar à crise urbana e aomodelo de ocupação de espaço em que vivemos (no Brasil 75 % dapopulação já está no meio urbano !); ela acompanha a gênese, história e ostatus da acumulação e distribuição de benefícios, do trabalho e rendassociais em especial. O primeiro passo é dar-se conta, conscientizar-se denossas cidades, do que elas são, como funcionam os processos de gestão ecomo os esquemas acima, que são em -geral os da inclusão e exclusãosocial - se refletem em cada região, distrito, município. Falar em PPs é,antes de mais, falar em política, em pólis (Grécia), o espaço a seradministrado, o lugar dos conflitos e da harmonização, o lugar dacidadania, um lugar ou espaço não apenas geográfico, mas da construçãoe convivência comunitária e coletiva, que ao mesmo tempo tem queequalizar e promover a autonomia individual. Proponho então asensibilização (tomar consciência) do espaço urbano comunitário e seufuncionamento. É por aqui que começam a se abrir os canais de:gerenciamento e captação de recursos, de ações políticas voltadas para aparticipação, de aprimoramento e promoção de bens culturais, de resgateeducacional, reorganização e fiscalização do sistema de saúde, promoção depolíticas de habitação, ocupação e reforma do espaço urbano, política deinvestimentos em áreas essenciais e carentes etc.

O agravante em nossas cidades, um ponto ápice de suainsustentabilidade, é a violência social; esta tem como causas diretas aperda da identidade, da grupalidade, laços de solidariedadecultural/social/econômica/religiosa, enfim, o processo de marginalização.Aqui está o primeiro alvo de resgate da sustentabilidade: o de prevenir,com mecanismos alternativos – culturais, de geração de rendas, deimplementações do III Setor (e mesmo de assistência social) – e barrareste processo que se avoluma no III Mundo e que põe em xeque aprópria sociabilidade. A redistribuição de renda, emprego, espaço urbanoe rural e o resgate público e socializador, são questões fundamentais

Page 116: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

aqui. E trata-se do grande desafio do mundo globalizado hoje, a saber,como gerenciar crescimento econômico no modelo da sustentabilidadesocioambiental, adentrando nas políticas públicas comunitaristas.

Neste aspecto, entra o questionamento da dinâmica rural-urbana,a qual impôs, diante das (des)políticas agrárias e das demandas de mão-de-obra no espaço urbano, somadas então a má remuneração, aocrescimento demográfico desenfreado e à favelização, impôs aconstituição das megacidades e uma série de problemas ambientais.Quase tudo – bancos, indústrias, comércio, serviços, sistemas de água,esgoto, transporte - funciona hoje nestes meios urbanos que exigem altoinvestimento em infra-estrutura e manutenção, com forte impactoambiental – saúde, ecossistemas em risco, estresse, poluição de todo tipo(cf. Rattner, 56). O problema torna-se acima de tudo a qualidade de vida,acompanhando os custos de investimentos básicos, frente à degradaçãodos espaços urbanos/naturais e a questão da estética urbana. Sintomáticoé que este processo avolumou-se justamente com o idolatradocrescimento econômico, que aliás não é o problema em si, mas antes omodo como foi feito (custos socioambientais) e para que e a quem sedirige !

Vem à tona a urgência do planejamento e políticas sociais, queparte mesmo da ocupação territorial urbana, do plano diretor, do papeldos governos e o realocamento (desapropriações etc) de espaços e criaçãode alternativas de sustento para a maioria da população.

Da gestão participativa nas cidades

Os prefeitos, vereadores, líderes comunitários e pessoas atuantesde mais alcance social têm uma tarefa grave e urgente na reapropriaçãoda gestão pública e reforma urbana baseada nos princípios da justiçasocial, aspirações da comunidade (do “povão” !) e reestruturação dademocracia participativa61. Trata-se da criação de canais de participação

61 Aqui não pode faltar o exemplo inicial de Porto Alegre, lugar escolhido do Fórum Social Mundial, em torno da Gestão Participativa, aprimorada durante anos; os limites geram aprendizado, sendo que na verdade os maiores são da situação macro estrutural econômica e social que atravessa as próprias políticas do governo brasileiro em torno das demandas do capital internacional e dos

Page 117: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

comunitária e de gestão da coisa pública. No momento em que os gruposcomunitários com esta visão atuam e mobilizam, além de escolher,autoridades, há a possibilidade de ser sujeito da história local. Assim,surgem os conselhos de todo tipo: municipais, de meio ambiente,orçamento participativo – onde se trata mais de questão de mobilização eparticipação social e organização dos bairros/cidades do que de finançaspropriamente -, conselhos escolares, conselhos dos direitos humanos, de bairros,de cunho culturais e religiosos, conselhos tutelares, a defesa do consumidor ;ainda, comitês de trabalho e serviços; todos eles apontando canais deapropriação de conhecimentos, deliberação e políticas da sociedade civilem face e junto ao Estado (cf. Rattner, 59). Sabemos bem sobre o Estadohoje: foi como que dilapidado pelos processos privatistas,desregulamentadores das políticas neoliberais; contudo, não podemosesperar que ele volte a ser o que era, na verdade o que nunca foi de fato.

Neste campo, estamos já na mudança de visão de investimentos eesforços (crescimento, manutenção e gerenciamento da “coisa” e espaçopúblico), onde se prioriza o que segue: saneamento básico; escolas decentes;creches e apoio às mães trabalhadoras; centros de saúde descentralizada;assistência e previdência mínimas aos velhos; apoio aos meninos de rua;profissionais do sexo, excluídos em geral; prioridade ao transporte público eoutras abordagens que tocaremos. Aqui entra a questão da própriareforma fiscal no sentido da redistribuição de rendas. É muito complicadopor vezes questionar uma política de investimentos em grandes evistosas obras pelo fato de que muitas vezes elas representam benefícios;mas entra em jogo questionar uma lógica que foi constituída paraatender “naturalmente” a uma parcela menor da população, que se incluino mercado de forma razoável. Não obstante, também esta política deinvestimentos e recursos deve ser questionada, postulando um modelode desenvolvimento que vem de baixo para cima, e que mostra asquestões sociais que levantamos não como secundárias, mas como vitais.Esta construção (mais que modelo) pressupõe descentralização eprioridade para o resgate e inclusão social em alguma forma deeconomia que, participando do Mercado, não se alinha propriamente

países centrais.

Page 118: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

com sua Lógica, como aquela que habita o consumismo, a acumulação debens e capital, o american way of life em especial.

Estamos já num outro patamar de políticas e desenvolvimento:“Ao pressionar pela reforma fiscal progressiva, reforma agrária, melhordistribuição de renda e um projeto de desenvolvimento nacional, ascomunidades locais participativas vão se engajar ativamente na lutacontra o desemprego e desigualdade social, pelos créditos comunitáriosàs pequenas e microempresas e incentivos para o desenvolvimento detecnologias apropriadas” (Rattner, 60); e assim criando novas atividadeseconômicas. Nesta alternativa, não se trata de questionar apenas aEconomia, mas mostrar que ela não é verdadeiramente eco-nomia quantonão cuida e não gerencia de fato o óikos (eco – casa) na base da justiçasocial e equilíbrio ambiental, o urbano e o rural, o privado e o público; senão é assim, “a casa cai” !

Há pontos que se avolumam hoje na gestão urbana e sãogritantes: a implementação da Agenda XXI (com o que isso implica, emtermos de Plano Diretor, Sistema/Política Municipal de Meio Ambiente(e desenvolvimento), papel do conselho do Meio Ambiente, capacidadeintegradora da institucionalidade e da governança através da base“ambiente”, etc.); outro ponto entra no conjunto de fatores ligados aoaquecimento global, ou seja, exigência ainda maior de políticasambientais em vista da gravidade da situação. Aí dentro está também asdiscussões, resoluções e estratégias para gerar a chamada “CidadeSustentável”, o novo patamar e paradigma para as administrações dotempo ecológico.

Gestão de recursos e canais de fiscalização para asustentabilidade

No que tocamos da questão dos Conselhos e da participação emdecisões públicas, devemos ter claro os canais de atuação em jogo emcada região/localidade, no que se chama mais estritamente políticaambiental. Hoje é preciso centrar-se nos gerenciamentos e na gestãoambiental ou socioambiental; nos seguintes termos: Como está a Gestãode recursos hídricos e bacias hidrográficas da minha região ? Ou seja, umadas questões mais graves em jogo, o lidar com a água, qualidade dos

Page 119: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

rios, lençol freático, impacto do comércio (postos de gasolina por ex.) eindústria sobre os recursos hídricos; política pública da água; é viávelprivatizá-la ? Pode-se continuar a usar tal recurso como hoje se faz ?Outra: como está a Gestão dos resíduos sólidos ? Na minha localidadeexistem ainda lixões ou já aterros sanitários ? Há política de recolhimentode resíduos recicláveis e aproveitamento de resíduos orgânicos (adubosetc) ? Como é o padrão de consumo (consumismo?) ? Ainda: ogerenciamento de substâncias tóxicas. Como evitar ao máximo a utilizaçãodelas ?62 Há política de controle e fiscalização ? De recolhimento edestinação de resíduos ? Ainda: gerenciamento das áreas de risco eambientes naturais (morros, matas etc.); está ligado diretamente àpolítica de habitação e reforma territorial-urbana. No Brasil é precisoacompanhar de perto, pois já são vários os desastres. Outro ponto: gestão,controle e fiscalização da poluição: é respeitado o nível de ruído na cidadeou há grande poluição sonora ? A poluição sonora, tal como a estética,muitas vezes passa desapercebida, mas é causa de problemas psíquicosrecorrentes. A poluição do ar de igual modo, é preciso fiscalizar osveículos e fábricas, bem como a queima de lixo, que gera poluentesaltamente tóxicos. Junto a isso a poluição visual e a estética urbana; aquantidade de propagandas e seus materiais infindáveis contribuempara a degradação da cultura/qualidade de vida. Assome-se a isso o quejá tocamos na sua imbricação social e o que seguirá.

Um ponto que merece destaque agora, é o papel do MinistérioPúblico, como canal de proteção ambiental/social. Hoje temos umainstituição que apesar dos pesares tem agido de forma efetiva nestasquestões, até onde os limites político-econômicos cedem. Para qualquerproblema ambiental hoje podemos recorrer pessoalmente – melhor comoONG ou grupos organizados – ao Ministério Público, seja Estadual sejaFederal. É o órgão público em fortalecimento e que devemos recorrer eapoiar amplamente. O conhecimento das Leis é de igual modo essencial;hoje elas são, pelos menos em termos ambientais, satisfatórias; oproblema está na fiscalização e aplicação das mesmas.

62 Muitas pessoas não têm a mínima noção do que significa consumir aditivos químicos, usar venenos químicos, como para matar insetos e outros seres. Trata-se de verdadeiros crimes contra a natureza e contra si próprio.

Page 120: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

A Democracia em jogo

Quando o tema do PPs vem à tona, o que está em jogo é a própriaconstrução e manutenção da democracia nos seus sentidos maisfundamentais. Em geral temos democracia eleitoral (apesar daideologização dos meios de comunicação/dominação/status quo etc) masnão democracia econômica e mesmo social. A construção da democraciaparticipativa vai nessa direção; levar a cabo a própria democracia. Aliás,ela não deveria ser chamada de “participativa”, mas de democraciasimplesmente, assim como educação não deveria ser chamada de“ambiental”, nem políticas públicas de “sustentáveis”; pois ou são esteconteúdo ou não são de fato o que nomeiam ! A realização dasustentabilidade é igualmente a oportunidade para as autoridades epolíticos instituídos de realizarem seu sentido público e ético, edesenvolver políticas estratégias que conciliam o seu interesse pessoalcom a promoção ético-social; questionável, certamente, são os interessesmenores (privados) apoiados por recursos financeiros maiores.

Na democracia econômica, trata-se de saber que toda forma decapital, como o dinheiro, tem uma dívida social e ambiental por trás, que osustenta; tem um lastro de responsabilidade, que tem a ver com o sanguede quem trabalhou e com uma rede complexa de relações de que aselites, no caso, dependem para acumularem. Todo bem privado dependedas condições do que não é privado, e na acumulação se atua contraaquilo de que se depende. Em termos simples, o modelo que se impôsnão é social. Os recursos giram em torno da especulação e doreinvestimento empresarial privado, prescindindo da função social e doimpacto ambiental (obs.: ambiental é também urbano, construído, social,cultural etc.). Neste sentido, uma grande rede de supermercados quandose instala em um novo local por exemplo, traz um impactosocioambiental que muitas vezes não é levado em conta, como ofechamento de pequenos negócios, a própria acumulação de capital e aformação de monopólios. A população tem um papel de controle aí, efortalecimento dos pequenos negócios, por exemplo63. No liberalismo se63 O papel de controle é, certamente, competência dos governos em primeiro lugar, contabilidade e justiça, no sentido de fiscalizarem a sonegação de impostos e das contribuições sociais, superfaturamentos, formação de cartéis e

Page 121: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

confundiu liberdade de mercado e de investimentos e a retirada doEstado com democracia. Certo, não é falso o discurso pelo aumento dopoder de compra, investimentos primários e secundários e os postos deemprego pelo crescimento econômico; mas, sem a justiça distributiva,sem implementações fiscais vigorosas, sem participação em rendas, semreordenamento da economia em torno dos interesses nacionais e dospequenos e médios empreendimentos, no caráter da sustentabilidade,isso não tem eficácia e durabilidade. Reafirmo: mas isso não exime aresponsabilidade de cada um de se engajar na área/ação que lhe parecemais pertinente !

Concluindo

Por fim cabe dizer que para tudo isso trata-se de induzir a vontadepolítica e o esforço coletivo para realização das PPs e do DS. Asensibilização para o espaço e relações econômicas, sociais, culturais ereligiosas que ocorrem na pólis, e a tomada de postura possível erealizadora da responsabilidade de cada um em se pensando no que éviver social e ambientalmente.

Finalizemos com o tom das ONGs na Rio 92, o do “reapropriar-seda política para uma sociedade sustentável”. Há uma condição basilar paraisto: consciência de solidariedade em nível planetário (compaixão, amor,não violência...), no sentido de nos sentirmos responsáveis pela tarefa, nabusca de uma sociedade justa (Cf. Fórum, 1992, p. 7). Isto na verdaderemete a realizar o nosso próprio sentido pessoal de viver, pois o acentoegoísta é sempre autodestrutivo ! Trata-se, neste acontecimento, de“reinventar o mundo”, mas de modo a focar profunda e engajadamente olocal, a sensibilidade para o espaço e relações humanas e socializadorasda pólis.

O que temos percebido na luta ambiental em geral é anecessidade de efetivar um processo em três tempos, que não pare noprimeiro. A saber: 1- informação: significa que precisamos ter acesso ainformações e dados sobre o que está acontecendo realmente a nossavolta, e todo o espectro de impacto que causamos com nosso modelo de

procedimentos anti-éticos em geral.

Page 122: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

consumo e socialização; informação, hoje, temos bastante; a questão édivulga-la e elabora-la da forma correta e inserida nas populações. 2 –Conscientização e sensibilização, para lembrar diretamente Paulo Freire,pois aqui se trata de um grande processo de Educação (com razão eemoção) para o tempo ecológico e novo humanismo inseparável dele.Este ponto 2. é crucial, pois não adianta estar na era da informação e deseu descarte; trata-se de gerar a sensibilidade e a tomada de consciênciade que “ambiente” mexe com todo o conjunto de paradigmas que nosatravessam, dizendo respeito assim ao modo como olhamos/conhecemosas coisas, e também os valores, o que vale para nós e move nossa ação. Eassim entramos no ponto do fazer. 3- Ação. Esta depende dos pontosanteriores especialmente o 2, pois a motivação é que a move. No entanto,a ação deve ser acompanhada de estratégias adequadas, métodos, formastestadas e socializadas de procedimentos para construir asustentabilidade. De “boa intenção o inferno está cheio”.

Seguem-se algumas proposições inspiradas no Fórum dasONGs (na RIO 92) dentro do tema:

@ Trabalho conjunto de todos os movimentos de emancipaçãosocial/ ambiental, fazendo frente aos que mantém o status quo.@ A satisfação das necessidades básicas e da qualidade de vidadepende mais do desenvolvimento e afirmação das relações sociais,culturais, criativas, comunitárias, do que o crescimento do consumo debens.@ Reforço das economias locais, descentralizadas, auto-suficientes,sustentáveis, brandas, com vocação econômica do local, gestãoambiental, segurança alimentar, identidades culturais. Interesses dacomunidade acima dos da grande empresa. @ Participação maior e ativa das mulheres, nos níveis de elaboração,planejamento e implementação de políticas.@ Resgate das sabedorias dos povos indígenas e outros povostradicionais.@ Prioridade de combate ao padrão dos superconsumistas antesque crítica ao impacto dos pobres.

Page 123: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

@ A tecnologia deve ser compartilhada, sem patenteamentosperniciosos que ferem o interesse dos menos “desenvolvidos”. @ Compromisso massivo na educação; novos conhecimentosecológicos, valores e aptidões dos vários elementos da sociedade. Valoresespirituais reforçados. Simplicidade de vida, abnegação, respeito pelavida. Processo de divulgação massiva e tomada de consciência dasituação e alternativas locais, redes de conscientização e ação, educaçãoambiental em todos os níveis. Integração dos povos na construção de umprojeto, perspectiva e luta comum.@ Forjar nossos próprios instrumentos e processos na redefinição dosentido e rumo do progresso humano, transformando assim asinstituições, para que respondam às nossas autênticas necessidades.

Compromissos:

* Atuar nas comunidades locais reforçando as identidades, partilhandona construção de economias alternativas (medicina natural, agriculturaecológica, expressões do folclore e cultura, religiosidade, valoresregionais naturais...).* Criação de movimentos populares, com pesquisa, integração e açãoefetiva.* Combate às políticas de dívida externa.* Combate à transferência de tecnologias industriais obsoletas e projetosagro-exportadores que implicam em custos sociais e ambientaiselevados.* Redução dos gastos militares.

Compromissos ainda mais próximos de nós64:

* Fazer valer o código do consumidor; boicotar monopólios.* Fazer valer os direitos humanos onde quer que haja violação.* Conhecer os Conselhos que funcionam na cidade.* Levantar sempre as questões socioambientais para reflexão eproposição de pequenos projetos e práticas na Educação.

64 Cf. minha obra A emergência do paradigma ecológico, Vozes, 1999.

Page 124: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

* Perceber a necessidade de uma ética do "vivere parvo", simplicidade.* Conhecer as leis de proteção social e leis ambientais existentes.* Pressionar os poderes institucionais e políticos a cumprirem as leisambientais existentes e políticas públicas justas.* Conhecer e participar das ONGs. Criar ONGs e grupos se preciso.* Participar e fortalecer as casas, entrepostos e cooperativas naturalistas eecológicas.* Combater os valores do consumismo, usando produtos alternativos emgeral, caseiros, integrais.* Implementação de ciclovias e de transporte público e alternativo. Usoracional do automóvel.* Racionalizar todo tipo de energia.* Campanhas de reutilização e de reciclagem de resíduos urbanos erepúdio aos descartáveis.* Hortas e pomares caseiros.* Alimentação natural e Terapias alternativas.* Uso do papel reciclado ou não branqueado.* Participação política em nível local, acompanhando trabalho deparlamentares.* Não usar produtos de empresas que desrespeitam o meio ambiente.* Cultivar espiritualidade que inclua o respeito para com os seres.* Educação sempre como Educação ambiental.* Boicotar os produtos transgênicos na alimentação (ver a lista emwww.greenpeace.org.br ).

Veja-se que, no fundo de tudo isso, trata-se da radicalidade deuma nova ética, não mais do mero discurso, não mais da maquiagemverde e do interesse elitista, mas do sentido profundo, urgente emaravilhoso da Vida.

8 - ÉTICA E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO CONTEXTODA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Page 125: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Entrando num tema de grande importância hoje, trago ao leitoruma experiência vivida no âmbito dos cursos de formação que ministroem parceria com a ONG AMANE65. Trata-se de tema fundamental naquestão socioambiental e na vida diária, vivido aqui em cursos quechamo de “módulos” – os quais visam a mediação, o diálogo e anegociação em contexto de gestão e conflitos ambientais, portanto, emconjunção com processos de educação ambiental – concebida então paraalém do verdismo e do conservacionismo.

Objetivos do módulo

* Introduzir teórica e praticamente a ferramenta de medição deconflitos, a CNV (Comunicação Não-violenta)

* Como consequência, promover consciência, estratégia edinâmica participativa para lidar com pessoas, grupos e disputas emambientes institucionais e gestão.

* Como um pano de fundo, promover uma discussão conjunta emtorno da Ética e nossas motivações, desde o atual estado da crisesocioambiental.

Quanto ao caráter metodológico da proposta

O módulo parte do princípio pedagógico-metodológico de quecada passo dado pelo professor e as respostas do grupo devem serpercebidos dentro de um quadro interativo entre diferentes, onde alógica do diálogo e o modo de lidar com o que ocorre são exemplos daprática da compreensão e resolução de conflitos, o desafio concreto daética. O formato em círculo, a abertura a histórias pessoais (a começarpelo professor), a música cantada em conjunto com violão, comoelemento sociopedagógico e lúdico, as ações corporais, como arepresentação teatral de conflitos, o estímulo ao debate a partir de temaspolêmicos referidos ao ambiente de vida e trabalho, tudo isso mostra-seuma conjuntura muito fértil para trabalhar. Forma-se o palco onde o

65 Associação para proteção da Mata Atlântica do Nordeste. www.amane.org.br

Page 126: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

participante é convidado a cada momento a tomar consciência do queacontece na interação, perceber seu modo de falar, perceber o jogo doconflito, perceber a carga emocional presente, perceber o outro, bemcomo aquilo que faz aumentar as possibilidades de sucesso ou fracassona relação, na conversação ou na negociação.

Em termos metodológicos do conteúdo, cada participante recebeantecipadamente um CD com centenas de materiais em documentosdentro da temática, bibliografias, áudios, vídeos, textos e livros digitaisdo professor, nas áreas de sustentabilidade, emoções/psicologia, outrasmetodologias de resolução de conflitos e cultura de paz, ética,espiritualidade etc. O professor/facilitador deve estar atento a cadamomento de discussão, no sentido de corroborar não apenas o conteúdotrazido, mas a forma, ou seja, o modo como são estabelecidas as falas e osconflitos explícitos e implícitos no grupo, e principalmente com osexemplos trazidos do contexto de cada um.

Se fôssemos resumir as propostas aqui de métodos apontaríamoso seguinte: Aulas expositivo-reflexivas questionadoras; análise deconceitos-chave envolvidos na temática e exemplos do grupo. Análise decasos. Teatralizaçao. Dinâmicas apoiadoras das temáticas. Músicascantadas com violão. Fórum de síntese.

A acolhida

O módulo inicia com a apresentação de um vídeo onde bebesriem constantemente, e também com músicas para animar o grupo. Ofacilitador convida então à reflexão sobre a capacidade de leveza,ludicidade e alegria diante da vida e nos ambientes de convivência. Amusica cantada em conjunto tem uma função de coesão mais queracional do grupo. A acolhida é fundamental nesta proposta poispossibilita a abertura para o trabalho com dilemas éticos, em geral dedifícil acesso devido a questões pessoais e emocionais não trabalhadas.

Apresentação do Professor

Ainda dentro da acolhida, a apresentação do facilitador éestratégica, tomando a iniciativa de relatar um pouco de sua história,

Page 127: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

permitindo tocar em questões pessoais e emocionais, masfundamentalmente uma história que une a luta ambiental às motivações,fracassos e sucessos, até chegar ao atual momento de luta ecológica eseus desafios. Cotejar o vivido com as questões políticas, culturais esociais da atualidade (com o foco na dimensão ambiental ampla) éprodutivo, a ponto de muitas vezes o grupo intervir e dar seus exemplose opiniões dentro mesmo do momento da apresentação do facilitador.Tal apresentação tem também o caráter de quebrar a formalidade e friezadas dimensões puramente técnicas de conteúdo, e convidar a pensar esentir os modos e dilemas humanos que está por trás das interações eescolhas; trata-se da forma como a coisa é feita, mais que do conteúdo. Mais adiante o grupo será convidado, na discussão sobre dilemas éticosvividos, a pensar no que gera o conflito, não tanto as diferenças e idéiasopostas, mas o modo de vivê-las, o ambiente emocional em jogo, os jogossistêmicos e os bloqueios herdados e recriados, e assim asimpossibilidades ou incapacidades para o Diálogo.

O que diz pra você essa disciplina/proposta ? Significado, importância,finalidade, tendo em vista o trabalho do gestor

Este é o convite metodológico seguinte, ou seja, coloca-se apergunta: até onde questões de natureza ética, relacional, conflitivas sãoessenciais na manutenção de qualquer trabalho coletivo, de qualquerconquista de grupo e luta social. Em geral, o retorno obtido é unânimequanto à crucialidade do tema para o trabalho, e mais ainda para a vidafamiliar e social. Aliás, este foi um ponto forte nas avaliações dos gruposquanto á proposta, o tema tocou em questões de gestão de grupos aomesmo tempo que remetendo à vida familiar e social das pessoasenvolvidas. Mas é aí que se percebe também as dificuldades acopladas àdistância entre o ideal e o real e a possibilidade de maior ânimo oudesânimo para a luta socioambiental.

Outro ponto metodológico que deve ser relatado é a apresentaçãoda proposta passo a passo, do programa e dos procedimentos a seremadotados. Isto dá um tom participativo, esclarecedor e construtivo dotrabalho, ao que os membros podem questionar, sugerir, ao que sesentem mais inteirados e seguros quanto ao que acontecerá. Neste tema

Page 128: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

em particular, da lógica e da desmontagem dos conflitos, é importanteter a colaboração e a aprovação do grupo, bem como uma boa introduçãoá proposta, devido á resistências internas sempre presentes. O passo apasso é útil nestes aspectos, pedindo licença e colaboração para tal. Equando o facilitador sabe criar um clima que propicia o surgimento dosfenômenos latentes, tanto do debate das diferenças quanto de um espaçopara expressão das insatisfações, mágoas, relações humanas no trabalhoetc., dimensões de maior intimidade por trás da vida dos grupos, abre-seentão portas para a mediação e para a resolução. Esta foi a experiênciavivida nos cursos da AMANE no Nordeste, onde questões destanatureza foram prementes, pois trabalhamos com instituiçõesgovernamentais, ONGs, movimentos sociais e comunidade organizada,grupos que conflituam internamente e externamente.

Discussão sobre Ética

+ O que mais nos incomoda/inquieta nas tuas vivências, noaspecto da (falta) ética no encontro com a questão ambiental ?

Esta foi a pergunta que se seguiu à apresentação inicial. O quenos incomoda e toca não é somente aquilo que racionalmente pensamossobre o assunto, mas o que refletimos e criticamos devido ao fato de quefere valores pessoais, sociais e ambientais. Na lousa, elencamos então oque significa Ética para cada um (disso, de cada resposta, decorremoutras questões latentes). Esta questão tem a função não tanto de adotarum conceito de ética de cima para baixo, mas simplesmente incitar àdiscussão e perceber o quanto de dilemas e conflitos morais surgemnuma discussão, bem como quantas visões diferentes aparecem. Ou seja,são muitos mundos em jogo, são muitos horizontes culturais e contextosfamiliares e sociais, além de psicológicos, que se esbatem.

Qual o papel do exemplo prático na questão ética ? A ética comoteórica (discurso) e a vida prática, como está esta relação ou dicotomia ?Por que é tão grande esta dicotomia entre discurso ambiental e vida real,institucional ? Há uma ética universal, para todos ? Ela é inata ouadquirida ? É dada de forma genética? Como perceber a dicotomia CertoX Errado, enquanto luta entre meu gueto X o teu, o Bem X Mal ? Ética =Moral ? Ethos grego.) Por que alguém deve ser ético? Como perceber o

Page 129: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

mal que projetamos no outro como nossa Sombra ? Aqui tocamos numaquestão delicada da ética e dos conflitos, que é o mecanismo psicosocialda projeção, unida ao moralismo unilateral que encontra no outro, nodiferente, no excluído, no rebelde, no que sofre preconceito, a origem detodo mal. O grupo é levado a perceber como está arraigado a noçõesconservadoras de moral, calcadas em modelos religiosos que separamabsolutamente o bem do mal, Deus e o Diabo. E ver como isso se colocanas concepções de família e grupo que se protegem contra os outros, oestranho.

A dinâmica espelho-Sombra. O Bode expiatório e a Ovelha negra

Para fazer perceber melhor o problema acima, confrontando-secom sua sombra, os próprios defeitos projetados fora, criamos umpequeno exercício. Este é uma dinâmica rápida onde pedimos aoparticipante para escreverem numa folha 3 ou 4 características negativasque o incomodam muito no comportamento de outra pessoa. Isto feito,as pessoas são convidadas a relatarem as coisas negativas que lhestranstornam no modo de ser de outra pessoa ou grupo. Ao que ofacilitador vai até cada uma e cumprimenta-a apertando a mão e dizendo“prazer em lhe conhecer melhor”. É um procedimento de surpresa e umapequena confissão em grupo dos defeitos possivelmente escondidos eprojetados.

Segundo C. G. Jung, mas também Nietzsche, os comportamentosde outrem que irritam por demais ou tiram fora do sério alguém, temduas implicações: a primeira, a própria pessoa tem aquela característicanegativa mas a exerce em outro nível, outra pessoa ou forma mitigada ouimplícita; a segunda, a pessoa é tocada por aquele comportamentoporque no fundo gostaria de fazer algo daquele tipo. Por exemplo:alguém muito tímido ficará incomodado com pessoas que chamará deespalhafatosas.

Tal dinâmica é novamente um convite à reflexão sobre comoacusamos os outros daquilo que temos ou que já fizemos, e como é difícilentender os outros, bem como a necessidade de buscar entrar um poucoem seu mundo para relacionar-se.

Page 130: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Trazemos neste momento a figura do bode expiatório, mostrandoo caráter sacrificial dos grupos que quase sempre criam bodes paraserem sacrificados (humilhados, culpados, tornados rebeldes, pano defundo de fracassos, mágoas, e neuroses dos grupos). Os grupos criamtambém ovelhas negras, indivíduos que são perseguidos e expulsos, ouque se colocam em função mesmo de rebeldia quanto à ordemestabelecida e posições do grupo.

Estes são elementos que propiciam significativas tomadas deconsciência de como funcionamos como indivíduo dentro de um grupo edeste em relação a indivíduos isolados e a outros grupos.

Representação/dramatização de conflitos

Um dos pontos altos deste módulo é a representação teatral desituações de conflito trazidas pelo grupo. Sempre em círculo, traz-se adisposição de personagens na forma de confronto entre partes, que porafinidade se aproximam em grupos diferentes em disputa. Cada um éorientado a defender completamente o papel assumido. Em geral,usamos a seguinte configuração inicial: o papel de um Usineiro,empresário do ramo da cana, que iniciava falando da importância sociale econômica de seu trabalho para a sociedade, para o progresso dacidade e do país. Diante dele colocamos em geral uma ecologista quedefenderia a questão ambiental em áreas afetadas correlatas aosusineiros. Estimula-se o diálogo livre, mas dentro do que a função dopersonagem exigiria. Ao lado do usineiro colocamos um trabalhador,como que um “capataz de fazenda”, que tem sua família todadependente daquele trabalho, e que tem a função de defender o patrão atodo custo. Ao lado ainda do usineiro, o prefeito da cidade da usina,defendendo os empregos, os impostos e a dependência da cidade do“progresso”. São três homens (autoridades) ou mais contra umaecologista. O facilitador pára por um momento a dramatização paramostrar que a questão ecológica se põe energeticamente mais ou menosdeste modo, o princípio do feminino, do novo, do alternativo, contra oprincipio do masculino (Yin X Yang, cf. Capra (1980)), da tradição, dopatriarcado, do desbravador (empresário...). Lutar ecologicamente é lutar

Page 131: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

também contra o estabelecido, contra uma tradição que se conserva e épresente na “mente” de todos.

Em determinado momento, é chamado um representante daAMANE ou outro ecologista para ajudar a ecologista solitária. Em outro,é chamado um representante dos Sem Terra para marcar a questão socialem conexão com a ambiental, e acirrar o confronto de interesses e classesno debate. Em geral, a essa altura temos uma dramatização que“esquenta”, onde os personagens se animam e vão perdendo o medoinicial. Em seguida, um representante do Ibama ou de Secretariasambientais locais é chamado a participar. Ele se vê numa posiçãointermediária ou ambígua, pois ao mesmo tempo ele fica do lado dogoverno e do prefeito (e portanto do empresário) mas também pode estardo lado da defesa da Unidade de Conservação e do entorno ambientaletc. Numa outra variação, é coloca a comunidade do entorno e suarelação com a UC, os conflitos surgidos na figura de um policialambiental em conflito com comunidade de caçadores ou coletores nafloresta. O objetivo é sempre trazer a tona, encarnadamente, os conflitosvigentes, e ao mesmo tempo observar o conteúdo em disputa mas aindamais a forma como é conduzida a fala, a energia para a disputa, o tipo depalavras, as expressões do corpo, e as emoções surgidas. O modo comoocorre a comunicação e as relações é crucial para entender o fracasso danegociação, da mediação e das relações em geral. Outra variação é trazerconflitos internos dos grupos presentes (Ibama, ONGs, movimentossociais X ONGs etc.). Por vezes, pode-se – desde que capacitado para tal– colocar elementos de constelações sistêmicas para trazer o sentido dedramas ocultos ou não falados nos grupos e na própria luta social eambiental (o livro Nossa vida como Gaia de J. Macy é uma excelentereferência para tal, unindo teoria e prática – vivências de ecopsicologia).Outro personagem freqüente é um consumidor jovem urbano, que “nãoestá nem aí” para questões sociais e ambientais, que não defende nadanem ninguém, apenas o seu consumo e prazer. É interessante percebercomo ele se coloca ao mesmo tempo na dependência do sistema deprodução e consumo e incide diretamente na problemática ambiental;também o fato de que devemos seguir na luta ambiental para além de sepreocupar se muitas pessoas ou grupos nos acham estranhos, radicais ounão se importam com a destruição do planeta, das pessoas. Uma variante

Page 132: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

é colocar então um jovem desanimado com tudo, niilista, para retratartalvez o que muitos sentem ou temem.

Um dos pontos altos da dinâmica é a troca de papéis. O usineiropassa, opostamente, a ser a ecologista e vice-versa. Todos trocam; e ésurpreendente ao ver certas dificuldades na encarnação do novo papel,ao mesmo tempo que revela mais uma vez que nos arraigamos a papéisdeterminados. O teatro imita a vida. Os alunos são estimulados apensarem em como se congelam não somente durante 30 ou 40 minutosnuma identidade aferrada, mas 30 ou 40 anos, seguindo uma vida deconflitos pela não flexibilidade e não compreensão do Outro, dodiferente.

Um dos desfechos freqüentes da dinâmica propõe colocar a UC(no sentido naturalizante), no centro do drama, perguntando a ela comose sente ou a sua percepção quando olha para cada um dos personagense suas funções e ações. Ao lado da floresta colocamos representantes dascomunidades tradicionais (indígena, negra...) numa conjunção paraindicar a imbricação homem-natureza, para além do verdismo eromantismo conservacionista, e fazer sentir o peso daquilo que vemantes de nós no tempo, na opção preferencial pelo socioambiental nosentido das populações tradicionais em conjunção com seus ambientes, asustentabilidade. Por fim, todos os membros se unem numa roda deabraço no centro, ao que o facilitador conduz palavras de fechamento dotema e do barco em comum e ameaçado em que todos estamos,independentemente de credo, posição social ou política e institucional.

São vários conflitos em jogo visualizados e encarnados nestadinâmica: poderes hierarquizados, atritos políticos; os limites da Reservacom muro X comunidade que invade. A Comunidade do entornojogando lixo e tirando recursos contra o policiamento (“zona deamortecimento Social”). Os pescadores dentro do Mangue em área deproteção. Pessoas dentro da unidade encontradas pelos guardas, comoproceder? A questão da necessidade de sobrevivência; Macaxeira XMata. Animais domésticos mortos na UC com arma (que diferença moralhá entre a vida de um animal raro e um doméstico ?). Como ele se sente?O impacto do significante “IBAMA” para o empresário, para aComunidade, para o sem-terra. O papel do poder político local; asincapacidades de ação. Os pleitos não escutados, etc.

Page 133: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Tal representação, como ponto alto do módulo, encontra seusentido ao ser esmiuçado e refletido fundamentalmente a partir davisualização de como (modo) ocorre o conflito, motivações e interessespor trás, necessidade de lidar com a diferença e desníveis e disputas deempoderamento. Como fracassamos ou temos sucesso naconversação/negociação. É daí de dentro que trazemos dois pontoschaves para a capacidade de diálogo e inteligência emocional oucomunicacional: a Escuta e a capacidade de Pergunta/troca (o sentido dapalavra Dia em Dia-logo, fluxo de palavras explicitando o sentido decada falante que busca fazer-se entender, tendo que para isto entender ooutro, e assim buscar entendimento comum no tema ou litígio).

Os alunos que ficaram de fora da roda são convidados a falaremprimeiro, dizendo o que viram acontecer e como aconteceu, e comofariam; que pontos aumentam os conflitos ou diminuem; como osfalantes se comportavam; quais as interações de poder etc. Depois disso,os próprios personagens são convidados a falarem sua impressão, de simesmos, dos outros e do modo como ocorrem as disputas.

Apresentação da Comunicação Não-violenta

Dinâmica: rememorar o conflito vivido:

Antes de entrar na metodologia de mediação proposta (CNV), ogrupo é convidado a uma visualização que servirá para discussão maisreal do processo a partir de três níveis: do Corpo (expressões, alterações,inquietudes, ações violentas ou não, energia vigente, sorriso, abraço etc.);da fala (qualidade das falas, ofensas ou não, ironias, boicotes, gritos,indiferença, acidez, agressão etc.); e por fim das emoções (raiva, medo,tristeza, frustração, alegria, indiferença etc). Primeiro uma negativa,depois uma positiva. O sentido de tal prática é fazer perceber que nofundo sabemos porquê fracassamos ou porquê temos sucesso noconfronto.

a) Negativo: Imagine uma conversa muito ruim que você teve, e que odiálogo fracassou fortemente. Que sentimentos são evocas daquele

Page 134: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

momento ? Como era o tom da voz ? Lembra do tipo de palavras ouexpressão ? O que marcou ? O que você tentou fazer ?

b) Positivo: Com foi ? Por que deu certo ? O que você sentiu e partilhou?Que tipo de palavras foi usado ? Como você ficou depois ? E o consensocomo foi buscado?

Neste processo, as pessoas vão relatando, e o facilitador temtarefa fundamental pois vai levantando mais perguntas a cada vez,mostrando o porquê há fracasso ou sucesso no diálogo e comunicação.Um monitor anota no quadro ou apresentação de slides os elementostrazidos pelo grupo. Nisso, vai também citando outros casos emostrando teorias que criam estratégias para o sucesso na mediação,negociação, conciliação, ou restauração de danos interhumanos.

Trazendo a teoria (C N V) (quadro-resumo)

Vamos resumir o esquema metodológico da CNV no seguintequadro.

COMO SE PODE USAR O MODELO CNV

Expressando honestamente como euestou, sem queixa ou crítica

Acolhendo com empatia como o outroestá, sem queixa ou crítica

OBSERVAÇÕES1. Expressando honestamente a açãoconcreta que eu estou observando(vendo, ouvindo, lembrando,imaginando) que está contribuindo ounão para meu bem-estar

1. Acolhendo com empatia a ação concretaque o outro está observando (vendo,ouvindo, lembrando, imaginando) queestá contribuindo ou não para o bem-estar dele

Page 135: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Na prática:- dizer o que observo, sem julgar, sem

fazer inferências, sem relacionar comoutra situação;

- não generalizar;- usar sempre EU

Na prática:- ouvir atentamente sem julgar, sem

fazer inferências, sem relacionar comoutra situação;

- aclarar por meio de perguntas,pontos que não compreendeu bem

SENTIMENTOS2. Expressando honestamente como euestou me sentindo com relação ao queobservo

2. Acolhendo com empatia como o outroestá se sentindo com relação ao queobserva

Na prática:- usar a expressão “eu me sinto...”- relacionar meu sentimento às minhas

próprias expectativas e não à ação dooutro

Na prática:- usar a expressão “você se sente...”- ajudar a relacionar o sentimento do

outro às expectativas dele e não àminha ação

NECESSIDADES3. Expressando honestamente a energiavital na forma de necessidades, valores,desejos, expectativas ou pensamentosque estão criando meus sentimentos

3. Acolhendo com empatia a energia vitalna forma de necessidades, valores,desejos, expectativas ou pensamentosque estão criando os sentimentos dooutro

Na prática:- nomear com clareza minhas próprias

necessidades, sentimentos, valores,expectativas, etc.

Na prática:- confirmar com o outro sua

verdadeira necessidade, sentimento,valores, expectativas, etc.

DEMANDAS4. Expressando honestamente, semimposição, o que eu gostaria de receberdo outro que melhoraria a minha vida

4. Acolhendo com empatia sem inferirimposição, o que o outro gostaria dereceber de mim que melhoraria a suavida

Page 136: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Na prática:- usar palavras, expressões e gestual

de solicitação, nunca de comando,coação ou imposição (eu gostariaque; você poderia...)

Na prática:- acolher com interesse e confirmar a

solicitação (você gostaria que eu...;você está me pedindo para...)

Cremos, baseados na experiência e na teoria criada por MarshallRosenberg, ser esta a mais bem elaborada ferramenta para resolução deconflitos, ou para evitar danos. Não é uma simples técnica de vencer emdebates ou seduzir e convencer, como em processos de disputa comercialpor exemplo, mas uma prática conectada com as expectativas relacionais,profissionais (grupo) e emocionais que as pessoas tem na experiência devida social. A CNV acessa necessidades humanas básicas para as pessoase grupos, demonstrando que se desconhecemos pressupostos sociaisrelacionais básicos por trás das interações jamais entenderemos osfracassos, brigas, boicotes, relações minadas e violências em geral, bemcomo o modo de evitá-los ou ao menos diminuí-los.

A CNV parte do princípio de que mesmo que não possamosceder em algum conteúdo ou coisa disputada, podemos proporcionar aooutro, ao interlocutor, uma exposição adequada, respeitosa e dialogal desua posição e de sua pessoa, que sempre está em jogo num conflito. Éfundamental compreender as necessidades em jogo, e como em cadafrase podemos criar obstáculos no fluxo da interação.

A apresentação teórica da CNV, contudo, não pode ser apenascolocação da teoria, mas a cada momento é necessário puxar exemplosvividos no grupo ou na dramatização ou de casos trazidos pelo professore pelo grupo para que a reflexão teórica se encaixe em cada caso e prática(para maiores informações vide Comunicação não violenta, M. Rosenberg –Ed. Ágora, 2006). Não obstante, vamos insistir mais na dimensão teóricadesta postura de entendimento inter-humano, para que o leitor possavisualizar melhor a proposta, como se verá mais abaixo (cap. 9).

Atividade Extra

Page 137: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Em pequenos grupos, discutir como ocorre a educação

ambiental na comunidade que você pertence? Se não há, em quecircunstâncias e como você percebe a necessidade da EA ? Quais açõespodemos fazer ? Como é a gestão (não)participativa ali ? Apresente entãoao grande grupo para discussão e troca de experiências.

Noutro momento, o facilitador expõe, na forma de sínteses: o queé ambiente ? O que é educação ? Como é uma Educação que envolve avida ? Níveis em jogo: informativo, conscientizador e de ação; em quepontos estamos, avançamos ou falhamos ? Trata-se d e tomar consciênciado desafio da Educação Participativa e Libertadora, estimulando osgrupos para práticas dentro destes modelos.

Bibliografia básica para o módulo:

ROSENBERG, Marshall. Comunicação não-violenta. SP: Ágora, 2006.MACY, J. & MOLLY. Nossa vida como Gaia. SP: Ed. Gaia, 2005.PELIZZOLI, Marcelo. Correntes da ética ambiental. Vozes, 2003._________________ (org.). Cultura de paz. Recife: Ed. da UFPE, 2008.

9. Comunicação Não-violenta (CNV): uma ética prática pela resolução de conflitos e empatiaMaria Carolina Fernandes Morais66

Marcelo Pelizzoli

Introduzindo o tema

O fato de que um indivíduo (ou grupo) tem pensamentos eprincípios que muitas vezes não estão de acordo com as concepções deoutros indivíduos ou grupos, já serviu de motivo para incontáveisconflitos dolorosos de toda ordem – entre nações, entre corporações,mães e filhos, esposas e maridos, amigos, colegas de profissão...Comunicar-se e conviver de forma pacífica e satisfatória com outros66 Jornalista. UFPE.

Page 138: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

modos de ser e pensar, nos “diversos mundos possíveis”, requer ideaiséticos básicos, como respeito, sabedoria e compaixão, os quais às vezesnão são alcançados. Isso se dá prioritariamente devido à maneira comoas pessoas se comunicam, ou seja, exercem aquilo que nos tornahumanos – a linguagem, que por sua vez tem seu centro no diálogo67.Comunicar não é um mero instrumento, mas compõe o própriorelacionamento e constituição mutua dos sujeitos humanos. Qual a chavedo problema que ai se detecta e que interrompe a função de tal processo:basicamente, não dirigir a atenção aos sentimentos e necessidades queexistem dentro de si mesmas e dos outros. O que se tem observado naatualidade é que a comunicação humana está permeada por julgamentose agressões que escondem ou ignoram - por trás das palavras de auto-defesa - a expressão plena dos sentimentos e necessidades de cada serhumano.

Ao entrar em contato diariamente com o preconceito e aviolência, quando jovem, Marshall Rosenberg fez de sua experiênciapessoal a inspiração para criar um modelo de comunicação que buscaaproximar os indivíduos, gerando compreensão e abertura para o auto-conhecimento e o reconhecimento do outro. De origem judia, Marshallfoi criado na cidade de Detroit (EUA), onde havia vários enfrentamentosde caráter racial e onde ele descobriu que “um sobrenome pode ser tãoperigoso quanto a cor da pele” (Rosenberg, 2000:14). Foi a partir doquestionamento acerca do que leva um indivíduo a ser violento ou nãocom os outros que levou Rosenberg a dar início ao desenvolvimento daComunicação Não-Violenta (CNV)68. Ao estudar os fatores que afetam acapacidade dos seres humanos serem compassivos, comprovou-se afunção primordial desempenhada tanto pelo modo de linguagem quantoo uso que é feito das palavras. Foi então que se descobriu um enfoqueespecífico da comunicação – o fluxo do escutar e falar – o que leva osindivíduos a se disporem à receptividade, à posição do outro, a seconectarem consigo mesmos e com outras pessoas de forma que aconexão humana (o que se chamou de compaixão69) aflore maisfacilmente.

67 Cf. Gadamer, Verdade e Método, parte III.68 A CNV (Comunicação não-violenta) é hoje uma das formas de resolução de conflitos que mais cresce em interesse no mundo hoje. Cf. www.cnvc.org

Page 139: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Este texto pretende seguir os passos de Rosenberg na busca poruma comunicação mais humana entre os seres e as instituições, buscandoassim colaborar para os estudos sobre Cultura de Paz ao explorar teoriase práticas que dêem suporte reflexivo e metodológico aos ideaispresentes nesta proposta de novo paradigma social.

Uma proposta ético-prática de resolução de conflitos: a CNV

Mais do que uma técnica, a CNV é uma potencialização dasabedoria das relações humanas, na qual barreiras lingüísticas epsicológicas são derrubadas e onde se aprende a ouvir a falar “com ocoração”. A CNV nos propõe observar que, uma vez que uma pessoaescuta suas próprias necessidades e sentimentos em jogo, um espaço seabre também para que ela considere isso nos outros. Portanto, quantomais realizarmos bem a distinção entre observações corretas (juízos defato, por exemplo) e julgamentos moralizantes (juízos de valor, porexemplo), bem como entre sentimentos verdadeiros e pseudo-sentimentos, e ainda entre necessidades humanas e estratégias frias, eentre pedidos e ordens/imposições, mais teremos facilidade de percebero que causa bloqueios ao nos comunicarmos com outras pessoas.Percebemos que para a CNV não se trata fundamente de saber quem estácerto e quem está errado; o tipo de processo que se aprende com ela émais profundo, pois o entendimento humano extrapola posiçõesdefendidas. Trata-se de um processo que pede o estar presente,reconectar-se com o momento presente e com o outro presente a aí. Etrata-se de descobrir que intenções (necessidades, sentimentos e pedidos)estão por trás de atos e palavras em jogo, e como se colocar de umaforma que haja um tipo de conexão entre as pessoas mais do que porsuas opiniões. Assim, na CNV, não se trata de um método com aspalavras, mas, principalmente, com as intenções por trás dessas palavras.É muito importante alertar ao leitor que tal método não é um

69 Compaixão, na tradição ocidental cristã, indica em geral ter pena de alguém; o sentido que a CNV dá, bem como a tradição da não violência, ou mesmo do budismo, é muito diferente; é mais próximo do amor como ágape, que contudo é presente de forma não artificial e não forçada na psique social (humana). Compaixão representa um grau alto de maturidade relacional, ética e de sentido na vida de um sujeito.

Page 140: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

procedimento fechado, pronto, mas um modelo inspirador para cadasituação particular, nova e dentro de contextos culturais diversos.Portanto, a CNV somente se realiza para além da teoria e depressupostos metodológicos fechados. Seguindo a orientação da obrafundamental de Rosenberg70, percorreremos tópicos, queprogressivamente se conectam:

a) A comunicação que bloqueia a compaixão;

b)Assumir a responsabilidade pelo que sente e o que faz;

c) Plena expressão dos sentimentos;

d)Lidando com os sentimentos dos outros;

e) O que queremos pedir aos demais para enriquecer as nossasvidas;

f) A recepção empática ou escuta compassiva

g)A força protetora da força;

A seguir, discorremos um pouco sobre cada um desses temasinter-relacionando os problemas humanos da comunicação com soluçõesapontadas por Rosenberg.

(a) A comunicação que bloqueia a compaixão

A Comunicação Não-Violenta (CNV) é um método que busca nosaproximar do que há de humano em todos os indivíduos, descortinandonas frases e palavras usadas no cotidiano as verdadeiras mensagens queelas guardam com pedidos, sentimentos e necessidades. Ela serve comouma orientação para que as pessoas reestruturem a forma como seexpressam e escutam os outros, trazendo lucidez sobre o que realmenteenvolve escutar as necessidades de todos envolvidos em uma relação ouconflito. Segundo o ativista e pacifista Dominc Barter,

Observações, sentimentos, necessidades e pedidos são os quatroingredientes principais da Comunicação Não-Violenta. Ou seja, trabalha

70 Comunicação não-violenta, SP: Ed. Agora, 2006 (tradução).

Page 141: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

com uma linguagem não judicial e baseia-se nestes quatro ingredientes.Aprende-se a expor os fatos de uma situação sem interpretação ouopinião; reconhecem-se os sentimentos implícitos; identificam-se quaisnecessidades humanas estão ou não estão sendo atendidas; e apontam-sequais ações se gostaria de ver executadas para satisfazê-las. (Barter, AViolência está na Linguagem. Disponível em http://www.sinpro-rs.org.br/extraclasse/abr05/entrevista.asp. Acesso em 10 deFevereiro de 2009)

É fundamental alertar que para este modelo ético de não-violência, o conflito é básico nas relações humanas; em si ele não é um problema, inclusive aprendemos muito com as diferenças e conflitos aí acoplados. O problema habita no conflito doloroso, o qual em geral associa alguma forma de violência, ou seja, afeta seres humanos, produz ações que ferem aos envolvidos.

A forma como a comunicação é normalmente feita entre os seres humanos é fruto da linguagem que somos educados a utilizar; nela, estãoinclusas as maneiras como pensamos e as estratégias com as quais aprendemos a influenciar os outros e a nós mesmos. Dentro deste esquema, a principal forma de nos afastarmos do outro e envenenar as relações é atribuir juízos moralistas às pessoas, aprisionando-as em definições que não correspondem a tudo o que são nem às suas reais necessidades. Para Rosenberg, “botar a culpa em alguém, insultar, rebaixar, criticar, fazer comparações e emitir diagnósticos são diferentes formas de formular julgamentos” (Rosenberg, 2000, p. 29, tradução de Maria Carolina Moraes). A partir dessa atitude são criados parâmetros do que está bem e do que está mal no comportamento de um indivíduo quando, na verdade, esse tipo de reação está mais relacionado às necessidades que uma pessoa tem e que não foram atendidas pelo outro. É seguindo esse padrão de pensamento que surgem, por conseguinte, o mal estar e os julgamentos negativos. Ou seja, se A diz sobre B que “gostaria que ele fosse menos egoísta”, uma das opções acerca do que A está realmente querendo dizer é que ele gostaria que B levasse mais em consideração suas opiniões, pois A tem necessidade de ser ouvido. Curiosamente, na opinião de B, A é uma pessoa “neurótica e controladora”, e uma das opções acerca do que B quer dizer na verdade é

Page 142: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

que gostaria de mais espaço no relacionamento para ter autonomia em suas decisões. Para sair de conflitos dessa ordem, seria importante ter auto-empatia e empatia pelos outros, o que geralmente não ocorre. A maneira como A e B se comunicou (e que reflete o que geralmente ocorrequando há choque entre as pessoas) claramente demonstra uma distorção de necessidades – o que A e B estavam realmente querendo dizer com os julgamentos e as críticas é que suas necessidades estavam ameaçadas pelas atitudes do outro.

Entretanto, é muito importante não confundir julgamentos de valor com julgamentos moralistas. Os julgamentos de valor fazem parte de nossa autonomia, como dar valor à pontualidade ou à liberdade, por exemplo.

Nossos juízos de valor refletem nossas crenças com respeito a comocremos que a vida pode ser melhorada. Enquanto os juízos moralistassão feitos com relação a pessoas e condutas quando estes não estão deacordo com nossos juízos de valor (Rosenberg, 2000: 3).

Julgamentos moralistas são péssimas expressões de necessidades,pois estes bloqueiam os indivíduos de ter consciência das necessidadessuas que não estão sendo atendidas no relacionamento com o outro.Através desta cultura de julgamentos, os seres humanos são educadospara pensar que necessitam de aprovação. Tanto julgamentos negativosquanto elogiosos levam a um distanciamento entre o que as pessoas são edesejam realmente. Dar elogios, por exemplo, é algo que pode ser emgeral prejudicial, pois encaixa o outro em categorias. Haverá muito maissinceridade entre os seres se eles encontrarem exatamente o que o outrofez que atendeu suas necessidades - antes de dizer o que o outro é,melhor dizer o que ele fez ou que necessidades foram atendidas atravésdo seu ato. Caso contrário, os julgamentos podem ser usados paramanipular o outro, para que ele goste mais de alguém ou para que sesinta culpado, rejeitado ou aceito, por exemplo.

(b) Assumir a responsabilidade pelo que sente e o que faz

Marshall Rosenberg descobriu que todos os seres humanos têm,no fundo, as mesmas necessidades. O que difere uma pessoa da outra

Page 143: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

são as estratégias que cada um usa para atender suas necessidades.“Descobri que a resolução do conflito é facilitada se mantivermos nossasnecessidades separadas das estratégias que vão atendê-las” (Rosenberg,2005, p. 4, tradução de Maria Carolina Moraes). Sendo assim, não é o queuma pessoa faz (o gatilho) que causa a raiva por exemplo, mas é algodentro do próprio indivíduo que responde ao que o outro faz a principalcausa desse sentimento. Assim, é necessário separar o gatilho da causapara ter plena consciência de que a responsabilidade pelos sentimentospertence unicamente a nós mesmos. Da mesma forma que podemosresponsabilizar os outros pelo que sentimos, podemos também negarnossa responsabilidade sobre o que fazemos. Frases como: “Não faleinada porque ninguém falou”, ou “bati nele porque ele mereceu”, ou“não gosto deste emprego, mas trabalho lá porque tenho que mesustentar”, são frases tópicas que nos afastam dos reais motivos que noslevam a fazer as coisas. Cometer atos em nome de alguém ou de algo éuma visão ilusória do que realmente está por trás da ação. Seguir regrasou ser um sujeito “correto” muitas vezes não são os elementos principaisque levam pessoas a matar alguém em nome de algo ou a escolher umaprofissão só em nome do dinheiro. É necessário que o indivíduo saibaque e quais sentimentos e necessidades o levam a tomar tais atitudes.Dizer, por exemplo, “escolhi este emprego porque me sinto vulnerável ecom medo do futuro e tenho necessidade de segurança”, é uma forma deencontrar os reais motivos que levam uma pessoa a ficar em umemprego que não gosta e a possivelmente entrar em contato com o querealmente gostaria de fazer.

Ao se sentir com raiva de alguém ou com algum tipo desentimento negativo, é necessário que o indivíduo foque no estímulo enão em julgamentos ou avaliações. Pois, “é a avaliação do que foi feitoque causa a nossa raiva” (Rosenberg, 2005: 5). Por exemplo, se A tem umcompromisso marcado com B e este se atrasa, A não ficará com raiva seele tem coisas para fazer e até achará bom que B se atrase um pouco.Porém, se A está com pressa para outro compromisso, talvez ele fiquecom raiva porque o atraso de B estragou seus planos. Desta forma, oolhar determina a paisagem; diferentes maneiras de olhar dão diferentesrespostas. Uma pequena fórmula criada pela CNV pode ser bastante útil

Page 144: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

para descobrir a raiz dos sentimentos: estou me sentindo _____________porque estou dizendo a mim mesma(o) que _____________. SegundoRosenberg, o motivo porque não é fácil para nós não misturar estímuloscom causas se dá porque “fomos educados por pessoas que usam a culpacomo a principal forma de tentar nos motivar” (Rosenberg, 2005: 5).Assim, identificar o estímulo da raiva é ter consciência de que é o tipo deavaliação sobre os atos que cria este sentimento. Assim, o exercício deobservar sem avaliar as pessoas é muito importante neste processo.

(c) Plena expressão dos sentimentos

Após identificar causas e estímulos, ter a capacidade de expressarplenamente o que se sente é segundo passo neste processo.

Ao elaborarmos um vocabulário de sentimentos que nos permitedescrever de forma clara e precisa as nossas emoções, a comunicaçãoentre os demais fica mais fácil. Ao mesmo tempo que nos faz maisvulneráveis, a expressão de nossos sentimentos pode nos ajudar aresolver conflitos. (Rosenberg, 2000: 63).

Expressar plenamente os sentimentos e conectar-se a eles ainda éuma tarefa difícil para muita gente, mas o preço que se paga pela falta deconexão entre as pessoas através do que sentem é muito alto,principalmente no âmbito familiar. Aprender a conversar sobre ossentimentos que cada um carrega dentro de si é um momento importantepara a liberação do ser humano e para a real conexão entre os seres.Neste processo, é importante entender a sutil, porém essencial, diferençaentre dizer “você me faz ficar triste quando não limpa seu quarto e euquero que você o limpe !” e “eu me sinto triste quando você não limpaseu quarto porque eu tenho a necessidade de cuidado com o ambienteonde vivemos”. Na primeira situação, o filho de uma mãe que pronunciatal frase provavelmente se sentirá obrigado a atender (ou a rebelar-se) asnecessidades da mãe por sentir-se responsável pelos sentimentos dela oupor sentir-se obrigado a colaborar por medo de alguma punição.Entretanto, na segunda frase, a mãe consegue contatar consigo mesmaacerca de seus sentimentos e necessidades e estabelecer uma conexãogenuína com seu filho para que ele esteja ligado às suas necessidades e

Page 145: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

tenha abertura para expressar também seus sentimentos e necessidades apartir dessa iniciativa.

Outra dificuldade é saber identificar a diferença entre o que sãosentimentos e o que se pensa ou se crê. Segundo Rosenberg (2000, p.68),os sentimentos não são expressos claramente quando frases como “sintocomo se vivesse com uma parede”, “sinto que ela é muito responsável”,“sinto que o meu chefe é um manipulador”, são proferidas no lugar dossentimentos. Através da CNV, há uma releitura dessas colocações, quepassam a significar: “Me sinto decepcionada porque não consigoestabelecer um diálogo mais profundo entre eu e meu parceiro” ou “mesinto segura quando vejo que ela faz as atividades dentro do prazo”, “mesinto frustrada por não ter coragem de me colocar diante de meu chefe”.Nesta mesma lógica, é necessário repensar o lugar das crenças e dossentimentos; ou seja, como achamos que as pessoas agem e como nossentimos ao vê-las agir dessa determinada maneira. Por exemplo, se eudigo: “Sinto que me acham uma incompetente”, este tipo de valoraçãomostra o que penso sobre como os outros avaliam o meu trabalho, masnão se trata de um sentimento. A melhor forma de expressar-me seria:sinto-me frustrada ou triste, pois acho que me vêem como umaincompetente.

(d) Lidando com o sentimento dos outros

Lidar com a maneira com a qual os outros se sentem nem sempreé fácil e há quatro formas básicas de lidarmos com nossos pensamentosdiante de uma mensagem negativa - tal como “você é a pessoa maisegoísta que já conheci!” (Rosenberg, 2000, p. 66) – a saber: 1) pôr a culpaem nós mesmos (ex.: realmente, sou muito egoísta...); 2) pôr a culpa nosdemais (ex: ela está falando isso porque é estúpida); 3) nos darmos contade nossos sentimentos e necessidades; 4) nos darmos conta dasnecessidades e dos sentimentos dos demais. Há uma clara diferençaentre as opções 1 e 2 e a 3 e 4; as duas primeiras não entram em contatocom os sentimentos e as necessidades de quem proferiu a mensagemnegativa, assumindo para si toda a acusação ou rejeitando-a. Já naterceira opção, Rosenberg (2000, p. 67, tradução de Maria Carolina

Page 146: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Moraes) sugere este tipo de réplica: “Quando você me diz que eu sou apessoa mais egoísta que você já conheceu, isso me ofendeprofundamente, porque queria que você reconhecesse os esforços quefaço para te agradar”. Ou, como na opção quatro, responder: “você sesente ofendido porque necessita que eu me dê conta do que vocêprecisa?” (Rosenberg, 2000, p. 67). Entrar em contato com nossossentimentos é sempre tão importante quanto entrar em contato com ossentimentos que permeiam os julgamentos feitos pelos outros para quepossamos ter uma conversa menos defensiva/ofensiva e mais aberta acompreender o que se passa dentro de cada um.

Certa vez, Marshall dividiu um táxi com um homem que lheinspirou ao fazer várias colocações negativas acerca dos judeus. Apósrespirar um pouco e entrar em contato com suas necessidades que nãoforam atendidas e os sentimentos que surgiram a partir disso, Marshallentrou em contato com os sentimentos e necessidades do homem,procurando saber o que o fazia ter tais julgamentos acerca do povojudeu. Abaixo, segue o diálogo que tiveram no táxi.

- Parece que você teve más experiências com o povo judeu. - Sim, essas pessoas são nojentas, fazem tudo por dinheiro. - Parece que você tem muita desconfiança e gostaria de se protegerquando você está com eles em questões financeiras.Quando você coloca a atenção nas necessidades e sentimentos da outrapessoa, não há conflito. Porque quais eram suas necessidades esentimentos? Quando eu escuto que ele está assustado e quer seproteger, eu tenho essas necessidades. Eu tenho a necessidade de meproteger também. (Rosenberg, 2005: 28).

A partir do momento em que entendeu o universo interiordaquele homem, Marshall finalmente conseguiu expressar plenamente oque se passava dentro dele através de suas próprias necessidades esentimentos.

Eu disse: sabe, quando você começou a falar eu senti muita frustração,desencorajamento, porque eu já tive experiências com judeus muitodiferentes das que você teve e eu realmente gostaria que você tivesse tido

Page 147: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

a mesma experiência que eu. (...) Eu apenas desejo que você possacompartilhar uma experiência diferente da que teve (Rosenberg, 2005:28).

Obviamente, não importa o quanto uma pessoa se prepare e seesforce para calcular o que vai dizer e falar; não se pode controlar como aoutra pessoa irá reagir. No máximo, se tem controle sobre o que se diz eas intenções que se tem.

É importante ressaltar que a CNV não é uma técnica que irá levaras pessoas a fazer o que queremos ou a aceitar nossos posicionamentos; oobjetivo de conseguir das pessoas o que se deseja deve ser totalmenteabandonado, pois o real objetivo da CNV é pacificar as relações eencontrar uma forma de atender às necessidades de todos os envolvidosna relação. “A cooperação genuína é inspirada quando os participantesconfiam que seus próprios valores e necessidades serão atendidos”.(Rosenberg, 2005:2)

(e) O que queremos pedir aos demais para enriquecer a nossavida

Por falta de coragem ou até mesmo de clareza sobre o que sequer, é difícil fazer um pedido sobre o que se deseja de outra pessoa paraenriquecer a nossa vida. Nesta etapa, é muito importante usar apositividade da língua para afirmar, em vez de sempre negar. “Édiscutível que meramente dizer que a linguagem é humana não faz totaljustiça ao seu poder humanizador e (des)humanizador” (Matos, PEACELanguage; CD-ROM, Recife, p.1, tradução de Maria Carolina Moraes).Assim, é importante se ter noção do que realmente se deseja antes deentrar pelo tortuoso caminho dos julgamentos e acusações. Em vez dedizer o que não se quer, é bem mais importante saber o que se quer deuma pessoa. É muito mais provável alcançar a cooperação entre os seresse eles são estimulados, não reprimidos. Desta forma, a pergunta crucialé como fazer isso de uma forma que nossa mensagem seja corretamentecompreendida. Um fator importante para isso é ser incisivo ao fazer opedido, sem adentrar em divagações e abstrações que não serão claras.Ser enfático quanto ao pedido é muito importante. Em vez de dizer:

Page 148: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

“Gostaria que você fosse mais presente na vida de nossos filhos naescola”, talvez seja mais efetivo falar “Gostaria que você nosacompanhasse nas festas da escola e nas reuniões de pais”. “O que ocorreé que nem sequer nós mesmos sabemos muito bem o que pedimos.Falamos sem prestar muita atenção ao curso do diálogo” (Rosenberg,2000, p, 89, tradução nossa). Muitas vezes, dizer o que não queremos ounão ser enfáticos quanto a isso gera situações de conflito e falta deentendimento.

Ligar o pedido aos sentimentos e necessidades que o sustentam étambém uma forma de humanizar o caráter do pedido e deixar claro deque forma ele poderá trazer benefícios à vida. “Gostaria que você nosacompanhasse nas festas da escola e nas reuniões de pais porquenecessito de apoio e me sinto muito sobrecarregada deresponsabilidades”, seria uma boa maneira de humanizá-lo.

Pedir confirmação de nossas palavras, solicitando que ointerlocutor repita o que acabamos de dizer também é importante parasaber se realmente soubemos nos expressar quanto aos nossos desejos.Talvez o interlocutor entenda a mensagem através do julgamento de sipróprio, por exemplo: “você está dizendo que eu não cuido dos nossosfilhos?”. Sendo assim, para evitar “ruídos” na comunicação, precisamossaber se o outro realmente ouviu o que queríamos dizer.

Entretanto, Rosenberg ressalta que, ao expressar pedidos, é muitoimportante

respeitar a reação da outra pessoa sem preocupar-se se ela(e) concordoucom nosso pedido. Uma das mais importantes mensagens que umapessoa pode nos dar é ‘não’ ou ‘eu não quero’. Se escutarmos bem a estasmensagens, elas nos ajudam a entender as necessidades da outra pessoa.Se estamos escutando às necessidades da outra pessoa, veremos que acada vez que uma pessoa disser um ‘não’, o que ela realmente estáquerendo dizer é que ela tem necessidades que não estão sendo atendidasatravés da nossa estratégia, o que os impede de dizer ‘sim’ (Rosenberg,2005:19).

Page 149: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Sendo assim, se pararmos de ouvir a palavra “não” como umarejeição e passarmos a nos ater às necessidades da outra pessoa, teremosa genuína intenção de atender às necessidades de todos.

(f) A recepção empática ou escuta compassiva

Saber ouvir o outro é uma qualidade muito importante nasrelações; dar importância ao que os demais sentem faz parte de qualquerrelacionamento que preze pela felicidade de todas as pessoas envolvidas.Saber escutar mostra-se uma habilidade bem mais importante que darconselhos ou ter algo para dizer em resposta, pois promove a realconexão das palavras com os sentimentos.

Muitas vezes, o que as pessoas simplesmente desejam é seremouvidas e levadas em consideração. Escutar significa oferecer empatia aoutro ser humano e estar presente junto à ela no momento em que fala. Odesejo de “consertar” as coisas ou de ser útil pode se interpor nestemomento e é preciso estar atento se realmente estaremos contatando comos sentimentos do outro ou se estamos apenas formulando respostas efeedbacks sobre o que estamos ouvindo. O ato de parafrasear ou pôr emoutras palavras o que alguém nos disse é um exercício importante deconfirmar se o que cremos ter escutado foi realmente o que ele/ela falou.

O método da CNV aconselha que o parafraseio se formule através deuma série de perguntas, que não só revelarão o que entendemos, sendoque também suscitarão as correções oportunas por parte de nossointerlocutor. As perguntas podem ser feitas das seguintes formas:a) Que observaram os demais? Ex: Você está reagindo assim porque nasemana passada eu saí muitas vezes?b) O que sente e que necessidades geram seus sentimentos. Ex: Estáchateado porque você gostaria que tivesse reconhecido os muitos esforçosque tem feito?c) O que pedem. Ex. Você gostaria que eu te dissesse as razões que meimpulsionaram a dizer o que eu disse? (Rosenberg, 2000: 114)

Entrar em contato com o que escutou em vez de fazer perguntascomo: “por que você fez isso?”, “o que está acontecendo com você?” ou“o que eu posso fazer por você?”, são capazes de gerar mais sentimentos

Page 150: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

de confiança e compreensão no interlocutor do que questionamentosacerca de causas e consertos.

Quando estamos em uma situação ou diálogo no qual sentimosmuita dor ou raiva e não nos sentimos aptos a nos conectarmos com ossentimentos e necessidades dos outros sem que esta conexão não passeantes por grande ira e ressentimento, é importante propiciar-se ummomento de reflexão e silêncio, ou até mesmo utilizar violências como ogrito, por exemplo, e afastar-se da situação que nos aflige por algumtempo até que nos sintamos prontos para abrir nossos ouvidos ecorações.

(g) A força protetora da força

Ações punitivas são diferentes de ações protetoras – utilizar-se daforça para afastar uma criança de pôr o dedo na tomada difere de baternesta criança porque ela o fez. Uma ação previne danos enquanto a outracausa danos. Para inspirar ambientes de cooperação e acordo em umaescola, por exemplo, seria necessário que os alunos não estudassem coma mera finalidade de tirar notas boas para não serem punidos pelossentimentos de vergonha, tristeza ou rejeição. Os professores tambémnão seriam aqueles que diriam aos alunos o que eles têm de fazer – elesentrariam em acordo com os objetivos de todos.

Antes de uma arena de competições e deveres, a vida tem de serpriorizada. É importante notar que buscar a cooperação é muito maispositivo do que conseguir o que se quer através de castigos e punições,sejam eles psicológicos ou físicos. Para Rosenberg, o castigo

lesiona a boa vontade e a auto-estima e remove nossa atenção do valorintrínseco de uma ação a conseqüências externas. Culpar e castigar aosdemais não serve para que as pessoas passem a ter as motivações quegostaríamos que tivessem (Rosenberg, 2000).

Seguindo a argumentação de Dominic Barter,

poderíamos dizer que a raiz da violência, e não do conflito, está naexpressão trágica de uma necessidade humana não atendida. Uma

Page 151: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

necessidade humana universal, compartilhada por todos, que se frustra eé expressa de forma trágica. Trágica tanto por causa dos danos quecausa, mas também pela pessoa que age desta forma, porque a violência éuma forma extremamente ineficaz de conseguir o que se quer. (...) Elaleva a nos enganar sobre os vários motivos e as razões doscomportamentos das pessoas e sugere a lógica de punição, que se euviolo os direitos da outra pessoa eu vou estar ensinando a ele uma liçãoque vai levar a pessoa a corrigir o seu comportamento. Esta lógica fazcom que a violência se torne inevitável. (Barter, A Violência está naLinguagem. Disponível em http://www.sinpro-rs.org.br/extraclasse/abr05/entrevista.asp. Acesso em 10 deFevereiro de 2009)

Conclusão

Em suma, entendemos que a re-introdução dos aspectos ético-sociais presentes em nossa comunicação diária, a preocupação com os próprios sentimentos e os sentimentos alheios são essenciais para uma mudança de direcionamento nas relações humanas. Práticas como a compaixão, o cuidado, o respeito e a auto-preservação são evidentes na CNV. Entretanto, não se trata de uma prática fácil ou que pode ser rapidamente adotada; cada pessoa que deseja estudar e experimentar as motivações e modelos trazidos pela CNV deve ter paciência e capacidadede perdoar-se, e continuar a aprimorar-se em suas relações.

Na cultura da violência vigente, há um enorme apelo ao revide, à desconfiança, à agressão, à vulnerabilidade... Todos esses comportamentos são nada mais que condicionamentos que não condizem com a real liberdade de todo ser humano em ser e pensar outras formas de convívio. Em uma sociedade onde se preza por atos como a punição, a repressão, a premiação, o individualismo e a competição, é óbvio que isso influi diretamente nas relações e no modo como a alteridade se dá em nossas vidas. Podemos observar que a CNV propõe um novo paradigma, mostrando que há formas pacíficas de ver e pensar sobre os conflitos humanos.

Page 152: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Referências bibliográficas deste capítulo

1. ROSEMBERG, Marshall. Comunicación No Violenta, 2ª ed.,Barcelona: Urano, 2000.2. ROSEMBERG, Marshall. We Can Work It Out, 1ª ed., California:PuddleDancer, 2005.3.ROSEMBERG, Marshall. The Surprising Purpose of Anger, 1ª ed.,California, PuddleDancer, 2005. 4. DALAI LAMA. Ética para o novo milênio. RJ: Sextante, 2000.5. DREW, Naomi. A Paz Também se Aprende. SP: Gaia, 19906. GANDHI, M.K. Non-violent resistance (Satyagraha). Nova York,Schocken Books, 1961.7. Lia Diskin e Laura G. Roizman. Paz, como se faz?: semeando culturade paz nas escolas. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro,UNESCO, Associação Palas Athena, 2002.8. PELIZZOLI, Marcelo. Levinas – a reconstrução da subjetividade.Porto Alegre: Edipucrs, 2002.9. _________. “Fundamentos para a restauração da justiça - Resolução deconflitos na Justiça Restaurativa e a ética da alteridade e diálogo”. In:Cultura de Paz – Educação do novo tempo. Recife: Ed. da UFPE, 2008.10. _________(org.). Cultura de paz – a alteridade em jogo. Recife: Ed. daUFPE, 2009.11. SAMTEM, Padma. Meditando a Vida. MG: Fundação Peirópolis,2001. 12. TROESTER, R. & MESTER, C. S. Peace communication: A survey ofcurrent attitudes, curricular practice, and research priorities. In:Western Journal of Speech Communication,n. 54, 420–428, 1990.

Fontes digitais:

1. ROSENBERG, Marshall. A Session of Questions and Answers withMarshall M. Rosenberg, PhD. Disponível emhttp://www.cnvc.org/en/what-nvc/spiritual-basis/spiritual-basis-nonviolent-communication. Acesso em 13 de Fevereiro de 2009.2. MATOS, F.G. Peace Language; CD-ROM, Recife.

Page 153: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

3. KILLIAN, Dian; LESLEY, Martha; CENCIOSE, Gina; WAI, Henry;SCRUGGS, Marc. By CNVC trainers Dian Killian, Martha Lesley, GinaCensiose, Henry Wai and NVC trainer Marc Scruggs. Disponível emhttp://www.cnvc.org/en/what-nvc/articles-writings/principles-facilitating-social-change/principles-facilitating-social-change . Acesso em12 de Fevereiro de 2009.4. BARTER, Dominic. A Violência está na Linguagem. Disponível emhttp://www.sinpro-rs.org.br/extraclasse/abr05/entrevista.asp. Acesso em10 de Fevereiro de 2009.5. MENDIZZA, Michael. Michael Mendizza Interviews MarshallRosenberg. Disponível em:http://www.cnvc.org/en/what-nvc/interviews/michaelmendizza/michael-mendizza-interviews-marshall-rosenberg. Acesso em 01 de Fevereiro de2009.6. LASATER, Ike; STILES, Julie. NVC Conflict Coaching. Disponível em:http://www.cnvc.org/en/nvc-conflict-coaching . Acesso em 30 de Janeirode 2009. 7. MANTOVANI, Flávia. Para Filósofo Francês, Violência é Método Ultrapassado. Disponível em: http://www.comitepaz.org.br/Entrevista_JMM.htm. Acesso em 10 de Novembro de 2008.8. 2006, Nonviolent Communication Part 1 Marshall Rosenberg. Visto em: 9 de Fevereiro de 2009. Proveniente da World Wide Web: http://www.youtube.com/watch?v=-dpk5Z7GIFs9. 2006, Nonviolent Communication Part 2 Marshall Rosenberg. Visto em: 9 de Fevereiro de 2009. Proveniente da World Wide Web: http://www.youtube.com/watch?v=XbgxFgAN7_w&feature=related10. 2006, Nonviolent Communication Part 3 Marshall Rosenberg. Visto em: 9 de Fevereiro de 2009. Proveniente da World Wide Web: http://www.youtube.com/watch?v=L8fbxPAXBPE&feature=related11. 2007. Farther Down the Rabit Hole with Paula Gloria. Nonviolent Communication and Corporations-Marshall Rosenberg. Visto em: 9 de Fevereiro de 2009. Proveniente da World Wide Web: http://www.youtube.com/watch?v=Eg3uInJ6kLo&feature=related12. 2007. Farther Down the Rabit Hole with Paula Gloria, 2007. Last part of Marshall Rosenberg's NVC & Corporation. Visto em 9 de

Page 154: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Fevereiro de 2009. Proveniente da World Wide Web: http://www.youtube.com/watch?v=Eg3uInJ6kLo&feature=related

9 - SENSIBILIZAÇÃO ECOLÓGICA NA EDUCAÇÃO

Pobre sementinha, Com tanta alegria,Vou deixar-te agora, Sob a terra escura. Mas não te abandono, Virei todo dia, Sobre o teu canteiro, Deitar água pura. Como tu te enganas, Minha prisioneira! Cessem teus queixumes, E teus vãos temores. Breve surgirás, como uma plantinha, Cheia de folhagens, E de lindas flores. Pobre sementinha, Fica bem quietinha, Que sem te esquecer, Cuidarei de ti. E no seio amigo, Dessa nossa terra, Uma vida nov encontrarás aqui !

(Canção antigamente cantada nas escolas públicas do RN, no diada árvore)

Introdução

Nossa idéia aqui é pensar e descrever o resgate de relaçõesecológicas (ou socioambientais – termo redundante que utilizo parademarcar a dicotomia que há entre âmbitos de fato inseparáveis),relações que vão haurir seu sentido em experiências sensórias eemocionais, perceptivas e cognitivas, a partir do trabalho-convivênciacom as crianças. Na verdade, é um ensaio aberto, narrativo, ético-exortativo, que estimula o fazer experiência contínua dentro desseprocesso a ser resgatado: a inserção, a dinamicidade e a interação dosseres humanos com o seu meio natural e com o meio construído, nadialética incontornável entre natural e cultural, em busca da “harmonia”possível. Note o leitor que operamos conjuntamente com visõesfilosóficas em encontros com momentos conceituais, mas permeadossempre pela busca de um caminho (antes que um método) operatórioque aponta para uma ethos-ética dialógica, integradora e auto-reflexiva.Os lastros filosóficos oscilam e tentam se regular entre pensamento

Page 155: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

holístico-espiritual e revolucionário, ética da alteridade, hermenêuticaaplicada e outros. O instrumento evocado em especial é o livro/históriadidático infantil, sua construção e o estímulo à sua reconstrução, desdeos parâmetros socioambientais que nos guiam hoje. É neste contexto quea parte II brota de experiências do autor com a produção detextos/desenhos e com a vivência da Ecologia com Crianças71.

I - Sobre interações educacionais com crianças

Contando com o auxílio de uma boa narrativa ou história, sempreincluindo imagens – como o desenho, paisagens locais, fotografias, etc. –o desafio é o envolvimento de forma intensa com a força das sensações;imagens e cores que tocam, que dão vida; não seriam elas construtorasde mundos? Como elas pintam e repintam nosso mundo, nossa (eterna)infância, que insiste em não se apagar? Neste caminho de imagens davida estamos diante de duas veredas: representar, pela mente, osquadros (e, mais ainda, pela fotografia), e/ou “sorver”, antes de tudo,interagir a partir da aquarela de possibilidades da sensibilidade humana.O que é preciso resgatar hoje, neste contexto? Sabor, som, cheiro, tato,interação corporal, e mais, indo além, histórias, experiências, harmonia,desarmonias, dinamismo e emoções.

Não jogamos fora a razão, a representação visual pela técnica; nãovamos dividir de novo. Devemos transmitir, fazer e compartir acimadisto, a partir de imagens, sensações, vivências, e pensamentos também;divulgar o fazer experiência, da vida e de suas possibilidades depercepção, explorando as interações possíveis, na escola ligada à casa,aos parques, ao piquenique, ao campo, aos grupos. Aqui, a questão é:como evidenciar e (re)criar novos detalhes, situações, contradiçõesocultas em nossos hábitos, a partir da percepção e vivência dos espaçosque habito e diante de elementos que passam desapercebidos? Comotornar o mundo mais vivo, ou seja, que o vejamos organicamente e ovivamos como tal? Eis o desafio. É preciso, acima de tudo, buscar

71 O nome que evoco aqui é o de Sérgio A. Sardi, prof. da PUCRS, que desenvolve umeficaz trabalho de formação de professores e vivências em Filosofia com Crianças, ecom quem trabalhei relativamente à possibilidade da Ecologia com Crianças. Dissoresulta a obra infantil Bia, em publicação pela Editora Vozes.

Page 156: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

“correr mundos”, ir ao encontro dos processos da natureza natural econstruída em especial, e da dialética dessa relação; um grande foco hojepara os futuros cidadãos formados no tempo da ecocultura: observação, e aauto-observação aí implicada. Senso de observação; despertar; só assimformamos a visão de vida, que se configura a partir do antigo e do novo,em busca do modo pacífico de ser humanidade.

Dentro deste caminho de refletir e viver as imagens, pensemossobre a curiosidade que pode ser despertada na ecopedagogia, no sentido depensar no trabalho da nossa consciência diante da “realidade”, que não étão simples e imediata quanto nós acreditamos, na correria do dia-a-dia.A realidade é assim mesmo como estamos acostumados a ver? Como verdiferente? Aí o papel do professor é essencial, pois se ele não vê diferentee além, como pode apontar para isso? (Por exemplo: se ele não tem claroque a atuação do mercado e das formas de consumo injetadas nascrianças e adultos hoje é altamente perniciosa, como os alimentosartificiais usados, o modo de ver a vida utilitariamente e como objeto, deuso, de prazer egoísta, etc., o processo fica mais difícil.)

Temos a realidade que vemos rapidamente, às vezes apenas paranos conduzirmos entre as coisas, em busca do que queremos fazerdurante o dia; temos uma “nova” realidade quando começamos aobservar de fato a mesma realidade – que agora já é “outra coisa”, e quenos leva a viver diferentemente. Temos a representação da realidade quefazemos em nossa mente (e às vezes nos enganamos, “pode ser umpássaro, um avião ou o super-homem”; pode ser pedra, mato e água ou...natureza cheia de viva e beleza da qual eu participo...). Temos, ainda,uma consciência em nós que vê a nossa própria consciência em ação,representando, colocando tudo na cabeça (isto interessou sempre muitoaos filósofos, que ficam refletindo sobre como este conhecimento podeatingir a certeza, a Verdade!). Vejam: são horizontes, com diferenças, eque são também construídos por nós, e também onde podemos edevemos projetar nossos melhores sentimentos, nossos sonhos.

Se o problema é a sensibilidade, que se proponha então uma re-sensibilização, acordar. Como? Sentindo... Interagindo com as flores,com a relva molhada, com o ar que respiramos, com os jogos de luzes emisturas de cores no firmamento, no nascer do dia e no pôr-do-sol.Conjuntamente, com os desafios da interação grupal, pensar sobre como

Page 157: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

lidamos com os objetos, com os deveres, com os direitos, com os saberes,com as dificuldades, com os medos. Um espaço de acolhimento eabertura. É preciso começar a tomar consciência, e das mais variadasformas possíveis, para além das fotos, para além dos textos, para alémdas televisões ligadas que produzem um mesmo mundo. Nósprecisamos fazer a experiência de sonhar alto, sonhar melhor; podemospropor isto também às crianças, ou melhor, deixar que elas sonhem, ecaminhar com os seus sonhos para ver aonde somos conduzidos! Já queali temos os melhores e mais verdes sonhos. Imaginar, em silêncio,viagens por ambientes melhores, por experiências mais originais doviver. Por que não? Por que não meditar? Por que não gritar também?Por um mundo melhor, o meu mundinho do dia e da noite, diante doque fazem os adultos... diante da necessidade da solidariedade...

Ainda, propor observar o céu imenso, sentido a terra ondeestamos absolutamente colados e formando, na verdade, um sóorganismo; é preciso, às vezes, colocar o mundo “de cabeça para baixo”.E é preciso usar sempre a criatividade, inventar coisas, criar e imaginar.Deitar e rolar na terra; respirar; sentir e partilhar experiências maisfundamentais na vida; no fundo, trabalhamos no cotidiano para isso, emnossa coletividade humana, como ser-no-mundo: a busca da felicidadepossível...

Educação “ecológica” – um olhar mais técnico

O pressuposto central que nos deve guiar neste trabalho é o quese direciona a penetrar no mundo simbólico e lingüístico da criança, ummundo permeado primacialmente pela imagem, pela sensibilidade e pelaadmiração com as realidades que se lhe vão tornando “mundo”,conhecimento. Nós, adultos, estamos já num mundo mais “conhecido”,determinado, e freqüentemente forjado, limitado e precário em seusaspectos mais estéticos, mais surpreendentes, mais harmoniosos oucontemplativos, enfatizando antes os mercantis, utilitaristas,materialistas e artificiais. Esta contrapartida problemática vem no roldãohistórico de um ethos que elegeu a dominação da natureza e das pessoas,enquanto mercadorias, como meta implícita e explícita, onde o progressoe o avanço técnico-econômico e o usufruto dos artifícios que nos

Page 158: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

apetrecham preencheram o espaço íntimo, relacional e grandioso doencontro com a alteridade (a característica própria e viva do outro comooutro, diferente, admirável mesmo que próximo de mim). A fértil,harmônica, mas sempre recalcada proficuidade desta relação, bemexpressa em várias culturas dos povos antigos, ou dos nossosantepassados mesmo, e mais ainda no campo, em sua relação sustentávele serena com a vida “apesar dos pesares”, não se apaga facilmente nodecorrer de décadas e até séculos de “progresso”; o ser humano, até ondese sabe, nunca é verdadeiramente humano se descuidar e desestabilizarsua relação e interdependência com o ambiente que, não sendo apenas“meio”, lhe perpassa desde dentro, em suas células, ar, água, idéias... E,apesar disto, algo misterioso e próprio.

Não se precisa mais apelar a números e pesquisas para ver oquanto corremos o risco do desequilíbrio, para não dizer da catástrofeecológica e civilizacional. O tempo é de urgência e precisamos é começardas bases, das crianças; mas ressaltamos aqui a necessidade desensibilização também nossa, dos adultos, porque do contrário nossotrabalho pode ser tão irresponsável quanto precário.

É neste sentido que propomos um tênue resgate, onde oresgatado tem já as coordenadas intuitivas da operação; intuições estascheias de vida e que clamam a promoção de uma nova e autênticaconvivência. A sensibilização com tais intuições, tão humanas quantobelas, desafiadoras e políticas também, pode, quem sabe, levar-nos àreconquista daquele tão novo quanto antigo ad-mirar da harmonia, dabeleza, da alegria do estar-no-mundo, motes que nos conduzem maisfacilmente à responsabilidade por tudo aquilo com que nosrelacionamos.

II - A experiência com livros e textos para crianças

Na série Bia, de ecologia com crianças, coordenada pelo prof.Sérgio Sardi, propomos, no primeiro fascículo, uma ligeira interação coma questão da pergunta primordial acerca do mundo – o surgimento davida. De forma bastante simples e rápida, apresentamos o texto de modoa não enfatizar a informação e a “verdade” sobre um assunto tãocomplexo quanto controverso na história do pensamento e das religiões.

Page 159: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Primamos pelo fato do renascer constante e admirativo da vida em suasmicro e macro formas, em todos os tempos e lugares.

A primeira página nos remete ao ovo primordial, imagemarquetípica, unificadora, dos seres singulares que vêm junto a um todoharmônico e protegido, mas que não deixa de ser misterioso evitalizador. Aliás, o tom de mistério, de divindade inclusive, na medidaem que o recontar de relato tão importante à espécie humana é tambémuma re-ligação espiritual com a imensa Vida, deve ser enfatizadorepetidamente, visto que a simples e acabada informação fechalogicamente o questionamento e espanto.

O sentido de observação, de pronto introduzido visando àcontemplação e interação responsável, e o qual deve ser um moteconstante, mostra um personagem que nota não apenas o prazer e belezados objetos e animais, mas a diferença, estranheza e admiração aí mesmoonde os seres se nos passam desapercebidos. Igualmente, introduz adiferença entre as pessoas, para trabalhar a convivência na diferença,para a qual a natureza “exterior” pode ser tomada como paradigma,vendo as simbioses, as interconexões, dependências dos seres, assimcomo o que consideramos como suas lutas, mas sempre dentro da visãoecossistêmica. Introduz-se também o fato da vida estar alastrada portodos os lugares, locais onde mesmo o homem não está presente e nãofaz noção da biodiversidade ali presente. Vejo, por exemplo, as árvores egramíneas na rua da escola, como elas tentam “vencer” as lajes e murosque as comprimem. Na questão da origem, perguntamos: “De onde veiotudo isto?” “Sempre existiram?” Como personificação de sabedoria, deantigüidade e tradição, introduz-se a figura de um vovô, um sábio, comoportador dos relatos sagrados e guardados que sempre foram osustentáculo cultural e espiritual, no sentido amplo do termo, dos povos.

Mas nossa intenção deve ser também trazer a este relato umpouco das conquistas da ciência, principalmente após as evidênciasrazoáveis do Big-Bang como origem física do universo, mas sem impediruma procedência e intervenção divina no processo. Aliás, a formação domundo e do homem nos moldes aproximados da ciência hoje não tendesempre ao impedimento da questão divina e “cósmica”; neste sentido, émuito interessante tentar organizar didaticamente, com materiaisdiversos, a exposição/montagem da teoria de Gaia (de J. Lovelock), por

Page 160: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

exemplo. Enfatiza-se que o processo não foi de forma alguma simples,mas envolto de muito mistério, e o encaminhamento à vida como algoabsolutamente fantástico. Isto traz a questão do surgimento dosprimeiros seres vivos, a partir da água, onde não se delimita um serapenas, singular, mas antes um processo conjunto onde se agregam“seres” (relações) para se formarem, misteriosamente, e não se sabe aídos “saltos” até o que chamamos de vida. E ela, então, estápulando/brotando sempre.

Depois de contada a história, tem-se a experiência da criança comum olhar ainda mais admirativo, olhar inclusive com carinho, comrespeito pelos seres que estão no seu próprio entorno! Aí, pode-seintroduzir a questão da destruição da natureza, contraposta à beleza,diversidade e vitalidade, a fim de conscientizar, pela via negativa, naquestão da necessária luta ecológica. Junto, porém, à árvore caída, ao lixoe à poluição, à pobreza e riqueza excessiva, aos descartáveis e produtosquímicos, junto a isso, a esperança e a capacidade derecriação/regeneração da natureza, da invenção, de outras culturas, e oresgate das coisas boas de nossa cultura. Como quando uma criança achae guarda sementes, ou ovinhos de aves que escaparam da derrubada deuma árvore; a esperança do surgimento de passarinhos é expressada noseu próprio sonhar, mostrando uma interação mais forte com estaparticipação no processo da vida... Ponto de surpresa e diversidade, asementinha plantada daquela árvore que não mais existe, semente queencanta, como a vida, que está sempre nascendo, e que precisa do nossoapoio.

Faça-se observar o que representa a destruição das árvores emespecial, tudo o que perdemos com elas em qualidade de vida,temperatura, ar, vida para milhares de animais, insetos e plantas quedependem delas, que vivem em conjunção com elas. Os “bichinhos ficamsem casa”.

Recuperação da Natureza dinâmica

O conceito antigo de Natureza (do latim: nasci, vem do gregophysis, onde tem phyo, brotar...) portava a idéia essencial de brotar,nascer, assim enfatizando o contínuo surgir e crescer do turbilhão da

Page 161: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

vida na natureza. Esta idéia deve ser recuperada. O caso da água éexemplar. Na escola, ela é H2O, laboratorial; mas, e na vida real? H20 naabordagem química moderna é o exemplo típico da dicotomia ereducionismo de nossos saberes e currículos, até porque não existe H20como tal na natureza; a água é um encontro de vários elementos, vivos enão vivos. E a água que corre nos rios? E a água que corre nos valos(esgotos) abertos, por que nos desagrada? E a água que corre tanto natorneira da escola como de casa, o que isso implica? E a água dobatismo? E a água que refresca, a que “lava a alma”, a que guarda umainfinidade de seres, como nos mares? São todas iguais? E o nosso corpo-água?

Fundamental é o tema da água, da chuva, por exemplo, comoveículo fertilizador, como a bênção que os povos evocavam com seusritos e expectativas, junto à necessária fertilidade da terra. Lembramos,então, a mulher, a sábia, com quem os filhos e netos aprendem a plantar,enfatizando ainda a importância dos fenômenos naturais. Chuva, Sol ecores vivas, como a terra fértil da qual nos afastamos na cidade. Sol echuva, casamento místico perfeito para a fertilidade, da qual o serhumano participa, a cada estação, a cada mudança de clima... arco-íris.

E as crianças saem para brincar na chuva ou ao fim dela... Denovo o tema da sensibilidade, que tudo vai perpassar; quando se sente ocheiro de terra molhada e a gente se sente melhor, pois dentro de algoque nos acolhe, sendo ela parte integrada, como quando a gente se sentemelhor junto às outras pessoas.

O feijãozinho que arrebenta no tufo de “algodão” (melhor seriasempre com terra) e que, depois do fruto, seca; a bananeira que depois dofruto seca, as margaridas também, e se erguem mais depois da chuva, asárvores em frutos: o que é preciso ver são os ciclos. Um ciclo que espelhao processo da vida biológica do ser humano, na vovó como árvore e namenina como plantinha nova. E se vive encarnadamente,substancialmente tais coisas, como ao comer a fruta, como quemassimila-sente o Sol, a água, a terra que nos nutre; os alimentos limpos enaturais denotam saúde, diferentes dos artificiais; essa diferença deve serbem trabalhada na aula de Ciências, História, Geografia, Português...Também, perceber depois que a planta precisa de condições apropriadaspara a vida, ou seja, de cuidados: é o tema da consciência ecológica

Page 162: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

propriamente dita. Assim, tudo cresce e frutifica na natureza, masquando se tem condições propícias para isto; pessoas e naturezaprecisam destes meios, que são as condições de um crescimentosaudável, ou seja, com uma vida mais próxima possível da sabedorianatural, da alimentação natural, de recursos naturais limpos, de arrespirável, de harmonia entre pessoas e natureza e entre as própriaspessoas (Paz) que zelam por um mundo melhor e mais justo para asgerações que estão crescendo.

Um paralelo fundamental pode se centrar no crescimento danatureza e do corpo das pessoas, como crescimento contínuo da vida danatureza, e como envelhecimento também. Por que não se trabalhageralmente em aula o envelhecimento e morte? Há uma cultura hoje que édo forever young, e descompromissada, e isso é um pouco doentio. Nãonos esqueçamos da característica do modelo antropomórfico que guia apercepção dos objetos e das coisas pré-conceituais por parte da criança.Ele diz também de um espelhamento de constituição corporal e depersonalidade por parte de um ser que está em formação, e necessita dascoisas externas como suporte, via cognição. Junto a esta forma, modo decaptação do exterior por uma interioridade que a tudo tenta conformar,temos também a característica do animismo, ou seja, a percepção dosfenômenos e realidades como algo vivo, animado. Piaget mostrou-nos jáeste processo de abordagem do real, o que para nós conjuga-sepertinentemente ao estado da admiração natural do ser humano dianteda natureza, o que pode levá-lo, se coerentemente estimulado, àrealização da interação que se eleva inclusive além do antropomorfismo,em direção a uma relação saudável com a realidade “externa”.

O amor pela Vida

Admiração, crescimento, fertilidade, transformação, sensibilidadee interação com a beleza e o caudal da Vida, isso tudo deve conduzir aoamor pela Vida, pelos seres, além de nós mesmos. Sem o amor, é adestruição. É claro que a amorização pregada, com o antropomorfismo,com a fusão com o meio natural inicial, corre o risco da não compreensãoda alteridade (sua diferença radical) da natureza; então, leve-se em conta aimportância fundamental da cultura humana, o fato de sermos parte da

Page 163: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

natureza, mas ao mesmo tempo outros, e entre nós tão diferentes epróprios em nossas misteriosas vidas. Singularidade inviolável!

O tema da observação da natureza é algo feito com carinho e emtodo lugar; como o contemplar. Ao mesmo tempo em que pensam, sentema vida, e para pensar mesmo é preciso primeiro viver, sentir; e as coisasandam juntas até, desde que se viva de fato as coisas. E com estacapacidade de pensar e sentir, se exerce a sim-patia, a com-paixão, ou seja,se “sofre” junto com a dor dos seres. A questão ambiental é pensadaaqui em seu fulcro junto às próprias pessoas, que destroem porque –sempre insatisfeitos, como diz o Dalai Lama – não se sentem vivos,porque não param para sentir e compartilhar a simplicidade,massificados a ponto de não saberem da sensibilidade vital de suaspróprias vidas, e não vêem o sofrimento dos outros. O mote que unetudo isso não pode ser outro senão o AMOR, a compaixão queengrandece a vida, que preserva, que vence o medo, que participa.Remetemos, então, para que nos coloquemos no lugar dos seres outros;como será que eles vêem e sentem a vida? O que implica quando lhesferimos e ofendemos? Vale aqui fazer tal experiência!

“Era uma vez...” Resgate da história/experiência e da esperança

Esta temática traz em si questões essenciais em nível dapercepção ambiental, em especial no tocante aos processos detransformação do ambiente natural que dão origem aos objetos e dejetosque produzimos em nosso mundo. O “Era uma vez...” pode suscitar nãoapenas a volta anacrônica ao passado, mas iluminar/criticar amodificação atual e apontar a esperança libertadora da inserção dentrode um mundo a ser sempre construído. Pode evocar um processo básicode apreensão da exterioridade das coisas através da simbolização damesma na forma da abstração que é o pensamento, e através damontagem e desenho, forma imagética primordial de apreensão daquiloque nos escapa porque real, vivo, dinâmico, outro. Neste sentido,desenhar é pôr o mundo no papel, captá-lo; tal se deu e se dátradicionalmente pelo ver, pela imagem da coisa elevada depois até opensamento e a memória. Aqui há também um exercício crucial para anossa cultura intelectualizada, que é a prática da experiência analítica

Page 164: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

engendrada no discurso, na composição e recomposição desteinstrumental que é a linguagem, seja no desenhar, seja no calcular, sejana gramática e na literatura. Mas há sempre aqui, por detrás, umprocesso mágico que ao indivíduo proporciona a autonomia vinda doentendimento e da materialização instrumentalizada no processo deconhecimento; “pôr as coisas no pensamento”, antigo anseio das origensda caminhada da cultura greco-ocidental na evolução de suas ciências. Épreciso pensar, filosofar sobre o nosso legado, resgatando nossa história,para então modificá-la. Penso aqui em especial nos professores.

A diferença, a estranheza do contato com as realidades naturais eculturais do mundo evoca fazer a percepção do aspectodinâmico/vivo/alteridade das coisas que “se mexem e agem por si”. Já ascoisas feitas, artificiais, fabricadas, nós as mani-pulamos, são ob-jetos, coisasentre coisas que dão base à nossa realização, mas também a nossosexageros e degradações, os mesmos que nos escravizaram numasociedade materialista. Não obstante, o essencial é mostrar que ambas ascoisas, naturais e artificiais, estão amplamente imbricadas e interdependentes, ascoisas materiais orientadas a partir de nossas relações culturais,econômicas, políticas e no fundo éticas. Se elas são relações, sãoimpermanentes, como tudo, e podem ser modificadas.

Da autonomia do sujeito buscada neste processo deconhecer/assimilar, podemos passar agora, imaginariamente, para o ladode “fora”, para a posição das coisas, deixando-as falar, algo exótico paranosso saber atual altamente centrado na possibilidade de captaçãoonipresente do ego cogito que visa a transformação de toda realidadeenquanto objeto – base filosófica de todo utilitarismo contemporâneo.Tomar a posição das coisas, fazer esta tentativa de evasão do esquemamental ego-lógico é um exercício imaginativo fértil. Ali, toma-se contatocom a origem dos objetos com os quais se convive e se utiliza, e se podeperceber que todos eles – menos ou mais intensamente – provém danatureza natural, chamada agora pelos homens de recursos naturais. Talconsciência é basilar no trabalho de educação ambiental, a saber, adevida interligação das coisas que utilizamos com seus locus, função erealidade de origem; daí o fato de que a alteração de seus estados naturaltrará necessariamente conseqüências, sejam elas positivas ou negativas.Diante de um “lixão”: o que é o “lixo” (ou resíduos sólidos)? Deve ser

Page 165: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

chamado de “lixo” mesmo? Será que ele deixou de ser natureza? Seráque ele pode e deve ser também transformado? A primeira pergunta: porque há tanto “lixo”? O que o diferencia do “aterro sanitário”? Aapresentação do “lixão”, que parece “cair de pára-quedas” sobre nós,visa mesmo a constatação do processo ignóbil da via única e degradantea que o Mercado nos relega no trato com os recursos naturais, um trágicodestino para uma natureza tornada essencialmente objeto, usada e, porfim, descartada ridiculamente.

O “lixo” torna-se então meta de atenção, e entra nos desenhos,assim como nele são encontrados desenhos; ele ganha então o mesmoestatuto dos outros objetos. O que pode dar oportunidade inclusive acontos e poesias (tristes talvez, mas conscientizadoras), mostrando o“lixão” como beleza deturpada da natureza, como “posto em baixo dotapete”. Onde ele vai parar? Fala-se muito da tal de reciclagem;atentemos, contudo, para o fato primeiro que é a não produção do lixo,através do supérfluo, através da vulgarização da vida e do Desejohumano no roldão da sociedade de consumo, na objetificação egoísta eno uso de tudo e todos (lembremos sempre dos 3 “R”, na sua ordem deimportância: Reduzir, Reutilizar, e Reciclar). Construir coisas pensandono depois e nos resíduos, guiados pela luz de que as coisasinterpenetram a vida, que estamos interferindo constantemente, quenossas ações, por menores e imperceptíveis que sejam, constroem umambiente melhor ou pior. Responsabilidade...

De novo, a ecologia interior

Pensei aqui implicitamente na antiga e salutar concepção demuitos povos, que fala da correspondência harmoniosa dos níveis domacrocosmo com o microcosmo, ou seja, o ser humano como um modeloorganizado a partir do mesmo equilíbrio da natureza (cosmo). Nossosalunos são “um mundo dentro do mundo”, dentro de uma completainterdependência entre as diferentes partes. O crescimento continua,como o ciclo do nascer ao morrer, produzindo sementes e renascendo.Há um crescimento que não exige a nossa intervenção, que se dá “semque ninguém perceba”; isto é ainda mais evidente quando se fala dooceano, a grande parte esquecida do planeta onde acontece a diversidade

Page 166: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

da vida natural. Isto ocorre sempre e “em todos os lugares do planeta”; avida como que se esgueira, com plantinhas, musgos, fungos, insetos,micro-organismos infinitos e “matos” que insistem em se expandiremmesmo onde o concreto e a poluição predominam e parece a tudoesmagar.

O paralelo começa quando se vê que também,imperceptivelmente, a vida pulsa e acontecem coisas em nível corporal.O “impulso vital” corre pelas veias, defendendo seu organismo,construindo as pequeninas partes do corpo que vão constituir o seu todo;partes que também crescem e morrem, corpo que “também cresce pordentro”, como uma verdadeira natureza dentro da natureza que semultiplica. Eis que “seu corpo é um mundo dentro de um mundomaior”; isto implicará na conscientização de que ambos são uma casa, edevem ser cuidados como tais, limpos, com alimentação correta(natural), sem poluição (alimentos artificiais), assim como a natureza, tãopróxima em seus constitutivos físicos e químicos ao nosso corpo quantoportadora de uma harmonia frágil que deve ser preservada. Vida dentroda vida, de novo tecla da conjunção entre os distintos seres dentro deuma grande Vida. Quem dança mais vida alcança; “quem canta seus malesespanta”.

Questão importante é o fato de que recebemos a saúde dosalimentos, que então por sua vez devem ser o mais próximo da natureza,ou seja, “limpos”, alimentos os mais naturais possíveis. É fundamentalesta correspondência entre uma saúde corporal equilibrada a partir danatureza, em seu estado mais puro e “natural” possível. É mostradotambém o ar como alimento, algo desconsiderado em nossa cultura, masalgo tão importante a ponto de ser colocado em outras culturas ao ladode uma força espiritual, sopro vital, alma, vento (o alento, o pneuma, oanima...). Há aqui sempre uma troca, uma interação, onde energiasperpassam a tudo e se intercambiam, incluindo o ser humano dentro deum grande processo de promoção da vida e da maior diversidadepossível. A abordagem organísmica e holística moderna vai em direção àconstatação da interligação, e parte do fato de que cada um tem algo do epara o outro ser. “Apesar dos pesares”, enfatizar que é “bom viver”, eviver bem; neste sentido buscar o equilíbrio, a realização de sua vocaçãohumana, implicada na subjetividade ética. “Equilíbrio” (sempre precário,

Page 167: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

dinâmico): questão de moderação, de simplicidade, de coerência do quese deve querer com o que é realmente necessário; equilíbrio: “quando ummundo sabe que precisa do outro para viver”. Talvez aí a base de toda aeducação ambiental, a necessidade de uma consciência alargada,“espiritual”, encarnada num mundo, não apenas vivendo ao lado decoisas e de outros, mas entendendo a necessidade vital de usar a sualiberdade em prol da promoção da outra vida.

Para concluir: interdependência e harmonia possíveis

Em minhas palestras, costumo contar a história das gotinhas queviajam utilizando um copo de água; já paramos para perceber o quanto amesma água está em todos os lugares e é no fim das contas “a mesma”?Esta esteve no Amazonas, no Nilo, no meu corpo, no xixi, no valo... Coma ciência, focalizamos de início o ciclo das águas, a evaporação, acondensação nas nuvens, a precipitação pelo calor e o conseqüente regarda terra, as águas subterrâneas que vão se formando. Também os rios, aágua doce como um todo, que representa menos de 3% da água doplaneta e da qual a maior parte está poluída ou imprópria para o usodireto, inclusive com substâncias tóxicas altamente perniciosas (ex.:dioxina, resíduos de organoclorados, agrotóxicos...). Apontamos aqui aimportância dos sistemas que controlam o fluxo das águas, seuexcedente ou falta, e que abrigam por vezes faunas preciosas, comovemos nos banhados do Sul, ou, num estágio mais avançado dediversidade, nos fluxos do Pantanal, ou nos mangues preciosos doNordeste, ou nos caudais aquáticos no Norte. Mecanismos de proteção eadministração da própria natureza em seus processos regulatórios.

No “sítio da harmonia”, imaginário ou visitado ou vislumbrado emalgum lugar perto da Escola ou na Escola mesmo, vamos construir ummodelo de, mais que preservação, de interação sustentável dosmoradores com a natureza. A figura do sábio(a) aparece de novo paraapontar primeiramente o elemento estético, a beleza como nossoprimeiro ponto de ligação com a grandeza da vida, e aí introduzimos oconceito de harmonia. Este elemento estético, mais ligado àsensibilidade, sensação, corporeidade e vivência é fundamental, junto aoelemento intelectual, dentro do objetivo da educação ambiental, que

Page 168: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

inclusive trata hoje de Arte e Educação (ambiental), pontoimportantíssimo que deve ser mais estimulado nas escolas. Depois, aorganização das plantações, a necessidade de conjugar a diversidade; aimportância dos insetos dentro da cadeia; a reconstrução passo a passodo ecossistema; a observação da vida pululante do solo, mostrando queele é o fundamento, e que não necessitamos dos insumos químicos; arotação de cultivos e o descanso de terras; depois, os animais e suasinterações, o estrume, as minhocas da Califórnia que produzem humus,enfim, a permacultura como tal. A teoria da trofobiose, a agroecologia,aplicada com a economia solidária e popular, as interações entre acomunidade; as outras fazendas, a diferença entre a monocultura e olatifúndio; a importância do saber dos sem-terras. A formacooperativada de trabalhar as terras, a política agrária. A lista dos temase inter-relações é interminável, no projeto imaginativo do sítio daharmonia...

Nota-se hoje que estamos educando crianças absolutamentemedrosas em relação aos seres da natureza, medo que provém muitasvezes da posição dos pais, da má interação dos pais com o ambientenatural e, ainda mais, com o ambiente construído; pais deseducados,mais uma preocupação.

A partir dessa experiência do modelo de fazenda, trazemos anecessária contextualização para o ambiente da cidade, contrapondo oque idealizamos, a nossa utopia realizável, ao que acontece na cidade. Éimportante mostrar aqui de onde vem a poluição apontada, no ar(automóveis, indústrias, queima de materiais e lixos, efeito estufa, chuvaácida, etc.) e nas águas que a cidade tanto utiliza e desperdiça, assimcomo a questão fundamental, enorme e delicada da energia (não sóelétrica). Mostramos aqui, pois, que a cidade fica doente, e nós,inevitavelmente, padecemos inexoravelmente com ela. Nossa tarefaentão é recuperar a sua harmonia, as suas características, a suapossibilidade de exercer o que são apesar e junto de nós. Não se trataapenas de trocar o antropocentrismo que nos afogou na perda do contatocom a vida pelo biocentrismo que nos colocaria abaixo dos insetos quenos picam, mas de uma consciência firme, radical e radicada narecuperação da vivência disto que não tivemos – felizmente – o tempo

Page 169: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

ainda de esquecer, como animais de carne e osso e de terra e água quesempre fomos, parte da natureza.

Assim, quando ficamos doentes, “a nossa harmonia foi alterada”;aliás, a mesma força que recupera a natureza, recupera-nos enquantoseres que vieram da Terra; a nossa “vis medicatrix naturae” (forçamedicadora, curadora e recuperadora da natureza, algo como “sistemaimunológico” em linguagem atual) é algo que ainda funciona, seseguimos também um ritmo mais próximo possível da vida natural, do“caminho da natureza”, do equilíbrio, da simplicidade.

Referências bibliográficas

PELIZZOLI, Marcelo. A emergência do paradigma ecológico. Petrópolis, RJ:Vozes, 1999.SARDI, Sérgio A. Ula: brincando de pensar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.SARDI, S.; PELIZZOLI, M; & HERMANN, Jorge. Bia (histórias emquadrinho). Ed. Vozes, no prelo.

* * *

ANEXO

10. ENTREVISTA COM O AUTOR

1. Por que, como filósofo, você se interessou pelas questõesambientais?Porque desde criança fui muito sensível ao ambiente e suas

mudanças. O que significa que fiquei marcado pela perda de ambientesnaturais e da cultura simples de onde meus pais viviam inicialmente (emesmo em Porto Alegre, uma cultura mais ligada às áreas naturais ecomunidades simples de 30, 40 anos atrás). Perceber umdesmoronamento de valores, degradação de ambientes, de pobreza e docapitalismo para mim foi doloroso. E quando se estuda filosofia, ou vocêse fecha numa concha narcísica ou profissional, ou então parte para ochamado ético e engajamento prático. Academia que não cai na real, paramim cai na alienação, irresponsabilidade, hipocrisia, com o dinheiro do

Page 170: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

povo. Ou é amor à sabedoria como sabedoria do amor ou é amor ao ego,academicismo, falso poder.

2. O estilo de vida do ser humano contemporâneo prejudica omeio ambiente? Como? Por quê?

Prejudica porque vivemos numa assustadora Matrix, programadospara algo que achamos ser real e pode ser uma impostura, umcondicionamento, onde traímos a vida, a autenticidade, a realidade e opróprio amor (que não é fácil não). Matrix alienante e destrutiva quandopriorizamos as máquinas e bens antes das relações, quando entramosnum supermercado e compramos descartáveis, transgênicos, alimentosque são um lixo de aditivos químicos infindáveis, açúcar, embalagenssobre embalagens; Matrix da saúde quando vamos a um médico semconsciência do que nos deixa doentes, da dieta, do estilo de vida, dasemoções, e não tem uma visão de medicina natural e tradicional. Matrixdestrutiva quando usamos inseticidas, agrotóxicos, papel branqueadocom cloro etc., quando abusamos do automóvel, quando nos tornamosindiferentes e apáticos, justamente para não sentir a dor da crise social eambiental inegável. Mal estar da civilização.

3. É possível mudar esse estilo de vida? De que forma?Já está sendo mudado, silenciosamente talvez. O aparecimento das

ONGs, o movimento ecológico e pela terra, o consumo consciente ecrítico, o Desenvolvimento sustentável nas empresas (que ainda é muitodiscurso e hipocrisia mas é uma esperança). Estamos vivendo um tempoextraordinário. Para o mal e possibilidade de bem. Há uma pluralidadecultural e religiosa em ebulição; há a entrada das medicinas tradicionaisna Saúde; há a luta pelos direitos humanos; a questão indígena vem comforça, a questão étnica; a questão de gênero (o mundo androcêntricomostrou-se altamente violento, daí a necessidade do feminino, damaternagem, do lado feminino de Deus...). Um outro mundo é possível.Estamos numa corrida contra o relógio. De fato o aquecimento global e apobreza global (que inclui a pobreza espiritual de países como EUA...)nos exigem “na marra” uma mudança de hábitos. Nosso espírito estáadoentado. A mudança é maior que pensamos. Trata-se quase que de

Page 171: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

uma “revolução espiritual”, como diz Dalai Lama, e as religiões tem umpapel fundamental junto com a Educação e a Cultura.

4. O que é ética da vida (Bioética)?De um lado é o saber e a possível normatização sobre as dimensões

morais dos impactos tecnológicos (em saúde e ambiente em especial) eintervenções interhumanas (e ecológicas). De outro, mais amplo, é atomada de consciência deste momento extraordinário na historia doocidente, hiper paradoxal. É a sabedoria da vida, é o movimento que sesoma às lutas deste outro mundo possível citado antes. É umaoportunidade para despertar – para além das boas intençõesmoralizantes – e reconhecer a biosfera como algo vivo, ainterdependência de fatores em Gaia. É sentir-se parte da vida. Não sepode pensar o ambiente fora do novo paradigma, da ética ambiental, daeducação ambiental - na verdade ética e educação no sentido pleno,integral.

5. Um de seus livros tem o título “Bioética como novoparadigma”. O que significa isso ?

Justamente o que expus antes. Paradigma é um padrão de fundoque envolve validação do saber, dimensão científica e também valores.É um campo ou contexto a partir de onde você interpreta e justificaum saber e um procedimento daí advindo. Portanto, a ecologia, ainterdependência, a visão de rede e o holismo, seja qual for a palavra,a bioética, é o grande paradigma oferecido pelo (contra)tempo atualpara alternativas do modus vivendi. Trata-se de um saber olhar quemotiva para uma outra ação, outro ethos.

6. Em um artigo, você disse que estamos no período de transiçãodo anti-ecológico para o ecológico? Você acredita, realmente,que chegaremos um dia a um modo de produção e de ação maisecológico e ético? Um cidadão comum que mora, por exemplo,numa grande metrópole de nosso mundo, pode conseguir agir epensar de modo bioético? Isso exigirá dele muita informação oumuita formação?

Page 172: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Não informação propriamente. Por que? Estamos recebendo,como sociedade incluída, uma avalanche de informações. Toda minhaluta atual é para superar a educação como informação, teoria, e comopassar para a consciência e sensibilidade. Faço isso através daecopsicologia por exemplo, acessando o sentimento e partilhando isso nodiálogo, mostrando as contradições das corporações e do mercado nanossa vida; tentando partilhar o sentido e as motivações que nos animama viver. Não adianta só criticar! Precisamos partilhar alternativas eacessar valores humanos essenciais, necessidades humanas nãosatisfeitas. Seja você a mudança que quer no mundo, como dizia Gandhi.Além do mais, boa parte da mudança ecológica não é mais uma opçãovoluntária. Uma certa transição está sendo inevitável, pois estamosameaçados nos recursos básicos. Trata-se de saber quanto tempo omodelo de dominação, elitizado, vai se sustentar sem arrebentar mais oplaneta e os pobres.

7. Essa maneira de pensar e agir ambientalmente ou “bio-ética”pode ajudar as pessoas a conquistar também mais saúde física?Pode influenciar beneficamente na “saúde” da sociedade?

O novo paradigma desoculta as falhas e os interesses escusos nomodelo mercadológico atual, como na medicina cartesiana, e aponta paraas alternativas concretas de manutenção da saúde, como as medicinascomunitárias, a humanização da saúde, as práticas naturalistas, aalimentação natural, a volta á qualidade de vida. No momento em quemudamos nosso hábito alimentar e de consumo, provocamos umarevolução na sociedade, tudo mudará em vista disso. Propiciamos umaagricultura ecológica, familiar, as pequenas empresas e nacionais, ospequenos negócios e a economia solidária. No momento em que apopulação descobrir e se sensibilizar para isso, as mudanças serãosubstanciais. A mídia-matrix teme tais alterações.

8. Algumas religiões têm se distinguido em vários ambientes peladefesa da vida. Essa defesa é uma questão basicamente religiosaou interessa a toda a humanidade?A religião, quando sadia, eleva o sagrado e o ânimo (alma) da

pessoa; defende sua preciosidade, seu potencial de compaixão, debondade e de responsabilidade. O que ela não pode fazer é colocar sob o

Page 173: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

tapete o lado sombrio, conflituoso, ambíguo, paradoxal e plural emisterioso do ser humano. A religião pode oferecer mitos saudáveis emitos escravizantes, que nos fazer olhar somente para um céu metafísicoantropomórfico. Num período de crise, as religiões podem ser um dosguardiões da humanidade do homem, para além das configurações deseus dogmas e estruturas eclesiásticas. Cristo é um espelho belo, quecoloca o espírito antes da letra, o pobre, o órfão, a viúva, enfim, o rostodo Outro como diz Levinas. A compaixão ativa, corajosa, disciplinada, éabsolutamente necessária nesse período. Ora et labora. Medita, nãoprejudica os seres e traz bondade. Vejo no encontro entre cristianismo eBudismo, mas incluindo insistentemente no Brasil as religiões afro eindígena, uma oportunidade para pôr em prática um novo temporeligioso. Quanto mais recrudescimento e guetos religiosos hoje, auto-proteção, pior. Estamos com a possibilidade brilhante de partir doresgate do humano e da Cultura de Paz como essência. O morno serávomitado. Uma nova educação humana advém.

9. Existem limites éticos para a manipulação genética e paraoutros avanços técnico-científicos? Os cientistas estariamdispostos a respeitar esses limites?

Jamais conseguiremos pôr freios éticos à questão genética apenascom discursos morais. Trata-se, de um lado, de uma luta política intensa,de mobilização da população para o que está ocorrendo e conseguircriticar e boicotar o que for preciso. Os limites éticos na verdade sãosempre ultrapassados pela fome insaciável do mercado e das pessoasque o mantém. As tecnologias de ponta criam mercados, e as pessoasprecisam tomar consciência e sensibilidade para os seus danos einteresses. Se não temos um sentido maior para a vida, além do próprionariz e deste pequeno ego expandido e confuso, fica muito difícil. Todaquestão da destruição ambiental está diretamente ligada ao modo comolidamos com nosso ethos, com os outros, consigo mesmo, com seusdesejos e carências, e com o sentido que damos a nossa vida, no caso atranscendência, o infinito, e o elemento “espiritual” que nos habita.Exemplo: há pessoas que priorizam o outro de muitas formas; e outras,se pudessem, fariam um clone de si mesmos para se perpetuarem. Háalgumas que se preocupam mais com a essência, outra com as novas

Page 174: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

técnicas de plásticas, de rejuvenescimentos e de melhorismo da imagem.É preciso grande força para superar o narcisismo em nome do amor,como apontava Alexander Lowen.

10. Gostaria que você sugerisse a nossos leitores atitudes éticasambientais que qualquer pessoa possa assumir no seu dia-a-diapara ajudar a preservar o planeta, a natureza e a vida.

Trata-se de correr riscos, não temer, e encarar, assumir a dor e arealidade atual ! Falta coragem e ânimo ás pessoas. Numa situaçãoassim, não adianta reclamar, pois só aumenta a negatividade. Portanto, aprimeira atitude é positividade, fazer valer a sua vida recebida, preciosae única, e olhar em volta. Algumas proposições: * Boicotes ou questionar as corporações danosas (Monsanto, Wal Mart,Coca-cola, Mac Donalds, Esso, Shell, Kraft Foods, Phillips Moris, Nestlé,e a Big Pharma – Merk, Novartis, Pfizer, Roche, Aventis, GSK... - eoutras); boicotar os Transgênicos* Despotencialização do consumismo, optando pelo simples e próximo.Consumo crítico e sustentável* Feiras ecológicas, hortas ecológicas* Medicina Natural, tradicionais, preventivas. * Alimentação natural, crua em especial * Boicotar: o açúcar e os adoçantes sintéticos (aspartame, ciclamatos etc),carne (estamos devastando o país para o gado), produtos químicos nalimpeza que podem ser substituídos, refrigerantes, inseticidas, farinhasbrancas, enlatados, doces quimificados e os aditivados em geral.* Participação em movimentos populares, ecológicos, ONGs...* Meditação, Ioga, Oração e contemplação* Associações de bairro. Apoio a Movimentos pela Terra (MST) etc.* Ecovilas, moradias cooperativadas* Comunitarismo e cooperativismo* Transportes coletivos e alternativos (bicicleta, andar...)* Economia solidária, Redes. Feiras de troca, moedas alternativas.* Estabelecer uma Cultura de Paz e ação pessoal...

Page 175: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

Pax et Bonum

* * *

BIBLIOGRAFIA GERAL

ADORNO & HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento. RJ, J. ZaharEditor, 1986.ARISTOTELES. Ética à Nicômaco. SP: Abril: Col. Os pensadores. BíbliaSagrada. Editora Ave-Maria. 2001.BACON, Francis. Nova Atlântida. SP: Abril (Col. Os Pensadores)._______. New Atlantis. New York: BARTLEBY.COM, 2001.BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido. RJ: Zahar, 2003 (data original).BONTEMPO, Márcio. Obras. In: http://www.drmarciobontempo.com.br/BOFF, Leonardo. Tempo de transcendência. (Livro e CD de Áudio)BRAUN, Ricardo. Desenvolvimento ao ponto sustentável. Petrópolis: Vozes,2001.CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. SP: Cultrix. (1982) _______. Conexões ocultas. SP: Cultrix, 2004.CARTA DA TERRA. Princípios e Valores para um futuro Sustentável – ECO92. CAROTENUTO, A. Eros e pathos. SP: Paulus.COMTE-SPONVILLE, A. Bom dia angústia! SP: Martins Fontes, 2000.CONNEXION – Bulletin de l’education relative a l’environnement. Paris:UNESCO-PNUE – v. XVI, n. 2, jun. 1991. CROW, D. Em busca do Buda da medicina. SP: Pensamento, 2000.DALAI LAMA. Ética para o novo milênio. Rio de Janeiro: Sextante, 2000._______. Practicing wisdom. Copenhaguen, Narayana Press, 1982.DALAI LAMA. Um coração aberto. SP: Martins Fontes, 2001.DIAS, Genebaldo Freire. Pegada ecológica e sustentabilidade humana. SãoPaulo: Gaia, 2002.DISKIN, Lia e outros. Ética, valores humanos e transformação. SP:Peirópolis, 1998.DE BONI, L. A.; JACOB, G & SALZANO, F. (org). Ética e Genética, Col.Filosofia nº 78. Porto Alegre, Edipucrs, 1998.

Page 176: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

DINIZ, Débora & GUILHEM, Dirce. O que é bioética, Col. Primeirospassos: São Paulo, Brasiliense 2003.DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens – para umaantropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2006. (The) EARTHWORKS GROUPS. 50 pequenas coisas que você pode fazer parasalvar a Terra. Círculo do livro. (1989)FERREIRA, Jonatas (2003). “O Alfabeto da Vida (Da Reprodução àProdução)”. São Paulo, Lua Nova Revista de Cultura e Política, 55-56:219-240.FONSECA, Flaviano. Hans Jonas: (Bio) Ética e Crítica à Tecnociência. Recife:Ed. da UFPE, 2007.FÓRUM NACIONAL DE ONGs E MOVIMENTOS SOCIAIS.Construyendo el futuro - tratados alternativos de Río 92. Montevidéu:Instituto de Ecología Política, Santiago, Chile. Publicação: REDES\FOE,1993.FÓRUM BRASILEIRO DE ONGs E MOVIMENTOS SOCIAIS PARA OMEIO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO. Brasil século XXI - oscaminhos da sustentabilidade cinco anos depois da Rio-92. Rio de Janeiro:FASE, 1997.FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito; edição estabelecida sob adireção de François Ewald e Alessandro Fontana, por Frédéric Gros. SãoPaulo: Martins, 2004.__________. História da sexualidade 3: o cuidado de si. R.J.: Edições Graal,2007.GADAMER, H.G. Verdade e método. Ed. Vozes, 1998.GOLEMAN, Daniel (Org.) Equilíbrio mente e corpo. RJ: Campus, 1997.GOLEMAN, D. & Dalai Lama. Como lidar com emoções destrutivas. SP:Ediouro, 2002GOLDIM, José Roberto. Introdução à Bioética. Site da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul.http://www.ufrgs.br/HCPA/gppg/bioetica.htm. GONZALES, Alberto P. Lugar de médico é na cozinha. RJ: Ed. Estácio deSá/Editora Rio, 2006.GRACIA, Diego. Fundamentos de Bioética. Madrid: Eudema, 1989.GRüN, Mauro. Ética e educação ambiental. SP, Papirus, 1996. GUATTARI, Félix. As três ecologias. SP, Papirus, 1993.

Page 177: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

HANH, Thich Nhat. Aprendendo a lidar com a raiva. SP: Sextante, 2001.HESSE, Herman. Sidarta. SP: Record, 1950.HEIDEGGER. Ensaios e conferências. Petrópolis. Vozes, 2002.HESÍODO. Teogonia. Niterói, EDUFF, 1986.HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. 24. Ed. São Paulo: Globo, 1998.JAMESON, F. Pós-modernidade: a lógica cultural do capitalismo tardio. SP:Ática, 1996.JONAS, Hans. El principio responsabilidad. Barcelona: Herder, 1995.__________. Ética, Medicina e Técnica. Lisboa: Veja, 1994.__________. O Princípio Vida. RJ: Vozes, 2005.__________. O princípio responsabilidade – Ensaio para uma éticatecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. PUC-Rio, 2006.KORNFIELD, Jack. Um caminho com o coração. SP: Cultrix, 1993.LEI N0 9.795. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional deEducação Ambiental e dá outras providências.LOTROWSKA, Michel. 2006. Campanha de Acesso a MedicamentosEssenciais de Médicos Sem Fronteiras-Medicalização da vida e direitoshumanos. Disponível em: <http://www.bomdiariopreto.com.br/index.asp?jbd=1&id=240&mat=99661>MACY, Joanna; Brown, MOLLY. Nossa vida como gaia. São Paulo: Gaia,2004.MANCE, Euclides A . Como organizar redes solidárias. DP&A Ed. 2003. MARTINS, Paulo Henrique. Contra a desumanização da medicina.Petrópolis: Vozes, 2003.MIRANDA, Erliane. Do paradigma tecnocientífico ao paradigma bioético: aspropostas das novas configurações contemporâneas - o exemplo da lei debiossegurança (11.105/05). Recife, 2006. Monografia, UFPE/CFCH/Dep.de Ciências Sociais. Em:<http://www.id.ufpe.br/teses_dissertacoes_monografias/Monografia%20Erliane%20Miranda.pdf>_________. Mil e uma gramas: do cuidado à produção farmacológica de si .Recife, 2008. Monografia (Especialização), UFPE/CFCH/Dep. deFilosofia; CCB/Centro de Ciências da Saúde.MONDOLFO, Rodolfo. Sócrates. Mestre Jou. São Paulo, 1972.MORIN, Edgar. Terra-Pátria. Editora Sulina. São Paulo, 1995.

Page 178: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

MORIN, E. & LE MOIGNE, Jean-Louis. A inteligência da complexidade. SP:Peirópolis, 2000.MOORE, George Edward. Principia Ethica. Cambridge University Press,1971:3.NAGARJUNA. Carta a um amigo. São Paulo: Palas Athena, 1994.NEVES, Maria do Céu Patrão. A Fundamentação Antropológica daBioética. in Revista Bioética, v.4 – n.1 Brasília. 1996. pp. 7-16OLIVEIRA, Manfredo (org.) Correntes fundamentais da ética contemporânea.Vozes, 2000.PELIZZOLI, Marcelo L. Correntes da ética ambiental. Petrópolis: Vozes,2003.__________. Levinas – a reconstrução da subjetividade. Porto Alegre:Edipucrs, 2002.__________. A emergência do paradigma ecológico. Petrópolis: Vozes, 1999.__________.(Org.). Bioética como novo paradigma. Petrópolis: Vozes, 2007.__________.(Org.) Cultura de Paz: educação do novo tempo. Recife: Ed. daUFPE, 2008.__________. (Org.) Cultura de Paz: a alteridade em jogo. Recife: Ed. daUFPE, 2009.__________. “O sujeito como Pathos”. In: Timm de Souza (Org.). Éticasem Diálogo, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2002.POSTMAN, Neil. Tecnopólio: a rendição da cultura à tecnologia. SãoPaulo: Nobel, 1994.RATTNER, Henrique. Liderança para uma sociedade sustentável. São Paulo:Nobel, 1999.RICOEUR, Paul . Soi meme comme um l´autre. Paris: Le Seuil, 1990. SAMTEN, Lama Padma. Meditando a vida. São Paulo: FundaçãoPeirópolis/CEBB, 2001.________. A jóia dos desejos. Porto Alegre, FEEU/Paramita, 1995.SAMTEN, Lama Padma. Mandala de Lótus. SP : Peirópolis, 2006.SCHNAITH, Nelly. “Metafísica del consumo”. In. Política y sociedad.Madrid. ISSN 1130-8001, Nº 16, 1994 (Exemplar dedicado à Sociologia doconsumo), págs. 17-24SERVAN-SCHREIBER, D. Curar. SP: Sá Editora, 2004.SHANTIDEVA. The Way of the Bodhisattva. Translated by the PadmakaraTranslation Group. Boston: Shambala, 1997

Page 179: Homo ecologicus - Educação ambiental, ecologia e  sustentabilidade

________. La Marche Vers L’Éveil. Paris: Éditions Padmakara, 1992. SINGER, Peter. Ética prática. SP: Martins Fontes, 1998.SÓCRATES. Col. os pensadores. Abril Cultural. São Paulo, 1973.TAGORE, R. Sadhana, o caminho da realização. SP: Paulus, 1994.TENNER, E. A vingança da tecnologia. SP: Ed. Campus, 1997.THESENGA, Susan. O eu sem defesas. SP: Cultrix, 1994.TOLLE, Eckhart. O poder do agora. SP: Sextante, 2002TRUNGPA, Chogyam. O mito da liberdade. SP: Cultrix, 1976._________. Para além do materialismo espiritual. SP: Cultrix.TULKU Thöndub Rinpoche. Madhyamika. Texto eletrônico. Disponívelem: www.dharmanet.com.br/prajna/caminho.htm.VARELA, Francisco. Sobre a competência ética. Lisboa: Edições 70, 1995.________. Mente corpórea. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.VÁZQUEZ, Adolfo S. Ética. RJ: Civilização Brasileira, 1995.VIANA, Mário Gonçalves. Ética Geral e Profissional. Porto: LivrariaTrigueirinhas.s/d.ZUBIRI Xavier. Naturaleza, Historia, Dios. s/d. ZWEIG, S. & ABRAMS J. (Orgs). Ao encontro da sombra. SP: Cultrix, 1991.YUM, Jong Suk. ABC da Saúde. Ed. Convite, s/d. & Doenças, causas etratamentos. (esgotados)

Filmes importantes indicados:

A última hora / Quem somos nós ? / A carne é fraca / Terráqueos /Janela da Alma / Matrix / Kundun / Uma verdade inconveniente /Super Size Me / Tiros em Columbine / Gandhi / The Corporation / Oponto de mutação / 1,99

Vídeos

Pecuária destrutiva: The MeatrixMídia no Brasil: MidiatrixConsumo e destruição ecológica: A história das coisas Vídeos de Eckhart Tolle