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Hölderlin | POEMAS lidos na «Letra E» do Espaço Llansol em 3 de Novembro de 2012

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Poemas de Hölderlin traduzidos por Maria Clara Salgueiro (i.e. Maria Gabriela Llansol), Bruno Duarte, Tomás Maia e João Barrento

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Page 1: Hölderlin-Poemas (Cadernos da LetraE)

 

Hölderlin | POEMAS lidos na «Letra E» do Espaço Llansol

em 3 de Novembro de 2012

 

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O curso da vida / Lebenslauf (2ª versão) Tu, tu também foste um sonhador de grandes coisas; mas o amor Nos faz curvar a todos para que passemos debaixo da sua lei; a dor curva-nos mais para a frente ainda. Mas, todavia, não é em vão que a órbita da nossa vida Regressa à origem de que partiu. Subir. Descer. Que importa? Na noite sagrada Em que a natureza se cala para poder sonhar com os dias que hão-de vir – e Até ao mais sinuoso e desleal dos infernos –, Não há-de existir uma lei recta, uma justiça que reine? É esse o fruto da minha experiência. Porque nunca deuses com imortalidade, Defensores da vida, nunca, que eu tenha a consciência, Me empurraram à sua frente e me levaram por caminhos fáceis, Como é hábito fazerem os grandes deste mundo, mortais. Os que têm trono na Imortalidade, dizem que o homem deve experimentar todas as coisas, E que, fortalecido por uma seiva pujante, deve aprender a dar graças Por todas as coisas, e que saiba, finalmente, que ele é livre De ir direito ao alvo que – para si – escolheu. (Tradução de Maria Clara Salgueiro, i. é Maria Gabriela Llansol)

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Os carvalhos / Die Eichbäume Ao sair dos jardins, vou até vós, ó filhos das montanhas. Ao sair dos jardins, onde a Natureza vive paciente e em casa, A dar o seio, e a ser tratada em troca – companheira dos homens que trabalham. Mas vós, magnificentes, vós levantais como um povo de Titans Por entre um ror de seres mais submissos; vós não obedeceis senão a vós mesmos, Ao céu que vos deu o alimento, e ensinou, e à terra que vos pôs no mundo. Nem um único de vós foi alguma vez à escola dos homens. Radiantes e livres irrompeis do âmago das vossas raízes tenazes, numa multidão compacta. Assim como a águia arrebata a presa, com um braço poderoso estreitais o espaço, Volvendo para as nuvens a amplitude serena dos vossos cumes inundados de sol. Um só de vós é – por inteiro – um mundo; iguais às estrelas, Viveis, como outros tantos deuses, em liberdade unidos. Se o meu coração não me prendesse tanto a essa vida quotidiana – Esse coração que não pode desistir de amar –, Que deleite eu não havia de sentir Por ser carvalho! (Tradução de Maria Clara Salgueiro, i. é Maria Gabriela Llansol)

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Metade da vida / Hälfte des Lebens Com peras douradas inclina-se E cheia de rosas selvagens ��� A terra para o lago, ��� Vós amáveis cisnes, E ébrios de beijos Mergulhais a cabeça Na água sagrada e sóbria. Ai de mim, onde irei apanhar, quando O Inverno vier, as flores, e onde O brilho do sol E sombras da terra? ��� Os muros erguem-se Mudos e frios, ao vento Rangem os cataventos.

(Trad. Bruno Duarte e Tomás Maia)

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[Num ameno azul... / In lieblicher Bläue...] Num ameno azul floresce, com o telhado metálico, o campanário. À sua volta pairam os gritos das andorinhas, cerca-o o mais tocante tom azul. Acima dele ergue-se no alto o sol, e dá cor à chapa metálica, ao vento, porém, lá em cima, range tranquilamente o catavento. Quando alguém desce então aqueles degraus, abaixo do sino, é uma vida serena, pois quando assim tão isolada se encontra a figura, a plasticidade do homem ganha então relevo. As janelas por onde tocam os sinos são como pórticos, na sua beleza. Pois, por serem os pórticos ainda feitos à imagem da natureza, parecem-se com as árvores da floresta. Mas também a pureza é beleza. No interior, a partir do que é distinto forma-se um espírito solene. Tão simples são porém as imagens, tão sagradas, que muitas vezes realmente se teme descrevê-las. Os celestiais, porém, sempre clementes, tudo de uma só vez, como ricos, possuem-nas, virtude e alegria. Tudo isto pode o homem imitar. Pode um homem, quando a vida é puro esforço, olhar para o alto e dizer: assim quero eu ser também? Sim. Enquanto perdurar ainda no coração a amabilidade, a pura, não será infortunadamente que o homem se mede com a divindade. Será Deus desconhecido? Será manifesto como o céu? — antes o creio. É do homem a medida. Pleno de mérito, mas poeticamente, assim habita o homem nesta terra. Mais pura porém não é a sombra da noite com as estrelas, se me é permitido dizê-lo, do que o homem, de quem se diz que é uma imagem da divindade. Existirá na terra uma medida? Nenhuma existe. Pois o andamento do trovão, nunca o impedirão os mundos do Criador. Até uma flor é bela porque floresce sob o sol. Tantas vezes encontra o olhar na vida seres que muito mais belos ainda de nomear seriam do que as flores. Oh, bem o sei! Pois sangrar do corpo e do coração, e deixar inteira-

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mente de ser, agradará isso a Deus? A alma porém, assim o creio, deve permanecer pura, de outro modo alcança o Poderoso a águia, levada pelas asas, com um cântico de louvor e a voz de muitos pássaros. É isso a essência, a figura. Tu, belo riacho, pareces comovente quando corres com tanta clareza como o olho da divindade através da Via Láctea. Conheço-te bem, e todavia jorram lágrimas dos olhos. Vejo florir à minha volta uma vida mais jovial nas figuras da Criação, pois não é injustamente que a comparo com os tristes pombos solitários no cemitério. O riso dos homens, porém, parece encher-me de amargura, pois tenho um coração. Gostaria eu de ser um cometa? Acredito que sim. Pois têm a celeridade dos pássaros; florescem ao contacto do fogo, e na sua pureza são como crianças. Aspirar a algo de maior, a tal não pode afoitar-se a natureza do homem. Também a serenidade da virtude merece ser louvada pelo espírito solene que sopra por entre as três colunas do jardim. Uma bela jovem tem de coroar a fronte com flores de mirto, porque é simples, no seu ser e no seu sentimento. Mirtos, porém, há-os na Grécia. Quando alguém se olha no espelho, um homem, e aí vê a sua imagem, como pintada; ela assemelha-se ao homem. Tem olhos a imagem do homem, tem luz, em contrapartida, a Lua. O Rei Édipo tem um olho a mais, talvez. Estes sofrimentos deste homem parecem indescritíveis, indizíveis, inexprimíveis. Se a peça apresenta algo assim, é por isso. Mas o que se passa comigo, que penso agora em ti? Como riachos, impele-me para lá o fim de alguma coisa que se estende como a Ásia. Claramente, este sofrimento — tem-no Édipo. Claramente, é por isso. Terá Hércules sofrido também? Certamente. Os Dioscuros, na sua amizade, não terão suportado também o sofrimento? Pois lutar com Deus, como Hércules, é isso o sofrimento. E a imortalidade na inveja desta vida, partilhá-la, é tam-

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bém um sofrimento. É também um sofrimento, porém, quando um homem se vê coberto de sardas, e fica completamente recoberto de inúmeras manchas! É o que faz o belo sol — pois tudo faz vir ao de cima. Rege o trajecto dos jovens com a atracção dos seus raios, como com rosas. Os sofrimentos que Édipo suportou parecem-se com um pobre homem que se lamenta pela falta de alguma coisa. Filho de Laio, pobre forasteiro na Grécia! A vida é morte, e a morte é também uma vida. (Tradução de Bruno Duarte)

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Às Parcas / An die Parzen Um verão, um só, potestades, me concedei! E um outono para que amadureça meu canto, Para que o coração, mais aberto, do doce Jogo saciado, por fim me morra. A alma, que em vida não gozou do divino Direito, também lá em baixo no Orco não tem paz; Mas se um dia o fogo sagrado que alimento No coração, o poema, me nascer perfeito, Bem-vindo sejas então, silêncio do mundo das sombras! Contente ficarei, ainda que os acordes da lira Comigo não desçam às profundezas. Uma vez Como os deuses terei vivido. E mais não é preciso. (Tradução de João Barrento)

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Como em dia de festa… / Wie wenn am Feiertage... Como em dia de festa, quando o homem do campo Sai pela manhã para olhar a sementeira, quando Da noite quente desceram fogos refrescantes Sem parar, e longe ainda se ouve a portentosa vibração dos ares, De novo ao leito se acomoda o grande rio, E o verde da terra se renova E a chama do céu alegra A cepa gotejante e no seu brilho Crescem para o sol tranquilo as árvores do bosque ______ Assim se erguem em tempo propício Aqueles que nenhum mestre até ao fundo forma, Moldados só pela poderosa natureza, divinamente bela, Omnipresente e rara na leveza do seu abraço. Por isso, quando ela, em certas épocas do ano, parece dormir, No céu ou entre as plantas e os povos, Também os rostos dos que adensam a palavra se entristecem, Parecem estar sós, mas são sempre futuro. E ela própria, futurando, repousa também. Mas desponta já o dia! Esperei e vi-o chegar, E o que vi, o sagrado, seja minha palavra. Pois ela, ela mesma, mais antiga que os tempos E senhora dos deuses de Ocidente e Oriente, A natureza, acordou agora com fragor de armas E das alturas do éter até aos abismos, Seguindo a firme lei das origens, gerado do sagrado caos, Uma vez mais se sente O júbilo da alma que tudo cria.

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E como a chama que nos olhos do homem se acendeu Ao conceber coisas sublimes, assim também Se incendeia de novo com os sinais, com os feitos do mundo, Um fogo na alma dos que adensam a palavra. E o que outrora aconteceu sem quase ser sentido Só agora é revelado, E podemos chamar pelo nome as fontes da vida Que a sorrir nos lavraram a terra Em figura de escravos: pujança viva dos deuses. Tens perguntas para eles? No canto sopra o seu ruah Quando brota do sol do dia e da terra quente Ou das vibrações troantes do ar, e de outras Que, mais preparadas no fundo dos tempos E mais grávidas de sentido, a nossos olhos mais legíveis, Se passeiam entre céu e terra e entre os povos São pensamentos do espírito mútuo Que culminam no silêncio da alma dos que adensam a palavra, De tal modo que ela, ferida, há muito tempo Hóspede da casa do infinito, estremece na lembrança E, incendiada pelo fogo sagrado, É-lhe dado conceber em amor a obra de deuses e homens, O dom do canto, que de ambos dará testemunho. Assim desceu, como dizem os que a palavra adensam, Sobre a casa de Semele, presa do desejo de ver o deus, O seu raio dardejante, e a mulher atingida Pariu o fruto da portentosa vibração do ar, Baco, sagrado. E por isso os filhos da Terra bebem Agora o fogo celeste, sem perigo.

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Mas cabe-nos, sob os trovões do deus, A nós e a vós que adensais a palavra, permanecer de cabeça nua E com a própria mão agarrar o dardo divino, Ele mesmo, e oferecer à luz comum, A edénica dádiva que o canto oculta. Pois se formos sem impostura, como as crianças, E nossas mãos sem culpa, Não as queimará o fogo puro do pai, E no mais fundo âmago tocado, sofrendo as dores do mais forte, No meio das tempestades do deus que do alto descem Quando ele se aproxima, o coração não vacila. Mas que fazer quando ___________ Que fazer? E se eu disser Que me aproximei para contemplar os do céu, Eles mesmos me lançarão para o abismo dos vivos, Para as trevas, a mim, falso oficiante, para que eu, Com um canto de aviso, mate a sede aos que querem aprender. Lá, nesse lugar ____________ (Tradução de João Barrento)

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3-XI-2012