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CURSO DE HISTÓRIA O GRANDE DESVAIRO A visão camoniana sobre o episódio de Inês de Castro Novembro de 2011

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Monografia para obtenção do grau de Bacharel em História, defendida na Universidade Gama Filho, no ano de 2011.

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Page 1: HOFFMANN, Raquel. O Grande Desvairo – a visão camoniana sobre o episódio de Inês de Castro  [monografia]. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 2011

CURSO DE HISTÓRIA

O GRANDE DESVAIRO

A visão camoniana sobre o episódio de Inês de Castro

Novembro de 2011

Page 2: HOFFMANN, Raquel. O Grande Desvairo – a visão camoniana sobre o episódio de Inês de Castro  [monografia]. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 2011

CURSO DE HISTÓRIA

O GRANDE DESVAIRO

A visão camoniana sobre o episódio de Inês de Castro.

Projeto de trabalho de Conclusão de curso,

apresentado ao Curso de História da Universidade

Gama Filho para obtenção do Grau de Bacharelado

em História.

RAQUEL HOFFMANN MONTEIRO

PROFESSOR ORIENTADOR

Profa Dr

a Carolina Coelho Fortes

Rio de Janeiro, Novembro de 2011.

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FICHA CATALOGRÁFICA

HOFFMANN-MONTEIRO, Raquel, O Grande Desvairo – A visão

camoniana sobre o episódio de Inês de Castro. Trabalho de Conclusão do

Curso de Bacharelado em História, Rio de Janeiro, Universidade Gama

Filho, 2011.2

1. Cultura – Península Ibérica; 2. Poder – Península Ibérica; 3.

História de Portugal

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RESUMO

No épico Os Lusíadas, Luís Vaz de Camões se propõe a realizar uma narrativa

da História de Portugal, dos primórdios até a época das Grandes Navegações. O poeta

utiliza a viagem de Vasco da Gama como fio condutor de sua obra, trata de episódios

que julga relevantes para a formação nacional de Portugal, momentos que, em grande

maioria, são relatos de guerras ou então carregam algum grau de belicosidade. Tendo

esta obra como fonte histórica, este trabalho propõe a observar um trecho específico

d'Os Lusíadas que não carrega em si elementos bélicos: o episódio que narra o

assassinato de D. Inês de Castro, ordenado pelo sétimo rei da dinastia de Borgonha, D.

Afonso IV. Apesar de tratar de um assassinato, o trecho do épico que fala sobre este

assunto é bastante lírico e suave em comparação aos outros, repleto de alegorias

mitológicas e outros recursos literários.

Entretanto, a não-belicosidade deste segmento do texto camoniano oculta um

contexto diplomático tenso entre os reinos peninsulares que culminou na morte de Inês

de Castro. A problemática é analisar o cenário político ibérico que levou a dama que era

a preferida do príncipe-herdeiro à morte e como Luís de Camões trata desse assunto em

sua obra.

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ABSTRACT

In the epic poem The Lusiads, Luis Vaz de Camões engages in a narrative about

the History of Portugal, from the beginnings of the Portuguese realm to the time of the

Great Navigations. The poet uses Vasco da Gama's voyage as a leading thread to his

work, dealing with events that he finds relevant to the national history, moments which

are, by large majority, war reports or carry some level of bellicosity. Having Camões'

epic as historical primary source, this study intends to analyze a specific section of The

Lusiads that doesn't carry any war elements within: the episode that tells us the murder

of D. Inês de Castro, commanded by the seventh king of the Burgundy Dynasty, D.

Afonso IV. Although it deals with a murder, the words of the epic that speaks on this

subject are quite lyrical, being full of mythological allegories and other literary

resources, and mild in comparison to the other stories told by Camões.

However, the non-aggressiveness of this segment of the camonian text conceals

a tense diplomatic context between the peninsular kingdoms of Portugal and Castille

that culminated in the death of Inês de Castro. This study's position concerning the

situation above is to analyze the political background that led the Iberian lady -

favourite of the Portuguese Crown Prince - to death and how Luis de Camões addresses

this issue in his work.

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AGRADECIMENTOS

Eu não vou agradecer àquelas queridas pessoas que sabem que a elas eu sou

muito grata. Caminharam comigo, companheiras na agridoce batalha da realização de

um sonho.

Faço, ao invés de simples agradecimentos, um testamento de eterna gratidão:

Solange, por viver cada segundo do sonho comigo, sou grata. Carolina, por

depositar em mim sua fé, sua confiança e amizade e pela parceria que eu espero que seja

duradoura, sou grata. Therezinha, por me ensinar que amor é comprometimento,

comedimento e grande abnegação do próprio eu, sou grata. Diana, pelas inúmeras

epifanias e apoio incondicional, sou grata. Nalu, por trazer luz nos momentos de maior

escuridão, sou grata. Ruy, pelo exemplo de integridade e pelo apoio que talvez nem

saiba que me deu, sou grata. Bruno, pela verde amizade e por ter se tornado um farol na

tempestade, sou grata. A cada amigo que compreendeu - mesmo sem entender direito - a

necessidade que tive de me dedicar inteiramente ao trabalho, sou grata.

E arremessando carapuças às cabeças, quero dizer que, contra todas as

expectativas, eu não fraquejei. E que sou grata por cada obstáculo posto no meu

caminho, por cada dificuldade, por cada escolha que fui obrigada a fazer, por cada

decepção que tive, por cada golpe que levei, por cada ferida, por cada mentira, por cada

palavra negativa, cada gesto de negligência, cada silêncio, cada escárnio. Por cada

mágoa, cada dor, cada lágrima chorada, cada noite perdida, cada falta de ar, cada perda

de chão. Tudo falhou, tudo venci. Estive de joelhos, estive no escuro, estive no vazio

entre os dois trapézios. Só eu sei.

Meu humilde coração não desistiu e, aos poucos, sem esmorecer, eu cheguei

onde queria. E daqui eu vou além. Tenho comigo livros, armas, navios e exércitos. Eu

não ganhei nada. Eu conquistei o meu objetivo, com palavras, com trabalho, com

dedicação. É tudo meu. E a vocês que estiveram comigo, a vocês que não me

abandonaram, com carinho, sou grata.

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DEDICATÓRIA

Ao meu avô, Ruy Hoffmann, o promotor do meu gosto pela leitura. Todos os

meus aniversários ele me presenteia com livros das mais diversas naturezas e temáticas.

Sempre os dedica à sua neta preferida, e uma vez que sou a única, é preciso crer nisto. O

homem que ficou chocado a ponto de passar mal quando eu, aos dois anos de idade,

comecei a ler as placas de rua de Copacabana, os letreiros e os anúncios e profetizou

que eu seria, um dia, uma mulher de letras. Um homem de inteligência afiada e humor

maravilhoso, cujo único defeito é torcer demais para o Flamengo.

Ao meu outro avô, Alípio Monteiro – in memorian – que quando eu tinha sete

anos de idade me apresentou Inês, em toda a crueza de seu discurso, ao alcançar para

mim o livro de História Portuguesa na terceira prateleira muito alta da estante. Eu já lera

todos os livros das prateleiras mais baixas e caminhava então para estradas que iam

além do que se vê. E quando eu não entendi a razão de aquele que eu imaginava ser um

conto de fadas ter terminado de forma tão absurda, disse a ele, chorando a morte da

princesa, que aquela história era muito ruim. Ele me respondeu: “As coisas funcionam

diferente no mundo, Raquel.”

Dedico também este trabalho a mamãe, Solange, que ao longo da minha

graduação foi se desconstruindo conforme eu debatia com ela dúvidas e preocupações

historiográficas, lia os textos que produzia para ela e lhe contava as experiências

acadêmicas. O incentivo materno quase violento que ela promoveu foi o que me

manteve de pé em todos estes anos de estudo árduo, de noites em claro e de promoção

de um vício indelével e uma gastrite – futura úlcera – alimentada por litros e litros de

café.

Por fim, dedico à minha avó, Therezinha Hoffmann, que durante a minha

infância suportou toda a minha rebeldia, minha mente aguda e meus questionamentos

incomuns a uma criança tão pequena. Minha avó me ensinou, sob duras penas, que é

preciso ter paciência e dedicação para se alcançar uma meta, que sonhos não caem do

céu, sendo preciso lutar por eles, caminhar até eles. Minha avó me mostrou, no seu

melhor Dante, que para chegar ao Céu, precisamos passar pelo Inferno e Purgatório

primeiro.

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Moça, olha só o que eu te escrevi.

É preciso força pra sonhar e perceber que a estrada vai além do que se vê.

–“Além do que se vê”, Los Hermanos.

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ÍNDICE

Introdução A Obra do Lusíada 10

Capítulo I História para fazer Literatura, Literatura para fazer História 14

I. Camões: Panorama e Contexto 15

II. Lírica, Literatura e História 18

Capítulo II Os Caminhos Intelectuais Camonianos 22

I. Camões Contraditório: Amor e Neoplatonismo 23

II. Fortuna para Maquiavel, Fortuna para Camões, Fortuna de

Inês

27

Capítulo III Desvairos e Furores 29

I. O Canto de Inês 30

II. Estados de Amor, Razões de Estado 36

III. Da Controvérsia Matrimonial 47

Conclusão Escapando à Lei da Morte 53

Anexo I Árvore Genealógica de Pedro e Inês 57

Anexo II Íntegra do Episódio Inesiano – Os Lusíadas, Canto III, Estrofes

118 a 137

58

Bibliografia 60

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INTRODUÇÃO

A OBRA DO LUSÍADA

As armas e os barões assinalados

Que, da Ocidental praia Lusitana,

Por mares nunca de antes navegados

Passaram ainda além da Taprobana,

Em perigos e guerras esforçados,

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram.

E também as memórias gloriosas

Daqueles Reis que foram dilatando

A Fé, o Império e as terras viciosas

De África e Ásia andaram devastando,

E aqueles que por obras valorosas

Se vão da lei da Morte libertando:

Cantando espalharei por toda parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano

As navegações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandre e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

A quem Netuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo que a Musa antiga canta,

Que outro valor mais alto se levanta.1

Estas são as três primeiras estrofes do épico Os Lusíadas de autoria de Luís Vaz

de Camões. Ao iniciar sua obra, o poeta já nos adianta o tema de seu trabalho: cantar as

proezas do povo lusitano, suas conquistas e lutas no estabelecimento e expansão de seu

império. Ousado, Camões nos diz que seu trabalho terá grandiosidade maior do que

todos os outros épicos antigos, como a Ilíada de Homero e a Eneida de Vírgílio (o

Grego e o Troiano mencionados na terceira estrofe) e que todas as vitórias famosas da

Antiguidade teriam valor menor do que as conquistas lusitanas que canta n’Os

Lusíadas.

Tanto ufanismo é justificado pelo contexto no qual a obra foi produzida, o

momento de ápice do Império Português cuja expansão teve o envolvimento de

Camões.2 À época da elaboração da obra, Portugal já expandira seus domínios para

diversas localidades por todo o território da África, para o Extremo Oriente e para o sul

do então recém-descoberto continente americano. O país fundara colônias por todas

estas áreas, além de feitorias, postos de trocas e variadas formas de comércios de

1 CAMÕES, Luis Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: LP&M, 2009, p. 17-18.

2 Para saber mais sobre o envolvimento de Luís de Camões no processo expansionista lusitano, ver

Capítulo I desta Monografia.

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produtos de extração: ouro, marfim, seda, canela, pimenta, pau-brasil, gemas, escravos

etc. Em meados do século XVI, Portugal era uma terra próspera e poderosa na Europa,

pioneira em viagens ultramarinas e detentora de uma vasta rede comercial.

O início deste movimento de célere expansão deu-se em prol de uma crise de

falta de metais preciosos – ouro e prata – nas finanças européias que resultou numa

necessidade de melhor exploração do ouro do litoral africano3 e numa busca de

alternativas às rotas já existentes de comércio terrestre para as Índias.4 Tais rotas

passavam pelo norte da África, territórios que eram inimigos aos ibéricos e pelos

territórios dominados pelas cidades e principados italianos. A saída era encontrar um

caminho marítimo que levasse os portugueses diretamente ao Oriente sem atravessar

estes territórios já dominados por outros povos, portanto, sem intermediários

comerciais. Ao longo do século XV, Portugal explora o litoral africano nesta

empreitada. Em 1488, Bartolomeu Dias contorna o Cabo da Boa Esperança dando então

início aos experimentos de atingir o litoral asiático através do Oceano Atlântico.5 Este

movimento expansionista atingiu seu objetivo quando Vasco da Gama deixou Belém

em 1498 em busca da rota marítima para as Índias e em 1499 atingiu Calicute, após 309

dias de viagem.6

Já no século XVI, Luís de Camões navegou por esta via, saindo de Portugal para

o serviço do rei em Goa, tendo participado da segurança do litoral de domínio lusitano

por aquelas paragens.7 E, possivelmente, inspirado pelas agruras da viagem e pelas

dificuldades da vida militar na Ásia, começou a escrever sua obra, baseado na jornada

de abertura de rota de Vasco da Gama e todos os perigos que ele e sua tripulação

provavelmente enfrentaram sem saber exatamente o que lhes vinha pelo caminho.

Antônio José Barreiros nos expõe a escolha de Camões por da Gama:

Camões escolheu a história de Portugal para o assunto básico

d’Os Lusíadas. Dado o realismo da matéria, o poema não poderia

deixar de surgir como narração cronológica de factos passados , sem

algum enredo ou interesse. Este inconveniente ladeou-o o Poeta,

tomando como acontecimento central da história lusa a viagem do

descobrimento do caminho marítimo da Índia. Num tempo de acção

3 WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José C. M. Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro:

Nova Fronteira, 2005. 4 SARAIVA, José Hermano. História Concisa de Portugal. Mem Martins: Publicações Europa-

América, 1998, p. 136-137. 5 RUCQUOI, Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Editorial Estampa, 1995,

p. 215. 6 MARQUES, António H. de Oliveira. História de Portugal. Lisboa: Edições Ágora, 1972, p.

314. 7 BARREIROS, António José. História da Literatura Portuguesa. Braga: Pax, 1973. p. 464.

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muito curto (o decorrido nessa viagem desde Moçambique à “Insula

Divina”), relata Camões a história de Portugal pela boca do Gama, de

seu irmão e de seres mitológicos.8

Segundo o mesmo autor, criar uma epopeia seria tarefa difícil:

Não era fácil, porém, criar uma epopeia propriamente dita,

em pleno Renascimento. O espírito mercantil e excessivamente prático

do Humanismo não deixava tempo aos homens para se entreterem a

admirar heróis guerreiros. Dos guerreiros só esperavam que lhes

defendessem as fazendas e o comércio. O heroísmo puro não fazia

então sentido. A mitologia clássica, por outro lado, tinha perdido todo

o seu significado diante da Revelação cristã. Só um gênio como

Camões poderia superar com êxito tamanhas dificuldades.9

Entretanto, nos é claro que, mesmo que o poeta tenha passado dificuldades na

elaboração e na publicação de seu épico, Camões estabeleceu uma síntese narrativa

consistente da história de Portugal até aquele momento utilizando-se da história de

Vasco da Gama como pretexto e como pano de fundo.10

E, além disto, conseguiu o

reconhecimento de quem lhe interessava – e deste uma pensão que lhe permitiu viver

um pouco mais distante da penúria que conheceu ao final da vida – o rei D. Sebastião I,

a quem ele dedica sua obra,11

chamando-o de esperança da Cristandade, terror dos

mouros e soberano de um reino no qual o sol sempre brilhava:

Vós, poderoso Rei cujo alto Império

O Sol, logo em nascendo, vê primeiro

Vê-o também no meio do Hemisfério,

E, quando desce, o deixa derradeiro;

Do torpe Ismaelita cavaleiro,

Do Turco Oriental e do Gentio

Que ainda bebe o licor do santo Rio:

Inclinai por um tempo a majestade,

Que nesse tenro gesto vos contemplo,

Que já se mostra qual na inteira idade,

Quando subindo ireis ao eterno Templo;

Os olhos da real benignidade:

Ponde no chão: vereis um novo exemplo

De amor dos pátrios feitos valorosos,

Em versos devulgado numerosos.12

E este é outro momento em que Camões reitera a temática de sua obra ao pedir

ao rei D. Sebastião I que dedique seu olhar aos escritos feitos em louvor à sua terra e

sua gente. Em ofertório, o poeta diz que pretende divulgar o valor da pátria lusitana.

8 BARREIROS, Op. cit., p. 504-505.

9 Idem. p. 501.

10 Idem. p. 502.

11 Idem. p. 518.

12 CAMÕES, Luis Vaz de. Op. cit., p.19-20.

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Entretanto, ao longo da obra é possível identificar que Camões se restringe às proezas

aristocráticas, das conquistas de reis e príncipes, aos acontecimentos referentes aos

nobres e às casas reais sem dedicar muito mais que um papel secundário a

acontecimentos que não foram diretamente decisivos para o sucesso bélico-político de

Portugal. Além disso, o poeta não dedica destaque ao corpo popular, aos comuns que,

nas raras vezes que se fazem presentes na epopéia camoniana, não são mais que

coadjuvantes.

Tornamos nosso olhar para a segunda estrofe d’Os Lusíadas: Camões nos fala

que cantará por toda a parte os feitos daqueles que, através de empreitadas valorosas se

libertaram da Lei da Morte. Segundo António José Barreiros, a Lei da Morte seria o

esquecimento da história de nossas vidas.13

Conforme o tempo passa depois de nossa

morte, nossas memórias de vida vão sendo esquecidas por nossos descendentes e pelos

descendentes destes. Mas há aqueles que se imortalizam através de suas trajetórias de

vida, libertam-se do esquecimento, escapam da – dita inexorável – Lei da Morte

mantendo-se na memória coletiva social.

Percebendo esta tendência da narrativa camoniana, chegamos ao ponto onde

nosso trabalho toca: a história do assassinato de Inês de Castro, amante castelhana – e

possível esposa – do Infante Pedro de Portugal, filho do rei Afonso IV. Ao longo de

nosso trabalho percorreremos o trajeto de Luís de Camões sobre o episódio inesiano e

considerando que o trecho sobre o assassinato de Inês de Castro não é uma narrativa de

combate aos mouros, conquista de território ou de expansão dos domínios portugueses

em terras distantes, é intrigante que Luís de Camões aja de forma avessa à tendência

vigente na maioria de seu trabalho e em meio a narrativas bélicas, nos conte um drama

romântico.

Podemos perceber através das propostas que o poeta nos apresenta no começo de

suas estrofes que Camões baseou sua narrativa em eventos históricos que considerava

terem participação, direta ou indireta, no processo de estabelecimento do Império

Português. O que nos leva a analisar a inclusão do episódio inesiano n’Os Lusíadas, é a

crença que, ainda que seguindo uma linha narrativa diferente da maioria dos outros

momentos que figuram no poema, Luís de Camões a tenha feito por este fato ter

interferido de alguma forma no processo de formação nacional lusitano. Nosso

propósito neste trabalho é analisar quais os motivos políticos levaram Camões a incluir

13

BARREIROS, Op. cit., p. 508.

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um romance em seu épico ufanista. Através de qual a razão política Camões crê que

Inês de Castro escapara à Lei da Morte?

CAPÍTULO I

HISTÓRIA PARA FAZER LITERATURA, LITERATURA PARA FAZER HISTÓRIA.

Este capítulo está dividido em duas seções que se propõem a estabelecer uma

ambientação inicial ao contexto no qual Luís Vaz de Camões viveu e trabalhou e como

a obra deste célebre autor pode ser utilizada – através da aplicação de métodos de

pesquisa historiográfica – para estudarmos História com base em documentos literários.

Acreditamos que os primeiros passos em nossas análises precisam acontecer

direcionados na compreensão do cenário que propiciou a redação d’Os Lusíadas e as

motivações que levaram Camões a dedicar-se a tão longo trabalho: os antecedentes de

sua vida, os ambientes onde o autor viveu e trabalhou, os movimentos intelectuais

decadentes e vigentes de seu período, assim como valorizações e desvalorizações

culturais, crenças e folclores latentes ou dormentes, suas lealdades e serviços, suas

identificações pessoais, enfim; sua trajetória individual e o curso de suas ações dentro

de sua coletividade – que se refletem no modo como ele escreveu não apenas Os

Lusíadas, mas toda a sua vasta obra poética.

Posteriormente, na segunda parte deste primeiro capítulo, procuramos apontar na

tangente entre a História e a Literatura, os motivos que nos permitem utilizar uma fonte

literária na nossa pesquisa. A razão para a necessidade desta análise é simples já que o

trecho d’Os Lusíadas no qual Luís de Camões fala do assassinato de Inês de Castro é o

documento que nós utilizaremos como fonte histórica para analisarmos determinados

aspectos deste episódio. Para isso é preciso que estabeleçamos pontes entre os dois

campos de conhecimento (Literatura e História) para então partir para a análise da fonte

em si. É partindo deste estudo preliminar sobre as relações e possibilidades do uso

combinado destas duas vertentes do saber que iremos, ao longo dos outros capítulos,

estabelecer pontos de proximidade e distância entre o que diz a obra literária de Camões

e a Historiografia sobre tal fato histórico, seus antecedentes e consequências para a

História da Península Ibérica da Baixa Idade Média, particularmente nos reinos de

Portugal e Castela.

I. CAMÕES: PANORAMA E CONTEXTO

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Século XVI. A Europa Ocidental vivia o auge de um período agitado; o

Feudalismo sofrera um duro golpe e gradualmente se dissolvera, dando espaço para um

novo cenário: aumento demográfico, revitalização das cidades, reaquecimento do

comércio, enfraquecimento da nobreza e fortalecimento das monarquias com a ajuda de

uma classe social emergente, dando assim a largada no processo de formação de alguns

dos Estados Nacionais e do Absolutismo em muitos lugares.14

Este processo fora

desigual no continente europeu e em alguns locais aconteceu de forma mais intensa do

que em outros.15

Tendo isso em mente, pode-se afirmar, entretanto, que foi a partir

dessa grande agitação que o mundo tal como o conhecemos foi tomando forma,

cinzelado aqui e ali por outros tantos processos que foram posteriores a esse momento

particular da História Europeia.

Nesse passo, o pensamento intelectual também mudava: os questionamentos e as

expressões sócio-culturais estavam se tornando progressivamente diferentes do que

eram antes, apesar de dialogarem com o que fora vigente na Idade Média. No

Renascimento, assim batizado por seus próprios realizadores, a valorização da cultura

clássica – grecorromana – estava em voga entre as mentes intelectuais, o ser humano era

cada vez mais valorizado em suas características, a busca por respostas através da

ciência diminuia a ligação das pessoas com as superstições – o que não quer dizer que o

sobrenatural tenha desaparecido do imaginário europeu moderno. O mundo se expandia

e as distâncias se encurtavam diante dos olhares estupefatos da sociedade.16

Àquela época, Portugal era o centro do mundo. Potência comercial e naval,

pioneiro das Navegações. Se o umbigo das artes era a península itálica, a península

ibérica - principalmente Portugal - era o fervilhante ponto onde boa parte da navegação

da Europa se arremessava para a exploração do litoral da África, para a Circunavegação

e para o nebuloso desconhecido no Novo Mundo. O momento era prolífico e as

influências clássicas eram tremendas, além da inspiração que vinha de além-mar, com

as novidades que chegavam a todo instante nos portos europeus. Seria no mínimo

ingênuo acreditar que as expressões intelectuais e artísticas ficariam isoladas de todos os

novos furores do Portugal Moderno.17

Num momento histórico em que a sociedade

14

SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento. São Paulo: Atual, 1994. p. 14-24. 15

Idem. p. 9-11 16

WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José C. M. Op. Cit, p. 37-44. 17

“A transição para a modernidade, em Portugal, coincidiu com o surgimento do humanismo na

Península Ibérica. Para isso foram importantes as tradicionais relações comerciais com as cidades

italianas e as relações políticas com a Igreja. Já existiam, desde o século XV, preceptores italianos de

nobres portugueses. Além disso, a presença de estudantes vindos de Portugal nas Universidades de

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intelectual e artística dedicava-se a recuperar os traços da cultura clássica e introduzi-los

de volta ao cotidiano de forma que se adequassem à crítica que estava sendo feita ao

antigo paradigma, o trabalho de Camões equivalia a algo nos moldes homéricos da

Ilíada e da Odisséia dos tempos Antigos, ou talvez à Divina Comédia – fruto do então

muito recente século XIV.18

Os Lusíadas, de Luís de Camões é uma das obras símbolo

da Literatura do século XVI e mais, do Renascimento para as artes portuguesas.

Estudioso de temas que vão de astronomia à mitologia, passando por geografia,

cultura clássica, poesia culta e popular, Luís de Camões frequentara a Corte de Portugal

no reinado de D. João III em meados do século XVI.19

Apesar de lá ter estabelecido

bons contatos, Camões não foi um cortesão dos salões e, tendo se envolvido em

querelas e confusões amorosas, partiu em exílio primeiro para o Ribatejo, depois para

Ceuta – onde perdera um dos olhos – e então para as Índias, participando de atividades

militares.20

Foi nessas viagens, em Goa, que se pôs a escrever Os Lusíadas, realizando

em seu trabalho uma extensa narrativa dos sucessos – e dos insucessos – do povo

lusitano em sua trajetória histórica, utilizando como ponto de ação a viagem de Vasco

da Gama às Índias.

É em torno da empreitada do navegador luso que Luís de Camões realiza,

utilizando-se da licença de enredo em que o Rei de Melinde pede a Vasco da Gama que

lhe conte a história de sua terra,21

uma leitura pela história de Portugal, como se

respondendo ao leitor perguntas que o monarca faria ao navegante, tais como: “Como

surgiu Portugal?”, “O que os trouxe até aqui?”, “Como Portugal é governado?”, “Quais

aventuras os lusitanos já viveram?”, por exemplo. Luís de Camões em Os Lusíadas se

dedica a uma ode dos feitos portugueses desde a gênese da Lusitânia até o reinado de D.

Sebastião – a quem a obra é oferecida. Ao fazer esse trabalho de exaltação, Camões

deixou para as gerações posteriores um exemplo do que foi a expressão literária do

Renascimento: o Classicismo. Todos os elementos do dito estilo literário renascentista

estão presentes, tais como o Antropocentrismo, o Paganismo, o Racionalismo e o

Universalismo; por exemplo.

Bolonha, Salamanca. Pádua, Paris, Siena, Louvain e Oxford contribuiu para colocar o país nos circuitos

intelectuais que começavam a respirar o ar da modernidade renascentista.” Ver: WEHLING, Arno;

WEHLING, Maria José C. M. Op. cit., p. 36. 18

Ainda que a Divina Comédia seja localizada temporalmente na Idade Média, a obra de Dante

Aligheri é o primeiro movimento literário na direção do Renascimento, ainda que ambíguo (por ainda

deter características medievais). Ver SEVCENKO, Nicolau. Op. cit., p. 39-41 19

BARREIROS, Antônio José. História da Literatura Portuguesa. Braga: Pax, 1973. p. 463. 20

BARREIROS, Antônio José. Op. cit., p. 464. 21

CAMÕES, Luis Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: LP&M, 2008. p.77.

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Camões não foi o único que se propôs à tarefa da “exaltação da Nação” na

Europa Moderna. Em tempos em que as distâncias diminuíam e que o mundo se

alargava, era importante que o Estado fosse reverenciado, posto numa posição de

aglutinador de pessoas, de guia, de fator unificador de pessoas de origem, língua e

crenças parecidas. A Europa estava lentamente deixando sua situação de “colcha de

retalhos” e transformando-se em terra de Estados. A idéia de nação começava a

florescer nas sociedades, a figura do Rei crescia. Portanto, a ideia de exaltação era

propícia e desta tendência nasceram, além d’Os Lusíadas, a Francíada de Pierre de

Ronsard, a Dragontea de Lope de Vega e a Fairy Queen de Edmund Spencer. E foi –

também – através dessas obras que foi possível o início de uma nova noção de

nacionalidade, necessária para que o novo Estado Moderno se estabilizasse tal como o

preciso.22

O trabalho dos escritores não colaborou apenas na propaganda dos poderes do

Estado, mas também na fundamentação da língua, fator conhecidamente aglutinante de

uma sociedade. Sobre isso, Nicolau Sevcenko afirma que o processo de fundamentação

dos idiomas nacionais em detrimento do latim vulgarizado e deteriorado que era comum

no Medievo não fora acidental e sim um instrumento de padronização necessário – e

imposto – para a unificação dos territórios anteriormente fragmentados sob o controle

de um único monarca.

(...) Nesse sentido, as pesquisas linguísticas e filológicas dos

humanistas vinham justamente a calhar: elas permitiram a

constituição dos vários idiomas nacionais, próprios de cada país

europeu. (...) É preciso, no entanto, não perder o sentido político

desses esforços de unificação linguística. Em rigor, qualquer dos

dialetos de um país podia ser tomado como base para a constituição

de seu idioma oficial. Contudo, só o foram aqueles dialetos que

representavam as regiões hegemônicas de cada país, por sua riqueza

ou importância política como sede da corte monárquica. 23

A intenção dos humanistas era que seus trabalhos atingissem a maior parcela

possível de pessoas, e para alcançar esse objetivo, a aliança com os senhores, com os

grandes burgueses e com os monarcas, segundo Sevcenko, foi providencial e eles

puderam sim colaborar com a disseminação de um idioma e o estabelecimento de uma

cultura nacional. O autor nos fala sobre isso no seguinte trecho:

(...) os intelectuais e letrados do Renascimento, desejosos de

compreender, exaltar e interferir na vida cotidiana e concreta das

cidades e dos Estados procuraram em suas obras o recurso de uma

22

SEVCENKO, Nicolau. Op. cit., p. 47-48. 23

Idem. p. 44-45.

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língua que chegasse a camadas mais amplas possíveis da população, a

fim de conquistá-las para seus projetos e suas ideias de mudança.

Nesse sentido, a intenção desses escritores coincidia plenamente com

a dos senhores e dos monarcas que os sustentavam. (...) 24

É possível dizer, portanto, que Luís de Camões contribuiu muito para a cultura e para a

literatura do mundo – não só através da magnum opus “Os Lusíadas”, mas de seus

outros trabalhos poéticos. Também se pode afirmar que, ainda que inadvertidamente, ele

contribuiu para a construção da Língua Portuguesa.

II. LÍRICA, LITERATURA E HISTÓRIA

Estavas, linda Inês, posta em sossego,

De teus anos colhendo doce fruto,

Naquele engano da alma ledo e cego,

Que a Fortuna não deixa durar muito

Nos saudosos campos do Mondego,

De teus formosos olhos nunca enxutos,

Aos montes ensinando e às ervinhas

O nome que no peito escrito tinhas.25

Fortuna é uma divindade antiga de origem romana cujo nome virou sinônimo

das energias que personificava e regia: a sorte, boa ou ruim, dos seres humanos. 26

Para

os antigos, Fortuna escrevia e reescrevia o destino de acordo com os caprichos do acaso.

Ao usar este termo em sua obra, Camões tira a responsabilidade dos eventos das mãos

desta ou daquela pessoa – assim como faria Fernão Lopes ao supor que uma loucura

acometera os envolvidos ao tratar o tema como um "grande desvairo"27

e ao desvairo

entregar sua responsabilidade – e coloca-a nas mãos incertas do imprevisível. Este

quadro funciona excepcionalmente bem no mundo lírico dos poetas, romancistas e

teatrólogos, ainda mais se intensificado por um pano de fundo propício. O episódio

inesiano contém tudo o que há de mais característico em boas narrativas românticas:

24

Bakthin nos traz a circularidade cultural para que compreendamos que a cultura erudita alcança

as camadas mais baixas através da circularidade cultural (o contrário – a cultura popular alcançar os

círculos eruditos – também ocorria). Ou seja, ainda que corrompida pelo trajeto, a informação passaria de

pessoa para pessoa, alcançando, mesmo que deturpadamente e em intensidades diferentes, todas as

camadas sociais. É possível (bastante provável) que os escritores dos épicos não tenham planejado esse

ponto específico e estratégico sobre a disseminação de suas obras, entretanto, através da teoria de Mikhail

Bakthin, é compreensível como se dá o reforço do Estado através das artes nesse período histórico. Ver:

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 5-14. 25

CAMÕES, Luís Vaz de. Op. cit., p. 110. 26

CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus – Mitologia Ocidental. São Paulo: Palas Athena,

2004. p. 255 e 264. 27

LOPES, Fernão. Chronica del Rey D. Pedro I deste nome, e dos reys de Portugal o oitavo

cognominado o Justiceiro na forma em que a escereveo Fernão Lopes. Copiada fielmente do seu original

antigo pelo Padre Jozé Pereira Bayam. - Lisboa Occidental : Na Offic. de Manoel Fernandes Costa, 1735.

Disponível em: <http://purl.pt/422> Acesso em: 27 ago. 2011.

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paixão, violência, vítimas, carrascos, loucura, sanidade, saudade. E o que não existe nos

eventos inesianos, os pontos onde a imaginação dos artistas enxergou potencial para

mais envolvimento, a imaginação se encarregou de florear; misturando história e ficção,

concebendo então o mito.

Entretanto, estes elementos tão caros aos lirismos não são o suficiente para a

historiografia. Para não se ver na situação de uma criança que inquire o adulto sobre

algo e recebe uma resposta penosamente incerta para as suas curiosidades, o historiador

precisa lançar um olhar sensível para os trabalhos literários quando os utiliza como

fontes. Nosso trabalho, entretanto, não se trata de separar o joio do trigo. Não há joio

para ser separado e sim elementos entremeados e que não são – e nem podem ser –

descartados no trabalho historiográfico.

Pesquisadores de todas as áreas procuram bases intelectuais assim como

estocariam provisões num navio rumo ao desconhecido – recorremos a um artigo para a

revista Topoi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde Roger Chartier nos fala

sobre a necessidade de cuidadosa análise historiográfica para o trabalho com as fontes

históricas de natureza literária:

(...) Devemos romper com a atitude espontânea que supõe

que todos os textos, todas as obras, todos os gêneros, foram

compostos, publicados, lidos e recebidos segundo os critérios que

caracterizam nossa própria relação com o escrito. Trata-se, portanto,

de identificar histórica e morfologicamente as diferentes modalidades

da inscrição e da transmissão dos discursos (...) Trata-se também de

considerar o sentido dos textos como o resultado de uma negociação

ou transações entre a invenção literária e os discursos ou práticas do

mundo social que buscam, ao mesmo tempo, os materiais e matrizes

da criação estética e as condições de sua possível compreensão.28

Sendo assim, Chartier nos deixa claro que não é impossível ao historiador

utilizar-se da literatura e seus elementos para realizar seu trabalho, desde que lance mão

de uma metodologia própria para a análise particular deste tipo de fonte histórica e que

não espere encontrar na fonte literária as clarezas que são possíveis de se enxergar num

vestígio direto. Parafraseando expressões utilizadas por Chartier ao falar de Miguel de

Cervantes e seu Dom Quixote,29

a questão é que o historiador precisa reconhecer os dois

tipos de universo possíveis num trabalho literário: o universo literário poético e o

universo real prosaico e daí estabelecer seu ponto de partida no uso do trabalho literário

como fonte histórica.

28

CHARTIER, Roger. Literatura e História. Topoi – Revista de História. Rio de Janeiro, n.01

v.01. jan-dez 2000, p.197. Disponível em: <http://www.revistatopoi.org> Acesso em: 09 set 2011. 29

Idem, p.207.

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Há a possibilidade, mesmo após da fala de Chartier, de resistência de uma

parcela do público sobre um texto literário ser ou não uma fonte histórica.

Tangenciando esta questão, Marc Bloch expressa a seguinte opinião:

(...) convém definir as indiscutíveis particularidades da

observação histórica. Como primeira característica, o conhecimento de

todos os fatos humanos no passado, da maior parte deles no presente,

deve ser, [segundo a feliz expressão de François Simiand,] um

conhecimento através de vestígios. (...) o que entendemos

efetivamente por documentos senão um ‘vestígio’, quer dizer, a

marca, perceptível aos sentidos, deixada por um fenômeno em si

mesmo impossível de captar?30

É possível identificar no discurso da nossa fonte literária o seu panorama histórico – e

no caso de nosso trabalho, também precisamos analisar o panorama que Luís de

Camões tenciona nos desvelar, particularmente o cenário do episódio inesiano – e esta

prática faz parte de nossos esforços, assim como utilizá-lo para a maior compreensão do

quadro final, como parte da problemática, como elementos da questão.

Como já comentamos, os elementos alegóricos e clássicos31

fazem parte da arte

renascentista como personagens, interagindo com o cenário e com a temática artística

em si. Com Luís de Camões não seria diferente: existem vários outros personagens no

trabalho camoniano – e obviamente não apenas no episódio inesiano – que são, à

primeira vista, apenas floreios alegóricos na narrativa. Entretanto, ao olhar mais atento

os floreios e alegorias se apresentam como elementos decisivos para que o autor

trabalhe fatores históricos mais contundentes com uma sutileza que lhe permitira expôr

– contestar e introduzir debates políticos – sem impactar o leitor de ocasião. Fortuna era

uma personagem recorrente nas artes e na intelectualidade da época: os desígnios

divinos não saíram de cena durante o vigor das tendências antropocentristas do

Humanismo mas desde o Medievo, alegorias como a Roda da Fortuna – que representa

a instabilidade da vida humana diante da fúria de Deus e da Natureza – estavam muito

presentes no cotidiano. Temendo-se Fortuna temia-se a umbra incerta do futuro.

Desta maneira, voltemos ao exemplo com o qual iniciamos esta discussão:

Sendo o texto literário passível de análise histórica não podemos desconsiderar que

Fortuna, literária, poética, alegórica e ficcional é uma personagem d’Os Lusíadas:

segundo Camões, a felicidade amorosa de Inês não perdurou porque Fortuna não

permitiu. A questão é: superada à primeira leitura – afinal é improvável e

30

BLOCH, MARC. Apologia da História, ou, O Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Ed., 2001. p.73 31

SEVCENKO, Nicolau. Op. cit., p. 15-17.

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contraproducente que Camões de fato acreditasse que uma deusa romana enciumada

resolvesse caprichosamente interferir na vida amorosa de quem quer que seja – nosso

primeiro passo é aplicar o supracitado olhar sensível historiográfico sobre nossa fonte

literária e indagar quem (ou o quê, ou ainda quais circunstâncias) quis Camões que a

Fortuna personificasse. Que força alheia ao controle de Inês a alegoria de Fortuna

representa?32

São questões como esta, análises atentas como esta, que precisamos manter

durante nossa pesquisa, como um Norte a manter-nos equilibrados na linha fina entre a

História e a Literatura. Ora, o texto literário é, portanto, um vestígio de um fato humano

no passado. No caso da obra de Luís de Camões, é um vestígio de fato humano no

passado que trata – literariamente – de outros vestígios de fatos humanos no passado. O

épico Os Lusíadas trata-se, portanto, de um testemunho literário do passado sobre um

outro passado. E nos propusemos a lançar um olhar sobre o olhar que já foi lançado e

daí estabelecer novas análises e pontes que a Luís de Camões era impossível estabelecer

– pela falta de metodologia apropriada e, antes disso, pela ausência de necessidade de

tal metodologia. A proposta de Camões era escrever um texto literário, um poema, e não

uma crônica histórica, como o fizeram Fernão Lopes e Ruy de Pina antes dele. Pode-se

afirmar que Camões não se propusera a realizar um trabalho historiográfico, porém ele

utilizou a História para fazer Literatura. O caminho contrário, portanto, não nos é

fechado: buscamos fazer História utilizando a Literatura.

CAPÍTULO II

OS CAMINHOS INTELECTUAIS CAMONIANOS

Neste momento do nosso trabalho procuramos observar duas fortes tendências

da época renascentista que influenciaram o trabalho de redação de Luís de Camões e

que podem ser identificados no trecho que nos propusemos a analisar como nossa fonte

histórica: Na primeira sessão deste capítulo trataremos da aproximação de Luís de

Camões com a filosofia Neoplatônica, especificamente no tocante às emoções

amorosas, suas vertentes e como isso afetaria – segundo a interpretação neoplatônica – a

vida humana e o funcionamento social.

O amor está fortemente presente no episódio inesiano e, portanto, é necessário

que façamos esta análise porque este é um elemento integral da narrativa. Não está

32

A elucidação desta questão encontra-se no segundo capítulo desta Monografia.

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apenas relativizado como sentimento entre Inês e Pedro, mas também existe no poema

como uma espécie de personagem substantivado, uma entidade presente na questão

inesiana da qual não podemos desvencilhar o nosso olhar. Fábio Della Paschoa

Rodrigues versa sobre esta questão em seu artigo intitulado Amor e Neoplatonismo em

Camões, focalizando sua análise nos sonetos camonianos e no episódio da Ilha de

Vênus d’Os Lusíadas (localizado no Canto IX do épico), e, baseando-nos neste

trabalho, analisaremos os reflexos neoplatônicos em nossa fonte e a contradição causada

pela mistura de influências clássicas e cristãs no pensamento do poeta.33

Já na segunda sessão, realizaremos a continuação da análise sobre a alegoria da

Fortuna utilizada por Luís de Camões em nossa fonte: o autor mostra-se, ao longo do

épico, como um intelectual politemático, interessado em diversos assuntos, sendo dentre

muitos outros, a Política e a Guerra.34

Ora, em seu tempo o maior filósofo político era o

diplomata florentino Nicolau Maquiavel, e sendo muito provável que Luís de Camões,

em seus estudos coimbrãos, tenha entrado em contato com o trabalho maquiaveliano,

buscamos, por conseguinte, tangentes e reflexos entre os dois através do conceito de

Fortuna explicitamente utilizado por Camões como alegoria em seu épico e assim

procedemos nossa análise do episódio inesiano: uma vez que o poeta lusitano atribui o

mau final da questão de Inês de Castro aos caprichos de Fortuna, é através de

Maquiavel, que utilizou-se da mesma alegoria para tratar de problemas de Estado,

Nicolau Maquiavel, que buscamos desvendar as sutis atribuições políticas feitas por

Luís de Camões à alegoria de Fortuna em nossa fonte.

I. CAMÕES CONTRADITÓRIO: AMOR E NEOPLATONISMO

No contexto do período, na busca de reconstrução de uma identidade clássica

que os humanistas interpretavam como abandonada, uma das correntes filosóficas que

influenciaram vastamente ao movimento renascentista e transformou-se numa das bases

do Humanismo foi o chamado Neoplatonismo. Baseado em uma interpretação das ideias

33

Fábio Della Paschoa Rodrigues nos aponta esta questão: “A distinção entre o amor celeste e o

amor vulgar também vem de encontro aos preceitos cristãos, que prega o amor fraterno, o amor a Deus e

todas as suas coisas: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. O amor carnal, este não conduz a

Deus, ele remete ao pecado, à fornicação. O amor celeste conduz os homens ao bem, às boas ações.”

RODRIGUES, Fábio Della Paschoa. Neoplatonismo em Camões. p. 5. Disponível em:

<http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/n00001.htm> Acesso em 17 ago. 2011. 34

Dentre várias oportunidades ao longo d’Os Lusíadas, é possível observar o gênio politemático de

Camões com bastante clareza no Canto X, a partir da septuagésima quinta estrofe que inicia o episódio da

Máquina do Mundo, onde Tétis convida Vasco da Gama a observar o céu, o passado, o presente e o

futuro. Neste trecho de seu épico, Camões demonstra, além do conhecimento da Guerra e da Política,

também vasto saber astronômico e geográfico. (Ver. CAMÕES, Luís Vaz de. Op. cit., p. 300-321.)

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originais de Platão, esta vertente filosófica concebe a existência de dois mundos: o

Mundo dos Fenômenos (confuso, sensual, experimental e caótico, acessado através da

Matéria, ou seja, das experiências humanas no planeta) e o Mundo das Idéias (essencial,

eterno e imutável, um mundo de conceitos que poderiam ser acessados apenas pela

elevação intelectual, através do uso da Razão.)35

Baseado nesta interpretação, os

intelectuais renascentistas, antropocentrados e racionais, tentam virar as costas para a

exacerbação dos sentimentos abstratos atribuindo-os à ignorância que relacionavam ao

Medievo e voltam-se para a exploração dos prazeres terrenos através da ciência e da

análise racional do seu entorno, pessoas, natureza e ambiente.

Ainda sobre emoções, um dos temas aos quais Platão dedicou-se com afinco em

sua obra filosófica foi o sentimento do Amor. Este tema específico foi tratado por Platão

n’O Banquete36

e o filósofo grego ao longo desta obra chega à conclusão que o Amor

contemplativo e sereno, independente do ente amado, pertence ao Mundo das Idéias e

eleva o Ser, enquanto o amor carnal e físico pertence ao Mundo dos Fenômenos e

arrasta o Ser para o caos de uma existência dependente, à cegueira e ao irracional.O

pensamento intelectual de Camões, como não poderia deixar de ser, foi fortemente

influenciado pela corrente filosófica neoplatonista. Sobre esta influência neoplatônica

de Camões, Maria Helena Ribeiro da Cunha nos diz:

(...) desde que nos ocorresse lembrar que de uma maneira ou

de outra o Poeta terá conhecido ou os textos do filósofo ateniense, dos

neoplatônicos, de Marcílio Ficino e de Leão Hebreu, ou dos teóricos

do amor do século XVI, como Castiglione e Pietro Bembo, a menos

que queiramos acreditar numa extraordinária coincidência e numa

intuição genial.37

Como vimos na citação acima, as influências neoplatônicas de Luís de Camões

se estabeleceram depois do contato do poeta com outros autores que foram previamente

influenciados pelo filósofo grego. Um deles foi o poeta toscano medieval Petrarca, que

idealizou a mulher amada – Laura – em sua obra. Ora, Petrarca fora uma inspiração

literária para os autores quinhentistas justamente por ter sido influenciado pelo trabalho

de Platão – mesmo que atingido pela Escolástica. Antônio José Barreiros nos diz:

Laura, nos versos do poeta toscano, é mais que uma mulher

bela, é todo um ideal de beleza: cabelos de ouro, pele nevada, sorriso

longínquo, gesto suave, alegria saudosa e mais conformada do que

espontânea, um pensar maduro, quase uma aparição incorpórea, que

35

BARREIROS, Antônio José. Op. cit., p. 480-486. 36

RODRIGUES, Fábio Della Paschoa. Op. cit., p. 2. 37

CUNHA, Maria Helena Ribeiro da. O neoplatonismo amoroso na Ode VI. In: Revista

Camoniana vol. 2. São Paulo: USP. 1965. p. 119.

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não se pode tocar nem contornar com linhas precisas. Surge como

inquietante visão e tem o condão de contaminar toda a Natureza e de

paralisar as faculdades do Poeta, que permanece ante ela em adoração

extática. Além disso, ninguém lhe pode chegar com a mão. Paira no

horizonte, sorridente como uma estrela. Está sempre ausente e quem a

vê, vê um reflexo da Beleza Eterna, platonicamente necessária detrás

de toda beleza carnal.

Foi a este conceito de mulher bela e amável que se ajustaram

as composições petrarquistas do século XVI. Mas nenhum escritor o

entendeu como Camões.38

Luís de Camões, baseado na concepção renascentista que, tendo forças e

fraquezas carnais e mentais, os seres humanos são ativos na corrente de seus próprios

destinos e no olhar idealizado que Petrarca lançara sobre o Amor, transformou este

sentimento, esta força emocional – como abstração ou como experiência amorosa – na

motivação principal para a cega empreitada de atirar-se ao Mar Tenebroso no caminho

do Oriente.39

Portanto, pode-se dizer que, segundo a interpretação de Luís de Camões, o

elemento que levou Portugal a tantas aventuras e desventuras foi o Amor: seja este o

amor por alguém, o amor pelo mar, o amor pelas aventuras, o amor ao dever, o amor

pela terra, o amor pela pátria e tantos outros amores, possíveis ou impossíveis. Ou seja,

as fagulhas dos Amores foram politicamente importantes, segundo Camões, para o

desenvolvimento de tantos acontecimentos, sucessos, insanidades e fracassos. O poeta

argumenta em sua linha narrativa então que Portugal Imperial não se constrói sozinho,

mas sim através das almas lusitanas ousadas e ambiciosas, seus amores e paixões sejam

estas motivadas por diversos fatores ou fruto de emoções diversas.40

Fábio Della

Paschoa Rodrigues também versa sobre este aspecto da obra camoniana:

Vênus – o Amor, “que dentre todas as divindades é o mais

amigo dos homens” como proferiu Aristófanes, é escolhida por

Camões para proteger e guiar os lusitanos em seus feitos. O poeta

pretende, com o poema, fundar o Império de Deus, erigido pelos

portugueses. (...) Através de seus feitos valorosos tornam-se eternos,

pois o amor “sanciona a coragem e o trabalho”, tornando-os virtuosos

38

BARREIROS, Antônio José. Op. cit., p. 482. 39

TUTIKIAN, Jane. Apresentação. In: CAMÕES, Luiz Vaz de. Op Cit. p.13. 40

Para a montagem desta alegoria, O poeta utiliza-se de outra figura mitológica para expressar esta

ideia: Vênus, a deusa romana que é mãe dos Amores. A partir da estrofe 20 do épico, Camões nos

apresenta O Concílio: uma reunião dos Deuses do Olimpo para uma discussão sobre os intentos dos

portugueses de desbravar o mundo desconhecido dos mares e alcançar o Oriente. Ao longo da

deliberação, Camões nos expõe que algumas das divindades resolvem apoiar os aventureiros nesta

empreitada e outras posicionam-se contra os mesmos, considerando afrontosa a intenção lusitana de

desafiar os poderes da natureza, ou seja, os poderes dos Deuses. O poeta nos diz, na estrofe 33 do épico,

que durante o concílio Vênus põe-se ao lado dos lusitanos enquanto os outros deuses que discutiam os

feitos portugueses – suas grandezas e significados, seus sucessos e fracassos, se os permitiriam continuar,

se os proibiriam etc. Sob análise de tal posicionamento de Camões em sua obra, podemos afirmar que ele

atribui que, é sob a regência do Amor ou seja, sob a égide de Vênus, é que Portugal foi capaz de realizar

tantas façanhas.

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e felizes durante a vida e após a morte (...) Mas como se dá a

passagem, o caminho para a divindade, para a imortalidade? Através

do amor, ponte entre homens e deuses, que supera a morte e é

representado poeticamente na figura da mulher (pelo que nela reflete é

capaz de superar a transitoriedade da vida).41

Entretanto, é importante ressaltar que mesmo que Camões – através da figura

mítica de Vênus – insistentemente repita que o Amor é o combustível lusitano para suas

empreitadas e que está sempre “ao lado de Portugal” ao longo da narrativa, ele não trata

este Amor sempre como algo positivo, ao contrário: sincronizado com a postura

humanista sobre as emoções em geral, Camões subdivide o amor em dois: o conceito de

Amor (com letra maiúscula, representando o conceito universalizado, petrarquista e

idealizado) e o amor (com letra minúscula, sentimento carnal, individualista e egoísta,

pessimismo típicamente humanista sobre o emocional). Camões atribui ao Amor-

conceito um papel aglutinador das atitudes quando Vênus se posiciona ao lado dos

portugueses na saga de Vasco da Gama. Por outro lado, para Camões, o amor-

sentimento, mesmo que tenha sempre o potencial de transformar-se numa emoção

elevada e desprovida da frivolidade do que é carnal, aparece como sendo a ferrugem da

espada lusitana; enfraquece, encoleriza, enlouquece o indivíduo e compromete o todo, o

Estado, o povo.42

Buscando exemplos dessa conduta contraditória – e perfeitamente plausível – de

Luís de Camões em nossa fonte, fomos capazes de encontrá-los e separamos os

seguintes trechos. O primeiro acontece na estrofe 120 do épico, enquanto Camões

escreve a passagem na qual Vasco da Gama apresenta Inês de Castro ao Rei de

Melinde:

Estavas, linda Inês, posta em sossego,

De teus anos colhendo doce fruto,

Naquele engano da alma, ledo e cego,

Que a Fortuna não deixa durar muito,

Nos saudosos campos do Mondego,

De teus formosos olhos nunca enxutos,

Aos montes ensinando e às ervinhas

O nome que no peito escrito tinhas.43

41

RODRIGUES, Fábio Della Paschoa. Op. cit., p. 7. 42

Na estrofe 119 do épico, Camões diz que o “puro amor” é a causa da “molesta morte” que é

“pérfida inimiga”. Logo depois o poeta nos fala do “fero Amor” que não se mitiga com as lágrimas. Ao

longo do episódio inesiano (e nos restantes trechos do épico), Luís de Camões se refere ao amor-

sentimento (de letra minúscula) com certa negatividade, como se fosse reles e carnal e ao Amor-abstração

(de letra maiúscula) como elevado, positivo e benigno aos humanos. Ver: CAMÕES. Op. cit., p. 110. 43

CAMÕES, Luís Vaz de. Op. cit., p. 110.

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Nesse momento, Camões idealiza Inês, idealiza a mulher que espera seu amor, que se

relaciona quase que etéreamente, feéricamente com seu ambiente, inofensiva em sua

passividade. Como se vê, há semelhanças inegáveis entre a descrição da Inês camoniana

(pelo menos neste momento) com a Laura petrarquista44

descrita anteriormente.

Entretanto, a postura de Luís de Camões antes, quando Vasco da Gama anuncia ao Rei

de Melinde o início do episódio inesiano, é completamente outra:

Passada então esta tão próspera vitória

Tornado Afonso à Lusitana Terra,

A lograr-se da paz com tanta glória

Quanta soube ganhar na dura guerra,

O caso triste e digno de memória,

Que do sepulcro os homens desenterra

Aconteceu da mísera e mesquinha

Que depois de morta foi ser Rainha.45

Por que Camões, que logo a frente na epopeia instalou Inês no pedestal da

Mulher Ideal, da Beleza Eterna platônica a chama de “mísera e mesquinha” logo que

Vasco da Gama inicia a narrativa do episódio inesiano ao Rei de Melinde? O trecho

acima é o único momento em que Camões trata a figura de Inês mais rispidamente, mas,

ao longo das estrofes dedicadas ao episódio, é possível perceber que o problema de

Camões não está no fato de Inês amar Pedro e vice-versa: o problema mora no amor

carnal entre Pedro e Inês, que é tratado pelo poeta como ameaça política ao Reino de

Portugal, ao Estado em si.

Nesse momento do texto há um conflito narrativo muito claro que explicita a

contradição da época: os seres humanos (no caso, Pedro, Inês, Afonso e “o povo”), tão

valorizados pelos renascentistas por sua racionalidade, haviam sido mais uma vez

carregados pelos sentimentos carnais, egoístas e terrenos, manchando assim a história

de um reino, de um país inteiro. Inês é mesquinha por não ter pensado em Portugal, mas

também o são Pedro, Afonso e “o povo”, todos levados pelo egoísmo sentimentalista,

pelo desequilíbrio e desvario.

II. FORTUNA PARA MAQUIAVEL, FORTUNA PARA CAMÕES, FORTUNA DE INÊS

44

Francesco Petrarca foi um poeta toscano que fez de si mesmo e de suas angústias e experiências

o tema das poesias que produziu. Em sua obra Il Canzonieri (O Cancioneiro) constam cerca de 350

poemas nos quais Petrarca trata das agonias de seu amor não correspondido por Laura, uma jovem que o

poeta descreve como belíssima, puríssima e inalcançável, assim elevando sua amada a um pedestal de

semi-adoração lírica. Petrarca foi também o aperfeiçoador de estilos poéticos como o soneto e o verso

decassílabo, que obedeceram a forma por ele estabelecida até o século XIX, influenciando imensamente a

literatura. (Ver: SEVCENKO, Nicolau. Op. cit., p. 41-42.) 45

Idem. p. 109.

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No início do século XVI, Nicolau Maquiavel transforma a divindade em

conceito em sua obra “O Príncipe”: aplica-a em seu tratado político como fator

determinante para os rumos de administração de um Estado. A Fortuna maquiaveliana

rege apenas metade da sorte dos homens, sendo a outra metade levada ao sabor do livre

arbítrio humano, levando a sucessões infinitas de acaso cotidiano. Ora, os governantes

são seres humanos e, assim sendo a Fortuna os afeta.

O autor renascentista também põe sua Fortuna em oposição e complementação a

outra persona-conceito, a Virtù. Para Maquiavel, Virtù seria o mérito da habilidade de

utilizar o livre-arbítrio em sua vida de forma que melhor lhe aprouvesse e no que

melhor resultasse – o que no tratado de Maquiavel se aplica aos atos deliberados dos

governantes que visariam o bem maior para si no que dizia respeito a seus domínios e

seus súditos.46

A questão é aprofundada no artigo que Cezar Arnaut e Leandro Bernardo

escreveram para a revista Acta Scientarium da Universidade Estadual de Maringá:

(...) com referência à moralidade do governante na obra de

Maquiavel, dois conceitos surgem, nesse sentido, os quais já eram

utilizados por autores contemporâneos ao autor, mas que n’O Príncipe

receberam uma nova designação. Tais conceitos são o de Virtù e

Fortuna. (...) Maquiavel concordava que esse termo se referia à

qualidade necessária ao governante para vencer as incertezas da

Fortuna ou da sorte, e buscar desse modo resultados como a honra,

glória e fama.(...) Maquiavel repeliu a convicção dominante de que o

meio mais seguro de realizar esses fins (honra, glória e fama) consistia

sempre em agir de modo convencionalmente virtuoso. (...) Pelo

contrário, ele havia insistido no valor da fraude e da mentira (...) deixa

de haver qualquer conexão necessária entre os conceitos de Virtù e

virtude. Virtù ficaria simplesmente identificada a quaisquer qualidades

que, na prática, fossem necessárias para salvar a vida e preservar a

liberdade da pátria.47

Ou seja, segundo os autores, para Maquiavel, nas artes de domínio de um

Estado a Fortuna (os fatores externos, o acaso, as circunstâncias, o livre-arbítrio de

outrem) e a Virtù (o mérito das decisões tomadas sob o livre-arbítrio individual)

opunham-se e ao mesmo tempo caminhavam paralelas. O governante de um Estado

deve estar ciente sempre de que está inevitavelmente atado à Fortuna, mas deve fazer

46

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Porto Alegre: LP&M, 2010. p. 53-56. 47

ARNAUT, Cezar; BERNARDO, Leandro F. Virtù e Fortuna no pensamento político de

Maquiavel. Acta Scientiarum, Maringá, v. 24, n.1, 2002. p.100. Disponível em:

<http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/viewFile/2414/1695> Acesso em:

09 set. 2011.

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seu máximo, elevar sua Virtù, seus atos individuais, ao máximo para não deixar-se

arrebatar pelo acaso e assim, perder seus domínios.48

O trabalho de Camões toca o de Maquiavel no concernente aos valores e

conceitos por ambos trabalhados – no nosso caso, a Fortuna (e indiretamente, a Virtù).

Pode-se dizer que a Fortuna de Maquiavel é equivalente à deusa romana de Camões no

sentido que se refere a uma força além do controle dos participantes de determinado

evento, que seria contrabalanceado pelo mérito das escolhas feitas por cada um. Por

outro lado, é preciso que tenhamos sensibilidade de observação para distinguir que na

obra camoniana estar além do controle do personagem não significa necessariamente ser

algo sobre-humano – este é, relembrando, um recurso lírico para abordagem de

momentos que acontecem a todos os seres humanos. Uma vez que cada decisão tomada

influencia outras decisões vindas dos demais personagens da ‘cena’, cujas escolhas

estão além da possibilidade de controle completo do primeiro ator social. Estas decisões

são, para o envolvido, uma espécie de fortuna; afinal, o livre arbítrio acaba no exato

momento em que um passo é dado em determinada direção e as reações são

desencadeadas nos demais. Desta maneira, podemos dizer que o que é Virtú para alguns

é Fortuna para outros.

Sendo assim, quando o rei Afonso IV de Portugal, orientado por seus

conselheiros, ordena que Inês de Castro seja executada, ele não está tomando uma

atitude indiscriminada de encomendar a morte de uma amante inconveniente de seu

filho. A opção do rei de tirar “Inês do mundo”49

é uma decisão de Virtù, um ato político

relacionado ao seu direito soberano de vida e morte sobre seus súditos quando assim

julgar por bem do Estado, por bem do reino e por bem da sua dinastia. Camões utilizou-

se da alegoria da Fortuna para ilustrar o que Inês jamais esperaria em sua hora

48

Maquiavel nos diz em “O Príncipe” sobre as razões pelas quais os príncipes da Península Itálica

perderam seus poderes e assim nos dá um claríssimo exemplo do que são sua Fortuna e sua

Virtù:“Portanto, estes nossos príncipes, que por tantos anos regeram seus Estados , não devem imputar à

sorte (Fortuna), mas à sua própria letargia, o fato de mais tarde os haverem perdido. Não havendo nunca

em tempos calmosos cogitado que tais ventos poderiam mudar (o que é um vício comum a todos os

homens, não importar-se com a tempestade no perdurar na bonança), em sobrevindo a adversidade eles

pensaram em fugir e não em defender-se, aguardando que o povo, farto da insolência dos vitoriosos,

reclamassem enfim a sua volta. Na falta de outros, esse pode ser um bom expediente, mas é bem

inconsistente o plano de preterir-se outras soluções em favor desta; afinal, jamais desejarias um tombo

baseando-te na certeza de encontrares alguém que te reerguesse. Isso, ou de fato não ocorre, ou, se ocorre

não te traz qualquer segurança, pois esta é uma defesa covarde, alheia do teu controle. Somente são boas,

são seguras, aquelas defesas dependentes de ti mesmo e do teu valor (Virtù).” MAQUIAVEL, Nicolau.

Op. cit., p. 118-119. 49

CAMÕES, Luís Vaz de. Op. cit., p. 111.

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derradeira, muito embora o poeta soubesse que naquele ato de assassinato não existisse

acaso, apenas um governante fazendo uso de seu poder, de sua Virtù, para interromper a

serenidade amorosa de Inês e Pedro que Luís de Camões nos ilustra na estrofe 120 de

seu épico.

CAPÍTULO III

DESVAIROS E FURORES

Chegamos, enfim, ao capítulo no qual trataremos da nossa fonte histórica.

Obedecendo a tendência dos dois capítulos anteriores, nós o dividimos em duas seções

diferenciadas, para que a análise nos seja mais proveitosa. Na primeira, trataremos da

fonte em si, seu panorama histórico e os motivos pelos quais acreditamos que este

episódio tenha sido incluído no épico de Luís de Camões. Comentaremos os

protagonistas que o poeta nos apresenta e as omissões narrativas que são

historiograficamente importantes, ausências que nos fazem falta no momento de uma

análise – ou mesmo apenas de uma observação – histórica, mas que não representam

ônus líricos ou literários ao trabalho de Luís de Camões. Observaremos os aspectos que

levaram ao assassinato de Inês, os que o poeta nos apresenta e os que ele nos omite, o

que ele nos exacerba e o que ele nos diminui através da análise de trechos da fonte que

serão distribuídos ao longo de nossa deliberação.50

No segundo momento deste capítulo trataremos das implicações do relacionamento

de Inês de Castro e do Infante Pedro, assim como das circunstâncias que levaram ao

assassinato dela por ordem do Rei Afonso IV: as políticas nobiliárquicas, as relações de

casamentos, as diplomacias, as consequências do romance e da prole que dela se

originou. Cuidaremos das omissões faladas na seção anterior, dando a elas o tratamento

historiográfico para que possamos observar e analisar os vários prismas da questão

inesiana e responder, entre outras, à questão mais intrigante de todas: Por que Inês de

Castro?

I. O CANTO DE INÊS

É hora de falarmos diretamente sobre a fonte na qual se embasa este trabalho: um

fragmento da epopéia de Luís de Camões que trata do episódio de Inês de Castro.

Geralmente, os leitores d’Os Lusíadas se deparam neste momento com uma dúvida

50

A integra de nossa fonte histórica, a transcrição das estrofes 118 a 137 do Canto III d’Os

Lusíadas, poderá ser encontrada do Anexo I desta Monografia.

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bastante pertinente sobre a relevância da inclusão da história de amor de Pedro e Inês:

“já que Camões se propôs a falar de episódios considerados à época relevantes para a

formação do reino de Portugal, qual a razão então de ter narrado as desventuras

amorosas de um rei enquanto este nem rei era ainda?”. Para solucionarmos esta questão,

observemos atentamente a maneira como Vasco da Gama introduz o assunto do

episódio inesiano ao Rei de Melinde:

Passada esta tão próspera vitória,

Tornado Afonso à Lusitana Terra,

A se lograr da paz com tanta glória

Quanta soube ganhar na dura guerra,

O caso triste e digno da memória,

Que do sepulcro os homens desenterra

Aconteceu da mísera e mesquinha

Que depois de ser morta foi Rainha.51

Camões inclui o episódio inesiano logo após narrar a vitória ibérico-cristã sobre

os mouros na Batalha do Salado, um marco na história da Península: na ocasião, os

reinos de Portugal e Castela iniciaram uma trégua na guerra que travavam para

combater a invasão. Conquistada em 1340 às margens do Rio Salado, esta vitória que

Camões menciona na estrofe 118 do Canto III representou o termo das tentativas de

avanços dos mouros no território ibérico e um importante passo para a expulsão dos

árabes da Península Ibérica.52

Num primeiro momento, acompanhando esta tendência da

linha narrativa camoniana, de narração de episódios pertinentes à conquista e defesa do

reino de Portugal, não faria sentido a inclusão de Inês e Pedro na epopéia: o drama da

morte da castelhana aparenta ser apenas um alívio romântico, um interlúdio, deslocada

na corrente de raciocínio camoniana.

Entretanto não podemos nos esquecer da proposta de Luís de Camões no início

de seu épico, sendo assim, podemos observar que, de alguma forma, o amor apaixonado

do príncipe e, da cortesã teria afetado Portugal no seu cerne num momento crucial de

sua estabilização política. Sendo assim, podemos dizer que o episódio inesiano está

presente na obra de Camões não somente pela temática romântica e pelo teor fantástico

contido nos acontecidos, mas pelos efeitos que o envolvimento dos dois amantes teve na

História da formação do Reino de Portugal. O poeta nos narra os episódios inesianos

imersos em lírica e liberdades poéticas, mas ao analisar as entrelinhas, ao afastar os

brilhos do romance, é possível enxergar os problemas políticos causados pela paixão de

Pedro e Inês e as providências tomadas não por implicância paterna ou moral real

51

CAMÕES, Luís Vaz de. Op. cit., p. 109. 52

SERRÃO, Joaquim Verissimo. Op. cit., p. 268.

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exacerbada de Afonso IV mas para que problemas tais não pudessem tomar proporções

ainda maiores e mergulhar a nação recém-estabelecida no caos, no risco de

fragmentação e na dependência.

Um breve panorama precisa ser abordado: à época da chegada de Inês em

Portugal, as relações diplomáticas entre Portugal e Castela andavam abaladas. Chegara

na comitiva da esposa do príncipe-herdeiro Pedro e ao enamorarem-se começaram a

construir um quadro no mínimo terrível para si mesmos; para o país; para a diplomacia

e para o trono. Inês era uma cortesã castelhana, integrante do séquito de damas da

Infanta Constança Manuel. Esta viajou sob tratado de paz53

para Portugal em 1339 com

sua comitiva para consumar o casamento – realizado por contrato em 1336 – com o

infante D. Pedro de Portugal sob condições amargas e pertencentes a jogos políticos e

picuinhas entre as casas reais de Castela e Portugal:

D. Afonso XI (de Castela) era casado com D. Maria, filha de D. Afonso IV

(de Portugal, pai de Pedro). Mas o rei castelhano tornou público o fato de ser

amante de D. Leonor Guzmán. Os registros em que D. Maria reclama do

tratamento do marido são notórios.

Em 1328, tinha ficado acordado que a esposa de Pedro de Portugal

seria D. Branca, sobrinha de D. Afonso XI. D. Afonso IV, por causa da

desmoralização de sua filha, desprezou o acordo e acertou novo casamento:

D. Pedro com D. Constança, já repudiada por D. Afonso XI. Acima de tudo,

D. Constança era filha de Juan Manuel, que havia ameaçado a ascensão de D.

Afonso XI e a quem o rei castelhano se dedicou a impor o poder real. A

substituição de uma noiva que era sobrinha do rei de Castela por D.

Constança foi uma afronta pessoal de Afonso IV a Afonso XI. Em retaliação,

D. Afonso XI seqüestrou D. Constança. Numa relação já melindrada pela

desonra de D. Maria, esse episódio deu origem a uma nova guerra.54

Membro de uma nobre família castelhana, os Castro, ela era filha natural do

patriarca desta família o que não a tornava menos relevante no quadro da nobreza.

Quando Inês e Pedro se envolveram, os irmãos dela, adversários políticos do rei de

Castela, começaram a estabelecer influência no reino lusitano à medida que os favores

do príncipe à sua irmã aumentavam. Esses dois fatores iniciais – o recente e frágil

tratado de paz entre os dois reinos e a adoção de uma postura contraria à monarquia

castelhana pela família Castro – poderiam arrastar Portugal a mais um conflito

extremamente desnecessário com Castela através da possibilidade de repúdio de

53

A ida de Constança Manuel para Portugal em Agosto de 1339 marcou a interrupção das

hostilidades entre Portugal e Castela por ventura das ofensas de políticas matrimoniais e a trégua que

possibilitou a união dos dois reinos contra os mouros na vitória da Batalha do Salado. Ver: MARQUES,

A. H. de Oliveira. Op. cit., p. 177. 54

SALES, Mariana. Vínculos políticos luso-castelhanos no século XIV. In: .MEGIANI, Ana Paula

Torres; SAMPAIO, Jorge Pereira de. (Org.) Inês de Castro: a época e a memória. São Paulo. Alameda:

2008. p. 22.

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Constança em favor de Inês, já que as relações entre os dois reinos já eram bastante

fragilizadas por prévios e bem recentes adultérios e repúdios de princesas cambiadas

entre as duas casas reais. Inês era uma má escolha de mulher.55

O casamento entre

Constança e o Infante Pedro, então, já havia sido ato suficientemente ousado de

provocação do Rei Afonso IV de Portugal à realeza de Castela para que mais um

escândalo abalasse as relações diplomáticas e pusesse em risco as fronteiras lusitanas.

Afonso IV, antes56

do falecimento de Constança, exilara a amante do filho para terras

limítrofes do reino de Portugal, na esperança que a distância arrefecesse os sentimentos

do príncipe pela castelhana. Essa atitude provou-se inócua:

Apesar do desterro, o infante nunca deixou de se corresponder com D. Inês

de Castro. D. Constança morreu em decorrência do parto de D. Fernando e,

depois disso, D. Pedro mandou trazer D. Inês de volta para Portugal. (...)57

É preciso que compreendamos que o adultério não era o problema nessas questões de

casamentos entre casas reais e nobiliárquicas, pelo menos não no que concernia aos

afetos. Havia problema quando o adultério afetava as políticas e alianças realizadas

através dos matrimônios. Camões, que localiza cronologicamente sua narrativa nos

momentos imediatamente anteriores ao assassinato de Inês,58

delicadamente expõe o

problema:

De outras belas senhoras e Princesas

Os desejados tálamos enjeita,

Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,

Quando um gesto suave te sujeitas,

Vendo estas namoradas estranhezas,

O velho pai sisudo, que respeita

O murmurar do povo e a fantasia

55

NOGUEIRA, Carlos Alberto F. Amor de perdição: as mulheres entre a monarquia e o poder

aristocrático no Portugal do século XIV. In: MEGIANI, Ana Paula Torres; SAMPAIO, Jorge Pereira de.

(Org.) Op. cit., p. 53. 56

Em 1344 nasceria o primeiro filho varão de Pedro e Constança, D. Luís de Portugal. Em um

estratagema para tentar suprimir o romance de sua aia e seu marido, D. Constança chama D. Inês para

madrinha do Infante, já que o laço batismal traçaria um laço de parentesco moral entre a madrinha e os

pais do bebê. A criança morreria uma semana depois de seu nascimento, sem que o compromisso de

batismo fosse assumido. Sem impedimento para o romance, Inês foi então afastada da Corte, sendo

exilada em Albuquerque, localidade na fronteira entre Portugal e Castela, nas terras de seu pai de criação,

João Afonso de Albuquerque, sobrinho (por via bastarda) de Afonso IV. O padrinho da criança seria

Diogo Lopes Pacheco que, anos mais tarde, seria um dos assassinos de Inês de Castro. (Ver: SERRÃO,

Joaquim Veríssimo. Op. cit., p. 275. e TOLEDO, Maria Emília Miranda de. Razão de Estado x Razão de

Amor na tragédia A Castro de António Ferreira. In: MEGIANI, Ana Paula Torres; SAMPAIO, Jorge

Pereira de. (Org.) Op. cit., p. 118.) 57

SALES, Mariana. Vínculos políticos luso-castelhanos no século XIV. In: MEGIANI, Ana Paula

Torres; SAMPAIO, Jorge Pereira de. (Org.) Op. cit., p. 23. 58

Ou seja, já depois a morte de Constança, ocorrida em 1345, durante o puerpério de D. Fernando,

provavelmente por conta de complicações e infecções pós-parto. Já estavam também nascidos os filhos de

D. Inês e D. Pedro. Ver: MENDONÇA, Manuela. O tempo de Inês de Castro. In: SOUSA, Maria Leonor

Machado de. (Org.) Colóquio Inês de Castro. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 2005. p. 27.

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Do filho, que casar-se não queria.59

Se os casamentos faziam parte de uma política de paz e alianças entre os reinos, a

recusa de Pedro às sugestões de Afonso IV para que o Infante se casasse com outra

mulher depois de Constança, representava um problema político para o reino de

Portugal. A historiografia, desde Fernão Lopes, nos diz que o Infante Pedro recusou-se,

inclusive, a casar-se com a própria Inês de Castro.60

Luís de Camões, aparentemente,

não se atém à estas questões. O poeta, entretanto, observa sutil o desenrolar da questão

enquanto questiona-se sobre as motivações do Rei Afonso IV:

Tirar Inês ao mundo determina,

Por lhe tirar o filho que tem preso,

Crendo com sangue só da morte indigna

Matar do firme amor o fogo aceso.

Que furor consentiu que a espada fina,

Que pôde sustentar o grande peso

Do furor Mauro, fosse alevantada

Contra uma fraca dama delicada?61

Segundo a interpretação de Camões, um “furor” levou Afonso IV a ordenar a

morte de Inês de Castro, mas qual seria este furor? Quais os motivos que levaram o rei

a, de acordo com o poeta, levantar contra Inês a mesma espada que ergueu contra os

mouros? Seria uma única “dama delicada” tão perigosa quanto as hordas mouriscas que

marcharam sobre o território da Península? D. Afonso IV temia que, após sua morte e

de terem caído por terra todas as suas autoridades sobre quem o filho se casaria ou não,

Pedro assumiria compromisso com Inês e tornaria legítimos os filhos que com ela

tivera, estabelecendo assim uma perigosa aliança com a nobreza de Castela:

Como afirmei, destacam-se duas razões políticas para a morte de Inês.

O risco da perda da independência portuguesa, pela influência que os

irmãos da dama exerciam junto a D. Pedro e a disputa de poder entre

D. Afonso IV e D. Pedro.62

Os motivos políticos mais profundos são omitidos pelo poeta, mas a delicadeza da

situação de Afonso é exposta quando Camões deixa claro que o então viúvo Pedro não

desejava casar outra vez. Ainda tratando o tema com sutileza, Camões expõe – o que é

algo não muito comum em sua obra – que o povo também se opunha ao escândalo

inesiano. A desaprovação de uma possível “opinião pública” ao que acontecia na Corte,

59

CAMÕES, Luís Vaz de. Op. cit., p.110. 60

SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Op. cit., p. 277. 61

CAMÕES, Luís Vaz de. Op. cit., p. 111. 62

SALES, Mariana. Vínculos políticos luso-castelhanos no século XIV. In: .MEGIANI, Ana Paula

Torres; SAMPAIO, Jorge Pereira de. (Org.) Op. Cit p. 23.

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entretanto é possível, levando-se em consideração as tendências literárias de Camões e o

público ao qual sua obra era destinado,63

que o “pertinaz povo”64

que aparece na

narrativa não seja a grande massa popular, e sim as camadas mais altas que seriam

diretamente afetadas pelo relacionamento e possível matrimônio de Pedro e Inês.

A gota d’água para D. Afonso IV foi, na ocasião do regresso de Inês do desterro

em Albuquerque ao qual o monarca a condenou. O Infante D. Pedro a instalou em

Coimbra, num paço construído por sua avó ao lado do Mosteiro de Santa Clara. A

finada rainha D. Isabel estabeleceu que vivessem lá seus descendentes e as esposas

legítimas dos ditos. Mesmo que D. Pedro jamais tenha assumido para o pai o

matrimônio com Inês, esta atitude do príncipe já era por demais clara, ousada e

extremada para que o rei pudesse suportar. O desfecho, já sabemos: numa atitude que

Antonio José Saraiva e Maria Leonor Machado de Sousa classificaram como um ato de

disputa e imposição de poder político do pai sobre o filho,65

Afonso IV, aproveitando-se

da ausência de Pedro em uma caçada, mandou assassinar a mulher que considerava ser

amásia do filho. Daí se destaca então outra omissão de Luís de Camões: a da guerra

civil que deu-se entre o príncipe Pedro e seu pai Afonso IV por ocasião do assassinato

de Inês de Castro. Irado, o príncipe reuniu força militar e declarou guerra ao pai.

Advinha-se a furiosa reacção de D. Pedro ao ter

conhecimento da desgraça. Recrutando homiziados e gente favorável,

investe contra fortalezas e castelos, levanta províncias e declara guerra

ao progenitor. De Castela vêm bandos armados por D. Fernando e D.

Álvaro, que arrasam as terras da Coroa nas províncias de Entre Douro

e Minho e de Trás-os-Montes. O príncipe faz do Norte o seu quartel-

general, mas não consegue apoderar-se do Porto, que se defende com

a ajuda do arcebispo primaz e dos burgueses locais. O encontro militar

com D. Afonso IV é evitado pela Rainha-Mãe, D. Beatriz, que

convence o filho a uma reconciliação. Com efeito, a 15 de Agosto de

1356, o príncipe assina um acordo em Canaveses, comprometendo-se

a esquecer o passado e a perdoar os intervenientes na luta. Poucos dias

mais tarde, jurava obediência ao pai na vila de Guimarães.66

O assassinato de Inês de Castro implicava não só a morte da amante do príncipe

herdeiro, mas a morte de uma integrante de uma família influente da nobreza luso-

castelhana, constituíra uma querela diplomática entre os dois reinos e uma questão

interna no reino, no núcleo da Família Real. A importância do episódio inesiano,

portanto, está no ato político do assassinato de Inês. Camões utilizou-se do caráter

63

Luís de Camões ofereceu sua obra para D. Sebastião I, rei de Portugal entre 1557 e 1578. Ver

TUTIKIAN, Jane. Op. cit., p.11. 64

CAMÕES, Luís Vaz de. Op. cit., p. 112. 65

SALES, Mariana. Vínculos políticos luso-castelhanos no século XIV. In: MEGIANI, Ana Paula

Torres; SAMPAIO, Jorge Pereira de. (Org.) Op. cit., p. 24. 66

SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Op. cit., p. 276.

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folclórico e fantástico dos acontecimentos para tratar de um tema que, ainda que não

tenha caráteres de belicosidade ou expansão ou segurança de território, esteve presente

na política medieval portuguesa, expondo fragilidades e sutilezas das relações

diplomáticas monárquicas e das questões de manutenção de poder soberano num

momento no qual o processo de afirmação de poder estava em franca ascensão. Que

lirista do século XVI poderia ter imaginado situação complicada como tal? Este evento

da história portuguesa torna-se mais profundo, mais motivador de reflexão por estas

pessoas terem de fato existido, por estes conflitos, pessoais e políticos, altamente

profundos terem ocorrido de fato.

É possível afirmar que a expansão dos eventos inesianos aos domínios culturais

exteriores a Portugal – e aqui nem mencionamos o detalhe mais peculiar da lenda que

gira em torno de Pedro e Inês, a coroação e o beija-mão do cadáver antes do

ressepultamento em Alcobaça67

– foi, em grande parte, responsabilidade de Camões,

pelo enorme alcance de seu épico nos países estrangeiros a Portugal.68

O encanto lírico

de Pedro e Inês mora, porém, na realidade: se tais pessoas e questões fossem ficcionais,

não estariam n’Os Lusíadas e não teriam ganho tal expressão. Camões transformou a

História em poema e tornou possível que tramas políticas se tornassem populares,

costuradas nas entrelinhas do lirismo.

II. ESTADOS DE AMOR, RAZÕES DE ESTADO

Ao nos debruçarmos sobre variada bibliografia para a realização desta pesquisa,

encontramos em vários textos de temáticas diferentes um conceito intrigante e

frequentemente associado à questão inesiana: Razão de Estado. Presente em estudos que

falam desde sobre o assassinato de Inês em si até o tema periférico das relações político-

diplomáticas entre os reinos ibéricos ao longo do século XIV.

Para começarmos a compreender o conceito de Razão de Estado e seu papel na

questão inesiana é preciso que recorramos primeiramente a uma obra considerada

fundamental no estudo dos conceitos políticos, o Dicionário de Política.69

De acordo

com o dicionário, o conceito de Razão de Estado é muito abrangente e pode ser aplicado

67

Miguel Corrêa Monteiro nos fala sobre as inclusões de elementos na lenda construída a partir do

episódio inesiano: “E como é normal nas lendas, foram acrescentados muitos mais pormenores sem

qualquer fundamento, como o da coroação e do beija-mão do cadáver.” Ver MONTEIRO, Miguel Corrêa.

Inês de Castro – Razões de Estado e Razões do Coração. In: SOUSA, Maria Leonor Machado de. (Org.)

Colóquio Inês de Castro. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 2005. p. 45. 68

Idem. p. 45. 69

BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.

Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.

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a diversos tipos de sociedades em diferentes e variados estágios de complexidade

política, cultural, econômica e social. Numa definição bastante elucidativa da mesma

obra:

(...) a Razão de Estado é a exigência de segurança do Estado,

que impõe aos governantes determinados modos de atuar. A doutrina

respectiva pode ser formulada, em seu núcleo essencial, quer como

uma norma perseritiva de caráter técnico (como: "se queres alcançar

esta meta, emprega estes meios"), quer como uma teoria empírica, que

comprova e explica a conduta efetiva dos homens de Estado em

determinadas condições. Este comportamento é sobretudo verificável

no contexto das relações interestatais e da influência que elas exercem

na vida dos Estados, mas também pode-se constatar,conquanto em

termos quantitativa e qualitativamente diferentes, na vida interna do

Estado, no tocante aos aspectos em que ela não é condicionada pelas

relações interestatais.70

Através desta breve explicação podemos começar a compreender o papel do

conceito de Razão de Estado no episódio inesiano. O conceito está ligado à necessidade

que o governante e seus auxiliares diretos tem de agir na direção da segurança de seus

territórios – sejam estes reinos, impérios, principados, entre outros. Mas por que tantos

autores tratam o romance de Inês de Castro com o Infante Pedro como um problema de

Razão de Estado? Por que esta era uma questão que o rei de Portugal deveria resolver

para o bem-estar de seu reino? Talvez Manuela Mendonça, em artigo escrito para o

Colóquio Inês de Castro, possa fazer coro às nossas inquirições:

Cabe agora perguntar o porquê do assassínio de D. Inês.

Genericamente tem-se alegado razões de Estado, ou interesses

senhoriais. Mas, a ser assim, importa tornar consistente a hipótese,

pois que as relações extra-conjugais eram tidas, na época, como

normais; de facto, poucos são os monarcas que não têm filhos

bastardos, o que não supõe o assassinato das respectivas mães. De

resto, pela mesma época, basta lembrar o próprio escândalo que teria

sido a vida de Afonso XI ao apresentar publicamente a amante,

Leonor de Gusmão, relegando para plano desconhecido a rainha de

direito, Maria de Portugal. E certo é que tal atitude foi de molde a

criar problemas entre as duas coroas, mas não ditou a morte da régia

amante. Depois, mesmo o próprio Pedro, o Cruel, que havia de

preferir Maria de Padilha aos vários casamentos que efectuou. E, no

entanto, nenhuma das amantes foi assassinada. Por que Inês de

Castro? 71

Como observamos anteriormente, o problema que Afonso IV tinha nas mãos era

mais que uma simples relação extraconjugal do filho com uma cortesã; não era apenas

uma questão da existência de filhos bastardos para os quais seria dividida uma herança.

O romance de Pedro e Inês delineava-se mais e mais ao longo do tempo como um

70

Idem p.1066. 71

MENDONÇA, Manuela. Op. cit., p. 24.

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problema político, uma questão que ameaçava o trono e a independência do país. Ao

acatar os conselhos de seus homens de confiança e condenar a castelhana à morte,

Afonso IV não buscara tratar um problema de escândalo moral – afinal de contas, Inês e

Pedro, à ocasião do assassinato dela, estavam romanticamente envolvidos há cerca de

quinze anos e viviam em situação amásia há quase uma década – e sim resolver uma

questão de Razão de Estado.

É preciso que comecemos a desvendar a confusa linha de parentescos e alianças

à qual pertenciam os principais personagens desta trama sombria: Inês, Pedro e Afonso.

A confusão deve-se a uma complicada política de casamentos estabelecida entre as

famílias reais e nobres de Portugal e Castela ao longo do processo de consolidação de

suas monarquias. Damas foram exaustivamente cambiadas como noivas entre os dois

reinos, assim como algumas foram repudiadas, outras seriam ainda escolhidas como

amantes e favoritas de infantes e monarcas. Manuela Mendonça, no mesmo artigo

supracitado, trata deste tema no trecho a seguir:

Esta política de casamentos, que tinha antecedentes e viria a

ter continuidade, era a forma mais comum, como referimos, de selar

os acordos de paz. Certo é que nem sempre foi bem sucedida nas

consequencias políticas que acarretou, mas seria necessário chegar ao

século XV para que, em Portugal, se delineasse pela primeira vez um

claro projecto de afastamento deste tipo de proximidade que, no

último quartel do século XIV pusera em risco a independência

nacional.72

Inês, mesmo sendo filha natural de Pedro Fernandes de Castro, não era uma dama sem

ascendência. Se a questão fosse esta, se as circunstâncias não envolvessem o adultério

de Pedro a Constança, se Inês tivesse sido cogitada para noiva do Infante, ela não devia

nada em nobreza. A castelhana era prima de Pedro, em segundo grau, por via materna –

ela era bisneta de Sancho IV de Castela e ele, também por via materna, era neto do

mesmo rei. Portanto, este não seria um problema, caso ela fosse pretendente de Pedro

do jeito “convencional”, por assim dizer. Entretanto, a História não se alimenta de

condicionais e suposições. Não podemos nos prender às conjecturas, precisamos nos

ater aos quadros. Sendo assim, já que o problema não estava no sangue – ou seja, no

grau de nobreza da castelhana – e que dificilmente sua ascendência fosse, sozinha, um

problema de Razão de Estado, a pergunta persiste: por que Inês de Castro?

O problema não era sanguíneo, era social e a resposta está nas ligações de Inês,

familiares e nobiliárquicas. A castelhana convergia em si uma série relações entre

72

Idem, p. 21.

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famílias nobres e reais que não seriam perigosas se o envolvimento com D. Pedro não

tivesse existido; Inês seria só uma dama com um bom círculo de relacionamentos. No

momento do envolvimento com D. Pedro, entretanto, os elementos de suas ligações, as

pessoas com quem ela direta e indiretamente se relacionava assumiam posições

diferentes dentro das políticas internas das duas cortes. Entretanto, antes é preciso que

compreendamos o mecanismo de funcionamento dos relacionamentos nobiliárquicos

dos reinos ibéricos:

(...) a nobreza dividia-se internamente nos partidarismos

devido às suas particulares condições de criação e estabelecimento

mais que a fidelidades ‘nacionais’, em relação às crises internas, esta

mesma nobreza divide-se, em função da teia de fidelidades criada para

sua própria ascensão. 73

As alianças estabelecidas entre os membros da alta nobreza tem por intuito o

fortalecimento deste grupo, o enriquecimento das famílias, a autoproteção dos

indivíduos e a manutenção dos domínios e senhorios através de acordos e ligações entre

as linhagens e casas nobres. A formação desta teia, alegadamente, teria a intenção de

manter a paz e o equilíbrio de interesses destas famílias. Forasteiros, bastardos e

agregados eram vistos como prejudiciais a esta política protecionista, agentes

desmembradores das posses e dos bens desse grupo. A monarquia não estava

desvinculada desta agenda:

A forte teia de ligações familiares construídas a partir de estratégias

matrimoniais de natureza endogâmica que envolve a própria Casa

régia, sustenta e fortalece o poder e a influência da nobreza junto à

monarquia. Monarquia que vai se construindo enquanto espaço de

autoridade específica, ao mesmo tempo originária e concorrente da

alta nobreza. A monarquia é um instrumento indispensável à nobreza,

seja enquanto árbitro de disputas internas desta nobreza, seja enquanto

fonte por excelência de poder, de onde emanam as concessões, que

podem alçar representantes da nobreza a um nível de autoridade

próximo ao do rei. Mas é igualmente da monarquia que emanam as

sentenças que originam o afastamento de indivíduos do acesso a estes

mesmos meios de projeção. Monarquia e nobreza constituem-se, nesta

segunda metade do século XIV, enquanto forças políticas,

complementares e ao mesmo tempo concorrentes.74

Como pudemos ver, estas ligações são bastante intricadas, precisamos avançar

cuidadosamente: Inês era um membro da alta nobreza, mesmo sendo de origem bastarda

e estava, através de sua família, conectada a alianças e fidelidades que não envolveriam

só a família Castro, mas também a família bastarda do rei Afonso IV, a Família Real de

73

FERNANDES, Fátima Regina; FRIGHETTO, Renan. Cultura e poder na Península Ibérica.

Curitiba: Juruá, 2001. p. 149. 74

FERNANDES; FRIGHETTO. Op. cit., p. 178.

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Castela, famílias nobres lusitanas e, finalmente, membros do conselho real de Portugal.

Para que possamos começar a traçar os complexos cenários que levaram Inês de Castro

a morrer em 7 de Janeiro de 1355, comecemos a delinear as principais relações de

parentesco que envolviam os indivíduos envolvidos no caso, direta ou indiretamente.

Os Castro, influentes em Castela – o pai de Inês de Castro, Pedro Fernandes de

Castro, era próximo do rei Afonso XI e carregava os títulos de Mordomo-Mor da Corte,

Adelantado-Mor de Galiza e Andaluzia e Pertiguero-Mor de Santiago; e mais vários

títulos herdados – estavam no centro dos relacionamentos palacianos. Pedro Fernandes

de Castro possuía um casal de filhos legítimos – D. Fernando e D. Joana de Castro – e

um casal de filhos naturais – D. Álvaro e D. Inês de Castro. Dois varões que lhe

administrassem os bens e duas filhas para casar – com quem melhor aliança oferecesse.

Era um boníssimo quadro. Num patamar equivalente ao que Pedro Fernandes de Castro

se localizava na Corte, e com uma trajetória de vida parecida com a do Castro, estava

João Afonso de Albuquerque, seu contemporâneo.75

Este é, indiretamente, uma personagem-chave para que compreendamos uma das

Razões de Estado que levaram Inês de Castro à morte. João Afonso de Albuquerque era

sobrinho do rei Afonso IV de Portugal por via bastarda. Seu pai, Afonso Sanches, era

filho bastardo e favorito do rei D. Dinis, e à ocasião da morte deste, disputou o trono

contra o herdeiro legítimo, o futuro Afonso IV de Portugal. A disputa foi longa e

sangrenta:

A promessa de conciliação, feita ainda no tempo do pai, não

apaziguou o rancor do novo monarca contra seu irmão bastardo. As

acusações que este lhe dirigiu, de envenenador e incapaz para o ofício

régio serviram de base ao processo que moveu a Afonso Sanches a

quem ainda acusou de crime de lesa-majestade por haver tentado

substituí-lo no trono. (...) O ambiente era de guerra senhorial, mas não

longe de um conflito entre as duas coroas, pois um exército português

do comando de Gonçalo Vaz, mestre de Avis, foi derrotado em

Ouguela, o que levou D. Afonso IV a invadir o reino vizinho e a

arrasar a vila de Codeceiras. (...) A guerra estéril, que o monarca não

tivera o cuidado de evitar, traduziu-se em mortes e sofrimento para as

populações fronteiras. 76

Afonso Sanches e sua família foram exilados para Castela por Afonso IV e lá

reivindicaram o senhorio de Albuquerque – que era patrimônio da família de sua esposa,

Tereza de Albuquerque.77

Os favores dos senhores de Albuquerque junto ao rei de

Castela advinham do direito adquirido pelo parentesco – Tereza de Albuquerque era tia

75

Idem. p. 147-149. 76

SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Op. cit., p. 267. 77

Esta Tereza de Albuquerque era irmã de Violante Sanches, avó de Inês de Castro por via paterna.

No Anexo II a esta Monografia pode-se encontrar a árvore genealógica de tais parentescos.

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de Afonso XI de Castela – e os favores dos Castro advinham da política realizada dentro

da Corte. Para responder a pergunta que provavelmente pairaria neste momento sobre os

pensamentos de qualquer leitor, recorremos à Mariana Sales:

A privanza entre Pedro de Castro e D. Dinis pode ter advindo da

seguinte situação: o rei tinha um irmão, o infante D. Afonso, senhor de

Portalegre, que era pai de D. Pedro Fernandes de Castro. Logo, Pedro

de Castro era sobrinho de D. Dinis. Também podemos observar que

D. Pedro de Castro era primo de D. Afonso Sanches.

Além de partidário de Afonso Sanches, Pedro de Castro ainda tinha

outra importante ligação com o concorrente de D. Afonso IV à coroa.

Afonso Sanches era casado com D. Teresa de Albuquerque e ambos

foram os pais de criação de Inês de Castro. 78

79

A mesma Mariana Sales, logo em seguida nos diz que “estas rivalidades e guerras

passadas não seriam razões por si só para o assassinato” de Inês de Castro, mas adiciona

que “não são motivações de todo desprezíveis, ainda mais somadas a outras questões.”

Concordamos com ela, não é possível ancorarmos nossas crenças apenas em ocorrências

tão frágeis. Estes são indícios das tempestades do porvir: Afonso IV, tendo participado

de uma disputa pela herança de seu pai com seu irmão bastardo, provavelmente temia

que o mesmo viesse a ocorrer entre seu neto legítimo D. Fernando e seus irmãos

bastardos, filhos de Inês de Castro.

As trajetórias destas personagens históricas começam a se cruzar quando os

contratos de casamento e alianças entre Portugal e Castela advindas destes contratos

começam a ruir. Para compreendermos o contexto do problema político que se

configurava, voltamos a uma breve rememoração das hostilidades entre Portugal e

Castela e da gênese do romance de Pedro e Inês:

D. Afonso XI era casado com D. Maria, filha de Afonso IV. Mas o rei

castelhano tornou público o fato de ser amante de D. Leonor Guzmán.

(...) Em 1328, tinha ficado acordado que a esposa de Pedro de

Portugal seria D. Branca, sobrinha de D. Afonso XI. D. Afonso IV,

por causa da desmoralização de sua filha, desprezou o acordo e

acertou novo casamento: D. Pedro com D. Constança, já repudiada por

D. Afonso XI. Acima de tudo, D. Constança era filha de Juán Manuel,

que havia ameaçado a ascensão de D. Afonso XI e a quem o rei

castelhano dedicou-se a impor o poder real. A substituição de uma

noiva que era sobrinha do rei de Castela por D. Constança foi uma

afronta pessoal de Afonso IV a Afonso XI. Em retaliação, D. Afonso

XI sequestrou D. Constança. Numa relação entre os reis já melindrada

78

SALES, Mariana. Vínculos politicos luso-castelhanos no século XIV. In: MEGIANI; SAMPAIO.

(Org.) Op. cit., p. 20. 79

No Anexo II desta Monografia encontra-se uma árvore genealógica para a consulta de tais

parentescos.

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pela desonra de D. Maria, esse episódio deu origem a uma nova

guerra.80

Uma vez declarada a guerra entre os Portugal e Castela, era preciso que os

nobres pertencentes às Cortes das referidas coroas se colocassem de acordo com a

situação. Fátima Regina Fernandes e Renan Frighetto nos apresentam a posição dos

Castro e dos Albuquerque em relação a esta nova e perigosa querela entre os dois

reinos:

A ligação de ambos [Pedro Fernandes e João Afonso] à Casa régia

portuguesa, seja devido ao nascimento, seja à privança, manifestar-se-

á no momento de cisão de Afonso XI com Afonso IV (...) Pedro

Fernandes recusa-se a liderar uma expedição contra Afonso IV (...)

postura idêntica à assumida por João Afonso de Albuquerque. A Pedro

Fernandes, Afonso XI, sábio estratega, convence (...) oferece seu filho

natural, Henrique Trastâmara à filha de Pedro Fernandes, Joana de

Castro (...) Diante desta proposta, Pedro Fernandes revê sua posição,

na medida em que as vantagens daí advindas compensariam a

hostilidade à Casa régia portuguesa.81

Esta guerra travada entre Portugal e Castela foi a guerra suspensa quando

Castela precisa do apoio lusitano para combater a invasão moura no território ibérico.

N’Os Lusíadas este é o episódio da “Formosíssima Maria”, quando a rainha de Castela

viaja até Portugal para pedir ao pai – Afonso IV – que encerre as hostilidades contra seu

país e seu marido à guisa de um bem maior, o combate aos mouros invasores. O

desfecho, já sabemos: Portugal e Castela, unidos, derrotam os mouros na Batalha do

Salado e os maus humores entre os reinos parecem arrefecer:

Quanto a Albuquerque, findo o dissídio entre os dois reinos, seguirá

no séquito de Constança Manuel ao reino português, incumbido de

uma tarefa apropriada a um indivíduo com livre trânsito e influência

entre Portugal e Castela. Será de recordar que neste mesmo séquito

seguirá para Portugal, Inês de Castro, filha natural de Pedro

Fernandes, que manterá com o infante português uma relação estreita

e duradoura.82

À medida que Inês de Castro chega em Portugal com Constança e vai ganhando

o favor do príncipe-herdeiro, Afonso IV começa a perceber o perigo que seria deixar

que seu filho se envolvesse com Inês. Como também abordamos anteriormente, o rei

não fora o único a notar um je ne sais quoi entre Pedro e Inês: Constança também estava

alerta a um possível envolvimento do marido com sua dama de companhia e, sob a

ocasião do nascimento de seu primogênito Luís de Portugal, em 1344, chamara Inês

para amadrinhar a criança na esperança que o laço religioso arrefecesse os “furores” de

80

SALES, Mariana. Op. cit., p. 22. 81

FERNANDES; FRIGHETTO. Op. cit., p. 148. 82

Idem, p. 148.

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Pedro. O estratagema falhara: o convite fora aceito pela Castro, mas o bebê falecera

poucos dias depois de nascido e antes de poder ser batizado.

É impossível sabermos se esta manobra de Constança funcionaria para frear os

amores de Pedro, entretanto é sabido que após esta tentativa frustrada, os amores de Inês

e Pedro cresceram a ponto de fazer-se notáveis à terceiros e a única solução encontrada

pelo monarca português foi exilar Inês em Albuquerque, sob a custódia de sua parenta,

Teresa. Não funcionou: os enamorados continuaram a se corresponder sem discrição.

Em 1345, Constança morre em decorrência das complicações do parto do infante D.

Fernando. O Infante D. Pedro então manda buscarem Inês de Castro em Albuquerque.

Daí por diante, até a morte da castelhana, foram quase dez anos de relacionamento

amásio exposto para horror de D. Afonso IV:

Durante cinco anos os dois amantes viveram na serra de El-

Rey e em Moledo onde lhes nasceram os filhos, e depois em Canidelo,

perto da actual Gaia. A situação era motivo de escândalo para D.

Afonso IV, que via comprometida a segurança do Estado, já que o

príncipe, único herdeiro da Coroa, descurava os negócios públicos,

todo entregue ao amor de Inês e aos prazeres da caça.83

Ao passo que a relação de Pedro e Inês via-se mais e mais profunda, entraram

sob os holofotes alguns personagens que até então estavam em segundo plano,

personagens importantes que Luís de Camões não especifica em seu épico quando trata

da morte da castelhana. Por enquanto, restrinjamos nossa atenção aos irmãos de Inês,

Fernando e Álvaro. Com a irmã tão próxima de Pedro, eles começaram a ganhar

privança e posição na Corte lusitana, mais precisamente junto ao príncipe-herdeiro.84

Na

ocasião da morte de D. Afonso XI, em 1350, Álvaro e Fernando posicionam-se contra a

sucessão do herdeiro legítimo, Pedro de Castela. Os bastardos de Afonso XI, com o

apoio de João Afonso de Albuquerque conjuram contra o trono de Pedro I de Castela. O

trono do reino adjacente foi então, posteriormente oferecido ao infante Pedro de

Portugal por D. Álvaro de Castro, sob a alegação que este tinha direito ao trono de

Castela por ser neto legítimo do finado rei Sancho IV:

A política do reino complicou-se em 1354, quando o príncipe-herdeiro

declarou-se pretendente às coroas de Leão e Castela, reinos que

corriam perigo sob o governo de D. Pedro I, o Cruel, guindado ao

trono em 1350. D. Pedro, por sua vez, sofria grande influência dos

83

SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Op. cit., p. 276. 84

Álvaro de Castro, o irmão consanguíneo de Inês, tornou-se Conde Viana, primeiro Conde de

Arraiolos, Alcaide-mor de Lisboa e primeiro Condestável do reino. Ver: NOGUEIRA, Carlos Roberto F.

Amor de perdição: as mulheres entre a monarquia e o poder aristocrático no Portugal do século XIV. In:

MEGIANI; SAMPAIO. Op. cit., p. 53.

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dois irmãos de Inês, Álvaro Pires de Castro, bastardo como ela, e D.

Fernando, filho legítimo de D. Pedro Fernandes de Castro.

Os amores de Pedro e Inês a essa altura transcendiam a

simples escândalo familiar para constituir um iminente perigo para a

estabilidade do Reino. Temia o rei pela sorte de seu neto legítimo, D.

Fernando, herdeiro do trono, por morte de D. Pedro, temor que

advinha do crescente domínio dos Castros sobre o ânimo do príncipe.

(...) A vida de Inês começa, então, a correr perigo, pois já se

multiplicavam as conspirações para afastá-la do reino.85

É preciso que rememoremos: D. Pedro I de Castela era neto de D. Afonso IV, filho de

D. Maria – sua filha que, anos antes, fora humilhada por Afonso XI de Castela. Não era

politicamente interessante para D. Afonso IV que existissem conspiradores contra seu

neto em seu reino, ainda mais quando um destes conspiradores era seu filho, orientado

por nobres de fidelidade tão volúvel como acreditava serem os irmãos Castro.86

Pedro

de Castela no trono significava paz entre os dois reinos, garantida pelo parentesco muito

próximo entre os dois monarcas. O infante D. Pedro, acatando as ordens do pai, recusou

a oferta dos Castros, que continuaram a posicionar-se contra o rei castelhano,

principalmente depois que este repudiou a outra irmã Castro, Joana, de forma

humilhante.87

Mesmo que as ambições dos irmãos Castro relacionadas à ascenção de Pedro de

Portugal ao trono de Castela tivessem caído por terra, o perigo de vida que corria Inês

de Castro não havia cessado. Àquela altura, Inês já era mãe de três filhos naturais vivos

de Pedro de Portugal: Beatriz de Portugal, João de Portugal – posterior concorrente ao

trono vacante após a morte do irmão, D. Fernando I de Portugal – e Dinis de Portugal e

estava instalada com os infantes no Paço de Santa Clara de Coimbra. Estas crianças

eram, aos olhos do rei Afonso IV, uma ameaça à legitimidade da dinastia.88

D. Pedro

não estava ignorante às pretensões e aos temores de seu pai e senhor, era sabido por

85

TOLEDO, Maria Emília Miranda de. Razão de Estado x Razão de Amor. In: MEGIANI;

SAMPAIO. Op. cit., p. 119. 86

MONTEIRO, Miguel Corrêa. Razões de Estado x Razões do Coração. In: SOUSA, Maria

Leonor Machado de. (Org.) Op. cit., p.43. 87

Um detalhe interessante sobre os irmãos Castro é que, Fernando de Castro, quando a coalizão

anti-petrista se dissolve na ocasião da morte de João Afonso de Albuquerque, este nobre muda sua

fidelidade, aliando-se a Pedro I de Castela, transformando-se num defensor ferrenho da causa petrista e

um dos privados mais renomados de Castela. Álvaro de Castro toma o caminho oposto do irmão,

estabelecendo-se permanentemente em Portugal com seu cunhado Pedro. Quando este já estava coroado

rei de Portugal, após a morte de Inês de Castro, Álvaro recebe os bens que João Afonso de Albuquerque

possuía em Portugal, considerando que este último não daixara herdeiros e nem possuía familiares

consanguíneos que herdassem suas posses. Álvaro de Castro permanece nos círculos íntimos da família

real portuguesa inclusive durante o reinado de D. Fernando I, quando consegue senhorios fronteiriços e

um condado. Ver: FERNANDES; FRIGHETTO. Op. cit., p. 152. e também SERRÃO, Joaquim

Veríssimo. Op. cit., p. 278. 88

TOLEDO, Maria Emília Miranda de. Razão de Estado x Razão de Amor. In: MEGIANI;

SAMPAIO. (Org.) Op. cit., p. 118.

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todos que era desejo do rei e de seus conselheiros que Inês fosse afastada do trono.

Tanto que o príncipe a mantivera em Coimbra, sob sua vigilância, para protegê-la de

quaisquer tentativas de afastamento. Entretanto era improvável que D. Pedro,

completamente sabedor de que a vida – e não apenas a permanência – de Inês estava em

perigo, tivesse saído à caça como saiu. José Veríssimo Serrão lança luz à esta questão

por nos apresentar a última peça que nos faltava para completar nosso quebra-cabeça da

Razão de Estado:

E que justificação pode buscar-se para a chamada Razão de Estado?

Aventa-se o receio de uma nefasta influência dos Castros, que não só

punha em causa a vida de D. Fernando, mas também a própria

independência do Reino. Dispondo de grande poder senhorial em

Castela, os irmãos de Inês começam a ter ‘muyta parte em Portugal’,

escreve o cronista, o que faria da amante uma servidora política de

Castela ou simples agente de interesses alheios para enfraquecer a

posição de D. Pedro. Para os conselheiros régios, tratava-se de um

amor impossível, pois fazia perigar a sobrevivência nacional. Mas, no

fundo, é bem de crer que Inês fosse de todo estranha a um dado do

problema – a rivalidade senhorial de Lopes Pacheco e da família

Castro – e que tivesse apenas sido vítima do afecto que o destino lhe

marcou.89

Este é um novo personagem para nós. O Lopes Pacheco a quem Joaquim Veríssimo

Serrão se referiu é Diogo Lopes Pacheco, um político lusitano pertencente ao grupo de

conselheiros de D. Afonso IV. Seu pai, Lopo Fernandes Pacheco fora Meirinho-Mor,

mordomo da Casa do Infante D. Pedro e Chanceler da rainha D. Beatriz. Deixamos as

apresentações restantes à Fátima Regina Fernandes e Renan Frighetto:

Diogo Lopes, criado em boa parte na Corte portuguesa, junto ao

Infante Pedro, durante o reinado de Afonso IV, aproveitará desta

posição de proximidade inclusive física ao rei para tornar-se um dos

conselheiros régios, mais ciosos da defesa do espaço de proximidade à

Coroa, recém-conquistado. (...) É um dos que recomendam a Afonso

IV o afastamento sumário de Inês de Castro, mulher ou barregã do

Príncipe Pedro da Corte régia. (...) Para o rei Afonso IV, a morte de

Inês seria o garante da sucessão de seu neto legítimo, D. Fernando,

mas para o Pacheco penso que este afastamento teria outra

dimensão.90

A posição de Diogo Lopes Pacheco no conselho régio era de prestígio: filho de

um privado do rei que havia sido responsável por uma parte da educação do príncipe D.

Pedro, sua influência junto a Afonso IV era intensa e, até os Castro começarem a fazer

parte da cena cortesã, Lopes Pacheco era predominante na política e diplomacia

89

SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Op. cit., p. 278. 90

FERNANDES, Fátima Regina; FRIGHETTO, Renan. Op Cit. p. 165-166.

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lusitana. Como anteriormente comentamos, a proximidade de um membro da alta

nobreza com o rei ou com a família real lhe garantia prerrogativas e garantias de poder e

esta posição deveria ser defendida. No caso de Diogo Lopes Pacheco, sua situação de

destaque na nobreza lusitana era uma posição muito nova, herdada de seu pai que por

lealdade a Afonso IV na criação do infante teria sido alçado da condição de cavaleiro à

de rico-homem. Era necessário que este personagem estivesse sempre atento às

potenciais ameaças ao seu redor. Quando Inês de Castro começou a ganhar o favor do

príncipe e assim, seus irmãos começaram a se aproximar demais dos negócios da Coroa,

o Pacheco sentiu o odor do perigo.

Se para Afonso IV a castelhana representava risco da perda da independência

lusitana e o risco da morte do único herdeiro legítimo de D. Pedro I, para Diogo Lopes

Pacheco, Inês representava, através de seus irmãos, a perda de sua posição social, de seu

favorecimento junto à família real, da possibilidade de crescimento de suas

propriedades, domínios e influências e a ele interessava muito que Inês desaparecesse.

A fórmula parecia simples: encerrado o problema com Inês, seus irmãos não poderiam

mais exercer influência sobre o Infante. Acabariam, de uma só vez, os problemas

políticos da Coroa e os problemas pessoais de Diogo Lopes Pacheco. Persuadido o

monarca, o estratagema para exterminar o problema que se traduzia em Inês era esperar

que o Infante se fizesse ausente e executar a sentença decretada por Afonso IV.

Concordamos com Miguel Corrêa Monteiro: não deve ter sido uma decisão fácil de se

tomar.91

Fernão Lopes nos diz que o rei D. Afonso IV estivera presente à ocasião da

execução de Inês de Castro, o que a historiografia nos mostra ter sido improvável.92

O assassinato de Inês de Castro fora tratado pela lenda e pela literatura como um

crime cruíssimo por parte de D. Afonso e seus asseclas. Em nossa fonte, Luís de

Camões refere-se aos executores da sentença perpetrada pelo rei como “brutos

91

MONTEIRO, Miguel Corrêa. Razões de Estado x Razões do Coração. In: SOUSA, Maria

Leonor Machado de. (Org.) Op. cit., p. 44. 92

“E por aqui lhe foy dizendo taes cousas, que ElRey, posto que de condição dura, se moveo à

piedade com ellas, e com sua vista, e fermosura, della, e dos trez meninos; e voltou arrependido da

crueldade, que intentava fazer, não a querendo já executar.

Vendo isto os que o acompanhavaõ, principalmente Alvaro Gonçalves, Meirinho Mór do Reyno,

Pedro Coelho, e Diogo Lopes Pacheco, Senhor de Ferreira, entenderaõ que revogava a sentença, e a

queria deixar livre; do que aggravados começáraõ a queixarse delle, porque trazendo-os alli com

aquella publica determinaçaõ, deixando-a com vida, os metia a elles em manifesto odio, e perigo dalli em

diante com ella, e com o Infante, e com todos os seus pelo caso; e tanto lhe encarecéraõ isto, e outros

perigos que allegavaõ, que elle lhes deu licença para que entrassem a matalla; e assim o executáraõ,

matando às punhaladas a mais fermosa, e engraçada Dama, que conheceo aquelle seculo, e soube

encarecer a antiguidade, ou degolando-a, como diz o livro da Noa de Santa Cruz de Coimbra, referido

por Barboza, em 7 de Janeiro de 1355.” Ver: LOPES, Fernão. Op. cit., p. 466-467.

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matadores” e “homicidas”.93

Entretanto, ao longo de nossa análise pudemos

compreender que mesmo que as circunstâncias da morte da Castro tenham sido das mais

sinistras, o rei estava suas próprias determinações sobre o que ele acreditava ser o

melhor para seu reino e seu domínio. A decisão de Razão de Estado do monarca

lusitano sobre a qual lançamos tantos olhares teve a participação de interesses

senhoriais, a interferência de nobres que temiam perder sua hegemonia e seu poder

político para a parentela de Inês. Estavam em jogo o fluxo e o refluxo das correntes de

poderio palaciano e, por mais que a nobreza e a monarquia, conforme analisamos

anteriormente, fossem forças híbridas, a decisão legítima sobre a vida e a morte de cada

súdito ainda assim pertencia ao rei. D. Afonso IV fez uso – e Camões, inspirado por

Maquiavel e pelo que este formulou sobre Virtù em sua obra, nos ilustrou bem esta

passagem – de seu poder monárquico e soberano de justiça sumária em prol do bem

maior de seu reino, sua dinastia, sua sucessão e o poderio político da legitimidade de

seu descendente, o Infante D. Fernando.

III. DA CONTROVÉRSIA MATRIMONIAL

Uma das dúvidas que mais frequentemente paira sobre as cabeças daqueles que

dedicam-se ao estudo do episódio inesiano é “Foram Pedro e Inês realmente casados?”.

Pertinente às questões de legitimidade, o casamento de Inês e Pedro (ou o não-

casamento) determinariam se os filhos que se originaram deste consórcio tão especulado

foram ou não pretendentes legítimos ao trono de Portugal por ocasião da morte sem

filhos varões do herdeiro sabidamente legítimo de D. Pedro I, D. Fernando I. Já

sabemos que esta era uma das maiores preocupações de D. Afonso IV no que concernia

à questão inesiana, uma provável tentativa de usurpação do trono por descendentes

ilegítimos – e familiarmente ligados aos Castro castelhanos – de de seu filho e uma das

motivações políticas centrais da execução de D. Inês de Castro. A historiografia se

divide e mais: as próprias fontes se dividem sobre este aspecto em particular dos

eventos. Por exemplo, em sua Crônica, Fernão Lopes abstém-se de comentar a

controvérsia:

“Livre o Infante do vinculo do Matrimonio, apoderou-se logo de todo

de Ignez Pires,94

e a retirou do Paço para os de Santa Clara de

93

CAMÕES, Luís Vaz de. Op. cit., p. 113-114. 94

O nome completo de D. Inês de Castro – e na grafia antiga – era Ignez Pirez de Castro. De

acordo com a regra dos patronímicos espanhóis, o “Pirez” viria antes do “de Castro”, regra modificada

quando ela passou a viver em Portugal, onde o patronímico é o nome paterno. Ver: LOPES, Fernão.

p.430-431.

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Coimbra, fundados pela Rainha Santa Isabel, sua avó, com promessa

sem duvida de vir a ser sua esposa, e futura mulher, como he o mais

certo, nem he de presumir que ella se lhe entregasse sem esta

condiçaõ, e ainda segurança della, o que parece que elle cumprio,

recebendo-a por tal dahi a alguns annos occultamente em Bragança na

fórma em que o refere a Chronica, e com as duvidas, que alli se vem;

mas tendo-a sempre com titulo de manceba, do que muitos crem que

ella nunca mais passou a mais, em cuja disputa eu me não quero

intrometer, porque ella seus Defensores tem, que advogaõ por sua

causa.”95

Fernão Lopes acredita ser improvável que Inês se entregasse aos amores e vontades de

Pedro sem uma promessa ou garantia de casamento, mas prefere não se envolver numa

discussão que, possivelmente, considerava infrutífera.

A questão se faz importante: para que os quatro filhos de Pedro que Inês deu à

luz – inclusive o primogênito, Afonso, morto ainda menino – fossem legitimados como

tais, e mais, como Infantes de Portugal, era preciso que seus pais tivessem sido casados

legitimamente perante a Igreja Católica,96

caso contrário, seriam bastardos de situação

delicada na Corte. A legitimação dos filhos de Inês de Castro significava, entretanto, um

perigo sucessório; o primogênito de D. Pedro – filho de D. Constança – era o herdeiro

da Coroa de Portugal mas este posto era muitíssimo frágil, sujeito à morte do herdeiro,

usurpações e variados tipos de golpes. A sucessão compunha um dos motivos do que a

historiografia chamou de Razão de Estado, utilizada para explicar a decisão tomada por

D. Afonso IV de Portugal para sentenciar Inês à morte.

Outro fator que adiciona peculiaridade à controvérsia do casamento é a postura

de D. Pedro sobre esta questão: ele, enquanto príncipe, não assumira seu provável

compromisso marital com D. Inês e nem manifestara desejo de casar-se com ela – ou

com qualquer outra dama que fosse – mantendo-se amancebado com a castelhana por

quase uma década a partir da morte de D. Constança (em Novembro de 1345). A

historiografia, novamente, está incerta. A hipótese de Joaquim Veríssimo Serrão é que

D. Pedro estivesse tentando proteger D. Inês e seus filhos das conspirações palacianas e

contestações nobiliárquicas enquanto ainda não subia ao trono, assim como também

tentaria proteger a herança sucessória de D. Fernando97

– já pudemos perceber ao longo

de nosso trabalho, que, se esta fora a intenção do Infante, ela fora tremendamente

malograda: Inês é morta e os filhos desta concorreram ao trono lusitano na crise

95

LOPES, Fernão. p. 433-434 96

SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Op. cit., p. 277. 97

SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Op. cit., p. 274.

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sucessória deixada por D. Fernando, três décadas depois do episódio inesiano, ao morrer

sem herdeiros.

Entretanto, esta é uma digressão. Recorremos ao Livro das Leis e Posturas –

publicação onde encadernam-se leis do Estado Português que remetem da época de D.

Afonso II98

até aproximadamente 1370 – para saber como o Direito da época via o

amancebamento dos casais:

“Como se proua o Cassamento per fama

Ustume (sic) (274) he dissi he dereyto que se huu home viue com hua

molher e manteem cassa anbos desuu por sete annos continuadamente

chamando se anbos Marido e molher se fezerem conpras ou uendas ou

emprazamentos e se posserem em elles nos stromentos ou cartas que

fezerem Marido e molher. E na vizijidade ou ouuerem por Marido e

por molher nom pode nenhuu deles negar o Cassamento e que lhos

ham por Marido e por molher ainda que nom seiam Cassados em façe

da Egreiya.”99

Ou seja, a legislação lusitana da época do episódio inesiano nos diz que se um homem e

uma mulher vivem juntos e realizam demandas domésticas juntos, se são publicamente

vistos juntos como um casal – e se o público assim os souber e reconhecer, não se pode

negar o casamento, ainda que não sejam casados através dos processos religiosos da

Igreja. A isto, o Direito lusitano medieval chama de Casamento por Fama.

Anteriormente, ainda no Livro de Leis e Posturas, há uma lei sobre o casamento na qual

se determina a sua validade, quer este seja efetuado pública ou clandestinamente:

Os cassamentos todos se podem fazer per aquelas perauoas (sic) que a

santa Egreiya manda atando que seiam taaes que possan casar sem

peccado. E que todo cassamento que posa seer prouado quer seja a

furto quer conhoçudamente uallra se os que assy cassarem forem

didade compryda como he de costume.100

Neste trecho podemos perceber que o Direito reconhece que pessoas que tenham se

casado religiosamente na clandestinidade tem seu matrimônio – e seu estado marital –

considerados como válidos e legítimos, sem pecado, desde que assim seja provado.

Estes dois trechos de legislação pode nos ajudar a compreender que D. Pedro e D. Inês,

apesar de aparentemente manterem uma relação amásia, poderiam ter sido

98

Lê-se no início do Livro das Leis e Posturas: “Estas som as leys e as posturas que fez o muy

nobre Rey Dom affonso de Portugal e mandou aos Reys que uessem depos el que as guardassem. (sic)”

Ver: SILVA, Nuno Espinosa Gomes da. Livro das Leis e Posturas. Lisboa: Universidade de Lisboa,

1971. p. 9. Disponível em: <http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verobra.php?id_obra=57> Acesso em: 20

out. 2011. 99

SILVA, Nuno Espinosa Gomes da. Op. cit., p. 437. 100

Idem. p. 204.

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legitimamente casados. A realização de um casamento não exigiria grande logística por

parte do casal e suas testemunhas, como nos versa Antônio Henrique de Oliveira

Marques quando nos apresenta análises sobre os matrimônios medievais:

O costume medieval respeitou o uso romano do casamento:

simples acordo entre duas partes, solenizado ou não por rituais

religiosos. (...) ‘Recebo-te por minha; recebo-te por meu.’ Estas

simples palavras (as chamadas palavras de presente), se pronunciadas

sob juramento entre homem e mulher legalmente aptos a constituírem

união, chegavam para celebrar o matrimônio. Nem era indispensável a

presença de testemunhas. Bastava que os novos conjugês, vivendo

agora em comum, declarassem a quem o quisesse saber que haviam

prometido um ao outro fidelidade e amor.

Esta forma tão simples de casamento convinha em especial

aos humildes (...) Mas convinha também aos amores clandestinos,

cujas famílias se opusessem ao consórcio. (...)

A estes matrimônios clandestinos, mas válidos em seus

efeitos práticos, chamavam os portugueses de então casamentos a

furto e casamentos de pública fama, consoante se realizavam em

segredo ou se reconheciam por coabitação notória.101

Pudemos, portanto, perceber a plausibilidade de um casamento legítimo entre D.

Pedro e D. Inês, ainda que clandestino. No Suplemento de sua crônica, Fernão Lopes

nos diz que, quatro anos após sua subida ao trono de Portugal, o próprio D. Pedro I fez

uma confissão pública de seu casamento clandestino com Inês de Castro, chamando

diversas testemunhas da fidalguia para confirmar a legitimidade de seu matrimônio e

antes disto era por todos sabido que viveram em comunhão de fins de 1345 (após a

morte de D. Constança) até a época da morte da castelhana, em Janeiro de 1355. Ora, se

este era o costume, mesmo que inconveniente para a realeza, então de onde vem a

dúvida sobre a existência desta legitimidade matrimonial?

Tudo indica que a contestação da legitimidade do casamento de Pedro e Inês

veio a dar-se à época do problema sucessório que aconteceu depois que D. Fernando I

morreu sem deixar filho que lhe herdasse o trono. Antes deste evento, à época de seu

reinado e solicitação de legitimidade matrimonial, D. Pedro I pronunciou-se sobre o

acontecido numa carta onde orienta seu embaixador ao Papa, Giraldo Esteves, a insistir

no requerimento e na legitimação do casamento e de seus filhos. Citamos Fernão Lopes

que cita a correspondência do rei – com grifos do autor:

Morta Dona Ignez de Castro, como está visto, e falecido

tambem dahi a dous annos ElRey D. Affonso IV. no de 1357. tanto

que D. Pedro se vio possuidor da Coroa, e com o mãdo do Reyno,

tratou logo de investir de novo com a legitimaçaõ de seus filhos para

101

MARQUES, A. H de Oliveira. A sociedade medieval portuguesa. Lisboa: Sá da Costa, 1974. p.

115.

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que sem escrupulo pudessem ser seus herdeiros na herança deste

Reyno, offerecendo-se occasiaõ disso; para que o escreveo ao Papa

Innocencio VI. que então governava a Igreja de Deos, e lhe mandou

por Embaixador Giraldo Esteves com outros Cavalheiros de sua

companhia; e do que levou por instrução o que toca a este

requerimento he o seguinte.

"Outro si lhe direis em Camara que ElRey recebeo

por palavras de presente a Dona Ignez de Castro, que Deos perdoe,

como manda a Santa Madre Igreja, da qual houve seus filhos, com a

qual havia divedo, e que lhe pede que praza a Sua Santidade de

outorgar, ratificar e afirmar o dito casamento nom embargando o dito

divedo de linhagem que com ella havia, assi que por tal confirmança,

e legitimança, os ditos filhos, que assi della tem, sejão legitimos, e que

hajão, e possão haver aquillo, que haverião nom havendo ahi o dito

embargo de linhagem. E com isto apertay para haverdes delle bom

despacho, &c." E mais adiante tornava a apertar com o mesmo

negocio, como cousa, que mais dezejava, que todas as outras, que

mandava requerer, dizendo:

"Outro si, se virdes que o Papa vos outorga cada

huma das quatro cousas primeiras em rezão das pedidas das Igrejas,

pedi-lhe logo o mais da legitimação do casamento, e depois as outras

cousas, pela forma que aqui saõ escritas. E bom vos outorgando cada

huma das quatro cousas vós toda via have-vos de sorte que alcanceis

despacho da dita confirmação do casamento, em forma que os moços

fiquem legitimos. E quanto he das duas pedidas nom cureis disso

&c."102

Portugal, depois da morte de D. Fernando, entrou numa profunda crise política

que incluiu guerra civil, guerra com Castela, disputas palacianas e incertezas sobre

quem deveria ocupar o trono que o filho de Pedro e Constança deixou vacante.

Enquanto o filho de D. Pedro I e uma dama sua manceba chamada D. Tereza Lourenço,

o Mestre de Avis D. João fora declarado regente durante o Interregno, solução

encontrada para resolver os grandes impasses foi a convocação de Cortes em Coimbra:

Foi o problema sucessório que preencheu a maior parte dos

trabalhos, uma vez que três partidos apareceram a competir na disputa

do trono: o pró-castelhano, que defendia os artigos da escritura de

Salvaterra considerando que D. Beatriz e seu marido eram reis de

Portugal; o da legitimidade, que se inclinava para a linha colateral de

D. Fernando, na pessoa do infante D. João, considerado filho legítimo

de D. Inês de Castro; e o português, que sem descurar o quadro do

direito dava primazia à grave situação política e via no Mestre de Avis

a imediata solução de interesse nacional.103

Nesta reunião da fidalguia ibérica para decidir qual destes herdeiros presuntivos ao

trono de Portugal, uma figura em especial destacou-se e foi decisiva para derrubar as

ambições do infante D. João, filho de Inês de Castro, à realeza: João das Regras.

(...) As Cortes revelaram um hábil jurista na pessoa do

doutor João das Regras (...) A sua argumentação foi sucessivamente

102

LOPES, Fernão. Op. cit., p. 490-493. 103

SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Op. cit., p. 306-307.

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negativa, para demonstrar a falta dos direitos dos restantes candidatos

e, positivos para elevar os dons e serviços do Mestre de Avis (...)

Quanto aos filhos de Inês de Castro, era manifesta a sua bastardia,

ainda que D. Pedro I tivesse querido legitimar a união por força de um

casamento secreto. Segundo o advogado, havia contudo, provas

documentais de que a Igreja não aceitara as razões do monarca (...)

Sendo o trono declarado vago, o seu preenchimento na pessoa do

regedor seria mais fácil de alcançar (...) A voz de João das Regras

levanta-se então para defender a posição do Mestre de Avis.104

O jurista João das Regras levantou nas Cortes uma controvérsia que se estende

na historiografia inesiana até a atualidade. O jurista, que não teve seu discurso

documentado ipsis literis provavelmente apoiou-se nas Leis e Posturas do reino ao

alegar que a decisão papal não teria sido favorável à causa legitimadora de D. Pedro

sobre seu casamento com D. Inês. As Leis e Posturas nos dizem que o Direito Canônico

se sobrepõe ao Direito Português em questões onde as duas legislações se conflituam.105

Voltamos, outra vez, à estaca zero: a Igreja de Roma encontrava-se desde o início do

século XIV em crise própria, com usurpação do trono de S. Pedro, um antipapa em

Avignon e o Papa oficial em Roma.106

As decisões que um tomava, os demais

ordenavam ao contrário e assim as Bulas e Epístolas encontravam-se em desordem.107

O

que nos é relevante, entretanto, é que a argumentação de João das Regras não só foi

eficiente na obtenção da meta de elevar D. João Mestre de Avis ao trono – tornando-se

ele então, D. João I de Portugal, fundador da Dinastia de Avis – mas também plantou na

historiografia uma grande dúvida sobre se foram ou não casados legitimamente Inês e

Pedro.

A controvérsia sobre a legitimidade do casamento do rei português com sua

amada persistirá, não seremos nós a estabelecer definitivamente se Pedro e Inês foram

ou não um casal legítimo. Provavelmente, outros colegas historiadores também não

seram capazes de trazer à tona as convicções desta questão uma vez que as pessoas que

lha poderiam esclarecer já são finadas há mais de seis centúrias. O quinhão que nos

compete nela é: procuramos expôr a consistência da possibilidade deste matrimônio ter

se realizado, assim como o contrário também se verifica: as causas políticas da morte de

Inês de Castro podem ter sido levantadas em vão, se tivermos em mente que existia a

104

Idem, p. 307. 105

“Outrosy estabeleçeo que as sas leys sseiam guardadas e os dereytos da sancta Egreia de Roma

Conuem a ssaber que sse forem fectas ou estabeleçudas contra eles ou contra a sancta Egreia que nom

ualham nem tenham. (sic)” Ver: SILVA, Nuno Espinosa Gomes da. Op. cit., p. 10. 106

O Papa que concedera a dispensa de legitimação de casamento e prole para D. Pedro I e a finada

D. Inês foi Inocêncio VI, residente em Avignon. Ver: LOPES, Fernão. Op. cit., p. 490-504. 107

MARQUES, A. H. de Oliveira. Op. cit., p.183.

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probabilidade da castelhana ter sido legitimamente casada com o Infante Pedro. O

estopim de toda a questão inesiana foi o temor que perspassou a mente D. Afonso IV ao

pensar na possibilidade do trono de seu reino ser usurpado por filhos ilegítimos que

poderiam vir a macular a Dinastia de seus antepassados que dera origem ao reino de

Portugal. A intenção não é de tomar lados numa discussão que provavelmente ocorre há

séculos e sim observar as possibilidades de existência plausível das duas alternativas

apresentadas pela historiografia e intensificar a reflexão sobre as correntes políticas e

sobre a plausibilidade da Razão de Estado que levou Inês de Castro a morrer em 7 de

Janeiro de 1355.

CONCLUSÃO

ESCAPANDO À LEI DA MORTE

Formosa filha minha, não temais

Perigo algum nos vossos Lusitanos,

Nem que ninguém comigo possa mais

Que esses chorosos olhos soberanos;

Que eu vos prometo, filha que vejais

Esquecerem-se Gregos e Romanos,

Pelos ilustres feitos que esta gente

Há-de fazer nas partes do Oriente.108

Na estrofe acima, nós testemunhamos Júpiter, o rei dos deuses do panteão

romano, prometer à sua filha Vênus, protetora dos portugueses, que a gente dela faria

coisas tão grandiosas que todas as pessoas do mundo se esqueceriam dos feitos gregos e

romanos. Antes desta promessa, Vênus chorara e se desesperara ao pai, pedindo para

que ele conduzisse a esquadra de Vasco da Gama a um porto seguro onde se salvassem

do perigo que corriam no mar, alegando que os lusitanos, “mísera gente peregrina”109

,

navegava a serviço do rei dos deuses. Muitos caminhos a mísera gente peregrina

percorreu até chegar ao ano de 1499, quando Vasco da Gama atingiu a Índia, mais

outros tantos até 1572 quando Os Lusíadas foi publicado. Luís de Camões narrou

alguns destes caminhos que levaram Portugal à glória imperial.110

A fonte desta nossa Monografia, o episódio de Inês de Castro, é uma via obscura

do épico de Camões: atípica, um ponto fora da curva narrativa que o poeta estabeleceu

108

CAMÕES, Luís Vaz de. Op. cit., p. 60. 109

Idem. p. 57. 110

Camões fez narrativas sobre os feitos lusitanos no século XVI no Canto Décimo de sua epopeia,

através dos episódios do Banquete da Ilha dos Amores, onde uma Ninfa faz para da Gama uma previsão

do futuro dos heróicos lusitanos e da Máquina do Mundo, onde Vênus apresenta ao navegador a extensão

do Império Português. Neste trecho do poema, podemos acompanhar uma demonstração do gênio

polimata do poeta, dominador de assuntos das mais variadas áreas do conhecimento.

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como sua guia pela história da formação de Portugal. Nos foi possível, entretanto, traçar

a linha de raciocínio camoniana que inseriu o drama de Inês e Pedro em sua obra, quase

imperceptível, escondida atrás dos encantos líricos e da neblina do romance. Pudemos

perceber que Luís de Camões nos falou até quando nos omitiu dados – por exemplo, ao

tratar com sutileza extrema as motivações políticas de D. Afonso IV para executar Inês.

Também fomos capazes de analisar que, mesmo quando disfarçou elementos e

acontecimentos sob o véu mitológico – como quando Fortuna (ou as determinações do

monarca) interrompe os idílicos momentos de Inês à beira do Mondego – Luís de

Camões foi generoso ao nos deixar pistas delicadas sobre o fundo político do

assassinato de Inês de Castro.

“O caso triste e digno de memória, que do sepulcro os homens desenterra”111

.

Foi dessa maneira que Camões nos apresentou o drama inesiano, erguendo as almas dos

túmulos para que ouvissem a trama assombrosa que ele nos contaria, engendrada não

pela mente criativa de um lírico, mas pelas urgências violentas da governança de um

Estado tão novo quanto era Portugal naquele 7 de Janeiro de 1355. Pudemos ver quais

as influências contextuais do Renascimento que o poeta abraçou no desenvolvimento de

seu texto: Maquiavel se faz presente, com o dualismo entre Virtù e Fortuna, dois

conceitos divergentes, porém simbióticos, que estão refletidos na relação que Camões

estabelece entre o rei e a dama castelhana. A Virtù de Afonso IV declararia a Fortuna de

Inês, ou seja: as decisões que o monarca tomara para o que ele julgara ser o melhor para

o seu reino interferiram diretamente no destino da amante do seu filho, sem que ela

pudesse controlar, através do Livre Arbítrio que compete a todos os seres humanos, este

destino fatal. A Fortuna de um começa onde termina a Virtù do outro. Opostos, porém

juntos, Afonso IV caminha ao lado de Inês na jornada para escapar à Lei da Morte.

Vimos que Petrarca também está no hall daqueles que influenciaram o trabalho

de Luís de Camões: através da sua idealização da figura da mulher amada é que o

lusitano se inspira para narrar a descrição de Inês que Vasco da Gama deu ao Rei de

Melinde: mansa, inocente e inadvertida do cruel fado que se avizinhava, a Castro soa

tão etérea e tão distante quanto a Laura petrarquista, como se o puro amor a fizesse

ofuscante e a elevasse a um pedestal. O toscano Petrarca aplica em sua Laura uma

idealização de amor que, como pudemos ver, está presente na filosofia de Platão. Vimos

que para o grego, o amor deveria ser subjetivo e afastado da carne para atingir a

111

Idem. p. 109.

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perfeição emocional e a elevação do espírito. Esta concepção de amor esteve presente

durante o Renascimento e não teria sido diferente com Camões.

Entretanto, o outro lado do amor também figura no episódio inesiano: aquele que

enlouquece, o amor terreno, que prende o indivíduo ao sentimento mesquinho e egoísta,

ao desespero da perda. Platão diz que a alçada da alma às condições mais elevadas de

consciência é travada por este tipo de agonia amorosa. O representante desta angústia no

episódio inesiano é Pedro, cego pela dor da morte da amada, ele se vinga dos

assassinos. Camões adjetiva Pedro como “cruíssimo”, “duro”, “castigador rigoroso”,

“fero” e “iroso”112

, nada galante para um homem que a historiografia e as crônicas

apresentam como amantíssimo daquela mulher, ao ponto de venerá-la ao máximo ainda

mesmo depois da morte, sem esquecer de honrá-la como sua mulher e mãe de seus

filhos nem em testamento.113

A razão está nas duas faces de amor que Camões, baseado

no neoplatonismo petrarquista, nos exibiu: a idealização da espera de Inês, serena e

segura, feérica e plácida “ensinando aos montes e às ervinhas o nome que no peito

escrito tinhas”114

versus o fero amor de Pedro, a inconsequência da caça dos assassinos,

o bruto castigo, a ferocidade da vingança. Camões nos exibe a possibilidade da crueza

de Pedro ser oriunda da grande perda sofrida por ele e que o Infante – e posteriormente

monarca – não encontrou sossego enquanto seu amor tão violento e terreno não viu

vingada a morte de Inês. O poeta nos diz que apenas no castigo dos criminosos é que

Pedro encontrava refrigério e esta personalidade tão telúrica é claramente criticada por

ele e pela corrente filosófica neoplatonista como autodestrutiva e prejudicial ao reino,

erro no qual soberano algum, segundo Maquiavel, poderia cair, ainda mais por

sentimentos tão avessos à governança. Entretanto, Pedro fora Infante temerário e Rei

justo, porém imprudente; mas antes disso um indivíduo, um ser humano, que apesar de

ter de ser versado na Virtù, foi arrebatado pela Fortuna.

Inês, Pedro e Afonso não poderiam contar jamais com o surto deste drama

histórico. Nem que duzentos anos depois, figurariam de modo atípico no cânone de

maior expressão da língua portuguesa, o caso para eles era finito. Já era tarde, Inês já

lhes era morta. E entretanto, cá estão os três, mais de seiscentos e cinquenta anos

112

CAMÕES, Luís Vaz de. Op. cit., p. 114. 113

O testamento de D. Pedro I tem uma série de recomendações a seu filho, D. Fernando. Entre os

últimos desejos do rei, constam alguns relacionados à Inês: para que seu sucessor o sepulte próximo a ela

e que missas em honra dela sejam celebradas junto às missas dedicadas a ele, com uma determinada

frequencia. Pedro ainda recomenda ao filho que honre os irmãos bastardos, já que pertenciam ao mesmo

sangue. Ver: LOPES, Fernão. Op. cit., p.563–574. 114

Idem, p. 110.

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depois, fazendo-nos a refletir sobre o processo incomum e quase paradoxal que, através

de um assassinato de valores políticos, de prerrogativas de Estado os levou a escapar a

Lei da Morte. Para conhecer os motivos que levaram Luís de Camões a escrever o

episódio de Inês de Castro, foi preciso a sutileza de perceber o contexto camoniano

dentro da narrativa sobre a castelhana: as alegorias, as metáforas, as comparações, a

habilidade narrativa de um gênio literário que, à primeira leitura d’Os Lusíadas, nos

parece equivocado ao trovar sobre a história de amor entre um príncipe e sua amante, ao

narrar um drama de família, uma tragédia sem par mas que, aparentemente, não

pertence ao raciocínio camoniano. Estranhar foi o primeiro passo para nos aprofundar

nessa questão política tão densa que Luís de Camões nos expõe de maneira vivaz e nada

óbvia.

Apenas a História seria capaz de responder às questões que Camões nos incutiu

quando nos apresentou Inês. Através da História é que pudemos levantar o véu do lírico

e nos abater com a perplexidade de ver o que estava tão próximo de nossos olhos e que

por um lirismo tão refinado, por pouco não nos escapa. E de Luís de Camões tiramos a

grande lição que não esqueceremos jamais: quase sempre, quando nós historiadores

temos a nossa frente o incomum e não tememos sua exploração, a estrada vai além do

que se vê.

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ANEXO I – ÁRVORE GENEALÓGICA DE PEDRO I DE PORTUGAL E INÊS DE

CASTRO

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ANEXO II

OS LUSÍADAS – CANTO III, ESTROFES 118 A 137.

“Passada esta tão próspera vitória,

Tornado Afonso à Lusitana Terra,

A se lograr da paz com tanta glória

Quanta soube ganhar na dura guerra,

O caso triste e digno da memória,

Que do sepulcro os homens desenterra

Aconteceu da mísera e mesquinha

Que depois de ser morta foi Rainha.

Tu só, tu, puro amor, com força crua,

Que os corações humanos tanto obriga,

Deste causa à molesta morte sua,

Como se fora pérfida inimiga.

Se dizem, fero Amor, que a sede tua

Nem com lágrimas tristes se mitiga,

É porque queres, áspero e tirano,

Tuas aras banhar em sangue humano.

Estavas, linda Inês, posta em sossego,

De teus anos colhendo doce fruto,

Naquele engano da alma, ledo e cego,

Que a Fortuna não deixa durar muito,

Nos saudosos campos do Mondego,

De teus formosos olhos nunca enxutos,

Aos montes ensinando e às ervinhas

O nome que no peito escrito tinhas.

Do teu Príncipe ali te respondiam

As lembranças que na alma lhe

moravam,

Que sempre ante seus olhos te traziam,

Quando dos teus formosos se

apartavam;

De noite, em doces sonhos que

mentiam,

De dia, em pensamentos que voavam;

E quanto, enfim, cuidava e quanto via

Eram tudo memórias de alegria.

De outras belas senhoras e Princesas

Os desejados tálamos enjeita,

Que tudo, enfim, tu, puro amor,

desprezas,

Quando um gesto suave te sujeita.

Vendo estas namoradas estranhezas,

O velho pai sisudo, que respeita

O murmurar do povo e a fantasia

Do filho, que casar-se não queria,

Tirar Inês ao mundo determina,

Por lhe tirar o filho que tem preso,

Crendo com sangue só da morte indigna

Matar do firme amor o fogo aceso.

Que furor consentiu que a espada fina,

Que pôde sustentar o grande peso

Do furor Mauro, fosse alevantada

Contra uma fraca dama delicada?

Traziam-na os horroríficos algozes

Ante o Rei, já movido a piedade;

Mas o povo, com falsas e ferozes

Razões, à morte crua o persuade.

Ela, com tristes e piedosas vozes,

Saídas só da mágoa e saudade

Do seu príncipe e filhos, que deixava,

Que mais do que a própria morte a

magoava.

Para o céu cristalino alevantando,

Com lágrimas, os olhos piedosos

(Os olhos, porque as mãos lhe estava

atando

Um dos duros ministros rigorosos);

E depois, nos meninos atentando,

Que tão queridos tinha e tão mimosos,

Cuja orfandade como mãe temia,

Para o avô cruel assim dizia:

‘Se já nas brutas feras, cuja mente

Natura fez cruel de nascimento,

E nas aves agrestes, que somente

Nas rapinas aéreas têm o intento,

Com pequenas crianças viu a gente

Terem tão piedoso sentimento

Como com a mãe de Nino já mostraram,

E cos irmãos que Roma edificaram:

Ó tu, que tens de humano o gesto e o

peito

(Se de humano é matar uma donzela,

Fraca e sem força, só por ter sujeito

O coração a quem soube vencê-la),

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A estas criancinhas tem respeito,

Pois o não tens à morte escura dela;

Mova-te a piedade sua e minha,

Pois te não move a culpa que não tinha.

E se, vencendo a Moura resistência,

A morte sabes dar com fogo e ferro,

Sabe também dar vida, com clemência,

A quem para perdê-la não fez erro.

Mas, se to assim merece esta inocência,

Põe-me em perpétuo e mísero desterro,

Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente,

Onde em lágrimas viva eternamente.

Põe-me onde se use toda a feridade,

Entre leões e tigres, e verei

Se neles achar posso a piedade

Que entre peitos humanos não achei.

Ali, com amor intrínseco e vontade

Naquele por quem morro, criarei

Estas relíquias suas que aqui viste,

Que refrigério sejam da mãe triste.’

Queria perdoar-lhe o Rei benigno,

Movido pelas palavras que o magoam;

Mas o pertinaz povo e seu destino

(Que desta sorte o quis) lhe não

perdoam.

Arrancam das espadas de aço fino

Os que por bom tal feito ali apregoam.

Contra uma dama, ó peitos carniceiros,

Feros vos amostrais e cavaleiros?

Qual contra a linda moça Polycena,

Consolação extrema da mãe velha,

Porque a sombra de Aquiles a condena,

Com ferro o duro Pirro se aparelha;

Mas ela, os olhos, com que o ar serena

(Bem como paciente e mansa ovelha),

Na mísera mãe postos, que endoudece,

Ao duro sacrifício se oferece:

Tais contra Inês os brutos matadores,

No colo de alabastro, que sustinha

As obras com que Amor matou de

amores

Aquele que depois a fez Rainha,

As espadas banhando e as brancas

flores,

Que ela dos olhos seus regadas tinha,

Se encarniçavam, férvidos e irosos,

No futuro castigo não cuidosos.

Bem puderas, ó Sol, da vista destes,

Teus raios apartar aquele dia,

Como da seva mesa de Tiestes,

Quando os filhos por mão de Atreu

comia!

Vós, ó côncavos vales, que pudestes

A voz extrema ouvir da boca fria,

O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,

Por muito grande espaço repetistes.

Assim como a bonina, que cortada

Antes do tempo foi, cândida e bela,

Sendo das mãos lascivas maltratada

Da menina que a trouxe na capela,

O cheiro traz perdido e a cor murchada:

Tal está, morta, a pálida donzela,

Secas do rosto as rosas, e perdida

A branca e viva cor, com a doce vida.

As filhas do Mondego a morte escura

Longo tempo chorando memoraram,

E, por memória eterna, em fonte pura

As lágrimas choradas transformaram.

O nome lhe puseram, que inda dura,

Dos amores de Inês, que ali passaram.

Vede que fresca fonte rega as flores,

Que lágrimas são a água e o nome

Amores.

Não correu muito tempo que a vingança

Não visse Pedro das mortais feridas,

Que, em tomando do Reino a

governança,

A tomou dos fugidos homicidas.

Do outro Pedro cruíssimo os alcança,

Que ambos, inimigos das humanas

vidas,

O concerto fizeram, duro e injusto,

Que com Lépido e Antônio fez

Augusto.

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