homens na pedagogia fl via goulart pereira

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  • 7/24/2019 Homens Na Pedagogia Fl via Goulart Pereira

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    FLVIA GOULART PEREIRA

    HOMENS NO CURSO DE PEDAGOGIA:AS RAZES DO IMPROVVEL

    Belo Horizonte

    Faculdade de Educao da UFMG

    Agosto de 2013

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    FLVIA GOULART PEREIRA

    HOMENS NO CURSO DE PEDAGOGIA:AS RAZESDO IMPROVVEL

    Dissertao de Mestrado apresentada aoPrograma de Ps-graduao em Educao:conhecimento e incluso social, da UniversidadeFederal de Minas Gerais,como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    Linha de pesquisa:Educao Escolar: Instituies, Sujeitos eCurrculos.

    Orientador: Professor Dr. Cludio MarquesMartins Nogueira

    Belo Horizonte

    Faculdade de Educao da UFMG

    Agosto de 2013

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    Universidade Federal de Minas Gerais

    Faculdade de Educao

    Programa de Ps-graduao

    Dissertao intitulada HOMENS NO CURSO DE PEDAGOGIA: AS RAZES DO

    IMPROVVEL de autoria da mestranda Flvia Goulart Pereira, analisada pela

    banca examinadora constituda pelos seguintes professores:

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Cludio Marques Martins NogueiraFaEUFMG

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Wnia Maria Guimares LacerdaDPEUFV

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Antnio Augusto Gomes BatistaCENPEC

    SUPLENTES

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Joo Valdir Alves de SouzaFaEUFMG

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Maria Jos Braga VianaFaEUFMG

    28 de agosto de 2013

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    Dedico esta dissertao Leni Maldonado.

    Tia, assim como meu pai, voc , e sempre ser, para mim, eterna presena.

    Amor e saudade.

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    RESUMO

    A Dissertao Homens no curso de Pedagogia: as razes do improvvelbusca

    investigar o papel do gnero na escolha do curso superior e da profisso docente.

    Como apontam, entre outros, Alves e Soares (2001) e Vianna (2001), o gnero

    envolve expectativas socialmente definidas. Estes modelos ideais de gnero

    construdos pela sociedade parecem influenciar os sujeitos no momento de sua

    escolha profissional. Vrios estudos sobre o tema demonstram, por exemplo, que os

    cursos da rea de humanas so escolhidos de forma mais frequente por mulheres e

    que os cursos mais voltados para a rea tecnolgica so comumente escolhidos

    pelos homens. Assim, ficam as seguintes questes: Em que medida as expectativasrelacionadas ao gnero so determinantes no momento das escolhas de cursos e

    carreiras profissionais? O que pode levar um sujeito a se desvencilhar dessas

    determinaes e buscar caminhos alternativos? E ainda: Que homens so esses

    que esto presentes no curso de Pedagogia? Que idade eles tm? Quais seus

    projetos profissionais? Teriam um perfil social e escolar mais baixo, como o

    predominante entre o conjunto de alunos da Pedagogia? Que fatores os levaram a

    contrariar as expectativas sociais mais amplas e optar por um curso tido comotipicamente feminino? Para responder a essas perguntas foram aplicados

    questionrios, realizadas entrevistas em profundidade e feito um grupo focal com os

    estudantes do sexo masculino matriculados no curso de Pedagogia da UFMG. Com

    base nos dados coletados, foi analisada toda a trajetria social dos sujeitos, suas

    expectativas em relao ao curso, seu perfil social e cultural e todo o seu percurso

    escolar at a tomada final da deciso pela Pedagogia. Essa pesquisa mostrou, entre

    outros aspectos, que a existncia de um contato prvio com a rea da Educao foifundamental para a escolha da maioria desses sujeitos pelo curso de Pedagogia.

    Palavras-chave: Escolha do curso superior; escolha da profisso docente; gnero;

    Pedagogia.

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    ABSTRACT

    This MA thesis, entitled Men in the Pedagogy undergraduate course: improbable

    reasons, aims to investigate the impacts of gender in choosing both the course and

    the teaching profession. According to Alves and Soares (2001), and Vianna (2001),

    among others, gender involves socially defined expectancies. These models,

    constructed by society, seem to influence people at the moment of their professional

    choice. Several studies in this area of investigation, for instance, show that

    undergraduate courses in the Humanities are often chosen by women, whereas

    technological courses are most frequently chosen by men. Bearing this in mind,

    some questions are posed: To what extent gender related expectancies are truly

    defining at the moment of choosing undergraduate courses and professional

    careers? What can be done in order for people to get rid of these determinations

    and search for alternative paths? Moreover: What kind of men are these who are

    present in Pedagogy courses? What are their ages? What are their professional

    projects? Would they have social as well as educational low ranks as usually found

    among undergraduate students of Pedagogy? Which factors have influenced them to

    choose an undergraduate course typically chosen by women, contrary to the wider

    social expectancies? In order to answer these questions, questionnaires were

    designed and distributed, interviews were profoundly conducted, and a focal group

    was constituted by male undergraduate students of the Pedagogy course of the

    Federal University of Minas Gerais, Brazil. The data were analyzed focusing on the

    students social trajectory, their expectancies in relation to the course, their social

    and cultural heritage and their whole schooling processes until reaching the moment

    of taking the decision for the Pedagogy course. Among other things, this study has

    shown that a previous contact with the academic field of Education influencedconsiderably the students choices for the Pedagogy course.

    Keywords: Undergraduate course choice. Teaching profession choice. Gender.Pedagogy.

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    AGRADECIMENTOS

    Aprendizaje

    Mario Benedetti

    Aqu y all aprendemos cautamenteen el ro / en la noche / en la fatiga

    a vivir glorias o a morir de penaen el rumbo mejor o a la deriva

    no est mal ser humilde por las dudasy dejar el fulgor para otro da

    (en un comienzo el corazn callabaslo despus supimos que lata)

    aprender es um rito una costumbreno le hace mal a nadie ni se olvida

    aprende quien ascende hasta la crestapero tambin quien busca entre las ruinas

    aprender es abrirse a los afanesy por qu no? Tambin a la utopia

    la enseanza es enjambre y sus gaivotasse posan en el alma sorpredida

    sabemos que aprender tiene su risgo

    y puede convertirnos em cenizapero no importa / hay que aventurarseaunque eso no les guste a lor de arriba

    hay que saber del tempo / hora por horaporque vivir no es una loteria

    dame esa mano que me ensea siemprey vaymos por la vida

    Aprendizagem. Esta a palavra que melhor define esse momento. Para tanto, osagradecimentos so muitos.

    Agradeo, em primeiro lugar, Professora Maria Alice Nogueira que, ainda quando

    aluna da graduao, me incentivou a participar do processo seletivo que seria aberto

    para bolsistas de iniciao cientfica no OSFE. Foi atravs de minha insero nesse

    grupo de pesquisa, que esse percurso como pesquisadora se iniciou. Muito obrigada

    Professora, pela confiana, pela ateno e por todo o cuidado que voc sempre teve

    comigo.

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    Ao Professor Cludio Marques Martins Nogueira, meu agradecimento mais sublime!

    Um mestre no mais belo sentido desse termo. Muito obrigada pelo carinho, pela

    pacincia e por dividir comigo um pouco dos seus saberes.

    Agradecimento especial tambm ao Professor Antnio Augusto Gomes Batista, pela

    delicada acolhida e pelas contribuies durante todo esse percurso.

    Agradeo aos Professores e amigos do OSFE. Vrias foram as aprendizagens

    compartilhadas com esse grupo.

    Agradecimento aos queridos que estiveram comigo durante o mestrado sanduiche.

    Quanto aprendizado! Tia Eliana, Tia Isa, Tio Alusio, Ed, J e Fernando. Vocs

    foram fundamentais. Carinho tambm especial a Deimy, Igncio, Emlia, Adriano,

    Carol, El, Sandro, Dyrce e Glau.

    Ao meu pai, eterna presena; a minha me e aos meus irmos, meus exemplos de

    vida; as minhas primas(os), tias(os) e ao meu av, amores da minha vida! Obrigadapor me permitirem seguir sem nunca perder o meu referencial. Agradeo igualmente,

    a todas as pessoas queridas que estiveram comigo em mais esta caminhada e

    suportaram minhas ausncias enquanto a esse trabalho me dedicava. Vocs

    estaro pra sempre em meu corao.

    Aos professores, que souberam fazer com que eu me encantasse pelo

    conhecimento, e a cada um dos estudantes que, pacientemente, dedicaram seutempo participao nessa pesquisa. Obrigada!

    Por ltimo, agradeo a Deus, pelo dom da vida e por permitir que tudo isso fosse

    possvel.

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    SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................... 11

    CAPTULO 1A CONSTRUO DO OBJETO E O DESENHO

    METODOLGICO DA PESQUISA ............................................................. 17

    1.1Ensino Superior e a escolha das carreiras profissionais .................... 17

    1.2Gnero e a escolha do curso de Pedagogia ...................................... 21

    1.3O curso de Pedagogia e seus estudantes .......................................... 28

    1.4Desenho metodolgico da pesquisa ................................................... 35

    CAPTULO 2ANLISE DOS QUESTIONRIOS .................................... 40

    2.1Anlise das questes fechadas do questionrio ................................ 40

    2.1.1- Perfil social dos sujeitos e seus familiares ............................. 40

    2.1.2- Trajetria escolar dos sujeitos ................................................ 56

    2.1.3- Escolha do curso superior ...................................................... 58

    2.1.4- Contato com a rea de Educao .......................................... 62

    2.1.5- A Pedagogia como nico vestibular ....................................... 63

    2.1.6- Os formados: A Pedagogia como segundo curso .................. 64

    2.2Anlise das questes abertas do questionrio ................................... 66

    2.3Consideraes finais sobre os dados coletados por meio do

    questionrio ................................................................................................ 69

    CAPTULO 3ANLISE DOS DADOS QUALITATIVOS: ASENTREVISTAS E O GRUPO FOCAL ....................................................... 73

    3.1Conhecendo os estudantes de Pedagogia e suas trajetrias: a

    anlise das entrevistas........................................................................... 74

    Aurlio............................................................................................. 75

    Tlio ............................................................................................. .. 80

    Geraldo ........................................................................................... 85

    Henrique ......................................................................................... 90Alex ................................................................................................ 96

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    Leonardo ........................................................................................ 100

    Edemar ........................................................................................... 104

    3.2- O Grupo Focal e as impresses dos sujeitos sobre o tema da

    pesquisa ................................................................................................... 109

    3.2.1- O estudante de Pedagogia e a Educao Infantil ............... 110

    3.2.2- Existe profisso de homem e profisso de mulher? O

    sexo e a escolha do curso superior ................................................ 115

    3.2.3- Os sujeitos e sua opo pelo curso de Pedagogia .............. 118

    3.3Consideraes finais sobre as entrevistas e o grupo focal ............. 122

    CONSIDERAES FINAIS ...................................................................... 124

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................... 130

    ANEXOS ................................................................................................... 136

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    Um homem tambm choraGonzaguinha

    Um homem tambm choraMenina morena

    Tambm deseja coloPalavras amenas...

    Precisa de carinhoPrecisa de ternura

    Precisa de um abraoDa prpria candura...

    Guerreiros so pessoasTo fortes, to frgeis

    Guerreiros so meninosNo fundo do peito...

    Precisam de um descansoPrecisam de um remanso

    Precisam de um sonoQue os tornem refeitos...

    triste ver meu homemGuerreiro menino

    Com a barra do seu tempoPor sobre seus ombros...

    Eu vejo que ele berraEu vejo que ele sangraA dor que tem no peito

    Pois ama e ama...

    Um homem se humilhaSe castram seu sonhoSeu sonho sua vida

    E vida trabalho...

    E sem o seu trabalhoO homem no tem honra

    E sem a sua honraSe morre, se mata...

    No d pr ser felizNo d pr ser feliz...

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    INTRODUO

    Este trabalho constitui-se como desdobramento de uma experincia anterior de

    investigao acadmica, realizada no OSFE Observatrio Sociolgico Famlia-

    Escola, entre os anos 2005 e 2007. Ingressei neste grupo de pesquisa como bolsista

    de iniciao cientfica do subprojeto Caracterizao dos alunos do primeiro ano do

    curso de Pedagogia da UFMG e anlise sociolgica do processo de escolha do

    curso superior vivido por esses alunos, cujo responsvel era o Professor Dr. Cludio

    Marques Martins Nogueira.

    Tal pesquisa abarcou em seu desenho metodolgico dois momentos principais; noprimeiro, foi traado um perfil geral dos estudantes de Pedagogia da FaE/UFMG e,

    no segundo, atravs de entrevistas em profundidade, foi analisado o processo

    individual de escolha do curso vivido por alguns desses sujeitos. Assim, esse

    trabalho no tinha como objetivo simplesmente traar o perfil geral dos estudantes

    de Pedagogia, e sim, buscar compreender sociologicamente como se d o processo

    de escolha de um curso superior e que fatores so determinantes nessa tomada de

    deciso.

    A pesquisa buscou compreender tambm o que podemos chamar de

    irregularidades estatsticas desse processo. Assim, entrevistas foram realizadas

    com os estudantes que no se enquadravam no que as pesquisas sobre o tema

    apontam como estatisticamente mais provvel1. Desse modo, buscou-se

    compreender, por exemplo, como e porque estudantes que apresentam um perfil

    social e escolar superior ao da mdia da Pedagogia da UFMG e que teriam,portanto, condies de buscar cursos de maior prestgio, optam por esse curso.

    (NOGUEIRA e PEREIRA, 2010).

    1

    A partir da dcada de 80 uma srie de pesquisas (NOGUEIRA e FONTES, 2004; LACERDA, 2006; ZAGO,2000; VIANA, 1998), comearam a estudar o problema das excees em sociologia da educao. Tais estudosapontaram que para alm das grandes regularidades estatsticas existia um promissor e revelador campo deestudo sobre as irregularidades estatsticas.

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    Durante o desenvolvimento daquele estudo, a partir da anlise dos dados e da

    pesquisa bibliogrfica realizada sobre o tema, o gnero2 revelou-se como uma

    dimenso importante que necessita ser mais explorada. Vrios trabalhos publicados

    sobre o assunto apontam para o gnero como um dos determinantes da escolha dos

    cursos superiores (GOUVEIA, 1970; PAUL e SILVA, 1998; SETTON, 1999; entre

    outros). H cursos que so escolhidos quase que exclusivamente por apenas um

    dos sexos3, como o caso o de Pedagogia, que um curso onde, na FaE/UFMG, por

    exemplo, mais de 90% das matrculas so de pessoas do sexo feminino 4. Enquanto

    isso, outros cursos apresentam uma distribuio mais equitativa de seus alunos

    segundo os sexos.

    Assim, o objetivo deste trabalho avanar na compreenso da dimenso do gnero

    na escolha dos estudos superiores, apreendendo como essa dimenso influencia

    nas decises dos sujeitos. Como apontam, entre outros, Alves e Soares (2001), o

    gnero envolve expectativas socialmente definidas. E esses padres ideais de

    comportamento para cada gnero, construdos pela sociedade, parecem influenciar

    os sujeitos no momento de sua escolha profissional. Em que medida essas

    expectativas sociais so determinantes no momento das escolhas profissionais? Oque pode levar um sujeito a se desvencilhar dessas influncias e buscar caminhos

    que contrariam as expectativas relacionadas aos gneros masculino e feminino?

    Essas so algumas das perguntas que este estudo buscar investigar.

    Para avanarmos no enfrentamento dessas questes, optamos por analisar um

    processo de tomada de deciso que pode ser considerado atpico: a escolha do

    curso de Pedagogia por indivduos do sexo masculino. Como discutiremos ao longoda dissertao, o curso de Pedagogia e, sobretudo a docncia na Educao Infantil

    e nos anos iniciais do Ensino Fundamental (que desde a recente homologao da

    Resoluo do Conselho Nacional da Educao CNE, sobre as Diretrizes

    2Ao utilizar este conceito estaremos nos referindo s dimenses identitrias e culturais associadas s diferenasbiolgicas entre os sexos.

    3Este termo refere-se especificamente as diferenas biolgicas entre os sexos e ser utilizado apenas quando nos

    referimos proporo de homens e mulheres em um determinado curso. O termo gnero, ao contrrio, serutilizado sempre que se tratar das identidades ou dos papeis sociais masculino e feminino

    4Dado fornecido pelo colegiado da instituio em setembro de 2010.

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    Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia um dos principais campos

    profissionais para o qual o curso pretende formar seus estudantes), so atualmente,

    fortemente associados ao gnero feminino.

    Carvalho (1998) aponta que no Brasil, nas primeiras dcadas do sculo XX, j se

    encontrava a predominncia do discurso que associava o magistrio nos anos

    iniciais de escolarizao s caractersticas consideradas femininas e especialmente

    ligadas maternidade, como por exemplo, o amor s crianas, a abnegao e a

    delicadeza.

    Decidimos ento estudar os homens que contrariando as expectativas sociaisescolhem Pedagogia na UFMG. Que homens so esses? Por que escolhem esse

    curso? Pretendem atuar como docentes ou fazem apenas a escolha por um curso

    mais acessvel? Como lidam com os preconceitos? Como enxergam sua prpria

    escolha do curso?

    Mesmo no sendo um aspecto central dessa discusso tambm interessante

    perceber que em relao s questes acima formuladas e presena de um homemnesse universo feminino, existem algumas impresses, suposies ou mesmo

    resistncias que permeiam o cotidiano da Faculdade de Educao.

    Certa vez, por exemplo, ouvi uma estudante do curso se referir a um colega do sexo

    masculino da seguinte forma: Como diria meu av, por isso que o feijo t caro!

    Onde j se viu? Um homem desse tamanho fazendo Pedagogia.... Ainda sobre

    essas impresses, nesse caso, principalmente em relao s professoras, existeuma frequente queixa relativa a alguns policiais do sexo masculino que

    frequentavam especialmente o ensino noturno. Sobre esse fato, costuma ser

    afirmado, entre outros fatores, que no tem nada a ver a presena deles na

    faculdade. Eles s vm em busca de um diploma pra melhorar seu salrio.

    Tambm me recordo de ouvir em uma disciplina optativa, um homem, formado em

    Engenharia, contar que estava fazendo o curso pra se aproximar da filha e se

    inteirar mais desse universo. Por esse motivo, o maior interesse desse sujeito era

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    exatamente em relao quelas disciplinas mais relacionadas infncia e

    alfabetizao. Essa disciplina optativa era frequentada por alguns indivduos do

    curso de Engenharia Mecnica noturna, que a cursavam como matria eletiva. Em

    certa ocasio, ao surgir uma brincadeirinha em torno de seu interesse pelos temas

    mais femininos do curso, esse sujeito, perguntou se aqueles estudantes conheciam

    a msica de Pepeu Gomes: ... ser um homem feminino, no fere o meu lado

    masculino, afirmando que, ao contrrio do que eles podiam supor, esse era seu

    objetivo.

    Diante desses fatos, outras questes se colocam: como esses homens vivem o

    cotidiano dessa faculdade? Como seu relacionamento com colegas, professores efuncionrios? Como lidam com as impresses de senso comum, as expectativas em

    relao ao gnero masculino, e mesmo as resistncias presena dos homens na

    Pedagogia? Essas tambm sero questes que buscaremos investigar.

    Por ltimo, cabe apontar que em termos gerais, cremos que os homens matriculados

    no curso de Pedagogia tenham uma idade mais avanada que a das mulheres e

    tambm uma maior insero no mercado de trabalho, no necessariamente na reada Educao. Acreditamos tambm que sero encontrados pelo menos dois grupos:

    um primeiro, no qual a Pedagogia seja utilizada de uma forma mais utilitria, ou

    seja, como um meio comparativamente mais fcil de obter um diploma de Ensino

    Superior, e um segundo grupo, no qual escolha por esse curso venha realmente

    de um desejo mais concreto de busca de seus saberes.

    Para investigar essas questes, no primeiro captulo, apresentaremos as principaisdiscusses tericas que nos conduziram ao problema de pesquisa e orientaram a

    construo do objeto de investigao. Fundamentalmente trataremos das pesquisas

    produzidas sobre a escolha do curso superior, faremos uma discusso em torno das

    questes relativas ao gnero e uma caracterizao do curso de Pedagogia. Ainda

    neste primeiro captulo apresentaremos com mais detalhes o desenho metodolgico

    da pesquisa. Desde j vale anunciar que optamos por utilizar mtodos quantitativos

    e qualitativos, com aplicao de questionrios e realizao de entrevistas e um

    grupo focal.

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    No segundo captulo, analisaremos os resultados obtidos por meio do questionrio

    aplicado aos alunos do sexo masculino dos cursos de Pedagogia diurno e noturno

    da FaE/UFMG. Analisaremos principalmente o perfil desses estudantes e faremos

    algumas consideraes sobre as semelhanas e/ou diferenas encontradas entre

    esses e os demais estudantes do curso de Pedagogia.

    No terceiro captulo, discutiremos as informaes obtidas por meio das entrevistas e

    do grupo focal. O que esses sujeitos contam sobre suas trajetrias? Como se deu o

    processo de escolha do curso superior? Em que medida o gnero teve influncia

    nesse processo?

    Nas consideraes finais, destacaremos as principais concluses que podem ser

    extradas deste trabalho e apontaremos os aspectos que nos parecem mais

    promissores para serem investigados em projetos futuros.

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    CAPTULO 1A CONSTRUO DO OBJETO E O DESENHOMETODOLGICO DA PESQUISA

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    1ACONSTRUO DO OBJETO E O DESENHO METODOLGICO DA

    PESQUISA

    Neste captulo ser apresentado o desenho metodolgico da pesquisa e discutidas

    as trs temticas a partir das quais foi estruturado o objeto de investigao: o Ensino

    Superior e a escolha das carreiras; gnero e a escolha do curso de Pedagogia; o

    curso de Pedagogia da UFMG e seus estudantes.

    1.1Ensino Superior e a escolha das carreiras profissionais

    A primeira Universidade do Brasil data de 1920. Durante o sculo XIX, no entanto,existiam alguns cursos superiores que visavam atender prioritariamente a elite

    colonial portuguesa e os grupos socialmente mais favorecidos. Tais cursos,

    posteriormente, foram extintos ou reagrupados no momento da criao das

    universidades.5

    Cunha (2007) assinala que inicialmente, as primeiras universidades eram uma mera

    reunio formal das faculdades isoladas de Medicina, Engenharia e Direito, quetambm haviam se constitudo com a principal finalidade de propiciar formao

    profissional necessria ao Estado e a elite. Aps a terceira dcada do sculo XX,

    outras faculdades surgiram (Minas e Metalurgia, Odontologia, Arquitetura,

    Economia, Servio Social, Jornalismo, Filosofia, Cincias e Letras) e tambm foram

    sendo incorporadas s universidades existentes.

    Apesar da grande expanso que marcou o Ensino Superior no Brasil, especialmentenas ltimas duas dcadas6, o acesso a esse nvel de ensino continua bastante

    restrito no pas. De acordo com dados do INEP, em 2007, o nmero de matrculas

    no Ensino Mdio era de 6.405.057. J no Ensino Superior esse nmero cai para

    1.945.615. Assim, do ponto de vista macroestrutural, o acesso a essa categoria de

    5 Para um maior aprofundamento sobre o tema consultar: Cunha (1980), Teixeira (1989), Soares (2002).

    6 De acordo com os dados do Relatrio Tcnico apresentado pelo Inep Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais Ansio Teixeira (2008), em 1991 o nmero de vagas oferecidas era de 516.663. Em2000, esse numero j era de 1.216.287 e em 2008 de 2.985.137.

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    ensino esbarra ainda na questo da oferta, uma vez que o nmero de vagas

    disponveis para esse nvel de ensino inferior demanda potencial7.

    A ampliao das vagas e uma maior democratizao do acesso aos estudos

    superiores tm ocupado lugar de destaque nos debates polticos sobre a educao e

    algumas polticas pblicas tm sido implementadas no intuito de se atenuar esses

    desajustes. De qualquer forma, diante de um cenrio no qual na maioria das

    instituies e para quase todos os cursos as vagas so inferiores demanda, cabe

    aos concluintes do Ensino Mdio que pleiteiam uma vaga no Ensino Superior, a

    escolha entre as opes disponveis e a competio pelo acesso s vagas8.

    Como observa Nogueira (2005), se partimos do senso comum, ou seja, de uma

    viso mais imediata do processo de escolha do curso superior, parece sensato dizer

    que esse processo se baseia nas preferncias e afinidades dos sujeitos que, diante

    de todo um leque de opes, optariam pelo que lhes parece mais promissor e

    agradvel. Sob essa tica, a escolha da carreira profissional estaria mais ligada a

    esfera do indivduo do que esfera social.

    Entretanto as pesquisas sobre o tema deixam claro que por mais que esse tipo de

    escolha possa parecer, primeira vista, uma questo mais individual, definida de

    acordo com interesses, gostos e afinidades, a influncia social no pode ser

    desconsiderada. nessa perspectiva que as pesquisas sociolgicas sobre o curso

    superior so construdas: o grande desafio, como aponta Nogueira (2005), saber

    como as dimenses individual e social se relacionam e se complementam.

    No campo da sociologia, de acordo com Setton (1999) e Nogueira (2005) as

    primeiras pesquisas sobre esse tema datam da dcada de 60 e tem o francs, Pierre

    Bourdieu como principal precursor. Em Les hriters, 1964, o autor denuncia as

    contradies da ideologia da escola libertadora, apontando, de forma clara, que o

    7Esses dados so relevantes mesmo levando-se em considerao que parte significativa dos estudantesalgo emtorno de 25% de acordo com os dados do INEP (2005), que concluem o Ensino Mdio no pleiteia, ao menosimediatamente, por diferentes razes, uma vaga no Ensino Superior.

    8A ampliao das vagas no Ensino Superior (INEP, 2008) se d prioritariamente nas instituies privadas, onde possvel inclusive se encontrar vagas ociosas. No entanto, a disputa por uma vaga na maioria dos cursos dasuniversidades pblicas, seja por sua qualidade de ensino ou por sua gratuidade, continua acentuada.

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    curso superior , atravs de uma seleo cultural, destinado a um pblico seleto e

    que a posio social dos estudantes guarda uma direta relao com o tipo de curso

    frequentado. O autor demonstra tambm que outras variveis como idade, sexo e

    origem geogrfica (rural ou urbana) influenciam na escolha do curso.

    A partir dessas pesquisas pioneiras, vrios autores tambm comearam a se dedicar

    ao estudo dos processos e fatores que levam escolha de continuar ou no os

    estudos. Kodde e Ritzen (1979), por exemplo, chamavam a ateno para o fato de

    que a profisso e o nvel de formao dos pais influenciam nesse processo. Assim,

    quanto maior a colocao social e o nvel de escolarizao dos pais, maior a procura

    pelos estudos superiores.

    Willis e Rosen (1979) deram mais um contributo nesta rea do conhecimento ao

    apontarem que para alm da importncia do contexto familiar, os estudantes fazem

    o que eles chamam de clculo de rendimentos do curso secundrio e do curso

    superior. Assim, de acordo com esses autores, os estudantes realizam uma

    comparao dos possveis rendimentos porvindouros em relao futura formao.

    Esses clculos teriam um importante e positivo efeito na deciso final e na procurapor um Ensino Superior.

    Ainda no plano internacional, Nogueira (2007) afirma que diferentes pesquisas

    realizadas nas ltimas dcadas como, por exemplo, Duru e Mingat, 1979 e Duru-

    Bellat, 1995, 2002, delineiam, de forma cada vez mais rica e clara, a existncia de

    correlaes entre a escolha do curso superior e categorias como sexo e classe

    social, entre outros. Em poucas palavras, essas pesquisas deixam claro que aspropriedades sociais dos indivduos influenciam diretamente na escolha de suas

    carreiras profissionais.

    No Brasil, os primeiros trabalhos sobre o tema so de Gouveia (1968, 1970). Em

    seus estudos sobre a realidade brasileira, a autora relatava que as mesmas

    regularidades (correlao entre caractersticas sociais dos indivduos e definio dos

    estudos superiores) observadas no mbito internacional so aqui encontradas.

    Gouveia acentuava ainda a influncia da questo tnica e de gnero nessas

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    escolhas. Assim, a autora abalizava que os homens tendiam a escolher os cursos

    das reas de exatas e as mulheres tendiam a procurar os cursos mais voltados para

    o estudo das humanidades. J em relao questo tnica, a autora observava que

    os judeus e os descendentes de japoneses encaminhavam-se mais frequentemente

    aos cursos de cincias e tecnologias.

    Outros autores tambm tm apresentado subsdios importantes para a compreenso

    do processo de escolha do curso superior. Setton (1999), Vargas (2010) e Heringer

    (2011) apontam, por exemplo, para a mudana do perfil dos estudantes recebidos

    pelo Ensino Superior e para a diviso interna que tem ocorrido no seio das

    universidades. De acordo com esses autores, a classe popular tem chegado cadavez mais universidade, no entanto essa entrada tem acontecido mediante uma

    hierarquizao dos cursos, ou seja, cabe aos estudantes das classes populares os

    cursos socialmente menos valorizados.

    Paul e Silva (1998) por sua vez, ressaltam que os estudantes parecem conhecer o

    seu lugar. Dito em outras palavras, eles descrevem que existe um processo de

    autosseleo, anterior ao vestibular, na escolha das carreiras profissionais; osindivduos j se candidatam ao vestibular dos cursos em que eles acreditam que

    tero condies de serem aprovados. A anlise dos inscritos para o exame de

    seleo j apresenta as regularidades apontadas e as hierarquias observadas pelas

    pesquisas sobre os alunos aprovados para os diversos cursos.

    Outros autores como Zago (2006) e Viana (1998) tm ainda se dedicado ao estudo

    de indivduos das classes populares que contrariando os determinismos sociaisconseguem chegar ao Ensino Superior. Essas autoras, que tm um olhar mais

    microssociolgico e utilizam as entrevistas como principal metodologia, apontam que

    esses estudantes nem sempre conseguem fazer o curso que realmente desejam e

    frequentemente precisam conciliar estudo e trabalho. Ressaltam ainda que os

    estudos superiores no so aqui vistos como um caminho natural como no caso

    das camadas mdias e a escolha do curso, muitas vezes se realiza pelo clculo do

    que possvel ser feito. Zago (2006) aponta ainda que esses estudantes dizem

    perceber uma diferena de acesso ao conhecimento; eles sentem que os outros

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    estudantes esto mais preparados do que eles, ou, nos termos de Bourdieu, esto

    mais adaptados a cultura que valorizada socialmente.

    Desse modo, ao observar que as escolhas que realizamos ao longo de nossas

    trajetrias e em especial sobre o curso superior no so baseadas simplesmente em

    fatores de natureza idiossincrticas, interessa-nos aqui compreender, especialmente

    no que se refere aos os homens, como essa escolha pela Pedagogia foi sendo

    tecida ao longo de suas trajetrias escolares e sociais.

    Como aponta Nogueira (2005, p. 25), possvel dizer que os indivduos escolhem

    seus cursos superiores em funo do modo como eles percebem a si mesmos,os outros indivduos e a realidade em geral.. A questo basilar que agora se

    apresenta, a compreenso de como se constitui, se mantm e se transforma,

    ao longo do tempo, esse conjunto de percepes..

    1.2Gnero e a escolha do curso de Pedagogia

    No dia 28 de maio de 2008 o portal de notcias Uol publicou a seguinte reportagem:

    Por que as garotas so melhores que os garotos na escola?. Nessa reportagem,

    aps a citao de vrias pesquisas de cunho neurobiolgico, a neurobiloga e

    Diretora de Pesquisa do Instituto Pasteur de Paris, Catherine Vidal, conclui: As

    capacidades biolgicas cerebrais so idnticas para os dois sexos, e rapazes e

    garotas apresentam as mesmas aptides. Para explicar as diferenas, preciso

    referir-se aos esteretipos scioculturais e aos comportamentos que delesdecorrem..

    Diante dessa afirmativa, a questo central deste estudo tambm se faz: se no h

    diferenas de aptides entre os sexos, como explicar que a escolha dos cursos

    superiores seja to influenciada por essa varivel? Por que o curso de Pedagogia,

    por exemplo, frequentado majoritariamente por mulheres?

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    Os primeiros estudos sobre gnero partiram dos movimentos feministas e tinham a

    questo da mulher como eixo. Estes trabalhos, ao apresentarem uma conotao

    poltica, e um discurso apaixonado, foram inicialmente muito questionados por sua

    falta de neutralidade. No entanto, esse discurso que mantinha um tom de

    denncia, hoje reconhecido por seu carter de alerta e por suas contribuies do

    ponto de vista humano e social.

    No Brasil, o termo comeou a ser usado na dcada de 80como forma de se evitar o

    determinismo biolgico, implcito nos usos de outros termos como sexo e diferena

    sexual. Segundo Guacira Lopes Louro (1997) o gnero a representao coletiva

    (sexual e histrica) que se faz da diferena entre os sexos. Assim, nas palavras daautora:

    No so propriamente as caractersticas sexuais, mas a forma comoessas caractersticas so apresentadas ou valorizadas, aquilo que sediz ou se pensa sobre elas, que vai construir, efetivamente, o que feminino ou masculino em uma determinada sociedade e em umdeterminado momento histrico. (p. 21)

    Ainda segundo Louro (1997), no que se refere educao, se no mbito dasdiferentes instituies e por meio das prticas sociais que as questes de gnero

    so constitudas e se constituem, a escola, espao de formao privilegiado dentre

    as demais instncias e instituies sociais, atravessada pelos gneros em suas

    mais diversas manifestaes.

    Professores e estudantes, pais e funcionrios, comunidade escolar externa e

    prestadores de servios esto todos imersos num conjunto de representaes quenos dizem, de forma muitas vezes implcita e silenciosa, quais os modos corretos de

    se vivenciar a identidade sexual. De certa forma, a escola, assim como toda a

    sociedade, ainda se organiza atravs da polaridade homem x mulher.

    Antes mesmo do nascimento dos filhos, as representaes e as expectativas dos

    pais em relao a esses so muito diferentes em relao ao sexo. As meninas

    devem usar vestidinhos e roupas cor-de-rosa e ter seu bero enfeitado por um

    bichinho de pelcia; os meninos devem usar azul e provavelmente sero

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    presenteados com roupinhas do time de futebol predileto da famlia ou por alguma

    pelcia de aviozinho ou barquinho, por exemplo.

    Mais tarde, quando estiverem entrando no universo do brincar, as meninas

    recebero bonecas e panelas, o que lhes impregnar do universo domstico,

    enquanto aos meninos sero dados bolas e carrinhos, numa clara aluso

    conquista do espao social mais amplo e estmulo ao desenvolvimento de

    competncias espaciais e analticas. (PIPHANE, 2008)

    Na medida em que suas capacidades mentais vo se desenvolvendo, a criana vai

    aprendendo a se identificar com o feminino e o masculino. assim tambm quedurante a escolarizao, pode-se observar uma tendncia mundial de que as

    meninas se saiam melhor com as linguagens e os meninos com as reas mais

    exatas e cientficas. Tendncia essa que parece manter-se tambm no Ensino

    Superior, uma vez que, como dito anteriormente, h uma certa regularidade em

    relao ao gnero e as escolhas profissionais.

    No que se refere escola enquanto espao profissional preciso considerar aindaque essa viveu historicamente uma interessante inverso relacionada ao sexo de

    seu corpo docente. O ensino que em seus primrdios era uma funo

    exclusivamente masculina (somente os homens detinham o conhecimento),

    paulatinamente vai se tornando um campo de trabalho e formao prioritariamente

    feminino.

    Tal processo, conhecido historicamente como feminizao do magistrio tem sidoprogressivamente mais estudado. De acordo com De S e Rosa (2004) alguns dos

    mais importantes historiadores do Brasil e do mundo tem se mobilizado e produzido

    anlises sobre o tema que vo alm da descrio histrica, apresentando tambm

    um interessante cunho sociolgico.

    A partir da dcada de 1860, h um rpido crescimento do nmero de mulheres no

    magistrio. Tal processo se estende desse perodo ao incio do sculo XX. Faria

    Filho e Macedo (2004) apontam que a ideia de que as mulheres eram mais

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    competentes que os homens para o exerccio da profisso docente foi sendo

    construda aos poucos e que j ao final dos anos 30 possvel perceber em

    contrapartida, a construo da noo de incompetncia dos homens em relao ao

    magistrio.

    De S e Rosa (2004) demonstram, que mesmo depois de mais de cem anos da

    evaso da profisso docente pelos homens, esse fenmeno vem sendo explicado

    pelas pesquisas em geral, devido ao desprestgio da profisso e aos baixos salrios

    que aos poucos foram se tornando caractersticos desse ofcio. No entanto, no h,

    de acordo com essas pesquisadoras, um nico trabalho que enfoque

    especificamente a questo da presena masculina no magistrio primrio referente aesse perodo da feminizao dessa profisso.

    Faria Filho e Macedo (2004) tambm assinalam a necessidade de se estudar no s

    o processo de feminizao, mas tambm o processo de desmasculinizao do

    magistrio. O que diziam esses homens sobre tal processo? O que a legislao

    apontava e o que estava envolvido nessa outra faceta do mesmo processo? Assim,

    nas palavras dos autores:

    O fato de os homens terem deixado de entrar no a mesma coisaque dizer que eles saram. Afirmar isso significa que, talvez, devamospesquisar as causas da desmasculinizao do magistrio tanto emrazes externas a escola e ao aparelho escolar quanto ao incrementodo processo de escolarizao e nas transformaes pelas quaispassava a prpria instituio escola. O justo equilbrio entre osprocessos internos e externos ao processo de escolarizao e cultura escolar parece ser um caminho fecundo para responder squestes que temos elaborado a respeito da feminizao domagistrio em Minas Gerais e no Brasil. (p.2)

    Diante dessa discusso sobre a desmasculinizao do magistrio, outra questo

    que se coloca, e que se relaciona diretamente com nosso objeto de pesquisa a

    seguinte: o que levaria um homem hoje, aps todo esse processo de feminizao do

    magistrio, especialmente das sries iniciais, a escolher a educao bsica como

    campo de trabalho e como curso superior a Pedagogia? Que viso eles tm sobre

    esse processo? Que expectativas constroem em relao ao curso e ao seu futuro

    profissional?

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    Essas questes precisam ser pensadas a partir do que est no centro da noo de

    gnero. Sobre esse aspecto, Alves e Soares (2001) enfatizam que o gnero envolve

    expectativas socialmente definidas. Ao menino so permitidas coisas que so

    vetadas s meninas e vice-versa e tanto a famlia quanto a sociedade mais ampla

    educam as crianas de acordo com o seu sexo biolgico, relacionando-o com o que

    a sociedade entende como masculino e feminino. No se trata como aponta Vianna

    (2001, p. 90):

    De afirmar que sempre foi assim ou que inerente nossa natureza.Trata-se, sim, de afirmar que as expresses da masculinidade e dafeminilidade so historicamente construdas e referem-se aossmbolos culturalmente disponveis em uma dada organizao social.

    Desse modo, o esquema binrio homem/mulher cria e cristaliza concepes do que

    so atribuies e caractersticas femininas (dceis, relacionais e afetivas) e

    masculinas (agressivos, militaristas e racionais) que dificultam as percepes de

    outras maneiras de se viver e de se estabelecer as relaes sociais.

    Helena Hirata (2002) em seus estudos sobre a sociologia do trabalho aponta, de

    forma bastante ampla e densa, a existncia de expectativas distintas para homens e

    mulheres em relao as mais diferentes ocupaes do mercado de trabalho. Tais

    diferenas, que segundo a autora possuem um cunho social, so fortemente

    marcadas por questes que envolvem o iderio da feminilidade e da virilidade.

    Na obra de Bourdieu, essa tendncia de que as mulheres se inclinem pelas Letras

    (rea de humanas) e pelas reas de formao docente, e os homens para a rea de

    exatas, tem sua explicao pautada naquilo que o autor chama de A dominao

    masculina. Para esse autor, no s a diviso do trabalho entre os sexos, como toda

    a sociedade est organizada de acordo com parmetros masculinos e so esses

    parmetros que determinam essas permanncias ou as eventuais mudanas nessa

    ordem social (e sexual) dos fatos. Entretanto, como esses parmetros esto nos

    pilares de fundao de nossa sociedade h uma tendncia de que esses

    mecanismos de dominao no sejam observados e que passemos a entend-los

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    como mecanismos naturais, num processo que ele chama de transformao da

    histria em natureza e do arbitrrio cultural em natural.

    A dominao masculina um tipo de violncia simblica, suave, insensvel e

    invisvel a quem a est sofrendo. Ela se exerce em vrias instncias e das formas

    mais sutis, como atravs do falar, de um estilo de vida, dos gostos e das

    preferncias, num processo no qual essa dominao continuamente legitimada

    pelas prticas que ela mesma determina (BOURDIEU, 1999).

    Para Bourdieu (1999, p.33) as relaes sociais se exercem a partir da topologia

    sexual do corpo, de seus movimentos e deslocamentos, sendo dessa formaimediatamente revestidos de significao social o movimento para o alto sendo,

    por exemplo, associado ao masculino, como a ereo ou a posio superior no ato

    sexual reafirmaria continuamente a soberania masculina.. Assim, para esse autor,

    no o falo que embasa essa viso de mundo e sim essa viso de mundo que

    institui o falo como ponto de honra e virilidade. No so as necessidades de

    reproduo biolgicas que determinam a organizao simblica da diviso social do

    trabalho, a construo arbitrria do biolgico e do corpo que d um fundamentoaparentemente natural viso androcntrica da diviso sexual do trabalho e a partir

    da de toda a organizao social. Nas palavras do autor ela legitima uma relao de

    dominao inscrevendo-a em uma ordem biolgica que , por sua vez, ela prpria

    uma construo social naturalizada. (p. 53)

    Vivemos num mundo sexualmente hierarquizado. As expectativas coletivas e

    sociais, principalmente no que se refere a ser homem ou mulher, no que se deve ouno fazer, no que natural ou impensvel, no que normal ou absurdo, nada tm

    de abstrato. Elas esto inscritas em todas as instncias sociais. Da mesma forma

    como as mulheres so submetidas a todo um trabalho de socializao que tende a

    diminu-las e a pression-las a buscarem desenvolver valores como a renncia, a

    pacincia e o silncio. Os homens, por sua vez, tambm so prisioneiros e, sem

    perceberem, vtimas dessa mesma representao dominante.

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    No caso do trabalho, Bourdieu (1999) aponta que a lgica essencialmente social que

    chamamos de vocao tem como efeito fazer um encontro harmonioso entre as

    disposies sociais e a dominao simblica presente na estrutura social. assim

    que as tarefas de subordinao so destinadas s mulheres, atribudas como

    virtudes de gentileza e docilidade. Para esse autor, as vocaes so sempre uma

    antecipao daquilo que se pode ser, e chama ateno para o fato de que o mundo

    do trabalho est repleto de grupos profissionais que funcionam como quase famlias,

    onde h um chefe (homem) que exerce sua funo paternalista a um pessoal

    subalterno, principalmente feminino (secretrias, enfermeiras, assistentes...).

    Ainda em relao ao trabalho, torna-se nesse sentido interessante observar como sedo as excees a essa regra, a essa lgica previamente estabelecida do que

    permitido aos homens e do que do mbito do feminino. Pereira (2008), em sua

    pesquisa sobre os homens na Enfermagem, que tambm um curso

    majoritariamente frequentado por mulheres, demonstra que no interior dessa

    profisso, as relaes hierrquicas entre os gneros parecem permanecer. Em seu

    estudo ele percebeu que os homens tm uma maior tendncia a ocupar os cargos

    de liderana, uma lgica pautada nos mesmos pressupostos sociais de poder,racionalidade e conhecimento cientfico, em detrimento aos elementos de fragilidade

    e docilidade atribudos s mulheres. Outra aluso ao gnero apresentada por esse

    autor refere-se as preferncias existentes pelos campos internos da Enfermagem.

    Os homens no so bem vistos para exercerem o trabalho na rea ginecolgica, por

    exemplo, ao contrrio do que acontece na rea da Ortopedia na qual os mesmos,

    devido ao constante uso da fora fsica, so bem vistos.

    Nesse mesmo sentido, Cardoso (2004) em sua pesquisa Identidades de

    professores homens na docncia com crianas: homens fora do lugar? ressalta que

    os homens estudados por ele dizem no entender o magistrio como uma profisso

    feminina, ao contrrio, eles reforam a importncia de que essa profisso seja mais

    ocupada pelos homens, numa referncia a superioridade do masculino em

    detrimento do feminino, j que acreditam que so melhores que as mulheres no trato

    com os estudantes, principalmente no que diz respeito a construo da autonomia

    dos mesmos. Tambm interessante observar que os professores investigados

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    referem-se a si prprios como mais racionais e objetivos e, em contrapartida,

    referem-se s mulheres professoras como sentimentais, numa clara meno aos

    papis sociais aqui discutidos.

    Cabe ainda ressaltar que assim como Pereira (2008), Cardoso (2004) conclui que h

    certas reas, como a alfabetizao que so evitadas pelos homens, assim como

    existem aquelas como, por exemplo, as aulas de educao fsica ou motricidade que

    so preferidas por eles. Tambm nesse trabalho, Cardoso aponta para a tendncia

    dos homens a se dirigirem para as funes administrativas, que so aquelas nas

    quais, segundo o autor, existem mais controle e poder.

    Como se pode observar, as expectativas sociais em relao ao gnero e a

    dominao masculina parecem estar to impregnadas que mesmo nos casos em

    que esses preceitos poderiam ser superados, como no caso das profisses que so

    ocupadas majoritariamente por mulheres, a superioridade do homem parece

    sobressair.

    Nesse sentido, o que dizer sobre a escolha profissional realizada pelos homens aquiinvestigados por um curso tido como feminino, diante de todo esse imaginrio

    social que os envolvem? O que levaria esses estudantes a se desvencilhar das

    expectativas objetivas, como apontado por Bourdieu, e a escolher um curso que

    carrega a marca da delicadeza e do cuidado? Como o desejo por esse curso surgiu?

    Houve algum tipo de resistncia ou preconceito em seu meio social quanto a essa

    escolha? Estaria a dimenso do gosto pela profisso (como apontado por

    NOGUEIRA e PEREIRA 2010) presente na escolha do curso superior que realizam?Sero essas as questes investigadas neste estudo.

    1.3O curso de Pedagogia e seus estudantes

    Em relao ao curso superior em geral, em Los Herederos: los estudiantes e la

    cultura Bourdieu em conjunto com Jean-claude Passeron, j mostrava de forma

    clara que as diferentes camadas sociais so representadas nessa modalidade de

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    ensino de forma diferenciada, sendo as categorias mais representadas na educao

    superior aquelas menos representadas dentro da populao em geral.

    Um clculo aproximativo de las posibilidades de aceder a launiversidad segn la profesin del padre hace aparecer que vandesde menos de una posibilidad entre cien para los hijos de losassalariados agrcolas a cerca de 70 para los hijos de industriales y ams de 80 para quienes provienen de famlias donde ejercenprofesiones liberales. (p.13)

    Seguindo essa lgica do acesso diferenciado e desigual ao ensino superior,

    possvel abalizar que, desse mesmo modo, determinados cursos parecem ter uma

    maior tendncia a atrair determinado pblico. Assim, no que se refere ao curso dePedagogia, de acordo com as pesquisas sobre o tema, este costuma ser

    frequentado majoritariamente, pelos indivduos das camadas populares.

    Nesse sentido, Nascimento, Souza e Ferreira (2011, p.12), em uma pesquisa sobre

    a escolha do curso de Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco,

    observaram que os discentes deste curso, em sua maioria, provm de famlias de

    baixo capital cultural, sendo o estudante, na maioria das vezes o primeiro membro

    da famlia a alcanar os estudos superiores.

    Sobre esse mesmo aspecto, Gatti e Barreto (2009), em uma pesquisa de mbito

    nacional sobre os Professores do Brasil, apontam que os pais e as mes dos alunos

    de Pedagogia so sistematicamente menos escolarizados que os pais dos

    estudantes dos demais cursos, sendo que mais da metade dos pais desses

    estudantes possuem somente at a 4. srie e 10% deles so analfabetos.

    No que se refere ao curso de Pedagogia da FaE/UFMG, esses mesmos dados

    podem ser observados, uma vez que os estudantes matriculados apresentam perfil

    social e escolar significativamente mais baixo que a mdia dos estudantes da

    UFMG. Os dados do Censo da universidade mostram, por exemplo, que, em 2006,

    enquanto 41,2% das mes dos alunos da UFMG possuam formao superior, esse

    percentual era de 11,9 % entre aquelas cujos filhos cursavam Pedagogia diurno e

    7,2% entre as dos alunos noturnos.

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    De acordo com Bourdieu (2010), as desvantagens vinculadas origem social tm

    consequncias mais marcadas e mais evidentes porque se manifestam ao mesmo

    tempo, pela eliminao pura e simples dos jovens dessas camadas e pela restrio

    das escolhas das carreiras disponveis, entre os que conseguem escapar dessa

    eliminao. Assim nas palavras do autor:

    Hay um 35% de possibilidades de que los hijos e hijas de los sectoresaltos cursen estdios de derecho, de medicina o de farmcia,porcentaje que se reduce al 23,9% para los hijos e hijas de lossectores medios, al 17,3% para los hijos e hijas de los obreiros e a15,3% para los hijos e hijas de los assalariados rurales. (p.21)

    Nesse sentido, Tendi (2005, p.47) em seu trabalho sobre La condicon docente;uma pesquisa realizada em quatro pases da Amrica do Sul, a saber: Argentina,

    Brasil, Peru e Uruguai aponta que:

    A excepcin de Brasil, la gran mayora de los docentes nacieron y sedesarrollaron en hogares con capital educativo medio y alto; en esepas, por el contrario, la mayora de los docentes son hijos de padrescon bajo grado de escolaridad (6 aos o menos).

    Ainda sobre a origem social dos estudantes de Pedagogia Saraiva e Ferenc (2010)

    em sua pesquisa sobre a escolha profissional do curso de Pedagogia por estudantes

    de uma instituio pblica de ensino, que segundo as autoras, localizava-se na Zona

    da Mata mineira, demonstram que se pode identificar que os discentes do curso de

    Pedagogia so oriundos da classe mdia e mdia baixa.

    Reis (2011), em sua pesquisa com estudantes de Pedagogia de cinco instituies

    situadas na cidade do Rio de Janeiro, tambm aponta que 41% dos estudantes de

    Pedagogia podem ser identificados como pertencentes a classe mdia baixa (com

    renda familiar entre 5 e 10 salrios mnimos) e 38% pertencem aos setores de baixa

    renda, cujas famlias recebem, de trs a cinco salrios mnimos.

    Segundo Gatti e Barreto (2009), apenas 26,2% dos estudantes de Pedagogia no

    trabalham e so inteiramente custeados pela famlia e em grande parte apresentam

    uma renda familiar de ate trs salrios mnimos (39,2%). Sobre esse aspecto

    Saraiva e Ferenc (2010) apontam que a maioria dos discentes (85%) dedicava-se a

    outras profisses, tais como: agente comunitrio de sade; cozinheira de penso;

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    recepcionista; telemarketing; balconista; auxiliar de escritrio de contabilidade;

    comrcio; entre outros. Essas mesmas autoras demonstram ainda que importante

    ressaltar que, em sua maioria, tratam-se de atividades profissionais de baixo

    prestgio social, cuja remunerao varia entre um e trs salrios mnimos; o que

    pode indicar uma correlao entre a origem da classe social dos discentes e as

    possibilidades limitadas de acesso a atividades profissionais de elevado prestgio

    social.

    Sobre a idade dos discentes de Pedagogia, Gatti e Barreto (2009) abalizam ainda

    que esses estudantes so mais velhos; apenas 35% esto na faixa ideal. Sobre

    essa mesma varivel Saraiva e Ferenc (2010) tambm encontraram que apenas40% dos estudantes de Pedagogia do universo estudado tm entre 20 ou 21 anos, o

    que indica um ingresso mais imediato no curso.

    Para Bourdieu, o atraso tambm outra manifestao da desigualdade dos

    estudantes das classes mais desfavorecidas, que pode ser observado em todos os

    nveis dos cursos. A idade modal, que aquela idade mais frequente para

    determinado nvel de ensino, mais baixa entre os grupos de maior capital e tende acrescer quando tratamos das classes menos favorecidas.

    Outro dado recorrente nas pesquisas a facilidade de acesso a esse curso. O curso

    de Pedagogia est entre os cursos que tem a menor mdia percentual para a

    aprovao no vestibular. Brito (2007) em sua anlise dos dados do ENADE 2005,

    parece reforar esses dados ao descrever que tanto em relao aos ingressantes,

    quanto em relao aos concluintes, o curso de Pedagogia o que apresentou o

    resultado mais baixo neste exame, tanto nas provas objetivas, quanto nas questes

    discursivas.

    Assim, apesar de, como afirma Reis (2011), no ser possvel definir um perfil-tpico,

    nico, representativo dos (as) estudantes desse curso, os dados acumulados sobre

    o tema sinalizam que as escolhasdos discentes no foram determinadas apenas

    por aspiraes pessoais, mas, sobretudo, por condicionantes econmicos e sociais.

    Nascimento, Souza e Ferreira (2011, p.18).

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    Outra caracterstica do curso de Pedagogia a frequncia das mulheres. Sobre

    esse aspecto Tendi (2005, p.31) relata:

    La docencia, en todos los casos analizados, es un oficio en el queprevalecen significativamente las mujeres. La Argentina tiene la fuerzade trabajo docente ms feminizada (84,7%), mientras que Per, dondela presencia de las mujeres sigue siendo dominante, registra elporcentaje comparativamente ms alto de varones (37,5%).

    En el nivel primario, salvo en Per, la proporcin de mujeres es igual osuperior al 90%.

    Em relao ao gnero Gatti e Barreto (2009) confirmam os dados de Tendi ao

    apontar que a mdia de mulheres matriculadas no curso de Pedagogia de 92,5%,

    ou seja, os homens so apenas 7,5% desse universo. A atuao dos homens na

    docncia variaria, no entanto, conforme o nvel de ensino:

    No que tange ao sexo do grupo, como de conhecimento, a categoriados professores majoritariamente feminina (segundo a Pnad 2006,83,1% versus 16,9% do sexo masculino), apresentando algumasvariaes internas conforme o nvel de ensino. assim que a quasetotalidade dos docentes na educao infantil (98%) de mulheres,prosseguindo com uma taxa de 88,3% no ensino fundamental comoum todo e atingindo a 93% entre os professores de 1. a 4. srie comformao de nvel superior... (p. 24)

    Vidal (1998) assinala que j nos anos 30, no Rio de Janeiro, a matrcula de rapazes

    para o exame de admisso a escola secundria, que era realizada por quem queria

    ingressar na escola de professores era de apenas 10%. Sobre esse mesmo aspecto

    Mota (1994) traz uma inquietante fala de Afrnio Peixoto, Diretor Geral da Instruo

    Pblica na poca, sobre a frequncia masculina ao curso de formao deprofessores:

    O homem professor primrio uma aberrao... [...] Diretor deInstruo que fui, nunca considerei sem desdm, os raros rapazes quese matriculam nas escolas normais. So falidos, que antecipadamentecapitularam diante da vida, num pais em que as utilidades masculinasoferecem compensaes msculas. As mulheres que aspiram omagistrio no, so o escol do sexo. (Afrnio Peixoto apud Mota et al.,1994. p. 175)

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    Alm da questo de gnero, outra dimenso que se abre em torno dessa escolha

    improvvel dos homens pela Pedagogia exatamente aquela relacionada ao

    reconhecimento, prestgio e a rentabilidade da profisso. (SKEITON, 1991, apud

    CARVALHO, 1998), salienta que nas sociedades ocidentais, no modelo hegemnico

    de masculinidade, o trabalho remunerado aparece como destaque na percepo que

    os homens tm de si mesmos e seu sucesso profissional serve como medida no

    julgamento que fazem de si mesmos e de outros homens.

    O prestgio e a rentabilidade da profisso tambm so alguns elementos a serem

    considerados ao se discutir a atratividade da carreira docente. Gatti, Nunes e

    Almeida (2010) demonstram a existncia de grandes contrastes na viso dos jovenssobre o tema. Ao mesmo tempo em que eles conferem ao professor um lugar nobre

    e de relevncia, os estudantes pesquisados tambm apontam que essa uma

    profisso desvalorizada social e financeiramente. Esses autores tambm

    assinalavam o quanto frequente no discurso dos entrevistados a referncia

    questo do dom e da vocao. Essa mesma observao encontrada em

    Barreto (2010). Como discutido no item anterior e em referncia aos citados autores

    sabido que esse imaginrio social da vocao est relacionado s supostashabilidades da mulher e a feminizao do magistrio. O que certamente contribui

    para a improbabilidade da escolha desse curso por indivduos do sexo masculino,

    uma vez que, como aponta Welzer-Lang (2001) para ser um (verdadeiro) homem, os

    indivduos do sexo masculino devem combater os aspectos que poderiam faz-los

    serem associados s mulheres.

    Por outro lado, Gatti e Barreto (2009) chamam a ateno para alto ndice deestudantes (65,1%) do curso de Pedagogia que apontaram a vontade de ser

    professor como principal motivo da escolha. Sobre esse mesmo aspecto, Saraiva e

    Ferenc (2010, p.9) ressaltam o desejo de lecionar e a influncia da famlia como

    elementos importantes da escolha do curso, citando inclusive a fala de um

    colaborador da pesquisa que afirma ter sido sua escolha diretamente influenciada

    pelos membros de sua famlia, j que muitos eram da rea de educao e

    aprovaram sua opo.

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    H ainda um interessante trabalho de Brembeck (1977 p. 249) que buscara

    compreender La decision de ensear. Neste estudo Brembeck demarca que alm

    da influncia da famlia, h tambm uma predominncia da influncia dos

    professores na escolha em ser professor. Em seu trabalho o autor ressalta a

    seguinte fala de um estudante entrevistado: Cuando estava en la escuela me hice

    muy amigo de una de mis maestras. Me pareca la persona ms agradable que

    haba conocido em mi vida y posea todos los atributos que espero tener algn da.

    s por eso que eleg la enseanza..

    Em termos gerais, Brembeck demonstra que os estudantes que fazem a opo por

    serem professores, em sua maioria, o fazem por uma grande identificao com estecampo. Exemplificando essa afirmativa, o autor aponta que a imagem do professor

    como algum culto, humano e com esprito de liderana, mais comum entre os que

    desejam seguir essa carreira. Em contrapartida, entre aqueles que no manifestam

    esse desejo, a viso em relao aos professores possui um carter mais mecnico

    e prtico. Outro ponto ressaltado por esse autor que a deciso de ensinar

    tambm est frequentemente relacionada s experincias positivas que esses

    estudantes tiveram mais cedo, seja em situaes de acampamento, igreja,comunidade ou na prpria escola.

    Palazzo e Gomes (2012) abalizam que historicamente a profisso docente gozava

    de um maior prestgio social, que segundo os autores foi sendo perdido quando o

    papel tradicional dos docentes foi alterado. De acordo com esses autores os valores

    que se sobressaiam inicialmente eram os valores intelectuais e humansticos e que

    hoje, ao contrrio, prevalecem os valores economicistas e individualistas. nessesentido que atualmente as profisses mais valorizadas so justamente aquelas que

    esto associadas ao recebimento de altos salrios.

    Mais uma vez, as questes que orientam esta pesquisa reaparecem: Qual seria a

    relao desses homens que escolhem o curso de Pedagogia com a carreira

    docente? Existiria neles o desejo de ser professor ou de atuar na rea de educao?

    Quais os fatores sociolgicos (renda, relaes sociais, entre outros) estariam

    influenciando essa escolha estatisticamente improvvel? O que levaria esses

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    homens a decidirem, diante das expectativas sociais masculinas (do homem viril e

    mantenedor) e de todo um esteretipo de um curso tipicamente feminino, e que,

    alm disso, apresenta baixo prestgio social, a optarem pelo curso de Pedagogia e

    no por outro curso qualquer? Que expectativas de futuro eles tem e em que medida

    opinies como a de Afrnio Peixoto, citada acima, impactariam essa escolha?

    diante de todos esses dados que a questo dessa pesquisa se faz: Homens no

    curso de Pedagogia: quais as razes desse improvvel9?

    1.4Desenho metodolgico da pesquisa

    As estratgias e procedimentos metodolgicos que orientaram esta investigao

    foram as seguintes: aplicao de um questionrio a todos os indivduos do sexo

    masculino matriculados no curso de Pedagogia da UFMG no segundo semestre de

    2011 e no primeiro semestre de 2012; realizao de sete entrevistas

    semiestruturadas com um conjunto de estudantes selecionados; realizao de um

    grupo focal.

    A deciso de investigao de todos os sujeitos que estavam matriculados no curso

    de Pedagogia, independente do perodo que estavam cursando, justifica-se tanto por

    se tratar de um universo reduzido, inferior a 10% dos estudantes do curso, quanto

    pelo interesse de verificar se as avaliaes que os indivduos faziam sobre o curso e

    a docncia mudavam ao longo do tempo. Assim, ao longo desse processo

    investigativo, no momento da triagem dos sujeitos a serem entrevistados, houve

    sempre o cuidado de selecionar indivduos que estivessem matriculados nosdiferentes perodos do curso.

    Em relao ao questionrio, esse foi feito como forma de se ter algumas

    informaes bsicas coletadas de maneira padronizada sobre todos os estudantes e

    ainda para servir como fonte de informaes para se preparar as posteriores

    9

    Essa expresso uma aluso ao ttulo em portugus da obra de Bernard Lahire Sucesso escolar nos meiospopulares: as razes do improvvel, na qual o autor demonstra que existem razes mais complexas do que osimples pertencimento a uma dada categoria macrossociolgica para explicar o sucesso e o fracasso escolar dosestudantes.

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    entrevistas. Para que fosse cumprida essa dupla funo, o tipo de questionrio

    adotado foi o misto, que continha tanto perguntas fechadas, que facilitaram a

    padronizao dos dados, quanto questes abertas, que deram a oportunidade para

    que esses estudantes apresentassem suas opinies sobre os diferentes aspectos

    abordados na pesquisa10.

    No que se refere as entrevistas, essas foram realizadas de forma individualizada e

    de acordo com um roteiro bsico, no qual as indagaes propostas aos

    entrevistados foram, como assinala Gaskell (2004), um convite ao entrevistado para

    falar longamente e com suas prprias palavras sobre os temas apresentados. Tais

    entrevistas buscaram, em alguma medida, reconstruir a rede de relaes sociais naqual o individuo estava inserido no momento da escolha do curso superior, visando

    identificar as principais influncias intervenientes nesse processo. Buscou-se

    tambm, como prope Lahire (1995, 2002, 2004) recuperar e avaliar o passado de

    cada indivduo, a precocidade, intensidade e regularidade de suas experincias de

    socializao e o grau de coerncia existente entre elas, de modo a entender a opo

    social e sociologicamente improvvel pelo curso de Pedagogia.

    Tais entrevistas foram realizadas buscando-se abarcar sujeitos de diferentes perfis

    scioeconomicos e culturais (conforme identificado pelo questionrio) e em

    diferentes momentos do curso (um ano de curso, dois ou trs anos de curso e

    formandos do curso de Pedagogia 2011 e 2012). Houve tambm o cuidado para se

    escolher sujeitos dos diferentes turnos, pois como afirmam Ribeiro e Viana (2006),

    entre os turnos, existem diferenas significativas no perfil social e escolar dos

    estudantes de Pedagogia, sendo que os do turno da manh apresentam uma sriede vantagens sociais e acadmicas. Para a escolha dos sujeitos entrevistados,

    foram respeitados ainda a vontade e disponibilidade desses para colaborarem com a

    pesquisa.

    Quanto ao grupo focal, entre outras questes, essa opo esteve relacionada ao

    fato de que, como aponta Gaskell (2004), essa ser uma metodologia que

    proporciona informaes qualitativas com rapidez. Dentro dos limites de uma

    10Para elaborao do questionrio foram utilizadas as consideraes de Babbie (2003).

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    Dissertao de Mestrado, seria impossvel realizar entrevistas em profundidade com

    todos os sujeitos matriculados. Assim, aos sujeitos que no participaram das

    entrevistas fez-se o convite para que participassem de um grupo focal no qual foram

    investigados os pontos de vista e a opinio dos sujeitos relativas escolha da

    Pedagogia e influncia do gnero nesse processo. Esta deciso est em

    consonncia com o apontamento de Gatti (2005) de que o grupo focal pode ser

    muito til para compreender os porqus de determinadas posies, os fatores que

    as influenciam e as motivaes que subsidiam as opes. Ainda segundo Gatti

    (2005), o grupo focal um grupo de discusso informal, que tem como pano de

    fundo um roteiro semiestruturado e que pode ter como desencadeador da discusso

    o uso de algumas mdias, como por exemplo, fotografias e gravuras representandoprofisses masculinas, profisses femininas e a profisso docente. O facilitador

    do grupo deve tomar o cuidado de no emitir posicionamentos e julgamentos,

    devendo ainda, facilitar as trocas e as discusses entre os participantes, procurando

    sempre manter os objetivos do trabalho em foco.

    Assim, esse estudo props uma articulao entre as metodologias de pesquisa

    quantitativa (aplicao de questionrio), para obter-se o perfil dos estudantes dePedagogia do sexo masculino, e qualitativa (entrevistas semiestruturadas e grupo

    focal), para se investigar as razes pelas quais tais sujeitos escolheram a Pedagogia

    como formao acadmica superior e particularmente, a influncia do gnero em

    seu processo de tomada de deciso.

    Cabe finalmente salientar, que a definio dos homens na Pedagogia como objeto

    de estudo, justifica-se principalmente pelo fato de ser a escolha desse curso porhomens estatisticamente improvvel, o que se configura num caso propcio para a

    discusso do gnero na escolha do curso superior, uma vez que, a partir da

    exceo regra, as presses sociais podem se revelar de maneira mais clara.

    Outro fator que torna importante esse estudo refere-se s caractersticas guardadas

    historicamente pelo curso de Pedagogia e pela profisso docente; ofcio que viveu

    um interessante processo histrico, j discutido, de inverso da predominncia de

    gnero. Inicialmente era uma profisso masculina e atualmente um curso

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    frequentado majoritariamente por indivduos do sexo feminino. Isso deixa claro que

    no h uma relao natural entre o ofcio e o gnero feminino.

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    CAPTULO 2ANLISE DOS QUESTIONRIOS

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    2APRESENTAO E ANLISE DOS DADOS DO QUESTIONRIO

    Foram aplicados trinta e trs questionrios a alunos de todos os perodos e dos dois

    turnos do curso de Pedagogia da UFMG. O objetivo era encontrar todos os sujeitos

    matriculados no curso no segundo semestre de 2011 e no primeiro semestre 2012.

    Gatti e Barreto (2009) apontam que a mdia nacional de homens matriculados na

    Pedagogia de 7%. Na FaE/UFMG, de acordo com os dados fornecidos pelo

    colegiado, esse percentual tem variado, nos ltimos dez anos, entre 5 e 8%. Na

    poca em que a pesquisa foi realizada foram encontrados trinta e trs homens, o

    que significa uma mdia de 6% dos matriculados11.

    O questionrio estava dividido em duas partes: uma fechada e outra aberta. Os itens

    investigados estavam relacionados ao perfil social dos sujeitos e seus familiares,

    trajetria escolar dos estudantes, aos contatos com o campo de Educao

    anteriores entrada no curso, ao processo de escolha do curso propriamente dito e

    a influncia do gnero nesse processo.

    2.1Anlise das questes fechadas do questionrio

    2.1.1Perfil social dos sujeitos e seus familiares

    Nesta seo, sero analisadas algumas variveis tradicionalmente consideradas

    pela Sociologia da Educao quando se busca a caracterizao dos sujeitos

    pesquisados. Considerar-se- nesse item os dados do questionrio relacionados ao

    capital cultural e econmico dos sujeitos

    Escolaridade dos pais

    A escolaridade dos pais, em conjunto com o tipo de trabalho por eles realizados, so

    um dos maiores indicadores de pertencimento social que podemos observar. Os

    dados coletados sobre esse item foram:

    11O nmero pequeno de questionrios inviabiliza uma anlise estatisticamente mais significativa. Os dados doquestionrio sero, portanto utilizados apenas de maneira exploratria, visando identificar alguns traos maismarcantes da populao estudada.

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    Tabela 1Escolaridade dos pais12

    Escolaridade Mes % Pais %

    nunca foi a escola 2 6,06% 1 3.03%

    ensino fundamental incompleto 10 30,30% 10 30,30%ensino fundamental completo 6 18,18% 7 21,21%

    ensino mdio incompleto - - - -

    ensino mdio completo 6 18,18% 7 21,21%

    ensino superior incompleto 1 3,03% - -

    ensino superior completo 6 18,18% 4 12,12%

    mestrado ou doutorado 1 3,03% - -

    no tenho informao 1 3,03% 4 12,12%

    Em relao s informaes apresentadas acima, chama ateno em primeiro lugar,

    o baixo ndice de escolaridade dos pais: a maioria dos pais dos estudantes estudou

    at o Ensino fundamentaldezoito pais e dezoito mes. Sete pais e seis mes tm

    o Ensino Mdio e apenas quatro pais e sete mes tm Ensino Superior, sendo que

    uma das mes possui Ps-graduao em Letras. Chama ateno tambm o fato de

    que h certa equiparao entre pais e mes no que se refere aos nveis mais baixos

    de escolaridade, equiparao essa que no pode ser constatada nos nveis mais

    altos, onde as mes tem um maior acesso aos estudos superiores.

    Conforme observava Nogueira (2006), o Censo 2006 da UFMG indicava que 9,5%

    das mes dos estudantes da FaE/UFMG possuam curso superior, enquanto que a

    mdia das mes com curso superior da UFMG em geral era de 41,2%. Como mostra

    o quadro acima, os dados demonstram que 24,24% dos homens da FaE tm mescom curso superior. Esse dado pode sugerir que as famlias desses estudantes

    apresentam um perfil mais elevado do que aquele dos estudantes de Pedagogia em

    geral13.

    12A tabela est ordenada em ordem alfabtica: Mes e Pais.13

    Sabemos que podem ter havido mudanas no perfil do alunado entre 2006 e 2013. No entanto, como tivemosdificuldade para ter acesso aos dados gerais atualizados sobre os alunos da Pedagogia, utilizaremos, para fins decomparao, os dados de 2006 apresentados na referida pesquisa.

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    Em relao a esse item cabe ainda apontar os cursos de formao dos pais dos

    estudantes: entre os pais com curso superior tm-se duas profisses bastante

    valorizadas socialmente: trs formados em Direito e um formado em Odontologia.

    Entre as mes com Ensino Superior temos os cursos de Gesto Pblica,

    Administrao, Geografia, Letras, Pedagogia e Normal superior, alm de uma me

    com Ps-graduao em Letras.

    Os dados sobre o curso superior dos pais so importantes por duas razes. Em

    primeiro lugar, eles podem ser um indicador a mais da origem social dos estudantes

    pesquisados. Em segundo lugar, pretendemos tambm investigar se o fato desses

    sujeitos terem parentes que estudam ou trabalham na rea de Educao, possa tertido alguma influncia sobre a deciso dos estudantes em relao a opo pela

    Pedagogia. Nesse sentido, como veremos posteriormente, consideramos tambm o

    tipo de curso superior frequentado pelos irmos dos estudantes.

    Assim merece destaque o fato de que a grande maioria dos cursos superiores

    frequentados pelos pais ser da rea de humanas, tendo, entre esses, alguns cursos

    ligados a formao de professores, especialmente no caso das mes. Os dadosacumulados pela Sociologia mostram de forma clara que as camadas mais baixas

    da populao, no momento da escolha do curso superior, tendem a procurar os

    cursos da rea de humanas e em especfico os de formao de professores,

    teramos assim indicativo de um perfil relativamente modesto dessas famlias. Alm

    disso, vale considerar que o contato dos sujeitos com pais que fizeram esses cursos

    pode tambm, em algum sentido, ter influenciado suas escolhas.

    Ocupao dos pais

    Neste item, utilizaremos o agrupamento de ocupaes do Manual do Candidato da

    UFMG14como parmetro de anlise. De acordo com o citado Manual, as ocupaes

    do agrupamento um so aquelas pertencentes aos mais altos postos, como

    banqueiro, deputado, senador, alto posto de chefia ou gerncia em grandes

    organizaes e outras ocupaes com caractersticas semelhantes. O agrupamento

    14Tal agrupamento est disponvel na ntegra nos manuais do candidato que so divulgados todos os anos antesda inscrio do vestibular.

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    dois refere-se basicamente as ocupaes de nvel superior. As do agrupamento trs

    quelas de Ensino Mdio. As do agrupamento quatro referem-se a ocupaes de

    nvel bsico, mas que exigem um grau mnimo de aprendizado profissional. As

    ocupaes do agrupamento cinco so aquelas de profisses que no exigem

    qualificao, e por ltimo, o agrupamento seis relativo s pessoas que se declaram

    como do lar.

    O quadro dois, na prxima pgina, apresenta as ocupaes das mes e dos pais

    dos discentes de Pedagogia investigados. Sobre a ocupao das mes revelador

    observar que nove delas (em destaque) exercem ocupaes relacionadas escola e

    a educao em geral, o que, mais uma vez, pode ter influenciado na opo dossujeitos pelo curso de Pedagogia. Sobre a ocupao das mes merece destaque

    tambm o significativo percentual de mes (treze) que foram identificadas pelos

    filhos como Do lar.

    Outra anlise importante nesse aspecto aquela referente questo de gnero. Os

    pais em sua maioria exercem profisses tidas socialmente como masculinas. J no

    caso das mes, essa mesma tendncia em relao ao gnero se mantm: 39,39%das mes no exercem profisses remuneradas e entre aquelas que exercem temos

    em geral profisses como diarista, cabelereira, costureira e em especial, profisses

    relacionadas ao universo escolar.

    Em relao aos pais, um dos itens que mais chama ateno a quantidade de

    falecidos (seis) e aposentados (dez). Entre os pais economicamente ativos, a

    maioria exerce ocupaes de baixo prestgio social. Cabe apontar tambm que notemos nenhum pai que se insere no agrupamento um, ou seja, aquele de maior

    prestgio social. Ainda em relao ocupao dos pais pode-se perceber certa

    equiparao entre o nmero de indivduos que se encontra nos agrupamentos trs,

    quatro e cinco.

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    Quadro 1Ocupao dos pais

    Agrupamento Mes Pais

    2

    Pedagoga Dentistaaposentado

    Professora (2) Advogado (2)sendo 1 falecidoDiretora de escola Normal

    Superior

    Policial Rodovirio Federa/ Advogado

    e Pastor

    Administradora de empresas (2)

    Contabilista

    3

    Scio proprietria de empresa de

    representao comercial

    Scio proprietrio de empresa de

    representao comercial

    Professora rural Servidor pblico federal

    Bibliotecria (2) Funcionrio pblico (Correios)

    Tcnica em contabilidade de

    secretaria de escola

    Funcionrio publico federal (UFMG)/

    atualmente aposentado. Comercio.

    Policial Militar (2)falecidos

    Autnomo/ tcnico agrcola

    Industririoaposentado

    4

    Auxiliar de servios gerais em

    escola

    Representante comercial

    aposentadoCabelereira/manicure Motoristaaposentado

    Costureira (3) Comerciante (2)falecidos

    Vendedoraposentado

    Vigiaaposentado

    Gerentefalecido

    Metalrgico

    Mestre de Obrasaposentado

    Porteiro

    5

    Faxineira/diarista (3) Marceneiro (2)um aposentado

    Pintor

    Garon

    Lavrador/trabalhador rural (2)

    Lustrador

    Serventeaposentado

    6 Do lar (13)

    Desconheo

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    Renda familiar

    Em relao renda, apenas seis estudantes apontaram uma renda familiar abaixo

    de dois salrios mnimos. A maioria, dezesseis, apontaram uma renda entre dois ecinco salrios mnimos. Nove estudantes apontam renda entre cinco e dez salrios e

    dois assinalaram renda acima de dez salrios. interessante perceber que esse

    dado difere muito dos dados do Censo da UFMG de 2006 em que 49,2% dos

    estudantes de Pedagogia apresentavam uma renda inferior a dois salrios e nenhum

    estudante assinalou a opo acima de 10 salrios. No presente estudo fora

    encontrado entres os homens da Pedagogia que somente 18,18% encontram-se

    nessa faixa de menos de dois salrios. A maioria, 48,48% dos estudantes tem renda

    de at cinco salrios e 6,06% deles possuem uma renda superior a dez salrios.

    Tabela 2Renda familiar

    Ocorrncias %

    Menos de 1 salrio 1 3,03%

    De 1 a 2 salrios 5 15,15%

    De 2 a 5 salrios 16 48,48%

    De 5 a 10 salrios 9 27,27%Mais de 10 salrios 2 6.06%

    Os dados sobre renda, em conjunto com a maior escolarizao das mes e a

    significativa insero dessas mes em ocupaes relacionadas ao campo da

    Educao, podem ser um indicativo de que esses homens apresentam um perfil

    diferenciado daquele apresentado pelos estudantes de Pedagogia em geral, ou seja,pelo conjunto de homens e mulheres.

    Quantidade de irmos e posio na fratria

    Conforme a tabela a seguir, apenas dois dos sujeitos dessa pesquisa no tm

    irmos. Dezessete sujeitos, ou seja, 51,51% tm famlias com trs irmos ou mais e

    os outros quatorze sujeitos possuem at dois irmos. Nota-se, assim, que esses

    estudantes provm em geral de famlias relativamente numerosas.

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    Tabela 3Quantidade de irmosIrmos Ocorrncias Faixas

    No tem irmo 2 2

    1 irmo 5 142 irmos 9

    3 irmos 3

    17

    4 irmos 8

    5 irmos 1

    7 irmos 2

    9 irmos 2

    11 irmos 1

    O tamanho da famlia um fator importante para se avaliar a probabilidade de

    sucesso e longevidade escolar, principalmente em se tratando das famlias das

    camadas populares. Sobre isso, Bourdieu (1998a) afirma que possvel fazer um

    clculo muito preciso das esperanas de vida escolar de um sujeito a partir do

    tamanho de sua famlia e da posio que esse sujeito ocupa na fratria.

    Em relao posio na fratria, essa foi muito equilibrada: onze disseram serem

    irmos mais novos, onze apontaram ocuparem a posio intermediria e nove so

    os irmos mais velhos. Dois estudantes no tm irmos. O lugar na fratria um

    importante item considerado pela Sociologia, pois bastante discutido que nas

    classes populares, os irmos mais velhos tm muitas vezes que interromper ou adiar

    seus estudos para se dedicarem ao trabalho e ajudarem no sustento de sua famlia.

    Por outro lado, ser irmo mais novo e, principalmente, ser filho nicosociologicamente muito mais vantajoso, uma vez que todos os investimentos

    podem ser destinados prioritariamente a esses filhos e a longevidade escolar desses

    costuma ser maior15.

    Assim, se esses sujeitos, por um lado, trazem uma forte marca de pertencimento as

    camadas mais populares, pois em geral possuem famlias maiores, por outro lado, a

    posio na fratria, nesse caso, no nos trouxe nenhum indcio mais claro.

    15Para uma discusso mais aprofundada sobre o tamanho da famlia e seu impacto na escolarizao dos filhos,ver, por exemplo, Glria (2008).

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    Irmos com curso superior

    Com relao a esse item, do acesso dos irmos ao Ensino Superior, chama ateno

    o grande nmero de irmos que j cursaram ou esto cursando uma faculdade.Esse dado se torna ainda mais relevante se ponderarmos que entre os que no

    possuem irmos que j ingressaram no Ensino Superior podem estar aqueles

    sujeitos que ainda no esto na idade para o ingresso no mesmo.

    Assim, apenas dez dos nossos estudantes no possuem irmos com curso superior,

    dois no tem irmos e os outros vinte e um sujeitos possuem. Os cursos so

    bastante variados. Separando os cursos por rea temos:

    Quadro 2Curso Superior Irmos16

    Humanas Exatas Biolgicas/Sade

    Direito (11) Administrao (6) Psicologia (3)

    Letras (3) Cincias econmicas (3) Educao Fsica (3)

    Pedagogia (2) Eng. Agronmica (2) Medicina

    Artes (2) Matemtica (2) Enfermagem

    Secretariado Bilngue Tecnlogo de qualidade Cincias BiolgicasAnalista de RH Agrimensura Veterinria

    Jornalismo Produo Multimdia

    Relaes Pblicas

    Historia

    Apesar da maioria dos cursos serem da rea de humanas, aparecem tambm vrioscursos da rea de exatas e biolgicas. Destaque para o curso de Direito (onze

    irmos fazem esse curso), para o curso de Pedagogia (dois irmos) e para os cursos

    de licenciatura em geral (Letras, Histria, Artes, Matemtica, Cincias Biolgicas e

    Educao Fsica) que somados so doze. Destaque tambm para Psicologia (trs)

    que alguns estudantes assinalam como um curso prximo ao curso de Pedagogia,

    16A classificao dos cursos por reas no isenta de ambiguidades. Aqui, utilizamos as provas da segundaetapa do vestibular como critrio de classificao para as reas humanas, exatas e biolgicas/sade.

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    sendo inclusive apontado por alguns como dvida nos meses que antecederam o

    vestibular.

    Ainda em relao e esse item interessante perceber que se por um lado esses

    estudantes apresentam famlias bastante numerosas, por outro, a