homenagem a josé maria cançado

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BELO HORIZONTE, QUINTA-FEIRA, 17/6/2010 - HOJE EM DIA - [email protected] .2 Copa 2010 SELEÇÃO BRASILEIRA (Horário de Brasília, com cinco horas de diferença) 9h15 Treino no campo da escola Randburg High School, em Johannesburgo EXPOSIÇÃO DE CAMISAS Segue até o dia 1º de julho a exposição de camisas das seleções que jogam na Copa 2010, no shopping Diamond Mall, que fica na Avenida Olegário Maciel, 1.600. BRUNO MORENO REPÓRTER DO CADERNO DE ESPORTES Uma dose de steinhaeger, umas cervejas, uma praça, um bo- teco meia boca. Isso é parte do cenário que constitui o que enten- do como abismo. Ao mesmo tempo, esse foi o dia em que agrade- ci a Tostão por uma ação que eu, até então, desconhecia. Quando conheci José Maria Cançado, com cabelos de moli- nhas, grisalhos, um andar peculiar, eu pouco sabia do mundo. Num dia de 1999, pouco depois de ter começado a trabalhar com ele, em meu primeiro estágio na universidade, me chamou para tomar uma cerveja. Claro, achei ótimo e, de pronto, acei- tei. Lá pelas tantas, resolvi ir ao telefone público, tentar arru- mar um encontro para mais tarde, com a namorada. Naquela época, nem todos tinham celular. Eu até que já me comunicava por meio de um ‘tijolão’, mas a bateria durava muito pouco e, claro, tinha acabado. Voltei, então, à mesa. Olhando para minha cara de decep- ção, ele logo perguntou: - Não deu certo? - Não. - Dá uma sensação de abismo, não é? Claro! Mas como não pensei nisso antes! Ao voltar pra casa, no antigo 4001, mais pra lá do que pra cá, percebi que aquele tinha sido um dia diferente. Mas a conversa poderia ter sido outra, ou mesmo nem ter acontecido. Quem sabe, eu poderia tê-lo entrevistado para o ca- derno de Esportes. Isso porque, quando adolescente, nas catego- rias de base do América, ele era reserva de Tostão, um dos maio- res craques que Minas Gerais já produziu. E foi justamente isso que mudou o rumo de sua vida. Preterido pelo técnico, abando- nou os campos, focou nos estudos, na vida acadêmica, na litera- tura, na docência. Naquele dia, no boteco, em tom de lamento, me disse: - Minha vida poderia ter sido diferente. Poderia ter sido joga- dor de futebol. Eu era bom, mas o problema é que tinha um cara na titularidade. Eu era reserva de Tostão, no América. - Mas aí você não teria escrito seus livros, não estaria dando aulas na universidade. - É, não sei. Acho que teria sido melhor - disse, saudosista. Eu nunca havia conhecido uma pessoa que tivesse convivi- do com um tricampeão mundial. Mas, mesmo sem negar a im- portância de Tostão para o futebol brasileiro, vi nos olhos de Cançado sua frustração por não ter seguido na carreira, talvez ido à Copa, ou mesmo ter sido campeão mineiro por quatro ve- zes ou, ainda, brilhado nos jogos da Copa Libertadores de 1967. Fiquei lá no instituto por sete meses. Seis anos depois, já fora da universidade, li no jornal que o Zé Maria havia passado por um transplante de coração e estava lançando um livro sobre a experiência. Um dia, na Avenida Getúlio Vargas, encontrei com ele. Numa conversa rápida de sinal de trânsito, falamos: - Fiquei sabendo que você passou por maus bocados. Está bem? - Pois é, ‘andei morrendo’. Mas agora estou bem. Quem é que fala assim? Poucos. Ou ninguém, ou só o Zé Ma- ria. Talvez Drummond e Leminski, e ambos fizeram parte de sua vida. Sobre o primeiro, escreveu sua biografia. Já o segundo, parceiro de vodkas. Pouco tempo depois do encontro na avenida, ainda em 2006, Cançado não resistiu ao transplante, e morreu de fato. Abismo. De qualquer forma, muito obrigado Tostão. E-mail - [email protected] .Agenda .Tv No topo do estádio, um brasileiro ABERTA GLOBO e BANDEIRANTES 8h30 Argentina x Coréia do Sul 11h Grécia x Nigéria 15h30 França x México 7h30 Direto da África PAGA ESPN BRASIL e SPORTV 8h30 Argentina x Coréia do Sul 11h Grécia x Nigéria 15h30 França x México ESPN BRASIL 20h30 Argentina X Coréia (VT) SPORTV 13h Troca de Passes 14h SporTV Tá na Área 17h30 Troca de Passes - África 2010 19h SporTV News 19h30 Papo de Torcida 20h Programa SporTV 22h SporTV News MONIRUL BHUIYAN/AFP José Maria Cançado, o reserva de Tostão O torcedor da foto foi ver a vitoriosa estreia do Brasil sobre a Coreia do Norte, na última terça-fei- ra, no estádio Ellis Park, por 2 a 1, e aproveitou para levar uma réplica da “Fifa World Cup”. Sentado em um dos últimos acentos do está- dio, o brasileiro foi fotografado com uma lente gran- de angular, conhecida como ‘olho de peixe’, que dis- torce a imagem e consegue concentrar em um úni- co plano muitos elementos. Restam, pelo menos, duas perguntas. Primei- ro, é se o torcedor levou essa imensa taça na mala, daqui do Brasil, ou se comprou lá. E, depois, se este será o troféu que o Brasil vai conseguir levar pra ca- sa ao final do Mundial.

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Page 1: Homenagem a José Maria Cançado

BELO HORIZONTE, QUINTA-FEIRA, 17/6/2010 - HOJE EM DIA - [email protected]

.2 Copa2010

SELEÇÃO BRASILEIRA(Horário de Brasília, com cinco horasde diferença)

9h15 Treino no campo da escolaRandburg High School, emJohannesburgo

EXPOSIÇÃO DE CAMISASSegue até o dia 1º de julho aexposição de camisas dasseleções que jogam na Copa2010, no shopping DiamondMall, que fica na Avenida OlegárioMaciel, 1.600.

BRUNO MORENOREPÓRTER DO CADERNO DE ESPORTES

Uma dose de steinhaeger, umas cervejas, uma praça, um bo-teco meia boca. Isso é parte do cenário que constitui o que enten-do como abismo. Ao mesmo tempo, esse foi o dia em que agrade-ci a Tostão por uma ação que eu, até então, desconhecia.

Quando conheci José Maria Cançado, com cabelos de moli-nhas, grisalhos, um andar peculiar, eu pouco sabia do mundo.Num dia de 1999, pouco depois de ter começado a trabalharcom ele, em meu primeiro estágio na universidade, me chamoupara tomar uma cerveja. Claro, achei ótimo e, de pronto, acei-tei. Lá pelas tantas, resolvi ir ao telefone público, tentar arru-mar um encontro para mais tarde, com a namorada. Naquelaépoca, nem todos tinham celular. Eu até que já me comunicavapor meio de um ‘tijolão’, mas a bateria durava muito pouco e,claro, tinha acabado.

Voltei, então, à mesa. Olhando para minha cara de decep-ção, ele logo perguntou:

- Não deu certo?- Não.- Dá uma sensação de abismo, não é?Claro! Mas como não pensei nisso antes!Ao voltar pra casa, no antigo 4001, mais pra lá do que pra

cá, percebi que aquele tinha sido um dia diferente.Mas a conversa poderia ter sido outra, ou mesmo nem ter

acontecido. Quem sabe, eu poderia tê-lo entrevistado para o ca-derno de Esportes. Isso porque, quando adolescente, nas catego-rias de base do América, ele era reserva de Tostão, um dos maio-res craques que Minas Gerais já produziu. E foi justamente issoque mudou o rumo de sua vida. Preterido pelo técnico, abando-nou os campos, focou nos estudos, na vida acadêmica, na litera-tura, na docência.

Naquele dia, no boteco, em tom de lamento, me disse:- Minha vida poderia ter sido diferente. Poderia ter sido joga-

dor de futebol. Eu era bom, mas o problema é que tinha um carana titularidade. Eu era reserva de Tostão, no América.

- Mas aí você não teria escrito seus livros, não estaria dandoaulas na universidade.

- É, não sei. Acho que teria sido melhor - disse, saudosista.Eu nunca havia conhecido uma pessoa que tivesse convivi-

do com um tricampeão mundial. Mas, mesmo sem negar a im-portância de Tostão para o futebol brasileiro, vi nos olhos deCançado sua frustração por não ter seguido na carreira, talvezido à Copa, ou mesmo ter sido campeão mineiro por quatro ve-zes ou, ainda, brilhado nos jogos da Copa Libertadores de 1967.

Fiquei lá no instituto por sete meses. Seis anos depois, já forada universidade, li no jornal que o Zé Maria havia passado porum transplante de coração e estava lançando um livro sobre aexperiência. Um dia, na Avenida Getúlio Vargas, encontrei comele. Numa conversa rápida de sinal de trânsito, falamos:

- Fiquei sabendo que você passou por maus bocados. Estábem?

- Pois é, ‘andei morrendo’. Mas agora estou bem.Quem é que fala assim? Poucos. Ou ninguém, ou só o Zé Ma-

ria. Talvez Drummond e Leminski, e ambos fizeram parte desua vida. Sobre o primeiro, escreveu sua biografia. Já o segundo,parceiro de vodkas.

Pouco tempo depois do encontro na avenida, ainda em2006, Cançado não resistiu ao transplante, e morreu de fato.

Abismo.De qualquer forma, muito obrigado Tostão.

E-mail - [email protected]

.Agenda

.Tv

No topo do estádio, um brasileiro

ABERTAGLOBO e BANDEIRANTES8h30 Argentina x Coréia do Sul11h Grécia x Nigéria15h30 França x México7h30 Direto da ÁfricaPAGAESPN BRASIL e SPORTV8h30 Argentina x Coréia do Sul11h Grécia x Nigéria15h30 França x MéxicoESPN BRASIL20h30 Argentina X Coréia (VT)SPORTV13h Troca de Passes14h SporTV Tá na Área17h30 Troca de Passes - África 201019h SporTV News19h30 Papo de Torcida20h Programa SporTV22h SporTV News

MONIRUL BHUIYAN/AFP

José Maria Cançado,o reserva de Tostão

O torcedor da foto foi ver a vitoriosa estreia doBrasil sobre a Coreia do Norte, na última terça-fei-ra, no estádio Ellis Park, por 2 a 1, e aproveitou paralevar uma réplica da “Fifa World Cup”.

Sentado em um dos últimos acentos do está-dio, o brasileiro foi fotografado com uma lente gran-de angular, conhecida como ‘olho de peixe’, que dis-

torce a imagem e consegue concentrar em um úni-co plano muitos elementos.

Restam, pelo menos, duas perguntas. Primei-ro, é se o torcedor levou essa imensa taça na mala,daqui do Brasil, ou se comprou lá. E, depois, se esteserá o troféu que o Brasil vai conseguir levar pra ca-sa ao final do Mundial.