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Rian Oliveira Rezende “Criadores de Mundos”: Uma análise do papel do designer nos Alternate Reality Games DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DEPARTAMENTO DE ARTES Programa de Pós-Graduação em Artes Rio de Janeiro, março de 2011

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Rian Oliveira Rezende

“Criadores de Mundos”: Uma análise do papel do designer nos Alternate Reality

Games

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

DEPARTAMENTO DE ARTES

Programa de Pós-Graduação em Artes

Rio de Janeiro, março de 2011

Page 2: Histórias Interativas - “Criadores de Mundos”: Uma …...8 Planos de aula do World Without Oil 172 8.1. Características gerais dos planos de aula 172 8.2. Análise do plano de

Rian Oliveira Rezende

“Criadores de Mundos”: Uma análise do papel do designer

nos Alternate Reality Games

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da PUC-Rio.

Orientadores:Prof. Dr. Nilton Gonçalves Gamba Junior Profa. Dra. Eliane Bettocchi Godinho

Rio de Janeiro, março de 2011

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à Celsimar de Rezende Figueira e Zaira de Oliveira Souza

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Agradecimentos

Aos meus pais, Zaira de Oliveira Souza e Celsimar de Rezende Figueira,

por tudo que fizeram por mim. Minha formação, meu gosto pelo conhecimento,

essa dissertação e minha vida não seriam nada sem a participação deles.

Ao meu orientador, Nilton Gamba Júnior, por ter me aceitado como

orientando e por ter me ajudado a desbravar as jornadas que essa dissertação

exigiu. Também encontrei um amigo que me apoiou em todas as minhas questões.

A minha co-orientadora e amiga Eliane Bettochi, que despertou minha

paixão pelo Design e me fez acreditar que alguém vindo das Ciências Sociais

poderia contribuir nesse campo. Ela foi fundamental também nessa jornada pelo

conhecimento e me ajudou nos momentos que não sabia qual caminho seguir.

A Carlos Klimick, um amigo que surgiu inesperadamente na minha vida e

que foi fundamental na minha formação, tanto na forma de encarar a vida quanto

em acreditar que um sonho – o de estudar jogos - é possível. Agradeço todo o

apoio e as agradáveis conversas, seja sobre a ciência, a vida ou assuntos nerds.

A Alessandra Lago de Lima, minha namorada e amiga, pelo apoio

incondicional, pelas conversas, e pela eterna paciência em meus pedidos de

revisão. Obrigado por tanto me ajudar, esse trabalho não existiria sem você.

Aos amigos e companheiros de RPG: David Mello, Douglas Draia,

Marcello Martins, Harlei Liguori, Jefferson Alves, Fernando Menucci, Thiago

Bisquolo e especialmente a Mariana Brandão e Carlos Eduardo Galhardo, que

tanto me ajudaram. Agradeço ainda a Guilherme Xavier e Bruno Baère, aos

amigos de mestrado e LaDeH – sobretudo a Daniela Marçal.

Agradeço a Deus e a todos aqueles que me acompanharam e ajudaram

nessa jornada.

Agradeço a CAPES pelo apoio financeiro.

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Resumo

Rezende, Rian; Gamba, Nilton; Bettocchi, Eliane. “Criadores de

Mundos”: Uma análise do papel do designer nos Alternate Reality

Games. Rio de Janeiro, 2011. 193p. Dissertação de Mestrado -

Departamento de Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A proposta desse estudo foi analisar as características narrativas dos jogos

baseados em realidades alternadas (Alternate reality games - ARGs). A narrativa

foi analisada com base no uso dos suportes e suas contribuições para as áreas do

design e da educação. No estudo, procurei explicitar como o ARG estruturou sua

narrativa a partir do uso dos suportes, assim como os canais utilizados pelos game

designers para se comunicarem com os jogadores e como eles estimularam a

comunicação entre os participantes. Também procurei responder o papel do design

no desenvolvimento dessa estrutura comunicativa e se os canais de comunicação

estabelecidos incentivaram a interatividade, e de que forma isso poderia ser

benéfico no desenvolvimento de arquiteturas lúdicas mais participativas.

Palavras-chave

alternate reality games, jogos, conhecimento, educação, design, narrativa,

imersão

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Abstract

Rezende, Rian; Gamba, Nilton; Bettocchi, Eliane. “Criadores de

Mundos”: Uma análise do papel do designer nos Alternate Reality

Games. Rio de Janeiro, 2011. 193p. Dissertação de Mestrado -

Departamento de Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The purpose of this study was to analyze the narratives of games based on

alternate realities (Alternate Reality Games - ARGs). The narrative was analyzed

based on the use of props and their contributions to the fields design and

education. In the study, I tried to explain how the ARG has structured his narrative

from the use of props, as well as the channels used by game designers to

communicate with players and how they fostered communication among

participants. We also tried to answer the role of design in developing the

communicative structure and if the communication channels created have

encouraged interactivity, and how this could be beneficial for developing more

participatory recreational architectures.

Keywords

alternate reality games, games, knowledge, education, design, narrative,

immersion

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Sumário

1 Introdução 10

2 Estabelecendo as bases do jogo (ou definições teóricas) 13

2.1. Nas fronteiras entre a realidade e a virtualidade. 14

2.1.1. Jean Baudrillard, O virtual e a morte da realidade pela ilusão 15

2.1.2. Pierre Lévy e o virtual, uma relação de potencialidades e

atualizações 17

2.1.3. Os ARGs entre a ilusão, a virtudalidade e a potencialidade 19

2.2. Imersão e interatividade 22

2.2.1. Lyotard e ARGs, a passagem dos grandes metanarrativas para os

pequenos relatos 22

2.2.2. Viajantes e mundos construídos 24

2.2.3. Mundos Possíveis ou Realidades Alternadas 28

2.2.4. Jogando com a crença na realidade 31

2.2.5. Mimesis & Make-Believe 33

2.2.6. Interatividade 34

2.3. Transmedia Storytelling, Media Ecology e Cultura da Convergência –

Definindo os ARGs entre a narrativa e a comunicação 38

2.3.1. Cultura da Convergência, energia híbrida e mudanças na narrativa

38

2.3.2. Narrativa Transmidiática e media ecology 40

2.3.3. Os ARGs, entre a narrativa e a comunicação 42

3 Alternate Reality Games (ARGs) 43

3.1. Terminologia 43

3.2. Como funciona e se joga um ARG 44

3.3. Tipos de ARGs. 51

3.4. Antecedentes dos Alternate Reality Games (ARGs) 57

3.4.1. Hoax: definição e história 64

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4 Metodologia 72

4.1. A construção da rede social e sua análise 75

4.2. Critérios de seleção do ARG 79

5 Análise dos dados do fórum Unfiction 87

5.1. Análise dos jogadores e dos suportes utilizados 87

5.2. A narrativa do pré-jogo do World Without Oil e o uso dos suportes 93

6 Análise dos dados do site do World Without Oil 103

6.1. Semana 32: Histórias premiadas 151

7 Análise do ARG a partir do cruzamento de elementos teóricos. 157

7.1. O convite para a imersão em um novo mundo 157

8 Planos de aula do World Without Oil 172

8.1. Características gerais dos planos de aula 172

8.2. Análise do plano de aulas dos alunos 182

9 Conclusões 186

10 Bibliografia 191

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“Contos de fadas são a mais pura verdade

Não porque nos contam que os dragões existem,

mas porque nos contam que eles podem ser vencidos”

G. K. Chesterton

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1 Introdução

A exposição do senador Arthur Virgilio (PSDB) no Senado Federal em 27

de março de 20071 foi carregada de preocupação. O parlamentar havia acabado de

ler uma notícia2 sobre uma empresa que defendia a internacionalização da

Amazônia, chamada Arkhos Biotech - uma grande corporação do setor de

biotecnologia. Preocupado com a possível violação do território nacional, o

senador apresentou seus temores aos parlamentares em relação a essa companhia:

“Estou convidando essa empresa a se fazer representar em uma reunião da

Subcomissão da Amazônia, que funciona na Comissão de Relações Exteriores"3.

Porém, o encontro dos representantes da empresa com os membros do governo

brasileiro nunca ocorreu: A empresa Arkhos Biotech fazia parte de um jogo. O

senador havia sido alvo de um Alternate Reality Game (ARG)4. E é sobre esse

modelo de jogo de que se trata esse trabalho.

Meu primeiro contato com o estudo da área de jogos e narrativas ocorreu

durante a minha graduação em Ciências Sociais, quando conheci a área de estudos

relacionada aos RPGs (Role Playing Games).

A partir desse momento, comecei a me aventurar no desenvolvimento e no

estudo de jogos e seus mundos narrativos. Ainda na exploração dessa área,

comecei a ter contato com o design e com o desenvolvimento de suportes que

buscassem ampliar a imersão e interação dos participantes dentro dos jogos de

RPGs.

Buscando sempre expandir os estudos nesse campo e atento às

transformações da sociedade, tive contato com os Alternate Reality Games

(ARGs). Além de me interessar por esse tipo de jogo (como jogador), também vi

nessa nova forma de experiência lúdica questões interessantes a serem exploradas

1 http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL16083-5601,00.html 2

http://noticias.agenciaamazonia.com.br/index.php?Itemid=529&id=1018&option=com_content&task=view 3 http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u90804.shtml 4 O fato e o ARG em questão (Zona Incerta) são descritos por OLIVEIRA; ANDRADE, Um jogo de

realidades e ficcionalidades, Ciberlegenda, 2010.

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no campo acadêmico.

Mas afinal, o que é ARG? Nesse tipo de jogo, que surgiu em meio à

convergência dos meios de comunicação, os participantes vivenciam uma história

através do uso de diversos suportes e sua estrutura narrativa busca construir um

mundo ficcional coadunado com o mundo real. Os jogadores interagem dentro

desse mundo imersivo e constroem coletivamente a narrativa ali vivida.

Ian Watt afirma, na obra “A Ascensão do Romance”, que uma

manifestação cultural é um reflexo do seu tempo e que estudar essas

manifestações permite que se conheça a sociedade de uma época. Os ARGs

parecem ter se apropriado e se inspirado nas mudanças que o mundo passou no

final do século XX. As transformações nos meios de comunicação, o surgimento

de uma sociedade em rede e as contrações nas relações de espaço e tempo foram

utilizados pelos game designers no desenvolvimento desse jogo. Os Alternate

Reality Games conseguiram atrair em pouco tempo um considerável número de

participantes e se tornaram um produto cultural estabelecido na sociedade atual.

Marco Silva (2007), invocando Lévy, diz que “devemos aprender com o

movimento contemporâneo da esfera tecnológica”5. Os ARGs se enquadram

como um produto relativamente recente dentro desse movimento, e a sua análise

pode trazer contribuições para compreendermos melhor essa manifestação cultural

e o aprendizado que ela proporciona.

Dessa forma, interessado em conhecer mais a estrutura narrativa do ARG e

como se constituem as bases do jogo de forma a permitir a intervenção dos

jogadores, busquei responder as seguintes perguntas:

De que forma o ARG estruturou sua narrativa a partir do uso dos vários

suportes? Quais foram os suportes utilizados pelos game designers para se

comunicarem com os jogadores e como eles estimularam a comunicação entre os

próprios participantes? Os canais de comunicação estabelecidos incentivaram a

interatividade? E de que forma isso poderia ser benéfico no desenvolvimento de

arquiteturas lúdicas mais participativas?

São dessas questões que trato no presente trabalho, e procurei as respondê-

las a partir das construções teóricas, método e da análise do material escolhidos.

Na busca dessas respostas, procurei delimitar o campo de pesquisa. Por

5 SILVA, M, 2007. p.69.

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isso,o universo dessa pesquisa são os Alternate Reality Games e, dentro desse

escopo, meu recorte de análise foi um ARG com objetivos educacionais chamado

World Without Oil.

A escolha desse jogo foi motivada pelos interesses dessa pesquisa no

campo do design e da educação. Como esse ARG transitou entre essas duas áreas,

seu estudo pode contribuir para um maior conhecimento desses campos.

Na primeira etapa desse estudo estabelecemos uma base teórica que

permitiu a compreensão dos Alternate Reality Games. Para isso, buscamos auxílio

de teorias que trabalham mundos imersos e narrativos para entender como os

ARGs constroem suas ambientações e envolvem seus participantes. Utilizamos

principalmente as teorias de Richard Gerrig, Marie-Laure Ryan e Victor Neill.

Também utilizamos conceitos relacionados à interatividade, virtualidade e

realidade. Os autores que especialmente nos acompanharam nessa tarefa foram

Pierre Lévy, Jean Baudrillard e Marco Silva. Esses conceitos serão caros para

compreendermos como os Alternate Reality Games se relacionam com essas

questões durante seu desenvolvimento.

Na parte seguinte, estabelecemos quais foram os critérios de análise e a

metodologia aplicada nesse estudo. Uma grande dificuldade que enfrentamos

nesse trabalho foi documentar um jogo que se espalha por diversas mídias e

possui centenas de participantes. Para realizarmos isso, estabelecemos um método

que buscou facilitar o estudo. Inspirado na análise de redes sociais, esse método

foi composto a partir duas técnicas: a observação não-participante de um estudo

de caso ea análise qualitativa do material produzido pelos participantes em

diversos suportes do ARG estudado.

Com o método estabelecido, na próxima parte do trabalho observamos os

dados relacionados ao World Without Oil em um fórum voltado para ARGs e nas

principais páginas do jogo.

No final, buscamos sintetizar as análises e apresentar o papel do design no

desenvolvimento de estruturas que aumentem a interatividade entre os

participantes e proporcionem experiências narrativas imersivas para os jogadores

nos Alternate Reality Games.

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2 Estabelecendo as bases do jogo (ou definições teóricas)

Nesse capítulo, serão apresentadas e discutidas as bases teóricas que

utilizarei na análise dos Alternate Reality Games.

Antes de começarmos essa discussão é importante uma definição inicial

sobre o que é um ARG, apesar de haver uma discussão maior sobre a origem do

termo e as características desses jogos num capítulo posterior, essa primeira

demarcação é importante para apresentar alguns elementos essenciais do jogo.

As bases teóricas desenvolvidas nesse capítulo são trabalhadas de forma a

estabelecer subsídios para entender esses elementos dos ARGs.

Para essa definição inicial, utilizarei o conceito de Jane McGonigal uma

das precursoras na criação e estudo dos ARGs, segundo ela esse tipo de jogo é:

“Um drama interativo jogado on-line e em espaços do mundo real que se passa em

várias semanas ou meses, em que dezenas, centenas, milhares de jogadores se

reúnem on-line, formam redes sociais cooperativas e trabalham juntos para resolver

um mistério ou um problema que seria absolutamente impossível resolver

sozinho”6.

Após essa breve definição, fica mais fácil discutirmos sobre os elementos

dos ARGs, pois além de estabelecer uma breve noção sobre o jogo, ela também

apresenta elementos importantes que serão analisados, como o fato do jogo

misturar virtualidade e realidade, além da interação entre os jogadores e o uso de

espaços virtuais.

Na primeira parte do capítulo, inicio uma discussão sobre o virtual e o

real. Nessa parte contarei com os trabalhos de André Parente e Marie-Laure Ryan

no desbravamento dos conceitos sobre realidade e virtualidade. A obra de André

Parente, O Virtual e o Hipertexto, e o livro “Narrative as Virtual Reality” de

Marie-Laure Ryan, apontam diversas correntes de pensamentos e autores que

discutiram esse tema. Me acompanham nessa discussão, especialmente os

filósofos Jean Baudrillard e Pierre Lévy.

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Após essa discussão, serão desdobrados os conceitos de imersão e

interatividade, buscando compreender como estas categorias apresentam subsídios

para discutir os Alernate Reality Games.

Posteriormente, discuto brevemente outro aspecto dos ARGs que está

relacionado a forma que é construída a narrativa e a importância dos pequenos

relatos para a construção do jogo, para esse debate a filosofia de Jean-François

Lyotard será essencial.

Em seguida são discutidas as questões sobre mundos possíveis, mundos

virtuais, o mundo como metáfora e a imersão nos jogos.

No subtítulo, “Transmedia Storytelling, Media e Ecology e Cultura da

Convergência, definindo os ARGs entre a comunicação e a narrativa”,

inicialmente contextualizo os ARGs dentro da Media Ecology e da Cultura da

Convergẽncia, para na parte final, definir os ARGs entre os conceitos de

comunicação e a narrativa, buscando compreender os ARGs como um novo meio

de comunicação e o papel da narrativa e dos pequenos relatos(Lyotard) como guia

nessa construção.

2.1. Nas fronteiras entre a realidade e a virtualidade.

Para entrarmos na discussão sobre realidade e virtualidade, é importante

entendermos qual o significado da palavra Virtual, segundo Lévy: “A palavra

virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força,

potência. Na filosofia escolástica, é o virtual que existe em potẽncia e não em

ato.” Esta definição está ligada a clássica distinção da metafisica de Aristóteles

entre potencial versus atual (existência).

Em sua metafísica, Aristóteles buscar entender a origem das coisas. Para

realizar isso, o autor analisa o organismo humano. Em sua análise, Aristóteles

percebe que o organismo é composto por diversas partes, porém, apesar dessas

partes serem distinguíveis, o organismo não é indivisível. Essa característica é a

teoria da unidade na distinção. A partir disso Aristóteles vai tentar entender como

as partes se relacionam com o todo, gerando uma coesão. Esses conceitos vão

entrar na teoria de evolução biológica de Aristóteles, onde as coisas ao nascerem,

6 JENKIS,Henry, 2008, p. 173

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levam dentro de si as suas características e capacidades. Essas potencialidades do

corpo se forem devidamente estimuladas e alimentadas irão se tornar realidade,

atualizando as características desse corpo, transformando suas potencialidades

em atualidades. Esse conceito de virtual como algo potencial, de algo que pode

vir a tornar ser, é o conceito predominante na filosofia escolástica, e não o

conceito de virtual como algo falso, não real, que constantemente é designado

para essa palavra.

Ryan aponta que essa relação entre virtual e real era dialética, porém em

algum momento entre o século XVIII e XIX ela se tornou uma relação de

oposição entre real e virtual.

Segundo a autora, o Virtual pode ser dividido entre o falso, imitação, cópia

ou entre a potencialidade, abertura e poder. A primeira linha teórica é defendida

por Jean Baudrillard, já a segunda corrente é defendida por Pierre Lévy. (RYAN,

2004)

2.1.1. Jean Baudrillard, O virtual e a morte da realidade pela ilusão

Para Jean Baudrillard, com o desenvolvimento das tecnologias capazes de

captação e reprodução do mundo, foi-se construindo diversas representações

“virtuais”. Para Baudrillard, o virtual está diretamente ligado a produção do

simulacro, pois será a imagem do simulacro que ao imitar o real e eliminar os

referentes pela qual ela foi construída acaba tomando o seu lugar. Se por um lado,

o autor aponta que a produção de imagens virtuais levou a uma crise do sistema

de representatividade e isso proporcionou novas experiências, por outro lado essa

modificação acarretou em uma substituição do real pelo virtual, e essa troca levou

ao fim da diversidade de representações. Baudrillard afirma que: “Não há

nenhum lugar para o mundo e suas dobras” (The Perfect Crime, p. 23). Na falta do

real, o virtual se torna o hiperreal. Porém, Ryan aponta que Baudrillard

desenvolve estágios que representam a evolução do real para o virtual, e como o

simulacro vai ocupando esse espaço:

“1. É a reflexão de uma realidade profunda.”

“2. Mascara e desnatura uma realidade profunda.”

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“3. Mascara a ausência de uma realidade profunda.”

“4. Não tem nenhuma relação com qualquer realidade, é o seu próprio

puro simulacro.”

Nessa escala, a sociedade contemporânea estaria no nível 4, onde a cultura

da ilusão teria assassinado a realidade sem deixar traços, e passamos a viver num

mundo de representações falsas, um mundo virtual que tomamos como realidade.

Essa construção teórica de Baudrillard fica explicita na seguinte passagem:

“Ao cruzar em um espaço cuja curvatura já não é a do real, nem o da verdade, a era

da simulação é inaugurada por uma liquidação de todos os referenciais – pior: com

sua ressurreição artificial nos sistemas de signos, um material mais maleável do

que o significado, que se presta a todos os sistemas de equivalências, a todas as

posições binárias, a toda álgebra combinatória. Não é mais uma questão de

imitação, nem a duplicação, nem mesmo paródia. É uma questão de substituir os

signos do real pelo o real, isto é, de uma operação de dissuadir qualquer processo

real, através do seu funcionamento duplo, programático, metastável, uma máquina

perfeita de descrição que oferece todos os signos do real a curto prazo e todas as

suas vicissitudes. Nunca mais o real vai ter chance de produzir-se, Essa é a função

vital do modelo num sistema de morte, ou melhor, de ressurreição antecipada, que

já não dá à morte nem mesmo uma chance. Um hyperreal protegido doravante do

imaginário, deixando espaço apenas para a orbital recorrência de modelos e para

simulada geração das diferenças.” 7

Baudrillard também afirma que devido a isso acabamos nos tornando

prisioneiros de nossas próprias categorias de representação, e a partir disso

Baudrillard desenvolve uma interpretação não habitual sobre a interatividade.

Segundo o autor, a interatividade é um simulacro que esconde do usuário a

fundamental passividade em que ele está realmente envolvido, assim como o

mundo fora das prisões é um simulacro de liberdade, escondendo a verdadeira

natureza prisional da sociedade. (RYAN, 2004).

Em duas discussões a respeito da realidade, Baudrillard desconfia

inclusive da sua própria teoria. Pois para o autor, após termos atingido o nível 4 da

evolução da imagem, as próprias teorias se tornam simulacros, e acabam

validando o funcionando da realidade quando inicialmente buscavam desconstruí-

la. A teoria desaparece como idéia e se torna uma coisa sobre uma coisa.

Marie-Laure Ryan, procurando desenvolver uma interpretação alternativa

da teoria radical de Baudrillard, vai dizer que a realidade virtual é a desilusão, ou

7 BAUDRILLARD, J. Simulacra and simulation, p 2. – Tradução livre do autor

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seja, a escolha de viver no virtual. Segundo a autora, nós vivemos no nosso

modelo mental de realidade. Segundo a autora:

“Nós vivemos em um simulacro porque vivemos em nossos próprios modelos da

realidade. O que eu chamo de “mundo” é minha percepção e imagem dele.

Conseqüentemente, o que é real para mim é o produto da minha capacidade de

copiar, produção-virtual, e capacidade de criar sentido. As cópias que fazem meu

mundo podem não ser duplicações perfeitas, mas isso não faz com que ele seja

necessariamente falso, decepcionante, ou privado de referência, nessa

interpretação, o absolutamente real não desapareceu; é; um pouco, como Slavoj

Zizek define isso , “um excesso, um kernel duro que resiste a qualquer processo de

modelação, simulação ou metaforização. (Tarrying, p. 44)” 8

Segundo Ryan, nós sabemos que outros “reais” existem, porém

experimentamos essas realidades somente quando procuramos vivenciá-las, seja

no âmbito semântico ou cognitivo, porque segundo a autora, a mente é uma

infindável fábrica de significados, e significado é uma simulação racional das

coisas (RYAN, 2004). Ao procurar desenvolver essa outra visão do virtual, como

possibilidade ou mundos possíveis, Ryan se aproxima da teoria de Lévy sobre o

virtual.

2.1.2. Pierre Lévy e o virtual, uma relação de potencialidades e atualizações

Lévy em seu livro “O que é o virtual” critica a oposição construída entre

virtual e real. Para ele, esse dualismo classifica o real como algo tangível,

realizável e material, enquanto o virtual seria o futuro, a ilusão e o imaterial.

Sendo contrário a essa divisão, Lévy usa como base da sua teoria a distinção entre

possível e virtual, que Deleuze discutiu em “Différence et repétion”.

O possível seria o real, aquilo que não aconteceu. Ele está em estado

latente. “O possível é exatamente como o real: só lhe falta a existência”(Lévy, O

que é o virtual, pág 16). O autor destaca o fato do possível não ser uma ação de

criação, como é o virtual. O possível são opções prontas que somente não foram

colocadas em práticas, assim como a opção que foi escolhida para ser o “real” foi.

Para Lévy, o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Para o autor, o

virtual é esse complexo problemático que pertence à entidade considerada. Se por

8 Ryan, Marie-Laure, Narrative as Virtual Reality, p.34

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um lado, essa entidade carrega e produz suas virtualidades, ou seja, expande suas

possibilidades, suas interações e opções, por outro lado, o virtual também

constitui a entidade, ou seja, a problemática e as tensões colocadas pelo virtual

acabam elas mesmas modificando a entidade. (LÉVY, 1996).

A partir dessa construção do virtual como potencialidade, Lévy vai

apresentar o conceito de atualização. Para o autor, a atualização é a solução de um

problema que não aparecia inicialmente no enunciado. Isso faz com que a

atualização tenha um poder de criação, de desdobramento em novas alternativas e

soluções que não foram contempladas, ou visualizadas, no início do

desenvolvimento da questão. Para elucidar essa forma dinâmica Lévy exemplifica

através do desenvolvimento de um programa informático, nas palavras do autor:

“A montante, a redação de um programa, por exemplo, trata de um problema de

modo original. Cada equipe de programadores redefine e resolve diferentemente o

problema ao qual é confrontada. A jusante, a atualização do programa em situação

de utilização, por exemplo, num grupo de trabalho, desqualifica certas

competências, faz emergir outros funcionamentos, desencadeia conflitos,

desbloqueia situações instaura uma nova dinâmica de colaboração... O programa

contém uma virtualidade de mudança que o grupo – movido ele também por essa

configuração dinâmica de tropismos e coerções – atualiza de maneira mais ou

menos inventiva.”9

A partir desse exemplo, é possível perceber a semelhança entre o real e o

possível, sendo o primeiro a realização que o segundo não foi. Já entre o atual e o

virtual se estabelece uma relação dialética. O atual responde ao virtual e a

atualização é a solução de um problema que apareceu em um complexo

problemático. Já para Lévy, a virtualização seria um movimento contrário da

atualização. Segundo o autor, a virtualização é uma forma de deslocar o centro de

significado do objeto, em vez de buscarmos defini-lo a partir do que ele é, ou

melhor, por sua atualidade (solução) de um problema, a virtualização busca

compreender esse objeto/entidade através da sua consistência essencial num

campo problemático, segundo Lévy “Virtualizar uma entidade qualquer consiste

em descobrir uma questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade

em direção a essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como

resposta a uma questão particular.” (LÉVY, 1996, o que é o virtual, p. 18).

A virtualização, também traz novas modificações e noções importantes

9 LÉVY, P. O que é o virtual, p.17

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19

para a análise dos ARGs. Segundo Lévy, uma coisa ou entidade ao se virtualizar

torna-se “não presente‟, ou seja, essa coisa ou entidade rompe com os padrões

cartesianos estabelecidos de espaço e tempo. Eles ficam separados das noções

territoriais e temporais tradicionais. Isso não significa que eles (as

entidades/coisas) sejam independentes do espaço-tempo da referência, pois eles

ainda precisam de suportes físicos e seus contatos ocorrem em algum momento,

porém eles rompem com a lógica clássica dos eventos, passam a viver em

momentos de “ubiqüidade, simultaneidade, distribuição irradiada ou

massivamente paralela”. (LÉVY, 1996). Essa nova relação com o espaço-tempo é

muito utilizada pelos ARGs. Por se tratar de um jogo onde grande parte de sua

dinâmica ocorre na Internet, e por envolver normalmente jogadores de diversos

lugares do mundo, o jogo busca construir seu próprio ritmo temporal junto aos

jogadores, buscando estimular dessa forma a integração e interação com seus

jogadores. Os ARGs ao fazerem isso estimulam essa nova relação territorial e

temporal que Lévy apontou através do conceito de virtualização. Ao utilizar esses

recursos, os ARGs desenvolvem novos espaços e novas velocidades de

relacionamento entre os participantes, desenvolvendo um ritmo para as

“cronologias” estabelecidas no desdobramento do jogo, permitindo que os

jogadores estabeleçam seu próprio mundo com o jogo e uma relação própria com

esse espaço e tempo específicos.

Os conceito de virtualização será importante quando formos analisar o

ARGs, em especial os jogos com prerrogativas educacionais, pois irá permitir

observar se esses tipos de jogos procuraram utilizar o potencial dos jogadores e da

narrativa a partir da construção de múltiplas possibilidades e cenários, ou seja, se

eles virtualizaram diferentes realidades(e opções) para criarem ambientes onde os

jogadores pudessem realizar múltiplas escolhas e seguissem múltiplos caminhos.

2.1.3. Os ARGs entre a ilusão, a virtudalidade e a potencialidade

Os Alternate Reality Games, por terem como um dos seus pilares o fato de

misturarem realidade e ficção, acabam tocando nas duas fronteiras do virtual. Os

ARGs se encaixam tanto no conceito do virtual como ilusão quanto no de virtual

como potencialidade. Ao comentar de mundos ficcionais na literatura, Ryan

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20

relembra bem as palavras de Aristóteles: “A função do poeta não é dizer o que

aconteceu, mas dizer as coisas que poderiam ter acontecido, isto é, aquilo que é

possível de acordo com a probabilidade a possibilidade.” 10

Será entre a probabilidade a possibilidade que a narrativa dos ARGs será

construída e irá estabelecer seus links com os participantes. O fato dos eventos

ocorridos nos ARGs se passarem como algo que ocorre no mundo real, ao mesmo

tempo em que é uma história ficcional, faz com que os jogadores sejam imersos

em uma situação de probabilidade e possibilidade. Nos jogos de Realidade

Alternada, os produtores sempre buscam produzir a história de forma que ela

fique aberta, entre o possível e o surreal, para que os jogadores construam as

pontes entre ambos os lados, dessa forma eles abrem espaço para o virtual como

potencial, pois permitem aos jogadores fazerem os desdobramentos da história.

Essa forma de desenvolver o jogo se aproxima das teorias de Roman Ingarden e

Wolfgang Iser e a corrente teórica da estética da recepção.

Essa linha teórica acredita que a produção de uma obra é incompleta, e

depende do usuário para que ela seja atualizada num objeto estético, apesar de

estar diretamente ligada à produção de texto, os fundamentos teóricos da estética

da recepção criam condições para analisar a participação e a dinâmica dos ARGs

também sobre esse ponto de vista.

Essa dinâmica de virtual como potencial ajuda os ARGs a construírem

melhor seus mundos, pois os produtores se encaixam na função do poeta

apresentada por Aristóteles anteriormente, eles constroem o que é, mas também

deixam aberto para o que poderia ser. E será a partir dessa abertura que os ARGs

vão ao encontro do que Ryan aponta em relação à literatura sobre a estética da

recepção de Iser. Para este autor, é na pluralidade de mundos que existe a

virtualidade da arte e a condição para a experiência estética, “É a virtualidade do

trabalho que dá origem à sua natureza dinâmica, e esta, por sua vez, é a condição

prévia para os efeitos que a obra suscita” 11

. Esta virtualidade da obra, que precisa

da ação do participante para se constituir, também vai ao encontro do conceito de

virtual de Lévy. O autor, ao falar da obra literária, diz que o virtual não representa

apenas o modo de ser do texto literário, mas também seu status ontológico, para

10

RYAN, Marie-Laure, Narrative as Virtual Reality, p.44. – tradução livre do autor.

11 ISER,W. Reading Process, p.50

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21

ele o texto é um objeto virtual, que surgiu através de atualização do pensamento.

Segundo Lévy,

“Um pensamento se atualiza num texto e um texto numa leitura(interpretação). Ao

remontar essa encosta de atualização, a passagem ao hipertexto é uma

virtualização. Não para retomar ao pensamento do autor, mas para fazer do texto

atual uma das figuras possíveis de um campo textual disponível, móvel,

reconfigurável à vontade, e até para conectá-lo e fazê-lo entrar em composição com

outros corpus hipertextuais e diversos instrumentos de auxílio à interpretação. Com

isso, a hiperterxtualização multiplica as ocasiões de produção de sentido e permite

enriquecer consideravelmente a leitura.”12

Ryan diz que a forma de ler e o interesse do leitor, se modificaram com os

meios eletrônicos, segunda ela, o leitor seria encorajado para dois caminhos:

1) A leitura se torna muito mais utilitária.

2) A leitura se torna muito mais uma forma de descoberta acidental.

A primeira escolha é parecida com o espaço estriado, conceito apresentado

por Gilles Deleuze em Mil Platôs, esse espaço é utilizado para chegar a

determinado lugar de forma direta. Já a segunda forma de leitura, se assemelha a

escolha pelo espaço liso, que é explorado pelo prazer da jornada e pelas

descobertas que serão feitas ao longo do caminho. É importante destacar que

nessa obra considero que os participantes dos ARGs também se comportam como

leitores, tanto pelo fato de que muito do desenvolvimento da história dos ARGs se

utiliza do suporte escrito, seja ela material ou digital, como pela forma semântica

que os jogadores são convidados pelos produtores para modificar o jogo. Dentro

desse escopo, os ARGs procuraram explorar essas potencialidades para construir

mundos paralelos e a partir disso incentivarem a imersão dos jogadores em

mundos ficcionais, para entender melhor as bases teóricas que permitem

compreender como funciona esse processo é necessário se aprofundar no campo

da imersão, e para isso contarei com a “poética da imersão” desenvolvida por

Marie-Laure Ryan.

12

LÉVY, P. O que é o virtual, p.43

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2.2. Imersão e interatividade

Ryan iniciou o projeto de desenvolver uma poética da imersão para a

literatura e mídia eletrônica, utilizarei as suas bases para adaptar o conceito para

os Alternate Reality Games e como essa poética da imersão e seu desdobramento

pode ajudar no entendimento dessa forma de jogo.

Na construção dessa base teórica, irei precisar do aporte de outras áreas.

Devido a isso utilizarei as teorias de Ryan no desenvolvimento da poética de

imersão como a psicologia cognitiva e seus conceitos de “metáfora do transporte”,

e de se “perder em um livro”, além da filosofia analítica (mundos possíveis). Para

contextualizar essa discussão, apresento inicialmente a filosofia de Jean-François

Lyotard e sua construção teórica a respeito das grandes metanarrativas e os

pequenos relatos. Também utilizarei a fenomenologia de Kendal Walton (make-

believe).

2.2.1. Lyotard e ARGs, a passagem dos grandes metanarrativas para os pequenos relatos

Um dos aspectos particulares dos Alternate Reality Games, é que os

jogadores constroem sua relação com o jogo a partir da construção colaborativa da

narrativa. Entretanto, apesar de construírem uma narrativa coletiva, os jogadores

também vivenciam sua própria história com o jogo, eles também estabelecem uma

relação particular com a atividade e com isso constroem pequenas narrativas

pessoais ligadas ao jogo. Para poder analisar melhor esse aspecto dos ARGs e o

porquê do aumento da importância das pequenas narrativas que são utilizadas no

jogo, é importante compreender o contexto filosófico que o jogo surgiu. Para isso

vamos recorrer à construção teórica desenvolvido por Lyotard em seu livro „A

Condição Pós-Moderna‟ (LYOTARD, 1988). O autor escreveu essa obra

objetivando observar as transformações que o mundo havia passado após o final

de segunda-guerra mundial (1939-45). Lyotard fundamenta sua análise em cima

da questão do saber, especificamente na forma que o conhecimento é construído e

validado. Ele faz essa análise a partir de uma perspectiva dos estudos da

linguagem.

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Segundo Lyotard, para entender a sociedade atual, é preciso analisar a

perda gradual do lugar das grandes metanarrativas na contemporaneidade. Para

ele, ocorreu uma progressiva descrença nessas visões totalizantes da história. As

metanarrativas, que durante muito tempo serviram como guias éticos, políticos e

sociais, não possuem mais a força que tinham anteriormente.

Para fundamentar essas afirmações, Lyotard utiliza como exemplo o

Iluminismo. Segundo o autor, essa metanarrativa acreditava que através da razão e

da ciência, o homem seria capaz de se libertar e promover um progresso social e

econômico para todos. Porém, o autor argumenta que essa visão totalizante, ao

mesmo tempo em que esteve associada a determinados avanços tecnológicos,

também levou a conflitos e destruição, como as grandes guerras mundiais.

(LYOTARD, 1988)

Segundo Lyotard, assim como aconteceu com o Iluminismo, qualquer

esforço de construção de uma única narrativa capaz de legitimar toda a produção

de conhecimento entra em crise. Por conta disso, ocorrem muitas mudanças na

sociedade em função da necessidade de justificar e de validar o saber, função

antes realizada pelas metanarrativas. É importante definir o que é saber para

Lyotard. Segundo o autor, saber é um conjunto de conhecimentos que autoriza

alguém a emitir juízos de verdade, moral ou estéticos sobre determinada coisa ou

pessoa. Após delimitar seu campo e apresentar sua hipótese sobre o estatuto do

saber na sociedade contemporãnea, Lyotard apresenta seu método.

Lyotard escolheu os jogos de linguagem de Wittgenstein como base do seu

procedimento. Ele demonstra como esses jogos se baseiam no processo de

comunicação, e que a legitimação desses saberes só pode ocorrer de forma local e

contextualizada. Segundo o autor, falar é combater, no sentido de jogo, e que cada

enunciado é um lance dentro desse embate. As características dos jogos de

linguagem são apontadas por Lyotard na seguinte passagem:

“Três observações sobre os jogos de linguagem: 1 – „... suas regras não possuem

sua legitimação nelas mesmas, mas constituem objeto de um contrato explícito ou

não entre os jogadores (o que não quer dizer todavia que estes as inventem)‟; 2 –

„... na ausência de regras não existe jogo, que uma modificação, por mínima que

seja, de uma regra, modifica a natureza do jogo, e que um lance ou um enunciado

que não satisfaça as regras, não pertence ao jogo definido por elas‟; 3 – „... todo

enunciado deve ser considerado como um „lance‟ feito num „jogo‟”13

(Lyotard,

13

LYOTARD,J. A Condição Pós-Moderna, p.17

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24

1988, pág 17)

Lyotard levanta a idéia da possibilidade do discurso pós-moderno ser validado

através dos pequenos relatos, do debate e do conflito. A legitimação do

conhecimento seria feita a partir de cada lance, “cuja importância é

freqüentemente desconhecida no imediato jogado na pragmática dos saberes”

(Lyotard, 1988) dessa forma o conhecimento será construído através de cada lance

reafirmando sua relação com a acepção de jogos de linguagem. A desconstrução

dessas metanarrativas abriu espaço para o pequeno relato, a pequena narrativa ao

invés, propriamente, da deslegitimação da produção teórica desvinculada das

regras de performance.

Esse tipo de produção, alicerçada na diversidade e no jogo de interações

entre as pequenas narrativas(relatos) parece ser um dos pilares dos ARGs. Dessa

forma, esse aspecto teórico é importante para observar como a história é

construída coletivamente e se realmente os jogadores também são autores da

narrativa.

2.2.2. Viajantes e mundos construídos

Uma das metáforas da experiência vivida por um leitor, e aqui utilizaremos

leitor como usuário, é a do transporte e do perder-se em um livro. Essas metáforas

foram construídas pelos psicólogos cognitivos Richard Gerrig e Victor Nell ao

explicarem o que ocorre na mente do leitor (RYAN, 2004).

Gerrig desenvolveu em seu livro “Experiencing Narrative Worlds” a

metáfora do transporte, que Ryan chama de “teoria popular de imersão”. Gerrig

constrói essa metáfora através de alguns tópicos principais que fazem analogia

com uma viagem física.

“ I. Alguém ( "O Viajante") é transportado”

Para Gerrig, ao ser transportado não significa que somente que o leitor vai

para outro “mundo”, mas que a forma e o conteúdo desse mundo vai influenciar o

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papel do viajante no mundo, ajudando a marcar sua identidade dentro desse

ambiente.

II. “por algum meio de transporte”

Nos ARGs, o modo de transporte serão os diversos suportes, especialmente

os virtuais que vão procurar cooptar e capturar os jogadores. O famoso “buraco do

coelho(habbit‟s hole), um termo comum dentro dos ARGs para identificar o ponto

inicial que busca levar os jogadores para a história.

III. “em consequência de executar determinadas ações”

Esse ponto da teoria de Gerrig é importante, porque desfaz a idéia da

passividade do transporte e introduz um outro conceito de Gerrig, que é o de

leitura como performance. Para o autor, ao se aventurar nessa jornada o

participante não vai encontrar uma terra preexistem a sua espera, ele vai

construindo essa terra e ela vai surgindo conforme as suas ações. O leitor executa

certas ações de forma a estabelecer um “modelo de realidade”. Esse termo

cunhado por Gerrig está relacionado a representação mental que o indivíduo

desenvolve ao se relacionar com uma obra. Dessa forma, o divertimento e a

satisfação do leitor vão depender diretamente da sua própria perfomance. (RYAN,

2004). Essa teoria de Gerrig vai de encontro aos apontamentos de McGonigal que

diz que os jogadores de ARGs participam dos jogos através de performance,

inclusive a autora apresenta a idéia de jogo como performance.

IV. “O viajante vai a alguma distância de seu mundo da origem”

Nesse ponto Gerrig afirma que o leitor tem que se adaptar as regras e as

particularidades desse novo mundo, apesar dele trazer junto de si suas

experiências, ele precisa fazer igual aos Romanos e se adaptar as leis desse

mundo. Esse ponto é interessante em relação aos ARGs, porque devido ao fato

dos ARGs buscarem imitar o mundo real, de forma a não se identificarem

claramente como um jogo, eles acabam fazendo com que os jogadores vivenciam

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leis duplas a todo momento. Algumas leis específicas do mundo estabelecido pelo

jogo e outras leis comuns à ambos os mundos, o ficcional e o real.

V. “Que faz com que alguns aspectos do seu mundo de origem se

tornem inacessíveis”

Essa etapa pode ser interpretada pela impossibilidade do viajante ter contato

com seu mundo original após chegar ao mundo imaginado e vivenciar suas leis.

Novamente nesse ponto os ARGs se diferenciam, o viajante fica a todo momento

cruzando a fronteira dos mundos, e isso será uma característica essencial para se

analisar essa forma de jogo.

VI. “O viajante retorna ao seu mundo de origem, de certa forma

alterado pela viagem.”

Essa etapa é marcada pelo retorno do viajante e de como ele foi modificado

pela experiência que viveu. Isso acontece nos ARGs, pois além de trazer na

memória as lembranças do mundo narrativo, o fato de ter convivido e interagido

com outros jogadores podem deixar marcar no viajante. Essa característica será

observada nas entrevistas com os jogadores, em especial daqueles que

participaram de ARGs ligados à motivos educacionais.

Gerrig chama os cenários desenvolvidos através da experiência do viajante

de “mundos narrativos”, porém Ryan denomina esses mundos de “mundos da

mímica”. Segundo a autora, o desenvolvimento desses mundos não está somente

ligado à ficção, mas também à não ficção.

Gerrig diz que esses mundos não estão ligados a categorias estéticas. Para

o autor, ser transportado para um mundo narrativo não depende da habilidade

narrativa (RYAN, 2004). Já Marie-Laure Ryan diz que esse processo está ligado à

linguagem e aspectos cognitivos, porém será a forma estética que irá definir isso.

Esse aspecto teórico é importante ser ressaltado, pois um dos objetivos desse

trabalho é observar se a narrativa dos ARGs está relacionada à forma que esses

tipos de jogos desenvolvem a imersão ficcional com os participantes.

Victor Nell em sua obra “Lost in a Book” diz que a experiência de imersão

está ligada a facilidade de leitura e concentração do leitor. Segundo o autor, o

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leitor vai se identificar melhor com aquilo que seja próximo a ele. Nell também

diz que o esforço imaginativo criado pelo leitor será inversamente proporcional ao

poder literário e a criatividade da obra. Nas palavras do autor: “Certamente, a

riqueza da estrutura que o leitor lúdico cria em sua cabeça pode ser inversamente

proporcional ao poder e à originalidade literária do material de leitura”.14

Ryan diz que a imersão também pode surgir através do esforço e da

descoberta. A autora diz que será através do esforço que aquela situação se

tornará “fácil”. Segundo a autora, isso não ocorre apenas na literatura,

acontecendo também nos esportes, música e artes no geral, ou seja, em muitas

situações onde o prazer do participante ocorre apenas quando ele vence a

dificuldade que foi colocada para ele inicialmente.

Victor Nell aponta dois tipos de leitores:

1) O primeiro seria o leitor viciado, que devora um livro atrás do outro, esse

tipo de leitor bloqueia a realidade. Ele vive suas histórias no presente.

2) Já o segundo, seria o leitor que sabe viver essa imersão, ele se afunda por

alguns momentos para depois respirar. O oceano da imersão é um

ambiente onde ele não pode respirar, para poder sobreviver ele precisa

subir a superfície, tocar a realida e respirar, para novamente poder

mergulhar. Ele mantém constantemente sua ligação com o mundo real e

textual(ficcional).

Essa forma de envolvimento do segundo leitor pode ser relacionada com o que

o psicólogo J.R Hilgard afirmava: “sonhando quando você sabe que está

sonhando”.15

O relacionamento entre a leitura e outras realidades, muitas vezes

leva-se ao questionamento se o leitor/jogador poderia se descolar da realidade e

começar a se “perder” em um mundo ficcional. Esse tipo de medo foi questionado

por McGonigal em seu artigo “A Real Little Game: The Perfomance of Belief in

Pervasive Play”, onde ela busca identificar se esse tipo de situação poderia

ocorrer nos jogadores de jogos baseados em realidades alternatadas. McGonigal

entrevistou alguns dos produtores desses jogos, e esses produtores disseram que

14

NELL, Victor. Lost in a Book, p.77. – tradução livre do autor.

15 NELL, Victor, Lost in a Book, p.212

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não identificaram jogadores que „misturaram” as realidades, porém acredito ser

interessante observar em novas situações e outros jogos se essa possibilidade pode

ocorrer. Nessa dissertação os conceitos de Nell para os tipos de jogadores e seu

relacionamento com a imersão também serão observados de forma a poder

corroborar ou identificar novas situações que McGonigal possa não ter

identificado em seu trabalho.

2.2.3. Mundos Possíveis ou Realidades Alternadas

Ao buscar um arcabouço teórico que sustente a análise das realidades

alternadas construídas pelos ARGs, novamente a companhia de Marie-Laure

Ryan, seu livro “Narrative as Virtual Reality” e a teorias de mundos possíveis

que ela utilizou para analisar os mundos textuais criados pela literatura, serão de

grande auxílio.

Para Ryan, entender os mundos possíveis é preciso observar através da

lógica e da semântica como é possível ser transportado para um mundo textual/

ficcional. Uma analogia entre os Mundos Possíveis da Ficção/Literatura e os

Mundos Possíveis da Lógica ajudam a desenvolver melhor essa estrutura teórica.

A teoria dos Mundos Possíveis foi desenvolvida por um grupo de filósofos

como David Lewis, Saul Kripke e Jaako Hintika. (RYAN, 2004).

Depois esses conceitos foram utilizados para descrever a lógica da ficção

por David Lewis, Umberto Eco, Thomas Pavel, Lubomir Dolezel, Domen Maithe,

Ruth Romen, Elana Sumino e Marie-Laure-Ryan.

Ryan aponta que há diferenças na concepção de mundos possíveis dos

filósofos e teóricos da literatura(RYAN, 2004). Segundo ela, a base da teoria dos

mundos possíveis é que a realidade (e ai também está incluído tudo que é

imaginado) é construída. E o universo é composto por diversos elementos, ou

mundos. Esses mundos possuem uma hierarquia, contendo um mundo que

funciona como o centro do sistema e os outros se relacionando com ele. Dentro

dessa estrutura, os satélites se relacionam com o sistema principal, e este sistema

principal é o mundo “real” e os satélites seriam os mundos possíveis. A ligação

entre esses mundos seria estabelecida através de uma relação de acessibilidade. O

que define essa acessibilidade é sempre um critério particular relacionado ao

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sistema. Por exemplo, em um sistema que compartilhasse como critério de

acessibilidade as leis da física, existisse um mundo possível onde durante o dia a

lei da gravidade atuasse e durante a noite essa lei não tivesse efeito, esse mundo

seria excluído do sistema por não compartilhar um das características essenciais

ao sistema.

Essas categorizações levaram a Teoria dos Mundos Possíveis serem

duramente criticadas pela crítica pós-moderna. A crítica acusava a teoria de ser

centralizadora e segregacionista, sendo contrária a uma abertura de possibilidades

e opções que a crítica pós-moderna trouxe. (RYAN, 2004).

Contra essa hierarquização, Ryan aponta teorias que discutem “versões do

mundo” como o modelo descrito por Nelson Goodman em “Ways of World

Making” que apresenta outro caminho, bem diferente da estrutura centralizada

feito pela lógica modal.

Para buscar um novo caminho teórico para a teoria de mundos possíveis é

importante entendermos o conceito de “definição indexical da atualidade”

apresentado por David Lewis. Este autor ao analisar a oposição entre Atual x

Possível, destacada também por Lévy como apresentamos anteriores, apontou que

ela segue por dois caminhos:

1) Absoluta, em termos de origem.

2) Relativa, em termos de pontos de vista.

Na absolta o mundo atual é aquele independente da vontade / mentalidade

humana. Há um mundo real e físico, todos os outros mundos que estão

relacionados a trabalhos mentais como a imaginação e a criatividade, são mundo

possíveis (RYAN, 2004).

Já na relativa, o mundo atual é aquele do em que eu falo e estou imerso, os

outros mundos são os que não atuais, são os mundos que eu vejo de fora. Para

exemplificar melhor isso, imaginemos que a situação onde um leitor lê um o livro

“Harry Potter” de J.K Rowling, para este leitor o mundo dele é o mundo atual

enquanto o mundo habitado por Harry Potter é um mundo possível. Já por outro

lado, considerando que Harry Potter soubesse que existisse um mundo onde suas

aventuras foram transformadas em livros, o leitor seria o habitante de um mundo

possível enquanto para Harry Potter o mundo que ele habita seria o atual. David

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Lewis defende a teoria relativa, pois isso permite que todas as particularidades

históricas, sociais e culturais de cada mundo sejam respeitadas, sem que isso

resulte num centralismo tão criticado pela teoria pós-moderna. Estes mundos

podem existir de forma individual ou coletiva.

Individualmente eles existem a partir da relação do indivíduo com a obra,

onde será a partir de sua perfomance, como apontou Gerrig, ou da atualização que

realiza com a obra como apontou Iser e Lévy, que ele irá construir sua versão do

mundo a partir das informações que ele vai obtendo ao se relacionar com a obra.

Já na forma coletiva, os indivíduos continuam construindo suas versões de

mundo, porém compartilham essas versões com leitores e dessa forma vão

desenvolvendo um mundo coletivo comum entre eles.

O conceito de mundos coletivos é de especial interesse nesse trabalho, pois

ele será utilizado para analisar os fóruns dos participantes dos Alternate Reality

Games, pois são nesses fóruns que os jogadores trocam as experiências que

vivenciam com o jogo. Dessa forma, parece ser um caminho interessante a ser

observado para verificar se os jogadores constroem um mundo coletivo ao jogar e

compartilhar entre si essas experiências.

Ryan ainda aponta dois conceitos essenciais no desenvolvimento da

imersão. Que são os conceitos de “contrafactuais” ou “expressões de desejo” e as

“declarações da ficção”. O primeiro termo, ou qual chamararei de “expressões de

desejo” está relacionada às construções que fazemos nos mundos não atuais a

partir da ficção, ou seja, nas expressões de desejo criamos as possibilidades

apresentadas pela ficção mas ainda estamos presos a uma mundo principal, nossa

estado de consciência ainda esta ligado a essa realidade. Porém, nas “declarações

de ficção” de ficção o relacionamento com o mundo é diferente, pois estas

assumem a forma de incisivas afirmações da verdade, como apontou Lewis. Nas

palavras de Ryan,

“Quando eu processo “Napoleão poderia ter ganhado a batalha de Waterloo se

Grouchy tivesse chegado antes de Blucher”, eu olho este mundo do ponto de vista

de um mundo em que Napoleon perde; mas se eu leio em um romance “Graças a

habilidade de Grouchy de se mover rapidamente ele trouxe seu exército para o

campo de batalha antes de Blucher, Napoleão esmagou seus inimigos em

Waterloo”, eu me transporto para o mundo textual e processo a sentença como a

indicação de uma fato. Ambos contrafactuais e declarações da ficção direcionam

nossa atenção para o mundo possível não atual, mas eles fazem isso de modos

diferentes: os contrafactuais funcionam como telescópios, enquanto a ficção é um

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veículo de viagem espacial. No modo telescópio a consciência se mantém ancorada

na realidade nativa, e os mundos possíveis são contemplados de fora. No modo de

viagem espacial, a consciência se realoca para o outro mundo, reorganizando todo

o universo de ser em torno dessa realidade virtual.” 16

Será através das declarações de ficção que os mundos ficcionais deixam de

ser mundo mundos atuais não possíveis e se tornam mundos atuais possíveis, eles

passam por um processo de recentralização (RYAN, 2004) no indivíduo e esse

processo é essencial para a experiência de imersão. É interessante destacar que os

ARGs parecem utilizar para esse processo de recentralização diversos suportes e

meios de comunicação que os produtores utilizam para criar “declarações” que

reafirmem o caráter de realidade do jogo, estimulando essa reorganização

cognitiva do jogador, onde inicialmente ele teria contato com um mundo não atual

possível, e passa a ver e interagir com esse mundo como se ele fosse o seu mundo

atual. Mas, para que isso ocorra é preciso que ele também entre num jogo de

crença, não basta que ele seja transportado para esse mundo, sem que ele procure

se integrar a ele. É preciso que o jogador assuma uma postura de se engajar no

jogo em uma forma que possibilite o processo de construção lúdica da realidade.

Será através das teorias do filósofo Kendal Walton e do teórico de perfomance

Richard Schecher que buscaremos entender como ocorre esse processo. Além da

companhia desses dois pensadores, também utilizarei as teorias da pesquisadora,

de área de jogos e performance, Jane McGonigal.

2.2.4. Jogando com a crença na realidade

O teórico Richard Schecher em seu livro “Perfomance Studies – Na

introduction”(2002), afirma que há dois tipos de jogar: o “make-believe” e o

“make-belief”

O primeiro, “make-believe”, protege as fronteiras entre o que é o real e o

que é o “pretendido”. Já o segundo, “make-belief”, intencionalmente rompe essas

fronteiras.

Segundo Schecher, em nosso dia-a-dia nós estamos constantemente

16

Ryan, Marie-Laure, Narrative as Virtual Reality, p.103.

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realizando papéis e performances, mas essas performances não são tipo “make-

believe” e sim do tipo “make-belief”. Isso ocorre porque nos “make-believe”

games as fronteiras entre o real e o ficcional são muito claras. Se você vai ao

teatro ou ao cinema, ao ver os atores, você percebe que eles estão fazendo uma

performance do tipo “make-believe”, pois eles sabem as fronteiras entre o real e o

ficcional e o público também. Já nos make-belief não há muita certeza sobre isso.

Por exemplo, um cidadão ao ser eleito presidente, precisa passar a se comportar

como um presidente se comporta. Ele não percebe ou tem noção disso, mas ele

passa a representar um papel frente ao seu público que exige que ele se comporte

e aja de determinadas maneiras, para Schecher isso é um jogo baseado no “make-

belief”, ou seja, um jogo onde os participantes não percebem que estão realizando

uma performance. Scherer molda esse relacionamento entre perfomance, jogo e

crença com a seguinte questão: “Em que grau uma pessoa acredita em sua própria

perfomance?”

Para o autor, nos “make-believe games” os jogadores “pretendem

acreditar”, já nos “make-belief” games, os jogadores “esquecem completamente

ou negam‟ suas próprias performances e estimulam eles mesmos num acreditar

“acreditar” para o real.

Será a partir dessa questão que McGonigal vai buscar desenvolver uma

nova teoria a respeito da relação dos jogadores com a crença e a performance no

jogo. Segundo ela, as fronteiras representativas são visíveis e robustas, não dando

oportunidade para que os jogadores a confundam. Para McGonigal os jogadores

trabalham para suportar a crença do jogo. Para exemplificar essa teoria, ela utiliza

uma analogia do psicólogo que estuda jogos de adultos, Michel J. Apter. Este

autor afirma que o prazer do jogo está relacionado a vivenciar uma situação de

desafio através de um ”quadro de proteção”. Segundo o autor, esse quadro de

proteção dá certeza aos jogadores de que nada irá influenciar em seu jogo, como

também os passa a sensação de que o jogo não irá fugir de controle. (McGonigal,

2003) Ele explica esse conceito através de uma analogia composta do público, o

leão e a jaula.

Segundo Apter, se os jogadores (o público) forem vivenciar uma

experiência onde exista apenas uma jaula sem um leão, eles não terão prazer

algum. Caso vivenciem essa experiência somente em um ambiente com um leão e

sem jaula alguma, eles não irão aproveitar, pois o temor e a ansiedade frente a

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33

situação normalmente não irão lhe proporcionar prazer. Porém, o leão dentro da

jaula cria uma situação intermediária onde é estabelecidos um equilíbrio entre

prazer e segurança.

McGonigal afirma que nos jogos que trabalham com a realidade, os

jogadores façam a seguinte pergunta: “Que jaula?”. Dessa forma eles procuraram

estimular os outros jogadores a compartilharem a crença. Segundo a autora, esse

efeito está diretamente ligado a ação dos produtores dos jogos, buscando

estabelecer um “design imersivo” e ao fato dos jogadores compartilharem essa

idéia de “pretender acreditar” apontada por McGonigal.

2.2.5. Mimesis & Make-Believe

Em busca de um melhor entendimento de como os jogadores comportam

suas crenças na realidade ficcional estabelecida nos ARGs, além de Richard

Schechner, as teorias de Kendal Walton também serão de essencial importância

no desenvolvimento de uma ferramenta teórica que possibilite entender e analisar

melhor essa relação. O filósofo Kendal Walton em sua obra “Mimesis as Make-

Believe: On the Foundation of Representational Arts”, procura desenvolver uma

teoria da representação e uma fenomenologia da arte, buscando fazer com que o

termo representação se torne intercambiável com a ficção. Walton defende nessa

obra que a proposta central em receber todas as representações nas artes, seja

pintura, música, teatro ou literatura é participar do game de “make-believe.”17

Segundo o teórico, todos esses objetos de arte funcionam como

suportes/proposições(props) que definem regras, ações e temas do jogo para suas

audiências. Estas proposições dizem o que podemos acreditar, por quanto tempo,

e que mecanismos dispomos para demonstrar nosso “make-belief” para os outros

jogadores(McGonigal). Segundo McGonigal, estes “mecanismos de exposição”

diferem a noção de Walton de “make-believe play” das tradicionais teorias de

“suspensão da descrença”.

17

Nessa dissertação optamos por não traduzirmos os termos “make-believe” e “make-

belief”, pois ocasionaria em perda de sentido e referencial. Entretanto, em uma tradição livre e não

completa, “make-believe” poderia ser traduzido como faz-de-conta e “make-belief” como uma

crença /fé / algo que as pessoas acreditam.

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34

O principal termo relacionado a esse conceito foi introduzido inicialmente

pelo poeta e crítico inglês Samuel Taylor Coleridge no livro Biographia Literaria

em 1817, segundo o autor a “total suspensão da descrença” era uma situação que

ocorria de uma forma interna, estava circunscrita no âmbito do leitor, espectador,

participante, enfim, ao indivíduo que se relacionava com algo relacionado a arte.

Já para Walton a relação é diferente, os participantes devem conduzir e

demonstrar sua crença para outros participantes é necessário essa troca para

estabelecer uma interação entre as pessoas e elas compartilharem suas crenças.

Dessa forma, haveria uma mudança de relacionamento com a obra, as pessoas

passariam de uma “suspensão interna da crença” para uma performance externa da

crença.

Para Kendal Walton, a possibilidade de “participação conjunta” é um dos

principais pontos que seduzem o individuo para um “make-believe”. Pois as

pessoas se interessaram pela arte ou evento para que possam compartilhar entre

elas suas crenças e seus jogos mentais. Para demonstrar essa relação Walton cita o

psicólogo radical R.D. Laing e sua teoria sobre a exposição poética da dinâmica

do jogo: “Eles estão jogando um jogo. Eles estão jogando de não estarem jogando

um jogo. Se eu os mostro que eles estão, eu irei quebrar suas regras e eles irão me

punir. Eu devo jogar seu jogo, de não ver que eu vejo um jogo.” Segundo Walton,

“fingir uma crença” no jogo é um elemento essencial para ser aceito na

comunidade de jogadores e uma performance externa dessa crença é fator

fundamental para essa inclusão.

Os apontamentos teóricos de Walton serão importantes para pensar como

os jogadores dos ARGs se relacionam com o jogo, além disse seus conceitos

também vão ajudar a refletir sobre as relações existentes entre os jogadores e as

comunidades que eles formam e participam.

2.2.6. Interatividade

Um aspecto importante a ser delimitado na análise dos ARGs é sobre qual

conceito de interatividade será utilizado para observar essa forma de jogo. Dentro

desse trabalho, esse conceito será entendido através do uso do suporte e da

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abertura da obra. No desenvolvimento do conceito, as teorias e análises que

Marco Silva realiza no livro “Sala de Aula Interativa”, sobre o termo

interatividade, serão de grande valor. Além disso, as teorias de Umberto Eco e

Júlio Plaza, sobre a obra de arte aberta, também serão importantes no

entendimento e definição desse escopo teórico que será utilizado na análise dos

Alternate Reality Games.

Marco Silva, ao analisar os fundamentos da interatividade, destaca três

pontos fundamentais: a participação-intervenção, a bidirecionalidade-hibridação e

a potencialidade-permutabilidade. Silva construiu esses três binômios a partir da

obra de Arlindo Machado, Pré-cinemas & e Pós-Cinemas, buscando esquematizar

as especificidades e singularidades do termo, destacando que apesar dessa divisão

esquemática, ambos os termos se combinam, se dialogam e não independentes,

estabelecendo essa tríade como fundamental para a compreensão do conceito.

Segundo Marco Silva, a participação-intervenção significa que o indivíduo

não escolhe apenas entre opções dadas; ele pode participar ativamente do processo

comunicacional, podendo interferir na mensagem de modo sensório-corporal e

semântico.

Já a bidirecionalidade-permutabilidade significa que a comunicação é

estabelecida de forma conjunta. A emissão e a recepção são produzidas

simultaneamente, os dois pólos são emissores e receptores. Esse aspecto é bem

interessante, pois demonstra como nessa forma de comunicação é rompida a

tradicional divisão entre emissor e receptor, onde o primeiro é o criador da

mensagem e o outro é passivo na recepção.

Por fim, o conceito de potencialidade-permutabilidade está diretamente

ligado a noção de potencialidades e possibilidades, pois uma forma

comunicacional será assim identificada quando permitir que se estabeleçam

“múltiplas redes articulatórias de conexões e liberdade de trocas, associações e

significações potenciais.”. É interessante observar que a potencialidade-

permutabilidade parece estar ligada ao conceito de virtual de Lévy, pois estabelece

que uma forma de comunicação vai ter essa característica quando permitir que

ocorram desdobramentos e possibilidades frente a uma opção inicial.

Esses três aspectos teóricos da interatividade, apresentados por Marco

Silva, são importantes pois se aplicam tanto ao suporte físico como também faz

pontes com a abertura existente na obra. E para estabelecermos melhor o conceito

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de abertura nesse trabalho e como isso pode ser usado para buscarmos entender os

ARGs, as teorias desenvolvidas por Umberto Eco e Júlio Plaza são essenciais.

Em seu livro, A Obra Aberta, lançado inicialmente em 1962, Eco apresenta

as características da poética da obra de arte aberta. Segundo o autor, a obra de arte

aberta não é uma categoria crítica, mas sim um modelo teórico para explicar a arte

contemporânea. Para ele, as modificações pela qual a sociedade passou como as

teorias da relatividade, o desconstrutivismo, as teorias da física quântica, as

mudanças na fenomenologia, levaram a uma descrença nas poéticas clássicas que

serviam como formas de entendimento da sociedade, ou seja, modelos teóricos

existentes não serviam mais explicar as diversas aberturas que ocorriam no

mundo, como as possibilidades abertas pela física quântica, a aplicação da noção

de probabilidade trazida pela física, que desmontavam os princípios de uma

estrutura rigidamente definida.

Segundo Eco, essas transformações levaram a arte a se modificar, fazendo

com que a arte contemporânea buscasse esse mundo de possibilidades. É

importante destacar que para Eco todas as obras de arte seriam abertas, porém o

que caracterizava o momento era a busca. Umberto Eco diz:

“(...) os artistas contemporâneos, voltam-se amiúde para os ideais da

informalidade, desordem, casualidade, indeterminação dos resultados, e por isso se

tentou também colocar o problema de uma dialética entre “forma” e abertura”: isto

é, definir os limites dentro dos quais uma obra pode lograr o máximo de

ambigüidade e depender da intervenção ativa do consumidor, sem contudo deixar

de ser “obra”. Entendendo-se por “obra um objeto dotado de propriedades

estruturais definidas, que permitam, mas coordenando-os, o revezamento das

interpretações, o deslocar-se das perspectivas.”18

Segundo autor, isso significa que os artistas procuraram colocar a obra de

arte como uma reação ao Acaso, ao Indeterminado e a Desordem. Mas não a

desordem destruidora e incurável, e sim aquela que busca uma ruptura com a

Ordem Tradicional, que o homem(do ocidente) via como imutável e que era o

resultado da composição final do mundo. Esse espírito apontado pelo autor será a

base do desenvolvimento da poética da obra “aberta”, que busca “promover no

intérprete “atos de liberdade consciente”, pô-lo como centro ativo de uma rede de

relações inesgotáveis, entre as quais ele instaura sua própria forma, sem ser

determinado por uma necessidade que lhe prescreva os modos definitivos de

18

ECO, U, A Obra Aberta, p. 41

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organização da obra fruída;” (ECO, 1968).

O conceito de obra “aberta” será importante na análise dos ARGs, pois ele

proporciona um parâmetro para observar se esses jogos permitem aos jogadores

(intérpretes) realizarem seus atos de liberdade consciente, e se podem funcionar

como estimulantes no desenvolvimento das redes de relações entre os

participantes. Um ponto importante no desenvolvimento dessa categoria de

análise é estabelecer graduações que possibilitem identificar diferentes níveis de

abertura nos jogos. Para desenvolver melhor essa questão, o trabalho teórico de

Júlio Plaza pode proporcionar um auxílio importante.

Júlio Plaza procurou ampliar o conceito de Umberto Eco, estabelecendo

três níveis de abertura na obra aberta. No primeiro grau, o receptor participaria

desenvolvendo interpretações e recriações mentais da obra, ou seja, uma obra de

primeiro grau seria aquela que permite espaços e intervalos que permitissem essa

reflexão por parte do receptor. Já na obra de segundo grau, o leitor teria espaço

para também manipular a obra. Nesse nível de abertura, a obra deve ser feita de

forma a permitir que, caso o leitor deseje ir além da reflexão, ele tenha a

possibilidade de realmente manipular a obra conforme os seus desejos. O terceiro

nível de abertura é quando o receptor pode recriar a obra, fazendo modificações

ao seu gosto e a partir disso gerando uma nova obra, “onde a interatividade surge

em sua plenitude de autonomia e imprevisibilidade: dá-se o modelo (o sistema, o

programa) para que o espectador produza a obra a partir dele.”19

. Ou seja, é um

estágio aonde a abertura da obra chegou a um nível onde ela se desdobra em

novas recriações.

Essa sistematização dos níveis de abertura da obra, que Plaza desenvolveu

a partir do trabalho de Eco, somada ao conceito de interatividade de Marco Silva,

servirá de parâmetro na análise dos ARGs, buscando compreender se esses jogos

permitem interatividade e abertura, e caso isso ocorra, em quais níveis isso pode

ocorrer.

19

BETTOCHI, E., Incorporais RPG: design poético para um jogo de representação, o.27

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2.3. Transmedia Storytelling, Media Ecology e Cultura da Convergência – Definindo os ARGs entre a narrativa e a comunicação

Nesse parte, os Alternate Reality Games (ARGs) serão contextualizados

num ambiente de Convergẽncia de Mídias (JENKINS, 2008) e analisados através

da Media Ecology. A narrativa desses jogos será o fio condutor dessa análise. A

hipótese é que os ARGs funcionam como um sistema formado por diversos meios

de comunicação, e esses meios são interligados pela narrativa. Essa narrativa

também é responsável por fazer a ponte entre o real e a ficção, e de agrupar a

comunidade de jogadores em torno do jogo. Será através de como a história é

conduzida, e os desafios propostos durante ela, que os participantes irão se

agrupar(relação social) buscando formas de resolver coletivamente(e

cognitivamente) os problemas (inteligência coletiva).

Na primeira parte são apresentados os conceitos da convergência de

mídias, media ecology e narrativa transmidiática que serão usados para entender

melhor os ARGs e defini-los entre a narrativa e a comunicação. Esses conceitos

são importantes para definir certos parâmetros para analisar os estudos de casos e

avaliar se o sistema formado pelos ARGs impactaram as relações sociais entre os

jogadores e de que forma esses participantes se reúnem para resolveram

colaborativamente problemas que seriam impossíveis resolveram sozinhos.

2.3.1. Cultura da Convergência, energia híbrida e mudanças na narrativa

Henry Jenkins, em seu estudo sobre como as mudanças nos meios de

comunicação influenciaram nas transformações culturais, aponta a Cultura da

Convergência como um produto dessas transformações. Jenkins define

Convergência da seguinte maneira:

“Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes

midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento

migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte

em busca de experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma

palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas,

culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar

falando” 20

20

Jenkins, H, Cultura da Convergência, p. 27.

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Essa convergência é construída, segundo o autor, com base em três pontos

fundamentais: as noções de convergência dos meios de comunicação, cultura

participativa e inteligência coletiva. Esses três fatores se autoalimentam

resultando em um processo coletivo. Esses conceitos serão fundamentais para

analisarmos o sistema formado pelos ARGs posteriormente.

Dentro desse contexto da Cultura da Convergência surgiram os ARGs que

dentro desse escopo teórico são entendimentos como um fruto dessas

transformações e influenciados por ela. Para analisar as características narrativas

dos ARGs e como eles funcionam como um sistema, é importante defini-los, para

isso irei utilizar a definição de Jane McGonigal uma das precursoras na criação e

estudo dos ARGs.

“Um drama interativo jogado on-line e em espaços do mundo real que se passa em

várias semanas ou meses, em que dezenas, centenas, milhares de jogadores se

reúnem on-line, formam redes sociais cooperativas e trabalham juntos para resolver

um mistério ou um problema que seria absolutamente impossível resolver

sozinho”.21

Os ARGs dentro da cultura da convergência de Jenkins, parecem se

aproximar do que McLuhan disse sobre a energia hibrida. Segundo McLuhan,

quando dois meios se encontram há a produção de uma energia e que essa energia

irá ter consideráveis consequências psíquicas, tecnológicas e sociais. O autor

também destaca a importância de entendermos os efeitos desses meios híbridos,

pois, sendo os meios extensões dos homens, eles estão diretamente ligados a nós e

por isso dependem de nós mesmos para sua inter-relação e evolução.

McLuhan também enfatiza que os meios como extensões de nossos

sentidos proporcionam relações não somente entre os nossos sentidos particulares,

como também entre si na medida que eles vão se inter-relacionando. Segundo o

autor, “O rádio alterou a forma das estórias noticiosas, bem como a imagem

fílmica, com o advento do sonoro. A televisão provocou mudanças drásticas na

programação do rádio e na forma das radionovelas.”22

. As transformações

proporcionadas pelo encontro de diversos meios que ocorrem na cultura

21

JENKINS, H. Cultura da Convergência, p. 173

22 McLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem, p.73

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contemporânea não se restrigem apenas na forma como os meios se comportaram

e relacionam, elas também levam a novas experiências sociais. Essas

transformações também afetaram a forma de contarmos histórias e os ARGs

parecem ser um reflexo disso. Pois, os ARGs parecem ter se estabelecido a partir

dessa inter-relação entre os meios e que procuram canalizar e utilizar essa energia

gerada desse encontro como força motriz para mover a narrativa ao longo de

diversas mídias e estimularem a comunidade de jogadores a partir disso.

É importante ressaltar que McLuhan apontou os artistas como os primeiros

a descobrirem como capacitar um determinado meio para seu uso ou como liberar

a força latente de outro meio. Considerando que o game designer é uma atividade

que exige criatividade e capacidade de inovação, é possível identificarmos os

game designers dos ARGs como responsáveis pela liberação e uso das forças dos

novos meios de comunicação para desenvolveram novas experiências lúdicas com

seus participantes. Ao fazerem isso, os game designer possibilitam que os

jogadores aproveitem esse momento de encontro dos meios, e possam se despertar

da narcose narcísica que estiveram envolvidos, e que possam desfrutar de “(...) um

momento de liberdade e libertação do entorpecimento e do transe que eles

impõem aos nossos sentidos” 23

. Os Alternate Reality Games utilizam a narrativa

para conseguirem fluir entre os diversos meios, esse tipo de narrativa foi

denominada narrativa transmidiática e na próxima parte buscaremos entender

melhor esse conceito e como pode ser estudada através da media ecology.

2.3.2. Narrativa Transmidiática e media ecology

O ponto inicial de um Alternate Reality Game é conhecido no jargão do

jogo como “habbit hole”. Esse “buraco do coelho” é o início da narrativa, ou seja,

a primeira parte da história que os jogadores têm contato e será a partir dela que

irá ocorrer todo o desdobramento da história. Por exemplo, no ARG “I love bees”

relacionado com a promoção do filme “Inteligência Artificial” de Steven

Spielberg (2001), o “buraco do coelho” foi o aparecimento do nome de uma

empresa de robótica nos créditos do trailer do filme. A partir disso, algumas

pessoas (e futuros jogadores) pesquisaram o nome da empresa em mecanismos de

23

McLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem, p.75

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busca e encontraram o site da empresa fabricante. Porém, ao visitarem o site eles

começaram a se envolver em uma complexa trama, e essa conspiração acabou os

levando a terem contatos com diversos meios de comunicação como telefones,

cartas, diversos suportes na internet e físicos para resolverem a história em que

eles estavam envolvidos. Esse tipo de narrativa foi definido por Henry Jenkins

como narrativa transmidiática e nessa pesquisa ela é entendida como a ponte que

une os diversos meios de comunicação que os ARGs utilizam para criar sua

história. Será sobre esse conceito sob (a ótica da media ecology) e essa ligação

que iremos desdobrar nossa discussão agora.

Henry Jenkins define narrativa transmidiática da seguinte forma:

“ histórias que se desenrolam em múltiplas plataformas midiáticas, cada uma delas

contribuindo de forma distinta para nossa compreensão do universo; uma

abordagem mais integrada do desenvolvimento de uma franquia do que os modelos

baseados em textos originais e produtos acessórios”.24

Essa nova abordagem transmidiática é uma nova forma de contar histórias,

em vez de uma história principal ser replicada por diversos meios, ela agora é

contada simultaneamente através de diversos suportes. Henry Jenkins procurou

observar principalmente do ponto de vista econômico, e de como os produtores

perceberam em como poderiam tirar um melhor proveito dos recursos de cada

meio ao fazerem isso, porém os conceitos do autor são muito próximo do que

McLuhan apontou ao dizer que os meios de comunicação não anulam uns ao

outros, pelo contrário, eles na verdade se reforçam compondo uma ambiência.

Assim como, por exemplo, o rádio trouxe contribuições para a TV, e a TV

influenciou a forma de fazer do cinema, dessa forma, os meios podem trabalhar de

forma estruturada, estabelecendo uma associação que cria um ambiente de

sinergia midiática.

Os ARGs, sendo um tipo de história transmidiática, parecem terem

percebido que podem utilizar essa sinergia, desde que aproveitam a potencialidade

de cada meio para desenvolveram uma parte da história, e através disso levarem

os jogadores a uma viagem através de diversos suportes e com isso permitirem

que eles vivenciem a história.

24

JENKINS, H. Cultura da Convergência, p.339.

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2.3.3. Os ARGs, entre a narrativa e a comunicação

Após, compreendermos o contexto cultural e tecnológico onde se

desenvolveram os Alternate Reality Games, buscaremos definir esse tipo de jogo

entre a comunicação e a narrativa. Essa definição é inspirada nos estudos de

Eliane Bettochi sobre jogos, em especial sobre o RPG. Em suas pesquisas,

Bettochi (2006) analisou os Role Playing Games(RPGs) como um novo meio de

comunicação. Segundo a autora, essa classificação foi possível porque os RPGs

possuem os elementos apontados por McLuhan como fundamentais para definir

um meio de comunicação. Estes elementos são: tecnologia (veículo, canal e

suporte material), linguagem ou sistema simbólico (códigos e repertórios) e

condições de fruição (modos de recepção).

Como qualquer mudança em um destes três elementos é suficiente para

diferenciar um meio de comunicação de outro (COELHO, 2004), acredito que o

media ecology possa servir de ferramenta teórica na análise dos Alternate Reality

Games, pois, segundo Neil Postman:

"1. qualquer OBJETO pode vir a constituir ou representar um meio de

comunicação;

2. o AMBIENTE onde se dão as relações humanas deve ser observado

como o espaço de um CONCERTO DE MÍDIAS;

3. a mídia será estudada, desta maneira, pelo IMPACTO que alguns de

seus elementos constituintes gera." (Coelho, 2004)”

A partir dos apontamentos de Postman é possível identificar os ARGs

como um sistema de comunicação formado por diversos meios, pois essa forma

de jogo procura utilizar diversos meios de comunicação existentes para atingir seu

público e seus jogadores, e que emprega a narrativa e os pequenos relatos

realizados pelos participantes (Lyotard) como forma de interligar esses meios.

Essa categoria será utilizada para observar os ARGs analisados nessa dissertação.

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3 Alternate Reality Games (ARGs)

No segundo capítulo, foi apresentada a base teórica de análise dos

Alternate Reality Games (ARGs). Agora, serão explicados os principais termos

utilizados no jogo, e os antecedentes históricos que inspiraram e influenciaram o

surgimento desse tipo de jogo.

3.1. Terminologia

Para podermos analisarmos melhor os ARGs é importante entendermos

algumas das suas terminologias.

Puppetmaster /Mestre do jogo:

É uma das figuras principais de um Alternate Reality Game. Ele é

responsável por criar e conduzir a história. O puppetmaster não necessariamente é

apenas uma pessoa. Pode ser um grupo de pessoas - o que é muito comum em

ARGs grandes, onde seria impossível apenas uma pessoa conduzir a história. Os

mestres também criam os enigmas, a narrativa, as personagens, inclusive

controlando e realizando o contato das personagens com os jogadores

participantes.

Cortina / Behind the Curtain

A cortina é um termo originado da expressão “atrás da cortina” (“behind

the curtain”, expressão idiomática norteamericana; a tradução mais aproximada

deste conceito seria “por debaixo dos panos”). Significa, no caso específico dos

ARGS, a separação existente entre o mestre do jogo e os jogadores. Ou seja, seria

o espaço que o mestre utiliza para criar as ligações entre os personagens e os

jogadores, e onde ele manipula essas relações.

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44

Rabbit hole25

/ Trailhead / Buraco do Coelho

É a porta de entrada para o jogo. Normalmente é um site, uma mensagem,

uma ligação, enfim, um meio de comunicação que é utilizado para atrair os

jogadores para o Alternate Reality Game, , funcionando como uma espécie de

“isca” para os participantes. Nos ARGs mais complexos ou abrangentes é muito

comum que eles utilizem os mais diversos meios para atraírem a atenção dos

jogadores. Dessa forma eles conseguem cooptar jogadores em diversos espaços

midiáticos.

3.2. Como funciona e se joga um ARG

Após apresentar uma parte da terminologia dos ARGs é importante observar

como um ARG funciona. Para realizarmos isso, será feito uma breve análise

descritiva do começo do funcionamento de um Alternate Reality Game.

O ARG apresentado será o “Conspiracy For Good”. Ele foi desenvolvido

por Tim Kring, criador da série de TV Heroes, e recebeu suporte tecnológico e

patrocínio da Nokia.

O jogo é baseado na história da organização Conspiracy For Good.

Durante muito tempo, a organização foi conhecida por fazer o bem nas áreas com

mais dificuldades. Agindo sempre de forma discreta, seus membros procuravam

beneficiar a população dessas áreas. Entretanto, as ações da organização atraíram

inimigos, sendo um deles a Blackwell Briggs, uma empresa multinacional com

base em Londres que trabalha com desenvolvimento de tecnologias de ponta

relacionadas à comunicação. A Blackwell Briggs está atacando a Conspiracy For

Good, e por isso, a organização pede ajuda a Tim Kring. Devido a suas

25

Habbit hole é uma referência ao livro de Lewis Carrol “Alice no País das Maravilhas”,

onde no primeiro capítulo “Down in a Habbit Hole” a protagonista Alice é atraída por um Coelho

Branco vestido com roupas um “habbit hole” e isso funciona como o passaporte para o ínicio de

suas aventuras. Esse termo e seu simbolismo também são utilizados no filme Matrix, quando

Morpheus diz a Neo: “ I imagine that right now you're feeling a bit like Alice.“ e continua ainda no

mesmo diálogo: “You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe

whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland and I show you

how deep the rabbit-hole goes. Remember -- all I am offering is the truth, nothing more”.

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habilidades narrativas, ele conta a história da organização para atrair novos

agentes e espalhar o bem no mundo.

Rabbit Hole ou o começo do ARG Conspiracy For Good

O rabbit hole do ARG começou com um post de “J$” no blog Barley

Sarcasm26

pedindo para os jogadores enviarem vídeos dizendo “Eu não sou um

membro”, o que foi prontamente atendido por centenas de participantes.

Figura 1 - Post onde “J$” convoca os participantes no blog Barely Sarcasm27

Um tempo depois, foi lançado o site www.imnotamember.com onde

apareciam os vídeos enviados pelas pessoas. Nesses vídeos, as pessoas negavam

que eram membros da organização.

26

http://barelysarcasm.tumblr.com

27 http://barelysarcasm.tumblr.com/post/456807662/im-not-a-member-video-please-help-

plz-reblog

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Figura 2 - Vídeo gravado por participante, negando que faça parte da

organização28

28

www.imnotamember.com

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47

Figura 3 - Pedido para que os jogadores gravem seus vídeos29

Neste site havia um pedido para que as pessoas entrassem para a

“Conspiracy For Good” (http://www.conspiracyforgood.com/).

Quando os jogadores entravam no site, eles encontravam um post no blog

da organização os convocando para a ação. No post “A Call to Action” era

apresentada “A Lista”, que era o ponto central do movimento, onde as pessoas

poderiam postar causas, eventos e pedidos de ajuda.

29

www.imnotamember.com

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48

Figura 4 – página principal do Conspiracy For Good, local onde são

concentradas as principais informações do jogo.

O blog do Conspiracy For Good concentra ações e participantes. E a partir

dele os jogadores receberão grande parte das novas informações e irão interagir

entre si. É bastante comum que os Alternate Reality Games estabeleçam estruturas

de agregação e troca entre os participantes. Isso não significa que os designers do

jogo não utilizem outras mídias para se comunicar. Eles usam as mais diversas,

entretanto é comum que exista um lugar que sirva de ponto central das

informações do jogo.

A partir disso, surgiram novos posts no blog explicando mais sobre a

organização, suas ações e pedindo para os participantes enviarem fotos e

informações para o site.

Todos esses acontecimentos ocorreram antes de 18 de Maio de 2010. Esta

informação é crucial pois, a partir desta data, acontece um fato importante dentro

da estrutura de jogo dos ARGs. É quando o fórum “Unfiction”, formado por

jogadores de ARGs, descobre o jogo.

O momento em que uma comunidade organizada de jogadores descobre

um ARG é um marco considerável daquele jogo, pois a partir disso o nível de

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49

interação e troca entre os participantes aumenta muito. Será no tópico do jogo

criado no fórum (no caso o “Unfiction”) que eles irão compartilhar as informações

que cada um receber e buscam através disso resolverem coletivamente os

problemas/enigmas que surgem ao longo do jogo.

Figura 5 - Primeiro post no fórum do Unfiction, onde um jogador anuncia a

descoberta do ARG – Conspiracy For Good – 18 de Maio de 2010 30

A partir dessa descoberta inicial, os jogadores começam a compartilhar as

informações sobre o jogo, divulgando links, mensagens e conhecimentos que

obtiveram do jogo.

30

http://forums.unfiction.com/forums/viewtopic.php?t=29573&sid=a5c5f228f356130956623203301

9c32e

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50

Figura 6 - A partir do primeiro post, novos jogadores também escrevem

compartilhando as informações que obtiveram31

É importante ressaltar a palavra [TRAILHEAD] no tópico sobre o jogo.

Como foi apontado na terminologia sobre os ARGs, Trailhead, assim como buraco

do coelho/ habbit hole, funciona como o ponto de partida do jogo, um chamariz

para atrair participantes.

Quando os jogadores descobrem o ARG é que ele fica mais intenso. A

partir disso, os mestres começam a disponibilizar mais informações sobre o jogo,

que fica mais dinâmico.

Como essa dissertação irá analisar posteriormente mais profundamente

outros ARGs - com um estudo de caso dedicado a cada um deles -, seria um

desvio de foco continuar o desdobramento do ARG Conspiracy For Good nesse

capítulo. Essa descrição do jogo foi feita apenas para apresentar a dinâmica do

ARG e fazer as pontes com a terminologia apresentada e utilizada nos Alternate

Reality Games.

31

http://forums.unfiction.com/forums/viewtopic.php?t=29573&sid=a5c5f228f356130956623203301

9c32e

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51

Depois dessa breve apresentação de como funciona um ARG, iremos

discutir agora as categorias ou subgêneros desse jogo. Para essa análise, o “white

paper” da IDGA (International Game Developers Association) sobre Alternate

Reality Games, e suas categorias, será fundamental.32

3.3. Tipos de ARGs.

Os ARGs surgiram a partir de produtores independentes que aos poucos

foram traçando as características desse novo tipo de jogo. Porém, conforme uma

estrutura básica foi sendo estabelecida e novas experimentações lúdicas e estéticas

testadas, esse tipo de jogo começou a ter diversas manifestações. Estas possuem

particularidades, e dentro da comunidade dos ARGs, seja de produtores ou de

jogadores, essas características são utilizadas para classificar os ARGs dentro de

determinados gêneros. Serão observados o nível de interatividade, o público e a

forma de produção/financiamento. O white paper da IDGA sobre os Alternate

Reality Games foi a base teórica nessa análise.

Promocional

Os ARGs promocionais normalmente estão relacionados ao lançamento de

algum produto ou campanha. Eles costumar receber um grande aporte de recursos

e são construídos de forma a suportar e atingir o maior número possível de

pessoas.

Essa maior abertura de público se reflete em uma história mais simples e

com menos aberturas de participação. Ela normalmente é construída de forma que

o público possa ter algum tipo de participação em qualquer momento que tiverem

contato com a história, seja no começo, meio, ou no final. Não se exige que o

público tenha que se aprofundar no jogo tendo que seguir cada pista ou

informação para acompanhar a história.

Esse gênero de ARG normalmente é produzido por uma empresa

experiente no ramo, que é contratada pela empresa interessada na divulgação do

32

http://archives.igda.org/arg/resources/IGDA-AlternateRealityGames-Whitepaper-

2006.pdf

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52

produto. A empresa produtora do jogo costumeiramente é também a responsável

pela condução da história durante o seu período de funcionamento.

Os ARGs promocionais também são marcados por deixarem mais claro

que são jogos e que possuem uma ligação com uma marca/produto, deixando mais

aberto o seu aspecto de marketing, que não é escondido do jogador. Inclusive, a

relação com a marca fica explícita no próprio site principal do jogo.

ARGS Comerciais

Os ARGs comerciais se apresentam como um serviço, em que os

jogadores devem pagar uma mensalidade para que possam participar. Ao mesmo

tempo, será esse valor que irá financiar essa experiência. O primeiro ARG a tentar

estabelecer esse tipo de modelo foi o Majestic (2001) produzido pela Eletronic

Arts.

Entretanto, esse jogo sofreu um problema estrutural. Ao mesmo tempo que

se exigia que os jogadores pagassem uma mensalidade para participar do jogo, ele

tentava se apresentar aos jogadores como se não fosse um jogo, buscando atingir o

princípio de TINAG33

(This is not a game) dos ARGs. Essa personalidade dupla

não conseguiu proporcionar a imersão desejada e o jogo não obteve o público que

a Eletronic Arts esperava - e acabou sendo cancelado antes de terminar:

“Majestic atraiu uma audiência tão anêmica que a Eletronic Arts resolveu

abandonar a história no meio do caminho. Das 800.000 pessoas que inicialmente se

registraram gratuitamente para a primeira parte do jogo, apenas 71.200

completaram o processo. Esse número cai para 10.000 a 15.000 inscritos quando

chega a hora de pagar. Foi uma grande experiência, mas que custou para a EA entre

U$ 5 milhões e $7 milhões” 34

Apesar da experiência do Majestic em relação ao público não ter sido

muito bem sucedida, ocorreram outras experiências de ARGs comerciais.

Uma dela foi o ARG Perplex City produzido pela Mindy Candy. A história

33

O termo TINAG, sigla de “This is not a Game”, corresponde a um pacto entre os

jogadores de ARGs pela defesa da imersão narrativa, ou seja, apesar de saberem que é um jogo,

eles se comportam e participam dele como se não fosse um. A partir desse princípio estético, os

jogadores evitam comentar assuntos não relacionados a narrativa e que fujam do mundo ficcional. 34

http://money.cnn.com/2001/12/19/technology/column_gaming/ -

Tradução livre do autor.

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53

do jogo é sobre uma civilização tecnologicamente muito mais avançada que a

nossa, que vive em um outro planeta. Essa civilização adora quebra-cabeças,

tendo inclusive os elegido como uma forma de arte.

Uma das suas principais obras de arte, “The Receda Cube”, foi roubado de

um museu e trazido para a Terra. Como essa civilização, apesar de avançada, não

consegue viajar para a Terra, mas consegue interferir nos sistemas de

comunicação daqui, eles utilizam esse canal de comunicação para pedir ajuda para

recuperar seu objeto de arte.

O Perplex City procurou funcionar com sistema de temporada, sendo que

a primeira durou de 2005 a 2007 e apresentou dois modelos de negócio: o

primeiro era um jogo de caça ao tesouro e o segundo uma história de mistério. O

primeiro era pago e prometia um grande prêmio em dinheiro no final; o segundo

era gratuito.

Ao longo da primeira temporada, o ARG teve cerca de 26 mil jogadores.

Após o término, os produtores prometeram lançar uma segunda temporada.

Entretanto, esse lançamento foi adiado diversas vezes, até que, por fim, a Mindy

Candy anunciou que não havia mais planos para produzi-la.

Os ARGs comerciais tendem a ter uma abertura de participação com

grande variação, dependendo do perfil e do público nos quais estão focados, e

qual a reação desse público frente ao serviço que estão contratando.

“Single-Player”

O ARG single-player é um subgênero que busca possibilitar aos

participantes jogarem sozinhos. Do ponto de vista teórico e estrutural, grande

parte dos ARGs podem ser jogados sozinhos, entretanto, devido a grande

complexidade da história e os múltiplos suportes utilizados, é muito difícil que

somente uma pessoa consiga acompanhar e resolver todo o jogo.

Os ARGs single-player procuraram resolver esse problema, normalmente

desenvolvendo uma narrativa e desafios mais simples. Além disso, essa forma de

jogo também procura estabelecer uma estrutura temporal bem definida e

independente, de forma que os jogadores possam jogar o ARG em qualquer

momento, sem estarem presos ao tempo do jogo. Por exemplo, se os produtores

desenvolvem um ARG que para se chegar ao seu final, o jogador deva dedicar

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54

duas semanas de seu tempo, eles irão criar isso de forma que o jogador consiga

resolver os desafios do ARG quando puder dedicar seu tempo a isso. Nos ARGs

single-players o tempo do jogo não é associado ao tempo da vida real do jogador.

Dessa forma, o jogador pode jogar quando tiver tempo disponível. Nesse jogo, o

nível de exigência e dedicação é menor.

Além disso, os ARGs single-player pode ser jogados mesmo que o tempo

inicial do jogo tenha passado. Normalmente, os outros tipos de ARGs possuem

um período de tempo do jogo (algumas semanas, alguns meses e até mesmo o

período de um ano). Entretanto, ao acabar esse tempo, o jogo é encerrado e

dificilmente novos jogadores conseguirão jogar. Os ARGs single-player não são

assim: desde que sua estrutura continue online eles podem ser jogados em

qualquer momento.

Esse tipo de jogo, normalmente é muito utilizado em campanhas

promocionais, pois sua estrutura facilita o acesso para um grande número de

pessoas não acostumados a jogarem Alternate Reality Games. Além disso, o fato

dos jogos continuarem online, mesmo após o término do tempo “oficial” de jogo,

permite que novos participantes possam estar sempre o conhecendo, assim como o

elemento promocional que foi promovido por esse ARG.

Grassroots - Independentes

Os jogos "grassroots" podem ser classificados como jogos

alternativos/indies, ou seja, são feitos por pessoas interessadas em ARGs e que

não têm finalidade comercial nem promocional.

Esses jogos normalmente são feitos por jogadores ou ex-jogadores que

procuram organizar um jogo para outros participantes. Inclusive o primeiro ARG

grassroot foi um jogo feito por um coletivo de jogadores denominado "The

Jawbreakers". Grande parte destes jogadores se conheceram durante o ARG "The

Beast", quando utilizavam o nome de "The Cloudmakers".

O ARG que eles desenvolveram recebeu o nome de "Lockjaw" (2002) e

teve um considerável sucesso. O grupo de discussão formado pelos jogadores no

Yahoo chegou a ter 700 participantes. Segundo dados dos produtores35

, o site

35

http://www.christydena.com/online-essays/arg-stats/

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55

principal do jogo chegou a ter 10.000 acessos únicos de IP em um único dia. Além

disso, os jogadores desse ARG também deram origem ao principal site (ARGN36

)

e forum (Unfiction)37

relacionados a esse tipo de jogo.

Os ARGs "grassroots" costumam caminhar para duas vertentes: a primeira

procura expandir a história oficial de um outro jogo mais comercial. Isso acontece

principalmente quando o jogo terminou e os jogadores desejam explorar melhor o

seu cenário ou desenvolver outras pontas da história que ficaram abertas. A outra

vertente dos "grassroots" são os jogos criados a partir do zero: os organizadores

desenvolvem um roteiro, uma história e a partir disso começam a construir todo o

desenvolvimento do jogo e seus suportes midiáticos.

Esse tipo de jogo possui um custo muito menor do que os ARGs

promocionais, e normalmente é dividido entre os organizadores e doadores.

Apesar de ter um valor de produção menor, não significa que esse tipo de jogo não

tenha qualidade.

Normalmente os autores dos jogos são pessoas com grandes

conhecimentos técnicos e jogadores experientes de ARGs, procurando

desenvolver o projeto da melhor forma possível. Entretanto, como o jogo depende

do voluntariado dos organizadores, é bastante comum que esses tipos de jogos

terminem de forma inesperada, ou que aconteça uma espécie de abandono do

jogo, quando por algum motivo alguns organizadores não conseguem mais

participar da produção.

Educacional

Outro gênero de ARG que se estabeleceu foi o “ARG Educacional”. Esse

gênero do jogo procura desenvolver sua história de forma a atingir os objetivos

educacionais estabelecidos. Essas metas são definidas pelo corpo educacional que

faz parte dos produtores do jogo. Eles definem que tema/conceito o jogo deve

trabalhar, e a partir disso os autores irão desenvolver uma narrativa que busque

incorporar esses elementos na trama.

Enquanto os ARGs promocionais procuram promover, por exemplo, um

36

http://www.argn.com/

37 http://www.unfiction.com/

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livro ou um filme, os educacionais procuraram desenvolver uma forma de saber

ou prática.

Esse tipo de ARG normalmente possui escopos variados. Ele pode ter

poucos recursos e uma abrangência menor, como por exemplo um ARG

desenvolvido por uma biblioteca e que tem como objetivo apenas atingir esse

público, ou pode ser bem mais expansivo, como o ARG “World Without Oil” que

recebeu verbas de diversas organizações e tinha como alvo um grande número de

participantes.

Um exemplo de ARG educacional foi o Ruby‟s BeQuest38

. A história se

passa no futuro, em uma cidade fictícia denominada Deepweel. Em 2009 uma

desconhecida moradora chamada Ruby Wood deixa em seu testamento algum

dinheiro para a cidade. Ela costumava pensar que a cidade poderia melhorar a

solidariedade entre seus habitantes. Em março de 2010 seu advogado abriu seu

testamento: para que a cidade pudesse ganhar o dinheiro, ela deveria atingir 300

pontos no índice de solidariedade (índice estabelecido pelos designers do jogo).

Buscando uma forma de atingir esse objetivo, os moradores da cidade criaram um

website onde convidam as pessoas a contarem suas histórias e compartilharem

maneiras de aumentar a gentileza entre as pessoas. O jogo teve seu próprio padrão

de tempo, tendo início em 2009 e indo até 2016. Esses 7 anos passaram ao longo

dos 60 dias de duração de jogo, que teve início em 7 de março e foi até 10 de abril

de 2009.

O jogo foi desenvolvido pelo “Institute for the Future” e teve patrocínio da

United Cerebral Palsy e AARP. Seu objetivo era promover “uma única e imersiva

experiência no qual milhares de pessoas ajudam a prever o futuro da solidariedade

nos Estados Unidos”.

Os game designers trataram de criar a base do jogo, o cenário e a

ambientação. O resto deveria ser criado pelos participantes.

O conteúdo do site instigava os visitantes a darem recomendações que

contribuíssem no desenvolvimento da gentileza da cidade. Cada recomendação

que os participantes davam através de suas histórias valia um ponto no índice

solidariedade criado pelos games designers.

Um aspecto interessante do Ruby‟s Bequest é que apesar de ser um jogo,

38

http://www.rubysbequest.org/

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ninguém está disputando com ninguém, todos trabalham de forma coletiva

buscando alcançar a meta no índice de gentileza. Dessa forma a cidade iria

conseguir satisfazer a cláusula do testamento da misteriosa Ruby‟s Wood.

Outro ARG educacional bastante interessante foi o World Without Oil. O

alternate reality game World Without Oil (WWO)39

foi um jogo lançado em 2007,

patrocinado pela Corporation for Public Broadcasting e tendo como principais

game designers Ken Eklund e Jane McGonical. Ao longo do seu período de

duração, o jogo contou com cerca de 1500 jogadores regulares e cerca de trinta

mil visitantes acompanharam o site.

WWO foi desenvolvido para que os jogadores vivessem a imersão em um

mundo onde ocorre uma súbita crise de petróleo. A partir disso, eles eram

incentivados a relatarem e compartilharem através de blogs, vídeos, áudio e toda a

forma disponível de comunicação, como eles viviam nessa situação e o que

poderiam fazer para melhorá-la.

O jogo durou 32 dias e cada dia foi contato como uma semana dentro do

tempo de jogo. Dessa forma os participantes viveram imersos numa crise de

petróleo que durou semanas.

3.4. Antecedentes dos Alternate Reality Games (ARGs)

Após ter apresentado a terminologia existente nos ARGs, suas categorias e

subgêneros, serão apresentados os antecedentes dos Alternate Reality Games.

Esses antecedentes serão baseados em experiências (principalmente jogos) que

buscaram transitar entre o real e o ficcional. Uma outra categoria de seleção dos

antecedentes foi a de que estes experimentos respeitassem um princípio

fundamental dos ARGs, que é o “TINAG”(This is not a game!) ou seja, o

princípio de que, por mais que sejam experiências ficcionais e/ou lúdicas, elas

jamais devem procurar deixar isso explícito.

Serão observadas as raízes dos ARGs nos Live Action Role Playing Game

(LARPS), nos “hoaxes” (que são uma inspiração para os ARGs), nos antecedentes

desse tipo de jogo na ficção e as influências de determinadas formas de arte nos

39

http://www.worldwithoutoil.org/

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ARGs. Para essa tarefa, o auxílio do livro “Pervasive Games: Theory and Design”

de Markus Montola, Jaakko Stenros e Annika Waern será fundamental.

O pesquisador Markus Montola (2009), citando o game designer Martin

Ericsson(2004), diz que um dos primeiros “jogos” que rompia os limites bem

delimitados de espaço, tempo e participação foi um ancestral jogo egípcio que

possuía elementos dos “live actions”, denominado “Abydos”. Nesse “ritual

lúdico” o clímax acontecia quando o Faraó (que fazia o papel de Osíris) matava

Seth, que era representado por um hipopótamo (MONTOLA, STENROS,

WAERN, 2009). Nas palavras de Ericsson:

“Os jogos em Abydos não foram os primeiros dramas participativos e nem os

últimos. Ao longo das eras e através do globo nós achamos espetáculos similares de

“role-playing sério” desde ritos iniciáticos até carnavais.” (ERICSSON, 2004, apud

MONTOLA, STENROS, WAERN, 2009)

A questão importante a ser destacada nos “Jogos de Abydos” é o

rompimento com as barreiras estabelecidas em torno da participação, espaço e

tempo. Quando um jogo ou uma atividade rompe uma ou mais dessas fronteiras

ele se aproxima do princípio dos Alternate Reality Games de misturar realidade

com ficção.

Stenros e Montola, ao comentar sobre os “pervasive games”, apontam o

manifesto de uma empresa de Nova York ligada ao ramo, como um parâmetro

para nortear alguns dos antecedentes desse tipo de jogo.

“[Pervasive games] have their roots in the neighborhood games of childhood; in

the campus-wide games and stuntsof college; in the nerd-culture of live-action

role-playing and Civil War re-enactments; in the art-culture of Happenings and

Situationism; in urban skateparks, paintball fields and anywhere people gather

together to play in large numbers and spaces.” (Ibidem, 2009, Pervasive Games, p.

53-54)

Live Action Role Playing Game (LARP)

A origem dos Live Action Role Playing Games é confusa. Esse tipo de

jogo parece ter tido duas influências fundamentais para a sua origem40

. Uma delas

foram os grupos de “Reencenação Histórica” (do inglês Reenactment).

40

HART, 2007. http://www.le.ac.uk/ms/m&s/Issue%2014/lainhart.pdf

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59

A “Reencenação Histórica” tem antecedentes em períodos distantes. Os

romanos recriavam suas batalhas nos anfiteatros, e apresentavam um espetáculo

público onde os participantes poderiam vivenciá-las. Na Idade Média os torneios

medievais, além de se inspirarem nos jogos romanos, também procuraram imitar

certos eventos romanos, procurando reconstruí-los para o público presente. As

reencenações históricas irão ocorrer em outros momentos, como em 1920, que se

procurou reconstruir a “Tomada do Palácio de Inverno” ocorrida em 1917. Esse

evento acabou influenciando Sergei Eisentein em seu filme “Outubro”.

A Reencenação Histórica também é muito forte nos EUA, segundo Lain

Hart. Os “reencenadores” surgiram logo após a Guerra Civil americana. Segundo

o autor:

“Reenactors have staged recreations of Civil War battles almost since the

conclusion of the war itself. Union veterans, as a group called the „Grand Army of

the Republic‟, started holding battlefield reunions in the 1870s. They camped in

canvas tents and publicly performed the most famous moments of the conflict,

sometimes fighting National Guardsmen who impersonated the Confederates, but

sometimes re-fighting the Southern veterans themselves”41

Esse tipo de atividade também acontece na Europa. Um exemplo disso é

“O Palio de Siena”42

, que é uma reencenação que acontece anualmente e é uma

famosa atração turística da Itália; na Inglaterra, várias datas comemorativas

possuem reencenações nas atividades e muitas têm cunho educacional.43

Hart também aponta uma característica interessante das reencenações

históricas, que são bem próximas a dos Alternate Reality Games: ele diz que a

reencenação não está só ligada ao lugar físico, e sim que os participantes

procuram ter uma experiência individual da história que depende de um esforço

do grupo, ou seja, os participantes são responsáveis por construir coletivamente a

imersão da situação histórica vivida, assim como também ocorre nos ARGs.

Outro ponto interessante destes grupos é que eles procuram recriar uma

situação ou momento histórico através da reprodução dos figurinos, cenários,

objetos, ou seja, toda a forma de produção que procure recriar o momento que eles

estão estabelecendo.

41

Kauffman apud Hart, 2007, p. 105

42 http://www.ilpalio.org/palioenglish.htm

43 http://www.historic-uk.com/HistoryUK/LivingHistory/LivingHistorySocieties.htm

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Os grupos de “reencenação histórica”, apesar de serem uma influência

para os LARPS, possuem uma diferença fundamental em relação a estes jogos.

Eles não trabalham com situações ou personagens fictícios, procurando retratar da

forma mais real possível situações ou momentos passados. Outros eventos que

inspiraram os grupos de “Live Action” foram as Feiras Medievais e

Renascentistas, muito comuns nos EUA e Europa.

A outra influência dos LARPS são os grupos de jogos de RPG, que ao

misturarem características do “teatro do improviso” em seus jogos, começaram a

recriar algumas situações vivenciadas em suas sessões. Esse processo foi

ocorrendo ao longo dos anos 70 e 80 com diversos grupos pelos EUA. Os grupos

possuíam alguns elementos em comum, como o gosto pela ficção científica ou o

fato de jogarem jogos de tabuleiros, wargames, ou seja, compartilhavam o gosto

por jogos e procuravam criar situações que pudessem expandir essa experiência

para o mundo físico, vivenciando a ficção em espaços reais.

O uso do espaço público, a mistura de realidade e ficção e a imersão dos

jogadores dentro da história, vivenciando inclusive fisicamente essas histórias e

seus desdobramentos fazem dos LARPS um forte antecedente e elemento de

inspiração dos ARGs.

Antecedentes na Ficção

A lista de antecedentes dos ARGs na ficção pode ser enorme, já que muitas

obras procuraram incorporar elementos lúdicos e de abertura. Bryan Alexander44

(2006) procurou listar obras que procuraram misturar realidade e ficção, obras

ficcionais que buscaram se passar por relatos verídicos ou mesmo obras cujos

autores procuraram escrever através de pseudônimos e dessa forma construir um

falso aspecto de realidade sobre a obra. Seu trabalho será fundamental nessa

análise.

Segundo Alexander, G. K. Chesterton, em seu livro “As aventuras do padre

Brown” (1905), desenvolveu uma história baseada nos princípios do ARG. Nas

suas férias, o personagem principal se vê envolvido em um trama de

acontecimentos que na verdade estão sendo realizados para ele por uma agência, a

44

ALEXANDER, Bryan, Alternate Reality Games White Paper - IGDA ARG SIG, 2006

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Agência de Aventuras e Romance Limited. É interessante observar que agência

procura estabelecer a história em sua vida sem que ele perceba, e para isso

implanta diversos atores interpretando seus vizinhos, pessoas que procuram

estabelecer amizade com ele, lugares secretos e situações que são criadas para que

ele vivencie coisas diferentes. A experiência só termina quando o padre Brown

descobre isso tudo e a partir disso a agência apresenta a conta com o valor da

experiência que ele viveu. (ALEXANDER, 2006)

A trama dessa obra poderia ser considerada um ARG, claro que com uma

característica muito mais profunda que os ARGs atuais afinal, o participante não

sabe que está fazendo parte disso. Porém, a idéia de uma situação ficcional e

lúdica que envolve o participante, fazendo essa mistura de realidade e ficção, é

uma característica bem particular dos ARGs.

Outro excelente exemplo de ARG na ficção é o filme “The Game” do

diretor David Fincher (ALEXANDER, 2006). Na obra, Nicholas Von Ort é um

banqueiro que no dia que completa 48 anos recebe um presente inusitado de seu

irmão Conrad, que permite que ele tenha um divertimento “diferente”

proporcionado pela agência “Serviços de Recreação ao Consumidor”. Quando ele

aceita isso, sua vida começa a virar de cabeça para baixo, e ele começa a ser

envolvido em uma trama em que tem que resolver quebra-cabeças, encontrar

pessoas misteriosas, ir para lugares onde nunca havia ido antes. É interessante que

apesar de ser um filme, a história é estruturada como se fosse um jogo e o filme só

avança (e o jogo também) caso Von Ort vá solucionando as questões em que ele

está envolvido.

A premissa de uma pessoa se envolvendo num jogo que acaba tomando

conta da sua vida, a necessidade de decifrar dicas e pistas para conhecer melhor a

trama que está envolvido são características comuns de ARGs e a experiência que

David Fincher desenvolveu nesse filme pode ser considerada um antecedente bem

interessante desse tipo de jogo.

Segundo Alexander, outro autor que levou a ficção para um patamar muito

próximo da experiência dos Alternate Reality Games foi o escritor canadense

William Gibson. (ALEXANDER, 2006). O autor, um dos fundadores do gênero

cyberpunk, em seu livro “Reconhecimento de Padrões” conta a história de uma

especialista em marketing chamada Cayce Polard, especialista em encontrar

“novos talentos”. Em meio uma trama que começa a envolver sua vida, ela é

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contratada para encontrar o autor de uma série de vídeos que estão sendo lançados

e colocados de forma aleatória na internet.

Nesse ponto o trabalho de William Gibson é bastante visionário: o criador

dos vídeos espalha seu conteúdo de forma que diversas pessoas tenham que se

reunir para discutir sobre eles e compartilhar pedaços que elas tenham encontrado,

buscando dessa forma visualizar a partir de diversas partes o todo que forma o

filme. Para realizar essa tarefa os participantes se encontram em listas de

discussão para tornar mais fácil a troca de informações. O que Gibson fez de

forma pioneira nesse livro é uma das formas que os ARGs utilizam para

desenvolver sua narrativa e estimular o trabalho colaborativo de seus jogadores.

Segundo Bryan Alexander, quem também teve sua obra expandida para

além dos aspectos ficcionais foi H.P. Lovercraft. Em diversas obras, Lovercraft

faz referência a um livro chamado Necronomicon. Nesse livro há informações

sobre como invocar demônios e teria sido escrito por Abdul Alhazed. Apesar de

ambos (livro e autor) serem fictícios, existem diversas “cópias” do Necronomicon

pela internet e inclusive uma é vendida pelo site da livraria virtual amazon.com

(ALEXANDER, 2006). Muitas pessoas realmente acreditam que o livro exista e

seja verídico.

Artes e ARGs

Um outro antecendente dos ARGs foram algumas formas de arte que

romperam as fronteiras entre espaço e público. Nessa análise, o livro de Markus

Montola “Pervasive Games – Theory and Design” será de grande auxílio.

Dentre essas manifestações artísticas, podemos apontar o “Teatro do

Oprimido” e o “Teatro do Invisível” de Augusto Boal como uma manifestação

artística que se aproximou dos ARGs. Outras manifestações que se aproximam

dessa forma artística foram os “happenings” e as perfomances. Algumas

manifestações dentro dessas formas de arte quebraram a “quarta” parede de

Brecht (MONTOLA, STENROS, WAERN, 2009).

É importante fazer uma breve definição da “quarta parede”. Há dúvidas

sobre a origem do termo, mas ele teria surgido no século XX com o teatro realista.

A quarta parede seria o espaço imaginário que separa o público dos atores, uma

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parede invisível que fica bem na frente do palco. As teorias de Brecht propõem

que essa parede seja derrubada, tirando a passividade do público e fazendo que ele

participe da peça.

O teatro do oprimido de Boal procurava fazer exatamente isso: os atores

encenavam seus textos nos lugares mais diversos, procurando estimular a

consciência e o discurso do público através de sua participação.

Segundo Boal (2002), falando sobre o Teatro do Invisível, seu público é

formado por espectadores atores. Os participantes decidem se vão assumir um

papel, ou outro, e até mesmo os dois. O importante é que Boal força essa escolha

de decisão e que isso seja algo consciente por parte do público (MONTOLA,

STENROS, WAERN, 2009).

Outra manifestação artística que se aproximou dos ARGs foram as obras

de Ray Johnson. Em suas obras, como a “Zen”, Ray Johnson procura desmontá-

las em pequenas peças e enviá-las para as galerias ou para o público. Essas obras

muitas vezes assumiam o aspecto de quebra-cabeças onde cada peça deveria ser

montada de forma coletiva pelo público. Essa resolução coletiva de quebra-

cabeças e usando espaços públicos se assemelha a alguns ARGs que utilizam

esses recursos para envolver seus participantes e desenvolver sua narrativa.

Outra autora que procurou utilizar o espaço público como parte da obra

artística foi Fiona Templeton. Em sua obra “You – The City (Carr, 1993;

Templeton, 1990), ela procurou realizar uma jornada teatral urbana onde o

espectador era levado pela cidade enquanto participava da peça e sem saber

direito quais eram as regras que definiam essa apresentação.

As conexões dessas manifestações artísticas e os ARGs são constantes.

Ambas utilizam o espaço público, sejam as ruas, galerias ou praças. Elas também

procuram estimular que o público participe, se tornando membro do evento e

misturando-se com ele. Essa mistura faz com que o público não seja somente

público, mas também parte do espetáculo, como Boal procurava fazer com seus

“espectadores atores”, dessa forma a fronteira entre e real e ficção se rompe, e

essa característica foi fundamental para o desenvolvimento dos Alternate Reality

Games.

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3.4.1. Hoax: definição e história

Outro antecedente que serve de inspiração aos ARGs são os hoaxes. Hoax é

uma palavra dificil de definir; o mais próximo em português seria "boato, "lenda",

“rumor”. Buscando uma definição no Oxford English Dictionary , a palavra

"hoax" aparece a primeira vez em 1796 no "Grose's Dictionary", e aparece outras

vezes ao longo do século XIX. Segundo o dicionário Oxford, hoax seria: "um ato

de boato, uma decepção humorística ou maliciosa, geralmente sob a forma de uma

invenção de algo fictício ou errado, dito de forma a impor credulidade à vítima”.

(WALSH, 2002)

Como bem apontou Lynda Walsh(2002) sobre essa definição, é

interessante observar que um "hoax" não está ligado a um objeto ou alguma coisa,

mas sim a um processo, um evento. O hoax é uma ação, uma "fabricação" de uma

história e ou evento, que buscar ludibriar as pessoas buscando se passar como algo

real, quando na verdade é uma ficção.45

Para que um hoax funcione, ele deve buscar convencer seu leitor/usuário

da sua veracidade e também incentivá-lo a compartilhar aquela

história/informação para que ela se espalhe rapidamente.

Apesar da palavra "hoax" aparecer a primeira vez somente em 1796, essa

manifestação já existe há muito mais tempo. Serão apontados alguns "hoax"

famosos para exemplificar melhor esse conceito.

A Doação de Constantino foi um "hoax" produzido no século VII e que

buscava se passar como um documento do século IV. Escrito em latin, descrevia

um decreto imperial onde Constantino I, o Grande, passava seus direitos políticos

e seus domínios territoriais para o Papa Silvestre I. O documento afirmava que o

imperador passava seus domínios, que abrangiam inclusive Roma e o resto do

Império Romano do Ocidente, para o religioso em troca deste ter curado sua lepra

no século IV. Já na Idade Média havia dúvidas sobre a veracidade do documento.

Porém, em 1440 o estudioso Lorenzo Valla, através de um análise textual,

comprovou que aquele documento jamais poderia ter sido escrito nos anos 400.

Apesar disso, a Igreja manteve a afirmação de que o documento era verdadeiro até

45

WALSH, Lynda. What is a Hoax?: Redefining Poe‟s Jeux d‟Esprit and His

Relationship to His Readership,2002.

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65

o século XVIII.

Outro "hoax" famoso foi o do poeta Thomas Chatertton. Chatertton foi um

poeta britânico do século XVIII que possuiu um gosto enorme pela poesia e obras

medievais. Apesar de escrever constantemente usando seu nome para o Bristol

Journal, em 1768 ele escreveu um poema chamado Elinoure e Juga e atribuiu a

autoria a um monge do século XV denominado Thomas Howley. Para dar

veracidade a história, ele disse que havia encontrado o manuscrito do poema

numa igreja. Essa peça fez um grande sucesso e Chatertton publicou outros

poemas sob o nome Howley, como An Excelente Balade of Charitie, sem nunca

ter assumido a autoria das obras.

Chatertton, após ter tido algumas das suas obras negadas, acabou se

suicidando em junho de 1770 antes de completar 18 anos. Após sua morte, seu

pseudônimo se tornou famoso, tendo inclusive tido sua obra completa publicada

em 1777, com o prefácio de Thomas Tyrwhitt, que era um perito em

medievalismo. O pseudônimo de Chatertton chegou inclusive a entrar como autor

medievalista num livro chamado História da Poesia Inglesa.

Um "hoax" mais recente e que criou grande polêmica foi o livro

"Fragmentos: memórias de uma infância em guerra: 1939-1948", escrito por

Binjamin Wilkomirski. O livro se passou como autobiográfico contando as

memórias de um judeu durante o período em que viveu em um campo de

concentração. Muito bem escrito e comovente, o livro foi considerado uma das

grandes obras literárias da humanidade, e Wilkomirski foi colocado ao lado de

grandes autores, como Homero. Diversas instituições judaícas apoiaram a obra e a

divulgaram, chegando inclusive a premiá-la. Wilkomirski se tornou uma

celebridade, dando diversas palestras e entrevistas, e durante esses eventos ele

expandia as histórias narradas no livro, inclusive dando novas referências

históricas.

Entretanto, em 1998 um jornalista suiço denúnciou a obra, dizendo que

havia levantado informações sobre Benjamin Wilkomirski e que ele não era nada

disso que havia dito. A partir dessa denúncia foi feita uma investigação em que

descobriu-se que ele não era judeu e nunca havia vivido em um campo de

concentração. Benjamin foi desmascarado. Essa obra gerou uma série de

discussões: por exemplo, críticos continuaram afirmando que ela possuía grandes

qualidade literárias e não era por ser uma “farsa” que poderia ser desclassificada

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totalmente. Porém, essas ponderações foram minoria e o livro acabou no

ostracismo.

Essa descoberta também levou a uma grande polêmica com as instituições

judaicas. Como haviam ajudado a financiar e inclusive premiado o livro, foi uma

situação complicada quando elas descobriram a verdade.

Esse "hoax" apresentou muitas características dos ARGs, como o fato da

obra procurar se passar como verdade e de uma série de eventos (como as

entrevistas do autor) procurarem expandir a história da obra e dar credibilidade

aos fatos e acontecimentos ficcionais.

Um famoso autor que se utilizou de "hoax" foi Edgar Allan Poe, como

bem apontou Lynda Walsh. Seu primeiro "hoax" foi um conto chamado “Uma

Aventura sem paralelo de um certo Hans Pfaall” (The Unparalleled Adventure of

One Hans Pfaall), onde ele narra a história de um comerciante holandês que faz

uma viagem de 19 dias em direção a Lua utilizando um balão. Chegando lá ele

descreve o ambiente e a vida das pessoas. Poe procura aumentar a credibilidade da

sua história narrando em diversas páginas do conto o processo "científico" de

construção do balão, as características da atmosfera da Terra e como isso

possibilitou a viagem. (WALSH, 2002)

Porém, dois meses após a publicação de seu conto, Richard Adams Locke

publica outro "hoax" sobre a Lua. O conto de Locke falava de um novo

telescópio, muito poderoso, que permitiu que a superfície da Lua fosse observada.

Locke descreve o que foi visto - animais, bisões e até mesmo alguns seres

humanóides. O conto de Locke fez muito mais sucesso que o conto de Poe e isso

gerou uma série de reflexões de Poe sobre o assunto.

Os dois hoaxes sobre a Lua, citados anteriormente, compartilhavam um

tema em comum: trabalharem aspectos científicos. Segundo Walsh, isso ocorreu

devido ao período histórico em que eles foram publicados. O hoax de Poe saiu em

1844 e o de Locke, em 1845. Esse período do século XIX foi marcado por uma

grande expansão de universidades e pelo intenso desenvolvimento da ciência.

Porém, apesar dessa produção, o discurso oficial sobre as descobertas científicas

era muito mais lento do que o processo de produção de conhecimento. Dessa

forma, havia uma lacuna muito grande entre o que era produzido e o que chegava

ao público de forma oficial. (WALSH, 2002)

Essa lacuna foi essencialmente preenchida pelos jornais de divulgação

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científica como o “American Journal of Science” ou “Siliman's Journal”.

Entretanto, mesmo os menores jornais e os mais populares possuíam colunas

relacionadas à divulgação científica. Segundo Walsh, havia espaço para

brincar/produzir entre o que hoje chamamos de “hard science” e “pseudoscience”.

Será nesse espaço que os autores irão produzir seus hoaxes, se alimentando dessa

explosão científica e o aumento do interesse do público nessa área, e também da

falta de comunicação oficial. Era mais fácil produzir hoaxes ligados à área

científica e divulgá-los como verdade. Walsh afirma que os escritores aproveitam

essa abertura retórica entre “ciência” e “imaginação” para construir suas histórias

através do hoax.

Além do período de expansão científica, outra característica histórica que

estabeleceu condições propícias para o desenvolvimento dos hoaxes foi a

Revolução Industrial. Walsh, citando Miles Orvell e seu livro “The Real Thing”,

afirma que os “hoaxes” tiveram que esperar a Revolução Industrial e duas

condições essenciais que ela trouxe para se estabelecerem. A primeira condição

está relacionada ao desenvolvimento das máquinas e sua capacidade de produção

de objetos iguais. Esses objetos produzidos em série iam parar nas casas das

pessoas. Dessa forma, o impacto das máquinas e os benefícios que esses objetos

produziam para as pessoas foram aos poucos entrando na consciência do público.

Segundo Orvell, a segunda condição foi o impacto que a expansão econômica

proporcionada pela Revolução Industrial ocasionou nas relações comerciais e

pessoais. Se anteriormente as pessoas se relacionavam com um vendedor

individual (uma mercearia, por exemplo) ou um pequeno agricultor, com quem

realizavam diversas trocas para obter seus produtos, a partir da Revolução

Industrial elas passaram a realizar repetidas relações comerciais com estranhos.

Esse novo tipo de relação transformou a base dos relacionamentos, passando de

uma confiança no “ethos” pessoal para modelos gerais ou esquemas de comércio,

ou seja, não havia mais essa relação de proximidade com quem você estava

comercializando; isso foi substituído por “como” você está comercializando. O

que importava agora era a forma e não o conteúdo. Orvell afirma que essas

condições foram essenciais para tornar o desenvolvimento de “hoax” possíveis.

Outros fatores importantes a serem considerados nas modificações que

ocorreram na sociedade e permitiram um maior desenvolvimento de hoax e sua

aceitação frente a épocas passadas são o desenvolvimento maior da imprensa e do

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número de pessoas alfabetizadas. Ou seja, era necessário que a informação

pudesse ter um suporte onde circular e também um público leitor.

Para um hoax se estabelecer de forma completa, Boese afirma que é

necessário um escritor, um observador e uma audiência. O autor afirma que essas

características reforçam o aspecto de que um “hoax” se realiza a partir de uma

troca pública na sociedade. E será também a sociedade que irá validar o que é

verdade e o que é falso em sua cultura. Outro autor que corrobora essa visão é

Hugh Kenner, que diz que o falso, a mentira, servem para trazer o leitor de volta

ao que é real. 46

Esse contexto histórico, alguns exemplos e a origem do termo nos

primeiros dicionários contribui na compreensão de algumas características dos

“hoax”, porém ainda é necessário buscar uma definição para o termo. Lynda

Walsh irá ser de grande ajuda nessa tarefa. A autora, diante da dificuldade de

apresentar uma definição para os “hoax” devido à natureza evasiva do objeto,

procurará definir o que o “hoax” não é.

A autora diz que a dificuldade em definir um “hoax” está alicerçada no

fato de que grande parte dos elementos que compõem um “hoax” ocorrem de

forma extratextual. Segundo ela, essa realização extratextual está relacionada a

três problemas (WALSH, 2002).

O primeiro problema extratextual, é o Hoax se revelar fora do texto e da

leitura do leitor47

. O termo revelar aqui é usado no sentido de mostrar sua real

natureza - um “hoax” jamais vai dizer que ele é uma mentira. Ele só terá sua

natureza revelada de forma extratextual, através de algo ou alguém que denuncie o

que ele é. Ou seja, o “hoax” não está preso em sua obra. Ela precisa do

participante, do interator para se apresentar.

O segundo problema está relacionado às intenções do autor. Se um autor,

quando produz um texto, acredita que ele é verdadeiro, mesmo que seja um hoax,

pode-se considerar essa obra um hoax? Ou uma obra somente será um “hoax”

quando o autor assim também a identificar?

Ainda segundo Walsh, o terceiro problema é o fato do “hoax” se mover

46

Boese apud Walsh, p. 117

47 Walsher, Lynda. What is a Hoax?: Redefining Poe‟s Jeux d‟Esprit and His Relationship

to His Readership, 2002, p. 6

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para além do texto em direção a um meio de comunicação. Para Walsh, um hoax

só se tornaria hoax num meio cuja finalidade suportasse a história ali trabalhada.

Um hoax só pode se passar como um hoax quando utiliza um meio que passe

verossimilhança. Por exemplo, o fato do “hoax” de Poe ter saído em uma revista

que além de notícias também publicava ficções, acabou dificultando seu trabalho

de enganar o público. Já o conto de Locke, por ter saído em um jornal, ganhou

mais verossimilhança. E isso é fundamental para estabelecer outro ponto essencial

para um bom funcionamento de um hoax, que é sua recepção pelo público

Walsh aponta que, devido às dificuldades de observar o que é um hoax e às

suas fugas extratextuais, um bom caminho para poder observar essa manifestação

é observar seus efeitos na comunidade, avaliando o sucesso e o impacto no hoax a

partir das transformações e reações do público na comunidade.

A autora ainda aponta o caminho literário para fazer três oposições em

relação ao que o “hoax” não é. Ela afirma que um “hoax” não é uma “paródia” ou

“burlesco” porque não procura imitar um estilo ou um autor. Aliás, Walsh destaca

que um hoax procura ao máximo fugir da sua própria textualidade ou autoridade,

procurando fugir da possibilidade do leitor identificá-lo.

Ela também aponta que um “hoax” não é uma sátira, pois apesar de

algumas vezes procurar ser crítico e de ter o objetivo de enganar como a sátira faz.

Mas ao contrário da sátira, um hoax não procura ridicularizar alguma coisa ou

alguém; foca no leitor e como ele vai se relacionar com aquela informação.

O hoax também não é ficção científica. E aqui entra um apontamento

muito interessante da autora. O que difere um hoax da ficção científica é o meio

utilizado e a forma como é recebido. Walsh diz que se um tipo de história parecida

com o hoax de Poe fosse publicado em uma revista ou em algum meio que não

estivesse relacionado à publicações de notícias, seria considerado ficção científica

(WALSH, 2002).

A partir desses apontamentos do que os “hoaxes” não são, Walsh destaca

características dos hoaxes que são essenciais para compreender como a linguagem

e a retórica têm um papel essencial nessa construção de “verdades”.

Um hoax é essencialmente um “construtor de realidades”, e para isso é

necessário que o autor saiba utilizar bem os meios que possui. Um exemplo foi

Poe utilizar um jornal, que publicava notícias relacionadas à ciência para publicar

seu hoax misturado a notícias sensacionalistas.

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O hoax procura eclipsar / obliterar sua textualidade e autoridade para se

afastar do “autor” e se aproximar de uma notícia de jornal ou o tipo de

comunicação que ele procura fingir ser.

Será a finalidade e o modo de recepção de um meio que irá fortalecer ou

não um “hoax”. Será a forma que a informação explora ou procura se apresentar

em um meio que irá definir qual meio ou que forma utilizar. Outra característica

dos “hoax” é colocar elementos “reais” dentro de histórias ficcionais para que

corroborem com a realidade “construída” no hoax. Um exemplo disso foi Poe, que

procurou utilizar a ciência para validar seu hoax, segundo Walsh: “Poe utiliza

ciência suficiente para ganhar „credibilidade de certa maneira‟ com os leitores

„facilmente crédulos‟”. 48

Agora essa construção de realidade depende da participação do público

para ocorrer. Lynda Walsher procurou realizar essa análise do público de Poe.

Segundo ela, Poe estabelecia um público duplo de leitores. Um, formado pelas

pessoas que tomavam seus hoaxes como pura verdade e não conseguiam perceber

as dicas que Poe deixava na obra para que notassem que era um hoax. Poe

chamava essas pessoas de “ignorantes” e até mesmo dizia que esse nível de

credulidade era comparável a insanidade. De outro lado haveria o grupo de

pessoas que percebiam suas dicas. Nas palavras do próprio Poe: “alguns

indivíduos talentosos, que se reúnem em volta da cimeira, contemplando, face a

face, o espírito do mestre que está no cume”.49

Walsher destaca que apesar de normalmente os estudiosos e críticos de Poe

estabelecerem esse dualismo de público como algo elitista e arrogante por parte

dele, ela aponta que esse dualismo era uma construção retórica do autor e que

através disso Poe se demonstrava um “construtor de comunidades”. Segundo a

autora, esse grupo que percebia os hoaxes via o texto do ponto de vista do autor e

não do ponto de vista da vítima que era pega no “hoax”. Esse grupo

compartilharia a ideia de Poe de que a realidade era a imaginação, e dessa forma,

com seus “hoax” ele compartilhava com essa parcela de público seus pequenos

“pedaços de realidade”, dividia seu “jeux d'spirit” com os leitores e também

estimuláva-os a trazerem isso à tona, vendo um mundo além da superfície e a se

48

POE apud WALSH, 2002, p. 115

49 WALSH, Lynda. 2002.

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juntando a ele no reino de sonhos. Poe não procurava somente criar excitação no

seu público, mas através dos seus hoax ele também procurava projetar e construir

a realidade e a comunidade. (WALSH, 2002)

Essa característica dos hoax (a necessidade da participação do público)

evidenciada por Poe, irá se intensificar e ser essencial para estabelecer e validar os

hoaxes e os ARGs na sociedade contemporânea.

Outro elemento fundamental para isso é o entrelugar, ou seja, o espaço

existente na lacuna entre as inúmeras informações produzidas e a dificuldade em

checar a veracidade dessas notícias.

Com o desenvolvimento de diversos meios de comunicação e o aumento

da troca e acesso a diversas informações, possivelmente aumentou o espaço do

entrelugar. Os designers de ARG procuram explorar essa lacuna para construir e

incentivar a crença dos participantes nas histórias desenvolvidas. Mas, como

apontou Walsher, os hoaxes precisam que os participantes interajam com a obra

para que ele possa acontecer - ou seja, depende de como é sua recepção frente a

obra e o suporte apresentado. Isso nos leva a pensar como acontece a recepção e a

finalidade nos suportes que “hospedam” um ARG e como os designers de

trabalham isso em busca de uma maior verossimilhança e imersão para as

histórias construídas junto aos jogadores.

Mas para buscarmos compreender isso, precisamos antes de um

ferramental teórico que nos auxilie nessa tarefa. Por isso, no próximo capítulo

desenvolvemos nossa metodologia.

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4 Metodologia

Na análise dos dados do ARG estudado, World Without Oil, foi

desenvolvido um método composto por duas técnicas. A primeira foi um estudo

de caso baseado em uma observação exploratória e descritiva onde procuramos

identificar os jogadores com maior participação na rede social estabelecida pelo

jogo. Essa análise teve como objetivo selecionar o material de maior relevância

em meio à produção do Alternate Reality Game escolhido. Após essa etapa,

aplicamos a segunda técnica que foi uma análise quantitativa e de conteúdo da

produção dos interatores em determinados suportes do ARG estudado.

Em relação a primeira técnica, utilizamos as categorias téoricas da

metodologia de análise de redes sociais para observar os participantes com maior

atividade na comunidade.

Contextualizaremos esse recurso metodológico para ressaltar por que

essas categorias de análise de redes sociais foram escolhidas para essa primeira

parte de seleção de dados.

De acordo com Freeman, citado por Matheus, Silva e Parreiras, a análise

de redes sociais surgiu a partir da incorporação de elementos da sociologia,

psicologia social e antropologia50

. E essa linha metodológica tem como objetivo

entender como as pessoas se relacionam, abrangendo nessa análise também os

tipos e a intensidade desses laços sociais que as unem. 51

Dentro desse escopo teórico, devido a grande produção de material e dados

que um ARG produz e a incapacidade de análise total desse material sem a ajuda

de metodologias específicas, a análise de redes sociais foi de grande auxílio na

identificação dos atores sociais com maior relevância e produção dentro da rede

estabelecida por um ARG.. É necessário ressaltar que essa pesquisa não tinha

como objetivo e também fugiria do seu escopo fazer uma análise integral dessas

redes. O principal objetivo do uso dessa metodologia foi o de identificar os atores

50

Silva et al (2006) 51

WASSERMAN, Stanley, FAUST, Katherine, (1994), 1999 apud MATHEUS, Renato

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sociais mais relevantes e a partir disso realizar o estudo de caso dando enfoque

maior na produção desses atores.

A quantificação dos dados objetivou a produção de tabelas e facilitar a

observação da produção de cada jogador. Na análise, foi feita uma quantificação

da produção e relação dos jogadores de ARGs no fórum. Essa quantificação

priorizou a observação das relações sociais entre os participantes. Apesar da

análise das redes sociais utilizar consideravelmente a matemática, esse não foi o

caminho escolhido nessa dissertação. O método da análise de redes contribuiu

com suas categorias teóricas.

Dentro do campo da análise de redes sociais os principais conceitos

utilizados são: atores, atributos, laço relacional e relação52

.

Vamos apresentar brevemente cada um desses conceitos para facilitar o

entendimento de como eles serão utilizados na análise das redes sociais

estabelecidas pelos ARGs e dos dados produzidos por essas redes. Os trabalhos de

Matheus, Silva, Parreiras, Wasserman e Faust foram essenciais na definição e

entendimento desses conceitos.

Atores

Os atores sociais e suas relações são o objeto de análise de redes. Esses

atores podem ser analisados como unidades sociais individuais (pessoas,

jogadores), ou como unidades sociais coletivas (grupos de jogadores, usuários de

um fórum, uma organização e até mesmo grupos maiores, como os moradores de

uma cidade ou país).

Atributos

Os atributos são as características individuais dos atores sociais. Apesar da

análise de redes sociais estar focada na relação entre os atores, a análise de suas

características também foi importante para entender o relacionamento dos

jogadores de ARGs no fórum e comunidade analisadas. Quando diversos atributos

de uma rede são analisados, é estabelecida a composição social de uma rede

Fabiano; SILVA, Antonio Braz de Oliveira e., 2005, p. 1.

52 Ibidem. p. 1-2.

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social. Os atributos de uma rede social podem ser, por exemplo, o grau de

escolaridade, o sexo, nacionalidade, a idade do participante, enfim, qualquer

característica que qualifique os atores sociais estudados.

Ligação/ Laço Relacional:

O laço relacional, ou ligação, é o termo utilizado para identificar a

conexão existente entre dois atores sociais. Essas conexões podem ser as mais

variadas e dependem do foco da análise que o pesquisador pretende realizar no

grupo.

Relação

Já a análise de uma relação dentro de rede social é estabelecida a partir da

observação do conjunto de ligações/laços relacionais que o grupo analisado possui

em comum na rede social analisada. Enquanto na ligação o pesquisador observa a

conexão entre somente dois atores, na relação ele observa um conjunto de

conexões do mesmo tipo estabelecidos entre diversos atores, ou seja, o

pesquisador busca identificar os elementos em comum entre esses atores. Essas

relações podem ser, por exemplo, a troca de mensagens em um determinado

fórum, as relações de amizade em determinado grupo ou as relações entre um

grupo de jogadores que escrevem uma “wiki” para um ARG.

Essas relações também possuem duas propriedades importantes que vão

definir a forma de pesquisa e a análise do material pelo observador. Uma delas é o

direcionamento, ou seja, se a relação é baseada entre um emissor e um receptor - e

nesse caso se estabelece uma relação direcionada - ou se a relação é recíproca, em

que todos são emissores e receptores.

A segunda propriedade das relações é a valoração, quando é observado se

na relação ocorre atribuição de valor entre os participantes e/ou em que grau isso

ocorre. A partir dessa propriedade, o pesquisador vai observar se as relações são

dicotômicas, quando ele observa a rede a partir da presença ou não de valoração

nas relações. Ou valoradas, onde ele observa qual é o grau de valoração existente,

do discreto ao contínuo, a partir disso atribui-se um peso e grau de valor à relação.

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75

53

No estudo realizado nesse trabalho, a observação da rede social ocorreu a

partir da relação recíproca e dicotômica. Observamos se havia uma relação intensa

entre emissor e receptor, além da presença ou não de valoração entre as

mensagens compartilhadas no blog.

A partir desses conceitos e definições, é importante definirmos também

qual será o conceito utilizado para redes sociais. Para isso, novamente o auxílio

teórico de Wasserman e Faust foi utilizado. Segundo esses autores, “Uma rede

social (do inglês social network) consiste de um ou mais conjuntos finitos de

atores [e eventos] e todas as relações definidas entre eles”. (WASSERMAN e

FAUST , 1994, apud MATHEUS, Renato Fabiano; SILVA, Antonio Braz de

Oliveira e., 2005, p. 1 )

4.1. A construção da rede social e sua análise

A partir desses conceitos, o recorte metodológico inicial dessa pesquisa

considerou que um ARG estabelece uma rede social, onde os jogadores e os game

designers são os atores sociais que se relacionam a partir do jogo e dos eventos

relacionados a ele.

Para construir os critérios que permitem identificar quem é mais atuante na

comunidade dos jogadores do ARG World Without Oil foram observados os

seguintes elementos: as participações desses jogadores no fórum e no jogo. Essa

participação se expressa na forma de produção de material relacionado ao jogo.

Em relação às participações no fórum, foram quantificados o número de

posts do usuários no principal tópico (trailhead) sobre o ARG World Without Oil

no fórum Unfiction e qual foi o tipo de mensagem produzida.

Também foram analisados os jogadores que foram responsáveis por coletar

informações e compartilhá-las com os outros jogadores.

Categorias de análise

53

Ibidem. p.1

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76

Para a análise do material do ARG escolhido foram estabelecidas duas

categorias. O objetivo delas é facilitar a observação dos dados e com isso buscar

responder as perguntas e objetivos estabelecidos nessa pesquisa. A primeira

categoria se refere aos participantes do ARG e tem como finalidade mapear os

jogadores e identificar possíveis grupos de interesse. A segunda categoria é

relacionada à produção desses jogadores, buscando identificar e analisar as

linguagens e os suportes utilizados. Esse material foi observado tanto no aspecto

quantitativo quanto qualitativo.

1. Perfil do público

A primeira categoria de análise que foi observada no material foi o perfil

do público do ARG World Without Oil.

Foram observados dois grupos de jogadores que participaram do jogo. Um

grupo pertencia ao fórum que reúne jogadores de ARGs, ou seja, um grupo

formado por jogadores especializados, e o outro era formado por jogadores que

participaram a partir do site oficial do jogo, mas que não estavam ligados a esse

fórum ou a uma dedicação maior ao gênero dos ARGs.

Os dados que foram analisados em relação ao grupo de jogadores mais

dedicados são os posts ligados ao tópico principal do ARG World Without Oil no

fórum Unfiction. Já os dados relacionados ao grupo de jogadores fora do

ambiente dos ARGs estavam disponíveis no site principal do jogo

(www.wordwithoutoil.org).

2. Tipo de produção

Dentro desses dois grupos foram analisados os tipos de suporte por eles

utilizados e a produção que realizaram.

Foram observadas a quantidade de produção, ou seja, o valor total de

produção para cada suporte e também os aspectos qualitativos, ou seja, o conteúdo

dessa produção.

Nesse momento é importante resgatar os conceitos de McLuhan

apresentados no primeiro capítulo. Segundo McLuhan, um meio de comunicação

é estabelecido por linguagem (código), recepção (condições de fruição) e

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77

tecnologia (suporte material, veículo e canal). A partir desses conceitos foi

observado o tipo de produção dos jogadores. Essa produção ocorre a partir da

união de um tipo de linguagem utilizada mais o suporte escolhido. Apesar da

linguagem também ter sido observada, dentro do recorte teórico dessa pesquisa o

foco principal de análise esteve no suporte utilizado.

Foi observado que tipos de suporte os jogadores utilizaram, qual foi a

participação de cada suporte, como esses suportes foram utilizados na narrativa,

na produção dos jogadores e como essas tecnologias foram utilizadas no design da

estrutura narrativa do ARG analisado.

Questões que foram observadas

Uma questão que norteou a análise das redes sociais formadas pelos ARGs

e os estudos de caso foi perceber se as ações de design (a forma que o jogo é

construído, as ligações entre os blogs e o estímulo aos participantes) possibilitou

aumentar os laços entre os participantes, fortalecendo a rede e as conexões sociais

entre os jogadores. Também foi observado se essa maior aproximação entre os

jogadores também influenciou a construção coletiva da narrativa.

Estudo de Caso

Após o processo de identificação dos jogadores mais atuantes no ARG

escolhido, foi feito um estudo de caso desse ARG com enfoque na produção de

material desses jogadores e dos game designers.

Para essa análise, o livro, “Estudo de Caso – Planejamento e Métodos” de

Robert K. Yin foi essencial como base teórica e metodológica.

Segundo Kin, os estudos de caso são uma estratégia adequada “(...)

quando se colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisado

tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em

fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real.” (Robert

K. Yin, p. 19)

Como os Alternate Reality Games são uma forma de jogo bem recente,

com centenas de participantes e utilizam diversos suportes para estruturar seu

conteúdo, a escolha dos estudos de caso como método buscou capacitar o

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78

pesquisador com um ferramental que mais se adequasse às características do

objeto estudado.

Outro motivo da escolha pelo estudo de caso foi devido a sua

particularidade de poder lidar com as mais diversas evidências (Yin, 2005), ou

seja, a possibilidade de trabalhar com análise de documentos, observações diretas

sobre o fenômeno e entrevistas com pessoas envolvidas com o objeto estudado.

Ainda segundo Kin:

“1) Um estudo de caso é uma investigação empírica que:

investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida

real, especialmente quando

os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente

definidos

2) A investigação do estudo de caso

enfrenta uma situação tecnicamente única em que haverá muito mais

variáveis de interesse do que pontos de dados, e, como resultado,

baseia-se em várias fontes de evidências, com os dados precisando

convergir em formato de triângulo, e , como outro resultado,

beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para

conduzir a coleta e a análise de dados” (Yin, pág 33)

O autor também recomenda o uso do estudo de caso exploratório quando o

objeto de estudo “tratar-se de fenômeno pouco investigado, o qual exige estudo

aprofundado de poucos casos, que leve à identificação de categorias de

observação ou à geração de hipóteses para estudos posteriores”. 54

Os Alternate Reality Games se encaixam nesse perfil, pois, sendo uma

54

Yin ,2005, apud Alves-Mazzotti, 2006 - Cadernos de Pesquisa, v. 36, n.

129, set./dez. 2006

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79

forma de jogo relativamente nova e com poucas análises disponíveis, o estudo de

casos tem como objetivo compreender melhor esse objeto e com isso facilitar

estudos posteriores sobre ARGs.

Acreditamos também que a experiência de termos utilizado complementos

metodológicos, em que inicialmente foi feita a seleção e identificação dos

principais atores sociais do ARG com a ajuda da análise de redes sociais, e,

posteriormente, a observação mais aprofundada desse material através da técnica

de estudos de caso, possa também contribuir no desenvolvimento de uma

metodologia que facilite, no futuro, novos estudos relacionados aos Alternate

Reality Games. Pois uma das grandes dificuldades dessa pesquisa foi

operacionalizar uma forma metodológica coerente e válida para trabalhar o grande

volume de dados que um ARG produz, por ter muitos participantes e a utilizar os

mais diversos suportes midiáticos.

O que será observado no jogo escolhido

Nos próximos capítulos realizo o estudo de caso de um ARG baseado nas

construções teóricas feitas anteriormente. Antes de entrarmos na análise específica

do caso, é importante ressaltar quais foram os critérios e objetivos gerais

estabelecidos nessas análises. No estudo, procurei explicitar como o ARG

estruturou sua narrativa a partir do uso dos suportes, assim como os suportes

utilizados pelos game designers para se comunicarem com os jogadores e como

eles estimularam a comunicação entre os participantes. Também procurei

responder o papel do design no desenvolvimento dessa estrutura comunicativa e

se os canais de comunicação estabelecidos incentivaram a interatividade, e de que

forma isso poderia ser benéfico no desenvolvimento de arquiteturas lúdicas mais

participativas.

4.2. Critérios de seleção do ARG

Dentro desses objetivos, um grande número de ARGs se encaixariam

como possíveis objetos de estudo. Para selecionar o ARG que mais se encaixava

dentro do perfil pretendido e que permitisse obtermos dados significativos,

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estabelecemos os seguintes critérios para a seleção: 1) pela sua repercussão e pelo

público que atraiu; 2) pela sua vanguarda tecnológica e uso diversificado das

diversas mídias; 3) a análise de um ARG que tenha trabalhado conteúdos lúdico-

educativos, e por último; 4) um ARG que possua sua documentação disponível.

ARG escolhido: World Without Oil

O ARG que se encaixou nesses critérios e foi escolhido para o estudo de

caso foi o World Without Oil. Antes de entrarmos na análise, é importante fazer

uma breve descrição do que foi o jogo, por qual motivo ele foi escolhido, ou seja,

como se encaixou nos critérios estabelecidos, quais foram os materiais produzidos

pelo jogo e quais destes serão utilizados para realizar a análise.

O que foi

O jogo World Without Oil foi um Alternate Reality Game com inspirações

em Serious Games55

, que estabeleceu uma realidade alternada em que o mundo

vivia uma grave crise de petróleo. Dentro dessa realidade, o objetivo do jogo era

motivar e movimentar os participantes a pensarem alternativas e opções para

resolveram os problemas que essa grave crise proporcionava.

Como grande parte dos Alternate Reality Games, o jogo aconteceu em um

período pré-determinado de tempo que foi definido pelos games designers em

cerca de um mês. Dessa forma, o jogo foi lançado oficialmente em 2 de março de

2007 e terminou em 1 de junho de 2007.

O jogo contou com uma equipe de game designers experientes como Ken

Eklund e Jane McGonigal. O primeiro, experiente na área de jogos e narrativa, e a

segunda participou do jogo que foi considerado o primeiro ARG, “The Beast”.

Durante esse período, os game designers desenvolveram uma estrutura capaz de

suportar e abrir espaço para as participações dos jogadores, e serão essa estrutura

e interações que iremos analisar nesse capítulo.

Mesmo após a conclusão do jogo, os designers mantiveram a estrutura do

site e incorporaram certas funções que permitem que novos jogadores ainda

55

Segundo Susi; Johannesson; Backlund (2007) existem diversas definições para Serious Games, mas

a maioria dessas definições compartilha a essência de que o Serious Games é um tipo de jogo usado com

objetivos além do mero entretenimento.

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81

possam viver a experiência do jogo mesmo após seu término. Esse efeito

permanente, além do fato dos produtores terem realizado uma cópia de segurança

de todo o site, também motivou a escolha desse ARG, pois um dos grandes

problemas dos ARGs é a produção extensa que, somado à intensa dinâmica da

internet, muitas vezes faz com que algumas informações, sites, blogs, vídeos e

outros dados relacionados ao jogo saiam do ar (deixando de ficar online), o que

resulta em um grande problema para o pesquisador que lida com esses dados. Por

essas características dos ARGs, e pela peculiaridade de World Without Oil

(WWO) - de ter sido um ARG que trabalhou e se estruturou para dar uma maior

segurança a esses dados -, essas carecterísticas do WWO acabaram influenciando

na sua escolha para o estudo de caso realizado.

Porque foi escolhido

Dentro dessa pesquisa, o ARG World Without Oil foi escolhido por se

encaixar nos critérios de seleção utilizados para escolher os estudos de caso.

Em relação ao primeiro critério, ou seja:

1) pela sua repercussão e pelo público que atraiu;

O ARG WWO se enquadrou nessa categoria, pois ao longo do período que

o jogo aconteceu, cerca de 1900 jogadores se inscreveram no jogo e o site do

WWO teve cerca de 68 mil visitantes únicos - um total de 110 mil até o final do

ano. Além disso, os jogadores produziram cerca de 1500 histórias únicas. 56

Outro fator de destaque é que esse Alternate Reality Game também obteve

grande repercussão na imprensa tradicional, nos blogs e na comunidade de

jogadores. O tópico relacionado ao jogo no fórum Unfiction, que reúne jogadores

de ARGs, teve cerca de 644 posts. Além disso, o jogo ganhou diversos prêmios

como: o prêmio de ativismo na conferência “South by Southwest Interactive” em

março de 2008, obteve uma Menção Honrosa na disputa do prêmio “Prix Green

award for Environmental Art” no festival 01SJ 2008. O World Without Oil

56

http://www.worldwithoutoil.org/metaabout.htm

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também recebeu uma “Awards Nominee” na categoria Jogos no “Webby Awards

2008” e também recebeu uma “Special Mention” na categoria “Meio Ambiente”

no Stockholm Challenge 2008..

2) pela sua vanguarda tecnológica e uso diversificado das diversas mídias;

World Without Oil foi o primeiro ARG com o objetivo de buscar utilizar as

mais diversas mídias para estimular a união e a resolução de problemas de forma

coletiva pelos jogadores. 57

Dentro da estrutura do jogo, os jogadores precisavam e eram incentivados

a utilizarem blogs, vídeos, imagens e áudios para narrarem suas histórias, além de

também acontecerem missões no “mundo real”. Devido ao sucesso do jogo e a

grande participação dos jogadores, o WWO produziu um vasto conteúdo

distribuído por centenas de posts, imagens, blogs, conversas via serviços de

mensagens, emails e a utilização dos mais diversos suportes de comunicação. Essa

produção proporcionou um vasto e interessante material a ser analisado.

3) a análise dos ARGs que tenham trabalho conteúdos lúdico-educativos,

O World Without Oil foi escolhido dentro desse critério, pois se tratou da

primeira experiência de Alternate Reality Game com objetivos “sérios” e

educacionais. Devido a essas características, o jogo buscava misturar os

fundamentos dos ARG, como o vasto uso de suportes midiáticos e a associação de

elementos reais e ficcionais, e utilizá-los para estimular a comunidade de

jogadores a pensarem e refletirem sobre um problema real do mundo. Esse ARG

também foi escolhido pelo fato dos games designers, juntamente com consultores

da área de educação, terem produzido uma estrutura de apoio de ensino, com

páginas e lições voltadas para professores e alunos. Esse material será analisado

tanto pelos seus elementos didáticos, especialmente o material produzido para

professores, como pela suas ligações com a narrativa do jogo.

57

http://www.worldwithoutoil.org/metafaq3.htm

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Em relação ao último critério:

4) um ARG que possua sua documentação disponível.

Os ARGs são jogos que acontecem durante um período de tempo e que

normalmente produzem um vasto material. Esses elementos se espalham por

diversos suportes na Internet e fora dela. Entretanto, após o término do jogo, é

muito comum que aos poucos esses materiais se percam e se tornam inacessíveis.

Dessa forma, a preocupação que tivemos ao selecionar o ARG para nosso estudo

de caso foi a de escolher um que tivesse tido a preocupação em manter seus

materiais disponíveis. O World Without Oil se encaixou nesse critério porque seus

designers criaram um arquivo com os materiais do jogo, além de um sistema de

“máquina do tempo”, onde novos participantes poderiam vivenciar como foi cada

semana do jogo.

Documentos disponíveis

Como explicitado acima, os Alternate Reality Games são caracterizados

pelo uso intensivo de diversas mídias e plataformas que estimulam a interação e

produção dos participantes. Devido a essas características, normalmente um ARG

produz uma intensa lista de conteúdo, o que gera um problema epistemológico

pois, devido a essa fragmentação e produção intensa, se perder entre o excesso de

dados produzidos no jogo é um risco real. Frente a isso, o pesquisador deve ter um

cuidado redobrado e se concentrar mais ainda em seu foco e recorte, para que

possa captar o essencial da produção e características do ARG em estudo.

Tendo isso como foco, foi feita uma análise exploratória do ARGs

escolhido, onde inicialmente foi compilado material disponível. A partir dessas

informações, como já foi dito anteriormente, foi feito um recorte baseado em

relevância e influência dos produtores dessas informações.

Devido a grande quantidade de informação, é praticamente impossível

para apenas um pesquisador reunir todos os dados relacionados a um Alternate

Reality Game. Dessa forma os dados coletados pelos jogadores, principalmente no

fórum Unfiction, também serão utilizados e analisados nesse estudo de caso.

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Dentre as fontes disponíveis de materiais do ARG World Without Oil estão:

O site principal do World Without Oil – www.worldwithoutoil.org

Que serviu como “hub”, fonte oficial dos anúncios e atividades dos

produtores, além de ter concentrado a produção dos jogadores. Esse site fazia o

“link” das informações que cada jogador produzia e dava destaque para as

melhores histórias.

Dentro da análise desse estudo de caso, o site será o ponto de partida para

a observação dos outros suportes e mídias que os jogadores utilizaram para

participarem e produzirem o jogo, assim como é o ponto de retorno, ou seja, o

lugar onde a produção desses jogadores recebe destaque e é compartilhada entre

os outros participantes.

Forum Unfiction

Outra fonte de dados relacionada ao World Without Oil que será utilizada

como fonte de dados é o fórum de jogadores de ARGs, forum.unfiction.com, e os

tópicos relacionados ao WWO.

Nesse fórum foram produzidos 20 tópicos relacionados ao jogo,

produzindo no total 716 repostas e esse material recebeu 107.806 visualizações

por parte dos usuários do fórum.

Desses tópicos, o principal foi o “[TRAILHEAD] worldwithoutoil.org“

que reuniu 646 mensagens e 66281 visualizações. (dados de 17/11/2010). Esse

tópico, que começou com uma desconfiança por parte de um jogador quanto a

existência do jogo (por isso a utilização da palavra “trailhead”) foi também o

tópico que funcionou como o “hub” dos jogadores no fórum, ou seja, todas as

informações que eles obtinham relacionadas ao jogo eles costumavam

compartilhar nesse tópico.

A outra fonte de informações sobre os jogadores são as histórias que eles

produziram e foram agregadas no site do World Without Oil. Essas histórias estão

mais ligadas às tarefas que os games designers lançavam como desafio para os

jogadores em cada semana de tempo do jogo. Dentro da estrutura do jogo, os

game designers estabeleceram um lugar para o jogadores adicionarem essas

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histórias, chamado “Tell us your store”58

. Depois essas histórias eram “rankeadas”

segundo critérios estabelecidos59

que serão descritos posteriormente. As histórias

foram agrupadas no site do World Without Oil das seguintes formas: histórias

baseadas em audio, video, imagem, blog, missões, youtube e histórias que foram

premiadas. Além disso, o site possuía um mecanismo para que o jogador

encontrasse histórias perto da sua localidade geográfica. Os sites que serviram

como fontes de dados para essa análise foram os seguintes:

Audio: http://worldwithoutoil.org/search.aspx?type=audio

Video: http://worldwithoutoil.org/search.aspx?type=videos

Imagem: http://worldwithoutoil.org/search.aspx?type=images

Blogs(Posts): http://worldwithoutoil.org/search.aspx?type=blogs

Missões: http://worldwithoutoil.org/mission.aspx

WWO YouTube : http://www.youtube.com/WorldWithoutOil

'Histórias premiadas/escolhidas: http://worldwithoutoil.org/awards.aspx

Página para encontrar histórias perto da sua localidade:

http://worldwithoutoil.org/findzip.aspx

Perfis sociais e links dos personagens utilizados pelos “administradores” do

jogo.

Além das histórias produzidas pelos jogadores, durante principalmente o

pré-jogo mas também no jogo, os administradores e game designers utilizaram

perfis sociais e serviços de mensagens instantâneas para entrarem em contato com

os jogadores, especialmente no começo, quando os administradores tinham por

objetivo colocar o jogo em funcionamento. Entretanto, esse contato não se

restringiu somente a essa primeira comunicação. Dessa forma, a análise das

conversas realizadas pelos game designers com os jogadores é outra fonte de

material interessante na análise do ARG.

58

http://worldwithoutoil.org/addstory.aspx

59 http://worldwithoutoil.org/rank.aspx

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Com todos esses elementos descritos acima, busquei compreender melhor

o funcionamento do ARG escolhido, documentando como o jogo transcorreu e

procurando responder as perguntas estabelecidas nessa pesquisa.

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5 Análise dos dados do fórum Unfiction

5.1. Análise dos jogadores e dos suportes utilizados

A análise do principal tópico sobre o ARG World Without Oil no fórum

Unfiction, o tópico Trailhead, foi composta da observação de 647 posts.

Observamos os números de posts de cada usuário, o tipo de assunto

tratado, quais usuários obtiveram respostas de outros, os suportes utilizados e

quais foram as contribuições dos usuários para o debate realizado no fórum a

respeito do jogo.

A análise dos números de “posts”

N° de posts N° de Jogadores

647 111

A análise dos 647 posts do tópico trouxe informações interessantes. Cerca

de 111 jogadores participaram do tópico de alguma forma. Entretanto, os dez

jogadores que tiveram o maior número de posts foram responsáveis por cerca de

43,89% do total de mensagens no fórum. A partir disso é possível identificar um

grupo de jogadores que proporcionou grande parte da movimentação do fórum e

que receberá uma atenção especial na análise qualitativa.

Jogadores % de posts

10 primeiros 43,89%

outros jogadores(101) 56,11

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Nome N° de posts % do total

coffeegirl18 42 6,49%

RedHatty 39 6,03%

cissmiace 38 5,87%

Rekidk 29 4,48%

lubbarlubab 25 3,86%

rose 24 3,71%

poeticexplosion 24 3,71%

Abilor 22 3,40%

lirath 21 3,25%

thebruce 20 3,09%

Total: 284 43,89%

10 maiores participantes

É interessante destacar que, apesar da grande produção desses jogadores,

isso não significou que eles monopolizaram o debate sobre o jogo. Nas páginas do

fórum relacionado ao tópico, as mensagens eram sempre variadas, não existindo

mensagens seguidas de apenas um jogador ou um grupo seleto de jogadores, ou

seja, todos os jogadores enviavam mensagens em uma troca constante de

informações entre eles. Esse dado fica em destaque quando observamos a tabela a

seguir, que mostra quantos usuários tiveram suas mensagens respondidas

diretamente por outros participantes.

Total

111

100%36%

Usuários que tiveram mensagens respondidas por outros

40

Ou seja, apesar de 10 jogadores, ou 9% do total, concentrarem o volume

de 43% das mensagens do tópico, cerca de 36% dos jogadores tiveram suas

mensagens respondidas por outros participantes. Essas respostas estão

relacionadas a assuntos diversos, como pedidos de ajuda, apresentações e

principalmente informações compartilhadas sobre o jogo. Ou seja, mais de um

terço dos participantes do fórum interagiram entre si diretamente, o que demonstra

que apesar de um grupo específico ter uma grande produção de mensagens, a

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troca entre os usuários do fórum é bastante distribuída. Vale ressaltar que

consideramos mensagens respondidas aos usuários somente quando houve

menção direta ao usuário que colocou a informação.

Categorias de mensagens

Ao tabularmos os dados das mensagens, estabelecemos três categorias

relacionadas aos tipos de mensagens de interesse da pesquisa, e uma categoria

mais genérica onde foram computadas mensagens diversas: apresentações,

brincadeiras e outras informações não relacionadas diretamente ao jogo.

As mensagens foram consideradas quando os usuários faziam algum tipo

de reflexão a respeito do que escreviam, ou seja, as que apenas compartilhavam

conteúdo relacionado ao jogo, mas sem qualquer tipo de reflexão do autor sobre

esse conteúdo, não foram contabilizadas. Dentro desse aspecto estabelecemos as

seguintes categorias: reflexões sobre o jogo, onde enquadramos suposições,

questionamentos e pensamentos a respeito da história e do desenvolvimento do

jogo. Também foi observado as reflexões sobre o ARG (ou Meta Reflexões), que

foram as mensagens relacionadas à discussão do jogo em si - sua estrutura e

elementos que o compõem são os elementos “fora do jogo”, ou seja, essas

discussões ocorrem fora da realidade alternada estabelecida por um alternate

reality game. Também estabelecemos uma categoria em que foram concentradas

as mensagens relacionadas às reflexões sobre o meio ambiente, que era o tema

central desse ARG. E, por fim, a categoria que englobava informações mais

diversas. A tabela a seguir demonstra como ficou essa distribuição.

n° %

Meio Ambiente 61 9,43%

ARG/META 124 19,17%

ARG/JOGO 210 32,46%

Diversas 252 38,95%

Total: 647 100%

Categorias das mensagens

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É interessante observar que as discussões sobre ARG relacionadas aos

aspectos do jogo (ARG/JOGO) somaram 32,46% do total de mensagens, apenas

um pouco menor que a soma das mais diversas mensagens, 38,95%. Isso aponta

que os jogadores ligados ao forum Unfiction estão mais interessados nos aspectos

narrativos e em outros elementos ligados ao jogo, principalmente nas conversas

com os personagens, as tramas, as suposições, os possíveis mistérios e quebra-

cabeças. Em terceiro lugar, com uma porcentagem mais moderada, estão as

mensagens ligadas aos aspectos meta do ARG, o que revela outra característica

desse grupo de jogadores: eles gostam de discutir sobre como o ARG poderia ser,

que elementos são atraentes, quais são as inovações, o que eles esperavam do jogo

- esses jogadores, mais especializados, preocupam-se em aprender mais sobre o

gênero e ver o que de novo foi introduzido ou reutilizado pelo jogo em questão.

Outro dado relevante é que as mensagens relacionadas às discussões Meta

apareceram principalmente no começo do tópico, ou seja, no momento em que

surgiram muitas especulações sobre o que poderia vir a ser o ARG e no final,

quando o jogo havia terminado e eles realizaram um debate sobre o que foi

interessante, o que esperavam do jogo ou o que poderia ter sido feito de diferente

do que foi realizado.

O grupo de mensagens com o menor volume de discussão foram as

relacionadas ao meio ambiente, que era o tema do jogo. Essas mensagens

também tiveram um maior volume de dados principalmente no começo e

retomaram no final do tópico, após o fim do jogo. As mensagens iniciais mostram

que, assim que os jogadores souberam do tema do jogo, houve um pequeno

brainstorm relacionado ao tema e o que eles poderiam realizar de diferente no

jogo. Quando a trama do jogo teve início, mas ainda sem a estreia oficial, essas

discussões diminuíram, demonstrando que o foco desse tipo de jogadores é a

história e o desenvolvimento da narrativa do ARG. É importante ressaltar que é

possível que a discussão sobre o tema ambiental não tenha tomado maiores

proporções dentro do fórum, após o início oficial do jogo, porque a estrutura do

ARG procurou absorver essas discussões no espaço dos blogs e da página oficial

do jogo. Entretanto, mesmo antes do início oficial do jogo, esse tema figurava

entre os mais comentados no fórum.

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Número de pessoas que compartilharam informações relacionadas ao jogo

n° usuários 62 55,86%

Total 111 100%

Compartilharam informações relacionadas ao jogo

A análise do número de pessoas que escreveram mensagens

disponibilizando algum tipo de informação sobre o jogo mostra um percentual

alto: sessenta e duas pessoas, ou 57,66% dos jogadores, compartilharam algum

dado sobre o jogo, como por exemplo, links de sites e blogs relacionados aos

personagens, conversas realizadas com os “mestres”, seus blogs e contatos, assim

como vídeos ou mensagens relacionadas ao desenvolvimento da história.

Entre as pessoas que compartilharam informações, nós observamos os

tipos e a quantidade de suportes que foram compartilhados e quais foram os meios

utilizados para interagirem com os “puppet masters”. É importante ressaltar que o

espaço onde foram contabilizadas essas informações, ou seja, o fórum, não foi

contabilizado como suporte, uma vez que todo o material analisado utilizou-o

como suporte, logo classificar o fórum dessa forma traria redundância para o

resultado dos dados.

n' de suportes usuários Percentagem

1 25 40,32%

2 21 33,87%

3 9 14,52%

4 7 11,29%

Total: 62 100,00%

Número de usuários e suportes utilizados

Como aponta a tabela, 40,32% dos jogadores compartilharam apenas

informações sobre um tipo de suporte. Esses dados estão mais ligados aos

jogadores com poucas mensagens enviadas. Conforme a participação do usuário

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92

aumenta, o seu uso de suportes também. Cerca de 59,68% dos jogadores

utilizaram dois ou mais suportes, sendo que o segundo maior grupo, 33,87%,

compartilhou e utilizou informações ligadas à duas formas de comunicação.

Essas informações, juntamente com a observação de quais foram os

suportes utilizados pelos jogadores, apresentam apontamentos relevantes. A tabela

a seguir enumera o uso dos suportes.

5% IRC

5% Wiki

Uso dos suportes

66% usaram blog

51,6% usaram IM

45% usaram blog e IM juntos

27% site

A análise da tabela demonstra que os dois suportes que serviram de base

na construção da interação com os jogadores do fórum foram principalmente o

blog e o serviço de “instant messaging” AIM60

. O blog foi o principal suporte

utilizado, seguido do IM61

, e quase a metade dos jogadores utilizaram os dois

suportes juntos.

Esses dados demonstram que, apesar dos diversos suportes midiáticos

utilizados e disponíveis, os game designers preferiram priorizar dois tipos de

suportes que possuem como característica uma maior dinâmica relacionada ao

tempo e ao contato com os jogadores Essas características desses suportes

permitiram uma maior troca entre ambos, pois no blog há o espaço para os

comentários dos usuários e isso dinamiza a comunicação entre emissor e receptor,

assim como nos programas de mensagens instantâneas há uma troca imediata de

informações entre os envolvidos. Essa relação ficará explicitada quando

observarmos como foi desenvolvida a narrativa junto aos jogadores e como

ocorreu o uso dos diversos suportes para construí-la.

60

Aol Instant Messaging

61 Instant Messaging.

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93

WWO, Unfiction e rede social

A análise do material do WWO demonstrou que a rede social estabelecida

entre os atores observados, aqui entendidos como os jogadores, e os atributos (que

classificamos a partir das mensagens trocadas) teve sua base estabelecida em uma

relação recíproca entre emissor e receptor, onde praticamente todos os

participantes assumiam ambos os papéis. Um exemplo disso é que, mesmo

existindo alguns jogadores com um maior número de posts no fórum, esses

participantes dependiam de informações vinculadas pelos outros jogadores,

inclusive daqueles que tiveram poucas participações mas contribuiram com dados

relevantes. Isso também demonstrou outra característica da rede ligada à relação

de valoração existente. Em nossa análise, praticamente todos as mensagens

trocadas possuem valor para seus participantes, onde cada informação, hipótese

ou comentário relacionado ao jogo é discutido e investigado pelos outros

participantes, seja oriundo de um jogador experiente ou novato, desde que ele

compartilhe essa informação dentro das características aceitas pela comunidade.

5.2. A narrativa do pré-jogo do World Without Oil e o uso dos suportes

Nessa parte fazemos uma sucinta análise da narrativa construída no pré-jogo

do ARG e quais suportes foram utilizados nessa construção. Nessa observação, o

foco será no uso dos suportes.

Os materiais utilizados para essas observações foram o tópico do fórum

Unfiction, além das informações reunidas em uma wiki produzida sobre o jogo. 62

A primeira informação sobre o ARG World Without Oil foi encontrada em

um famoso blog ligado à área de jogos chamado Destructoid63

, em que um dos

autores, Jane McGonigal, falava sobre os seus projetos anteriores e anunciou que

o site worldwithoutoil.org estava relacionado a uma futura atividade sua.

Nessa notícia, McGonigal liberou o “trailhead” para os jogadores, ou seja,

62

http://www.argwiki.de/index.php5?title=World_Without_Oil_(ARG)_-_Trail

63 http://www.destructoid.com/gdc-2007-jane-mcgonigal-on-collective-intelligence-and-i-

love-bees-30249.phtml

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a “isca" que poderia levar os jogadores ao jogo. Possivelmente, ter liberado essa

informação em um blog conhecido e com grande abrangência fez parte da

estratégia para logo atingir um grande número de jogadores e a informação ser

difundida.

A estratégia parece ter dado certo. Mcgonigal liberou os dados no dia 5 de

março de 2007, e já no dia seguinte o tópico relacionado ao “trailhead” era criado

no fórum Unfiction. O criador do tópico dizia que havia encontrado essa

informação no blog e que possivelmente iria participar do jogo. A partir disso, os

outros jogadores começaram as especulações.

A mensagem do site http://www.worldwithoutoil.org/preparing.htm trazia

a seguinte informação:

“We’re preparing for a crisis

Imagine eight people brought together by trouble: trapped together (with

thousands of others) in the Denver airport by a blizzard. We had a lot of time on

our hands. We talked. We bonded. Awww. How nice.

One thing we talked about a lot: how the Internet scoops the official media. It's

real obvious in a crisis. In Denver, as in the Katrina disaster, people found the

true story on the Internet. News stories and gumment bulletins can never hope to

match the agility of citizen bloggers and mobloggers, nor their honesty of people

talking one to another. Internet people are the real first responders today, the

boots on the ground.

Now, here's the thing. We eight have come to believe that a crisis is coming – on

April 30, to be precise. (An oil shock, or something to do with oil.) We have no

proof – it's just something a guy said in an unguarded moment. He may have

been putting us on. But we don't think so. We have decided to prepare.

We're getting this website ready to be the nerve center. Come here to get the

day-by-day. And this will be the place to tell your story, about your life once the

crisis hits. Nobody else can tell your story – you're the authority on that.

If it is an oil shock, no one is going to be unaffected. There will be disruption and

suffering, and probably chaos. Having a place to connect with others is gonna be

vital. We will be in it together. Nobody should suffer in silence.

– Chuckles, Gala_Teah, Gracesmom, Illiana_Speedster, Inky_Jewel, LocalBoy,

Pachinko, YuckyMuck with Dessum9 and mPathytest “64

64

http://www.worldwithoutoil.org/preparing.htm

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Essa informação é compartilhada aos jogadores por Nico, uma das oito

pessoas que ficaram presas no aeroporto durante uma nevasca e produziram o

comunicado acima. Esse grupo avisa que a crise de petróleo irá ocorrer no dia 30

de Abril de 2007. A partir dessas informações, e do interesse dos jogadores no

jogo, no dia 9 de março um deles encontra os blogs de dois personagens: Gala

Teah e Inky Jeal. Esse jogador prontamente divulga os blogs no fórum. Já no dia

seguinte (10/03), Gala Teah deixa um comentário no blog do usuário que a

encontrou primeiro. A partir daí há a aproximação e troca de mensagens entre os

jogadores e os personagens do jogo controlados pelos “puppet masters / mestres

do jogo” através de suportes como blogs e mensageiros instantâneos.

Um exemplo dessa maior troca de mensagens ocorre no dia 11 de março,

quando Gala Teah deixa uma mensagem para um dos jogadores (mahanamatashi)

via blog:

“Hello mahanamatashi, you are an alert person, I see. And

resourceful!

Not too early to begin thinking about it. Most of the preparation for

anything is mental, don't you think?

You live in the UK, is that right? And petrol is already quite expensive?

Your country is already somewhat prepared then, perhaps. There are not

the crazy lives built upon cheap oil that we have here (I am guessing). -

GT” 65

Essa troca de pequenas mensagens constrói aos poucos a imersão junto aos

jogadores, os envolve na história, fazendo-os participarem da narrativa. Essa

construção continua quando no dia 11 de março um jogador observa a mensagem

de status de ausente de uma das personagens do jogo, mPathytest. A mensagem

era a seguinte:

“Too many things on my To Do List to chat right now, 43 Very Important

Things in fact. Okay, maybe there's only 8 things so far on my list. But

65

http://forums.unfiction.com/forums/viewtopic.php?t=18592&start=60

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when one of them is "save the world", isn't that enough? I mean, really. :-

!”66

Essa mensagem dava uma dica que acabou levando os jogadores a um

outro suporte utilizado na construção da narrativa, nesse caso, o site

http://www.43things.com/person/mPathytest

Figura 7 – lista de ações da personagem mPathytest

Como podemos ver na imagem acima, esses suportes continuaram

servindo para dar vida aos personagens. Ao utilizarem serviços de internet que são

utilizados por centenas de pessoas, os “mestres do jogo” (que controlam essas

personagens), conseguem ir mesclando a realidade e a ficção. Pois, ao mesmo

tempo em que um personagem ficcional como “mPathtest” coloca “save the

66

http://forums.unfiction.com/forums/viewtopic.php?t=18592&start=60

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world” como prioridade nas coisas que está fazendo, diversas outras pessoas reais

acompanham e compartilham essa atividade dela.

No dia 13 de março, Gala Teah coloca novos elementos na história ao

liberar a seguinte mensagem em seu blog:

Figura 8 – passagem do blog de Gala Time onde diz que seu site foi hackeado

Esse clima de mistério e desconfiança vai aumentar conforme novos

personagens entram na história e aumenta o ritmo de mensagens com os

jogadores. Essa intensa troca de mensagens entre os jogadores e personagens

aconteceu principalmente com o uso dos suportes de mensageiros instantâneos e

blogs. O período de maior atividade dessas informações ocorre entre os dias 13 de

março e 20 de abril.

Essas conversas serviram como estímulo aos jogadores durante o período

de pré-jogo. É importante ressaltar que o jogo tem “início” oficialmente, ou seja, o

site foi aberto para o público, no dia 30 de abril. E a participação dos personagens

controlados pelos puppet-masters, em constante interação com os jogadores,

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foram essenciais para manter o ritmo e aglutinar uma comunidade em torno do

jogo.

Um exemplo de como as conversas estimularam os jogadores está nesse

post realizado pelo jogador “Rekidk”, onde ele conta como ficou animado com

sua primeira conversa “dentro do jogo”.

Figura 9 – Conversa do jogador “Rekidk” com a personagem “mPathytest”

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Na conversa acima, a game designer (interpretando uma personagem)

procurou trazer o jogador para o jogo e isso o deixa muito animado e assustado.

Para obter esse efeito, ela escolheu um suporte que proporcionou uma intensa

troca de informações junto aos jogadores. As informações recebidas pelo jogador

são logo compartilhadas com os outros jogadores, já que seria muito difícil que

cada jogador conseguisse ter acesso a toda produção somente a partir das suas

fontes, e a partir dessa troca vai sendo construída a narrativa.

Essa troca de informações com os jogadores continua no dia 24/04/2007,

ou seja, seis dias antes do lançamento oficial do jogo. Os game designers

novamente voltam a utilizar um blog, um suporte que tem um alcance maior entre

os jogadores. Em uma mensagem, uma das personagens membros do grupo dos 8,

Gracesmon (Sharon,) recebeu um e-mail do mesmo Nico citado anteriormente e

logo compartilha com os jogadores.

“Dear Ms.________,

I trust you are well. I know you have been busy. Perhaps you remember

me? I remember you and your little daughter so well. You seemed frightened

of me but you needn't be.

I would like to establish your location is valid. It is so hard to trust

sometimes, no? Circumstances force us together again. I will be in touch.

"Nico"

Após essa mensagem, outro suporte é utilizado para estruturar a narrativa:

foi adicionado no Youtube um vídeo 67

em que aparece uma mulher misteriosa -

que, segundo os jogadores, é a mesma que apareceu em uma foto68

anteriormente.

No vídeo, ela faz entender que Nico quer voltar para casa. O vídeo possui partes

em inglês e outras em uma língua estrangeira, que os jogadores descobriram, após

67

http://www.youtube.com/watch?v=-Xq1WheazY4 68

http://i177.photobucket.com/albums/w222/Iniscool/04-opr-sinoil.jpg

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muito trabalho, ser búlgaro.Eles fizeram até mesmo a tradução do búlgaro e uma

transcrição69

do áudio em inglês do vídeo.

No dia 25/04/2007, Gracesmom (Sharon) novamente aparece e

compartilha através de seu blog outras informações sobre Nico. A mensagem era a

seguinte:

“Well, here goes nothing

Nico says he needs to meet me tonight, says hes in trouble and we

(8tsoc) need to help him. He promises that nothing bad will happen, and

weird as it sounds, I believe him.

Uncle Frank's Army buddy Tom is here, he's going with me and Uncle

Frank is going to watch Grace. So don't worry! Gala knows where I’m

going and I can call her on Toms cell if theres any trouble. We need

to find out wtf is up with this guy. After all, w/o him none of us would be

here, doing this. YUcky, DON’T WORRY!!!!!!!! I will call you and Gala as

soon as I can, once I find out what he wants. “

No mesmo dia, outro membro (YuckMuck) do grupo envia uma

mensagem:

“ G's Mom called and said she's OK, she's home, and she's exhausted

and going to bed. She'll fill us in tomorrow, she only told me that 'he's not a

happy camper.' I'm not real sympathetic at the moment.”

No dia 26/04/2007, Gracesmon coloca no blog coletivo (dos 8 membros para

salvar o mundo) a seguinte mensagem:

“Apr. 26th, 2007

Nico's story

mood: guilty

69

http://wwo-mordy.livejournal.com/2007/04/25/

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I don't know if I can remember everything he told me but I'll try to get all

the important stuff down. He's been on the lam from his company hiding

somewhere in Maine. He’s on the run because they are tracking him. They claim

he imbezzled money but he says it’s because he told us what he did and they are

mad. I don’t understand it all something to do with OPEC and price supports and

what he called "milking the old cow dry". He has more info but he needs

something in return. The company siezed all his assets, he has nothing but the

clothes on his back and a small bag. He uses public internet when he can find it.

He wants money from us (8tsoc). We "owe" him. If we hadn’t posted that picture

(sorry Pachinko!) they would never of connected it to him. There is more to the

story that we don’t know yet and he will tell us if we help him. He will be in touch

with me later to see if we agree but he can’t stay in one place long so he's on the

road again. He doesn’t want us to post any more details about him because the

company will track him down. I have told Gala and Yucky the rest of it, but please,

don’t press us for details yet.

Tom and I gave him what money we had but he says it’s not enough. I feel so

guilty now. He’s in trouble because he tried to warn us and we totally blew it. I

think we should help him now.” 70

Essa mensagem faz a última construção da base narrativa para o começo

do jogo oficialmente.

Como podemos observar, durante esse período de “pré-jogo” os game

designers procuraram envolver e estimular a comunidade formada pelos jogadores

mais especializados de ARG. Esse processo de “pré-jogo” é importante no

estabelecimento e construção do cenário do jogo, pois, se este fosse produzido

somente pelos game designers, dificilmente seria atraente para esses jogadores

especializados - uma das coisas que eles mais gostam de participar é do processo

de construção da narrativa e de um jogo que tenha uma estrutura que possibilite

isso.

Também foi observado como diversos suportes (linguagem textual,

imagética e híbrida) foram utilizados para essa construção coletiva da narrativa.

Em especial o blog, por ser um suporte que consegue ter um amplo aspecto

comunicativo, atingindo um grande número de pessoas sem que seja exigido

muito tempo por parte dos produtores, ao mesmo tempo em que é um suporte que

70

http://community.livejournal.com/worldwithoutoil/2007/04/26/)

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mantém um canal de interatividade aberto através da possibilidade de comentários

relacionados às mensagens colocadas no blog.

Outro suporte muito utilizado no jogo foram os serviços de mensagens

instantâneas. Esse suporte realizou um outro papel, que foi permitir esse contato

bem direto entre os jogadores e os personagens. Além de expandir o mundo

narrativo, esse contato proporcionava uma maior imersão dos jogadores na

história, pois, como é um suporte que abre um contato direto com jogadores e que

é utilizado por eles para conversar com pessoas “reais”, a entrada de personagens

ficcionais em suas listas de contato ajudava a misturar e romper a fronteira

existente entre o mundo ficcional e o mundo real. Além disso, também foram

utilizados diversos outros suportes, como vídeos, imagens e e-mails. Entretanto,

esses suportes foram utilizados em número bem menor do que os blogs e

comunicação via serviço de mensagens.

Com a base narrativa construída coletivamente, as personagens membros

do 8TSC fizeram um pedido para que os jogadores ajudassem Nico, já que esse

estava em apuros por ter compartilhado informações sobre a provável crise de

petróleo. Esse pedido foi o gancho narrativo para o início das convocações, que

pediam para os jogadores produzirem histórias e materiais ligados à crise de

petróleo vivenciada no jogo. O desenvolvimento do ARG – World Without Oil

ocorreu durante trinta e dois dias, em que cada dia equivalia a uma semana de

tempo dentro do mundo ficcional do jogo.

A análise desse material será apresentada na próxima parte dessa

dissertação.

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6 Análise dos dados do site do World Without Oil

Nesse capítulo analisaremos os dados relacionados ao site principal do

World Without Oil – www.worldwithoutoil.org. As categorias utilizadas foram as

estabelecidas no capítulo de metodologia, ou seja, iremos observar como ocorreu

o uso dos diversos suportes midiáticos por parte dos jogadores em suas produções.

Uso e distribuição dos suportes

A análise das histórias produzidas pelos jogadores ao longo dos 32 dias de

jogo (lembrando que cada dia era equivalente a uma semana do tempo ficcional da

trama) seguiu a classificação estabelecida pelos game designers, ou seja, foram

classificadas em quatro suportes: blog, imagem, áudio e vídeo. É importante

ressaltar que o jogo aceitava que os participantes enviassem e-mails contando suas

histórias, entretanto esses e-mails eram agrupados em um blog coletivo e

contabilizados como posts de blog. Dessa forma, eles foram contabilizados

também dessa forma nos dados de pesquisa.

O uso dos suportes pelos jogadores nas construções de suas histórias estão

compilados na tabela abaixo.

Suporte n° %

Blog 1274 82%

Imagem 118 8%

Áudio 86 6%

Vídeo 75 5%

Total: 1553 100%

Histórias e uso de suportes - WWO

Um dado interessante é o grande uso do blog como principal suporte

utilizado na construção das histórias. Esse suporte concentrou 82% das histórias

produzidas pelos jogadores, o que fez com os outros três suportes tivessem menos

de 19% somados juntos. Depois do blog, o suporte mais utilizado foi a imagem,

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com 8%, seguida de áudio (6%) e vídeo (5%).

Esses dados inicialmente provocam um estranhamento, pois afinal, os

ARGs são conhecidos pelos usos de diversos suportes para construir uma

narrativa e esperávamos que esse uso tivesse uma distribuição mais equilibrada.

Porém, ao lembrarmos de como ocorreu o uso dos suportes por parte dos

jogadores do fórum, chegamos a uma situação similar. Eles utilizaram

essencialmente dois tipos de suportes para participarem do pré-jogo do World

Without Oil: o blog e o serviço de mensagens instantâneas (AIM).

Se considerarmos que o grande uso do AIM por parte dos jogadores do

fórum foi para se comunicar com os personagens do jogo (controlados pelos game

designers) durante o desenvolvimento da narrativa no pré-jogo, e que essa

interação via chat não aconteceu de forma intensa e massiça após o início do jogo,

o blog definitivamente foi o principal suporte utilizado, tanto pelos jogadores do

fórum como pelos participantes do site.

Para buscar compreender melhor porque ocorreu esse tipo de distribuição

no uso dos suportes, e também para ajudar a visualizar melhor o processo de

construção narrativa do ARG, realizamos uma análise detalhada de cada semana

de tempo do jogo, ou seja, observamos o desenvolvimento da história, semana por

semana. Para fazer essa análise de cada semana de jogo, é necessário fazer uma

breve apresentação dessa estrutura.

Estrutura narrativa do jogo

No World Without Oil, cada dia de jogo na vida real era equivalente a uma

semana no tempo ficcional do jogo.

No inicio de cada semana ficcional, os game designers utilizavam um

personagem para descrever os acontecimentos narrativos dessa semana, ou seja,

contavam a história do que estava acontecendo no jogo naquele momento.

A partir dessa construção, o personagem invocava os jogadores para que

eles produzissem e compartilhassem suas histórias através dos diversos suportes.

As histórias produzidas pelos jogadores eram incorporadas na narrativa da semana

seguinte do jogo.

Após a produção das histórias, era utilizado um sistema de pontuação que

definia as histórias consideradas premiadas.

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“Rankeamento das histórias”

Os produtores do jogo estabeleceram uma forma de pontuar as histórias

dos jogadores. Em uma mensagem escrita por YuckMucky, ele definiu os

conceitos que balizaram as pontuações:

“HOW THE RANKINGS WORK

Scores: The way people get a higher score depends on what they contribute, and how

often. We're looking for your stories about how the crisis is affecting you, and what you're

doing to get through it.

New Faces: Here we are just saying „hi‟ to people who have sent us their first story. Well,

OK, we rank them too by how we like their stuff.

Areas: The area rankings are based on a combination of how much and how cool is the

stuff people in the area are doing, and how many people from the area are doing anything.

Sign up your neighbors!

There is a certain amount of furry logic though, not to mention I suspect some of my

colleagues will succumb to arm twisting and go in and fiddle with the scores :(

I am, however, unsusceptible ;-) “ 71

Essas três características “Scores”, “New Faces” e “Areas” buscavam

atingir ou estimular certas características nos jogadores.

Scores estimulavam a produção e a contribuição dos jogadores para a

causa. É importante ressaltar que essa contribuição obtinha mais pontos se

ocorresse de forma continua, ou seja, esse fator de pontuação buscava envolver os

jogadores na história e mantê-los participando de forma constante.

O critério “New Faces” estimulava a entrada de novos jogadores no jogo,

compensando-os prontamente em sua primeira história. Entretanto, também era

feita uma avaliação dessas histórias para não se tornar apenas uma pontuação

motivacional. Esse critério foi bem importante, pois muitas vezes jogadores de

ARG não se sentem estimulados após o jogo ter começado.

O estabelecimento de um critério de pontuação que valoriza áreas foi

claramente uma tentativa de estimular o desenvolvimento de comunidades locais e

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de grupos que compartilhassem idéias entre si. Dessa forma, as idéias surgidas a

partir do jogo seriam mais facilmente difundidas e possivelmente colocadas em

prática por esses grupos.

Com esses critérios estabelecidos, teve início o jogo oficialmente.

Semana 1 - História - “Oil Shocker: Gasoline over $4/gal”

Com esse título, Gala_Teah72

narra a primeira semana do jogo, que

começa com um súbito anúncio de uma crise do petróleo.

Nessa narrativa, a personagem descreve como subitamente o preço da

gasolina dispara e os distribuidores alegam que estão com dificuldades de

fornecer combustível. Segundo os distribuidores, essa dificuldade é resultado de

um problema de abastecimento frente aos produtores, e por isso eles cobram uma

“renegociação” dos contratos vigentes de distribuição. De acordo com os

distribuidores, finalmente chegou o momento da tão alardeada queda final da

produção de petróleo nos EUA e, devido a isso, os preços devem se ajustar.

Esse aumento dos preços fez que com que as nações passassem a disputar

os contratos de distribuição. Os países mais fortes ou emergentes passaram a usar

todos seus recursos para conseguir contratos que suprissem suas demandas; já as

nações mais pobres, sem poder de barganha, foram praticamente excluídas do

processo.

A narrativa prossegue dizendo que funcionários do governo dos Estados

Unidos pediram calma até que sejam esclarecidos todos os acontecimentos, e que

os EUA vão trabalhar para que o fluxo de combustível se normalize.

Observadores da indústria alertam que as reservas americanas estão muito baixas

devido à redução da produção de petróleo por todos os países produtores. E

termina dizendo que mais informações serão apresentadas na próxima semana.

Convocação para os jogadores.

Após essa narrativa, Gala_Teah, conclama os jogadores para relatarem

71

http://www.worldwithoutoil.org/rank.aspx 72

Gala_Teah era uma das personagens membros do grupo 8TSOC (8 To Save Our Country).

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através de diversos suportes, qual é o impacto nas suas finanças da gasolina

custando quatro dólares o galão. Essa chamada é a convocação para a participação

e construção da narrativa por parte dos jogadores.

Semana 1 - histórias e uso dos suportes

Analisaremos agora o número de histórias produzidas pelos jogadores e

como essas histórias foram distribuidas pelos suportes. Nas análises, sempre

utilizaremos os dados relacionados a cada semana de jogo e localizados em suas

respectivas páginas no site do WWO.

Na primeira semana de produção dos jogadores, o blog logo despontou

como o suporte com ampla preferência dos participantes - cerca de 85%, seguido

pelo áudio (9%), imagem(4%) e vídeo(3%).

É provável que o alto uso do blog como suporte na primeira semana seja

conseqüência do uso do blog pelos game designers para anunciar a primeira trama

da narrativa. Ou seja, apesar de terem pedido para os jogadores utilizarem

diversos suportes para relatarem os fatos, e terem utilizados diversos suportes no

pré-jogo, quando o jogo teve início oficialmente, os próprios game designers não

utilizaram diversos suportes para construírem a primeira parte da narrativa.

Suporte n° %

Blog 118 85%

Imagem 5 4%

Audio 12 9%

Video 4 3%

Total 139 100%

Semana 1

A primeira semana também proporcionou o maior número de histórias de

todas as semanas: 139 novas histórias foram produzidas pelos jogadores, o que

nos leva a crer que havia uma grande expectativa e espera pelo começo do jogo.

Um dado interessante é que apenas metade dos dez jogadores com maior

número de posts no fórum Unfiction participaram da produção de histórias nessa

primeira semana do jogo. Somente os jogadores coffegirl 18, RedHatty, lirath,

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cissmiace e poeticexplosion é que produziram histórias. Ou seja, apesar da grande

participação dos jogadores no pré-jogo, nem todos se engajaram quando o jogo

começou oficialmente. Entretanto, a participação de jogadores do fórum na

primeira semana foi em um bom número, o que nos leva a pensar que houve

(ocorre) uma divisão de jogadores do fórum: aqueles que estão mais ligados ao

desenvolvimento da história, ou seja, nos aspectos narrativos, outros que estão

mais interessados no aspecto de jogo do ARG (desafios e quebra-cabeças), e um

grupo mais interessado em compilar as informações compartilhadas pelos

participantes. Ou jogadores mais ligados aos aspectos narrativos se concentram

mais nas trocas de mensagens com os personagens e em distribuir essas

mensagens com outros membros do fórum. Dentro desse grupo também existem

os jogadores interessados em compilar e organizações essas informações. E dessa

forma eles facilitam a entrada de novos jogadores e a troca de conhecimentos

entre eles.

Histórias premiadas – semana 1

Na primeira semana, três histórias foram escolhidas como as melhores a

partir dos critérios de pontuação estabelecidos. Cada história utilizou um suporte

diferente, como o blog, o vídeo e o áudio. O único suporte que não teve nenhuma

história premiada nessa primeira semana foi a imagem.

Faremos uma breve observação do que cada história procurou relatar e

como se utilizou do suporte escolhido.

A história "An analytical view of implications" 73

de GailTheActuary,

utilizou um blog para fazer uma extensa e profunda análise das conseqüências do

uso indiscriminado de petróleo e quais soluções poderiam ser adotadas para

vivermos de uma forma menos dependente dele. O que chamou atenção nessa

produção é que ela foi feita através de um blog e de um autor que costuma pensar

e discutir sobre o uso do petróleo no mundo. Ou como bem apontam as

informações do site:

Gail the Actuary‟s real name is Gail Tverberg. She has an M. S. from

73

http://gailtheactuary.wordpress.com/2007/04/22/our-world-is-finite-is-this-a-problem/

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109

the University of Illinois, Chicago in Mathematics, and is a Fellow of the

Casualty Actuarial Society and a Member of the American Academy of

Actuaries.

Gail is involved with oil and other limits in several different ways:

As a researcher. Gail regularly goes back to data from government

and other web sites, and creates her own graphs and does her own analysis.

She also follows the work of others doing research.

As an actuary. Gail is interested in what the implications of reduced

oil supply is for the economy and for financial institutions.

As an educator. Gail is interested in bringing the message about

what is happening to as broad an audience as possible. 74

Esse perfil de um participante dessa primeira semana demonstra como o

World Without Oil agregou os mais diferentes tipos de participantes, chegando

inclusive a atrair profissionais que colaboraram com seus conhecimentos na

construção de narrativas que respondessem ao chamado invocado pelo

personagem na primeira semana do jogo. Essa troca é benéfica em relação a

produção de conhecimentos, pois a mistura de conhecimentos “especializados”

com os conhecimentos de participantes que se interessam pelo assunto, mas não

necessariamente tem uma ligação profissional com ele, pode permitir surgir novas

idéias e visões para os problemas levantados pelos temas do WWO.

A segunda história, "Oil Spike!75

” por kalwithoutoil, foi um vídeo em que

um cidadão consciente assumia o papel de um repórter que buscava informar as

pessoas sobre a crise de petróleo nas ruas de São Francisco, e também

entrevistava indivíduos que passavam pela rua e os indagava sobre que medidas

eles iriam tomar frente a essa crise.

Em seu canal de vídeos podemos obter mais informações sobre o

participante:

“I'm a concerned citizen, and I'm just trying to tell the truth about what's happening

here in SF. Is there something related to the oil crisis going on where you live? Get the

74

http://ourfiniteworld.com/about/

75 http://www.youtube.com/watch?v=mqnu2zXR4dM

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110

word out. We'll help you however we can” 76

Esse participante construiu um personagem que utilizava para fazer suas

intervenções no jogo. Como em seus vídeos ele procurava relatar como se

realmente fosse um repórter fazendo reflexões sobre um mundo em crise com a

alta do petróleo, e também utilizou um site de grande acesso e público para

publicar seus vídeos, ao mesmo tempo em que ele também entrevistava pessoas

na rua que não sabiam que estavam participando de um jogo. Ao fazer isso, ele

acabou rompendo e misturando as fronteiras entre realidade e ficção.

Outros elementos interessantes na análise do relato dessa história é que

havia diversos comentários no vídeo de pessoas fora do jogo. Como esse, feito

pelo usuário “pistolpt”:

“In the video the date said May 1, 2007 but I watched it on April 30, 2007. This is very

strange..... what does it mean???? If time codes in video cameras are off this world could

completely fall apart from the seems. “ pistolpt 77

O usuário, que não sabe sobre o jogo, questiona a data em que aquilo foi

gravado, já que destoa do seu tempo cronológico e ela desconhece que o tempo no

jogo é diferente do tempo da vida “real”. Outro exemplo dessa mistura ocorre no

seguinte comentário, ainda sobre o mesmo vídeo, feito por outro usuário:

“4 dollars a gallon? What a laugh! in europe we pay over 2 euro's!!! a litre!!! now!! as we

speak!! just that you know...” feicojost 78

Esses comentários demonstram bem como o ARG World Without Oil

rompeu barreiras entre realidade e ficção e misturou personagens ficcionais com

pessoas reais. Essa produção se aproximou da definição de simulacro de

Baudrillard (1997), ou seja, foi tão perfeita que acabava confundindo-se com o

real e mesmo se passando como ele para os observadores mais incautos. Esse

mistura de fronteiras entre real e ficcional é tão intensa, que dois participantes

precisaram fazer comentários no vídeo dizendo que aquele vídeo fazia parte de

76

http://www.youtube.com/user/kalwithoutoil

77 http://www.youtube.com/watch?v=mqnu2zXR4dM

78 http://www.youtube.com/watch?v=mqnu2zXR4dM

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111

um jogo. Dessa forma, eles procuraram diminuir as possíveis confusões que

pudessem ocorrer frente a outras pessoas não jogadoras.

A outra história premiada foi um relato em áudio chamado “Urban Stand

Still"79

, feita por “RockLobster”, uma das jogadores participantes do fórum

Unfiction. Nessa história, o jogador procurou narrar a situação que estava

ocorrendo no país num tom sombrio e dramático. Relatava como os preços dos

combustíveis subiram, e como as pessoas adotaram formas alternativas de

transporte, como a bicicleta. A partir disso, ela também faz uma reflexão sobre

como isso irá se desdobrar nas outras semanas, e que ela irá acompanhar isso.

Essa usuária procurou usar o suporte de áudio para dar dramaticidade a sua

história, ou seja, sem recursos de imagem, ela procurou impor um tom sério e

pesado a sua narrativa, como se fosse alguém em sua casa procurando fazer um

relato da situação complicada que o mundo passa no momento, e compartilhando

esse relato com outras pessoas através da internet. Dessa forma, quando alguém

ouve a história tem a impressão de que é uma pessoa relatando, de forma intensa,

um momento crítico pelo qual está passando devido a falta de petróleo. Além

disso, no caso de alguém que não conheça o jogo ouvir o relato, poderá

perfeitamente acreditar que se trata de uma história real, pois a jogadora procurou

imitar a forma que normalmente esses tipos de relatos foram feitos ao longo da

história, ou seja, ela procurou usufruir de um possível repertório comum de

histórias por parte dos seus ouvintes.

A observação dessas três histórias e seus participantes nos leva a alguns

apontamentos: as histórias escolhidas como premiadas foram bastante diversas,

tanto no uso dos suportes quanto as pessoas que as produziram. Além da

qualidade do material, essas escolhas possivelmente foram feitas para valorizar o

uso de diversos suportes e diversos tipos de público, pois foram escolhidos quase

todos os suportes - blog, vídeo e áudio -, além de abarcarem uma profissional

especialista, um jogador casual e um jogador dedicado a ARGs.

Essa mistura também proporcionou uma sinergia e troca entre eles. Ou

seja, a estrutura estabelecida de design para o compartilhamento de histórias, e a

forma que a narrativa aglutinou esses grupos de diferentes interesses em torno da

história do jogo proporcionou que ambos realizassem trocas de conhecimentos

79

http://www.box.net/shared/uotvt1eol5

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entre si e buscassem pensar novas soluções frente aos problemas propostos.

Semana 2 – “NO QUICK FIX: “Chain Broken” 80

A segunda semana do jogo começa com um relato da personagem

“Pachinko”, 81

falando sobre o que deve acontecer após essa subida inicial do

petróleo e apresentando as teorias sobre os possíveis desdobramentos.

Segundo Pachinko, os representantes do governo e da indústria disseram

que essa crise será longa, pois a cadeira produtiva de petróleo quebrou em várias

partes.

Ela também avisou que agora não irá ocorrer escassez, pois o governo

disse que ainda há reservas de petróleo para pelo ao menos duas semanas.

Entretanto, o governo nada tem feito para evitar que empresas e cidadãos

acumulem combustível.

A crise de petróleo também afetou os mercados e pela primeira vez os

economistas são unânimes. .

Pachinko termina conclamando os jogadores a compartilharem suas

histórias e relatarem como é viver e o que pode ser feito em um mundo onde a

demanda por petróleo é menor que a oferta.

Semana 2 - histórias e uso dos suportes

Na segunda semana do jogo, novamente o blog foi o suporte preferido

massiçamente por parte dos jogadores. Esse tipo de produção concentrou 82%

dos trabalhos, seguindo por vídeo(8%), áudio(6%) e imagem(4%). Como

podemos ver na tabela abaixo:

80

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=2

81 Pachinko era uma das personagens membras do grupo 8TSOC (8 To Save Our

Country).

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Suporte n° %

Blog 81 82%

Imagem 4 4%

Audio 6 6%

Video 8 8%

Total 99 100%

Semana 2

O número de histórias produzidas teve uma significativa redução do

primeiro dia de jogo para o segundo dia. O número de histórias totais passou de

139 para 99, ou seja, uma redução de 28.8% de volume.

Outro dado que demonstra essa redução do número e participação dos

jogadores em relação à primeira semana é a produção dos jogadores com mais

posts nessa segunda semana. Se antes metade desse grupo de jogadores havia

participado, na segunda semana somente um jogador (cissmiace) participou.

Entretanto, outros jogadores do fórum continuaram ativos no jogo, como nitefoll,

ararejul, jwiv, RockLobster e outros. Esses dados podem apontar que nem sempre

os jogadores que possuem as maiores participações nos fóruns dedicados a ARG

necessariamente terão as maiores participações no jogo - pelo menos não foi esse

o caso no World Without Oil.

Uma análise mais detalhada sobre os possíveis motivos dessa redução de

produção será realizada adiante.

Histórias Premiadas – Semana 2

Na segunda semana do jogo, duas histórias foram premiadas: uma

narrativa construída em um blog e outra utilizando vídeo. Novamente não foi

escolhida nenhuma história baseada em imagem e, dessa vez, nenhuma com áudio

A narrativa “Wild edibles, backyard straw bale gardening, start now!"

produzida por peakprophet, é um vídeo no qual ele narra como fazer jardinagem

no quintal de sua casa e se alimentar de plantas selvagens comestíveis. Essa ação

seria uma forma de incentivar a obtenção de alimentos sem causar grandes

problemas ao meio ambiente ou exigir muito gasto de petróleo. A observação do

vídeo levanta dois elementos interessantes a respeito dos ARGs.

A primeira questão é que o link para o vídeo que está associado ao site do

worldwithoutoil.org não está mais acessível ao público, ou seja, somente

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convidados podem assistir. É provável que o dono do blog (peakprophet) tenha

decidido fechar o acesso. Somente com uma busca na internet utilizando o nome

de sua história, “Wild edibles, backyard straw bale gardening, start now!”, é

possível acessá-la em um site de hospedagem de vídeos Esse evento demonstra

bem como é fluido e volátil o conteúdo de um alternate reality game, ou seja,

como a internet e sua intensa dinâmica imaterial afetam a permanência dos

elementos produzidos e integrantes do jogo. Essa característica normalmente

resulta em fragmentação e dissolução desse material ao longo do tempo, ou seja,

após o término de um ARG, conforme o tempo passa, mais difícil será encontrar

os elementos constituintes do jogo. Entretanto, caso os elementos do jogo ainda

permaneçam, eles possivelmente irão provocar a confusão entre realidade e

ficção. Um exemplo disso ocorre no vídeo produzido pelo jogador peakprophet.

Nesse vídeo, os usuários continuaram comentando, seja com elogios ou com

críticas, sem mesmo saberem que aquele vídeo algum dia fez parte de um jogo.

Abaixo são apresentados alguns comentários feitos após o término do jogo e que

desconhecem o fato desse vídeo ser parte de uma produção estimulada a partir da

ficção.

“You are wonderful. I am doing exactly what you and so many are doing- we cannot continue to sustain an oil-run world. I am learning to garden. I work with my local nursery, and have joined a co-op. My goal is to be 70-80% self-sufficient in a few years. I live in Southern Calif. so that should be feasible.

We all have to do it.

whiskerchild 2 anos atrás 82”

2 anos atrás 2

“great video. Would you like to exchange ideas? I've had good success fixing nitrogen into water useing bacertia and fish. Also bat houses are a great way to turn bad bugs into valuble gueno.

BanjoNaps 2 anos atrás 83 “

No primeiro comentário, o espectador também está se preparando para

viver em um mundo sem petróleo, mesmo sem saber que esse era o tema de um

jogo. Isso demonstra que a escolha dessa ambientação foi acertada pelos

designers, pois mesmo sendo uma situação ficcional, é algo provável de acontecer.

Isso facilita a imersão na história, seja de jogadores ou mesmo de pessoas que

82

http://www.youtube.com/watch?v=HgXnR5XEvmg

83 http://www.youtube.com/watch?v=HgXnR5XEvmg

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115

sequer sabiam sobre o jogo. Os designers estabeleceram aqui uma base de mundo

ficcional que pode ser facilmente confundida com o mundo real, agindo assim,

eles utilizaram os princípios de hoax que Walsh (2002) destacou. Criando uma

estrutura que confunde os usuários, e que explora o entrelugar existente entre as

notícias veinculadas e a dificuldade de reconhecer seu lastro com a realidade.

O segundo comentário também mostrar que o autor dele misturou

realidade e ficção, pois oferece a troca de experiências relacionadas a práticas

naturais de agricultura para o autor do vídeo. Mesmo que o autor do vídeo tenha

interpretado um personagem durante determinado tempo, e o lugar onde hospeda

seus vídeos não tenha nenhuma atualização de material há mais de três anos

(desde que o ARG acabou).

Outro comentário que aponta essa mistura foi feito no canal de vídeos do

peakprophet, no qual um usuário diz:

“How is your garden coming along this year so far?

rayneberry (1 ano atrás) (2010)

Como podemos notar, mesmo com o fim do jogo, seus elementos

continuam a reverberar e causar interações com o mundo não ficcional.

Próximas análises

A análise das próximas semanas foram mais resumidas do que as análises

feita nas semanas um e dois. Tomamos essa decisão para evitar que essa

dissertação ficasse excessivamente longa e com um volume de dados que

prejudicasse a leitura. Entretanto, nos preocupamos em observar todas as semanas

do jogo, de forma que permitisse o leitor ter conhecimento de como ocorreu o

processo narrativo do ARG. Associada a essa descrição, também foi realizada a

análise do uso dos suportes. Visando facilitar essa análise, ela ocorreu a partir da

comparação entre grupos de semanas.

Nessa análise, sempre que uma semana de jogo trouxe um elemento

diferente em relação aos observados na semana anterior, o componente novo

recebeu análise mais dedicada.

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Semanas 3 a 7 - histórias

Durante o período de jogo compreendido entre a terceira e a sétima

semana, as personagens membros do 8TSOC (8 To Save Our Country) escreveram

mensagens em que descreviam e aprofundavam o cenário inicial estabelecido

junto aos jogadores.

A estrutura utilizada foi basicamente a mesma apresentada nas duas

primeiras semanas, ou seja, a apresentação de um cenário, e frente a isso, um

pedido para que os jogadores produzissem e compartilhassem algum tipo de

história que estivesse relacionada a essa situação apresentada. Os produtores

costumeiramente ressaltavam o pedido para que os jogadores utilizassem diversos

suportes para narrarem a história.

Semana 3: “PRICES JUMP: Gasoline now $4.50/Gal”

A narrativa escrita por “YuckMuck” nessa semana fala de como o preço do

petróleo e da gasolina está subindo e de como os produtores de petróleo estão

inclusive felizes com isso. Descreve também como as empresas estão repassando

diretamente esses aumentos e como isso causa revolta. Ela termina a semana

perguntando: “HOW ARE YOU FEELING WITH $4.50+ GASOLINE? WHO

DO YOU THINK IS RESPONSIBLE FOR THIS STATE OF AFFAIRS?”84

. Logo

após essa pergunta, a personagem pede para que os jogadores enviem histórias

relacionadas a esse questionamento.

Semana 4: “PAIN SKINS IN: Anger, Protests Spread”

A quarta semana do jogo começou com a narrativa feita por

IllianaSpeedster, relatando como aumentaram os protestos feitos pelos cidadãos

devido ao aumento do preço do petróleo. Alguns usuários relatam uma inflação

generalizada e o grupo está acompanhando os desdobramentos. Já no final da

narrativa ela faz novamente uma pergunta: “HAVE YOU CHANGED YOUR

84

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=3

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LIFE? HOW?” 85

E pede para os jogadores descreverem como suas vidas foram

alteradas a partir dessa crise, utilizando todos os suportes disponíveis.

Semana 5: “RIPPLE EFFECT: Other Prices Rise”

Gracesmom nos conta na quinta semana do ARG como os preços

continuaram aumentar progressivamente e atingindo diversos itens. Ela narra

também como certos crimes têm acontecido devido à crise e ao aumento dos

preços.

A personagem questiona os jogadores sobre quanto a crise está custando a

eles a cada semana e o que deixaram de fazer devido a isso, e pede para que

relatem.

Semana 6: “IN DENIAL? We Tell Your Stories”

A narrativa dessa semana começa com “dessum9” falando sobre as

pessoas que estão se comportando de uma forma diferente frente a essa crise: são

aqueles que pouco modificaram suas ações, pensamentos e consumo frente ao que

tem acontecido. Dessum9 diz que os relatos dessas pessoas não têm chegado ao

site e ele pede para que elas se expressem, pois seu ponto de vista também precisa

ser conhecido. Ele acrescenta que esses tipos de histórias também são

interessantes de serem ouvidas.

Também são relatados problemas de falta de energia, problemas no

transporte aéreo e também as notícias que estão vindo de outras partes do mundo.

Novamente a semana termina com um questionamento: “HOW MUCH FUEL

CONSUPTION HAVE YOU *REALLY* CUT OUT OF YOUR LIFE?”, e um

pedido para os jogadores fazerem seus relatos.

Semana 7: “WARNING: „Pipeline Almost Dry‟” 86

A sétima semana do jogo fala sobre como será inevitável ocorrer falta de

85

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=4

86 http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=7

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petróleo na próxima semana. Também são apresentados os mundos possíveis

frente à crise, ou seja, como as pessoas têm reagido frente aos acontecimentos.

Dois elementos novos são incorporados nessa semana: o primeiro é o

anúncio de um novo tipo de história: “as missões”. Nelas são propostos desafios

frente aos jogadores. Esse anúncio não deixa muito claro como funciona esse tipo

de história - isso foi realizado em semanas posteriores.

Semanas 3-7 – histórias e uso dos suportes

Apresentamos agora um breve resumo da produção e uso dos suportes

nessas semanas.

Suporte n° %

Blog 74 79%

Imagem 7 7%

Audio 8 9%

Video 5 5%

Total 94 100%

Semana 3

Suporte n° %

Blog 50 81%

Imagem 4 6%

Audio 2 3%

Video 6 10%

Total 62 100%

Semana 4

Nas semanas três e quatro, a distribuição do uso de suportes entre os

jogadores seguiu basicamente o mesmo padrão dos dias anteriores. O blog

novamente concentrou cerca de 80% da produção. O restante foi distribuído entre

os outros suportes com uma considerável variação.

Outro apontamento interessante de ser observado é a considerável redução

na produção por parte dos jogadores. Por exemplo, da terceira para quarta semana,

a produção passou de 94 histórias para cerca de 62, um redução de 34% no

volume produzido.

Suporte n° %

Blog 47 73%

Imagem 7 11%

Audio 7 11%

Video 3 5%

Total 64 100%

Semana 5

Suporte n° %

Blog 42 81%

Imagem 3 6%

Audio 4 8%

Video 3 6%

Total 52 100%

Semana 6

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Suporte n° %

Blog 49 86%

Imagem 2 4%

Audio 4 7%

Video 2 4%

Total 57 100%

Semana 7

Como podemos observar nas tabelas acima, a utilização dos suportes

continuou seguindo um relativo padrão entre as semanas cinco e sete, e

novamente houve um pequeno declínio na quantidade de material produzido.

Durante essas semanas, a narrativa se concentrou na descrição dos

cenários e a algumas notícias e ações relacionadas à crise do petróleo. Durante

esse período, as narrativas escritas pelos personagens controlados pelos mestres

do jogo- incorporaram elementos das histórias dos jogadores no jogo, entretanto,

essa incorporação era direta. Os game designers citavam as histórias produzidas

pelos jogadores na narrativa de cada semana, entretanto eles não colocavam link

para essas narrativas. Por exemplo, na quarta semana eles relataram:

“Some bloggers are reporting noticeable jumps in the price of goods,

a result perhaps of the increasing cost to transport raw materials to factory

and especially of delivering finished goods to market. We're watching this

- more next week. “ 87

Esses blogs referenciados na passagem acima foram os utilizados pelos

jogadores para narrarem as histórias relacionadas à crise de petróleo.

Essa estrutura de incorporação indireta na narrativa vai continuar até a

sétima semana do jogo. A chamamos de indireta, pois, ao mesmo tempo em que

adiciona a participação dos jogadores na história, não há referências a quais

histórias foram utilizadas para estabelecer essa construção. Entretanto, a partir da

oitava semana do tempo ficcional do jogo, isso começa a mudar, e os mestres do

jogo começam a referenciar as histórias dos jogadores dentro da narrativa. A partir

de agora, vamos descrever melhor essas mudanças, utilizando algumas semanas

como exemplo.

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Semana 8: “NOW IT STARTS: Shortage Spread”

A narrativa dessa semana foi produzida pela personagem dessum9 e

começa com a descrição de que a crise de petróleo está se espalhando para outros

países, principalmente o Canadá, onde inclusive há boatos de terem ocorrido

algumas operações de tropas americanas na região da cidade de Alberta.

A narrativa também descreve alguns problemas de falta de luz devido à

falta de gás natural, assim como critica a inexistência de um plano nacional de

racionamento.

Entretanto, o elemento inovador dessa narrativa foi a referência direta aos

jogadores e sua produção. Um exemplo disso é quando dessum9 faz referência a

protestos feitos por trabalhadores do ramo da indústria de automóvel, assustados

com a possibilidade de perderem trabalho frente à crise, e diz que está preocupada

com a “youporkchop”, uma das jogadoras do ARG que na trama vivencia uma

funcionária da General Motors. Quando é feita essa referência a essa jogadora

também foi colocado o hiperlink para o blog dessa participante.88

Como podemos

ver na seguinte passagem:

E a partir desse comentário e invenção dessa situação (da reação dos

funcionários e seu protesto) feita pela personagem “dessum9”, a jogadora

“youporkchop” produziu uma história em que ela relata um conflito com um

funcionário da General Motors insatisfeito.

“ Disgruntle employee set our warehouse on fire today!

87

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=4

88 http://youporkchop.livejournal.com

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My Mom just woke me up a few minutes ago and turned on my TV.

There was live shot of a building engulfed in flames. I gasped when I saw

the caption at the bottom. "GM Supplier Warehouse On Fire". That was

our warehouse at work! I couldn't tell at first which part of the warehouse

was on fire but it appeared to be the recieving side of the warehouse which

is at the opposite end of the building from where Frank, Pam and I work.

The reporter said "a warehouse employee, who was having financial

problems and had difficulty in getting to work due to the oil shock, was

called into the office to speak with a supervisor about his performance.

The employee became enraged and left the building. He returned a few

minutes later with two large cans of gas. He proceded to dump the fuel out

of the cans onto the warehouse floor and walls of the supervisors office.

He covered himself in fuel then ignited himself on fire. The fire spread

quickly throughout the dock area. The sprinkler system helped keep the

fire in that area of the warehouse. One person is dead and several are

missing at this point..." I picked up the phone and called my boss on his

cell. He didn't answer it so I left him a message. Then I called Pam and

when I told her about it she started to cry. I called Frank and he didn't

know about it either.

Now I'm just waiting for Tom to call me back and tell me what's going

on. I'll update my journal as soon as I know more.” 89

Esse exemplo demonstra como a partir da oitava semana aumentaram as

trocas narrativas entre os mestres do jogo e os personagens, inclusive ocorrendo

situações como essa, onde as personagens controladas pelos designers criavam

situações narrativas para os jogadores e eles interagiam frente a isso.

Outros exemplos dessas interações ocorrem ainda nessa mesma narrativa,

como quando “dessum9” levanta a suspeita sobre quem estaria por trás dessa crise

de petróleo e agradece a um jogador (mtalon_wwo) por tê-la alertado sobre isso90

.

Como aponta a seguinte passagem:

89

http://youporkchop.livejournal.com/3331.html

90 http://mtalon-wwo.livejournal.com/?skip=10

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É interessante destacar que novamente o hyperlink é utilizado sobre o

nome do jogador, de forma a direcionar para o site no qual a história foi produzida

e a partir disso permitir maiores conexões entre os jogadores e buscar estimular

mais produções, já que estas poderiam receber destaques na página principal do

jogo e participar da narrativa oficial.

Já no final da narrativa, “dessum9” disse que existe um luz para essa crise,

pois as pessoas estão se comunicando entre si e formando comunidades, e é a

partir dessa narração que ela inclui a participação de outro jogador. Como

demonstra a seguinte imagem:

A personagem faz um pedido para que os jogadores compartilhem suas

comunidades e diz que ela mesma quer entrar na comunidade do “lead_tag”, mais

um dos jogadores do ARG, que teve sua colaboração associada à narrativa

principal da semana.91

Semana 8 - Uso dos suportes

Na oitava semana a produção dos jogadores continuou distribuída

praticamente da mesma forma entre os suportes, grande preferência pelo blog e

alta variação entre os suportes restantes.

91

http://lead-tag.livejournal.com/

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Suporte n° %

Blog 44 81%

Imagem 3 6%

Audio 5 9%

Video 2 4%

Total 54 100%

Semana 8

Também ocorreu uma mínima diminuição na produção em relação à

semana anterior, tendo sido produzidas 54 histórias em comparação com as 57

narrativas do dia anterior (ou semana dentro do tempo ficcional do jogo).

Semana 8 - Histórias Premiadas

Nessa semana, três histórias foram escolhidas: a narrativa chamada

“composting the past”92

, produzida pelo jogador nulinegvgv. A história baseada

em áudio foi produzida pelo jogador “FallingIntoSin”, e era formada por duas

partes, "Interview With CSX Railroad Executive: Part One" e "Interview With

CSX Railroad Executive: Part Two". Ambas foram escolhidas. Por último, foi

selecionada uma narrativa baseada em vídeo chamado “the shortage hits!”,

produzida por “kalwithoutoil”.

A primeira narrativa fala como produzir alimentos a partir da

compostagem de material orgânico, e como isso pode ajudar na crise de petróleo

vivenciada. A seguir apresentamos um pequeno trecho do “post” produzido por

nulinegvgv:

“There are many reasons to learn how to grow your own food. The recent peak

in global oil production will cause many problems for the gigantic agrobiz corporations

that currently farm a huge percentage of the food we eat and then ship it on average

92

http://web.archive.org/web/20070526134435/http://peakoilhasarrived.blogspot.com/2007/05/comp

osting-past.html

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124

1,500 miles from the fields where it’s grown to our grocery stores. If you’re interested

in the alternative of growing your own food right in your own backyard you will have to

be able to provide the necessary nutrients your plants need year after year. As natural

gas production continues to decline it will be difficult and expensive to do so if you’re

reliant on commercial fertilizer products. So how can you produce the nutrients

necessary to grow your crops? One way is to compost.” 93

A produção do jogador foi bastante intensa e ele produziu um longo relato

onde compartilhava seus conhecimentos sobre compostagem juntamente com

alguns links e imagens relacionadas a esse tipo de técnica.

A segunda produção foi um vídeo dividido em duas partes, "Interview

With CSX Railroad Executive” Part One 94

/ Part Two 95

, onde é apresentado o

áudio de uma entrevista com um executivo de uma empresa de transportes dos

EUA, em que questiona como estão os negócios da empresa frente à crise de

petróleo e o que acontecerá com os negócios. Essa produção tem duas

particularidades: a primeira, que, apesar de utilizar um site voltado para vídeos na

internet, é uma produção apenas em áudio, tanto que foi classificada e escolhida

como tal. A outra particularidade é que essa jogadora deixou bem claro que o

vídeo fazia parte de uma produção ficcional e talvez por isso não tenha atraído

nenhum comentário entre pessoas não participantes do jogo, ou seja, não facilitou

a quebra de barreiras entre a realidade e a ficção.

O vídeo selecionado, “the shortage hits!”96

, feito por kalwihoutoil,

descreve as situações em que ele e um amigo estão vivendo frente à crise do

petróleo, Novamente o jogador utiliza o recurso de uma câmera em movimento e

dramatiza o relato para criar verossimilhança com a situação do jogo. Como

podemos ver nas imagens abaixo:

93

http://web.archive.org/web/20070526134435/http://peakoilhasarrived.blogspot.com/2007/05/comp

osting-past.html 94

http://www.youtube.com/watch?v=sytLNtqKqKY&feature=player_embedded 95

http://www.youtube.com/watch?v=WIgrnsQk0AI&feature=related 96

http://www.youtube.com/watch?v=TmY9OMBdPLc

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125

As imagens retiradas do vídeo produzido por “kailwithoutoil” demonstram

como o jogador procurou retratar suas narrativa de forma a parecer que ele

realmente era um cidadão frente a uma crise do petróleo e que procurava informar

as outras pessoas sobre isso.

Semanas 9-16

No período compreendido entre as semanas nove e dezesseis são descritos

novos aprofundamentos da crise do petróleo e suas conseqüências. Outro

elemento presente marcante é uma maior incorporação da produção dos jogadores

na narrativa principal.

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126

Semana 9: “CHAOS: Outages Spark $1/Gal Jump” 97

Na semana nove são descritos como o preço do petróleo aumentou ainda

mais como conseqüência de ataques realizados por grupos armados a tanques de

petróleo. Na história narrada pela personagem Gala_Teah, esses atos ocorreram

principalmente em países árabes. Em meio todo a esse caos, a narrativa descreve

algumas ações feitas pelos jogadores como, por exemplo, documentar o que está

acontecendo, identificar os problemas e buscar respostas. Segundo Gala_Teah,

essas ações são pontos de luz frente a escuridão enfrentada.

Semana 10: “HUMBLED: U.S Prestige Hits New Low” 98

Já na semana dez o principal foco narrativo foi demonstrar como a crise de

petróleo se espalhava pelo mundo, como aponta a seguinte passagem:

“What's going on internationally? Well, the news is bad. Rebel forces are emboldened in Nigeria, and blew up more pipelines and took more foreign workers hostage. The Australian secessionist struggle continues. Brazil flexed its new ethanol muscles. Romania - don't even know WHAT is happening in Romania (it borders Ukraine, so, um, yeah). Chinese warships steamed into the Straits of Malacca. Iraq remains Iraq. The only good news comes from Canada, where nothing weird happened. That we know of.” 99

Semana 11: “JOBS IN PERIL: „I Can‟t Get to Work‟”

Após a apresentação feita na semana passada de como a crise havia se

espalhado pelo mundo, na 11° semana a narrativa tem seu foco em quantas

pessoas perderam ou tiveram seus trabalhos prejudicados devido à crise. Nessa

semana também a história do jogo expande o universo para uma crise

internacional e pede ajuda de relatos sobre como as coisas estão acontecendo em

outros países. Isso possivelmente foi, por parte dos produtores, a tentativa de

internacionalização dos jogadores. A seguinte passagem apresenta isso:

97

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=9 98

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=10 99

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=10

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“INTERNATIONAL - HELP! Lots more from isnochys on the situation in the Romanian oilfields. He seems to have some puzzles there worth solving: "fumegi"? Also this in from Zorbits in

Norway; sobering to read, since Norway is an oil-exporting country. And who here speaks French? Or knows someone who does? We have two reports in French here and here, and I'd appreciate it mightily if someone would give me just the gist. Related to their elections maybe?”

Semana 12: “TRUCK STOP: Diesel Runs Dry”

Nessa semana, a personagem “dessum9” narra como a falta de diesel

começou a parar os caminhões e conseqüentemente provocou uma crise nos

transportes, já que as mercadorias não são mais levadas de um lugar para o outro.

A narrativa continua com diversas incorporações das produções dos

jogadores e apresenta dois novos elementos. O primeiro é um maior destaque por

parte da personagem “dessum9” das histórias produzidas pelos jogadores que

utilizaram imagem e vídeo:

“PICTURES OF THE CRISIS I love pictures. And we're getting in some good ones. Empty autobahns in

Germany. Fuel prices in Poland. Petrol queues and the aftermath of looting in

Bristol. Rolling protests in San Francisco. And a scary-bad fire from OrganizedChaos. And videos too: this is a good catch by fallingintosin (where IS all that fuel coming from? Where is it going?). And this just in! More from anda_sf! Read her comics, you just have to, that's all. Get 'em in order: Weeks One, Three, Five, Seven, Nine, Eleven. Oh, and this. People starving to death down there, folks. Because they can't afford oil. Something to think about.”100

Esse maior destaque possivelmente tinha como foco aumentar as

produções baseadas em vídeo e imagem, já que as histórias que utilizavam esses

suportes continuavam em menor número.

A segunda novidade dessa semana é a maior atenção na criação de

desafios (missões) para os jogadores, agregando-as a recompensas. Isso significou

que as personagens continuaram pedindo para que os jogadores produzissem

relatos sobre as histórias vividas na crise, e os participantes que desenvolveram as

melhores histórias relacionadas aos objetivos das missões passaram a ganhar

“créditos de carbono” como recompensa. O seguinte trecho mostra o lançamento

desses desafios:

100

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=12

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“GET YOURSELF A _______ AWARD

The idea is: fight back. Yeah, sounds GOOD. And saint3million and inky_jewel are

giving honors to the Netizen Heroes that rise to the challenge: you do one, and

they will buy a one-ton carbon dioxide offset in your name. The full story is here.

And the first challenge is: name the Award!” 101

Nessa mensagem havia um link que levava os participantes até o blog

oficial do time do jogo, onde encontravam mais informações sobre essa nova

característica :

“Okay, so here's how it works. Every few weeks, I'll post a new challenge. The

best responses will each win an official one-ton WWO Carbon Offset Award. Actually,

Evie said that the name "Carbon Offset Award" was really boring and you could probably

think of a better one. So that's your first challenge. Post suggestions for a more

interesting name for these awards in the comments. The best one will win the very first

award!

The rest of team 8TSOC will be giving out some of the awards spontaneously for other

awesome stories, so stay tuned - you never know when you might win one. Just our way

of saying THANK YOU for putting your time and energy into helping document and

understand this crisis.” 102

A partir desse momento, essas missões também passaram a fazer parte da

estrutura do jogo e igualmente foram observadas nessa pesquisa.

Semana 13: “BLACKOUT: Oil Offline, Coal Faltering”

Na décima terceira semana, Gala_Teah fala sobre uma crise de energia

que atingiu toda população e como isso agravou uma onda de calor existente, já

que as pessoas não podem mais se refrescar devido à falta de energia.

Nessa narrativa, os produtores também deram destaque às produções dos

jogadores que utilizaram telefone ou e-mail como suporte no desenvolvimento das

suas histórias. Esse destaque possivelmente ocorreu pois, apesar desse tipo de

suporte ser incorporado ao site, não recebia o mesmo destaque de outros suportes,

101

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=12

102 http://community.livejournal.com/worldwithoutoil/13324.html

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129

já que não havia uma categoria específica para eles. Esse realce feito na narrativa

provavelmente foi uma forma de valorizar essa produção.

Outra questão interessante colocada na narrativa dessa semana foi um

tópico onde a personagem destacava o trabalho feito por jogadores que reuniam e

recontavam a narrativa que vinha acontecendo no World Without Oil, ou seja,

havia um grupo de jogadores que utilizavam seus blogs para centralizar as

histórias e dessa forma permitir que novos jogadores pudessem estar cientes do

que estava acontecendo.

Segue abaixo o post103

realizado pelo “Prudent RVer” onde ele

compila informações sobre as últimas ações do WWO:

103

http://prudentrver.typepad.com/3catsstalking/2007/05/what_no_diesel_.html

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Semana 14 – “$7 AGONY: Prices Continue to Rise”

Nessa semana o destaque da narrativa feita por Inky_Jewel foi o aumento

do galão de petróleo, atingindo o valor de sete dólares. Ela destaca que, além de

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131

intempéries naturais, como uma tempestade que ocorreu no Texas, esse avanço no

preço ocorreu principalmente pelo corte na opção de compra de combustível por

mecanismo de crédito. Agora só era possível adquirir através do pagamento em

dinheiro.

Semana 15 – “HARD CHOICES: Citizens Fight for Basics”

A narrativa desenvolvida por “dessum9” diz como os EUA possuem mais

petróleo do que qualquer outro país e que eles possivelmente poderiam ter uma

vida tranqüila frente à dependência de petróleo, mas isso não ocorreu pois se

tornaram totalmente dependentes do combustível. Mas, segundo o relato, os

cidadãos estão reagindo a isso e grande parte da narrativa restante procurava

demonstrar quais foram as ações que os cidadãos (jogadores) realizaram como

forma de solucionar esses problemas

Semana 16 – “SORRY: Outages of Goods, Food”

Ink_Jewel conta nessa semana como a crise afetou a produção e

distribuição de alimentos e produtos. Ela constrói a narrativa novamente com as

histórias desenvolvidas pelos jogadores na semana anterior – por exemplo, o jogo

desenvolvido por uma das participantes apresentado através de uma história em

quadrinhos104

. É interessante notar como a autora fez um trocadilho com um dos

motes de ARGs “This isn‟t a Game!”. Outra referência que ela fez, essa

especificamente para o ARG World Without Oil, foi ter criado um jogo para

resolver um problema. Segue abaixo uma parte dessa história em quadrinhos:

104

http://anda-sf.livejournal.com/2007/05/13/

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133

Semanas 9-16 – histórias e uso dos suportes

Suporte n° %

Blog 49 86%

Imagem 5 9%

Audio 1 2%

Video 2 4%

Total 57 100%

Semana 9

Suporte n° %

Blog 52 78%

Imagem 9 13%

Audio 3 4%

Video 3 4%

Total 67 100%

Semana 10

Suporte n° %

Blog 48 80%

Imagem 8 13%

Audio 3 5%

Video 1 2%

Total 60 100%

Semana 11

Suporte n° %

Blog 33 94%

Imagem 2 6%

Audio 0%

Video 0%

Total 35 100%

Semana 12

Como podemos observar nas tabelas acima, o uso dos suportes pelos

participantes continuou seguindo, relativamente, o padrão das semanas anteriores.

Ou seja, o uso de blogs para contarem suas histórias continuou com ampla

predominância e os outros suportes tendo apenas uma pequena parcela de

produção, sendo que nestes a imagem ocupava o maior destaque.

Novamente a produção de vídeo e áudio foi bem menor do que as outras.

Isso possivelmente impulsionou o destaque, feito pelos produtores na 12° semana,

de histórias relacionadas ao uso desses dois suportes. Entretanto, esse pedido não

surtiu o efeito desejado, provavelmente afetado pela drástica redução no número

de histórias.

Durante o período compreendido entre as semanas nove e onze, o volume

de produção de histórias continuou basicamente o mesmo, entretanto, na décima

segunda semana houve uma considerável redução. (41,75%).

Suporte n° %

Blog 33 89%

Imagem 2 5%

Audio 0%

Video 2 5%

Total 37 100%

Semana 13

Suporte n° %

Blog 15 79%

Imagem 2 11%

Audio 1 5%

Video 1 5%

Total 19 100%

Semana 14

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Suporte n° %

Blog 44 90%

Imagem 1 2%

Audio 3 6%

Video 1 2%

Total 49 100%

Semana 15

Suporte n° %

Blog 45 88%

Imagem 3 6%

Audio 2 4%

Video 1 2%

Total 51 100%

Semana 16

Nas semanas 13-16, o uso dos suportes continuou seguindo o mesmo

padrão anterior, mas o número de histórias totais voltou a aumentar. Todavia, esse

aumento jamais trouxe o volume de histórias para o patamar inicial das primeiras

semanas e ao longo do jogo ocorreu uma redução na produção de histórias. Os

prováveis motivos dessa redução serão analisados posteriormente.

Semana 17 –“FUEL RIOTS: Violence Erupts in 7 Cities”

A narrativa dessa semana relata que diversos protestos populares

irromperam em várias cidades quando a população soube que lobistas das

empresas de petróleo estiveram presentes em uma reunião feita a portas fechadas

que discutia a proposta de “National Mass Transit Iniative”, um projeto que tinha

como objetivo realizar um grande programa nacional de transporte público e que

começou a sofrer com interferências de lobistas. A personagem YuckMuck

também dizia que:

“105

É interessante observar que, no trecho em destaque acima, as histórias

referenciadas abrangeram praticamente quase todos os suportes utilizados no

jogo; apenas uma história, baseada em vídeo, não foi contemplada nessa seleção.

Semana 18 – “PEDAL PUSHING: Bicycle Riders Seek Support”

105

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=17

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“Dessum9” narra nessa semana como o país está dividido em áreas verdes

e áreas vermelhas. As áreas verdes são os lugares onde a polícia ainda consegue

chegar onde é chamada; já nas áreas vermelhas não há mais a presença policial do

estado. Ela ilustra essa narrativa com diversas histórias dos jogadores onde eles

falam como está a situação em suas cidades e se estão vivendo em zonas verdes

ou vermelhas.

Outra questão que recebeu destaque na narrativa dessa semana foram as

“missões”. E “dessum9” fez uma compilação das missões estabelecidas por

diversas personagens e pessoas (as partes sublinhas são links para histórias dos

jogadores):

“MISSIONS

Lots for you to do, people, if you're lucky enough to live on the Green side

of the line. Chuckles has requested something this site needs more of -

photographic evidence. I like this mission from Gracesmom A LOT. And

saint3milion's 26 Things Whatever Without Oil still has plenty of play left.

Anda_sf - she gots game. Peakprophet posed this excellent reconnaissance

mission. Bodi Lane wants to seephotos of cool bikes. And FallingIntoSin

has her Changing Lanes Challenges. And look, some SERIOUS political

action from eigenseide. mPathytest explains why we all need to do this.

Shoutin' out to some brave Missioneers: First, my fave, eek in Ocean

Beach,grazing the landscape in response to platonicpimp's Guerrilla

Gardening challenge. Willwithoutoil, so locally clean.

Miawithoutoil, buying music direct. Cycleboy,vacationing without

oil. Yeebee29 answered Illiana's Mom's Day mission. Shirauo took

up pippa brighton's bright solar idea. And really bigg props to

peakprophet, who conquered X, the toughest Whatever Letter. And more

besides, sorry, I can't keep up. See all of the mission challenges and

responses HERE.”

Semana 19 – “UNFRIENDLY SKIES: Airline Travel Reorganizes‟

O destaque da história desenvolvida por “IllianaSpeedster” com as

histórias dos jogadores é sobre como a crise do petróleo afetou o tráfego aéreo.

Somente poucas empresas continuam funcionando, e praticamente todas as firmas

pequenas quebraram. A personagem também narra como os jogadores estão

resistindo a essa crise e também fala sobre as “missões de carbono”, em que são

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136

oferecidos créditos de carbono para as melhores narrativas, como fica exposto na

seguinte passagem:

“CARBONEER MISSIONS

Still wishing you had a One-Ton Carbon Offset to make up for that SUV? Become a

Carboneer!

saint3million still has plenty of letters in his alphabet of Whatever Without Oil. Pick

a letter and show us what you're doing without oil!

tx_chuckles wants you to buy and prepare some local food. (Don't forget to take

along a worldwithoutoil.org sign!)

gracesmom wants you to find and document the fragile things in your community.

Stay Tuned - more Carboneer Missions are on the way.” 106

Semana 20 – “‟TRAPPED‟: Communities, Families Lack Options”

Na vigésima semana, Chuckles narra como as pessoas estão sofrendo com

a necessidade de comprar produtos - eles estão em falta e muito caros. Ele ilustra

essa narrativa com as histórias produzidas pelos jogadores relacionadas à temática

dos alimentos. É importante observar que Chuckles havia lançado uma missão

relacionada a esse tema, e essas histórias produzidas pelos jogadores são a

interação deles frente a essa missão. Chuckles termina a narrativa pedindo

novamente para que as pessoas observem a missão relacionada à comida e pensem

alternativas para a situação caótica que as pessoas estão enfrentando.

Semana 21 – “METRO AREAS: Who‟s Rising? Who‟s Sinking? Your

Stories”

Gala_Teah foca a narrativa dessa semana no transporte, falando como as

cidades que possuem transporte público desenvolvido - e ela cita como exemplo o

metrô - estão reagindo melhor em comparação às cidades que não possuem

transporte coletivo desenvolvido. Como são mais dependentes de formas

individuais de transporte, entraram em colapso mais facilmente.

Outro elemento interessante dessa semana é um trecho onde a personagem

106

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=19

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diz que sente falta de algumas pessoas:

“PEOPLE I MISS

Rumpletoe. Warnwood: your services are still desired (or are you using your Walk

Out pack?). Fabulareine: what about BrainTeasers #5 through #10? Finding

Ulysses. ARareJul: okay, we are sending out that search party. Burnunit. Sandyjo,

whose insight regarding the homeless I found valuable. Nitefoll, last seen driving a

pedicab. Lyoko is Cool. Clearest. GailTheActuary. Inky calls me Mother Hen, but I

can't help it, I want to keep everyone in sight at all times.” 107

Essa convocação pela personagem foi possivelmente uma tentativa de

trazer novamente os participantes para o jogo, já que o WWO vinha sofrendo com

uma redução do número de participantes.

Semana 22 – “REBUILDING: What Do We Do Now?”

Nessa semana Gracesmon começa a narração da reconstrução a partir da

crise do petróleo, ela desenvolve a narrativa a partir de exemplos de soluções

encontradas pelos jogadores. Como na seguinte passagem:

“MORE GOOD IDEAS

A lot of us have been wondering how we will keep the gadgets going if the power

goes out. Megiddo Tell has one idea. Gerben1974 notes this is already going on in

Ghana. I want to hear more about the green shelters mentioned by Spinney and

transportation initiatives like the ones kevikens wrote about. Has anyone found a

horse yet?” 108

Outro elemento que “Gracesmon” incorpora na narrativa são as boas-

vindas às produções dos novos jogadores, já que o ARG sofreu com o problema

de perder participantes ao longo do jogo. Ela faz isso nesse trecho:

“NEW VOICES

A blogger from Salem, MA talks about his city and the challenges it will face in the

future. Make sure you read both Part One and Part Two. David, I'm looking forward

to the next installment. If you'd pick a hero name for yourself, I'd be grateful.” 109

Onde destaca duas histórias, apresentamos primeira:

107

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=21 108

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=22 109

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=22

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Esse destaque possivelmente foi para incentivar os novos jogadores a

continuarem a produzir e participar do ARG.

Semana 23 “FOOD CRISIS: Crop Yields Way Down, Imports Dry Up”

Nessa semana, o foco da narrativa é desenvolvido na falta de alimentos e

como as pessoas estão resistindo a essa crise de comida. “Dessum9” também

mostra exemplos de iniciativas que procuraram desenvolver soluções maiores para

os problemas enfrentados e não somente soluções paliativas.

“We've seen communities that may be well on their way to taking care of

themselves. Ones with some very good, very practical ideas going. But who's going

to take care of others? We want to be addressing problems, not treating symptoms.

Let us know what you're thinking, and show us what you and your community are

doing, in your blogs, emails, videos and phone calls.” 110

Semana 24: “Plotting the New World Order” 111

Nessa semana YuckMuck apresenta um panorama internacional da crise,

descrevendo como está a situação nos principais países produtores de petróleo e

também no Canadá e Estados Unidos. No final da narrativa ela novamente

demonstra as histórias e ações de outros participantes.

110

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=23

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Semanas 17-23 – histórias e uso dos suportes

Suporte n° %

Blog 38 88%

Imagem 2 5%

Audio 1 2%

Video 2 5%

Total 43 100%

Semana 17

Suporte n° %

Blog 40 83%

Imagem 1 2%

Audio 6 13%

Video 1 2%

Total 48 100%

Semana 18

Suporte n° %

Blog 23 79%

Imagem 3 10%

Audio 0 0%

Video 3 10%

Total 29 100%

Semana 19

Suporte n° %

Blog 20 91%

Imagem 1 5%

Audio 0 0%

Video 1 5%

Total 22 100%

Semana 20

A análise da produção e uso dos suportes das semanas 17-20 mostra uma

considerável redução da produção dos jogadores – as histórias tiveram uma queda

de praticamente 50%. Entretanto, esse impacto não alterou a distribuição do uso

dos suportes pelos jogadores, tendo o blog continuado com a maior preferência

dos participantes.

Suporte n° %

Blog 25 78%

Imagem 3 9%

Audio 1 3%

Video 3 9%

Total 32 100%

Semana 21

Suporte n° %

Blog 26 87%

Imagem 2 7%

Audio 0 0%

Video 2 7%

Total 30 100%

Semana 22

Suporte n° %

Blog 34 87%

Imagem 1 3%

Audio 2 5%

Video 2 5%

Total 39 100%

Semana 23

Suporte n° %

Blog 31 94%

Imagem 2 6%

Audio 0 0%

Video 0 0%

Total 33 100%

Semana 24

Durante as semanas 21-24 continou praticamente da mesma forma a

distribuição das histórias entre os suportes. O número de histórias aumentou um

111

http://worldwithoutoil.org/default.aspx?week=24

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141

pouco em relação às semanas anteriores, possivelmente um reflexo da entrada de

novos participantes e o destaque que os designers deram a essas novas produções.

Entretanto, mesmo com esse aumento, não se retornou a quantidade de histórias

produzidas anteriormente. É provável que essa diminuição seja decorrente do

ritmo intenso do jogo, que exigia uma participação constante dos jogadores. Essa

dedicação e participação pode ter sido desgastada ao longo do tempo, já que o

jogo, nesse momento, estava em um estágio avançado de desenvolvimento, ou

seja, já havia transcorrido vinte e quatro dias desde o início do ARG.

Semana 25: “DREAM‟S END: Residents Flee Suburban Lifestyle”

O relato feito por Ink_Jewel sobre o subúrbio relata como a vida nesses

lugares foi afetada por essa crise energética. Ela começa também a falar sobre

possíveis soluções para isso e apresenta um problema sobre eficiência energética

colocado no blog coletivo do jogo. 112

Esse problema atraiu uma grande

participação dos jogadores.

A personagem também pede para que os participantes produzam mais

histórias a partir de imagens e vídeos, como aponta o seguinte trecho:

“PICTURES

We need more pictures. Pictures say a lot and MsGeek set up a place for us all to

put them. And videos too. I am trying to get more of my pictures together to put

them there.

So as Des says SPEAK UP, and tell us about what's goin' on in your blogs, emails,

videos and phone calls.

Semana 26: “ACTIVISM: „Build Community‟ Next Week! (Week 27)”

IlianaSpeedster foca a história dessa semana no tema da construção de

comunidades. Segundo ela, a crise do petróleo realmente é um forte

acontecimento que afetou tudo, mas só ocorreu porque a população há muito

tempo perdeu o controle sobre suas decisões. A personagem também relata que

após os sintomas mais fortes da crise e da “abstinência do petróleo”, a população

tem reagido e isso deve ser canalizado no desenvolvimento de comunidades mais

112

http://community.livejournal.com/worldwithoutoil/18340.html

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142

fortes, trazendo novamente o poder de decisão para a comunidade. Essa busca fica

reforçada quando IlianaSpeedster lança uma missão aos jogadores:

“AN IMPORTANT MISSION

Speaking of communities, we have a new mission for everyone. We challenge you

to get out this week and show us your community. We want pictures. We want

videos. We want to actually see what your communities are really like. We want

you to show us how important your community is and how it has helped you

survive the oil crisis so far.

That's step one of your mission. Step two is the important part. We want you to

speak up and tell your local, state or national government about your community

and its needs. We need to make the government understand how important

communities are when a crisis happens. Maybe then they'll help us build even

stronger communities and prevent future crises.” 113

Esse pedido feita pela personagem objetivava estabelecer uma comunidade

entre os participantes. Para isso inclusive foi desenvolvida uma estrutura pelos

designers que permitia que o jogador quando produzisse uma história, marcasse a

região a qual aquela narrativa estava ligada. A seguinte imagem114

apresenta essa

estrutura de adicionar histórias:

113

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=26 114

http://www.worldwithoutoil.org/addstory.aspx

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143

Semana 27: “RALLYCRY: Communities Agitate for Government Support”

Nessa semana seguinte do jogo a personagem dessum9 reitera a

importância do desenvolvimento de comunidades e de que as pessoas que estão

vivenciando essa crise devem procurar agir dessa maneira.

Ela também fala sobre como novas pessoas podem se juntar a essas ações,

e apresenta as produções de jogadores que facilitam aos novos participantes se

interarem do que está acontecendo ao longo dessas semanas. A narrativa também

fala sobre os podcasts que são produzidos sobre a crise e a importância de

conhecê-los para ouvir alguns relatos das experiências vividas.

“JUST JOINING US?

To catch up quick, just listen to the podcasts. To catch up even quicker, watch

thekalwithoutoil videos (and maybe supplement with great videos

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144

from Chuckles,Illiana and Gala_Teah). Or the quickest yet: read the EXCELLENT

web comic seriesby Anda.”

Por fim, dessum9 dá novamente um exemplo de soluções para problemas

da comunidade, como um “banco de habilidades da comunidade”115

, desenvolvido

por um participante:

“GATHERING COMMUNITY

The ideas I treasure are the information-gathering ones, like mapping the food

resources in your neighborhood or starting a community skills bank as blueski has

done. We humans are good at info-gathering, given a push in that direction.” 116

Semana 28: “HEATING: Citizens Apprehensive As Winter Approaches” 117

O relato produzido na 28° semana do tem como foco a preparação de

cidadãos para agüentar o inverno sem aquecimento e discute idéias que surgiram

para isso. Uma delas é apresentada na semana seguinte do jogo.

Semana 29: “LOCALIZATION: Neighborhoods Plan for Spring”

O relato dessa semana começa com o debate sobre a idéia de se plantar

pequenos jardins/hortas junto às casas ou de forma coletiva. Nessa narrativa é

dito que muitas cidades alteraram seus hábitos e passaram a cuidar de jardins

como explícito na seguinte história produzida pela jogadora “Shannon”118

:

115

http://rdy2rte.livejournal.com/6548.html 116

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=27 117

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=28 118

http://cloverwithoutoil.wordpress.com/2007/05/27/whats-good-for-the-garden/

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145

No final da semana, a personagem Pachinko faz uma série de

questionamentos a respeito desse tema aos participantes, esperando novos relatos

a parte dessas reflexões.

Semana 30: “CONSEQUENCES: Who Paid For Our Oil Addiction?”

Na trigésima semana de jogo, o personagem “Chuckles” começa a reflexão

sobre o período que viveram principalmente sobre as pessoas que foram

prejudicadas com essa crise, refletindo sobre como elas não souberam resolver

seus problemas coletivamente e acabaram perecendo nessa crise de petróleo.

Chuckles também diz que o trabalho que eles fizeram ao produzirem histórias e

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146

situações foi importante, e que é necessário continuar trabalhando para “que nada

como isso aconteça novamente” 119

. Ele também cita uma série de ações

realizadas pelos participantes, como por exemplo, “dicas de jardinagem” 120

e

outras ações dos jogadores, como fica exposto na seguinte passagem:

“Megiddo Tell is doing his part in that community building we've been encouraging,

which is great. David Moisan has some thought-provoking points to make about

people with injuries and disabilities in a crisis situation. Tlachtga reminds us to give

thanks, but also not to let the dreariness of the process of survival overwhelm us.

AJaX has a great video of three teen guys talking about how they're doing more

bike riding to help reduce the burden on their folks. Anda has yet another awesome

comic about the crisis, this time how folks are returning to the "real world."

FallingIntoSin has a really nice welcome home video for our returning troops. And

last but not least, Mia Without Oil and Lucy1965 managed to meet up for a spot of

tea and fellowship.

Essa narrativa produzida por “Chuckles” retrata o momento em que o

viajante começa o início do seu retorno para casa, após suas aventuras no mundo

narrativo (GERRIG, 1993).

Semana 31: “TRANSIT: Struggling to Make it Work in America”

Na penúltima semana do jogo, Pachinko continua o processo de reflexão

iniciado por “Chuckles” na semana anterior. Ela inicialmente fala de como a crise

ressaltou a importância de se estabelecer bons sistemas de transporte de massa e

não mais negligenciar os meios de locomoção que utilizam trilhos.

Após essa reflexão, ela diz suas palavras finais sobre essa experiência, e

fala sobre a importância de relatar e compartilhar histórias e de como é válida essa

troca de experiência, nas palavras de Pachincko:

“FAMOUS LAST WORDS

While I felt a sort of pang as I read it, I also experienced little surprise

overdessum9's revelation today on the WWO blog. I had a feeling that it might

come to this, that we might be forced to show our hand. Which is why the time for

your stories is needed more than ever. I wrote a little earlier this evening

about legacy, and about my need for some sort of record of my days. Even good ol'

Chuckles has shown himself to be a big ol' softie as he finds himself looking

towards the future with someone new at his side. Even if you're just a kid, or if

you've struck out on your own in this big world, it's pretty difficult to deny the

importance of the storyteller in all of us. The importance of passing along our

119

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=30

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147

collected knowledge and wisdom.” 121

Como essa seria a última oportunidade para pedir que os jogadores

produzissem histórias e, com isso, incorporá-las na ultima narrativa, Pachincko

faz uma convocação:

“MISSION SO POSSIBLE, MAN

Woo me, WWOsters. Gimme a call sometime, send an e-mail, light a signal

fire, start the drums a-beating. I need to hear where you are, right now. More than

you can ever know. Dial the number, give us a quick update on how you're doing

now. Send us a video from this side of the crisis.

How have you changed?

Shout-outs are necessary for: the thinkers, the teachers, the journalists.”

Após essa última convocação, tem início a última semana do ARG.

Semanas 25-31 – histórias e uso dos suportes.

Suporte n° %

Blog 20 80%

Imagem 1 4%

Audio 0 0%

Video 4 16%

Total 25 100%

Semana 25

Suporte n° %

Blog 19 86%

Imagem 0 0%

Audio 2 9%

Video 1 5%

Total 22 100%

Semana 26

Suporte n° %

Blog 20 87%

Imagem 3 13%

Audio 0 0%

Video 0 0%

Total 23 100%

Semana 27

Suporte n° %

Blog 15 68%

Imagem 2 9%

Audio 1 5%

Video 4 18%

Total 22 100%

Semana 28

No período compreendido entre essas semanas, novamente ocorreu uma

redução de produção por parte dos jogadores e uma relativa estabilidade na

escolha dos suportes pelos jogadores para expressarem suas histórias. A alteração

um pouco mais significativa foi um aumento no número de histórias relacionadas

120

http://rdy2rte.livejournal.com/7241.html 121

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=31

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148

a imagem e vídeo - possívelmente um reflexo do pedido dos designers para

produzirem mais material ligado a esses elementos.

Suporte n° %

Blog 19 79%

Imagem 2 8%

Audio 0 0%

Video 3 13%

Total 24 100%

Semana 29

Suporte n° %

Blog 17 81%

Imagem 1 5%

Audio 1 5%

Video 2 10%

Total 21 100%

Semana 30

Suporte n° %

Blog 17 74%

Imagem 2 9%

Audio 4 17%

Video 0 0%

Total 23 100%

Semana 31

A produção de histórias e distribuição pelos suportes continou seguindo o

mesmo padrão anterior, como podemos observar nas tabelas acima. Na última

semana é que esses números terão consideráveis alterações.

Semana 32: “LAST DAYS: Did We Make a Difference?”

Na última semana do ARG, Gala_Teah conta que tudo está aos poucos

voltando ao normal. Os preços estão novamente baixos e a situação relativamente

calma. Entretanto, ela sabe que outras crises virão no futuro se continuarmos no

mesmo caminho e que por isso devemos trabalhar para alterar esse rumo.

A personagem coloca uma passagem de texto onde compila uma série de

links voltados aos novos possíveis participantes, para que conheçam melhor o

jogo.

“WELCOME, NEW VISITOR

Just joining us? To catch up quick, listen to the podcasts. Or watch the kalwithoutoil

videos (and maybe supplement with videos

from Chuckles, Illiana, Gracesmom andme). Or even quicker: read the EXCELLENT

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web comic series by Anda. Best yet,get the A to Z from mPathytest. I'll try to get

Rainey Wilson to create a one-podcast summary - check back here for that. “

Gala_Teah continua a narrativa a partir da incorporação das histórias

enviadas pelos jogadores. Ela adiciona diversos exemplos sobre iniciativas e

idéias desenvolvidas por eles. Onde ela desenvolve o seguinte texto, totalmente

formado a partir das histórias desenvolvidas pelos jogadores, como demonstra

essa passagem:

“People have their creative, rebellious acts. Like cycleboy helping to shape

anindependent Michigan community. And Warnwood doing the same in LA. And

Flashmouth's dedication to bicycling in the face of a not-exactly-sympathetic

community. And just by speaking the truth about limits to growth, like

PrudentRVer, and thinking through ways to live on your own terms if our ship just

stays on the course it's on, as seen by our ever-perceptive PeakProphet.

jwiv has a checklist of practical suggestions, and he's clear that a single person can

make a difference. Such as Orangeforahead's plan to shape better (as in more

efficient) driving habits early. Megiddo Tell sees the individual efforts all adding up -

to force the oil shock as an agenda item in the upcoming Presidential debates,

maybe?

MonkeyWithoutOil makes responding to the food challenge simple and sensical.

Like Blueski, MiaWithoutOil wants to subvert the dominant paradigm - force

government to force consumer change, since we can't seem to say "no" on our

own.” 122

No final da histórias, Gala_Teah faz reflexões sobre o futuro, pensando e

levantando dúvidas se os responsáveis pelo petróleo irão buscar novas fontes de

energia. Ela também agradece aos jogadores pelas histórias compartilhadas:

“But thanks to you, and all who have told their stories through these 32 weeks, we

also have some answers. Community. Localization. Family. Information.

Conservation. Clear and unflinching vision of the problem ahead. And above all,

Change.” 123 “

Por fim, Gala_Teah narra que um outro membro dos “8 To Save Our

Country” vai continuar tentando manter a página no ar, e que as pessoas podem

continuar narrando e adicionando suas histórias ao site, contando como

122

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=32

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150

sobreviverem ao choque de petróleo e com isso criando um arquivo coletivo de

histórias e sabedorias. E clamando: “"Let's SOC. Let's SOW." 124

Semana 32 – histórias e uso dos suportes

Suporte n° %

Blog 71 69%

Imagem 24 23%

Audio 5 5%

Video 3 3%

Total 103 100%

Semana 32

Na última semana de jogo, a produção dos jogadores foi muito maior do

que as realizadas nas semanas anteriores. Essa produção se aproximou inclusive

do número registrado na primeira semana do jogo. O uso dos suportes por parte

dos usuários também foi relativamente diferenciado, tendo o blog recebido seu

menor índice entre todas as semanas, e a imagem, seu maior índice. O fato da

produção de histórias ter quase voltado ao índice da primeira semana nos leva a

pensar que uma boa parte dos jogadores que haviam abandonado o jogo

“retornou” para participar do seu final. Possivelmente o ritmo intenso da narrativa

do jogo (tempo diegético) e a necessidade de que o tempo real dos jogadores

acompanhasse esse ritmo (para poder acompanhar o pedido de produção dos

designers) afastou uma boa parte dos participantes. Entretanto, esses mesmos

jogadores quiseram pontuar sua produção e participação na última semana,

aumentando, dessa forma, o número de histórias produzidas.

As histórias baseadas em imagens, porém, foram produzidas, em geral, a

partir de imagens selecionadas da internet. Houve pouca “produção” de imagens

pelos participantes, e sim, uma maior “resignificação” de imagens existentes na

internet que foram associadas ao jogo. Isso pode ter acontecido devido ao pouco

123

http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=32 124

“SOC” é a sigla para “Save Our Country” / “SOW” é a sigla de “Save Our World”

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tempo disponível para o jogo de participantes que haviam abandonado e

retornaram.

6.1. Semana 32: Histórias premiadas

Na última semana do ARG, diversas histórias foram premiadas.

Possivelmente esse aumento foi reflexo do final do jogo e também do grande

volume de histórias criadas, pois a última semana teve um volume de produção

comparável à da primeira semana do ARG.

Dentre as histórias selecionadas, foram escolhidas seis histórias baseadas

em blogs, uma história que utilizou imagem como suporte e a última história

escolhida utilizou o áudio para construir sua narrativa.

A primeira narrativa, denominada “Vote Daily” 125

e escrita em um blog

pelo participante “rdy2rte”, inicialmente é o jogador falando sobre a experiência

que viveu nas últimas semanas:

“First off, I'd like to say what an amazing experience this has been to spend these weeks

with all of you. It has been a wild and crazy ride at times, but throughout it all you've been

there with news from the home-front and good ideas to share. As for "the team"- wow- it

must have been akin to herding cats- but somehow you've kept us all on track and

organized, sending in our dispatches, encouraged by your daily messages. I will miss this

for sure.” 126

Após isso, ele apresenta suas idéias sobre como o processo de votar está

relacionado à escolhas, e, a partir dessa definição, defende a idéia de que cada

escolha diária é processo de votar. E essas escolhas podem ajudar ao meio

ambiente, como ele mesmo cita nos exemplos:

“Taking the bus when I can- a vote for mass transit. Walking? Biking? A vote for less car

dependence.

Buying as little new as possible- making most of my purchases at thrift stores? A vote for

sustainability and recycling and a vote against rampant consumerism. Shopping at local

stores and not Wal-Mart? Another vote. If I shopped at Wal-Mart- well a vote in the other

direction.” 127

125

http://rdy2rte.livejournal.com/8095.html 126

http://rdy2rte.livejournal.com/8095.html 127

http://rdy2rte.livejournal.com/8095.html

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152

Um outro ponto interessante nessa história, e que demonstra o potencial

dos ARGs para construírem conhecimentos, é um comentário feito muitos meses

após o fim do jogo de um professor de ciências que agradece o conteúdo do blog

do jogador:

“Comment by Anonymous

From: (Ano

nymous)

Date: August 29th, 2007 03:39

pm (UTC)

(

Link)

thanks!

As an environmental science teacher, your website has given me a new forum to reach my

kids. Thank you for the time and effort you've put into this!

Esse comentário, além de demonstrar o potencial dos ARGs de criarem

conhecimentos que vão além da situação vivida no jogo, também aponta

novamente como as fronteiras entre realidade e ficção são rompidas. E, devido a

esse rompimento, o conteúdo produzido em um blog voltado para o jogo serve

meses depois para que um professor utilize-o no desenvolvimento de atividades

junto aos seus alunos.

Uma segunda história baseada em blog premiada foi a narrativa “The

Future”, escrita pela participante “miawithoultoil”. Ela desenvolve um texto

ficcional relatando como seria o mundo em 2019. Agora, iremos apresentar alguns

trechos da narrativa:

“July, 2019

Mia wiped her brow in the early summer heat, leaving a streak of

brown earth across her face from the land beneath her feet. She

dusted off her skirt and put the last of the vegetables into the wicker

basket and headed out of the allotments. It was midsummer and

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many of the little vegetable gardens were alive with produce.

(…)

Mia looked out of the window with Alex's arm around her, thinking

about the events since the first oil spike. She thought about the Iran

war and the bombing of Jerusalem. About Alex's stories of the corn

famine in Alberta, when the biofuel crisis kickstarted the third oil

crash and the breakup of the USA. She thought about the clashes

between Cascadia and the remaining states, about the billions

starving across the world. She thought about her mother and Greg

and nursing them during the flu crisis, and their deaths. About the

flooding of Bangladesh and the electricity riots of 2013.

(…)

"You know," she said. "I think we're ready." "Really?" Alex didn't look convinced. "Yeah," she said. "We've lived in a world without oil for 12 years, with all this doom and destruction but we've survived. Our life isn't rich compared to what my parents had, or yours. But it's rich enough. This world's not perfect, but it's ours. I think we're ready to bring a new life into it."”128

Como podemos ver nas passagens acima, o jogador construiu um relato

em que descreve um cenário futuro em um mundo que sofreu diversas crises de

petróleo. A inspiração para essa construção veio da própria narrativa do ARG - o

blog desse participante possui diversos textos em formato de ficção onde são

descritas diversas histórias inspiradas nas semanas do jogo. Outro elemento

interessante dessa história, é que o jogador utilizou e criou personagens para

ambientar seu mundo ficcional. Isso é um elemento interessante, pois

diferentemente do RPG, o ARG não exige que os participantes criem personagens.

128

http://darrkenium.blogspot.com/2007/05/future.html

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154

Entretanto, como podemos ver nesse relato alguns jogadores acabam realizando

isso.

Na parte final da narrativa, o jogador comenta sobre sua própria produção

e agradece aos participantes e produtores pela experiência vivida.

[author's note: week 32 (or 632, if you like) I've been planning this for a while - a look into the future without oil (does that count as the letter 'f'?). I want to end it with a cautiously hopeful note. There is a world out there without oil where people can live their lives. It won't be as material rich as ours and it may take a lot of struggle to get there. But ultimately, we will get there, because we must. I just want to say how much I've enjoyed the experience of wwo and a big round of applause for all the guys running the site and everyone contributing. Together we created a world. That's a hell of an achievement - and I hope that it leaves our real world a little more informed and aware than it was before. I hope so.]

Outra questão que aparece nessa passagem é a fala do jogador ao dizer que

eles juntos criaram um mundo. Isso vai de encontro aos apontamentos de David

Lewis129

e seu conceito de mundo relativo coletivo. O autor diz que, mesmo que

os indíviduos se relacionem e construam os seus mundos possíveis, eles também

constroem um mundo possível coletivo a partir do compartilhamento de suas

experiências e impressões. Dessa forma, como aponta a passagem do jogador

acima, cada história representava uma parte do mundo possível e, conforme os

jogadores compartilhavam essas experiências, eles construiam o mundo possível

coletivo ligado ao WWO.

Outro relato que utilizou blog como suporte e foi premiado foi a história

“The End (semi-OOG)”, feita por “FallingIntoSin”. O primeiro elemento

interessante dessa história é o próprio “semi-OGG” do título, que significa “semi-

Out of Game”. Ou seja, no próprio título a participante deixa claro que sua

história irá romper a barreira da crença do jogo e com isso falará sobre ele (o

jogo) de forma explícita.

129

LEWIS, D. apud RYAN, 2004

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A primeira parte da narrativa de FallingIntoSin fala sobre como foi a

experiência dela ao longo das trinta e duas semanas de jogo:

“This has been one of the most amazing experiences in my life. I want to write a proper

goodbye, but it's going to have to wait until I gather my thoughts together. I can't

believe it's been 32 weeks and that it's the last day. I've made so many wonderful

friendships, learned so many things. It's my hope that this site still stays up because

there are so many blogs, videos, emails, voicemails that I never got the chance to listen

to” 130

Após esses comentários sobre como foi a experiência do jogo, a jogadora

começa a comentar os elementos constituintes de um ARG. Ao fazer isso ela entra

numa discussão fora do jogo e deixa claro por que colocou o “semi-OOG” no

título da história. Essas reflexões sobre o ARG WWO ficam explícitas na seguinte

passagem:

“When this started, I was excited, but I kept waiting for the puzzles, the anagrams, the

hex codes, you know all the standard "Arg" components...yet as days, weeks passed I

realized this ARG was so much more than a puzzle ever could be. I had high hopes for

this event, but I never dreamed it would be come the amazing tool for change that it is.

Time passed so quickly and I find myself wishing it was longer so that I could learn more

and more about people and the changes they are making in their lives. “ 131

É oportuno observar que, ao dizer isso, essa participante deixou claro que

era uma jogadora experiente de ARGs e que conhecia os elementos que

tradicionalmente o constituem. E mesmo assim, ela gostou dos novos elementos

introduzidos no jogo. Essa opinião não será unanime entre todos os jogadores

mais experientes de ARG, como veremos posteriormente.

A participante continua agradecendo aos produtores e comentando sobre

os aspectos inovadores do design do World Without Oil, como aparece na

seguinte passagem:

“I hope that this game met every expectation that the 10 to Save our Country had for it.

You should be proud at what you have accomplished. I can't imagine what a high you

guys must be on knowing that you created a the first ARG think tank that has had a

significant impact on the changing the world. I think this game has ushered in a new

130

http://fallingintosin.livejournal.com/12325.html 131

http://fallingintosin.livejournal.com/12325.html

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wave of building community and educating the masses in a digital world. The founders of

this ARG made history and we, the players thank you for it. “ 132

A construção ficcional se desintegra completamente nesse texto quando

uma das produtoras do jogo faz um comentário a respeito das opiniões da

jogadora sobre as características do ARG:

From: mpathytest

Date: Jun. 4th, 2007 04:07 pm (UTC)

Link

Thank you for this reflection on the game. It's the kind of message that will help lots more

alternate reality designers get more and more people interesting in saving the world through play.

You rock. And you make reality better.

Jane McG

aka mpathytest/Saint3milion”

Nesse comentário feito por “mpathytest” são rompidas várias barreiras que

constroem a crença do jogo. A primeira é que a identidade da personagem

“mpathytest” é revelada, ou seja, Jane McGonigal deixa claro que foi ela que

interpretou essa personagem, quebrando essa construção ficcional. O segundo

elemento de rompimento ocorre quando a designer também agradece sobre os

comentários feitos a respeito do design do jogo. Ao fazer isso, ela deixa explícita a

estrutura do ARG e ajuda a desmontar a crença máxima desse tipo de jogo, que é

o “TINAG – This is not a game!”. É muito provável que isso só foi feito porque o

jogo havia terminado, e, mesmo assim, o comentário só ocorreu dias após esse

término.

132

http://fallingintosin.livejournal.com/12325.html

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157

7 Análise do ARG a partir do cruzamento de elementos teóricos.

7.1. O convite para a imersão em um novo mundo

Nessa parte do trabalho, faremos uma análise do desenvolvimento do ARG

a partir dos conceitos teóricos estabelecidos no capítulo 2.

Inicialmente observaremos a partir das teorias de Richard Gerrig como foi

desenvolvido convite para o mundo ficcional do jogo.

Os primeiros viajantes a serem convidados para adentrarem o mundo do

World Without Oil foram os jogadores participantes do fórum Unfiction durante o

pré-jogo do ARG, a partir de uma mensagem que funcionou como “Trailhead” e

foi deixado no blog Destructoid.

O Transporte do Viajante – “ I. Alguém ( "O Viajante") é transportado”

Na primeira semana do jogo, a personagem Gala_Teah, faz, segundo a

poética da imersão de Richard Gerrig, o convite para a grande massa de jogadores

adentrarem o mundo construído no World Without Oil.

Nesse primeiro momento da narrativa oficial, onde ela apresenta o cenário

e a situação de jogo, funciona como o transporte do viajante, ou seja, o primeiro

passo da imersão. É importante lembrar que segundo Gerrig, a forma e o conteúdo

desse mundo moldam o papel do viajante nessa ambientação. Dessa forma,

quando o design do jogo estabeleceu que a narrativa começa através de uma

mensagem de uma personagem no site oficial do jogo, os designers estão

estabelecendo esse site como o suporte básico desse cenário, ou seja, é o ponto de

chegada dos novos viajantes a esse novo mundo.

Quando a personagem convoca os jogadores para pensarem histórias e

soluções para um mundo em crise de petróleo, ela também está mostrando aos

viajantes que eles possuem o papel de construir coletivamente essa ambientação

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158

II. “por algum meio de transporte”

Ao permitirem e incorporarem no jogo o uso de diversos suportes os game

designers deram múltiplos meios de transporte para os viajantes. Dessa forma,

cada jogador pode utilizar o meio de transporte que mais lhe agradasse para ir

para o mundo ficcional do jogo.

É interessante observar que a escolha desse suporte, acabou resultando em

uma maior produção dos jogadores relacionadas a esse suporte. Um exemplo

dessa escolha é a usuária “Anda” que viajou para o mundo usando a imagem

como suporte e produziu uma longa série de quadrinhos relacionadas a história do

jogo.

III. “em consequência de executar determinadas ações”

Richard Gerrig diz que o transporte do viajante não ocorre de maneira

passiva. É necessário que a pessoa que irá viajar se engaje e participe daquilo.

Pois ao viajar ele não irá encontrar o mundo completamente feito e pronto para ele

se aventurar, ele deverá construir aquele mundo junto, conforme for agindo aquele

terreno desconhecido vai tomando forma. O viajante vai construir seu “modelo de

realidade” conforme sua participação, conforme sua dedicação frente ao desafio

exposto.

Dentro desses conceitos, o design do World Without Oil estabeleceu

estruturas interessantes para essa construção do mundo e perfomance dos

viajantes.

Ao convocar a produção dos jogadores e pedir que façam seus relatos

sobre a crise do petróleo, os designers abriram espaço para uma comunicação

direta e baseada nos princípios da bidirecionalidade-permutabilidade defendida

por Marco Silva.

Pois a partir disso, os jogadores passaram a participar ativamente do

processo comunicacional do jogo, em uma constante troca de informações junto

aos game designers.

A abertura do jogo, não fica restrita somente aos aspectos

comunicacionais, a partir dessa interação, também ocorre a abertura para a co-

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159

criação coletiva da história. Essa criação vai ocorrer a partir da perfomance

apontada por Guerrig, e vai de encontro ao que o Marco Silva chamou de

participação-intervenção. Um exemplo dessa estrutura que estimula a troca de

informações e de produção ocorre logo na primeira semana, quando Gala_Teah

pergunta para os participantes:“WHAT WILL $4/GAL GAS DO TO YOUR

FIANCES?”. E os jogadores produzem diversas histórias relacionadas a essa

pergunta. Os jogadores foram inclusive além disso, e criaram relatos e “partes” do

mundo ficcional que não estavam ligados aos pedidos iniciais dos game designers.

Um exemplo disso, é a seguinte narrativa feita pelo jogador “aledric”:

“Here in Australia, we are in big trouble. The bigger countries have enough

leverage to ensure that they get what they need. Australia has always been

second in line. The US has months of oil in storage in their Strategic Reserve, but

here in Australia we do not have a Strategic Reserve.

So, people in the US, if you want to see 3 months into the future, just watch

what is happening here in Australia.

If oil supplies get cut off, we have two weeks of oil stored in petrol stations

and refineries, after that, we are out.

So what does that mean? Well, for a start: No oil = no food, no electricity,

no water, no medicines.... you get the picture.

Being an analyst, I would say that threats range from losing a bit of weight

but getting by, right through to “Mad Max”. Our world is about to change. “ 133

Como fica explícito na passagem acima, o jogador foi muito além do

pedido feita pela personagem do jogo (controlada pela game designer) e expandiu

o mundo ficcional, ele incluiu a Austrália nesse cenário e narrou como ela

começou a ser afetada pela crise do petróleo. O jogador se antecipou e inovou

frente a pergunta levantada, ele não somente se limitou a respondê-la. Esses

elementos também vão de encontro ao que Marco Silva (2007) chamou

participação-intervenção, pois os participantes possuíam liberdade para

interferirem deliberadamente na mensagem enviada pelos personagens

controlados pelos game designers.

Um aspecto interessante dos ARG em relação a teoria de Gerrig, é que a

perfomance e a construção do mundo por parte do viajante é ao mesmo tempo

133

http://aeldric.spaces.live.com/blog/cns!A859FF3D2F2384E4!111.entry

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160

individual e coletiva, ou seja, o mundo formado terá elementos estabelecido pelo

jogador (viajante), entretanto ele será formado a partir de diversos fragmentos

relacionados a produção de cada participante. Inclusive os outros viajantes fazem

interações na perfomance e produção dos outros jogadores enquanto elas ocorrem.

Essas interações ocorreram principalmente na forma de comentários

relacionados a produção dos jogadores. Como ocorreu, por exemplo, na seguinte

produção do jogador “jwiv”, onde ele inicia sua produção perguntando sobre a

possibilidade deles arranjarem uma arma para enfrentar a crise, e essa narrativa

dele é seguida por diversos comentários dos outros participantes.

23rd-Mar-2007 06:59 pm

So we're talking preparedness. Survival kits, hot wired power,

and other such things are fine and good if you're in suburbia, but me,

I'm in the city - Baltimore to be exact. Now, I don't think either of my

neighbors are planning on torching their Beemers, but to be blunt,

there are people that can and will take advantage of a severe crisis. So,

is now the time to pick up a few small arms and work towards making

Fortress Canton or is that a damn fine way to start a fight I won't end

up winning?

Location:Baltimore, MD

Mood:curious

Music:the fizz of a yuengling

Comments 24th-Mar-2007 04:45 am (UTC)

redhatty

Oh now, I am not in suburbia at all, Did I mention that I live in

New Orleans? And yes, having a weapon - IF YOU KNOW HOW

TO USE IT - Is a very good idea. You want to keep what is yours,

especially if you have & others don't. In a crisis situation, some

people will turn to theft to get what they need, be prepared to defend

yourself. But firearms take training for proper use, and if you don't

know how to use a gun or rifle & how to take care of it (cleaning, etc)

then a baseball bat can be just as effective. Remember, you may not

have a way to get to a hospital if there is no fuel, so you do not want

to have an accidental shooting!

24th-Apr-2007 02:50 pm (UTC)

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rumpletoe

I can see how a gun could be useful, but I'm having a hard

time getting one. I have a toddler running around, and I'm worried

about him finding a way to get it. It seems like no matter how hard

you try to lock it away, there's still the possibility, and I'd never

forgive myself. On the other hand, if things got bad enough, that

might be the least of our worries.

25th-Apr-2007 09:52 pm (UTC) - psychological preparation

creatureattack

Aside from physical preparation, are there mental

preparations that we can make in anticipation of this sort of event?

Looking back at events like the Indian tsunami and Katrina, it

seems like there must be some sort of way to prepare our mind and

psyches for this level of trauma and stress. The people in India

who lost everything (family, homes, on and on) certainly are

suffering from lack of roof, but possibly even more so they are

suffering from psychological trauma. I wonder if there is any way

to prepare for something like that. Here is just one link I found

while I was thinking about this subject.

http://www.emu.edu/cjp/star/

1st-May-2007 02:10 am (UTC) - Make the call

Anon

ymous

Good advice from redhatty. In this situation, your window to

obtain any firearm at reasonable cost may close quickly. Consider it an

investment on many levels, especially the learning how to use it and

keep it safe part.

I think I read that 9mm ammunition is the most common and would

more than likely be available. Buy as much ammo as possible. It will

be like money if things seriously deteriorate.

I pray they won't...

1st-May-2007 02:15 am (UTC) - Re: Make the call

Anon

ymous

Below is a the random blog I chose after yours.

http://dark-ryder14.livejournal.com/672.html

Go figure.

2nd-May-2007 12:27 am (UTC)

Anon

ymous

Well... the Army has a saying.. "Never be more than arms length

away from an implement of destruction."

I would suggest a firearm... 9mm pistol for initial security should be

fine. Law enforment and the military both use 9mm in ther pistols so it

should be manufactuered practically no matter what. Also, for rifles,

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something that can shoot a NATO round (5.56mm or .223 cal

Remington) like an AR15 should maintain it's usability.

At the very least... think about a knife. A knife is better than a fist...

Also, theres air rifles to consiter... smaller ones like bb guns can get

small game and the ammo can be bought by the tens of thousands...

there are also larger air rifles (up to 50cals!) that should work nicely as

long as you can fill a scuba tank.

Also, Bows and Arrows... or even crossbows will never get old.

But the question was also...would possessing a firearm cause trouble...

if you hoard, yes... it's you're open about it, probably... if you're

discrete... probably not.

A lot of this is basic physical security... if theres a 'civil disturbance'

and people show up with guns... it could get ugly...the solution isn't to

carry or not carry a gun... it's avoid civil disturbances! If someone

breaks into your home it's another matter.

The real issue with any weapon is that you have to be willing to use it

instantly and accept the consequences. So... pepper spray should in the

inventory before a 9mm. “ 134

Essas produções dos jogadores, estimuladas pela estrutura comunicacional

do ARG, se alinham ao que Marco Silva (2007) definiu como potencialidade-

permutabilidade. Pois segundo o autor, esse conceito ocorre quando a

comunicação permite que se estabeleça múltiplas interpretações, conexões, trocas

e associações de significado dos participantes. Dessa forma além dos jogadores

realizarem essa permutabilidade frente as situações lançadas pelos game

designers, ele também realizavam isso entre si, expandindo o processo de

potencialidades e desdobramentos na produção da narrativa e de visões do jogo.

Outro aspecto dessa expansão de potencialidades feita pelos jogadores

ocorreu inclusive antes mesmo do jogo começar oficialmente, durante a fase do

pré-jogo, muitos jogadores começaram a construir pedaços do seu mundo

ficcional antes mesmo do inicio da viagem. Como demonstra a seguinte passagem

do blog de um participante (viajante):

134

http://jwiv.livejournal.com/141962.html

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“Not enough time.

Apr. 28th, 2007 at 6:38 PM

So, in my general checking of the worlds of the Intarweb, I came across this LJ

community: worldwithoutoil. Seems these folks have been tipped off to a definite oil

spike, or some serious event, with an exact date. I've added a few members *waves*.

People all over the world have been speculating for years. Some say we've already passed

that point and we are simply on a rolling plateau with no way to go but down. But there

have been no serious warnings of this sort. I half don't believe it. But perhaps I should. I've

been expecting a sudden crisis of some kind for a while now. In fact, I really thought it was

going to happen some time last year.

What did I do?

Not enough. Quite a significant amount, by many people's standards I expect, but I never

felt it was enough. Changed to all renewable energy. Started eating organic again. Cycled

more. Electrified my bicycle, my scooter is used once a month now. Given the wake up call

to so many people. But still not enough.

April 30th. Day after tomorrow. I don't have time to leave, and I don't think it would be

fair at this point to those around me, either. I should have done more earlier. I still feel I

would be better off elsewhere, but I know there have been plans here too. What to do?

Knowing the date, which we never knew before, doesn't necessarily help. Lifeboat

communities are a sham. Go bush, and chances are things will be so much worse. I'm going

to see how it plays out, and I have good friends here who are as aware of the potentials as I

am.

I think I'll be buying a little bit of emergency food though, just in case. And maybe a couple

of other things I'm going to be a bit more careful with. I have two days off work. Time to

get busy.

Diversos jogadores realizaram essas construções narrativas do mundo

antes do jogo começar oficialmente. Essa etapa parece ter uma forma de

preparação para a viagem que esses participantes fariam para o mundo ficcional,

como se os jogadores criassem partes desse mundo que seriam conhecidas por

eles quando chegassem (e que povoassem esse mundo). Entretanto, diversas

outras partes desse cenário e que foram construídas pelos outros jogadores,

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criaram os espaços desconhecidos e abertos para a exploração dos viajantes.

Segundo Gerrig, após a viagem, inicia-se outro processo para o viajante:

IV. “O viajante vai a alguma distância de seu mundo da origem”

Nessa fase o viajante adentra cada vez mais o mundo ficcional e começa a

perceber sua regras e sua lógica, ele ainda traz junto a si suas memórias e

experiências, mas segundo o autor ele deve se adaptar a lógica existente do novo

mundo. Entretanto, o ARG possui uma característica interessante que é fazer o

viajante a todo momento cruzar as duas fronteiras do mundo e tenha contato com

as regras de ambos os lados.

Um exemplo da fusão dessas fronteiras ocorre quando um jogador do

ARG, procurando informações sobre o personagem Nico, ainda durante o pré-jogo

acaba esbarrando com informações do mundo “real” ou seja, informações que são

chamadas de “OOG = Out Of Game”. Esse encontro fica explícito em uma série

de posts realizados no fórum Unfiction:

poeticexplosion Veteran

Joined: 17 Jan 2006 Posts: 109 Location: Chicago

This probably has nothing to do with anything, but I figured I might as well post it just in case. I was researching the photobucket account with Nico's picture in it. The username is "InisCool", which isn't very common on Google. However, there is http://iniscool.com , which says that "The

Island of Inis Cool" is coming soon. More intriguingly, there's this:http://www.scottaltman.com/iniscool.htm The first picture makes me wonder. Probably just a coincidence, but like I always say, you never know.

_________________ Playing: Must Love Robots Played: Who is Benjamin Stove?

Posted: Mon Apr 23, 2007 12:03 am

Last edited by poeticexplosion on Mon Apr 23, 2007 12:27 am; edited 1 time in total

Esse cruzamento entre dois mundos, realizado pelo jogador

“poeticexplosion” mostra bem como essas fronteiras entre o mundo do viajante e

o mundo ficcional do ARG são tênues. Pois ao procurar sobre o jogo, ele acaba

indo parar em outros sites que não possuem relação alguma com o jogo, mas que

dentro da situação narrativa estabelecida, levanta essa dúvida entre os

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participantes.

Essa mistura de mundos se intensifica mais ainda quando os jogadores ao

procurarem mais informações sobre “Nico”, tomando como base as informações

encontradas no lugar onde descobriram sua foto, acabam fazendo contato com

uma pessoa que provavelmente não possuía qualquer ligação com o ARG. O

próximo post mostra o caminho e as pistas que os jogadores se basearam para

irem em busca de assuntos relacionados a palavra “eclipse07”.

ararejul Boot Joined: 26 Apr 2007 Posts: 15

so has anyone asked why iniscool's photobucket pictures are all named eclipse07? it's a bit weird isn't it?

Those pictures were discovered in the same post that pachinko linked this too - http://southmovement.alphalink.com.au/commentaries/Iran-eclipse.html And it mentioned how there was a major oil spat in 1952 which was the last time the eclipse went over 'oil filled' countries.

I don't know if this is related to anything since the eclipse was in March 06 but I thought it was worth bringing up (and sorry if it's been brought up before. been doing alot of reading for this lately and it all doesn't stay in.)

Posted: Fri Apr 27, 2007 4:57 pm

A partir da busca desse termo, os próximos posts mostram como os

usuários acharam que esse “Eclipse07” poderia ser um usuário do serviço de

mensagens instantâneas (AIM) e como entraram em contato com ele. Entretanto,

provavelmente esse usuário não tinha nada a ver com o ARG, e os jogadores

passam a caracterizá-lo como “OOG = Out of Game”, como demonstram os

seguintes posts retirados do fórum Unfiction:

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nitefoll Decorated

Joined: 20 Oct 2004 Posts: 161 Location: Edinburgh, UK

ararejul wrote:

so has anyone asked why iniscool's photobucket pictures are all named eclipse07?

There is an aim user called Eclipse07, but I've gotten no reponse, and they immediately logged off when I attempted

to chat to them? May be OOG?

_________________ http://nitefoll.livejournal.com playing: skynet watching: holo played: sky remains, BoL/SiD, ilovemaureenpickles, AOD, perplexcity, geist, worldwithoutoil

Posted: Sat Apr 28, 2007 3:52 am

chrisjill86 Boot

Joined: 20 Apr 2007 Posts: 20 Location: Orlando

I had the same thing happen to me Nitefoll...Hmmm?

Posted: Sat Apr 28, 2007 8:00 am

Essa desconfiança do em relação ao fato do usuário “Eclipse07” não

pertencer ao jogo, mostra como é confusa essas fronteiras entre real e ficcional

que o ARG estabelece. Essa dificuldade inclusive leva a uma próxima fase da

imersão apontada por Gerrig.

V. “Que faz com que alguns aspectos do seu mundo de origem se tornem

inacessíveis”

Nessa fase, Gerrig diz que após chegar no mundo ficcional e conviver com

suas leis, o viajante tem dificuldade em ter contato com o seu mundo original.

Entretanto, no ARG estudado, como os dois mundos se misturam, ocorre a

dificuldade em diferenciar o que faz parte do jogo e o que o não faz, ou como é

dito na linguagem utilizada no ARG, o que é “dentro do jogo” e o que é “fora do

jogo”. Esse tipo de situação fica exposta no seguinte post:

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ararejul Boot Joined: 26 Apr 2007 Posts: 15

nitefoll wrote:

ararejul wrote:

so has anyone asked why iniscool's photobucket pictures are all named eclipse07?

There is an aim user called Eclipse07, but I've gotten no reponse, and they immediately logged off when I attempted to chat to them? May be OOG?

yeah sadly when i tried to search more about it it's a very common name due to the eclipse and what not. it'd be pretty hard to figure out what's oog and what's not.

Posted: Sat Apr 28, 2007 10:45 am

Como demonstra o post, ocorre uma dificuldade para os participantes em

separar o que é “OOG”(Out of Game) e o que está dentro do jogo. E essa mistura

vai influenciar vai ter influencia na última etapa de viagem de Gerrig que é o

momento em que o viajante retorna.

VI. “O viajante retorna ao seu mundo de origem, de certa forma

alterado pela viagem.”

Segundo Gerrig, essa etapa ocorre quando o viajante retorna de sua

viagem ao mundo ficcional, entretanto ele não volta o mesmo após essa jornada.

Devido as experiências que pelo qual ele passou no mundo ficcional, ele volta

transformado pelo que você passou.

Essa experiência no ARG é ainda mais marcante, pois como o viajante

habita os dois mundos ao mesmo tempo, as experiências que ele vive acabam

modificando sua relação com ambos os mundos.

Outro aspecto interessante é que as modificações que o viajante realizou,

ou seja, suas produções também deixaram marcas em ambos os mundos. Como

em muitas das vezes o material produzido pelos jogadores permanece online

mesmo após o jogo, e nem sempre esse material possui características que

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identifiquem sua origem para as pessoas que não participaram do ARG, ele acaba

também impactando os habitantes do mundo não ficcional, que muitas das vezes

incorporam essas produções ficcionais como histórias reais.

Esse impacto e a confusão proporcionada pelas histórias se aproximam da

definição teórica que estabelecemos para o ARG entre o virtual como falso,

segundo a linha teórica de Baudrillard e o virtual como potencial como defende

Lévy (1996).

A construção do mundo narrativo feito pelo viajante se apóia nesses dois

fundamentos, pois ao mesmo tempo em que as produções dos jogadores cria um

elemento que faz parte de um universo ficcional, esse mesmo elemento é tomado

como realidade por pessoas que desconhecem o jogo. Quando isso ocorre, vai de

encontro as teorias de Baudrillard da tomada do virtual como real. Isso ficou

explícito nos comentários feitos por diversas pessoas não relacionadas ao jogo,

que inclusive continuaram comentando muito tempo depois do jogo ter terminado.

Entretanto, ao mesmo tempo essas produções também serviram como

potencialidades, como cenários futuros e desdobramentos desse próprio mundo

ficcional. Ao fazer isso, esse material se aproximou das definições de Lévy, ou

seja, o virtual como potencialidade e permitiu diversas manifestações e

desdobramentos dessas potencialidades. Um exemplo disso, foi o exemplo citado

anteriormente, que um professor de ciências utilizou a produção de um jogador

como material para suas aulas.

Essa mistura de realidade e ficção foi facilitada pelas produções dos

jogadores e ganhou força devido ao princípio estabelecido pelos designers do jogo

de estabelecer uma base aberta para essa obra. Ao utilizarem esses conceitos de

Umberto Eco, além de permitirem que os jogadores conduzissem a narrativa, eles

motivavam os participantes e os colocavam como co-criadores da obra. Como fica

explícito nos seguintes comentários feitos pelos jogadores no fórum Unfiction,

após a produção de um jogador (RedHatty) ter sido exposta na página principal do

World Without Oil:

chrisjill86 Boot

Joined: 20 Apr 2007

Posts: 20

Location: Orlando

So I am sure this is known, but the 8TSOC team has updated the website, which now contains a countdown. Just wanted to make a note of it.

Posted: Mon Apr 23, 2007 9:55 am

Page 169: Histórias Interativas - “Criadores de Mundos”: Uma …...8 Planos de aula do World Without Oil 172 8.1. Características gerais dos planos de aula 172 8.2. Análise do plano de

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cissmiace Entrenched

Joined: 24 Mar 2007

Posts: 863

Location: Manchester UK

chrisjill86 wrote:

So I am sure this is known, but the 8TSOC team has

updated the website, which now contains a countdown. Just wanted

to make a note of it.

Wow Redhatty's blog is on the front page!

_________________ Burrzz-tok

Posted: Mon Apr 23, 2007 10:33 am

RedHatty Unfictologist

Joined: 08 May 2006 Posts: 1379

Location: x•¡Jyœ–•‹˜•VJvk

cissmiace wrote:

Wow Redhatty's blog is on the front page!

OMG - I am - Wow! Gotta admit, that is really cool!

_________________ Friend of Peeps

GUINNESS TIPPING GAME WIKI

Posted: Mon Apr 23, 2007 12:00 pm

cissmiace Entrenched

Joined: 24 Mar 2007 Posts: 863

Location: Manchester UK

RedHatty wrote:

cissmiace wrote:

Wow Redhatty's blog is on the front page!

OMG - I am - Wow! Gotta admit, that is really

cool!

Congrats! Its awesome!!

_________________ Burrzz-tok

Posted: Mon Apr 23, 2007 12:00 pm

Como podemos observar, a incorporação feita pelos designers do jogo de

um material produzido por um jogador teve uma excelente recepção pelos

participantes. Um aspecto bem interessante nisso, é que, apesar do jogador

“RedHatty” ser experiente em ARGs, sua reação ao ver seu material (e seu blog)

incorporado na página principal do jogo foi de surpresa e contentamento.

Esse tipo de reação provavelmente é resultado do fato dos designers do

jogo terem estabelecido uma estrutura que utilizasse a co-produção dos jogadores,

ou como aponta Silva, a participação-intervenção como elemento fundamental do

funcionamento do jogo.

Essa estrutura também permitiu um maior contato entre diversos tipos de

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jogadores de ARGs. Isso ficou explícito quando RedHatty disse que após sua

narrativa ter ido para a página principal, muitos jogadores que não eram

participantes do fórum adicionaram seu blog e seu canal de vídeo, como podemos

ver na mensagem abaixo:

RedHatty Unfictologist

Joined: 08 May 2006 Posts: 1379 Location: x•¡Jyœ–•‹˜•VJvk

A tad of META

Oh Boy, To the PM's - Hey thanks for the front page

add & no I am not asking you to remove it - okay? BUT... All

of a sudden, I have, like, a TON of people adding me to their LJ's & subscribing to me on YouTube (ROFL, the only video there is from Monster Hunter Club!) and they are NOT names

from UnFiction - at least we know there is an alternate audience!

I am not sure about the "responsibility" of being in a "spotlight" position, but I do realize that I have actually lived through a smaller version of the scenario this game will portray & if anything I have done or learned from Katrina will help others to see how precarious an edge our lives are where oil & energy issues are involved, I will gladly step up

to the challenge of sharing & aware-ing

But DUDES, this is so weird!!! Awesome, but weird!!!!!

_________________ Friend of Peeps GUINNESS TIPPING GAME WIKI

Posted: Mon Apr 23, 2007 10:13 pm

Outro jogador comenta que isso provalmente é o reflexo da utilização de

conteúdos gerados pelo jogadores, e que produziu outro blog (Live Journal – LJ)

para interagir com essa estrutura:

OrangeForAHead Boot

Joined: 26 Jan 2007

Posts: 24

Location: Santa Cruz, California, United States, Earth, Sol, Orion

Spur, Milky Way

Re: A tad of META

RedHatty wrote:

All of a sudden, I have, like, a TON of people adding me to

their LJ's & subscribing to me on YouTube (ROFL, the only video

there is from Monster Hunter Club!) and they are NOT names from

UnFiction...

I think this is the beginning of the user-generated content aspect! (I made a second lj for that purpose). RedHatty, you get more than 15 minutes of SuperHero contribution to the hive! Eeeeeexcellent.

Posted: Mon Apr 23, 2007 10:28 pm

Toda a estrutura estabelecida pelos game designers procurou fazer com

que os jogadores tivessem uma atuação direta sobre a narrativa, complementando-

a e produzindo novas histórias a partir dos elementos iniciais estabelecidos. Essa

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dinâmica estabelecida pelos designers transformou os participantes em co-autores

da narrativa e ajudou a desenvolver uma maior troca entre eles - inclusive alguns

jogadores buscaram organizar os conteúdos coletados para facilitar a entrada de

novos participantes e um entendimento melhor do jogo.

Esse aspecto coletivo, que é incentivado pelos designers e pelos jogadores,

se aproxima do conceito de participação conjuntal de Kendal Walton: a

possibilidade de construir a história coletivamente e com a cumplicidade de outros

participantes é que irá trazer os jogadores para o “make-believe” e com isso

facilitar a imersão. Os jogadores do ARG utilizam a estrutura estabelecida pelos

game designers no jogo para compartilharem suas crenças e seus jogos mentais, e

com isso construirem o mundo ficcional relacionado ao jogo. Entretanto, segundo

Walton, “fingir a crença” é um elemento essencial dentro dessa comunidade,

porém, além disso é necessário que os participantes realizem uma perfomance

externa que busca demonstrar essa crença. Essa exteriorização da crença é

realizada quando os jogadores expõem sua produção ao longo das semanas do

jogo, e também quando apresentam no fórum as pistas, teorias e informações

coletadas. Ao fazerem isso, os jogadores fortalecem essa comunidade estabelecida

ao redor do jogo e o imaginário coletivo desenvolvido entre os jogadores do

alternate reality game.

A crença estabelecida coletivamente une os designers e os jogadores em

torno de mundo imaginário comum. Isso, associado aos diversos suportes e a

recepção desses suportes pelos jogadores, é que irá permitir novos usos da

estrutura comunicacional e liberar a energia híbrida que surge do encontro de

meios diferentes. Os designers do WWO utilizaram essa energia para expandir a

narrativa e principalmente para buscar desenvolver soluções para as questões

apresentadas em cada semana do jogo.

O World Without Oil também produziu uma estrutura de apoio voltada

especialmente para o uso educacional do jogo. Será esse material que iremos

observar no próximo capítulo da dissertação.

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8 Planos de aula do World Without Oil

Nessa parte do trabalho, iremos analisar o material produzido no World

Without Oil voltado especialmente para professores e alunos.

Infelizmente não temos dados relacionados sobre quem e como este

material foi utilizado, pois foi produzido como um complemento ao ARG e com o

objetivo de ser disponibilizado livremente a instituições e educadores que

tivessem interesse em utilizá-lo. Apesar de não termos esses dados, como esse

material foi um elemento importante do ARG e complementar aos elementos

educativos trabalhados no World Without Oil, faremos uma análise que busca

observar esses dados.

O material educativo possuía uma descrição geral que buscava apresentar

suas características e objetivos. Além desse tutorial, havia planos de aula

específicos para alunos e professores. No total foram produzidos dez planos de

aulas cada um com uma parte voltada para os professores e outra para os alunos.

Na análise desse material, iremos nos focar nos seus principais elementos

constitutivos. Isso será feito através da observação do material voltado para os

alunos e para os professores. Para realizar isso, novamente utilizaremos como

suporte teórico as proposições de Marco Silva sobre comunicação e

interatividade. Além dos apontamentos teóricos de Lévy relacionados ao conceito

de potencialidade e as teorias de Umberto Eco ligadas à obra aberta.

8.1. Características gerais dos planos de aula

Na apresentação inicial do material voltado para os planos de aula é feita

uma breve explicação do que foi o World Without Oil. São apresentados a

história, os números totais do jogo (participantes, histórias produzidas e tempo de

jogo) e como esse material produzido coletivamente pode ser usado pelos

professores através dos planos de lições.

Os principais pontos do material são:

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Modular. Use all ten lessons or select a subset to fit a particular class agenda or

schedule.

Rearrangeable. The game is designed to evoke reactions from its students. Feel free

to rearrange the lesson order day to day to match their interests.

Flexible. We designed lessons to fit in 50-60 minutes (plus after-class reflection

time), but feel free to shorten or expand them to fit your course needs.

Self-Study. Refer students to the Student Page for a lesson (see sidebar on left), and

they will have a concise action plan. Here's an Overview to aid self-directed students

using the WWO material.

Evaluations. You can base student evaluations upon group work, personal blogs

containing their reflections, class participation, or any other method you determine.

Customizable. The WWO archive contains citizen reports that cover a vast number of

topics. We encourage you to search the archive for player-created stories on topics

that fit your course goals. Go here to see Week 32, the game's last week, and scroll

down to the tag cloud. “

A partir dessas características básicas, os designers do jogo estabeleceram uma

estrutura que apresenta aos professores um exemplo de como utilizar esse

material. Agora iremos apresentar os elementos dessa estrutura:

1. “Set the Stage”

Nessa parte é apresentado o cenário do jogo. Para isso, é sugestionado que

o professor apresente uma ou duas histórias que estejam ligadas ao WWO e com

isso traga a crise do petróleo para junto dos estudantes, buscando facilitar sua

imersão no jogo.

2. “Take Action”

Após a apresentação do cenário é pedido que os professores busquem

trabalhar um processo de reflexão com os alunos. Esse trabalho deve ser realizado

especialmente com pequenos grupos de estudantes, mas também pode ser

trabalhado com todos os alunos ao mesmo tempo. O importante nesse momento é

que os alunos pensem como agiriam frente ao cenário da crise de petróleo.

3. “Lesson Activity”

Nesse momento o educador deve trabalhar um tópico específico

relacionado à crise de petróleo que ajude a estabelecer o contexto da história e

também expanda o conhecimento dos alunos frente a essa questão, ajudando-os a

compreender quais são os elementos e as forças envolvidas nessa crise.

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4. “Reflect”

A partir do momento que possuírem grande entendimento do que é a crise

e o que está envolvido nessa situação, os jogadores devem “reagir” dentro do

jogo. Ou seja, sua produção e reflexão devem ser incorporadas s às histórias

produzidas durante o processo oficial do ARG World Without Oil. Os produtores

do jogo também estimulam que essa produção utilize os mais diversos suportes

(blogs, vídeos, áudio, entre outros) e que esses materiais depois sejam

incorporados no site oficial do jogo, através do espaço dedicado a isso.

5. “Take It Further”

Nesse momento do plano de aula, a idéia é expandir a experiência dos

alunos frente ao mundo ficcional e aos novos conhecimentos que eles tiveram

contato no plano de aula. Aqui se busca facilitar os desdobramentos e as pontes

entre a ficção e a realidade. Como o ARG possuía a particularidade de misturar

esses elementos, o objetivo do plano de aula e, especificamente dessa etapa, é

canalizar a força produzida dessa mistura para aumentar as ligações entre os

conhecimentos teóricos apresentados aos alunos e sua utilização na realidade em

que vivem.

Análise do plano de aulas dos professores

O plano de aulas voltado para os professores teve como base as

características apontadas anteriormente. Iremos descrever e analisar agora um

plano de aula e demonstrar como foi desenvolvida a estrutura desse material

voltado para os professores.

A primeira parte do material era uma introdução e descrição do cenário,

como demonstramos na imagem abaixo:

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Nessa primeira parte é feita uma apresentação do panorama da situação e

como os educadores podem utilizar essa narrativa no desdobramento de ações

ligadas que permitam um maior entendimento dos alunos sobre o tema.

Estabelecida essa base, são apresentados os objetivos do plano de aula. No caso

aqui observado, são apontados os objetivos relacionados ao primeiro:

Como podemos observar, o primeiro objetivo é fazer a imersão dos alunos

frente ao cenário de jogo ou, como aponta Gerrig, trazer o viajante para o mundo

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narrativo. Esse processo de imersão será importante para os outros objetivos que

buscam expandir as noções ligadas à economia, sociedade e as mudanças que uma

crise de petróleo pode ocasionar. O estabelecimento desses parâmetros é

fundamental para estabelecer uma comunicação baseada na troca constante entre

professores e alunos, buscando atingir um dos conceitos da interatividade

abordada por Marco Silva: a comunicação tendo como base a bidirecionalidade-

permutabilidade, ou seja, um processo comunicacional onde não mais existe a

divisão entre emissor e receptor. Dessa forma, ao estabelecer esses elementos logo

no começo da atividade, será provavelmente mais fácil propiciar um ambiente em

que os alunos (jogadores) se sintam à vontade para produzir e trabalhar o

conhecimento junto com a narrativa.

Entretanto, para construir esse cenário, os game designers destacaram uma

parte do plano de aula para que o professor possa fazer o reconhecimento desse

mundo, e também possa atuar no processo de construção, colocando também seus

elementos nele. Isso é desenvolvido na parte que o professor deve conhecer antes

de trabalhar a lição:

Como podemos observar acima, os primeiros tópicos são voltados para o

reconhecimento do cenário, e depois é sugestionado ao educador que ele produza

seu material e acrescente ao cenário. Possivelmente, o objetivo disso é dar

verossimilhança ao mundo narrativo e proporcionar uma maior proximidade entre

o educador e o aluno, tornando ambos viajantes e cúmplices nesse ambiente

(Gerrig).

O começo da imersão total, ou seja, o início da viagem após os

preparativos começa na seguinte parte do plano de aulas:

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Nessa parte, segundo os conceitos de Gerrig, a viagem já teve início e os

viajantes (professores e alunos) já adentraram o mundo ficcional. É interessante

observar que, além do texto, são utilizados outros suportes como um vídeo e uma

história em quadrinhos para construir essa imersão. Segundo McLuhan, a união de

diversos suportes serve para estimular a sinergia entre ambos e isso permite a

liberação de uma energia híbrida que resulta em transformações psíquicas, sociais

e tecnológicas. É possível que os produtores do jogo procuraram canalizar essa

energia para expandir a relação dos participantes do jogo com os conhecimentos

trabalhados nos planos de aula.

Outro elemento interessante é sugestão de que os educadores introduzam

teorias relacionadas a trabalhos cooperativos, como o conceito de Lévy de

“inteligência coletiva” (LÉVY, 1994), e os conceitos de “crowdsourcing”

(HOWE, 1996) e “jornalismo cidadão” (GILLMOUR, 2004), que são formas de

trabalho colaborativo e abertas, onde as pessoas contribuem coletivamente para

alcançar um objeto comum a todos.

Após essa construção do mundo e a chegada dos viajantes, começa o

momento em que os participantes devem agir mais diretamente nesse mundo. É o

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que iremos observar agora:

Como podemos observar, as primeiras ações visam formar grupos de

participantes e a iniciar um questionamento inicial da situação a partir do uso de

perguntas. Posteriormente, é sugestionada a construção de pontes entre as

possíveis produções dos alunos e o material que foi produzido pelos jogadores ao

longo do World Without Oil. Dessa forma, o material que foi produzido pelos

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participantes do jogo serve como uma fonte de conhecimento coletivo que

receberá novos acréscimos a partir dos desdobramentos produzidos pelos alunos.

Na parte final é indicado que o professor peça aos alunos para apontarem

suas percepções iniciais a respeito do tema e da crise de petróleo - ou, segundo as

teorias de Gerrig, as primeiras visões dos viajantes em relação ao mundo

ficcional. No final da experiência, essas visões iniciais serão comparadas e será

observado se os alunos mudaram suas visões sobre esses temas.

Na parte 3 do plano de aula é o momento em que o professor trabalhará

mais diretamente os conhecimentos. Essa construção de conhecimento será feita

junto à produção dos alunos ou, como afirma Marco Silva, a partir de uma

participação-intervenção dos participantes. Após essa exposição, é pedido para os

alunos participem de um “quiz” onde as questões serão problematizadas junto à

turma.

Nas partes finais do plano de aula (4 e 5) é feita a reflexão final e pedido

para que os alunos realizem novos desdobramentos do mundo narrativo, como

apontamos agora:

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Nesse momento ocorre o processo de reflexão frente à experiência vivida e

a identificação de quais foram os aprendizados relacionados a isso. Essas

possíveis mudanças nos alunos podem ser entendidas, segundo a teoria de Gerrig,

como a fase em que o viajante retorna para casa modificado pelas suas

experiências no mundo narrativo

Esse material ainda é estabelecido no mesmo sentido que a teoria da obra

aberta apontada por Umberto Eco, pois os alunos devem construir seu

entendimento a partir dessa experiência. Ou seja, eles que completam o sentido

das vivências e conhecimentos com que tiveram contato.

Os outros elementos do plano de aula são:

“Requirements”

Onde são apresentados os pré-requisitos mínimos para poder participar da

experiência, ou seja, acesso a internet, acesso a vídeos, blogs. É recomendado que

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cada aluno tivesse acesso a um computador conectado à internet.

“Subjects and Methods”

Esse tópico explica que os planos de aula do WWO são interdisciplinares e

quais foram as disciplinas trabalhadas. Além disso, são apontados os métodos

didáticos e narrativos que inspiraram o desenvolvimento desse trabalho.

“Educational Standards”

Nessa parte são descritos quais foram os principais parâmetros

educacionais utilizados no desenvolvimento do plano de aula.

“Sugestion: Blog”

Nessa parte do plano de aula, os produtores dizem que cada lição buscará

que os alunos reflitam sobre um tema e, devido a isso, é sugerido o uso do blog

por parte dos participantes. Esse suporte permite que os estudantes possam

trabalhar com imagens, vídeos, textos e áudio. E, a partir disso, os participantes

poderiam compartilham essas reflexões com os outros estudantes ou mesmo em

um blog coletivo da turma.

“Additional Resources”

Na parte final são apresentados alguns links relacionados ao tema

trabalhado na semana. Essas páginas levam a informações sobre petróleo em

páginas do governo, de organizações e centros de estudo. Dessa forma, os

produtores procuram expandir a possibilidade de os professores trabalharem os

conceitos da semana, e simultaneamente facilitam a aproximação das fronteiras da

realidade e ficção. Os links sugeridos foram135

:

Summary of "Peak Oil" concerns

http://www.oildepletionprotocol.org/

getinformed/oildepletion

Life Without Oil

http://www.energybulletin.net/4740.html

135

http://worldwithoutoil.org/metalesson1.htm

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United States Department of Energy oil production and consumption statistics from

2006http://www.eia.doe.gov/emeu/cabs/

topworldtables1_2.htm

Oil Consumption by Countryhttp://www.nationmaster.com/graph/

ene_oil_con-energy-oil-consumption

8.2. Análise do plano de aulas dos alunos

O material do plano de aula dos alunos possui poucas diferenças em relação

ao voltado para os professores. As diferenças estão relacionadas principalmente ao

texto, adaptado para os alunos não terem acesso às orientações que foram

estabelecidas para os professores.

Um exemplo disso está nas seguintes imagens, que detalham a diferença

do conteúdo para professores e alunos:

Parte 1 – professores

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Parte 1 - alunos

Como podemos observar nos materiais acima, a diferença entre ambos é a

forma como o texto foi escrito e a presença de instruções – no material voltado

para os professores - de como usar o esse conteúdo junto aos alunos.

Essa estrutura irá basicamente se repetir ao longo de todo o material,

deixando clara a existência de uma ligação entre os dois planos de aulas. No total

foram produzidas dez lições:

LESSON ONE:

Oil Crisis: Get Into The Game A global oil crisis has begun. Oil usage worldwide has increased to where the oil supply can only meet 95%

of it. Begin the inquiry into the effects of less oil in our lives.

LESSON TWO:

How Bad Can It Get? Fuel prices rise in anticipation of when actual supplies start to run short. It's clear that there is no quick fix

to the shortage. Tensions start to rise.

LESSON THREE:

Life Is Starting To Change Widespread changes are starting. Goods and services that depended on cheap oil are failing.

LESSON FOUR:

Elasticity and Collapse

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This lesson investigates the factors that define elasticity in relation to oil – factors such as lifestyle,

geography, setting and community.

LESSON FIVE:

Oil Dependency Among Nations The oil crisis has caused some nations to reconsider their foreign policy objectives – and to aggressively

seek to acquire oil.

LESSON SIX:

Food Without Oil The impact of oil on our food supply is one of the most serious aspects of the oil crisis. Shortages are

forcing many people to look for locally grown food.

LESSON SEVEN:

Breakdown Governments have been hit as hard as anyone by the crisis, leading to the existence of red and green zones

in cities and refugee camps in the country.

LESSON EIGHT:

Preparation and Community

With problems piling up and the government unable to help, many communities across the nation are

turning inward for solutions.

LESSON NINE:

Lessons Learned Now that the crisis has stabilized, how do we go forward? How do we balance our desire for energy's

benefits with the risks and costs of procuring it?

LESSON TEN:

Your World Without Oil Help out the World Without Oil team. Script and deliver your own citizen report that communicates what is

happening to you in the crisis.

Cada lição buscava tratar de um tema através da imersão dos alunos na

situação narrada. Para facilitar essa tarefa, como observarmos anteriormente, os

designers procuraram estabelecer recomendações para o professor, ou seja, passos

que ajudassem a construir esse mundo narrativo.

Entretanto, entendemos que o material voltado para o aluno poderia ter

sido mais específico, procurando estabelecer elementos que complementassem o

material (narrativa e educativo) do professor, e não ser somente um material

adaptado para os alunos. É provável que isso pudesse aumentar a chance de

imersão dos participantes, desde que não tornasse o mundo narrativo fechado, ou

seja, que continuasse utilizando os princípios de uma obra aberta (ECO) em que

os alunos complementassem e desdobrassem os questionamentos lançados nas

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lições.

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9 Conclusões

Neste trabalho, procuramos observar como a estrutura do jogo construiu a

narrativa a partir do uso de diversos suportes nos Alternate Reality Games

(ARGs). Analisamos também como os designers utilizaram a imersão narrativa e

também como permitiram que os jogadores interviessem no desenvolvimento da

história. Outra questão analisada foi se a estrutura estabelecida pelos games

designers proporcionou uma interação maior entre os participantes.

Para tratar de todas essas questões, e pelo fato dos Alternate Reality Games

serem produtos ainda pouco estudados, inicialmente estabelecemos um corpo

teórico que nos auxiliou a compreender esse objeto.

Após o desenvolvimento teórico, complementamos a análise a partir do

estabelecimento dos antecedentes dos Alternate Reality Games. Com isso,

buscamos estabelecer os elementos que influenciaram esse tipo de jogo e

expandirmos o conhecimento sobre essa área.

Com teoria e antecedentes estabelecidos, pensamos em uma solução para

tratarmos o vasto material produzido por um Alternate Reality Game através de

seus inúmeros participantes e ao longo de diversos suportes. Por isso, o uso de

combinações de técnicas de pesquisa em busca do desenvolvimento de uma

metodologia que permitisse uma melhor análise do material observado e

condizente com as perguntas que orientaram esse estudo. Essa metodologia

utilizou conceitos da análise de conteúdo de redes sociais associada à técnicas de

observação não participante em um estudo de caso: o do ARG World Without Oil.

A partir desses elementos, a análise do ARG observado na pesquisa trouxe as

seguintes considerações:

A primeira é predomínio do uso de um suporte - o blog - em relação aos

outros: imagem, vídeo e áudio. Ou seja, apesar de os ARGs realmente utilizarem

diversos suportes na sua estrutura, a pesquisa mostrou que um suporte tem forte

predomínio sobre os outros – ele é a base do jogo, e foi a partir dele que os outros

suportes se interligaram. No design de novos ARGs vale a pena observar a

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importância de se estabelecer um suporte que funcione como um “hub” - que

conecte os desdobramentos e faça as ligações com os outros suportes utilizados

durante o desenvolvimento do jogo. Esse hub também funcionou como ponto de

partida para os novos participantes, pois ele concentrava as principais informações

e acontecimentos do jogo.

Essa preferência e predomínio de um suporte frente aos demais pode ser

uma questão a ser explorada em pesquisas futuras e ajudar a entender por que em

determinados momentos uma mídia predomina sobre as demais. Isso sugere que,

apesar das diversas opções de suportes existentes, ocorre uma dificuldade do

indivíduo de conseguir dedicar sua atenção e realizar sua recepção frente a todas

elas ao mesmo tempo. Estudos sobre essa hipótese poderiam ajudar a entender por

que, em determinado momento, um suporte sobrepõe-se aos outros, funcionando

como um hub para eles.

A importância dos designers ficarem atentos ao tempo do ARG foi outra

questão levantada. Apesar desse tipo de jogo utilizar os diversos suportes e um

tempo ficcional mais intenso do que o tempo “real” para expandir a experiência

imersiva, deve-se ter cuidado para que não se desdobre o tempo diegético do jogo

de forma excessiva pois, se esse ritmo for rápido demais, o tempo “real” dos

participantes pode não acompanhar o tempo do jogo. E, nesse descompasso, o

ARG pode acabar perdendo jogadores que não conseguiram continuar jogando

devido ao ritmo acelerado do jogo. Isso acabou ocorrendo no World Without Oil e

foi o motivo de muitas críticas dos participantes do fórum.

Outro ponto surgido na pesquisa foi a identificação de possíveis tipos de

jogadores de ARG. Conseguimos identificar três possíveis grupos de jogadores:

um grupo que parece estar mais interessado no aspecto narrativo de um Alternate

Reality Game, para quem o desenvolvimento de uma boa e profunda história é a

principal preocupação. Além desse grupo, identificamos também os jogadores que

têm como foco principal os desafios apresentados durante o jogo. Esses

participantes estão mais preocupados em quais serão os problemas que terão de

enfrentar e resolver durante o ARG. Por fim, o terceiro grupo de jogadores que

identificamos são os participantes que estão mais preocupados em organizar os

materiais produzidos e coletados durante o jogo do que participarem diretamente

do ARG.

Entrentanto, apesar dessas diferenças, um aspecto observado foi que todos

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os participantes atuaram de forma a manter a crença na narrativa. Aliás, isso

estabeleceu a comunidade em um grupo de jogadores de ARG. E para evitarem

que essa crença diminuísse e, com isso, a comunidade se rompesse, eles

trabalharam para manter esse aspecto e com isso continuarem a viver no mundo

narrativo estabelecido no jogo. Outro aspecto observado nessa pesquisa e que vai

de encontro a esse zelo pela imersão foi o fato de grande parte dos jogadores

assumirem papéis e interpretarem personagens ao longo do jogo. Isso foi um dado

interessante, pois nos ARGs não é necessário que os jogadores criem personagens

para participarem da história, uma exigência comum nos RPGs, por exemplo.

Entretanto, apesar de desnecessário, muitos jogadores criaram uma estrutura para

seus personagens.

Dessa forma, apesar da criação de personagens não ser necessária para

participar de um ARG, acreditamos ser importante que os designers procurem

estabelecer uma estrutura que facilite o desenvolvimento de personagens pelos

jogadores, se eles assim desejarem.

Em relação aos aspectos educacionais, o ARG procurou tratar os temas

objetivados ao mesmo tempo em que buscava desenvolver a narrativa. Os

designers conseguiram criar uma estrutura que incentivou reflexões e

desdobramentos produzidos pelos jogadores em relação a esses temas. Entretanto,

alguns jogadores mais ligados aos aspectos narrativos disseram que a narrativa se

tornou mais irrelevante do que os temas educacionais conforme o jogo avançava,

e que isso criou um aspecto de “trabalho de escola” no ARG. Outros jogadores

discordaram dessa visão, mas isso levanta uma questão importante para os

designers atentarem no desenvolvimento de um alternate reality game que possua

interesse educacional: a narrativa é parte fundamental da imersão e será ela que

sustentará essa comunidade de jogadores. Os elementos educacionais devem

sempre estar de acordo com o aspecto narrativo e não ofuscarem o aspecto

ficcional, caso contrário os jogadores podem se sentir “enganados” e isso resultar

em uma perda do aspecto imersivo e redução no número de participantes.

Como possíveis desdobramentos dessa pesquisa, apontamos a necessidade

de aprimorarmos o método estabelecido de análise de dados dos ARGs, buscando

aplicá-lo a diferentes tipos de ARGs e a partir disso, aperfeiçoá-lo.

Outro é o aperfeiçoamento da estrutura do jogo, possibilitanto a

incoporação das personagens criadas pelos jogadores, se estes assim desejarem.

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Seria interessante também pensar em como incluir mais diretamente nessa

estrutura os diversos tipos de jogadores do jogo e como incorporar seus desejos

em busca de uma maior sinergia narrativa.

Essa pesquisa permitiu que adentrassemos nos mundos ficcionais dos ARGs

e os conhecermos melhor. E para essa viagem, estabelecemos conceitos teóricos

que nos permitiram traçar os caminhos iniciais e nos guiaram nessa jornada,

conceitos esses que esperamos que ajudem os próximos exploradores. Além

desses guias, buscamos estabelecer também as ferramentas que nos ajudaram em

nossas buscas - também as deixamos para outros desbravadores, com a esperança

que possam ser utéis. Por fim, retornarmos de nossa jornada com algumas

respostas e ainda com muitas dúvidas sobre esses mundos desconhecidos. Mas

novos mundos irão surgir, assim como novos exploradores ávidos por conhecê-los

e desbravá-los, e esperamos que possam encontrar nesse trabalho uma ajuda para

suas aventuras.

Pois as fusões entre mundos ficcionais e reais continuarão a acontecer, como

aponta o diálogo a seguir136

, ocorrido no dia quatro de abril de 2007, dos

senadores brasileiros a respeito da polêmica lançada pelo senador Arthur Virgílio

dias antes relacionada à ação de um ARG, reproduzida na introdução desta

dissertação:

“O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB – RR. Pronuncia o

seguinte discurso. (...)

“E quero, Sr. Presidente, trazer aqui hoje matéria publicada no site

www.amazonia.org.br, justamente de uma organização não-governamental que se

preocupa bastante com a Amazônia – discordo de muitas de suas afirmações;

portanto, é insuspeita para mim, porque não concordo com tudo que ela afirma –

e que publica o seguinte artigo: “Empresa dos Estados Unidos propõe privatizar a

Amazônia”. A data é 27 de março de 2007. O teor é o seguinte:

“O laboratório Arkhos Biotech, dos Estados Unidos, defende em vídeo o

controle

privado para “salvar a Amazônia”. E acusa o Brasil de não cuidar da

região.” (...)

136

DIÁRIO DO SENADO FEDERAL, Brasília, 4 de abril de 2007. Págs. 08513-08514. -

http://www.senado.gov.br/publicacoes/diarios/pdf/sf/2007/04/03042007/08513.pdf

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O Sr. Arthur Virgílio (PSDB – AM) – Permite-me um aparte, Senador?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB – RR) – Senador Arthur

Virgílio, com muito prazer, concedo-lhe o aparte.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB – AM) – Essa empresa é a Arkhos Biotech, que, na

verdade, é virtual. Eu próprio embarquei nessa canoa e procurei fazê-lo com o

maior humor.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB – RR) – É interessante que

V. Exª afirme isso, porque, quando comecei, tive o cuidado de dizer que isso

estava publicado em um site de uma organização não-governamental que, embora

eu discorde em muitos pontos, é uma instituição que me parece séria e que publica

com detalhes, inclusive mostrando percentuais e a localização. Portanto, Senador

Arthur Virgílio, em vez de simplesmente acreditar que a coisa é virtual, peço que

os órgãos do Governo, no caso os encarregados da fiscalização da Amazônia,

investiguem isso(...)”.

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