histÓria da religiÃo

164
HISTÓRIA DA RELIGIÃO Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Robson Stigar

Upload: others

Post on 11-Jun-2022

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

HISTÓRIA DA RELIGIÃO

Programa de Pós-Graduação EAD

UNIASSELVI-PÓS

Autoria: Robson Stigar

Page 2: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCIRodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito

Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SCFone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Tathyane Lucas Simão Prof. Ivan Tesck

Revisão de Conteúdo: Welder Lancieri MarchiniRevisão Gramatical: Equipe Produção de MateriaisRevisão Pedagógica: Bárbara Pricila Franz

Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2017Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

221.9 R854h Stigar, Robson

História da religião / Robson Stigar. Indaial : UNIASSELVI, 2017.164 p. : il.

ISBN 978-85-69910-62-6

1. História - Teologia.I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

Page 3: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

Robson Stigar

É doutorando em Ciência da Religião na PUCSP. Possui mestrado em Ciência da Religião pela PUCSP; MBA em Gestão Educacional; Especialização em Filosofia da Arte; Especialização em Catequética; Especialização em Educação, Tecnologia e Sociedade; Especialização em Ensino Religioso;

Especialização em Psicopedagogia; Especialização em História do Brasil; Aperfeiçoamento em Ensino de

Filosofia; Aperfeiçoamento em Sociologia Politica pela UFPR. É bacharel em Teologia; licenciado em

Filosofia pela PUCPR; Licenciado em Pedagogia pela UNINTER. Atua como professor na Educação Básica

e no Ensino Superior. Autor do Livro “O Ensino Religioso e sua Historicidade”, possui vários

artigos científicos publicados em periódicos e artigos livres em jornais de circulação.

Page 4: HISTÓRIA DA RELIGIÃO
Page 5: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

Sumário

APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7

CAPÍTULO 1Introdução à História da Religião ....................................... 9

CAPÍTULO 2As Religiões Orientais ......................................................... 57

CAPÍTULO 3As Religiões Ocidentais ..................................................... 109

CAPÍTULO 4As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas ..................... 139

Page 6: HISTÓRIA DA RELIGIÃO
Page 7: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

APRESENTAÇÃOEntendemos a presente obra como relevante, uma vez que precisamos cada

vez mais de subsídios e conhecimentos sobre as Culturas e Tradições Religiosas, tanto a Ocidental como a Oriental, permitindo assim um Diálogo Inter-religioso e a Paz Mundial que segundo Hans Kung só será possível se o mesmo partir das Religiões.

No primeiro capitulo a obra procuramos refletir sobre a relação do Ser Humano com a Religião, se existe ou não uma religião natural ou se ela é apenas uma estrutura do produto de uma determinada cultura. Temos também os diversos conceitos etimológicos estabelecidos sobre o termo religião que foram elaborados ao longo da História.

No segundo capitulo temos as Religiões Orientais, onde apresentamos as suas principais características, a fim de compreender as suas origens e ramificações. Procura ainda analisar as influências histórico-cultural de cada uma dessas grandes religiões presentes no Oriente, bem como conhecer um pouco da história do Budismo, do Hinduísmo, do Taoísmo, do Xintoísmo e do Confucionismo.

No terceiro capitulo são apresentadas as grandes Religiões do Ocidente e suas principais características, a fim de conhecer suas origens e ramificações que ocorreram ao longo da história, objetivando entender um pouco mais da História das Religiões ocidentais e de sua influência na História Geral.

No quarto e último capitulo temos as Culturas e Tradições Religiosas Afro-brasileiras e Indígenas. Procuramos apresentar as suas principais características, as suas origens e ramificações. Buscamos ainda diferenciar a Umbanda do Candomblé, conhecer o Sincretismo Religioso e por fim conhecer um pouco do Sentido Religioso, do Sagrado e do Transcendente para a Cultura Indígena.

A atual sociedade vive sob efeitos de novos Paradigmas, sendo o Pluralismo Religioso um deles. Neste sentido a presente obra proporciona um espaço de formação e reflexão para aqueles interessados possam aprimorar seus conhecimentos nesta área da Teologia e Ciência da Religião.

O autor.

Page 8: HISTÓRIA DA RELIGIÃO
Page 9: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

CAPÍTULO 1

Introdução à História daReligião

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Compreender a relação do ser humano com a religiosidade ao longo da História.

� Estudar os conceitos de religiões elaborados ao longo da História.

� Conhecer as constituintes das religiões.

� Entender as classificações de religião.

� Diferenciar o sagrado do profano.

� Fazer a análise da Ciência da Religião e sua relação com a História.

Page 10: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

10

História da Religião

Page 11: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

11

Introdução à História da Religião Capítulo 1

ContextualizaçãoNeste capítulo vamos estudar sobre a relação do ser humano com a

religiosidade e como ela se desenvolveu ao longo da História da humanidade.

Também vamos conhecer os diversos conceitos etimológicos estabelecidos sobre o termo religião que foram elaborados ao longo da História, também pretendemos passar pelas constituintes das religiões e suas classificações, procurando entender suas origens e gênesis.

Por fim, pretendemos diferenciar o sagrado do profano e fazer uma análise da Ciência da Religião e sua relação com a História.

O Ser Humano e a ReligiãoA busca por uma religião nos leva diretamente ao núcleo do problema da

existência ou não de uma religião natural ou se ela é apenas uma estrutura do produto de uma determinada cultura.

Se a religião é natural, somos conduzidos necessariamente à questão: de que maneira se considera a religião como constitutiva da natureza humana? Uma resposta a esta pergunta pode ser alcançada se considerarmos as ideias de Eliade (1993) e de Otto (1996), que entendem que a religião possui um caráter Numinoso.

Numinoso é uma expressão de origem latina utilizada por Rudolf Otto. Numine significa divindade, Oso corresponde a cheio, assim, podemos afirmar que Numinoso significa cheio de divindade. Assim, ao estudar o Numinoso, podemos dizer que Otto quer apreender o racional e o irracional na ideia de Deus.

Essa característica coloca no sujeito que experimenta a experiência religiosa toda a capacidade de se direcionar para o divino mediante um sentimento irresistível de dependência do Criador. Neste sentido, Eliade (1993) entende que o homem possui dentro de si uma inclinação natural ao comportamento religioso.

Page 12: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

12

História da Religião

Esse ser religioso produz ritos, articula comportamentos e formula distintas religiões sempre com o mesmo objetivo: reverenciar o Criador. E deste modo, somos chamados a entender e viver esta dimensão sagrada da existência humana que rompe com a normalidade e a repetição da vida humana.

Por outro lado, se somos religiosos por um simples ato da cultura humana, conforme aponta Hock (2010), temos de entender o comportamento religioso simplesmente como mais um entre os tantos outros que temos.

Nesta hipótese, não há nada de especial em ter ou não ter uma conduta religiosa, visto que ter ou não ter tal conduta é um hábito humano totalmente desprovido de qualquer relação divina.

Neste sentido, ter uma conduta religiosa seria – conforme apontam alguns sociólogos – um hábito. Segundo Berger (1985), temos hábitos religiosos assim como orações individuais e em comunidade. Logo, não somos seres ligados a uma divindade que queremos reverenciar, apenas cumprimos atividades do cotidiano de modo repetitivo que produz um certo costume religioso em nós.

Ambas as hipóteses descritas neste texto possuem problemas e qualidades. Inicialmente apontaremos algumas para que tenhamos a percepção da importância de se entender a religião em nosso mundo contemporâneo.

A hipótese de que temos uma religião por sermos seres religiosus é importante para entendermos como o homem se relaciona com o ser divino, ou com os seres divinos, desde os primórdios de sua existência na Terra. Neste aspecto, estudar as civilizações do passado e entender seu modo de reverenciar a Deus ou aos deuses é um modo de entender porque somos seres que veneram a divindade em nosso tempo.

Esta hipótese nos coloca no centro do problema e do drama humano: como podemos saber o que a divindade que nos criou quer de nós? Eis aí o conflito interior do homem, muito bem relatado pelos textos das grandes tradições religiosas do Ocidente.

O homem precisa se voltar para seu Criador através dos textos, ritos e religião para se religar ao ser que o colocou nesta existência. Esse drama humano pode nos levar às mais belas experiências místicas que já experimentamos e elevar nosso ser ao divino, mas ao mesmo tempo pode produzir uma angústia terrível naqueles sujeitos que não conseguem ter nenhum sentimento ou vivência da dimensão religiosa do humano.

A hipótese de que temos uma

religião por sermos seres religiosus é importante para

entendermos como o homem se relaciona com o ser divino, ou com os

seres divinos, desde os primórdios de sua existência na Terra.

Page 13: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

13

Introdução à História da Religião Capítulo 1

O limite desta forma de entender a religião consiste justamente em colocar em lados opostos os que possuem este tipo de sentimento de dependência e reverência com relação ao divino e aqueles que nada possuem em seu interior de tal percepção do divino ou da religião.

Neste aspecto, a religião estaria limitada ao grupo de homens e mulheres que possui este íntimo de religioso em si, enquanto que aos demais ficaria difícil se encaixar em uma conduta religiosa, pois não se sentem como parte.

Já a hipótese de que a religião é um hábito humano e como tal se reduz a isso e nada mais amplia o espectro de indivíduos que alcança, em detrimento da divindade e da sacralidade da experiência religiosa.

Nesta hipótese, não há nenhuma relação com o divino em termos de sentimento interior de dependência ou de vivência de uma experiência mística original. Esta perspectiva resume a vivência religiosa ao aspecto formal de um hábito que, conforme aponta Berger (1985), é semelhante a qualquer outro hábito.

Em outros termos, a religião como hábito humano tira toda a possibilidade de transcendência com relação com o divino, mas permite uma perspectiva social e cultural para com a existência humana. Neste aspecto, há um ganho social em detrimento do espiritual.

O ser humano parece naturalmente tender ao caminho de uma religião. Somos seres que queremos encontrar o significado das coisas, por isso começamos a questionar. As interrogações são verdadeiramente profundas, pois queremos ir além de nossas capacidades. Um dos questionamentos é a questão Religião e Religiosidade. O que é religião?

E nós, que desejamos saber o que é a religião, que já sabemos que ela se apresenta como uma rede de símbolos, temos de parar por um momento para nos perguntar sobre o que ocorreu com aqueles que herdamos. Que fizeram conosco? Que fizemos com eles? E para compreender o processo pelo qual nossos símbolos viraram coisas e construíram um mundo, para depois envelhecer e desmoronar em meio a lutas, temos de reconstruir uma história. Porque foi em meio a uma história cheia de eventos dramáticos, alguns grandiosos, outros mesquinhos, que se forjaram as primeiras e mais apaixonadas respostas à pergunta “o que é a religião?” (ALVES, 1999, p. 18).

Estes eventos dramáticos que forjaram a maior parte das religiões. Segundo Alves (1999), a religião procura responder a dilemas humanos sem solução aparente. Neste aspecto, o Homo religiosus definido por Otto (1996) nos aparece como sendo uma imposição da natureza humana. Tendemos ao sagrado de modo que, homens que somos, queremos entender o divino mesmo estando distantes dele.

O ser humano parece naturalmente tender ao caminho

de uma religião.

Page 14: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

14

História da Religião

Desta maneira, o processo histórico de constituição das religiões, em especial a monoteísta, esteve ligado diretamente ao modo como o homem se relacionou com o sagrado. Tudo o que não pode ser explicado de modo racional acabou por ser constituído como sagrado, e por natural consequência, o rito religioso.

No processo histórico através do qual nossa civilização se formou, recebemos uma herança simbólico-religiosa, a partir de duas vertentes. De um lado, os hebreus e os cristãos. Do outro, as tradições culturais dos gregos e dos romanos. Com estes símbolos vieram visões de mundo totalmente distintas, mas eles se amalgamaram, transformando-se mutuamente, e vieram a florescer em meio às condições materiais de vida dos povos que os receberam. E foi daí que surgiu aquele período de nossa história batizado como Idade Média (ALVES, 1999, p. 18).

O processo de desenvolvimento da religião no Ocidente aliou dois aspectos. A herança dos hebreus e seu monoteísmo; e a filosofia grega e seus aspectos racionais e diversificados.

Ao estudarmos a religião no Ocidente encontramos três grandes religiões monoteístas, a saber: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Estes grupos religiosos, segundo Eliade (1993), misturam-se com outros grupos menores para formar uma complexa teia de manifestações religiosas.

Em seu Tratado da História das Religiões, Eliade (1993) faz uma descrição minuciosa das religiões no Ocidente, tendo em mente a hierofania, ou seja, a manifestação de Deus. Desta forma, elabora uma complexa descrição das religiões europeias, africanas, americanas, indianas, budistas, entre outras.

Em sua obra, Eliade (1993) recorre a elementos da natureza, símbolos solares, aspectos da cultura de diferentes povos para expor seus significados religiosos. Desta maneira, tenta englobar fenômenos agrícolas, cosmopolitas e manifestações tribais para articular uma explicação sobre o imenso campo religioso. Tendo como ponto de partida a manifestação do Sagrado no espaço dos templos de cada religião mencionada, Eliade (1993) quer explicar como o mito se articula dentro do sistema religioso. Seu método comparativo procura expor a

A religião no Ocidente

encontramos três grandes religiões monoteístas, a

saber: Judaísmo, Cristianismo e

Islamismo.

Hierofania, ou seja, a manifestação de

Deus.

Page 15: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

15

Introdução à História da Religião Capítulo 1

morfologia e a estrutura das religiões e dos mitos para nos trazer o simbolismo e o significado de cada comportamento religioso.

Ao contrapor Sagrado e Profano, Eliade (2008) quer estabelecer uma estrutura de explicação para podermos entender como funcionam os grandes movimentos religiosos e suas consequências.

Todos estes movimentos aparentemente contraditórios, de unificação e fragmentação, de identificação e de separação, de atração e de resistência ou de repulsão, poderão ser mais claramente apreendidos quando examinadas as diferentes técnicas de aproximação e manipulação do Sagrado (ELIADE, 2008, p. 377).

Para Eliade (2008), a dialética entre as hierofanias abre a possibilidade da redescoberta de valores religiosos que se encontram no meio social. Desta maneira, a história das religiões se encontra em um drama, ou seja, a necessidade constante da redescoberta destes valores que nunca são definitivos. Cabe ao historiador das religiões o constante reavivamento destes valores.

Neste sentido, uma pesquisa histórica precisa de constante revisão e não existe uma única maneira para entender o modo rígido de funcionamento de uma religião. À medida que se encontram novos elementos, a pesquisa assume novas proporções, sem perder de vista o que já foi pesquisado e o que há a ser pesquisado.

Poderemos, então, produzir um constante reavivamento na pesquisa da história da religião se tivermos estas prerrogativas em mente.

Logo, a história da religião não é algo fixo, imutável, mas, ao

mesmo tempo, não pode ser qualquer coisa, por isso é importante uma boa historiografia para que a pesquisa produza bons frutos.

Eis a tarefa do historiador da religião: procurar no passado, e no presente, elementos que lhe permitam, mediante sua escolha de referências epistemológicas e historiográficas, uma pesquisa acurada e clara sobre a relação entre o homem e a religião, desvendando práticas religiosas e permitindo releituras das práticas atuais.

A história da religião não é algo fixo,

imutável,

Page 16: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

16

História da Religião

Contudo, não podemos esquecer que o eixo do conhecimento mudou na modernidade e valorizou muito o homem, em detrimento da divindade. Esse aspecto foi muito bem lembrado por Alves (1999). Segundo o autor, a modernidade se libertou das amarras dos conceitos medievais de religião, colocou o conhecimento humano como prioridade na busca pela verdade natural, neste sentido o homem deixou de estar preso aos conceitos medievais e limitados para postular e buscar o infinito.

Tudo girava em torno de um núcleo central, temática que unificava todas as coisas: o drama da salvação, o perigo do inferno, a caridade de Deus levando aos céus as almas puras. E é perfeitamente compreensível que tal drama tenha exigido e estabelecido uma geografia que localizava com precisão o lugar das moradas do demônio e as coordenadas das mansões dos bem-aventurados. Se o universo havia saído, por um ato de criação pessoal, das mãos de Deus — e era inclusive possível determinar com precisão a data de evento tão grandioso e se Ele continuava, pela sua graça, a sustentar todas as coisas, concluía-se que tudo, absolutamente tudo, tinha um propósito definido. E era esta visão teleológica da realidade (de tetos, que, em grego, significa fim, propósito) que determinava a pergunta fundamental que a ciência medieval se propunha: “para quê”. Conhecer alguma coisa era saber a que fim ela se destinava. E os filósofos se entregavam à investigação dos sinais que, de alguma forma, pudessem indicar o sentido de cada uma e de todas as coisas. E é assim que um homem como Kepler dedica toda sua vida ao estudo da astronomia na firme convicção de que Deus não havia colocado os planetas no céu por acaso. Deus era um grande músico-geômetra, e as regularidades matemáticas dos movimentos dos astros podiam ser decifradas de sorte a revelar a melodia que Ele fazia os planetas cantarem em coro, no firmamento, para o êxtase dos homens. No final de suas investigações ele chegou a representar cada um dos planetas por meio de uma nota musical. O que Kepler fazia em relação aos planetas os outros faziam com as plantas, as pedras, os animais, os fenômenos físicos e químicos, perguntando-se acerca de suas finalidades estéticas, éticas, humanas. De fato, era isto mesmo: o universo inteiro era compreendido como algo dotado de um sentido humano. É justamente aqui que se encontra o seu caráter essencialmente religioso (ALVES, 1999, p. 18-19).

Deste modo, passamos de um universo religioso para um universo que pode, pela razão humana, ser desvendado e explicado. Embora o processo de secularização daí decorrente tenha produzido uma definição de religião fraca, o religioso não desapareceu do meio cultural, como chegaram a profetizar alguns teóricos da era moderna.

Page 17: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

17

Introdução à História da Religião Capítulo 1

Atividade de Estudos:

1) Tendo em vista a mudança conceitual existente acerca da religião na Modernidade, o processo de secularização se torna um fato. Assim, o que é secularização e como ela se desenvolve?

Para responder estas duas perguntas, leia a resenha do livro A Era Secular: https://revistas.pucsp.br/index.php/rever/article/view/26199

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O Conceito de ReligiãoConceituar o termo religião nos permite aprofundar a perspectiva do

entendimento e o funcionamento de um determinado grupo religioso. Se sabemos o que os dirigentes, os fiéis e os adeptos de um grupo religioso entendem por religião, sabemos também como pensam e organizam suas atividades em torno dela.

O conceito de religião nos dá uma ferramenta a mais no entendimento da dinâmica da conduta diária do sujeito religioso. Ao historiador da religião cabe escolher e dinamizar sua pesquisa para o melhor entendimento do material a ser estudado.

Embora saibamos que definir religião é uma tarefa difícil, devemos enfrentá-la para diferenciar nossa atividade daquela simples profissão de fé desencadeada durante os ritos religiosos pelos dirigentes e experimentada pelos fiéis, ou seja, precisamos racionalizar a religião e a religiosidade e não apenas vivenciá-la.

A definição de “religião” é produto histórico e cultural que no Ocidente adquiriu um sentido ligado à tradição cristã. O termo “religião”, gerado como fruto histórico de nossa cultura ocidental e sujeito a alterações com o passar do tempo, não possui um significado único, depende da escolha de cada um. Ao contrário, somos nós, com finalidades científicas, que conferimos sentido ao conceito.

A definição de “religião” é produto

histórico e cultural que no Ocidente adquiriu um sentido ligado à

tradição cristã.

Page 18: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

18

História da Religião

A definição não é aleatória: deve poder ser aplicada a conjuntos reais de fenômenos históricos suscetíveis de corresponder ao vocábulo “religião”, extraído da linguagem corrente e introduzido como termo técnico.

Entendemos que uma conceituação acadêmica não deve atender a compromissos religiosos específicos, nem ser vaga ou ambígua, por exemplo, definir “religião” como “visão de mundo”, o que pressuporia que todas as “visões de mundo” fossem religiosas.

Se “religião” é definida como “sagrado”, a questão então é saber o que é “sagrado” e o seu oposto, o “profano”. Ainda há os conceitos muito excludentes: a afirmação “acreditar em Deus” deixa de fora todos os politeísmos e o Budismo, enquanto a crença numa realidade sobrenatural ou transcendental também não contempla adequadamente os fenômenos religiosos, por não ser comum a todas as culturas religiosas.

É importante mencionar que há uma interligação entre religião e filosofia, pois a reflexão filosófica se ocupa do conteúdo da religião, conferindo substancialidade às suas análises e ideias.

Em suma, o estudo da religião implica uma análise crítica da estrutura da religião em questão. Se uma religião tradicional ou revelada? Se possui rito ou não? Como os fiéis se relacionam com ela? Que são os fiéis?

Podemos entender religião como: religião é um sistema comum de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos dentro de universos históricos e culturais específicos.

De acordo com Hock (2010, p. 17), “o termo religião não é usado de modo uniforme, e até sua derivação terminológica é disputada”. Ao dizer isto, o especialista nos lembra que a definição de religião remonta a Cícero (106-43 a.C.), que em seu tratado De Natura Deorum (Sobre a natureza dos deuses) define religião como

Em suma, o estudo da religião implica

uma análise crítica da estrutura da religião em questão. Se uma religião tradicional ou revelada? Se possui rito ou não? Como os

fiéis se relacionam com ela? Que são os

fiéis?

Page 19: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

19

Introdução à História da Religião Capítulo 1

cultus deorum, ou seja, culto aos deuses, como cultivo ou adoração dos deuses, estando em evidência o comportamento ritual correto (HOCK, 2010, p. 18).

O debate acerca dos termos e definições de religião adquiriu grande desenvolvimento na antiguidade romana. Isso significa que não há um consenso geral, apenas como dissemos anteriormente, que se usa mais uma ou outra definição dependendo do contexto.

A definição de religião é uma das questões mais controversas no âmbito do estudo e da pesquisa em História da Religião. Vejamos abaixo as definições utilizadas. O termo religião vem do latim “religare”, termo que significa religação:

• Re-Legere (re-ler): ler de novo ou reunir; • Re-Ligare (re-ligar): ligar o homem ao Transcendente; • Re-Elegire (re-eleger): tornar a escolher.

A definição de religião como religação pode ser manifestada de vários modos: temor, fascínio. Podemos ainda incluir valores morais, como a santidade e uma relação pessoal direta com a divindade.

Dentre esses sentimentos de religação que mencionamos o de dependência é o que mais aparece no cotidiano, que por vezes se desdobra em um sentimento de interdependência. Em outras palavras, além de Deus, dependemos uns dos outros.

Podemos considerar importante também mencionar a forma como o homem está religiosamente vinculado a uma realidade. Em um primeiro aspecto, a realidade em debate se encontra de alguma maneira no próprio homem, chamamos essa experiência de religião imanente. Em um segundo modo, a realidade divina está infinitamente além do homem. A este modo nominamos de religião transcendente.

Imanente significa a realidade da religião do homem e que o significado da religação é concreto no mundo em que o homem está inserido. É interior ao ser humano. Transcendente, por sua vez, significa aquilo além do ente, isto é, aquilo que está além do homem, fora da realidade concreta.

Page 20: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

20

História da Religião

Isso significa que ao adotar uma definição de religião temos que ser cientes dos limites. No caso de seguirmos a definição de religião imanente, o limite se encontra no objeto em que se experimenta ou sente ou ainda se pensa, pois a dificuldade em sair do concreto impõe uma barreira intransponível. Por outro lado, se seguirmos a religião transcendente, o objeto de adoração ou de crença está tão distante, inatingível, que temos dificuldade em estabelecer um vínculo. No mundo contemporâneo existem inúmeras denominações religiosas, ou se quisermos, tipos de religião, a religião revelada e a religião natural.

a) Religião revelada: é um tipo de manifestação de Deus ao homem que ocorre em um determinado momento da história. Neste caso, Deus pode se revelar a um homem ou a um povo que ele elegeu. Ou ainda, a revelação pode ser completamente individual, de foro íntimo, e pode ocorrer em um determinado momento da vida do homem. Neste aspecto, a religião revelada a um povo tende a ser institucional e a religião revelada a um homem tende a ser pessoal.

b) Religião natural: é uma série de normas, verdades ou princípios que não se opõem à religião revelada.

Agora que sabemos detalhadamente o que é religião, passamos a relacioná-la com os diferentes aspectos do saber humano, começamos por relacioná-la com a filosofia, para entendermos como a religião articula seu raciocínio e modo de expressão com a filosofia.

Filosofia e religião encontram-se no que tange à reflexão do conceito de religião, que é eminentemente filosófico. Além disso, é possível dizer que a filosofia é fundamentalmente religiosa. Logo, entendemos que Filosofia e Religião se complementam e se enriquecem.

A Filosofia estuda e se ocupa da linguagem da religião. A religião pode ser qualquer uma, pois o importante é analisar os aspectos estruturais, valores, formas e relações entre os conceitos.

Na história da religião tivemos muitos elementos que remontam a experiências religiosas. Segundo Eliade (1996), os diferentes símbolos religiosos expressam uma unidade fundamental entre as religiões. Esta hipótese retomada por Eliade (1996) é completamente imposta ao mundo multicultural e facetado em que vivemos. Embora Sêneca (65 a.C.) tenha exposto brilhantemente que a multiplicidade dos símbolos e cultos são aspectos de um Deus único, percebemos que o mundo contemporâneo recupera inúmeras características do paganismo da época romana.

Page 21: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

21

Introdução à História da Religião Capítulo 1

A disputa entre as diferentes correntes religiosas aponta a diversidade de ideias no mundo ocidental antigo. Esse processo de contraposição de ideias religiosas continuou na chamada Idade Média. Queremos destacar aqui a riqueza das diferentes expressões religiosas no Ocidente e no Oriente, que, de acordo com vários historiadores, filólogos e arqueólogos, representam a vontade do homem em falar do Sagrado.

Podemos resumir a disputa atual entre os historiadores da religião, de acordo com Eliade (1993), em dois grupos: os que centram atenção nas estruturas específicas dos fenômenos religiosos; e os que preferem o contexto histórico desses fenômenos religiosos. Isso significa que o primeiro grupo quer entender a essência da religião, enquanto que o segundo preocupa-se em decifrar e apresentar a história da religião.

De acordo com Eliade (1992), o importante para o estudo da religião é tentar mostrar como a experiência religiosa se manifesta. Neste sentido, para o homem religioso o espaço não é homogêneo, existem quebras, existem partes do espaço, diferentes das outras.

Para exemplificar isso, Eliade (1992) apresenta uma passagem bíblica conhecida: “não te aproximes daqui, disse o senhor a Moisés; tira as sandálias de teus pés, porque o lugar onde te encontras é uma terra santa” (ÊXODO, 3:5). Neste caso, verificamos que existe um espaço Sagrado que é forte e significativo e outros que são menos importantes, sem consciência. Deste modo, para o homem religioso, o fato do espaço não ser homogêneo pode ser traduzido pela experiência de uma oposição entre espaço Sagrado e o restante que o cerca. Neste sentido, o espaço Sagrado é o único que existe e é real.

Desta forma, o homem que experimenta esta experiência religiosa do Sagrado faz uma experiência primordial que corresponde à fundação do mundo. Quando ocorre a manifestação do Sagrado por uma hierofania, além da ruptura da homogeneidade do espaço, ocorre algo muito mais importante, ou seja, a revelação de uma realidade absoluta. Assim, a manifestação do Sagrado é uma fundação ontológica do mundo, é um ponto fixo.

Por outro lado, a experiência profana ocorre no espaço homogêneo e neutro. Neste ambiente podemos dividir o espaço de modo homogêneo. Nesta existência profana não há nenhum estado puro. O homem que optar por uma vida profana não consegue abolir completamente o religioso, mesmo que tente.

De acordo com Eliade (1992), o

importante para o estudo da religião é

tentar mostrar como a experiência religiosa

se manifesta.

O homem que optar por uma

vida profana não consegue abolir

completamente o religioso, mesmo

que tente.

Quando ocorre a manifestação do Sagrado por uma hierofania,

além da ruptura da homogeneidade

do espaço, ocorre algo muito mais importante, ou

seja, a revelação de uma realidade absoluta. Assim, a manifestação do Sagrado é uma

fundação ontológica do mundo, é um

ponto fixo.

Page 22: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

22

História da Religião

Outra perspectiva de entendimento da religião parte do pensador alemão Hans-Jürgen Greschat (2006), que entende a religião como uma totalidade que deve ser estudada sistematicamente, contudo, o especialista em religião deve ter em mente que o objeto Religião não existe apenas na cabeça dos pesquisadores. Neste sentido, o objeto Religião é algo concreto, real.

De acordo com Greschat (2006), a maioria das religiões é clara, com fronteiras bem delimitadas e, por conseguinte, é fácil distinguir quem está dentro e quem está fora. Aqueles que nascem em uma tradição religiosa já fazem parte dela, os que nascem fora dela precisam ser adotados; neste sentido, a maioria das religiões insiste em adotar o estrangeiro, enquanto há outras religiões que querem a conversão. Podemos entender desta reflexão que as religiões integram os seres humanos.

Quando os indivíduos desaparecem ou migram, a sua religião deixa de existir, isso significa que o indivíduo precisa reorganizar a sua religião ou se converter a outra, de modo que em alguns casos surgem novas religiões.

O objeto Religião não pode ser considerado como um todo compacto e uniforme, pois varia de acordo com a experiência individual de cada sujeito. Para Greschat (2006), as religiões encontram-se em constante transformação, mesmo que sua doutrina esteja solidificada, pois é a dinâmica entre o passado e o presente que as mantém vivas. Essa força vital das religiões coloca em movimento e dá sentido à existência dos crentes.

Assim, os textos sagrados constituem um elemento fundamental para solidificação e expansão de uma religião. Este aspecto, aliado à tradição oral, permite à religião difundir suas tradições. Conforme aponta Max Müller (1873), o desenvolvimento da astronomia, da gramática, da filologia e da sociologia contribuiu para o entendimento do que é religião.

Em suma, para Greschat (2006), uma religião é semelhante a uma casa, algumas são grandes, outras pequenas, mas cada uma delas tem suas particularidades, sótãos, porões, dentre outros, e para conhecê-las bem é preciso muito tempo de pesquisa.

Isso implica entender o modo de funcionamento de um sistema religioso como uma estrutura. Desta maneira, para entendê-la precisamos desmontar as partes, desta forma facilitaremos nossa pesquisa.

Uma estrutura é composta de um alicerce, de uma base, de uma aparência externa, de divisões e cobertura. Isso vale, portanto, para o entendimento de uma religião.

Page 23: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

23

Introdução à História da Religião Capítulo 1

SOARES, Afonso Maria Ligorio. A teologia em diálogo com a Ciência da Religião. In: Revista Ciberteologia. v. 2. n. 5, 2009. Disponível em: <http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-content/uploads/2009/06/01ateologiaemdialogo.pdf>. Acesso em: 4 maio 2017.

Atividade de Estudo:

1) Ao estudarmos a religião e sua conceituação, percebemos que duas áreas do conhecimento nos ajudam a compreendê-la: a teologia e a ciência da religião. Entretanto, ambas possuem uma estrutura epistemológica e metodológica própria. Neste sentido, leia o artigo: RUTHES, Vanessa Roberta Massambani; STIGAR, Robson; TORRES, Valéria Rocha. Ciência da Religião e Teologia: há diferença de propósitos explicativos? In: Revista Kerygma. v. 10. n. 1. 2014. Disponível em: <https://revistas.unasp.edu.br/kerygma/article/download/599/637>. Acesso em: 4 maio 2017.

A partir da leitura, crie um esquema comparativo que demonstre qual é a estrutura epistemológica da teologia e da ciência da religião.

Page 24: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

24

História da Religião

As Constituintes Das Religiões

O que compõe uma religião? Os elementos que organizam e compõem uma religião podem nos ajudar no seu entendimento. Sem estes elementos ou partes ficamos com um todo, unido, muitas vezes difícil de ser entendido, dado o peso e o caráter sólido de uma religião.

Somos lembrados de modo constante de que a religião é, antes de qualquer coisa, um produto humano, é fruto do nosso desejo de divindade ou de nosso hábito. Por vezes, esquecemos que o que compõe a religião, além de suas doutrinas, regras morais e hábitos, é o homem. O ser humano que, com suas dificuldades e preocupações cotidianas, procura sair dessa platitude da existência, linear, fria e sem sentido.

Uma religião é composta pelo texto sagrado, pelo carisma pela instituição e pelo rito. Evidentemente que isto varia de acordo com as diferentes religiões, e isso também é característica da riqueza das religiões. É importante mencionar também as formas e as expressões dos fiéis.

[...] ela nos obriga a levar a sério também os fiéis de outras religiões e não somente usá-los como instrumentos ou estudá-los de um ponto de vista distante, como o de biólogos que observam um grupo de chimpanzés. Nossas conclusões sobre determinada religiosidade alheia estão corretas? (GRESCHT, 2005, p. 160).

A interrogação apresentada pelo catedrático de Marburg (Alemanha) é importante, porque remete à questão biológica de que, se somos naturalmente religiosos ou adquirimos essa condição. No cristianismo, o Cristo constitui a religião com a comunidade dos fiéis. É na comunidade dos primeiros cristãos que se organizou o seio da religião que posteriormente se difundiu.

O Cristo, na história humana, representa a perfeita união do homem com Deus. É pela cruz que Cristo nos colocou novamente no caminho da salvação e, ao morrer e ressuscitar no terceiro dia, nos fez homens novos.

A santa Igreja, ao instituir os ministérios e a doutrina, estabelece os passos para o homem caminhar rumo à salvação. É na tradição da Igreja que se coloca o homem como imagem e semelhança de Deus. Este homem que, ao receber a verdade da vida de Cristo, transforma o mundo, e com ciência faz da humanidade uma obra que glorifica Deus.

Eis que o magistério da Igreja revela toda a dimensão antropológica e divina da mensagem de Deus. Pelo seu rito e pela doutrina é que podemos entender como o homem deve se guiar rumo à salvação na busca pela eternidade. O ser humano que se coloca no caminho da verdade revelada por Cristo se aproxima dos caminhos de Deus e eleva seu ser na direção da eternidade.

Page 25: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

25

Introdução à História da Religião Capítulo 1

Esta dupla dimensão - humana e divina - de nossa existência nos leva aos bons atos, mediante nosso discernimento, pois somos seres livres. A liberdade de escolher nos conduz para onde quisermos ir. Esta condição radical da liberdade humana pode nos salvar ou pode nos condenar, depende de nossas decisões, pois Deus e a Igreja já nos apontaram o caminho a seguir.

Eis que precisamos questionar: o que é a Igreja? Para que serve? Para responder, devemos lembrar as palavras de Cristo: “tu és Pedro e sobre ti assentarei a minha Igreja”. Ora, Ele mesmo nos disse que a Igreja é a instituição que pelo seu magistério deve nos alimentar na busca da fé deste homem multifacetado em nossos dias por se esquecer do papel da Igreja.

Na perspectiva teológica, a resposta de Cristo é forte, pois nos coloca na comunidade dos fiéis e nos retira de todo tipo de individualismos em que o mundo contemporâneo nos coloca. É a lembrança viva de que no magistério da Igreja se realiza a nossa fé.

As experiências religiosas organizadas pela Igreja em seu cânon são apresentadas ou expressas de maneira humana e revelam a experiência divina. As experiências humanas partem da revelação do Cristo na história humana.

Segundo os teólogos, nossas experiências religiosas ocorrem de modo

dialético, pois temos o conteúdo da fé de um lado e, de outro, o conteúdo da fé em si. Este movimento produz experiências nas quais a revelação se afirma.

A importância da liturgia para se manifestar o conteúdo da fé. A liturgia aponta o caminho para se criar experiências religiosas humanas. É dentro deste ambiente que a experiência criatural fundamental renova e estabiliza sua fé sob os apontamentos da doutrina da Igreja. No entanto, a experimentação de Deus na liturgia eclesial só é possível por causa do contato diário com o homem do mundo que se coloca de carne e osso diante de nós.

Se Greschat (2005) relembra a importância dos fiéis na constituição da religião, Urbano Zilles (2002) nos lembra da dimensão religiosa do humano.

Para Zilles (2002), a dimensão religiosa engloba diversas dimensões do ser humano, e embora diversas, não se excluem, elas se completam. Desta maneira, se quisermos conhecer detalhadamente o ser humano, devemos entrar em cada uma destas características sem excluir anteriormente as diversidades de entendimento.

Para Zilles (2002), a dimensão religiosa engloba diversas dimensões do ser humano, e embora diversas, não se excluem, elas se

completam.

Page 26: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

26

História da Religião

O que se significa com a palavra religião e religioso. Talvez tal pressuposição esteja certa enquanto se refere às manifestações mais ostensivas, mas quando se trata de precisar a essência da religião, logo surgem dificuldades sem fim. Quem poderá fixar os limites entre o verdadeiramente religioso e o puramente cultural, folclórico ou social? [...]. Se compararmos o fenômeno religioso com o fenômeno social ou similar, podemos dizer que designamos a estrutura especial do homem definida por sistema de relações com os outros homens [...]. No fundo de toda a situação verdadeiramente religiosa encontra-se a referência aos fundamentos últimos do homem: quanto à origem, quanto ao fim e quanto à profundidade. O problema religioso toca o homem em sua raiz ontológica. Não se trata de fenômeno superficial, mas implica a pessoa como um todo. Pode caracterizar-se o religioso como zona do sentido da pessoa. Em outras palavras, a religião tem a ver com o sentido último da pessoa, da história e do mundo.

Fonte: Zilles (2002, p. 5-6).

No mundo moderno, as diferentes constituições da religião se confrontam e fragmentam a realidade dos fiéis. A transformação da sociedade ocidental em sociedade secular teve seu ponto culminante na formulação da filosofia iluminista, que exaltou a razão de maneira exagerada.

Os desdobramentos da moderna forma de ver o mundo causaram a retirada da religião do âmbito público, relegando-a ao privado. Por isso a salvação se transferiu do nível público para o particular, enfatizando o subjetivismo e o relativismo moral.

A salvação no mundo moderno mudou de foco, saiu da esfera religiosa e se inclinou para o lugar secular. É no meio secular que o homem procura a salvação, porque o âmbito religioso é restrito a alguns, enquanto que o meio secular é universalmente acessível. É na política que o homem pode resolver seus problemas particulares e existenciais, porque Deus está muito longe de suas possibilidades. Um exemplo disto é o crescente aumento de organizações civis, sem nenhuma ideologia religiosa, que buscam, por meio de suas ações, defender uma causa específica para o benefício de um grupo de pessoas. Este fenômeno é uma das consequências do esclarecimento moderno.

O desenvolvimento moral não esteve em sincronia com o avanço científico.

Portanto, o conhecimento do bem e do mal não significa necessariamente uma atitude ética equilibrada e coerente.

Page 27: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

27

Introdução à História da Religião Capítulo 1

Esta confusão gera problemas de ordem fundamental para a teologia e o fundamento desta, porque as ciências naturais possuem um largo campo de atuação e muito mais credibilidade acadêmica do que a Filosofia e a Teologia. A tomada de decisão política sobre os fatos sociais leva em si uma transformação da secularização em uma entidade dominante.

Por isso, tanto a expansão da democracia e do progresso econômico e

tecnológico no mundo como as guerras e as revoluções com suas centenas de milhões de mortos foram fruto de decisões. Esta linha de argumentação conduz inevitavelmente a uma pergunta: qual é o fundamento das decisões enquanto tais?

Diante desta perspectiva, a herança perversa da modernidade está intimamente associada ao fato de a política se basear numa teologia política não assumida. O mal emerge com seu pior rosto quando a política oculta habilmente seu vínculo com a religião.

Como explica Voegelin (1965), em “A nova ciência do político”, a política moderna pretende abandonar a transcendência em nome da imanência, mas dando a esta o mesmo significado. Em palavras mais simples, a política moderna pretende ingenuamente construir o Paraíso na Terra! Em “A transparência do mal”, Baudrillard (1991) afirma que o bem consiste em uma dialética entre o bem e o mal. Em contraste, o mal se derivaria da negação dessa dialética, na desunião radical entre bem e mal.

Concordando metaforicamente, poderia ser afirmado que o bem consiste numa dialética entre a “Cidade de Deus” e a “Cidade dos Homens” (na terminologia de Santo Agostinho (1983)).

A redenção e a forma de se livrar do mal na modernidade mudaram do meio estrito da Igreja para se fundar na técnica, ou seja, o homem pode se salvar mediante o uso de máquinas que o transformem em algo mais que o humano. Este ser pós-humano constrói uma religião implícita, que aparece sob outras categorias, sendo importante a teologia mudar o modo de abordar tais questões.

Com efeito, o mal deixou de estar associado unicamente à questão da fé ou da crença, passou a fazer parte de discursos retóricos dos acadêmicos, reflete-se com frequência sobre o modo de se redimir dos pecados na esfera civil e pública. Contudo, a religião passou a ser subjetiva, de tal forma que as categorias desse homem pós-humano não são suficientes para explicar a realidade do homem robotizado, tecnologicamente evoluído, mas moralmente fracassado.

Na perspectiva da Sociologia da religião, há uma preocupação com os elementos constitutivos da religião que estão ligados à prática social da religião. A

Page 28: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

28

História da Religião

religião possui várias dimensões e uma delas é justamente o aspecto social que envolve ritos e hábitos, culturas que se mostram na experiência humana como modos ou hábitos.

Para Berger (1985), a religião é um campo simbólico específico que opera de diferentes modos e permite a intercambialidade de artigos religiosos e ideias religiosas. Esta forma de expressão da dinâmica da religião aparece de diferentes modos nas igrejas, nos ritos e nos modos de vida dos sujeitos, variando de classe para classe, por isso o mesmo conceito de religião não pode ser aplicado para as diferentes camadas sociais, cada classe consome sua própria forma de religião.

Embora a definição de religião possa ser questionada de diferentes modos, temos que entender a necessidade de uma definição provisória ou de trabalho plausível. Nas palavras de Durkheim (1977), gostaria de colocar em evidência a razão fundamental que permite preparar melhor os espíritos, a fim de aceitar a explicação que propus da religião.

Essa razão diz respeito a uma característica fundamental da religião, mas que não é imediatamente perceptível, precisamente porque é essencial, aparece progressivamente, na medida em que o estudo avança.

Esse caráter é o que poderíamos chamar de virtude dinamogênica de toda espécie de religião. Em uma primeira abordagem, a religião se apresenta como um sistema de representações.

Por isso foi geralmente concebida como uma especulação sobre o sonho ou sobre a morte, sobre a natureza infinita ou sobre o ideal. Parece que todo o problema consiste em procurar como, para além do real, o espírito humano chegou a conceber alguma coisa que ele não pode conhecer pelos mesmos processos que a realidade empírica. Para resolver a questão colocada nestes termos, a palavra ideal é particularmente cômoda, porque tem um duplo sentido. O ideal é, num certo sentido, uma coisa humana; ele se elabora nas nossas consciências. Mas, ao mesmo tempo, ele parece voltar-se para um não sei quê, que supera o dado. Parece, pois, que se conseguirmos explicar como os homens chegaram a pensar outra coisa além daquilo que é, teríamos, ao mesmo tempo, explicado aquilo que há de mais fundamental na mentalidade religiosa. Aí não está, entretanto, o essencial da religião. Esta é, antes de tudo, da ordem da ação (DURKHEIM, 1977, p. 38).

Neste sentido, a religião é muito mais do que um sistema de sentido que se entrelaça na solidariedade mecânica das sociedades arcaicas, mas na modernidade assume a definição de solidariedade orgânica, os indivíduos particulares é que conferem legitimidade ou sentido para a religião.

Page 29: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

29

Introdução à História da Religião Capítulo 1

Assim, as forças religiosas só podem ser forças naturais. Por outro lado, como elas têm, manifestamente, a função de agir sobre os espíritos, é preciso que sejam forças morais. É preciso que elas emanem de consciências, pois somente as consciências podem agir sobre as consciências.

Ora, na natureza, no mundo observável, as únicas forças que são superiores àquelas de que dispõe o indivíduo enquanto indivíduo, são aquelas que são produzidas pela covalência e a fusão de uma pluralidade de forças individuais numa mesma resultante: são as forças coletivas. As únicas consciências que estão acima da consciência do indivíduo são as consciências dos grupos.

Todavia, a superioridade de que falo não é puramente física: ela é moral. Com efeito, a sociedade é, ao mesmo tempo, autora e depositária de todos esses bens intelectuais cujo conjunto constitui a civilização onde se nutrem as consciências humanas. A sociedade é, pois, a fonte eminente da vida moral na qual se alimenta a vida moral dos indivíduos.

A religião, como construtora de um sentido moral único e amplo, produz em seu bojo um sentido universal que lhe garante legitimidade histórica e teológica. Além disso, seu aspecto prático, como bem ressalta a sociologia da religião de Durkheim, permite entender que nós passamos de uma sociedade puramente coletiva e com uma solidariedade mecânica para uma sociedade fragmentada e dividida em inúmeros campos de atuação, em que opera a solidariedade orgânica.

Com efeito, o que outrora produzira um modelo de religião fundado na moral coletiva, na chamada modernidade estabelece elementos de uma moral fragmentada pela lógica do mercado e operando com uma moral individual e não coletiva.

Através da sociologia percebemos que a religião é, sobretudo, um produto

do homem, uma construção: é através da exteriorização que a sociedade é um produto humano. É através da objetivação que a sociedade se torna uma realidade sui generis. É através da interiorização que o ser humano é um produto da sociedade (BERGER, 2004, p. 16).

O termo sui generis indica algo que não tem semelhança alguma com outra realidade, ou seja, é algo original e singular.

A religião, como construtora de um

sentido moral único e amplo, produz em seu bojo um sentido

universal que lhe garante legitimidade histórica e teológica.

Page 30: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

30

História da Religião

Para entendermos como o homem produz religião e sentido, precisamos descobrir como funcionam os mecanismos sociais e o modo de construção destes. “A existência humana é um contínuo ‘pôr-se em equilíbrio’ do homem com seu corpo, do homem com seu mundo. É nesse processo que o homem produz o mundo” (BERGER, 2004, p. 18).

A produção do mundo, por sua vez, implica a produção de religião. Neste sentido, a religião “é a cosmificação feita de maneira sagrada” (BERGER, 2004, p. 38). E mais ainda:

A parte historicamente decisiva da religião no processo de legitimação é explicável em termos da capacidade única da religião de “situar” os fenômenos humanos em um quadro cósmico de referência. [...] A legitimidade religiosa pretende relacionar a realidade humanamente definida com a realidade última, universal e sagrada. [...] os nomoi humanamente construídos ganham um status cósmico (BERGER 1985, p. 48-49).

A palavra “mundo” em “O dossel sagrado” deve ser entendida fenomenologicamente, ou seja, “omitindo-se a questão do seu estatuto ontológico último” (BERGER, 1985, p. 15). Por “mundo dos homens” entende-se uma realidade que, por não vir pronta da natureza como a do mundo biológico dos animais, precisa ser construída pelos homens.

Segundo Abbagnano (1999), a fenomenologia deve ser entendida como a área do conhecimento que estuda os diversos fenômenos e sua manifestação na realidade.

Uma realidade peculiar, explicada por Berger (1985, p. 18) nos seguintes termos: “Como os outros mamíferos, o homem está em um mundo que precede o seu aparecimento. Em oposição aos outros mamíferos, este mundo não é simplesmente dado, pré-fabricado para ele. O ser humano precisa fazer um mundo para si”.

Mais adiante ele afirma que o homem, “biologicamente privado de um mundo do homem, constrói um mundo humano. Esse mundo, naturalmente, é a cultura” (BERGER, 1985, p. 19). O autor entende a cultura como o produto da atividade e da consciência humanas, ou seja, o conjunto de tudo aquilo que constitui o mundo socialmente construído dos homens.

E a religião entra em cena como o meio necessário para a manutenção desse mundo. Não é à toa que Berger (1985, p. 15) inicia seu texto dizendo: “Toda

Page 31: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

31

Introdução à História da Religião Capítulo 1

sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo. A religião ocupa um lugar destacado nesse empreendimento”. Embora, como pesquisador, tenha que ressaltar a dificuldade deste conceito amplo de cultura derivado da sociologia de Berger (1985).

No entanto, a construção artificial exige uma manutenção artificial, visto que o mundo humano não se mantém de modo natural. O mundo socialmente construído pelos homens se apresenta estruturalmente muito menos sólido do que o mundo biológico dos animais: “Todos os mundos socialmente construídos são intrinsecamente precários” (BERGER, 1985, p. 42). Isso implica a necessidade dos esforços para se manter o mundo humano em pé.

Essa manutenção se realiza por meio de discursos legitimadores, sendo o discurso da religião o mais eficaz para tal tarefa. Isso se deve ao fato de que a legitimação religiosa fundamenta a ordem social em origens que transcendem a história e o homem (KAWAUCHE, 2003, s.p.).

Nas palavras do autor: “a religião foi historicamente o instrumento mais amplo e efetivo de legitimação. Toda legitimação mantém a realidade socialmente definida. A religião legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as precárias construções da realidade erguidas pelas sociedades empíricas” (BERGER, 1985, p. 45).

Temos então o princípio das ideologias: os discursos legitimadores ajudam a sustentar os mundos humanos. Todavia, a legitimação por si só não garante a manutenção do mundo – antes de tudo, é preciso que haja condições na estrutura da sociedade para que a legitimação tenha efeito.

Berger (1985) acredita que a realidade (objetiva e subjetiva) perdurável do mundo construído depende de processos sociais específicos “que permanentemente reconstroem e mantêm os mundos particulares em apreço” (BERGER, 1985, p. 58).

O mecanismo de rememoração das “respostas legitimadoras” através do ritual religioso é inútil se não houver uma “base” estrutural que garanta a validade das legitimações. Esse pré-requisito de qualquer sociedade é o que Berger denomina “estrutura de plausibilidade” (BERGER, 1985, p. 58).

Page 32: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

32

História da Religião

Não basta que as respostas legitimadoras sejam repetidas indefinidamente. É preciso que a sociedade esteja estruturada de tal forma que essas respostas façam sentido. Afinal, a construção social do mundo se movimenta em direção oposta ao caos, visando um sentido para o universo, ou seja, uma teodiceia.

Quanto melhor a estrutura de plausibilidade da sociedade, mais autoexplicável é o mundo e, consequentemente, menos discursos legitimadores são necessários para a sua manutenção. No limite, o que se deseja é uma estrutura de plausibilidade que seja capaz de resistir não apenas aos “fenômenos anímicos [...] do sofrimento, do mal e, sobretudo, da morte” (BERGER, 1985, p. 65), mas a todo e qualquer tipo de ameaça à integridade da estrutura, por exemplo, um sentido de mundo alternativo oferecido por uma outra sociedade.

E ainda, no caso de uma situação de pluralidade de sistemas religiosos, Berger faz uma analogia geográfica, comentando que a manutenção desses sistemas “envolve a proteção dos limites territoriais de cada estrutura de plausibilidade, estendê-los se possível e a manter controles eficazes sobre os desviados dentro dos respectivos territórios” (BERGER, 1985, p. 2).

A manutenção de uma estrutura de plausibilidade é de tal importância na realidade socialmente construída, que os esforços da sociedade são não apenas defensivos, mas também ofensivos. Berger (1985, p. 60) ilustra isso com o seguinte exemplo:

[...] a ameaça mútua do Cristianismo e do Islã na Idade Média exigiu que os teólogos de ambos os mundos sociorreligiosos produzissem legitimações que defendiam o próprio mundo de cada um contra o mundo contrário (e que, por sinal, incluíam uma ‘explicação’ do outro mundo nos termos do seu próprio mundo).

Para falarmos deste problema, destacamos que manter íntegra a estrutura de plausibilidade de um mundo socialmente construído (seja ele religioso ou não) é uma questão tão crucial para a sociedade (ou melhor, para os ‘promotores’ institucionais dos mundos) a ponto de justificar, sem nenhuma crise de consciência, as guerras mais violentas contra todas as estruturas adversárias (KAWAUCHE, 2003).

A sociologia da religião não pretende dar uma explicação definitiva sobre a realidade humana em sua pesquisa sobre a religião, seu interesse é muito mais modesto, ou seja, quer na verdade estabelecer um olhar diferenciado a partir de dento da religião e da vivência desta. Berger (1995) procura no hábito religioso o conceito que lhe dê uma percepção que até o momento estava esquecida.

Pluralidade de sistemas religiosos, “envolve a proteção dos limites territoriais

de cada estrutura de plausibilidade,

estendê-los se possível e a

manter controles eficazes sobre os

desviados dentro dos respectivos territórios”

(BERGER, 1985, p. 2).

Page 33: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

33

Introdução à História da Religião Capítulo 1

Quer seja com conflitos ou posturas liberais, a secularização é um processo irreversível dentro da sociedade ocidental, visto que cada indivíduo procura sua própria narrativa de sentido, ou seja, sua própria religião, não existe mais o dossel sagrado e universal que outrora mantinha a sociedade coesa e em bloco.

Parece que estamos destinados a experimentar a experiência da fragmentação e particularização da religião, e este processo resulta a retomada da velha regra de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”.

Sob esta realidade surgem inúmeras denominações religiosas que tornam o campo de pesquisa do historiador da religião muito fecundo. Desta maneira, pesquisar os desdobramentos e as implicações das religiões no mundo contemporâneo nos apresenta vários desafios para o entendimento deste homem.

E isso é fruto dessa dissolução da religião tradicional em diferentes modos e expressões de espiritualidade do mundo em que vivemos. Pouca gente aceita os dilemas e o fardo moral de uma grande religião.

A unidade social outrora presente na sociedade se pulverizou e somos bombardeados constantemente por mensagens que chegam a ser conflitantes sobre a estrutura das religiões.

As manifestações dos crentes de diferentes grupos religiosos mostram que eles desconhecem a sua própria religião e procuram em outras aquilo que está na sua própria.

Há de certo modo uma confusão dos fiéis e das próprias organizações religiosas naquilo que passam aos seus seguidores. Não só uma vez vemos e ouvimos mensagens ambíguas que são desmentidas pelo próprio contratestemunho de muitos religiosos.

Para não ficarmos na superficialidade de comentários ou opiniões vazias, precisamos entender cada elemento da religião que nós pesquisamos. Ao historiador da religião cabe a tarefa de clarificar essas dinâmicas difusas do mundo contemporâneo.

Para aprofundar os fatores constituintes da religião, consulte o site: Espaço acadêmico. Disponível em: <https://www.espacoacademico.com.br/024/24ckawauche.htm>. Acesso em: 4 maio 2017.

Page 34: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

34

História da Religião

Artigo: STIGAR, Robson. A concepção de religião para Max Weber: um olhar a partir da ciência da religião. In: Revista Kerygma, v. 11, n. 2, 2º semestre/2015. Disponível em: <https://revistas.unasp.edu.br/kerygma/article/view/770/713>. Acesso: em: 4 maio 2017.

As Classificações Das ReligiõesA classificação de uma religião sempre implica escolher critérios, por isso ela

não é definitiva. Deste modo, a classificação que propomos é puramente para fins acadêmicos de pesquisa e em nenhum momento possui a pretensão de ser uma definição rígida e última sobre os grupos religiosos.

Cabe a questão: por que, então, na disciplina de História da Religião devemos classificar as religiões? Esta questão é pertinente: precisamos de uma classificação dos modelos de religião por dois motivos principais: 1- organizar a pesquisa e o material para o estudo de uma religião; 2- formular críticas e explicações pontuais, evitando generalidades e perspectivas sobre uma religião.

Isso nos garante certa tranquilidade e agiliza o processo de identificação

de certas características de uma religião pesquisada pelo historiador da religião. Assim ganhamos tempo e qualidade na pesquisa que desenvolvemos.

Para podermos pesquisar e entender a estrutura das religiões, precisamos classificar e esclarecer qual é o significado de cada uma das denominações religiosas estudadas.

Para estabelecermos uma classificação provisória dos grupos religiosos considerando suas estruturas, de acordo com Hock (2010), definimos algumas características, que têm como objetivo organizar o estudo da história da religião (HOCK, 2005, p. 97-99):

Classificação provisória dos grupos

religiosos.

Page 35: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

35

Introdução à História da Religião Capítulo 1

• O tipo orientado pelo ambiente e pela língua: neste caso há uma relação mútua entre sagrado e profano. Seriam as religiões pré-históricas e do norte da Eurásia.

• O tipo culturalmente desintegrado: essa manifestação coloca Sagrado e Profano em polos distintos. Citamos como exemplo antigas religiões sul-americanas e religiões tradicionais do Mediterrâneo.

• O tipo orientado por ritos: esse grupo enfatiza os ritos e corresponde a uma ética independente. Os exemplos mais conhecidos são as religiões índicas antigas (védicas), antiga religião Bön do Tibete ou as religiões cananeias.

• O tipo relacionado com o tempo: essa religião compreende a religião linear do tempo com conceitos de início e fim do mundo. Mencionamos aqui o Cristianismo Primitivo e o Islamismo Primitivo.

• O tipo orientado por normas: esta religião se manifesta por ritos, mas a prática ocorre a partir de uma vivência ética. As mais conhecidas são o Confucionismo e o Judaísmo Rabínico.

• O tipo sincretista complexo: este grupo religioso une temporariamente elementos diversificados em diferentes culturas, causando uma diversidade de características religiosas. Exemplos destas manifestações são: Umbanda, Candomblé e, ainda, religiões helênico-sincretistas.

• O tipo sintético complexo: este grupo religioso une elementos de diferentes origens de modo definitivo. As religiões mais conhecidas deste grupo são Judaísmo Moderno, grupos de Cristianismo, grupos de Islamismo e o Budismo Maaiana.

Estes diferentes grupos evidenciam que vivemos em uma época de crise. “Crise moral do mundo ocidental [...]: a destruição de toda e qualquer tradição, de um sentido de vida mais abrangente, de padrões éticos imprescindíveis [...]” produziu seres que “não sabem mais que preferências seguir, que prioridades colocar e que imagens orientadoras escolher” (KÜNG, 2004, p. 28-29).

As mudanças substanciais em nossa sociedade colocam os extremismos em evidência, e os conflitos devem ser evitados, este é o motivo do estudo das religiões. Se conhecermos bem as dificuldades das nossas expressões radicais de religião, poderemos evitar os conflitos.

Page 36: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

36

História da Religião

Existem sete dimensões de mudanças que devem ser consideradas: a política mundial deixou de ser eurocêntrica para tornar-se policêntrica; não é mais colonialista e imperialista, mas, sim, de cooperação internacional; no campo da economia, o capitalismo e o socialismo são substituídos por um tipo ecossocial de mercado; a sociedade industrial é substituída pela de serviços e de comunicação; nas relações sociais, evidencia-se o surgimento de um sistema pós-patriarcal nas relações de gênero; a cultura passa a ser entendida não mais como ideologia, mas como pluralista e integral; e, por fim, no campo da religiosidade começa-se a buscar uma comunidade mundial multiconfessional ou ecumênica.

Fonte: Küng (2004, p. 45-46).

Segundo o teólogo Küng (2004, p. 46), “uma decadência de valores, mas uma fundamental transformação de valores”, que possibilitaria o desenvolvimento do ser humano todo e de todos os humanos.

Mas, para tanto, seriam necessárias quatro passagens: a passagem de uma ciência desvinculada da ética para uma eticamente responsável; de uma tecnocracia subjugadora para uma tecnologia que serve à promoção da humanidade; de uma indústria que degrada o meio ambiente para uma que promova os verdadeiros interesses e necessidades da humanidade em harmonia com a natureza; e de uma democracia formal e de direito para uma vivencial, na qual haja a reconciliação da liberdade e da justiça.

Fonte: Küng (2004, p. 46-47).

A busca pela paz pode ser conquistada com diálogo e abertura ao debate, evitando a perda de vidas. Sabemos dos limites da racionalidade humana, mas podemos construir um diálogo frutífero se nos colocarmos em posição de compreensão para com o outro.

A busca pela paz pode ser conquistada

com diálogo e abertura ao debate, evitando a perda de

vidas.

Page 37: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

37

Introdução à História da Religião Capítulo 1

A concordância de que se pode resolver conflitos sociais de uma forma não violenta. O que pressupõem uma ordem econômica e uma ordem jurídica? A concordância no desejo de orientar por determinadas ordenanças e leis. O que pressupõem as instituições que sustentam essas ordens, mas que constantemente estão em transformação? Resposta: o desejo de pelo menos silenciosamente concordar sempre de novo com elas.

Fonte: Küng (2004, p. 59-60).

Isto significa que existe o temor do obscurantismo fundado no extremismo religioso, o que se finda na retomada de sentimentos arcaicos. Num outro sentido, a contrariedade à fé cientificista no progresso, oriunda de um naturalismo cru que dissolve a moral. [...] Mas isto não é espantoso, visto que a contemporaneidade possui como característica própria este fundamentalismo islâmico, e em outros momentos um fundamentalismo cristão, porém, apesar de o fundamentalismo ser um fenômeno moderno, “o que impressiona de imediato é a não contemporaneidade dos motivos e dos meios. Ela (atitude) é o reflexo da diferença temporal entre cultura e sociedade” (HABERMAS, 2004, p. 136). [...] Por isso podemos dizer que os argumentos dos terroristas são anteriores à separação entre Igreja e Estado. Com efeito, “o que é decisivo é que a mudança de mentalidade, que se exprime politicamente por meio da separação entre Religião e o Estado vê-se claramente bloqueada por sentimentos de humilhação” (HABERMAS, 2004a, p. 137). Isso ocorre em diferentes partes do mundo, mesmo na Europa, onde existem sentimentos ambivalentes frente à secularização (SCHUCK, 2010, p. 27-28).

A busca pela paz em meio ao mundo europeu secularizado esbarra na ineficácia dos mecanismos de controle do Estado, não queremos um Estado medieval, mas ao mesmo tempo precisamos de um Estado moderador.

Existe, assim, uma radicalização entre as diferentes expressões secularizadas da modernidade. [...] Isto significa que a guerra contra o terrorismo não é uma guerra, na verdade é um choque funesto entre dois mundos, civilizações diferentes, e concepções de mundo divergentes. Assim, o que se espera não é um Estado com fundamento em Hobbes, garantidor da paz universal pelo uso da força e da imposição do medo, mas um poder modelador que permita um mínimo de civilidade em escala mundial. “No estágio em que estamos não podemos esperar por nada além de um artifício da Razão e por um pouco de autoconsciência” (HABERMAS, 2004, p. 137). Contudo,

Page 38: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

38

História da Religião

para esperarmos por isso, precisamos entender bem o que significa a distinção entre secularização na sociedade pós-secular e razão moderna. É por isso que Habermas retoma a clássica distinção entre fé e saber (SCHUCK, 2010, p. 28).

O estudo da religião requer uma gama de características diversas que englobe os diferentes campos de conhecimento presentes na academia para evitar a intolerância e o proselitismo. Desta maneira, o conhecimento que se funda na diversidade adquire abrangência, contudo pode carecer de profundidade. A ciência da religião, inserida na dinâmica da sociedade do século XXI, sofre duplamente a influência dos fenômenos radicais por um lado e, por outro, a total liberalização.

A contingência e singularidade assumem papéis importantes na estruturação do conhecimento durante os séculos XVIII e XIX. Os estudos realizados nas diferentes áreas de conhecimento, especialmente historiografia, filologia, sociologia e a antropologia, contribuíram substancialmente no alargamento do conceito de religião. O Eurocentrismo começa a sofrer os primeiros abalos mediante o conhecimento de novas culturas. Mediante a consideração de que “imediatamente relevante é o objeto “religião”, ou seja, qualquer crença ou sensação religiosa subjetiva, bem como expressão religiosa manifesta empiricamente e acessíveis por pesquisadores da religião” (GRESCHAT, 2006, p. 32). Desta sorte, o conhecimento expresso de maneira integrada garante uma abrangência maior sem deixar de mostrar a singularidade e profundidade de diversas áreas de conhecimento. Isto permite perceber a importância do contato direto com o objeto “religião”. Substancialmente, o ensinamento parece ser a necessidade de produzir conhecimento e não apenas reproduzir (SCHUCK, 2010, p. 28-29).

O avanço das ciências nos séculos referidos e de modo especial no século XX permitiu aprofundar substancialmente os conhecimentos acerca da religião. No entanto, o conhecimento por vezes ainda se autoexclui, porque os denominados ateus defendem a impossibilidade de sustentar o Deus tradicional, enquanto que a corrente dos que entendem a importância da divindade se apoia na experiência prática da religião.

O modo de compreender a realidade e entender a formação do conhecimento acaba por excluir completamente todas as formas de incluir Deus no discurso da ciência. O conhecimento envolve somente o saber acerca do que se pode demonstrar e mensurar. A crise decorrente desse problema provém principalmente do modelo epistêmico adotado fundado no ceticismo dogmático. Por outro lado, os que defendem uma postura que inclui a divindade no discurso argumentam em prol de uma sociedade mais justa invocando a presença de uma divindade. Os pensadores de vertente social argumentaram por um caminho totalmente ateu por muito tempo, especialmente nos anos de 1960 a 1970, mas

Page 39: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

39

Introdução à História da Religião Capítulo 1

lentamente a permanência da religiosidade de fato transformou o modo de pensar de alguns sociólogos. Entre os pensadores da Escola de Frankfurt, o exemplo dessa tendência é Habermas, enquanto professor universitário tendeu mais para a primeira corrente; contudo, após a aposentadoria em 1994, assumiu uma preocupação maior com a religião e sua presença na sociedade contemporânea. A modernidade é um processo que ataca a religião tradicional e que permanece dentro desse âmbito. O objeto de estudo não muda de lugar, mas assume uma nova forma de se expressar, de se impor. Para Habermas, “a moral do igual respeito por cada um vale independentemente de qualquer tipo de contexto religioso” (HABERMAS, 2007a, p. 239). Deste modo, a religião não pode ser usada como justificativa ética, visto que a ética se configura como condição de sobrevivência em sociedade (SCHUCK, 2010, 29-30).

No contexto contemporâneo da Ciência da Religião emerge uma nova forma de abordagem, “afastando-se tanto das escolas fenomenológicas como científico-sociais da religião. Trata-se da aplicação de princípios e métodos darwinianos aos objetos de estudo clássicos, uma aplicação tão promissora quanto controversa” (CRUZ, 2007, p. 261).

Com efeito, as diferentes áreas de conhecimento procuraram uma solução para o fenômeno religioso e as práticas religiosas das diferentes culturas. Estudar a real experiência religiosa das diferentes culturas presentes na contemporaneidade parece ser o principal desafio da Ciência da Religião.

O homem contemporâneo se depara com uma contradição fundamental: de um lado floresce um ateísmo radical, enquanto que, por outro, o radicalismo religioso serve para justificar atentados armados e intervenções militares. A definição de religião é muito controversa e difícil. A pergunta que suscita é uma aporia da razão teórica, como formulara Kant, e responder ao que é a religião seria demasiado para a limitação do humano. Assim, buscar os fundamentos últimos de uma ciência da religião é uma tarefa humanamente impossível (SCHUCK, 2010).

Por isso, alguns teóricos preocupar-se-ão em estudar a religião partindo do fenômeno, de como ela é manifesta na dimensão da existência humana. Preocupar-se-ão, não em definir o que é, mas como as pessoas vivem suas religiões. Os chamados fenomenólogos da religião preocupar-se-ão com o modo de funcionamento do sistema religioso. Porque seu fundamento é o relativismo de Protágoras e a teoria da ação de Wittgenstein, ou seja, não importa a verdade,

Page 40: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

40

História da Religião

mas como se usam os termos religiosos na prática, pelo uso é que se justificam as atitudes e os ritos dentro de uma determinada religião. É claro que esta postura possui problemas em seu bojo, contudo ela se aproxima mais de como funciona o sistema de crenças na sociedade do século XXI.

Aparentemente, alguns pensadores caminham para lados diferentes, mas se olharmos mais de perto perceberemos que: apesar de usarem métodos de abordagem diferentes, ambos concordam sobre um tema, a religião serve como reserva de conteúdo para os juízos morais. Mesmo na sociedade chamada por muitos de pós-metafísica ainda existe um ponto de reserva semântica para as atitudes do ser humano (SCHUCK, 2010).

A pluralidade que constatamos no mundo contemporâneo é fruto da

fragmentação da sociedade em que vivemos. A religião não desapareceu, ela está pulverizada, espalhada em diferentes campos de vivência espiritual.

Assim, o mundo permeado por diferentes cosmovisões se mostra com dificuldades de dialogar. Sob a pretensa afirmação de que cada cultura é diferente se esconde um dogmatismo, da mesma maneira se verifica essa tendência nos que afirmam a universalidade de uma visão de mundo. A dificuldade parece justamente estar nos exageros da razão ou da crença, contudo é muito vulnerável falar de equilíbrio quando se define religião, fé, conhecimento, verdade e outras definições que parecem soar ingênuas frente à promiscuidade semântica da contemporaneidade. Talvez a persistência da presença da religião no âmbito público seja uma resposta à falta de sentido que a filosofia contemporânea projetou sobre o ser humano. Porque não crer em nada e nem mesmo no próprio homem parece desesperador, uma vez que construímos nossa vida sobre crenças muitas vezes frágeis (SCHUCK, 2010).

O meio em que vivemos, ao contrário do que muita gente pensou e pensa, está permeado pelo âmbito religioso, e isso é uma percepção do mundo em que vivemos.

Como mencionamos anteriormente, o fiel encontra-se em outra esfera, sua demanda não pode mais ser respondida pela religião tradicional, mas ao mesmo tempo ele procura nela o sustentáculo semântico para continuar a existir. Esta angústia individual se reflete na esfera pública, se o filósofo perdeu seu papel de intelectual e o sacerdote não é mais a única

Page 41: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

41

Introdução à História da Religião Capítulo 1

autoridade a ser ouvida quando assunto é fé, os estados nacionais se encontram em uma aporia; refutam a religião e, com ela, muitos fiéis aceitam as diversidades e negam se a preceito axiomático de laicidade. Novamente uma narrativa cosmológica, [...] não serve para explicar a dinâmica entre fé saber no mundo contemporâneo. O próprio Habermas se posiciona frente à filosofia da história de Hegel com algumas ressalvas importantes e, além do mais, a dinâmica do século XX e início do XXI apresentou certa negação ao postulado hegeliano de que a filosofia do espírito substituiria a religião (SCHUCK, 2010, p. 45).

Poderíamos, no entanto, devolver o problema ao apresentar os limites da sociologia e da filosofia, pois a autofundação da razão em nível ontológico não prova nada. Partindo de uma visão teológica sistemática se poderia, por exemplo, evocar a união ontológica de Deus com o homem e seus graus de hierarquia, usando a filosofia como instrumento. Assim, a religião seria a forma do ser humano agradecer a Deus por existir, uma vez que Deus é o único ser que é.

Portanto, no problema da dinâmica da sociedade pós-secular podemos perceber que existe uma variedade muito grande de posicionamentos possíveis frente à fé em relação ao conhecimento. A dinâmica presente no processo de secularização não pode ser considerada apenas por um dos lados, ou seja, o Iluminismo não suprimiu definitivamente as noções de religião do âmbito acadêmico e tampouco da vida dos cidadãos secularizados.

O resultado deste processo de secularização é um conjunto de religiões jovens que podem ser chamadas até de tipos de espiritualidades que não se permitem a um significado global da moral. Suas perspectivas são sempre relativas e pontuais, nunca há uma definição universal de sentido religioso em questão. Sempre se resumem a experiências religiosas particulares e limitadas.

Deste modo, classificá-las torna-se uma tarefa difícil, pois elas possuem características muito voláteis e que variam muito de um período para outro, ou mesmo de indivíduos. Desta maneira, o historiador da religião deve estar atento ao modo como estas religiões jovens se organizam e se caracterizam.

O Sagrado E O ProfanoAo nos defrontarmos com o mundo em que vivemos, temos diferentes

percepções, mas duas aparecem de imediato em nossa existência: o sagrado e o profano. Quer por causa das proibições e dos interditos ou pela percepção do sublime e do belo, somos levados a entender que no mundo existem duas dimensões básicas.

Page 42: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

42

História da Religião

Esta divisão entre coisas e atos sagrados e profanos reforça o comportamento religioso nos sujeitos e lhe confere certa maneira natural de agir. Devemos evitar as coisas profanas e buscar as sagradas, devemos evitar as atitudes profanas e procurar as sagradas.

Neste sentido, somos guiados novamente no caminho do qual nos desviamos por razões de desobediência do Criador. Por isso, a dimensão do sagrado que irrompe e deixa o profano submetido a ele. Ao se manifestar no tempo o sagrado se sobrepõe ao profano como evento hierofânico. Essa hierofania se impõe e garante uma experiência do divino ao sujeito.

Embora o mundo contemporâneo tente negar essa dinâmica, ela se faz presente e não depende da vontade dos indivíduos. A manifestação do Sagrado é independente, é vontade do Criador. Deus decide em qual local e tempo a experiência se manifestará.

No mundo contemporâneo, o homem vive imerso em uma dimensão totalmente profana e sem sentido de sacralidade, isto ficou pelo caminho. O desenvolvimento científico e tecnológico nos colocou em outra dimensão, somos seres que vivemos cheios de aparatos para nos colocar a par de tudo o tempo todo. O caráter sagrado dos deuses se perdeu. Parece até que nós somos os novos seres divinos.

Não cabe em nosso tema descrever a história da lenta dessacralização da morada humana. Este processo faz parte integrante da gigantesca transformação do mundo assumida pelas sociedades industriais - transformação que se tornou possível pela dessacralização do Cosmo, a partir do pensamento científico e, sobretudo, das descobertas sensacionais da física e química. Mais tarde, teremos ocasião de indagar se esta secularização da Natureza é realmente definitiva, se não há nenhuma possibilidade, para o homem não religioso, de reencontrar a dimensão sagrada da existência no mundo (ELIADE, 2001, p. 49).

Mesmo imersos neste caráter profano da existência queremos reencontrar a sacralidade e deixar um pouco este mundo dessacralizado. A existência adquiriu total subjetividade e relatividade e eis que produz um conflito interior entre esse homem que quer retornar a dimensão sagrada.

O desejo do homem de viver no sagrado equivale, de fato, ao seu desejo de se situar na realidade objetiva, de não se deixar paralisar pela relatividade sem fim das experiências puramente subjetivas, de viver em um mundo real e eficiente - e não numa ilusão (ELIADE, 2001, p. 32).

Page 43: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

43

Introdução à História da Religião Capítulo 1

A perspectiva de sagrado descrita por Eliade é descrita em um período de constante desenvolvimento da tecnologia do século XX. As constates mudanças colocam o homem em um universo relativista e multifacetada. A religião é profundamente impactada por essa realidade (ELIADE, 1996, p. 5).

O conceito de sagrado possui uma ligação direta com o ético, o moral e a bondade (OTTO, 1996, p. 11). Deste modo, ser sagrado é o mesmo que ser santo, ou ainda, ser revestido de uma pureza moral e ética inigualável e inacessível, o que confere ao ser que é santo e sagrado uma bondade extraordinária.

O sagrado contém em si elementos morais e éticos, mas não pode ser pura e simplesmente reduzido a estes, o que Otto se propõe a estudar é uma outra dimensão do sagrado, onde o mesmo não pode ser tão facilmente medido e compreendido, elucidado em conceitos ou mais ainda entendido e definido, pois existe apenas no universo do inefável (OTTO, 1996, p. 11).

Otto (1996) defende em sua obra o sagrado, o aspecto não racional sem esquecer os elementos do racional, já que sua intenção é fazer uma interação entre o não racional e o racional. Para identificar o sagrado no seu elemento não racional, ele inaugura a palavra numinoso, que também não deixa de possuir elementos racionais.

O numinoso não pode ser entendido, porque não pode ser explicado, isso parece ser óbvio, já que seu caráter é de algo inefável – se não se pode dizer, não se pode entender. Todavia, a simplicidade, como Otto trabalha a questão, transforma-a em algo de reduzida compreensão, já que para ele somente os que viveram uma experiência religiosa é que podem entender, mas não expressar, o que sentiram e viveram em relação ao sagrado, ao numinoso (OTTO, 1996, p. 13).

“O diálogo entre o religioso e o não religioso se torna, dessa perspectiva, estritamente difícil, já que o homem natural não compreende nada do sagrado, nada do numinoso e nada da religião: “é impossível conversar sobre religião com tal homem”” (OTTO, 1996, p. 13 apud SILVA; SILVA, 2005, p. 2).

Um caminho para o diálogo poderia ser a experiência estética, entretanto, a mesma é apenas algo muito próximo, mas não é o sentimento religioso. “Esse ou esses sentimentos, na experiência religiosa (cristianismo), sempre são

Page 44: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

44

História da Religião

experimentados em maior intensidade que nos outros domínios da vida” (SILVA; SILVA, 2005, p. 2).

“A gratidão, a confiança, o amor, a segurança, a submissão, a resignação e a dependência, são na religião, ou melhor, na experiência religiosa, sempre mais intensos” (OTTO, 1996, p. 13 apud SILVA; SILVA, 2005, p. 2).

Destacando o sentimento da dependência, enfatiza que o mesmo é diferente de qualquer outro sentimento de dependência encontrado fora da religião. O porquê é assim? Não podemos explicar? “Isto acontece exatamente porque se trata de um dado cuja origem e fundamento encontram-se na alma” (OTTO, 1996, p.13-14 apud SILVA; SILVA, 2005, p. 2).

De acordo com Otto esse sentimento se explica no “sentimento de ser criatura”, de que algo está fora de mim e longe do meu alcance, algo que se encontra na divindade, mas que ao mesmo tempo está em mim. Relaciona-se ao medo, já que o que está fora de si é maior do que eu, mas também se relaciona ao “amor”, já que me sinto (OTTO, 1996, p.14-15 apud SILVA; SILVA, 2005, p. 5).

Pelo conceito de numinoso, Otto entende a característica essencial e exclusiva da religião “e sem ele, a religião perderia as suas características [...] Se lumen pode servir para formar luminoso, numen pode formar o numinoso” (OTTO, 1996, p. 12). “Todo som, todo canto, toda palavra são sem nenhum efeito” (OTTO, 1996, p. 66). “Para nós, ocidentais, a arte numinosa é a gótica” (OTTO, 1996, p. 71).

Otto utiliza-se da música como o grande exemplo. “Ter um Deus não significa nada mais que confiar nele de todo o coração”. Atraído para esse que está fora de si. Certamente o racional e o científico não podem explicar isso (OTTO, 1996, p. 15).

Isso significa que existem coisas que não podem ser compreendidas pelo ser humano, mas que expressam e manifestam a divindade. Deste modo, a música é o elemento que explica bem esta dinâmica.

A explicação oferecida por Otto permite apresentar uma explicação do inexplicável, a manifestação do numinoso, ou seja, mesmo que não a compreendamos podemos falar dela. E é na manifestação deste numinoso que se manifesta a essência da religião para Otto, ou seja, o divino entra na história e se mostra ao sujeito que vivencia esta experiência.

O homem que experimenta o numinoso não pela sua vontade, mas pela vontade do Criador que irrompe no tempo para transformá-lo em instante de

Page 45: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

45

Introdução à História da Religião Capítulo 1

vivência do sagrado. Quando o sujeito humano vivencia o sagrado na existência, ela passa a adquirir um novo significado.

Quando o sagrado se manifesta [...], não só há rotura na homogeneidade do espaço, como também revelação de uma realidade absoluta, que se opõe à não realidade da imensa extensão envolvente. A manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo. Na extensão homogênea e infinita onde não é possível nenhum ponto de referência, e onde, portanto, nenhuma orientação pode efetuar-se, é revelado um “ponto fixo” absoluto, um “Centro”.

Fonte: Eliade (1992, p. 17).

Se o mundo de nosso tempo sofre tanto com a falta de sentido imposta pelo processo de secularização moderna, cabe ao historiador da religião entender a dinâmica da manifestação deste sagrado.

Se considerarmos a hipótese de Otto em sua totalidade, perceberemos que há uma radical oposição entre sagrado e profano. Esta oposição gera um movimento na vivência religiosa e na escolha moral dos indivíduos.

Ao influenciar a escolha concreta dos indivíduos, a forma como o sagrado se impõe é definitiva e inegável, o que é passível de aceitação ou não aos seres humanos, pois o homem pode optar em continuar na vida profana, mesmo que o sagrado se faça presente. Ao rejeitar a presença do sagrado, o homem em nada arranha a imposição e a totalidade do sagrado.

Para a Teologia, a realidade de Deus é independente da consciência humana, bem como a nossa linguagem sobre ele. Aquilo que falamos de Deus, o fazemos dentro de um contexto histórico e de uma linguagem. Deste modo, o processo teológico de formação do discurso sobre Deus é produto dado da revelação do contexto histórico e da linguagem que usamos. Deus é a realidade que, em todo o caso, apontam os crentes, isso significa que, quando oramos ou rezamos, nos dirigimos ao Deus vivo e real.

A cada sujeito cabe a interpretação, bem como a escolha livre sobre sua existência, o modo de interpretar a experiência humana é na contingência que se manifesta o limite absoluto tanto para crentes, agnósticos ou ateus. Mesmo os céticos reconhecem na contingência algo que não pode ser colocado em dúvida,

Page 46: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

46

História da Religião

pois é uma experiência partilhada por todos e resolvida cada um a seu modo, o que não existe é uma experiência da contingência sem interpretação, visto que tudo que é experimentado é interpretado de certo modo.

Os cristãos expressam a divindade na revelação de Cristo que entrou na contingência da história e lhe conferiu um sentido: a salvação. Os agnósticos nada refletem ou expressam sobre aquilo que está fora da matéria e retém no indivíduo a experiência da contingência. Já os céticos duvidam da revelação, mas estão circunscritos pela contingência e, como tal, dela não pode fugir, logo, a contingência é uma experiência compartilhada.

Na perspectiva da revelação pela fé cristã apontada pela Teologia, uma possibilidade de saída deste limite absoluto imposto pela contingência é a experiência imediata de Deus. Eis que isto, na tradição cristã, chamamos de mística. Logo, homem não é apenas seu passado, pois ele impõe à história seus desejos e anseios criando novas tradições.

O sagrado continua a nos chamar para esta experiência do Numinoso, Deus continua a nos convidar para participar de sua Criação.

Neste sentido, a bondade infinita do ser supremo se mostra como graça infinita.

Atividade de Estudos: 1) Como pudemos perceber a temática do Sagrado e do Profano

é fundamental para compreendermos a estrutura fundante da religiosidade. Mircea Eliade, um autor que utilizamos para fundamentar nossas análises, escreveu um livro cujo tema é: O Sagrado e o Profano.

Assim, leia a Resenha escrita por Lucas Deschain no site: <http://www.posfacio.com.br/2012/10/10/o-sagrado-e-o-profano-mircea-eliade> e procure definir com suas palavras qual é o objetivo central da compreensão da relação entre o Sagrado e o Profano para o estudo das religiões.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Na perspectiva da revelação pela fé cristã apontada

pela Teologia, uma possibilidade de

saída deste limite absoluto imposto pela contingência é a experiência

imediata de Deus.

Page 47: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

47

Introdução à História da Religião Capítulo 1

O Surgimento Das ReligiõesNa tentativa de entender como ocorre o surgimento da cultura de uma religião,

aventamos algumas hipóteses prováveis sobre a questão. Comecemos por considerar a religião como componente fundamental da existência humana, dando-lhe um caráter de essência. Essa hipótese nominamos de essência da religião.

A cultura parece sofrer da mesma fraqueza que sofrem os rituais mágicos: reconhecemos a sua intenção, constatamos o seu fracasso – e sobra apenas a esperança de que, de alguma forma, algum dia, a realidade se harmoniza com o desejo. E enquanto o desejo não se realiza, resta cantá-lo, dizê-lo, celebrá-lo, escrever-lhe poemas, compro-lhe sinfonias, anunciar-lhe celebrações e festivais. E a realização da intenção da cultura se transfere então para a esfera dos símbolos [...]. As esperanças do ato pelo qual os homens criaram a cultura, presentes no seu próprio fracasso, são horizontes que nos indicam direções. E esta é a razão porque não podemos entender uma cultura quando nos detemos na contemplação dos seus triunfos técnicos/práticos. Por que é justamente no ponto onde ele fracassou que brota o símbolo, testemunha das coisas ainda ausentes, saudade de coisas que não nasceram [...] Aqui surge a religião, teia de símbolos, rede de desejos, confissão da espera, horizonte dos horizontes, a mais fantástica e pretensiosa tentativa de transubstanciar a natureza.

Fonte: Alves (1999, p. 23-24).

Nesta perspectiva, a religião surge dentro dos indivíduos e possui uma natureza própria, ou seja, a essência da religião é uma substância que se confunde com a natureza humana e com o sentimento de divino presente no sujeito.

Nela o sujeito que emerge com a religião possui uma perspectiva de originalidade, ou seja, ele se sente como parte integrante da verdadeira religião. Nada que ele pratica pode estar fora da perspectiva da religião autêntica. Por exemplo, para um judeu é inconcebível fazer uso de certos alimentos, como carne suína. Para um cristão, a vivência da caridade é pressuposto em sua prática moral cotidiana.

Nesta perspectiva, a religião surge dentro

dos indivíduos e possui uma natureza

própria, ou seja, a essência da religião é uma substância que se confunde com a natureza humana e com o

sentimento de divino presente no sujeito.

Page 48: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

48

História da Religião

Outra hipótese, a religião é uma imposição de um grupo social dominante e surge como elemento de identificação de um Estado. Sob esta perspectiva, o sujeito não possui nenhuma autonomia de escolha. A religião é imposta por uma vontade política superior e se usa da força para se manter a mesma. Temos como exemplo desta situação vários países cuja religião oficial é o Islamismo, que obrigam seus cidadãos a aderirem-na mesma, bem como seus costumes.

Nela o sujeito frequenta e pratica a religião por puro interesse de preservar a sua vida e manter sua família em segurança, visto que suas convicções pessoais não podem ser manifestadas publicamente.

Merece destaque também a hipótese de um interesse racional em constituir uma religião que tenha os elementos de um determinado grupo de sujeitos e se constitui como uma forma de interação social sem as amarras de uma instituição e seus ritos.

Assim, essa origem se dá por uma convenção ou por um acordo coletivo de indivíduos livres que se toleram e aceitam constituir rituais em comum sem um código moral rígido que os imponha um fardo muito pesado.

Sob esta perspectiva, temos o surgimento de inúmeras religiões na modernidade e no mundo contemporâneo, algumas são efêmeras e desaparecem logo, outras caminham para uma institucionalização lenta e progressiva para posteriormente se tornar uma religião sólida.

Estudar a origem da religião implica pesquisar a história de cada religião. Para Hock (2010), a história da religião deve abarcar a diversidade das religiões. Segundo ele (HOCK, 2010, p. 31), “a doutrina e prática de fé, costumes e forma de organização, formação de tradições dentro da religião” são elementos constituintes da história da origem de uma religião. Desta forma, se quisermos estudar a origem de uma religião, precisamos estudar a sua história.

Sobre o estudo da origem das religiões, leia o texto a seguir para aprofundar seus conhecimentos: Podemos localizar sua primeira manifestação na Grécia clássica, sobretudo a partir do século V. Esse interesse manifesta-se, por um lado, nas descrições dos cultos estrangeiros e nas comparações com os fatos religiosos nacionais – intercaladas nos relatos de viagens – e, por outro lado, na crítica filosófica da religião tradicional. Heródoto (c. 484 c. 425 a.C.,) já apresentava descrições admiravelmente exatas de algumas religiões exóticas e bárbaras (Egito, Pérsia. Trácia, Cítia

Page 49: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

49

Introdução à História da Religião Capítulo 1

etc.), e chegou até mesmo a propor hipóteses acerca de suas origens e relações com os cultos e as mitologias da Grécia. Os pensadores pré-socráticos, interrogando-se sobre a natureza de deus e o valor dos mitos, fundaram a crítica racionalista da religião. Assim, por exemplo, para Parmênides (nascido por volta de 520) e Empédocles (c. 495-435), os deuses eram a personificação das forças da Natureza. Demócrito (c. 460-70), por sua vez, parece ter se interessado singularmente pelas religiões estrangeiras, que, aliás, conhecia de fonte direta em virtude de suas numerosas viagens: atribui-se a ele, também, um livro sobre as inscrições sagradas da Babilônia, as Narrativas caldeias e Narrativas frigias. Platão (429-347) utilizava frequentemente comparações com as religiões dos bárbaros. Aristóteles (384-322) foi o primeiro a formular, de maneira sistemática, a teoria da degenerescência religiosa da humanidade (Metafisica, XIL, capítulo 7), ideia que foi retomada várias vezes posteriormente. Teofrasto (372-287), que sucedeu Aristóteles na direção do Liceu, pode ser considerado o primeiro historiador grego das religiões: segundo Diógenes Laércio (V. 48), Teofrasto compôs uma história das religiões em seis livros.

Fonte: Eliade (1992, p. 6).

Segundo o especialista alemão, “a História da Religião se serve dos habituais métodos históricos-críticos e procura apoio de ciências como a psicologia, sociologia, etnologia, dentre outras” (HOCK, 2010, p. 31), isso implica considerar a religião em uma realidade social que adquire forma real na medida que se constitui como sentido individual.

Para Hock (2010), podemos dividir a história da religião em: “História da Religião Geral, Particular e Específica” (HOCK, 2010, p. 32), o qual afirma que religião geral indica a descrição dos fatos de uma religião na totalidade da sua dimensão histórica.

A religião particular estuda a formação e o crescimento histórico de uma religião, por exemplo, o cristianismo, o hinduísmo ou qualquer outra. Já história da religião específica pesquisa os elementos distintos em cada tradição religiosa.

Page 50: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

50

História da Religião

No decorrer da pesquisa acerca de uma religião, encontramos algumas dificuldades que podem ser resumidas em três grupos: a validade dos resultados de uma pesquisa; as definições e as consequências destas; e a terminologia cientifico-religiosa.

Segundo Hock (2010), precisamos estabelecer o mínimo de critério para podermos fazer um estudo da história da religião que possa ser confiável. Podemos partir da história da religião como uma descrição ou comparação. Contudo, uma pesquisa aprofundada não se restringe ao relato de fato ou a comparações de religiões, pois “a ciência da história da religião não pode se limitar ao passado, mas encontra sua tarefa em medida crescente na pesquisa da religião relacionada com o tema presente” (HOCK, 2010, p. 33).

De acordo com Hock (2010), a história da religião no ocidente surge no início do século XVIII, o pesquisador Charles De Brosses (1709-1777) publica sua obra ‘Sobre o culto deuses fetiches ou paralelo entre a antiga religião do Egito e atual religião da Nigrícia’. Neste livro, De Brosses compara o fetichismo com o culto de antigos objetos da religião. Ele classifica esses objetos como feitiço. Sua pesquisa colocou a questão fundamental para pesquisa da origem de uma religião: qual é a forma primordial da religião? Graças ao seu estudo, De Brosses conseguiu formar um campo de pesquisa que posteriormente resultou em uma disciplina cientifica.

À medida que as universidades europeias do século XVIII e início do século XIX configuram o estudo da ciência histórica da religião, ela ganha corpo e solidez epistemológica. O objetivo deste campo de conhecimento através do método histórico é reconstruir a “verdadeira” história da religião, neste momento surge a ciência da religião.

Os estudos de filologia e de filologia comparativa, com os estudos de filosofia da história da religião adquiriram o auge em fins do século XIX, quando se publica 49 volumes de textos históricos religiosos coordenados por Max Müller sob o título Sacred Books of the East.

O florescimento da escola histórico-religiosa ocorreu graças a Hermann Gunkel (1862-1932) devido ao exaustivo processo histórico bíblico de exegese. Neste período, os próprios textos bíblicos passam a ser vistos como “história”. Este período de auge do método histórico crítico ou da escola histórico-religiosa sofreu uma dura crítica teológica, pois a teologia rejeita o conceito histórico.

Devemos lembrar ainda as descobertas arqueológicas que nos colocaram a par da arte pré-histórica sobre Troia, Creta, Turquia e Egito Antigo, pois, conforme aponta Marshall (1876-1958), as descobertas arqueológicas sobre as civilizações

Page 51: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

51

Introdução à História da Religião Capítulo 1

antigas no Vale do Indo contribuíram substancialmente para a revisão das teorias histórico-religiosas acerca do desenvolvimento da religião védica.

É importante mencionar três aspectos no estudo da história das religiões: a quantidade de fontes histórico-religiosas disponíveis; as descobertas dos textos do antigo oriente, por exemplo, fontes maniqueias e os achados de Qumran; a história da religião esgota a discussão acerca da origem da religião? Neste aspecto visões tradicionais de conceitos histórico-religiosos são criticados. A interpretação da religião mediante o Sagrado como categoria desenvolvida por Otto (1869-1936).

Em Das Heilige, de 1917, Otto organiza a religião a partir do conceito de numinoso, aquilo que é inexplicável, mas se manifesta nos indivíduos. Com o desenvolvimento das pesquisas histórico-religiosas, Otto sofreu duas críticas pois, segundo alguns pesquisadores, existem mais características a serem estudadas do que o Sagrado.

Segundo estes, o pesquisador da religião deve interrogar suas fontes disponíveis e entrar em contato com o mais original possível das fontes. Logo, deve haver uma grande discussão e problematização dos dados históricos de modo a permitir um processo de interação com as fontes.

A história da religião é fundamental para as pesquisas científico-religiosas, pois através dela é que temos um contato filológico com as fontes dos textos sagrados. De acordo com Hock (2010), os textos mais importantes provêm do coração de cada religião.

A fonte geralmente chamada de “Escritura Sagrada” é fundante. As características destes textos podem variar entre revelados e leis rígidas. Em geral, são frutos de uma longa tradição oral que foi organizada e copilada, são denominados de escritos de primeira classe.

Os textos que se constituem comentários aos originais, denominamos de escritos de segunda classe. Um exemplo destes escritos são o Midrash e o Talmud, que são escritos feitos por sacerdotes do judaísmo a partir de uma interpretação da Torá. No Islamismo, temos o Hadith, que é uma coletânea de ensinamentos sobre hábitos morais baseadas no Corão.

Seguindo nossa classificação, denominamos escritos sagrados de terceira classe os comentários e as explicações dos documentos religiosos centrais, orações, escritos teológicos, credos, biografia de fundadores de religiões e personagens religiosos importantes.

Escritos de primeira classe.

Escritos de segunda classe.

Escritos sagrados de terceira classe.

Page 52: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

52

História da Religião

Queremos dizer que estes textos são todos religiosos, e os classificamos para fins de estudos didáticos. No caso do estudo da história da religião, classificamos para não confundir fontes primárias, secundárias e terciarias. Lembramos que muitas religiões orais e ágrafas não possuem textos escritos, sendo necessária a pesquisa mais profunda e local do historiador das religiões.

As religiões ágrafas, de acordo com Hock (2010, p. 44), são religiões baseadas em pinturas ou desenhos e que não possuem um registro escrito. Vale ressaltar ainda a existência de religiões orais com conteúdo sagrado transmitido de geração para geração.

Para o historiador da religião, as fontes são importantes e o quanto mais próximo da “realidade” histórica o sujeito que pesquisa estiver inserido, mais dados ele terá para se amparar.

Se o historiador da religião estiver amparado por uma boa teoria historiográfica e ao mesmo tempo tiver acesso a uma boa fonte de pesquisa, seus frutos podem ser muito mais fecundos.

Ao pesquisador da história da religião, cabe considerar também como a angústia da existência e a percepção da morte podem produzir um comportamento religioso, pois, quando o homem se encontra em sua finitude, ele entra em profunda angústia por saber que nada pode fazer frente este fato.

Uma das soluções mais comuns entre os seres humanos é recorrer a explicações de cunho religioso para as questões que a razão não consegue dar conta. Aquilo que o intelecto não explica é encaminhado para explicações de cunho religioso.

Quando o historiador da religião percebe esta dinâmica, manifesta-se a importância do estudo aprofundado da religião. Cabe a ele investigar as razões deste comportamento, qual é o ganho que o homem adquire ao reverenciar um Deus ou se é um sentimento de gratidão pela vida que o Criador oferece de modo gratuito ao ser humano.

Se a razão de reverenciar um Deus é uma escolha racional e calculada, temos de considerar que o homem estabelece uma relação de ganhos e perdas com a religião. Ao perceber que se afastar do comportamento religioso lhe trouxer problemas de ordem prática e cotidiana, melhor escolher pela permanência na

Page 53: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

53

Introdução à História da Religião Capítulo 1

religião e, se for o caso, a mudança para tentar minimizar este impacto.

Se a conduta religiosa for uma forma de gratidão genuína com o Criador, o historiador das religiões deve entender que existe algo no ser humano que não pode ser explicado pela linguagem humana.

Essa linguagem humana limitada não permite que o historiador da religião chegue a uma explicação racional detalhada sobre este sentimento religioso. Novamente estamos em um limite da existência que reforça a própria angústia de existir.

Caberia outra questão fundamental, e às vezes perturbadora: não seria melhor não existirmos? Essa pergunta gnóstica é violenta e coloca toda Criação sob suspeita, mas precisa ser feita, pois faz parte do cotidiano da existência dos fieis de todas as denominações religiosas.

Ao historiador da religião que pesquisa a origem da religião cabe se questionar se não estivéssemos nesta condição humana haveria religião? Ora, é difícil saber se a religião existiria, mas sabemos que a angústia imposta por esta condição humana não seria como é para nós. Eis mais uma das funções do historiador das religiões: apontar os problemas e as dificuldades da vivência da religião.

Enquanto nossa existência na antiguidade exigia muitas viagens e sempre estávamos em movimento, nossas divindades sempre variaram muito. E a história da religião percebe isso e explica quando relata a passagem para a agricultura e a fixação na terra.

Na busca pela sobrevivência, o homem foi aos poucos criando uma cultura. Ao se fixar em um único lugar, esse processo ganhou rapidamente elementos sofisticados e, por conseguinte, desenvolveu-se a religião. Se é por uma relação íntima com o divino ou se é um modo de lidar com problemas concretos, como a morte, podemos discutir, mas é comum entendermos que ao nos fecharmos em um lugar queremos explicar nossas questões fundamentais. De onde viemos? Quem nos criou? Porque existimos?

Em diversos continentes, percebemos o surgimento do comportamento religioso em rituais fúnebres, celebrações festivas etc. Deste modo, motivado por uma inspiração interior ou por elementos externos, notamos que o homem produz religião.

Essa produção é uma forma de entendimento da realidade em que ele vive. Se no passado fugíamos de animais e feras, hoje parece que a nossa principal

Page 54: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

54

História da Religião

preocupação é fugir de nossa angústia interior. Temos medo de nossas fraquezas como seres humanos, mas, ao que parece, somos seres que não conseguem lidar bem com a morte, esse medo pode ser considerado pelo historiador da religião como motivo pelo qual fazemos ou temos religião.

Eis que o medo parece nos impor uma sensação terrível que nos impele a tentar lidar com esta dificuldade. Neste sentido, teremos de considerar que o medo nos move e que o homem é incapaz de suportar a ideia de que um dia ele deixará de existir. Ora, o que parece natural, nascemos e um dia morreremos, é assustador na medida em que a explicação racional não basta.

O fato de sermos seres afetados pelos nossos sentimentos parece nos impor uma angústia interior que não pode ser resolvida por uma simples teoria racional. Tendemos naturalmente a uma explicação objetiva e emocional. Nossa solução é criar a religião e dela derivar a existência de uma vida após a morte, um paraíso, uma recompensa pela boa conduta moral. Temos de fato dificuldade de lidar com a angústia da existência e o fim da nossa existência.

Em nossa época, o que aparece com frequência é a experiência religiosa dissociada de uma tradição histórica, devido justamente à dificuldade em aceitar um conjunto de regras morais rígidas que as religiões tradicionais impõem, mas falar em experiência religiosa é quase sempre falar do modo particular como o sujeito lida com o problema da morte e do fim da existência.

Algumas ConsideraçõesChegamos ao fim desta unidade de estudo, com um pouco mais de

informações e conhecimentos sobre a História da Religião, porém temos muito mais a explorar e a analisar, tanto em nível de conceitos (etimologia) como sobre seus conhecimentos (epistemologias).

Esperamos assim ter contribuído de alguma forma neste processo de formação acadêmica, que é continua, ou seja, não podemos parar com os nossos estudos aqui, pois a realidade social e religiosa é dinâmica. Assim, vamos aprofundar nossos estudos nas próximas unidades, objetivando fundamentar nossos conhecimentos.

Page 55: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

55

Introdução à História da Religião Capítulo 1

ReferênciasALVES, R. O que é Religião. São Paulo: Loyola, 1999.

______. O enigma da Religião. Petrópolis: Vozes, 1975.

AGOSTINHO, S. A Cidade de Deus. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian 1983.

BERGER, P. A dessecularização do mundo: uma visão global. Religião e sociedade, v. 21, n. 1, p. 9-23, 2001.

______. O Dossel Sagrado. Elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo. Paulinas 1985.

BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2004.

BOWKER, J. (org.). O Livro de Ouro das Religiões: a fé no Ocidente e no Oriente, da pré-história aos nossos dias. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

DURKHEIM, E. “O problema religioso” - Revista religião e sociedade, n. 2, 1977.

ELIADE, M. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

______. Imagens e símbolos: ensaios sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

______. Tratado de História das Religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

ELIADE, M.; COULIANO, I. P. Dicionário das religiões. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

GAARDER, J.; HELLERN, V.; NOTAKER, H. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das letras, 2005.

GRESCHAT, H. O que é ciência da religião? São Paulo: Paulinas, 2005.

HABERMAS, J. Entre Naturalismo e Religião. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2007a.

Page 56: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

56

História da Religião

HABERMAS/RATZINGER. Dialética da secularização: sobre razão e religião. Aparecida: Ideias e Letras, 2007b.

HOCK, K. Introdução à Ciência da Religião. São Paulo: Loyola, 2010.

KANT, I. Religião nos limites da Simples Razão Coleção: Textos Clássicos de Filosofia Universidade da Beira Interior Covilhã, 2008.

KAWAUCHE, T. A religião no Brasil do século XXI: uma análise bergeriana. In: Revista Espaço Acadêmico. v. 22. N. 1. 2003. Disponível em: <https://www.espacoacademico.com.br/024/24ckawauche.htm>. Acesso em 4 maio 2017.

KÜNG, H. Religiões do mundo: em busca dos pontos comuns. Campinas, SP: Verus Editora, 2004.

OTTO, R. O sagrado. Lisboa: Edições 70 LDA, 1996.

SCHILLEBEECKX, E. História humana, revelação de Deus. São Paulo: Paulus, 1994.

SCHLEIERMACHER, F. D. Über die Religion: Reden an die Gebildeten unter ihren Verächtern. In: KIMMERLE, Heinz. (Ed.). Friedrich Schleiermacher Schriften. Frankfurt: Deutscher Klassiker Verlag, 1996.

STIGAR, R.; RUTHES, V. R. M. Resenha: TAYLOR, Charles. Uma era secular. Trad. de Nélio Schneider e Luiza Araújo. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2010. ISBN: 978-85-7431-377-1, 930 p. in: Rever Revista de Estudos da Religião. v. 15. n. 2, 2015.

SILVA, E. C. C.; SILVA, C. F. P.; OTTO, R. O Sagrado: um estudo do elemento não racional na ideia do divino e a sua relação com o racional. In: Revista Theos. v. 1. n. 1. 2005. Disponível em: <www.revistatheos.com.br/Artigos%20Anteriores/Resenha_01_01.pdf>. Acesso em: 4 maio 2017.

VOEGELIN, E. The New Science of Politics. Chicago: Chicago University Press. 1965.

SCHUCK, N. Fé e Saber em Habermas: a reserva semântica da religião na sociedade secularizada. São Paulo: S/N, 2010. Disponível em: <https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/2155/1/Neivor%20Schuck.pdf>. Acesso em: 4 maio 2017.

ZILLES, U. Religião: crenças e crendices. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

Page 57: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

CAPÍTULO 2

As Religiões Orientais

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Identificar as características das grandes religiões do Oriente.

� Compreender a origem e as ramificações das principais religiões orientais.

� Conhecer as grandes religiões do Oriente: o Budismo, o Hinduísmo, o Taoísmo, o Xintoísmo e o Confucionismo.

� Analisar a influência histórico-cultural de cada uma das grandes religiões do Oriente.

Page 58: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

58

História da Religião

Page 59: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

59

As Religiões Orientais Capítulo 2

ContextualizaçãoNeste capítulo estudaremos as religiões orientais, procurando conhecer as

suas características, bem como suas origens e ramificações. Vamos analisar as influências histórico-culturais de cada uma dessas grandes religiões presentes no Oriente. Vamos conhecer um pouco da história do Budismo, do Hinduísmo, do Taoísmo, do Xintoísmo e do Confucionismo.

Atualmente, em nossa sociedade, percebemos a presença de um enorme pluralismo religioso, dando espaço à chamada diversidade cultural e religiosa, que, sem dúvida, é uma identidade do mundo atual. Entretanto, o fato de não conhecermos essas culturas e tradições religiosas o suficiente permite que o preconceito e o fundamentalismo religioso cresçam e promovam mais desigualdades sociais, políticas, culturais e religiosas, ocasionando ainda mais violência, seja ela física ou não.

Diante deste cenário, precisamos urgentemente conhecer o universo religioso, principalmente o universo religioso oriental. Nosso texto aqui tem o objetivo de ser apenas introdutório.

Origens e RamificaçõesPodemos afirmar que há uma variedade de crenças no Oriente. Em especial,

destacamos nestes estudos: o Budismo, o Hinduísmo, o Confucionismo, o Taoísmo e o Xintoísmo.

Na China e no Japão, as religiões são geralmente compostas por vários deuses e espíritos. Na China, em especial, as tradições se mesclam, isto é, religiões diversas juntaram-se e se redefiniram.

Durante centenas de anos, estudiosos da religião chinesa falaram sobre San-chiao (os três caminhos), para se referir ao confucionismo, taoísmo e budismo. Essas três religiões moldaram o modo como os chineses pensam a vida, a morte e o cosmo há mais de 2.000 mil anos. O confucionismo e o taoísmo surgiram na própria China, enquanto o budismo foi da Índia para lá há 2.000 anos (WILKINSON, 2011, p. 236).

Por volta dos séculos VI a.C. e V a.C., o Budismo, o Taoísmo e o Confucionismo coexistiram pacificamente. Durante este período (atualmente também), muitos chineses não escolheram apenas uma fé e rejeitaram outras,

Page 60: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

60

História da Religião

passaram a conviver mutuamente com mais de uma cultura religiosa em seu cotidiano, ou seja, professavam fé em mais de uma religião.

Figura 1 - Buda, Confúcio E Lao-Tsé

Fonte: Disponível em: <https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/564x/c1/67/0b/c1670b0e23cdb14df432b3d8bc6f6e92.jpg>. Acesso em: 11 maio 2017.

Da filosofia de Confúcio, aprenderam um código ético e moral, baseado no respeito aos outros, foi durante muito tempo um instrumento para a manutenção do poder da família real chinesa nos tempos imperiais. Os imperadores cultuavam o céu e acreditavam que isso lhes dava o direito de governar; mas empregavam os sábios para dirigir o serviço público (WILKINSON, 2011, p. 237).

No taoísmo, os chineses encontraram uma filosofia que busca seguir um caminho, o Tao, que está diretamente relacionado com o equilíbrio interior através das energias circulantes pelo corpo. E o Budismo buscou compreender o sofrimento no mundo e superá-lo. Os chineses adotaram o Budismo Maaiana (uma das diversas modalidades de Budismo) com seus muitos Bodisatvas (deuses), e algumas escolas de budismo chinês baseiam-se na devoção a esses seres santos.

A combinação destas três religiões acabou por gerar a religião popular chinesa, “que pode ser composta” por Bodisatvas, imortais (pensadores) taoístas ou figuras deificadas como Confúcio, principalmente em momentos de sofrimento e contingências humanas.

Page 61: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

61

As Religiões Orientais Capítulo 2

A religião no Japão é resultado de 2000 anos de história. Durante muito tempo, as tradições religiosas da China chegaram ao Japão e ganharam uma interpretação muito típica: as linhagens chamadas Zen Budismo e Budismo Nichiren.

O Xintoísmo, no entanto, é genuinamente japonês. Essa religião tem uma característica mais híbrida, adotando a crença de que a vida é controlada pelos Kami – seres divinos -, que podem ser: espíritos de animais, aves, árvores, montanhas e outros fenômenos naturais. Também podem ser considerados como os deuses e deusas imortais que vivem no céu e controlam nossas vidas.

O Hinduísmo, por sua vez, é considerado uma das religiões mais ricas, tendo em vista a complexidade e diversidade de deuses e deusas. É também considerado uma das religiões mais antigas, pois remente-se até o ano de 2500 a.C. Hoje essa religião tem muitos adeptos na Índia e pelo mundo.

No processo de formação do Hinduísmo, tem-se a influência dos arianos que chegaram ao nordeste da Índia por volta do ano 1000 a.C. e com isso surgiu a religião védica, tendo em seus textos sagrados (chamados de Vedas) hinos de louvor aos deuses e deusas. Ao longo dos séculos até a era cristã, outras divindades mais foram acrescentadas para formar um Hinduísmo que conhecemos hoje, que possui uma grande diversidade de deuses e deusas.

As origens dos deuses na religião hindu

Os deuses védicos, que incluem figuras como Indra, Agni e Varuna, eram cultuados porque propiciavam benefícios como saúde, prosperidade e vitória. Algumas divindades que ganharam proeminência, como Visnu, começaram como deuses védicos menores que posteriormente se tornaram mais complexos, assumindo responsabilidade por todo o cosmos. Outras divindades hindus, como o deus macaco Hanuman, não aparecem nos Vedas, mas vêm à luz em textos sagrados posteriores. O deus-macaco: Hanuman, que não figura nos textos védicos, surge mais tarde como um aliado de Rama, uma encarnação de Visnu.

Fonte: Wilkinson (2011, p. 164).

Page 62: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

62

História da Religião

Muitas ideias básicas da vida dos indianos surgiram com o Hinduísmo. O sistema de estratos sociais ou castas, a noção da vida como uma série de renascimentos dependentes da lei moral do carma, o conceito de um caminho vital ou Darma, todos são centrais no Hinduísmo e exercem forte influência sobre outras religiões indianas. A ideia de Mocsa (libertação) do ciclo de renascimento, para alguns, consiste em alcançar uma espécie de união com a realidade suprema ou deus, Brâman, que age como um absoluto supremo, unificando os diversos deuses do Hinduísmo.

A partir dos séculos VI e V a.C. ocorreram grandes mudanças na religião indiana, um tipo de renovação espiritual que resultou no surgimento de duas religiões. Uma delas foi o Budismo, baseada nos ensinamentos de Siddhartha Gautama, mais conhecido como o Buda (O Iluminado).

O Buda observou que a vida é feita de sofrimentos e procurou, através da sua forma de vida, como os homens podem escapar do sofrimento e também do ciclo de nascimento, morte e renascimento. A influência de Buda na Índia permaneceu mesmo muitos séculos após a sua morte e foi no reinado de Asoka ou Açoka (o imperador da Dinastina Maurya, no século III a.C.) que se promoveu a fé em todo o subcontinente indiano (WILKINSON, 2011, p. 160).

Quando a Índia foi dominada por muçulmanos, a influência do Budismo diminuiu, migrando para a China, para o Japão e para o sudeste da Ásia. Hoje ela está presente em todos os lugares do mundo.

As Grandes Religiões do OrienteAs religiões do Oriente são classificadas como religiões sapienciais, em que há

uma diversidade de expressões religiosas. A título de conhecimento, podemos citar:

• O Hinduísmo (século XV a.C.); • O Budismo (século VI a.C.);• O Jainismo (século VI a.C.);• O Taoísmo (século VI a.C.); • O Confucionismo (século VI a.C.); • O Xintoísmo (pré-história); • Igreja Messiânica Mundial (século XX); • Perfect Liberty (século XX); • A arte Mihikari (século XX);

Page 63: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

63

As Religiões Orientais Capítulo 2

• Hare Krishna (século XX); • O Moonismo (século XX); • Meditação Transcendental (século XX); • Ananda Marga (século XX).

Todas estas religiões orientais estão balizadas na sabedoria humana e na experiência de vida. Elas geralmente têm por objetivo mostrar um caminho a ser seguido pelo ser humano, com predomínio da meditação pela busca do equilíbrio e da sabedoria.

Um outro ponto que costuma ser polêmico (além da classificação religiões sapienciais) é se são filosofia ou religião. Para muitos pesquisadores, este limiar, isto é, se são filosofia ou religião, não existe, pois estas duas condições estão juntas para estas religiões.

Deste grupo, em nosso curso trataremos apenas daquelas consideradas, por Gaarder, Hellern e Notaker (2005), como as principais religiões orientais: a saber: o Budismo, o Hinduísmo, o Taoísmo, o Xintoísmo e o Confucionismo.

O Budismo, o Confucionismo, o Taoísmo e o Hinduísmo situam-se no grupo das religiões classificadas como salvíficas, que são aquelas portadoras dos meios de que os seres humanos precisam para se salvar do sofrimento, a fim de posteriormente conseguir a felicidade.

Por vivermos no Ocidente, nossa herança religiosa e cultural nos leva a atribuir particular importância aos fundadores das três religiões do Livro. Mas a Ásia foi berço de três antigas religiões, duas grandes figuras, em especial, nasceram lá: Buda e Confúcio (DELUMEAU, 2000, p. 41).

Antes de entrarmos nas especificidades de cada religião, falaremos neste item um pouco sobre as semelhanças e as diferenças entre estas religiões e o Cristianismo.

O Budismo acredita que o homem é a única causa eficiente de sua própria evolução superior. Ao contrário do Cristianismo, o Budismo acredita na autorredenção, ou seja, o homem é Buda (Buda é considerado o fundador do Budismo) e se salva por si mesmo (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p.

Todas estas religiões orientais

estão balizadas na sabedoria humana e na experiência de

vida. Elas geralmente têm por objetivo

mostrar um caminho a ser seguido pelo ser humano, com

predomínio da meditação pela busca

do equilíbrio e da sabedoria.

O Budismo, o Hinduísmo, o

Taoísmo, o Xintoísmo e o Confucionismo.

Page 64: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

64

História da Religião

56). O Hinduísmo se difere do Cristianismo por não possuir um fundador, nem credo fixo, nem organização de espécie alguma.

O Taoísmo está diretamente ligado à não ação, à passividade e à não agressão. Caracteriza-se por ser uma religião que se coloca apartada do governo terreno e administrações públicas. Neste sentido, é muito diferente de outras religiões que já estiveram ao longo da história da humanidade junto às instituições governamentais - como o Catolicismo.

No Japão, o Xintoísmo enfrentou dura competição com o Budismo e as duas religiões acabaram por influenciar uma a outra. O uso alternado de Xintoísmo e Budismo é comum, assim como o uso alternado de outras religiões.

O Confucionismo, durante muito tempo na China, fez parte da religião predominantemente estatal, mas é uma religião marcada por um profundo senso de moral e ordem social.

O lugar do indivíduo na sociedade é regulado. Para Confúcio, os deuses deviam ser cultuados através de rituais e sacrifícios, mas o mundo metafísico definitivamente não era sua preocupação; o importante era mostrar respeito pelos deuses, sem se preocupar como eles agem sobre a Terra.

O BudismoO Budismo surgiu na Índia, por volta dos séculos VI-V a.C., com a pregação

de Buda (O Desperto), considerado uma divisão do Hinduísmo, e que por volta do século XI quase desapareceu.

Em seu processo de crescimento e expansão, o Budismo foi sofrendo cisões e diversas formas de prática desta religião foram se consolidando. Geograficamente, o Budismo se manteve no sudeste da Ásia, mais especificamente no Tibete, na China, na Mongólia, no Japão e na Coreia. Na Índia, seu país de origem, há 1% de budistas (DELUMEAU, 2000, p. 313). Entretanto, não podemos deixar de salientar que há pessoas que professam o Budismo espalhadas por todo o mundo. Afinal, o que vem ser Budismo?

Budismo é a prática dos ensinamentos de Buda, também denominados “Dharma”, palavra que significa “proteção”. Praticando os ensinamentos de Buda, os seres vivos ficam permanentemente

Page 65: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

65

As Religiões Orientais Capítulo 2

protegidos do sofrimento. O fundador do Budismo é Buda Shakyamuni, que, em 589 a.C., em Bodh Gaya, na Índia, mostrou como alcançar a meta suprema dos seres vivos, a conquista da iluminação. Por solicitação dos deuses Brahma e Indra, Buda começou, então, a expor seus profundos ensinamentos, ou seja, “girou a Roda do Dharma”. Buda deu 84 mil ensinamentos, e, a partir desses preciosos ensinamentos, o Budismo se desenvolveu neste mundo. Podemos ver, atualmente, muitos tipos diferentes de Budismo, como o Budismo Zen e o Theravada. Esses diferentes aspectos são, todos eles, práticas dos ensinamentos de Buda, e todos são igualmente preciosos: eles são apenas apresentações diferentes. Neste livro, explicarei o Budismo de acordo com a Tradição Kadampa, que eu tenho estudado e praticado. Esta explicação não é dada com o objetivo de um entendimento intelectual, mas para que se obtenham profundas realizações através das quais possamos solucionar os nossos problemas diários das desilusões e realizar o verdadeiro sentido de nossa vida humana.

Fonte: Gyatso (2016, p. 3).

Considera-se o fundador do Budismo Siddahãrta Gautama Buddha (Buda, o

Desperto), que foi um jovem que nasceu e morreu no norte da Índia por volta de 560-480 a.C., filho de um rajá. As histórias sobre a vida de Buda estão baseadas em lendas, em um mito fundador:

PRÍNCIPE SIDARTA

O príncipe Sidarta cresceu no seio da fortuna e do luxo. O rajá ouvira uma profecia de que seu filho ou se tornaria um poderoso governante ou tomaria o caminho oposto e abandonaria o mundo por completo. Esta última opção aconteceria se lhe fosse permitido testemunhar as carências e o sofrimento do mundo. Para evitar que isso ocorresse, o rajá tentou proteger o filho contra o mundo que ficava além das muralhas do palácio, ao mesmo tempo em que o cercava de delícias e diversões. Ainda jovem, Sidarta se casou com sua prima e mantinha também um harém de lindas dançarinas. Aos 29 anos, Sidarta experimentou algo que haveria de ser o ponto crucial de sua vida. Apesar da proibição do pai, ele se arriscou a sair do palácio e viu, pela primeira vez, um velho, um homem doente e um

Page 66: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

66

História da Religião

cadáver em decomposição. Entretanto, depois dessas impressões desanimadoras, avistou um asceta com a expressão radiante de alegria. Percebeu então que uma vida de riqueza e prazer é uma existência vazia e sem sentido. E se perguntou: haverá alguma coisa que transcenda a velhice, a doença e a morte? Sidarta também se sentiu tomado por uma grande compaixão pela humanidade e um chamado para livrá-la do sofrimento. Imerso em pensamentos, voltou ao palácio e na mesma noite renunciou à sua agradável vida de príncipe. Sem se despedir, abandonou esposa e filho, e partiu para uma vida de andarilho.

Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 54).

Sidarta, depois de uma vida de muita riqueza, passou para o oposto: começou a comer cada vez menos - segundo a lenda -, teria chegado ao extremo de conseguir sobreviver com um grão de arroz por dia, pretendia, com isso, dominar o sofrimento. Sidarta adota o que

veio a chamar o “caminho do meio”, que era feito através da meditação. Por volta dos seus 35 anos, Sidarta, sentado em meditação sob uma figueira, durante sete dias e sete noites, teria alcançado a iluminação, a figueira passa a ser chamada de sua árvore da iluminação. Sidarta se transformara num buda, ou seja, um "iluminado".

Sidarta chega à conclusão de que todo o sofrimento do mundo é causado pelo desejo. O desejo deve ser evitado a todo custo para que não sejam necessárias outras encarnações.

Os ensinamentos de Buda são métodos para solucionar permanentemente os problemas de todos os seres vivos. Colocando os seus ensinamentos em prática, seremos capazes de controlar o nosso desejo e, como consequência disso, ficaremos permanentemente livres de todos os nossos sofrimentos e problemas. Podemos então entender, apenas com esta explicação, como os ensinamentos de Buda – o Dharma – são preciosos e importantes para todos. Como foi mencionado acima, uma vez que todos os nossos problemas vêm do desejo descontrolado, e visto que não existe outro método que não os ensinamentos de Buda – o Dharma – para controlar nosso desejo, fica claro que somente o Dharma é o verdadeiro método para solucionar os nossos problemas do dia a dia. Por praticar os ensinamentos de Buda sobre a visão profunda da vacuidade, podemos solucionar permanentemente nossos problemas diários que surgem do apego, da raiva e da ignorância do agarramento ao em-si (GYSTASO, 2016, p. 5).

Sidarta se transformara num buda, ou seja, um

“iluminado”.

Todo o sofrimento do mundo é

causado pelo desejo.

Page 67: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

67

As Religiões Orientais Capítulo 2

Este processo, chamado de iluminação de Sidarta, levou à compreensão de que a realidade mundana é transitória e que há uma realidade absoluta acima do tempo e do espaço, isso no Budismo passou a se chamar Nirvãna.

Deve-se observar, antes de tudo, que o Nirvãna não representa para o budismo, ao contrário do que se afirma tantas vezes, o nada, mas o verdadeiro ser, que só aparece quando se consegue afastar e destruir a ilusão da individualidade. O significado mais aproximado de Nirvãna é “extinção” (como quando se fala que uma chama se extinguiu). De fato, o que parece real não é, segundo os budistas, real, mas simplesmente “inflado”

Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 54).

Ao dominar os desejos, Buda parou de produzir carma, não estando, portanto, sujeito ao renascimento.

Toda esta explicação da vida de Sidarta está contida em maiores detalhes no livro: GAARDER, J. O livro das religiões, São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Refletindo sobre Budismo e filosofia: Embora não seja

propriamente falando uma filosofia, e sim uma religião, o budismo suscitou, com frequência, grande interesse entre os filósofos. [...] o budismo contém ensinamentos que podem ser vertidos a uma linguagem filosófica ou discutidos filosoficamente. Embora não se deva exagerar a esse respeito, considerando-o como um sistema de filosofia stricto sensu, não convém tampouco esvaziá-lo de toda doutrina e de toda conceptualização, definindo-o como um mero conjunto de recomendações sobre a melhor forma de vida humana

Fonte: Mora (2001, p. 369).

Page 68: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

68

História da Religião

O princípio do Budismo é a salvação, ou seja, procura explicar como a pessoa deve evitar o contínuo sofrimento provocado pela simples razão de viver. Todas as outras questões que orbitam em torno do Budismo, como se existe ou não vida após a morte ou se o mundo é finito ou não, são questões que ficam em segundo plano quando a questão primordial é a salvação.

A partir do princípio da salvação, surgem as quatro verdades sagradas de Buda, que fundamentam a doutrina budista:

1. A vida é sofrimento: doença, morte, carência, dor.2. A causa do sofrimento é a sede de existir, o perpétuo

renascer e a eterna roda do ser.3. Somente a cessação do sofrimento, ou a extinção completa

dessa sede, pode produzir a salvação.4. Há um caminho para salvar-se (um caminho que tem oito

estágios: o conhecimento reto, intenção reta, lata reta, comportamento reto, vida reta, esforço reto, pensamento reto e concentração reta)

Fonte: Mora (2001, p. 370).

O conceito de libertação para o Budismo está associado ao conceito de Nirvãna, ao fim do sofrimento, da miséria e da contínua cadeia da reencarnação. Neste ponto, é importante questionar como fica a questão da individualidade no Budismo.

Não se trata de um desaparecimento da individualidade, mas do reconhecimento de que esta é um engano; o que chamamos de um indivíduo ou uma alma não é uma realidade permanente, é uma crença (falsa), pois a individualidade carece de existência autêntica. O que há é um conjunto de cinco elementos (shandhas): corpo (ou formas corporais), sensações, percepções, impulsos e consciência. Esta transitoriedade e este engano do indivíduo são, além disso, paralelos à transitoriedade de toda existência; tudo é efêmero, e segundo alguns budistas (os da escola Sautrãntika), até momentâneo. A única coisa que permanece é a lei universal da mudança, da qual nada pode subtrair-se (MORA, 2001, p. 370).

Procura explicar como a pessoa deve evitar o

contínuo sofrimento provocado pela

simples razão de viver.

Page 69: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

69

As Religiões Orientais Capítulo 2

A vida cotidiana de um budista é norteada por cinco regras básicas de conduta:

1. Não fazer mal a nenhuma criatura viva.2. Não tomar aquilo que não lhe foi dado (não roubar).3. Não se comportar de modo irresponsável nos prazeres

sensuais. 4. Não falar falsidades.5. Não se entorpecer com álcool ou drogas.

Fonte: Gaarder, Hellern eNotaker (2005, p. 62).

Os ensinamentos de Buda são diferentes do Hinduísmo, do qual se originou. O Hinduísmo acredita que o homem tem uma alma individual e eterna (atmã), ou seja, sobrevive de uma existência para outra. Este princípio se assemelha ao da religião Kardecista: a alma pode ser revestida de outros corpos, isto é, a reencarnação.

Já o Budismo nega que o ser humano tenha alma e rejeita a existência de um espírito universal. Para o Budismo, a alma é tão transitória neste mundo como qualquer outra coisa que exista nele. O fato de um homem achar que é um “eu”, ou uma alma, baseia-se na ignorância, e essa ignorância tem consequências graves, uma vez que promove o desejo, e é o desejo que cria o carma do indivíduo.

O propósito de compreender e acreditar no carma é impedir o sofrimento futuro e estabelecer o fundamento básico para o caminho à libertação e à iluminação. De modo geral, carma significa “ação”. Das ações não virtuosas advém sofrimento e das ações virtuosas surge felicidade: se acreditamos nisso, acreditamos no carma. Buda deu extensos ensinamentos que provam a verdade dessa afirmação e muitos exemplos diferentes que mostram a conexão especial entre as ações das nossas vidas anteriores e as nossas experiências nesta vida, algumas delas explicadas no livro Caminho Alegre da Boa Fortuna.

Em nossas vidas anteriores, executamos muitos tipos de ações não virtuosas que causaram sofrimento aos outros. Como resultado

Page 70: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

70

História da Religião

dessas ações não virtuosas, vários tipos de condições e situações de infortúnio surgem e vivenciamos sofrimentos e problemas humanos sem-fim. O mesmo acontece a todos os demais seres vivos. Devemos avaliar se acreditamos, ou não, que a principal causa do sofrimento são as nossas ações não virtuosas e que a principal causa de felicidade são as nossas ações virtuosas. Se não acreditarmos nisso, nunca aplicaremos esforço em acumular ações virtuosas, ou mérito, e nunca purificaremos nossas ações não virtuosas; e, por causa disso, experienciaremos sofrimentos e dificuldades continuamente, vida após vida, sem fim.

Toda ação que executamos deixa uma marca em nossa mente muito sutil, e cada marca finalmente dará origem ao seu próprio efeito. Nossa mente é como um campo, e executar ações é como semear nesse campo. Ações virtuosas plantam sementes de felicidade futura, e ações não virtuosas plantam sementes de sofrimento futuro. Essas sementes permanecem adormecidas em nossa mente até que as condições para o seu amadurecimento ocorram e, nesse momento, elas produzem seu efeito. Em alguns casos, isso pode acontecer muitas vidas depois que a ação original foi realizada. As sementes que amadurecem quando morremos são muito importantes, porque elas determinam qual o tipo de renascimento que teremos em nossa próxima vida. A semente que, em particular, amadurece na morte depende do estado da mente com o qual morremos. Se morrermos com uma mente pacífica, isso estimulará uma semente virtuosa e experienciaremos um renascimento afortunado. Entretanto, se morrermos com uma mente perturbada, como acontece num estado de raiva, isso estimulará uma semente não virtuosa e experienciaremos um renascimento desafortunado. Isso é semelhante ao modo como os pesadelos são provocados por estarmos com um estado mental agitado logo antes de adormecer. Todas as ações inadequadas, incluindo matar, roubar, má conduta sexual, mentir, discurso divisor, discurso ofensivo, tagarelice, cobiça, maldade e sustentar visões errôneas, são ações não virtuosas.

Quando abandonamos as ações não virtuosas e aplicamos esforço para purificar nossas ações não virtuosas anteriores, estamos praticando disciplina moral. Isso nos impedirá de experienciar sofrimento futuro e de ter um renascimento inferior. Exemplos de ações virtuosas são treinar todas as meditações e demais práticas espirituais apresentadas neste livro. Meditação é uma ação mental virtuosa que é a causa principal para experienciar paz mental no futuro. Sempre que praticamos meditação, seja a nossa meditação

Page 71: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

71

As Religiões Orientais Capítulo 2

clara ou não, estamos executando uma ação mental virtuosa que é a causa da nossa felicidade futura e de paz mental. Normalmente, estamos preocupados principalmente com as nossas ações físicas e verbais, mas, na realidade, as ações mentais são mais importantes. Nossas ações físicas e verbais dependem da nossa ação mental, que, por sua vez, depende de tomarmos uma decisão mental.

Fonte: Gyatso (2016, p. 59).

O budismo vê a vida humana como uma série ininterrupta de processos mentais e físicos que alteram o homem de momento a momento. O bebê não é a mesma pessoa que o adulto, e o adulto não é a mesma pessoa que era ontem. É como as imagens numa tela de cinema: movem-se muito depressa e não conseguimos perceber que o filme é “artificial”, que não é algo “vivo”. Na realidade, o filme é a soma das imagens individuais — ou de uma série de instantes (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 56).

Tudo é formado de fatores existenciais impessoais que se combinam e que estão destinados a um fim, em outras palavras, tudo é transitório.

Para os budistas, ter fé em Buda Shakyamuni é sua vida espiritual: é a raiz de todas as realizações de Dharma. Se tivermos profunda fé em Buda, naturalmente desenvolveremos o forte desejo de praticar seus ensinamentos. [...] se quisermos verdadeiramente experienciar grande benefício da nossa prática do Budismo, precisamos desenvolver e manter profunda fé em Buda. Como desenvolvemos e mantemos essa fé? Em primeiro lugar, devemos saber por que precisamos obter libertação permanente do sofrimento. Não é suficiente experienciar apenas libertação temporária de um sofrimento específico: todos os seres vivos, incluindo os animais, experienciam libertação temporária de sofrimentos específicos. Os animais experienciam libertação temporária do sofrimento humano; e os humanos experienciam libertação temporária do sofrimento animal.

Podemos estar, neste momento, livres de sofrimento físico e de dor mental, mas isso é apenas temporário. Mais tarde, nesta vida e em nossas incontáveis vidas futuras, teremos de experienciar insuportável sofrimento físico e dor mental muitas vezes, sem-fim.

Page 72: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

72

História da Religião

No ciclo de vida impura, o samsara, ninguém tem libertação permanente; todos têm de experienciar continuamente os sofrimentos da doença, envelhecimento, morte e renascimento descontrolado, vida após vida, sem fim. Nesse ciclo de vida impura há vários reinos, ou mundos, impuros nos quais podemos renascer: os três reinos inferiores (o reino animal, o reino dos fantasmas famintos e o reino do inferno) e os três reinos superiores (o reino dos deuses, o reino dos semideuses e o reino humano). De todos os mundos impuros, o inferno é o pior: é o mundo que aparece para o pior de todos os tipos de mente. O mundo de um animal é menos impuro, e o mundo que aparece para os seres humanos é menos impuro do que o mundo que aparece aos animais.

No entanto, existe sofrimento em todos os reinos. Quando renascemos como um ser humano, temos de experienciar sofrimento humano; quando renascemos como um animal, temos de experienciar sofrimento animal; e quando renascemos como um ser-do-inferno, temos de experienciar o sofrimento de um ser-do-inferno. Contemplando isso, realizaremos que apenas experienciar libertação temporária de sofrimentos específicos não é bom o bastante: precisamos, definitivamente, obter libertação permanente dos sofrimentos desta vida e de todas as nossas incontáveis vidas futuras.

Como podemos realizar isso? Somente colocando os ensinamentos de Buda em prática. O motivo é que somente os ensinamentos de Buda são os métodos verdadeiros para abandonar a nossa ignorância do agarramento ao em-si, a fonte de todo o nosso sofrimento. Em seu ensinamento intitulado Sutra Rei da Concentração, Buda diz: Um mágico cria várias coisas, como cavalos, elefantes e assim por diante. Suas criações não existem verdadeiramente. Deves conhecer todas as coisas do mesmo modo.

Esse ensinamento, por si só, tem o poder de libertar todos os seres vivos permanentemente de seus sofrimentos. Por meio de praticar e realizar esse ensinamento, que é explicado em detalhe no capítulo Treinar a Bodhichitta Última, podemos erradicar permanentemente a raiz de todo o nosso sofrimento, a nossa ignorância do agarramento ao em-si. Quando isso acontecer, experienciaremos a suprema paz mental permanente, conhecida como “nirvana”, a libertação permanente do sofrimento, que é o

Page 73: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

73

As Religiões Orientais Capítulo 2

nosso desejo mais profundo e o verdadeiro sentido da vida humana. Esse é o principal objetivo dos ensinamentos de Buda.

Entendendo isso, apreciaremos profundamente a grande bondade de Buda para com todos os seres vivos, ao dar métodos profundos para conquistar a liberdade permanente do ciclo de sofrimento da doença, envelhecimento, morte e renascimento. Nem mesmo nossa própria mãe possui a compaixão que deseja nos libertar desses sofrimentos; somente Buda tem essa compaixão por todos os seres vivos, sem exceção. Na verdade, Buda já está nos libertando quando revela o caminho da sabedoria que nos conduz à meta suprema da vida humana. Precisamos contemplar esse ponto muitas vezes, até desenvolvermos profunda fé em Buda. Essa fé é o objeto da nossa meditação; devemos transformar nossa mente em uma mente de fé em Buda e mantê-la estritamente focada pelo maior tempo possível.

Praticando continuamente essa contemplação e meditação, manteremos profunda fé em Buda dia e noite, por toda a nossa vida. Uma das principais maneiras como Buda atua é concedendo paz mental para todos e cada um dos seres vivos, dando-lhes bênçãos – essa é a função de um Buda. Os seres vivos, por si sós, são incapazes de cultivar uma mente pacífica; é somente por receber as bênçãos de Buda em seu continuum mental que os seres vivos, incluindo até mesmo os animais, podem experienciar paz mental. Quando suas mentes estão pacíficas e calmas, eles se sentem verdadeiramente felizes; mas, se suas mentes não estão em paz, eles não se sentem felizes, mesmo que suas condições exteriores sejam perfeitas. Isso prova que a felicidade depende de paz mental, e já que paz mental depende das bênçãos de Buda, Buda é, por esta razão, a fonte de toda a felicidade. Entendendo e contemplando isso, desenvolveremos e manteremos profunda fé em Buda e iremos gerar o forte desejo de praticar seus ensinamentos, em geral, e o Lamrim Kadam, em particular

Fonte: Gyatso (2016, p. 7-9).

Ao longo dos primeiros séculos da nossa era cristã, o Budismo dividiu-se em várias escolas, reinventando o Budismo primitivo. As divisões mais conhecidas são o “Grande Veículo”, em sânscrito Mahâyâna, e o “Pequeno Veículo”, Hînayâna, que com o passar do tempo passou a se chamar Theravâda, “a via dos antigos”.

Page 74: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

74

História da Religião

A Escola do “Grande Veículo” difundiu novos textos de referência, as sûtra, que tiraram todas as consequências do princípio inicial de não violência (ahimsâ).

Essas consequências são três virtudes:

A primeira é a benevolência (maitrî), que se estende mesmo aos inimigos. A segunda é o desejo de dar, porque a benevolência gera naturalmente o dom (dâna), que ajuda os outros não apenas materialmente, mas também lhes facilitando o caminho da “libertação”. A terceira virtude, a compaixão (karuna), decorre da intuição fundamental do budismo: a dor universal. Se tudo é dor, tudo deve ser piedade. Então, uma coisa é preferível à própria entrada no Nirvãna: encaminhar os outros para que entrem.

Fonte: Delumeau (2000, p. 316).

O Grande Veículo diz que, chegando à fase do Nirvãna, escolhe-se uma nova

reencarnação, para conduzir os outros à libertação. Essa doutrina não existia no Budismo primitivo. O “Grande Veículo” abandonou o ateísmo inicial e procedeu a uma espécie de transformação de Buda em um Deus, atribuindo-lhe três corpos – humano, divino e cósmico. Esse Budismo, também transformado em religião popular, tem seus templos ricamente ornados, peregrinações, festas e venera o mais célebre Bodhisattva.

Várias escolas surgiram a partir do Grande Veículo. Na China, a interação do Budismo e do Taoísmo deu origem ao Chan, e no Japão, a partir do século XII o Budismo se transformou-se no Zen Budismo.

Ao Zen Budismo é mais atribuída a qualidade de sabedoria do que de religião, porque busca uma espécie de libertação do corpo, do espírito, do tempo e do espaço. Trata-se de alcançar plena liberdade interior, por um caminho de recusa aos prazeres deste mundo, pela leitura repetida dos textos sagrados e pela meditação em posição sentada (zazen). O Chan e o Zen influenciaram a arte floral, o teatro, o judô, a pintura e a poesia.

Outra escola saída do “Grande Veículo”, na China, e depois no Japão, é a da “Terra pura”, que deu a primazia a um Buda qualificado de “Luz infinita”- Amitàbhâ, em sânscrito -, senhor de uma terra bem-aventurada, longínqua, no Ocidente. Aí ele

Ao Zen Budismo é mais atribuída a qualidade de

sabedoria do que de religião, porque busca uma espécie

de libertação do corpo, do espírito,

do tempo e do espaço.

Page 75: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

75

As Religiões Orientais Capítulo 2

acolhe todos os que nele confiam. Uma vez recebido nessa espécie de paraíso, o fiel escapa às reencarnações e, no fim de um período de felicidade, alcança o Nirvãna. Nessa variedade de budismo, o primeiro objetivo é o renascimento aos pés do Buda Amtàbhâ (DELUMEAU, 2000, p. 316).

Finalmente, o Grande Veículo deu origem ao Budismo Tântrico, o “Veículo de Diamante” (Vjrayâna), no norte da Índia, no Tibete e na Mongólia. Os tantras, escritos sagrados comuns ao Hinduísmo e ao Budismo de “Diamante”, ensinam como conseguir a distinção entre o mundo das aparências e o absoluto, por meio de práticas e rituais.

O “Pequeno Veículo”, referente às “Três Tripitaka”, insiste no papel das comunidades de monges e leigos para levar ao Nirvãna, mas é na vida monástica que há estrita moral que ela implica e os métodos de meditação e concentração, inspirados pela yoga hindu para chegar a um estado em que já não há percepção nem ausência de percepção.

Nos países que tomam por referência o “Pequeno Veículo”, a religiosidade é centralizada nos mosteiros, mas o Nirvãna não é reservado aos monges, pois monges e leigos se misturam pela comunidade. Este estilo de Budismo sempre teve um bom convívio com os cultos anteriores, com as crenças populares e cultos de outras religiões, porque ele é de natureza tolerante, não tem diretrizes precisas para a vida cotidiana e também não tem uma precisão em que se deve crer ou não: daí a abertura às tradições locais e às cerimônias folclóricas (GYATSO, 2016).

E foi assim que deuses hindus foram transformados em deuses budistas, devotos do Buda. O Sri Lanka, por exemplo, presta homenagem à árvore da bodhi, uma muda da figueira sagrada sob a qual o Buda teria atingido o despertar.

No Tibete, na China, na Mongólia, no Laos e no Camboja, os regimes comunistas perseguiram o Budismo, mas atualmente nesses locais o Budismo existe pacificamente com outras religiões e também é bem acolhido no Ocidente.

Segundo os budistas, fica claro que nós somos constituídos de vidas futuras

e por isso precisamos clarear nossa mente para encontrá-las. Para muitas pessoas, o Budismo tende a ser universal, no sentido de que convive bem com outras religiões. Inclusive, costuma-se admitir entre seus seguidores qualquer pessoa que pertença a qualquer outra religião.

Page 76: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

76

História da Religião

As mandalas são uma iconografia típica do Budismo tibetano. Sobre tecidos que se podem enrolar, círculos ou quadros concêntricos, elas simbolizam os ciclos das reencarnações, sendo o núcleo central reservado à “pura sabedoria absoluta”. O Dalai-lama, por sua vez, é considerado a reencarnação de um bodhisattva da compaixão, manifestação do Buda supremo (DELUMEAU, 2000, p. 316).

Figura 2 - Mandala

Fonte: Disponível em: <http://www.juliotafforelli.com.br/wp-content/uploads/2017/02/mandalas-1.jpg>. Acesso em: 5 jun. 2017.

Por fim, precisamos esclarecer qual o significado da morte para o Budismo. Segundo esta religião, a morte possui um significado todo especial: é a separação do nosso corpo da nossa mente.

A nossa morte é a separação permanente entre o nosso corpo e a nossa mente. Podemos experienciar muitas separações temporárias do nosso corpo e mente, mas elas não são a nossa morte. Por exemplo, quando aqueles que concluíram seu treino na prática conhecida como “transferência de consciência” entram em meditação, a mente deles se separa do corpo. O corpo desses meditadores permanece onde estão meditando, mas a mente vai para uma Terra Pura e, então, retorna para o corpo deles. À noite, durante os sonhos, nosso corpo permanece na cama, mas a nossa mente vai para diversos lugares do mundo do sonho e, então, retorna para o nosso corpo. Essas

Page 77: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

77

As Religiões Orientais Capítulo 2

separações de nosso corpo e mente não são a nossa morte, porque essas separações são apenas temporárias. Na morte, nossa mente separa-se permanentemente do nosso corpo. O nosso corpo permanece no local de sua vida, mas a nossa mente vai para os diversos lugares das nossas vidas futuras, como um pássaro deixando um ninho e voando para outro. Isso mostra claramente a existência das nossas incontáveis vidas futuras e que a natureza e a função do nosso corpo e da nossa mente são muito diferentes. Nosso corpo é uma forma visual que possui cor e formato, mas nossa mente é um continuum sem forma que sempre carece de cor e formato. A natureza da nossa mente é um vazio semelhante ao espaço, e ela atua percebendo ou entendendo objetos – essa é a sua função. Por meio disso, podemos compreender que o nosso cérebro não é a nossa mente. O cérebro é simplesmente uma parte do nosso corpo que, por exemplo, pode ser fotografado, ao passo que não podemos fazer o mesmo com a nossa mente (GYATSO, 2016, p. 49).

Desse modo, quando morremos nós nos separamos de modo definitivo da

nossa mente. Quando deixamos de existir e paramos de sofrer, nossos desejos desaparecem e toda a dor cessa.

Atividade de Estudos:

1) Como vimos em nossos estudos, a morte é aquela que nos propicia a libertação do sofrimento. Contudo, esta visão negativa não é a única forma de ver e perceber a dimensão da morte. Há um aspecto positivo. Assim, para ampliarmos nosso conhecimento, vamos ler o fragmento de texto a seguir e depois refletir acerca da dimensão positiva da morte apresentada pelo Budismo.

A PRECIOSIDADE DA NOSSA VIDA HUMANA

O propósito de compreender a preciosidade da nossa vida humana é encorajarmo-nos a extrair o sentido da nossa vida humana e não desperdiçá-la em atividades sem significado. Nossa vida humana é muito preciosa e significativa, mas somente se a usarmos para obter libertação permanente e a felicidade suprema da iluminação. Devemos nos encorajar a realizar o verdadeiro significado da nossa vida humana por meio de compreender e contemplar a seguinte explicação.

Muitas pessoas acreditam que o desenvolvimento material é o verdadeiro sentido da vida humana, mas podemos ver que não importa quanto desenvolvimento material exista no mundo, ele nunca reduz os sofrimentos e os problemas humanos. Em vez disso, ele frequentemente faz com que os sofrimentos e os

Page 78: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

78

História da Religião

problemas aumentem; portanto, ele não é o verdadeiro sentido da vida humana. Devemos saber que, vindos das nossas vidas anteriores, alcançamos agora o mundo humano por apenas um breve instante e que temos a oportunidade de obter a felicidade suprema da iluminação praticando o Dharma. Essa é a nossa extraordinária boa fortuna. Quando alcançarmos a iluminação, teremos satisfeito todos os nossos desejos e poderemos satisfazer os desejos de todos os demais seres vivos; teremos libertado a nós próprios permanentemente dos sofrimentos desta vida e de incontáveis vidas futuras, e poderemos beneficiar diretamente todos e cada um dos seres vivos, todos os dias. A conquista da iluminação é, portanto, o verdadeiro sentido da vida humana.

A iluminação é a luz interior de sabedoria que é permanentemente livre de toda aparência equivocada e que atua concedendo paz mental para todos e cada um dos seres vivos, todos os dias – essa é a função da iluminação. Agora mesmo obtivemos um renascimento humano e temos a oportunidade de alcançar a iluminação pela prática do Dharma; assim, se desperdiçarmos esta preciosa oportunidade em atividades sem significado, não haverá maior perda nem maior insensatez do que essa. O motivo é que tal oportunidade preciosa será extremamente difícil de ser encontrada no futuro. Em um Sutra, Buda torna isso claro por meio da seguinte analogia. Ele pergunta aos seus discípulos: “Imaginem que exista um vasto e profundo oceano do tamanho deste mundo; que, em sua superfície, haja uma canga dourada flutuando; e que, no fundo do oceano, viva uma tartaruga cega que vem à superfície apenas uma vez a cada cem mil anos. Quantas vezes a tartaruga colocaria sua cabeça no meio da canga?”. Ananda, seu discípulo, respondeu que, certamente, isso seria extremamente raro.

Nesse contexto, o vasto e profundo oceano refere-se ao samsara – o ciclo de vida impura que temos experienciado desde tempos sem início, continuamente, vida após vida, sem-fim; a canga dourada refere-se ao Budadharma, e a tartaruga cega refere-se a nós. Embora não sejamos fisicamente como uma tartaruga, mentalmente não somos muito diferentes; e embora os nossos olhos físicos possam não ser cegos, os nossos olhos de sabedoria o são. Na maioria das nossas incontáveis vidas anteriores, permanecemos no fundo do oceano do samsara, nos três reinos inferiores – no reino animal, no reino dos fantasmas famintos e no reino do inferno – emergindo como ser humano apenas a cada cem mil anos, mais ou menos. Mesmo quando alcançamos brevemente o reino superior do oceano do samsara como um ser humano, é extremamente raro encontrar a canga dourada do Budadharma: o oceano do samsara é extremamente vasto, a canga dourada do Budadharma não permanece num

Page 79: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

79

As Religiões Orientais Capítulo 2

único lugar, mas move-se de um lugar a outro, e os nossos olhos de sabedoria estão sempre cegos. Por essas razões, Buda diz que, no futuro, mesmo se obtivermos um renascimento humano, será extremamente raro encontrar o Budadharma novamente; encontrar o Dharma Kadam é ainda mais raro que isso. Podemos ver que a grande maioria dos seres humanos no mundo, embora tenham brevemente alcançado o reino superior do samsara como seres humanos, não encontraram o Budadharma. O motivo é que os seus olhos de sabedoria não se abriram.

O que significa “encontrar o Budadharma”? Significa ingressar no Budismo buscando sinceramente refúgio em Buda, Dharma e Sangha e, assim, ter a oportunidade de ingressar e fazer progressos no caminho à iluminação. Se não encontrarmos o Budadharma, não teremos oportunidade para fazer isso e assim não teremos oportunidade de obter a felicidade pura e duradoura da iluminação, o verdadeiro sentido da vida humana. Concluindo, devemos pensar: agora eu alcancei, por um breve momento, o mundo humano, e tenho a oportunidade de obter a libertação permanente do sofrimento e a felicidade suprema da iluminação por meio de colocar o Dharma em prática. Se eu desperdiçar esta preciosa oportunidade em atividades sem significado, não haverá maior perda nem maior insensatez.

Com esse pensamento, tomamos a firme determinação de praticar agora o Dharma dos ensinamentos de Buda sobre renúncia, compaixão universal e visão profunda da vacuidade, enquanto temos esta oportunidade. Então, meditamos repetidamente nessa determinação. Devemos praticar essa contemplação e meditação todos os dias em muitas sessões e, desse modo, nos encorajarmos a extrair o verdadeiro sentido da nossa vida humana.

Devemos nos perguntar o que consideramos mais importante – o que desejamos, pelo que nos dedicamos ou com o que sonhamos? Para algumas pessoas são as posses materiais, como uma casa grande com os últimos requintes de conforto, um carro veloz ou um emprego bem remunerado. Para outros é reputação, boa aparência, poder, excitação ou aventura. Muitos tentam encontrar o sentido de suas vidas em relacionamentos familiares e círculo de amigos. Todas essas coisas podem nos fazer superficialmente felizes por pouco tempo, mas elas também causam muita preocupação e sofrimento. Elas nunca irão nos dar a verdadeira felicidade que todos nós, em nossos corações, buscamos. Já que não podemos levá-las conosco quando morrermos, com certeza irão nos decepcionar se tivermos feito delas o principal sentido da nossa vida. As aquisições mundanas, tomadas como um fim em si mesmas, são ocas: elas não são o verdadeiro sentido da vida humana.

Page 80: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

80

História da Religião

Com a nossa vida humana podemos, ao colocar o Dharma em prática, obter a suprema paz mental permanente, conhecida como “Nirvana”, e a iluminação. Uma vez que essas aquisições são não enganosas e são estados últimos de felicidade, elas são o verdadeiro sentido da vida humana. No entanto, porque o nosso desejo por prazer mundano é tão forte, temos pouco ou nenhum interesse pela prática de Dharma. Do ponto de vista espiritual, essa ausência de interesse pela prática de Dharma é um tipo de preguiça denominado “preguiça do apego”. A porta da libertação permanecerá fechada para nós enquanto tivermos essa preguiça e, consequentemente, continuaremos a vivenciar infortúnio e sofrimento nesta vida e em incontáveis vidas futuras. A maneira de superar essa preguiça, o principal obstáculo para a nossa prática de Dharma, é meditar sobre a morte (GYATSO, 2016, p. 27-30).

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

HinduísmoO Hinduísmo é considerado a religião mais antiga da Ásia, e o

interessante é saber que o termo hinduísmo foi criado pelos ingleses por volta dos meados do século XIX. A palavra hinduísmo quer dizer então um conjunto de concepções e práticas religiosas que têm a Índia como berço,

é bom ressaltar que nem todos os indianos são hindus, a Índia tem uma diversidade de religiões com características próprias.

O Hinduísmo surgiu na Índia, por volta do ano de 1500 a.C. No ano 2000 a.C. os arianos começaram a povoar o Vale do Rio Indo, atualmente Paquistão. As crenças que surgiram neste período nesta região tiveram influência das religiões indo-europeias, como a grega, a romana e a germânica (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 44).

O Hinduísmo não tem um Deus fundador, credo, clero e nem uma instituição. É ensinado por mestres espirituais (gurus) e cada um à sua maneira. Só se pode ser hindu por nascimento ou por um amplo e profundo processo de conversão.

[...] embora o hinduísmo seja constituído por uma abundância de crenças e não seja fundado sobre a revelação contida num livro único tal como a Bíblia ou o Alcorão, seus princípios foram expostos em textos considerados de origem sobre-humana (DELUMEAU, 200, p. 305).

O Hinduísmo é considerado a

religião mais antiga da Ásia.

Page 81: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

81

As Religiões Orientais Capítulo 2

Os textos sagrados para os hinduístas são os hinos conhecidos como Vedas. Esses hinos teriam sido transmitidos por Deus a antigos habitantes dessa região e neles encontraremos diversos deuses e deusas - chamadas de divindades védicas. Essas são de uma enorme diversidade, sendo que cada Deus ou Deusa tem características peculiares, os mais conhecidos são: o Deus Xiva (o destruidor) e Visnù (o protetor) e Ganexa (boa fortuna). Os hindus têm por costume fazer oferendas aos deuses que variam de acordo com o deus que se seja agradar.

Figura 3 - Xiva

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/aEtZvd>. Acesso em: 11 maio 2017.

Textos sagrados para os hinduístas

são os hinos conhecidos como

Vedas.

Page 82: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

82

História da Religião

Figura 4 - Ganexa

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/p83qRM>. Acesso em: 11 maio 2017.

Fonte: Disponível em: <http://www.saibaba.it/immagini/Visnu.jpg>. Acesso em: 11 maio 2017.

Figura 5 - Visnu

Page 83: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

83

As Religiões Orientais Capítulo 2

É importante lembrar aqui que apesar do Hinduísmo ter influência direta da civilização indo-europeia, suas raízes encontram-se antes de 1000 a.C. até 500 a.C. Destacam-se nesta fase os Upanishads, que até hoje são os textos hinduístas mais lidos. Esses textos foram escritos em forma de diálogos entre o mestre e o discípulo, ressaltando o Brahman, que é para eles a força espiritual essencial em que se baseia o universo (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 44).

Para o Hinduísmo, o próprio sujeito é agente de sua salvação, buscando assim uma evolução pessoal constante. Aqueles que seguem o Hinduísmo devem:

• respeitar a tradição; • acreditar nos livros sagrados;• acreditar nos deuses;• persistir no sistema das castas (determina o status de cada pessoa na

sociedade);• ter conhecimento da importância dos ritos;• confiar nos guias espirituais; e• acreditar na existência de encarnações anteriores.

O nascimento de uma pessoa dentro de uma casta é resultado do karma produzido em vidas passadas. Somente os brâmanes, pertencentes às castas "superiores", podem realizar os rituais religiosos hindus e assumir posições de autoridade dentro dos templos.

Os hindus, como politeístas, possuem um sistema próprio de culto. Nestes estão presentes os sacrifícios, em que eram feitas oferendas para conseguir favores e manter a vida sob equilíbrio. No entanto, os sacrifícios são apenas uma das partes que constituem essa religião. O hinduísmo, assim como outras religiões, se preocupa com as ações dos seres humanos e, neste sentido, a moral faz parte do cotidiano religioso. Entretanto, os hinduístas acreditam no ciclo vida-morte-reencarnação, concomitante a isso a lei do carma também está inclusa, isto significa que para eles a pessoa será castigada ou recompensada na outra vida, dependendo do que fez nessa. A ideia de uma alma imortal está contida nos livros Upanishads: “Ela (a alma) não envelhece quando você envelhece, ela não morre quando você morre” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 46).

A vaca é um animal sagrado na Índia e é adorada durante certas festas religiosas. Isso provavelmente se relaciona com um antigo culto de fertilidade; nos Vedas há hinos à vaca, pois ela supre tudo o que é necessário para sustentar a vida. A vaca se tornou um símbolo da vida, e não é permitido matá-la. Muitos ocidentais têm uma visão

Page 84: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

84

História da Religião

bastante negativa desse fato. Segundo eles, as vacas deveriam ser mortas para fornecer alimento à legião de famintos da Índia. Entretanto, considerando o lugar que a vaca ocupa na agricultura indiana, vemos também aspectos positivos: 70% da população vive do cultivo da terra, e há uma grande falta de animais de tração num país em que o trator é pouco difundido. Além disso, o excremento das vacas é útil não só como fertilizante, mas também como combustível. Em termos de culto, a vaca é mais “pura” do que o brâmane. Assim, a pessoa que toca uma vaca está ritualmente limpa. Todos os produtos derivados da vaca — o leite e a manteiga — são utilizados em diversas cerimônias de purificação. Até mesmo o excremento e a urina da vaca são tão sagrados que podem ser usados como agentes de purificação. Os hinduístas têm outros animais sagrados além da vaca, em especial o macaco, o crocodilo e a cobra. De modo geral, eles não gostam de tirar a vida. Isso transformou muitos hinduístas em vegetarianos e também abriu caminho para o ideal da não violência, que ficou mais conhecido no Ocidente com a luta de Gandhi para tornar a Índia independente do colonialismo britânico

Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 46).

O Hinduísmo atualmente é resultado de diversas correntes religiosas, entre as quais destacamos: o Vedismo, o Bramanismo, o Xamanismo, o Hinduísmo purânico, Hinduísmo medieval, Hinduísmo reformado, período moderno ou neo-hinduísmo. Não

nos aprofundaremos nessas correntes neste curso, mas fique à vontade para pesquisar mais sobre elas.

Na atualidade, o Hinduísmo é uma religião que se concentra nos locais mais afastados dos grandes centros. Na Índia, por exemplo, os jovens têm pouco interesse por esta conduta religiosa, mas nos locais mais afastados da capital e em pequenos vilarejos rurais o Hinduísmo mantém a sua força e o seu papel social.

Podemos destacar uma dificuldade do Hinduísmo em considerar o avanço material um ganho para o ser humano. Na filosofia hindu, o importante é o desapego das coisas materiais e não o ganho financeiro, por isso que essa religião se adapta tão bem ao modo de vida simples de cada ser humano.

A justificativa para o comportamento desapegado dos seguidores do Hinduísmo encontra-se na doutrina da transmigração das almas, que afirma

Hinduísmo atualmente é resultado de

diversas correntes religiosas.

Podemos destacar uma dificuldade

do Hinduísmo em considerar o avanço material um ganho para o ser humano.

Page 85: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

85

As Religiões Orientais Capítulo 2

uma existência passageira que implicará um renascimento após a morte. De acordo com a religião hindu, os atos da vida devem espirar um carma para depois podermos renascer em outra realidade. Existe uma certa predestinação que faz o indivíduo voltar a esta existência como um animal até atingir a identificação como um todo. Por acreditar na doutrina da transmigração das almas, os hindus entendem que não podemos matar e comer a carne de animais de sangue quente, pois alguns antepassados podem estar vivendo como animais.

Percebemos que a religião hindu é muito diversificada e contém inúmeras experiências que nos aproximam da divindade. No Ocidente, temos um pouco de dificuldade para entender esses preceitos e, sobretudo, a constante luta para o desapego do mundo.

Como um sistema diversificado, com crenças que abrangem o monoteísmo, politeísmo, panenteísmo, panteísmo, monismo e ateísmo, o Hinduísmo possui um conceito de Deus complexo, que está vinculado a cada uma das suas tradições e filosofias. Por vezes, é tido como uma religião henoteísta (que envolve a devoção a um único deus, embora aceite a existência de outros), porém o termo é visto da mesma maneira que os outros, como uma generalização excessiva.

A maior parte dos hindus acredita que o espírito ou a alma - o “eu” verdadeiro de cada pessoa, chamado de ātman - é eterno. De acordo com as teologias monistas/panteístas do Hinduísmo (tais como a escola Advaita Vedanta), este ātma não pode ser distinguido, em última instância, do Brâman, o espírito supremo; estas escolas são, portanto, chamadas de não dualistas. A meta da vida, de acordo com a escola Advaita, é chegar à conclusão de que o seu ātman é idêntico ao Brâman, a alma suprema. Os Upanixades afirmam que alguém que toma consciência do ātman como o âmago de si próprio estabelece uma identidade com Brâman, atingindo assim o moksha (“liberação” ou “liberdade”).

O Carma (Karma) pode ser traduzido literalmente como “ação”, “obra” ou “feito” e pode ser descrito como a “lei moral de causa e efeito”. De acordo com os Upanixades, um indivíduo, conhecido como o jiva-atma, desenvolve sanskaras (impressões) a partir das ações, sejam elas físicas ou mentais. O linga sharira, um corpo mais sutil que o físico, porém menos sutil que a alma, armazena as impressões e carrega para a vida seguinte, estabelecendo uma trajetória única para o indivíduo.

Assim, o conceito de um carma infalível, neutro e universal relaciona-se intrinsecamente à reencarnação, assim como à personalidade, característica e família de cada um. O carma une os conceitos de livre-arbítrio e destino. Carma também se refere à ação e à lei de causa e efeito. Dharma é o dever moral da pessoa.

Percebemos que a religião hindu é muito diversificada e contém inúmeras experiências que nos aproximam

da divindade.

Page 86: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

86

História da Religião

Os principais passos da vida são marcados por ritos de passagem. Quando um bebê nasce, ele é levado ritualmente à palavra sagrada. Todo hindu nasce pertencendo a uma casta ou jati.

Dentro do Hinduísmo há milhares de deusas, ao contrário de religiões tradicionais brasileiras. Há também na religião aqueles deuses considerados reencarnações de outros deuses maiores. É característico destes possuir feições de animais. Deusas de vilarejos são grandes e reconhecidas em toda a Índia, algumas inclusive possuem origem tribal. É comum os principais deuses possuírem um aspecto masculino e outro feminino.

A crença do Hinduísmo é que atma está antes de moksha e atrelada a uma sucessão incessante de nascimentos e mortes, em que é arrastada sem opção por seus desejos sensoriais através de seus sentidos físicos. Esses mesmos desejos são a causa do sofrimento e da morte e do próximo renascimento. É uma percepção negativa da realidade que deve ser transformada em positiva, pelo efeito de moksha.

Moksha parece acontecer em um instante quando tudo é transformado. Atma é feito da mesma maneira que Brahman, a Essência Universal, e em um momento ela se dissolve nele, porém sem perder a sua própria individualidade. A dissolução que ocorre é dos sofrimentos, pela eterna presença da bem-aventurança autossuficiente.

Pela diversidade do Hinduísmo, as diferentes escolas apresentam distintos caminhos a moksha, basicamente podem ser apontados três grandes ramos: o caminho da sabedoria, em que o estudo e as minúcias ritualistas são as principais características; o caminho devocional, em que Brahman é amado e adorado pelo devoto como prática; e o caminho do asceta, que busca se dissolver em Brahman através de práticas austeras.

Brahman é a realidade última para os hindus. Já os Deuses Védicos são as mais antigas divindades conhecidas, dentre eles se destacam o Surya – o deus sol védico, que é associado com Agni e Vayu. Agni - o deus do fogo Agni - era uma das mais populares divindades védicas. Esses e outros fazem parte da “digamos” casta de Deuses dos Véticos.

A percepção Hindu é que moksha é a percepção consciente de sabedoria de bem-aventurança. O praticante torna-se lúcido e vivencia essa presença de beatitude existente no universo. Essa percepção libera o devoto de sua crença de renascimentos que acreditava estar atrelada aos sofrimentos dos sentidos. A referência é da felicidade direta, autoexistente.

Page 87: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

87

As Religiões Orientais Capítulo 2

Quando o mundo está sob ameaça do mal, Vishnu aparece para protegê-lo, em um de seus avatares, ou reencarnações. Vishnu também é conhecido como protetor e preservador, Vishnu representa a força.

Advaita Vedanta é uma das três escolas de Vedanta do pensamento monista hindu. A palavra Vedanta vem de Vedas, livros sagrados da antiga Índia, e anta, final, ou seja, é a culminação dos Vedas, a parte final e mais avançada dos Vedas.

Advaita - (hind) princípio fundamental do Vedanta - assevera que a única realidade é Brahman e que o dualismo que se interpõe entre o eu e o mundo, entre o espírito e a matéria, é uma ilusão (maya) e resulta da ignorância (avidhma). Termo negativo pelo qual se afirma o monismo, a unidade total. O mundo físico é aparente. No sistema advaita, o Brahman (Absoluto) e o Atman (em si) não são duas realidades distintas. Para esta doutrina, o não dualismo constitui a base das experiências espirituais de união com o Absoluto (SCHLESINGER, 1995, p. 73).

Bhakti significa devoção e amor espiritual a Deus. Esta prática de devoção é encontrada dentro do contexto dualista da religião Hindu, como Bhakti Yoga. Na terceira etapa do desenvolvimento da produção de textos do Hinduísmo, tem-se as Epopeias: o Mahabharata e o Ramayana, em que o caminho para a liberação apresentado aos devotos é por meio do amor incondicional a Deus (Brahman) como uma personalidade divina. Assim, definimos Bhakti como um amor que ocupa um lugar central no discípulo que crê que por sua adoração atingirá a glória divina.

Atividade de Estudos:

1) O hino abaixo é considerado como um cântico de súplica aos deuses hindus. Proceda a sua leitura e verifique quais são os principais pedidos.

MAṆḌALA I, HINO 2.AṢṬAKA I, ADHYĀYA 1, VARGA 3-4.

1. Vem para cá, ó Vāyu, tu belo! Esses Somas estão prontos, bebe deles! Ouve o nosso chamado!

2. Ó Vāyu, os adoradores te celebram com hinos, eles que conhecem os dias de festa, e prepararam o Soma.

3. Ó Vāyu, tua corrente satisfatória vai até o adorador, de amplo alcance, para beber o Soma.

4. Ó Indra e Vāyu, essas (libações de Soma) são derramadas; venham para cá por causa das nossas oferendas, pois as gotas (de Soma) anseiam por vocês.

Page 88: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

88

História da Religião

5. Ó Indra e Vāyu, vocês percebem as libações, vocês que são ricos em saque; venham então rapidamente para cá!

6. Ó Vāyu e Indra, aproximem-se da obra do sacrificador, rápido, essa é minha oração, ó homens!

7. Eu chamo Mitra, dotado de força sagrada, e Varuṇa, que destrói todos os inimigos; que ambos realizam uma oração acompanhada por oferendas de óleo. Do modo correto, ó Mitra e Varuṇa, vocês obtiveram grande sabedoria, vocês que aumentam a justiça e aderem à justiça;

9. Esses dois sábios, Mitra e Varuṇa, os poderosos, de domínio amplo, nos deem força eficiente

Fonte: Wilson (2013, p. 54). ____________________________________________________

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O TaoísmoTalvez você já tenha ouvido falar no Ying e Yang. Bem, algumas pessoas

conhecem esses dois termos como representantes do símbolo abaixo e por representar o bem e o mal, o claro e o escuro, o feminino e masculino. O que muitas pessoas não sabem é que o símbolo pertence à religião do Taoísmo e comumente visto e associado a equilíbrio, exercício e concentração – tudo isso tem significado se nós entendermos a religião do Taoísmo.

Figura 6 - Ying e Yang

Fonte: Disponível em: <http://www.sfrpg.com.br/img/2010/2/yin-Yang-taoismo.gif>. Acesso em: 11 maio 2017.

Page 89: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

89

As Religiões Orientais Capítulo 2

No pensamento chinês tradicional, todas as coisas possuem

dois aspectos essenciais, conhecidos como yin e yang. Yin descreve as coisas escuras, úmidas, moles, frias e femininas; yang refere-se às que são claras, secas, duras, quentes e masculinas. Todas as coisas no universo, desde o funcionamento do Estado aos relacionamentos humanos e à saúde de uma pessoa, têm qualidades yin e yang em variadas proporções. A meta é manter esses dois aspectos da existência em equilíbrio, de modo que a harmonia prevaleça.

Fonte: Wilkinson (2011, p. 242).

A partir do século I d.C., o Budismo chega à China e se depara com outras duas religiões que já estavam por lá, o Confucionismo e o Taoísmo. Ao contrário do Confucionismo, que na China era uma religião conhecida como da “elite”, pois seus adeptos pertenciam em geral às altas camadas sociais, o Taoísmo permeou pelas camadas mais populares da China.

Entretanto, é preciso chamar a atenção para uma questão com relação ao culto às religiões na China, no caso aqui estamos falando do Confucionismo e do Taoísmo. A relação religião-classe social na China não pode ser considerada totalmente rígida, existiam casos, por exemplo, em que um burocrata (pessoa ligada ao governo) era confucionista durante seu trabalho e, terminado o seu trabalho, poderia se dedicar às práticas espirituais taoístas. “Ser confucionista de dia e taoísta à noite” (DELUMEAU, 2000, p. 321).

Como vimos em algumas páginas anteriores, o Budismo é uma religião que procura a salvação do indivíduo. O Taoísmo procura a saída do ciclo das existências pessoais. Contudo, havia semelhanças entre certas práticas: “[...] meditação, jejum, técnicas respiratórias” (DELUMEAU, 2000, p. 321). O Taoísmo, assim como o Confucionismo, foi considerado, antes de ser religião, como escola filosófica.

O termo taoísta é formado por dois ideogramas chineses: Tao significa caminho, exprimindo a ideia de origem de todas as coisas; e Diao significa ensinamento. Portanto, taoísmo corresponde à tradição que vem do passado, que revela a origem. Por isso, o Caminho da Imortalidade, objetivo dos taoístas, é denominado Via do Retorno, indicando a volta ao princípio. Nesse caminho, a virtude se efetiva

Page 90: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

90

História da Religião

através da mediação de consciência e da compreensão dinâmica do universo para resgatar a ordem natural da vida.

A escola taoísta tem como base o estudo de três obras, simbolizadas na imagem de uma árvore. A raiz é o I Ching – O Livro das Mutações, o tronco é o Tao Te Ching – Livro do Caminho e da Virtude e a flor é o Nan Hua Ching – O Livro da Flor do Sul. O Tao Te Ching é a estrutura central do taoísmo.

Lao Tse revela um ensinamento que abrange o tempo infinito. Lao Tse corresponde à transmissão e conservação da tradição taoísta na imagem do mestre, manifestação do absoluto.

Segundo o cânon taoísta, Lao Tse nasceu na província de Na Hue, na cidade de Guo Yang, no 25º dia da segunda lua do ano Ken-Tzen da era Wu-Tin (no período entre 1324-1408 a.C.). As circunstâncias do seu nascimento foram extraordinárias. De acordo com a tradição, sua gestação demorou oitenta e um anos. Lao Tse foi concebido quando sua mãe engoliu uma pérola de luz, transformação da Transparência Sublime 2 em sopro, através da essência do Sol. Seu pai era um famoso alquimista da dinastia San que ascencionou com mais de cem anos, envolvido pelos dragões celestiais. Sua mãe era considerada a encarnação do Sopro Yin do Céu-Anterior, sendo ao mesmo tempo sua mestra. Lao Tse nasceu do lado esquerdo das costelas da sagrada mãe, no jardim da família sob uma árvore de nome Li (ameixeira), com cabelos brancos e orelhas grandes. Por isso, recebeu o nome de Lao Tse (filho velho) e Li Er (orelha grande da ameixeira). Lao Tse tem também sentido de Senhor do Fim e do Princípio, já que velho representa o fim enquanto filho representa o início.

Sua juventude foi vivida no condado de K´u localizado entre Long San (Monte Dragão) e Guo Sue (Rio Guo). Quando o imperador tirano Zhou assumiu o poder, Lao Tse mudou-se para a região sul do Chi San, no território do Rei Wen, fundador da dinastia Chou. Foi convidado pelo rei Wen para ser responsável pela biblioteca real. Mais tarde, foi nomeado para o cargo de historiador real, permanecendo como tal até o 19º dia da quinta lua do 25º ano da era do rei Zhao, quando solicitou dispensa e retornou à sua terra natal, acompanhado do escudeiro Shü Jia. No mesmo ano, Lao Tse iniciou sua grande viagem para o Ocidente, com intuito de chegar aos reinos da atual Índia, Afeganistão e Itália. Durante a viagem, permaneceu

Page 91: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

91

As Religiões Orientais Capítulo 2

algum tempo na fronteira de Yü Men e aceitou o oficial-chefe da fronteira como discípulo. Ditou-lhe vários escritos, entre eles o Tao Te Ching. Muitos anos depois, teve sua ascensão no deserto de Gobi.

Fonte: Lao Tse (2017, p. 2).

O Taoísmo é uma religião que se preocupa muito com o equilíbrio entre o corpo e a mente, dietas, exercícios de respiração e também a postura moral em relação à vida e que nos propicia viver em harmonia com o Tao.

Mas, o que vem a ser o Tao? O Taoísmo se baseia em um livro chamado Tao Te Ching, O livro do Tao e do Te. Tao (ordem do mundo) e Te (força vital) são antigos conceitos chineses aos quais Confúcio deu uma interpretação um pouco diferente.

A boa caminhada não deixa rastros ou pegadas A boa palavra não deixa imperfeição para críticas O bom cálculo não utiliza medida nem número A boa porta não necessita de ferrolho para ser fechada E não pode ser aberta O bom nó não necessita de corda para ser atado E não pode ser desatado Assim, o Homem Sagrado É constante e bondoso Salva os homens e não abandona os homens É constante e bondoso Salva coisas e não abandona coisas Isso se chama herdar a luz O homem bom é mestre daquele que não é bom O homem que não é bom é o recurso daquele que é bom Quem não valoriza seu mestre e quem não ama seu recurso Mesmo inteligente, permanece enormemente desorientado A tudo isso denomina-se Maravilha Essencial.

Fonte: Lao Tse (2017, p. 30).

O Tao Te Ching é um livro de 25 páginas, dividido em 81 capítulos, não há um consenso de quem o escreveu, mas usualmente é atribuído a Lao Tse. Esse filósofo, que viveu no século VI a.C., teria sido mais ou menos contemporâneo de Confúcio (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 78).

Page 92: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

92

História da Religião

A palavra (Dao) significa ao mesmo tempo a ordem e a totalidade do universo e a “via”, o “caminho” que possibilita a entrada no ritmo do mundo, fazendo em si o vazio. Para essa “via” remonta-se para aquém da criação, até o caos primordial – uma vasta matriz que contém energias em estado difuso, “fôlegos” que, ao se separarem, deram origem às “dez mil coisas”. “Nessa concepção, o universo não é considerado a obra de um criador. Ele é um devir espontâneo em perpétua mudança”

Fonte: Delumeau (2000, p. 321-323).

Agora, voltemos a falar mais um pouco sobre as histórias relacionadas à vida de Lao Tse. Apesar de serem muitas e variadas, os historiadores não têm certeza sequer se ele de fato existiu. Feita essa advertência, abaixo vamos nos referir a Lao Tse como autor do Tao.

Para Confúcio, o Tao era a suprema ordem do universo, que o homem tinha de seguir. Lao Tse também concebia o Tao como a harmonia do mundo, especialmente do mundo natural, mas para ele o Tao terá também outros significados: o Tao é a verdadeira base da qual todas as coisas são criadas, ou da qual elas jorram. Várias vezes o Tao é descrito como o “céu”, isto é, como algo divino (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 76).

Para Lao Tse seria impossível descrever o tao de maneira direta e racional.

“O Tao que pode ser descrito não é o Tao real”, disse ele (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 76). Isso quer dizer que o homem não pode investigar a verdadeira natureza do Tao.

O Taoísmo implica uma vida movida pela passividade e não pela atividade. Para um taoísta, a ação mais importante é a “não ação”, essa forma de pensar supõe uma visão e vivência em comunidade muito diferente do homem ocidental. Enquanto que, para Confúcio, a

educação se faria por meio do conhecimento, para Lao Tse, a permanência do homem na ingenuidade como das crianças e uma vida simples levaria o homem à felicidade.

Enquanto Confúcio visava por regras e sistemas políticos fixos, Lao Tse dizia que o homem deveria interferir o mínimo possível na natureza dos fatos. “Quanto mais leis e mandamentos existirem, mais bandidos e ladrões haverá”, diz o Tao Te Ching (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 77).

Para um taoísta, a ação mais

importante é a “não ação”.

Page 93: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

93

As Religiões Orientais Capítulo 2

O Estado ideal de Lao Tse eram as aldeias ou as cidades pequenas, e nesse tipo de hábitat as pessoas viveriam em paz, sem interesse em guerrear contra seus vizinhos. O líder deveria ser um filósofo. A caridade não faz sentido para um taoísta, mas deve-se ter boa vontade para com todas as pessoas (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 78).

Lao Tse acreditava que, quando um indivíduo permanece passivo, preserva sua força vital por longo tempo, mantendo-a saudável e pura. Mais tarde, algumas pessoas começaram a interpretar essa ideia como a possibilidade de alcançar uma longevidade cada vez maior, e passaram a se interessar em se tornar imortais. Filósofos taoístas, além de meditar, exercitavam práticas mágicas e tentavam descobrir o elixir da vida eterna. Lado a lado com o taoísmo filosófico, foi se desenvolvendo uma religião popular baseada em Lao Tse mas que também tinha seus próprios deuses, templos, sacerdotes e monges. Havia rituais complexos, em parte inspirados pela prática budista, com procissões, oferendas de alimentos aos deuses e cerimônias em honra dos vivos e dos mortos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 78).

De acordo como o Taoísmo, devemos estar em harmonia como o cosmos para podermos expressar a nossa gratidão por existir. O significado da palavra Taoísmo remete ao livro que nos indica o caminho e que constitui todo fundamento da existência. Assim como outras filosofias, a religião taoísta aponta para a solução de um dilema que parece remontar à filosofia grega anterior a Sócrates. Desta maneira, os opostos produzem todo o movimento que existe no universo.

No século V a.C., o filósofo grego Heráclito de Éfeso afirmou que o movimento é fruto dos opostos, isso se aproxima da filosofia taoísta, pois, ao opor os sentimentos, os seres e as coisas produzem toda transformação. Evidentemente não queremos comparar o Taoísmo com a filosofia grega, apenas citamos Heráclito como exemplo no Ocidente.

O significado do taoísmo se apoia na metafísica desenvolvida por Lao-Tsé, ou seja, a sua ética que aponta para “o sumo bem do mundo”. Neste sentido “Tao é o fundamento do mundo, uma potência espiritual, em repouso eterno, já existente antes do mundo. Movimenta-se para todas as direções e cria o mundo, o preenche, dá-lhe forma, forma e matéria, ama e nutre o mundo como uma mãe, mas ela mesma permanece imutável e livre de desejos. Como ser ético, o Tao não pode ser apenas uma força natural, mas deve ser espiritual”.

Fonte: Zilles (2012, p. 38).

De acordo como o Taoísmo, devemos estar em harmonia como o cosmos.

Page 94: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

94

História da Religião

A ética taoísta remete à junção das forças naturais e espirituais, propondo uma bondade universal para combater todas as hostilidades.

A cosmologia taoísta pode ser dividida em três partes: a primeira só é acessível ao homem livre das paixões e diz respeito àquilo que está no seu próprio ser antes da criação do mundo (ZILLES, 2012, p. 38). A segunda parte, da criação, pertence ao céu e à terra, bem

como às coisas do mundo. A terceira parte, da cosmologia taoísta, é o céu ou a divindade que emana do fundamento.

De acordo com o Taoísmo, o agir virtuoso que é chamando tê deve ser uma atitude de busca presente em todas as criaturas. Neste sentido, o tao deve procurar a bondade absoluta que está contida em sua ação. O homem deve seguir o agir virtuoso em sua vida, pois o tao, uma vez atingido, proporciona a eternidade.

De acordo com o Taoísmo, podemos citar alguns princípios morais que devem ser seguidos, a saber: não matar, não tomar bebidas alcoólicas, não mentir, não roubar e não cometer adultério. Esses modos morais indicam a conduta ética para os indivíduos no mundo.

Além disso, o Taoísmo aponta para dez virtudes: a paciência com os pecadores, o amor fiel, a ternura com os seres, a lealdade aos governantes, ajudar os pobres, autossacrifício, promover o bem, libertar escravos, fazer estradas e poços, estudar as escrituras, ensinar os ignorantes e fazer as devidas oferendas aos deuses (ZILLES, 2012).

Em outras palavras, podemos resumir o Taoísmo como uma filosofia, ideologia política, social e religiosa elaborada pelo pensador chinês Confúcio (551-479 a.C.), e por isso o Taoísmo também é conhecido por Confucionismo. O Taoísmo é um dos três principais sistemas religiosos da China.

O princípio básico do Confucionismo é conhecido pelos chineses como junchaio (ensinamentos dos sábios) e define a busca de um caminho superior (Tao) como forma de viver bem e em equilíbrio entre as vontades da terra e as do céu. Confúcio é mais um filósofo do que um pregador religioso.

No Taoísmo não existe um Deus criador do mundo, nem uma igreja organizada, nem sacerdotes. O alicerce místico de sua doutrina é a busca do Tao. O Tao é a fonte de toda a vida, a harmonia do mundo. No Confucionismo, a base da felicidade dos seres humanos é a família e uma sociedade harmônica.

Um dos principais ensinamentos do Taoísmo é o do velho dualismo, a competição dos opostos Yin e Yang, que seriam duas energias encontradas em

A ética taoísta remete à junção das

forças naturais e espirituais, propondo

uma bondade universal para

combater todas as hostilidades.

Page 95: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

95

As Religiões Orientais Capítulo 2

todas as coisas e que devem ser mantidas em equilíbrio. O excesso de qualquer uma destas duas energias é por eles considerado danoso. O Taoísmo ensina que, quando estas duas forças (Yin e Yang) estão em equilíbrio na personalidade humana, então o perfeito humano ideal existirá.

O XintoísmoO Xintoísmo é uma antiga religião japonesa cujo surgimento se

deu a partir do ano 500 do calendário cristão.

No Japão, a transição entre religiões é muito comum, um casamento, por exemplo, pode ser feito em uma igreja cristã e um filho do mesmo casamento pode ser abençoado pelos deuses em um ritual xintoísta e, mesmo após a morte, pode ser enterrado em um ritual budista.

Essas “misturas” de religiões são muito comuns no mundo contemporâneo e encontram ressonância com diversas novas seitas, cultos e comunidades religiosas, o que levou o Japão moderno a ser chamado de laboratório religioso (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 78).

O Xintoísmo não tem um fundador, ao contrário, por exemplo, de religiões como Cristianismo, Islã, Budismo. O Xintoísmo é uma típica religião nacional, isto quer dizer que se restringe basicamente ao Japão, mas que ao longo dos séculos adotou ritos de outras religiões. Essa religião não conta com nenhum credo ou código de ética. A essência do Xintoísmo são as cerimônias e os rituais que mantêm o contato com o divino.

Essa religião também possui diversos deuses, ou kamis (espíritos), que se manifestam sob a forma de árvores, montanhas, rios, animais e seres humanos que influenciam a vida humana e tudo o que acontece na Terra (WILKINSON, 2011, p. 266). O respeito aos espíritos da natureza e o respeito aos espíritos de seus ancestrais é fundamental para o Xintoísmo. O culto aos antepassados se difundiu particularmente sob a influência do Confucionismo (religião que vamos explicar no próximo item) chinês.

O Xintoísmo é uma antiga religião

japonesa cujo surgimento se deu a partir do ano 500 do calendário cristão.

Page 96: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

96

História da Religião

Um templo xintoísta não é um local para pregações, caracteriza-se o local da morada de um kami - local onde se cultua segundo certos rituais. No interior do santuário ou templo, há um objeto que simboliza a proximidade do kami. Esse símbolo que torna o templo um lugar sagrado. Os símbolos mais importantes são: um espelho, uma joia ornamental e uma espada e estão ligados à Deusa do Sol: Amaterasu, e ao primeiro imperador do Japão (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 80).

O Xintoísmo sofreu mudanças e, aos poucos, em vez de adorar os kamis do falecido imperador, passou-se a adorar o próprio imperador, o qual passou a ser um kami vivo.

OS IMPERADORES E A DEUSA DO SOL

A estreita identificação do Japão com o Sol, desde o símbolo em sua bandeira nacional até seu nome popular “Terra do Sol Nascente”, ajudou a reforçar afirmações de que a família real descendia da deusa do Sol Amaterasu, o mais importante de todos os Kami. Os imperadores cultuavam Amaterasu no santuário de Ise, a sede do xintoísmo estatal. Em 1946, o imperador renunciou publicamente a essa linhagem divina, para se tornar meramente um chefe de Estado constitucional. Essa bandeira marítima ao lado exibe o sol nascente com seus raios. A bandeira nacional ostenta apenas o disco do sol nascente.

A origem do culto ao imperador se explica, em parte, pelas condições políticas do século passado (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005. p. 79). No final do século XIX, o Japão estava ameaçado pelo expansionismo ocidental e sentiu necessidade de reforçar no povo o caráter nacional. Em 1867, um golpe de Estado deu ao imperador Meiji o controle do país; ele iniciou uma renovação política e religiosa. O Xintoísmo tornou-se a religião estatal.

Ao mesmo tempo em que templos budistas foram derrubados e vários elementos budistas foram expurgados da cultura xintoísta, retratos do imperador foram pendurados em todos os edifícios oficiais, nas escolas e nas fábricas, e as pessoas tinham de se curvar respeitosamente diante deles.

O culto ao imperador veio com um forte sentimento nacionalista. Surgiu assim nesta época um crescente expansionismo japonês, que culminou na Segunda Guerra Mundial, período em que o Japão se alinhou à Alemanha. Assim,

Page 97: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

97

As Religiões Orientais Capítulo 2

a religião ficou vinculada ao nacionalismo. Interessante lembrar que o Xintoísmo era a religião dos pilotos suicidas japoneses (kamikaze quer dizer “vento divino”).

Cada soldado que morria na guerra era imediatamente transformado em um kami, e em sua honra se realizavam cerimônias nos templos xintoístas. Após a derrota do Japão na guerra, em agosto de 1945, o imperador fez uma declaração renunciando à sua condição divina (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 79).

O Xintoísmo deixou de ser religião estatal; porém o Xintoísmo popular, que sempre havia coexistido com o culto imperial, sobreviveu e passou a experimentar um certo reavivamento. O culto é observado tanto nos lares como nos templos - no Japão existem cerca de 20 mil templos espalhados por todo o país. Antes administrados pelo governo imperial, os templos são hoje organizados em associações, com líderes eleitos pelo voto (GAARDER; HELLERN; NOTAKER. 2005, p. 79).

As cerimônias eram realizadas pelo chefe da família ou do clã; em um nível mais alto ou pelo próprio imperador, e eram passadas de geração em geração em determinadas famílias. Esse sacerdócio hereditário foi abolido quando o imperador elevou o Xintoísmo à condição de religião estatal e transformou os sacerdotes em funcionários públicos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 79).

São os principais textos do Xintoísmo: a) o Kojiki – escrito em 712, traz um relato das tradições conservadas oralmente até o ano 628; b) o Nihongi – escrito em 720, é cerca de duas vezes mais longo do que o Kojiki; é a continuação dos seus relatos até o ano 700; c) o Kogoshui, escrito em 807, fornece alguns detalhes ausentes nos dois escritos anteriores; d) o Sendai Kuji Hongi – escrito em dez volumes no final do IX século, relata a história do Japão da era dos deuses até o VII século;e) o Engi-shiki – promulgado em 967, embora um texto de administração governamental, contém os três textos do Norito, liturgia que se oferece aos Kami (HERBERT, 1977, p.13-14).

Atualmente, os sacerdotes são nomeados pela organização dos templos. O casamento não é um empecilho para ser sacerdote xintoísta, e os sacerdotes têm trabalhos comuns na sociedade, as mulheres também podem ser sacerdotisas.

Os sacerdotes deve saber conduzir as cerimônias e as festividades religiosas. Os quatro principais aspectos do culto são:

1. as cerimônias religiosas ajudam a evitar acidentes; 2. promovem a cooperação;

Page 98: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

98

História da Religião

3. promovem contato com os kamis;4. geram o contentamento e a paz para o indivíduo e a sociedade.

O Xintoísmo conta também com cerimoniais de purificação, que têm por objetivo banir tudo o que seja mau ou injusto e banir tudo o que possa pôr em perigo a relação do indivíduo com os kamis. Doenças estão associadas à impureza, e o processo de purificação pode consistir, por exemplo, apenas em lavar o rosto ou despejar um pouco de água na ponta dos dedos; o sacerdote deve agitar um cajado especial diante dos indivíduos ou objetos a serem purificados. Na ponta desse cajado da purificação se encontram amarradas fitas de papel ou fios de linho, que o tornam semelhante a uma vassoura (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 80).

Se as oferendas (que podem ser: dinheiro, alimentos ou bebidas) prescritas não são feitas, o indivíduo pode perder contato com o kami e sofrer punições.

As diversas atividades artísticas ou esportivas associadas às festividades do templo também têm um significado religioso e devem ser consideradas uma espécie de sacrifício. Dança, teatro, luta e arco e flecha são atividades que se realizam em honra aos deuses (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 80).

A oração começa com um louvor ao kami e deve ser uma expressão de gratidão. Ao final da cerimônia, há um naorai (refeição) com o kami e o sacerdote dá uma pequena quantidade de vinho de arroz.

No que diz respeito ao culto nos lares, há objetos sagrados essenciais, como um amuleto para o kami, pequeno espelho, vela, vaso contendo galhos de uma árvore chamada sakaki. Inicia-se o ritual lavando a boca e as mãos, após a higienização pessoal, coloca-se um sacrifício diante do altar que pode ser: um copo com água ou um prato com grãos de arroz. Passamos a alguns aspectos da Teogonia Xintoísta.

Lê-se na primeira seção do Kojiki: “os nomes dos Kami que se tornaram no Alto Plano dos Céus (Takama-no-hara) no início do Céu e da Terra são Ame-nominaka-nushi-no-kami (Augusto mestre do Centro do Céu), em seguida Takamimusubi-no-kami (Augusto elevado Kami que produz), e depois Kami-musubi-no-kami (Divino Kami maravilhoso que produz) ”. Na última geração nascem Izanagi (Varão que convida) e Izanami (Varoa que convida) (ibidem, p. 28). A estes, os deuses ordenam consolidar e fazer nascer a Terra, entregando-lhes uma lança celeste ornada de joias (ibidem, p. 37-38). De sobre a Ponte Flutuante Celestial (Ame-no-uki-hashi), agitam com sua lança flamejante as águas do oceano, e de seus pingos se forma a ilha Onogoro, a primeira terra do Japão, que muitos autores relacionam à Ilha de Awaji (ibidem, p. 38). Seu nome significa

Page 99: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

99

As Religiões Orientais Capítulo 2

autocondensado e é a única entidade que não provém da união sexual dos deuses (ibidem, p. 40). Após construírem nesta ilha o Augusto Mastro Celestial e uma sala (ou palácio) de oito braças, ambos contornando o mastro, o homem pelo lado esquerdo e a mulher pelo direito, unem-se como homem e mulher. Porém, tendo Izanami tomado a iniciativa, a união não resultou em boas crias e refizeram a união, cabendo desta vez a iniciativa ao homem (HERBERT, 1965, p. 50-51). No Nihongi consta a versão na qual a mulher toma a iniciativa e faz o contorno pelo lado esquerdo, atendendo ao que lhe diz o homem, e este contorna o pilar pelo lado direito (HERBERT, ibidem, p. 51). A união fracassou pelo resultado e a refizeram, invertendo os lados e cabendo a iniciativa da palavra desta vez ao homem (ibidem, p. 52). O Nihongi descreve que, após o nascimento de Awaji e de Hiruko, Izanagi e Izanami produzem o mar, os rios, as montanhas, as árvores e as ervas. O Kojiki lista o nascimento de outros elementos da natureza, nascendo por último o deus do fogo Kagu Tsuchi (ibidem, p. 64-65). Do parto, Izanami tem sua genitália queimada, adoece, morre e desce ao reino dos mortos. Izanagi mata então o filho Kagu-tsuchi, cortando-lhe o pescoço e, de seu cadáver, nascem os deuses da montanha (HERBERT 1977, p. 48-50). Izanagi não se conformando vai buscar Izanami e lhe é pedido que espere enquanto ela pediria autorização para o Kami de Yomi (divindade das Trevas). Mas Izanami se demora e impaciente, Izanagi busca pela amada; ao encontrá-la, Izanami já tendo se alimentado da comida dos mortos, encontra-se com o corpo já putrefato. Da cabeça, do peito, do ventre, da genitália, das mãos e dos pés de uma Izanami enfurecida saem então oito divindades, as deusas do Trovão (ibidem, p. 50-51). Izanagi brande sua espada mas em vão. Estas, com Izanami encolerizada, perseguem Izanagi que lhes atira um ornato de cabeça preto que, transformando-se em uva, é recolhido pelas divindades. Na fuga, desesperado, Izanagi atira três pêssegos às “horríveis mulheres de Yomi” e enquanto estas os comem, ele consegue escapar e fechar o reino dos mortos atrás de si, mas ouve a maldição de Izanami: "irei ao seu mundo todos os dias e trarei mil almas para o meu reino", ao que responde Izanagi: "e eu farei com que nasçam 1500 descendentes meus por dia" (ibidem, p. 52,54). Esta maldição parece habitar ainda no inconsciente coletivo, representada quase sempre pela mulher como os seres terrificantes do mundo dos mortos. O homem é sempre a vítima aterrorizada. De fato, constitui tabu corrente para o japonês a invasão do mundo dos mortos, assim como a profanação do mundo dos kami, que pode resultar em algum mal, advertência que encontramos no provérbio “Sawaranu Kami ni tatarinashi” (não provém mal de kami que não é incomodado). (HARADA, op. cit., p. 46).

O praticante do culto desta religião neste momento senta ou fica em pé sobre um tapetinho, com a cabeça respeitosamente curvada, após a oração inclina a cabeça duas vezes, bate palmas duas vezes com as mãos erguidas e inclina mais algumas vezes a cabeça para finalizar o culto. Após o culto, todos os alimentos que foram oferecidos são depois retirados e servidos como refeição aos moradores da casa.

Page 100: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

100

História da Religião

Atividade de Estudos: 1) A partir do fragmento do artigo: “Xintoísmo: mitologia e

influência na formação da cultura e do caráter do povo japonês”, descreva quais dos símbolos do Xintoísmo se relacionam com sua personalidade.

O Espelho

A tradição de não se materializar em formas visíveis as divindades é revelada pela ausência de imagens ou ídolos como objetos de adoração nos santuários xintoístas (HARADA, op. cit., p. 45). O espelho não é propriamente objeto de adoração, mas “tipifica o coração humano que na sua pureza reflete a imagem da divindade” (idem). “O espelho limpo reflete as coisas tais quais são; simboliza a límpida mente do kami e ao mesmo tempo é considerado como a simbólica corporificação sagrada entre o fiel e o kami” (ONO, op. cit., p. 23). No Jinno Shotoki, de 1339, explica Kitabatake: “O espelho é a fonte da honestidade porque ele tem a virtude de responder de acordo com a forma dos objetos. Ele aponta os desejos divinos da justiça e da imparcialidade.” (idem) Em alguns santuários xintoístas, os fiéis, quando querem reverenciar mais formalmente algo além da tradicional reverência na entrada dos santuários, são conduzidos pelo monge ao local sagrado onde está postado um espelho: sutil mensagem que convida o visitante à autorreflexão (HARADA, op. cit., p. 45).

Fazendo uma análise a partir do nome, Hayao Kawai, moderno estudioso do Xintô, diz que kagami (espelho) deriva de kage (sombra ou reflexo) e mi (ver). Amaterasu, ao aceitar sua imagem refletida no espelho, aceitou também o “lado escuro do seu espírito virgem”, isto é, ao se recolher, os oitocentos deuses do Alto Plano dos Céus (Takama-no-hara) ficaram no escuro, mas a Deusa do Sol acabou também experienciando a escuridão do seu espírito. Assim como os humanos têm o lado obscuro e desconhecido da mente, para ser perfeita ela precisava ter a sombra (KAWAI, 1964, p. 183).

O torii

Os santuários xintô são precedidos pelos característicos portais torii, que significa poleiro de aves, numa referência às aves que contribuíram para a saída da deusa Amaterasu da

Page 101: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

101

As Religiões Orientais Capítulo 2

caverna, intrigada com seu canto (ROCHEDIEU, op. cit., p. 131). Constitui-se de duas traves verticais encimadas por duas horizontais. Postadas antes dos acessos aos santuários, separa “o mundo secular, o exterior impuro do terreno sagrado que envolve o santuário. Traz geralmente os “gohei”. - tiras de papel branco cortadas em ziguezague - dependuradas, indicando a presença de deuses. Ao passar por ele, o visitante do santuário simbolicamente se submete a um ritual de purificação das impurezas acumuladas no mundo exterior” (LITTLETON, op. cit., p.70). As tiras de papel são chamadas shide. Gohei é o conjunto que contém as shide (HERBERT, 1964, p. 136).

O Shimenawa

Hoje, comumente vista na entrada dos santuários e nos torii, a corda trançada representa a sombra do sol (ibidem, p. 87). É posta também em locais de particulares após ritos de purificação, o que preserva o local de más influências e mantém afastados os maus espíritos (HERBERT, 1967b, p. 115). Simbolicamente indica locais onde estão as oferendas aos kami ou locais sagrados onde habitam (ONO, op. cit., p. 26).

O número oito

O número oito aparece na escritura Kojiki nada menos que 50 vezes e o oitenta, 18 vezes. Isso, segundo Herbert, viria de um ditado popular: "nana korobi, yaoki" (caia sete vezes, levante oito). No entanto, o professor se permite formular hipótese na qual "o número oito e seus múltiplos indicam na maioria dos casos, a ideia combinada do perfeito e completo". Mitologicamente trazem "a ideia do divino e sagrado" (HERBERT, 1964, p. 234). E uma tentativa das forças terrestres de se opor à "influência superior" (HERBERT, 1965, p. 126).

Os lados esquerdo e direito

Na cultura japonesa, o lado esquerdo está identificado com o sexo masculino, e o direito com o feminino. Embora não se encontre uma explicação clara sobre o fato, Herbert mencionando Masao Yamane, falando do sol, diz ser o nascente o lugar honroso, seguido pelo sol pleno e depois o poente. Hidari (esquerdo) refere-se a hi (sol), o masculino, e a direita, migi, refere-se a mi (de mizu), água, elemento feminino (MASAO YAMANE apud HERBERT,

Page 102: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

102

História da Religião

1964, p. 237). Os tradicionais quimonos são sempre fechados com o lado esquerdo sobreposto ao direito, quer sejam masculinos ou femininos, de passeio ou mesmo os quimonos esportivos que vemos na prática de esportes de origem japonesa como o judô, kendô, aikidô, caratê etc. A dobradura contrária, com o direito sobreposto, o lado feminino, é a dobradura da morte; é como se vestem os mortos, o que vemos, por exemplo, em filmes como "Okuribito", traduzido por "A Partida", do diretor Yojiro Takita e sugerido numa cena em "Hiroshima, mon amour", do diretor francês Alain Resnais. Vale lembrar que na mitologia, quem morre e desce ao reino dos mortos é a mulher; o êxito do contorno com geração de boas crias se deu quando ambos obedeceram suas posições. De Izanagi, nascem do seu olho esquerdo, a principal deusa do xintoísmo, Amaterasu e de seu olho direito, o deus Tsukiyomi, de menor importância ainda que Susanowo, nascido do nariz.

Fonte: Disponível em: <http://www.nipocultura.com.br/wp-content/uploads/2013/08/xinto%C3%ADsmo7.pdf>. Acesso em: 4 maio 2017.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O ConfucionismoO Confucionismo recebe este nome por considerar-se o seu fundador

Confúcio (MORA, 2001, p. 536).

Há alguma incerteza quanto às origens de Confúcio, mas é provável que ele tenha nascido numa família aristocrática empobrecida. Recebeu uma boa educação e se tornou um sábio, atraindo muitos discípulos. Algumas de suas interpretações da filosofia antiga e das tradições, em especial quando ele tocava em assuntos relacionados à ética e à filosofia social, foram inovadoras. Confúcio acreditava que o céu o escolhera para revitalizar a cultura e a moralidade estabelecidas pelos sagrados imperadores em tempos antigos. Só que ele não organizou suas ideias em nenhum sistema simples, nem as registrou ele mesmo, motivo por que elas chegaram até nós apenas por meio dos escritos de seus discípulos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 76).

Page 103: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

103

As Religiões Orientais Capítulo 2

Para Confúcio, a existência e a perfeição moral do indivíduo encontra-se em cinco relacionamentos humanos: governante e súditos; marido e mulher; pais e filhos; irmão e irmã, e irmão/irmã e amigos.

Para o Confucionismo, existe um tipo ideal de homem e esse homem ideal é chamado “cavalheiro” (JünTze), que deve ser uma pessoa que cultiva as características morais de Jen (benevolência, amor pelos outros), Shiao (piedade filial) e Li (senso de propriedade) e que guarda as cinco virtudes: cortesia, magnanimidade, boa-fé, diligência e amabilidade.

O homem ideal sabe como cuidar de si próprio, como cuidar da sua família e como governar sua nação.

Outro princípio do Confucionismo é estabelecer a paz e a ordem na sociedade por meio de uma forte base moral e com a ajuda de rituais e música. O confucionista deve se preocupar com suas obrigações na vida presente e não se ater ao que virá depois da morte. O agora é o que importa.

Há uma diferença muito importante entre o Confucionismo e o Cristianismo. O Confucionismo parte do homem e da natureza (humanismo), já o Cristianismo tem suas bases na revelação de Deus (em uma perspectiva sobrenatural, teocêntrica e cristocêntrica da vida).

Confúcio era um agnóstico (isto é, aquele que não está preocupado em nada com o mundo extrafísico), seus ensinamentos estavam focados na bondade básica da natureza humana, que o homem poderia cultivar para o aperfeiçoamento da humanidade.

Para Confúcio, o homem pode chegar a uma sociedade pacífica por meio de sua própria bondade.

A Bíblia, porém, ensina que o homem não pode fazer nada sem Deus e sua graça, sendo totalmente dependente de Deus em sua vida moral e espiritual (BÍBLIA, Jó, 15, 5). Esta relação de interdependência entre o homem e Deus que é possível verificar no Cristianismo e na Bíblia é justamente o que não encontramos no Confucionismo.

Algumas pessoas, no Ocidente, por negarem a presença de elementos sobrenaturais no Cristianismo, são atraídas pelo Confucionismo, enquanto outras, no Oriente, vendo finitude e falha no humanismo do Confucionismo, sentem-se tendentes a aceitar o Cristianismo (FERGUSON; WRIGHT, 2009, p. 236).

O homem ideal sabe como cuidar de si

próprio, como cuidar da sua família e como governar sua nação.

Page 104: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

104

História da Religião

Agora vamos falar um pouco sobre o contexto histórico Confucionismo/China. Até 1911, a China era um grande império, em que o imperador era o representante do país diante do supremo do Deus Céu, ao mesmo tempo era o filho do Céu na Terra, o imperador realizava o sacrifício ao Céu no Templo do Céu, situado na capital, Pequim. Também fazia sacrifícios às montanhas e aos rios sagrados da China.

O Império Chinês era uma sociedade hierárquica, a administração era composta por uma elite de funcionários chamada de mandarins. Sua ideologia era o Confucionismo, um conjunto de pensamentos, regras e rituais sociais desenvolvidos por Confúcio, que também formulou normas para a vida religiosa, para os sacrifícios e os rituais.

O Confucionismo era, na verdade, uma religião estatal praticada pela elite. A religião dos pobres era a adoração dos espíritos, particularmente dos antepassados, religiosidade carregada de magia e traços de outras religiões.

No entanto, em 1911, com a queda do Império Chinês, a China se torna uma república, porém as condições políticas se mantiveram instáveis por causa de uma guerra civil e da guerra contra o Japão. A partir de 1966 até 1976, com a Revolução Chinesa de 1949, o Confucionismo não é visto com bons olhos pelos comunistas, foi considerada uma religião reacionária, mas nos dias atuais uma parcela expressiva da população se declara seguidora do Confucionismo.

Isso posto, podemos dizer que Confúcio teve uma considerável influência no desenvolvimento político e cultural da China. Após sua morte, os discípulos começaram a difundir e ampliar suas ideias. O Confucionismo, por se tornar uma religião estatal, acabou por vezes reprimindo outras religiões, como o Budismo e o Taoísmo.

É importante, a esta altura, salientar que essa religião abarcou uma série de condutas morais, que abrangem uma série de ideias filosóficas e políticas que formavam os pilares do governo e da burocracia da China imperial, muito embora a ética do Confucionismo também permeasse amplas camadas da população chinesa.

O interesse por questões religiosas e metafísicas é menor, uma das ideias fundamentais de Confúcio era que a natureza e o universo estão em harmonia, e que isso deve se aplicar também ao homem.

Confúcio adotou alguns antigos conceitos chineses, como o Tao, que é a harmonia predominante no universo; isto é, o relacionamento equilibrado entre todas as coisas de forma harmoniosa e boa. Isso pode ser atingido se o interior estiver em consonância com o Tao. A fim de alcançar a harmonia com o Tao, o homem precisa de conhecimento e compreensão, o que ele pode obter estudando o passado e a tradição.

Page 105: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

105

As Religiões Orientais Capítulo 2

Para o Confucionismo, é no passado e na tradição que se encontra o comportamento correto, a celebração fiel dos rituais e das cerimônias religiosas, e qual é seu devido lugar na sociedade.

Os conceitos mais importantes para Confúcio são: piedade filial, respeito e reverência. Confúcio não se opunha, de modo nenhum, à religião popular, e não duvidava que os deuses e os espíritos existissem.

Confúcio não fundamentou sua ética em mandamentos morais transmitidos por Deus. Para Confúcio, “Quando não se compreende nem sequer a vida, como se pode compreender a morte?” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 77).

A prática de Confúcio se espalhou pelo mundo inteiro e podemos observar uma enorme quantidade de seguidores do Confucionismo como um modelo de filosofia de vida. Um modo de ser.

Atividade de Estudos:

1) O que você entendeu sobre o Confucionismo? Leia o fragmento do artigo a seguir. Veja um trecho de artigo para responder.

“Abordando o duplo antagonismo entre tradicionalismo e arbitra-riedade, e entre tradição e racionalidade, Weber explica como, apesar do “constitucionalmente”, o governo do imperador chinês tem como requisito único apoiar-se no literati preparado para o cargo. Na rea lidade, o governante só deve e pode contratar aqueles funcionários confucionistas apegados à tradição, e qualquer desvio pode causar a queda do imperador junto à sua dinastia (WEBER, 1968, p. 140). Já dizia K’ung-fu-tzu (Confúcio): “O Mestre disse: ‘é por retomar o antigo que se aprende o novo, e assim nos tornamos mestres’” (CONFÚCIO, 2002, p. 11). Sendo assim, a base mais segura para se discutir o surgimento do antigo pensamento chinês está afixada na figura deste herói burocrata, o qual os missionários portugueses do século XVI chamaram de Con fúcio – um pensador chinês que se indignou com a crise de sua épo ca. K’ung é o seu nome de família e Confúcio é a versão latinizada de K’ung-fu-tzu, que literalmente quer dizer “mestre K’ung”. Ele pregava a reestruturação social de sua civilização, tendo como modelo o passado ideal dos Zhou (início em 1028 a.C.), com uma metodologia totalmente inovadora. K’ung-fu-tzu (551-479 a.C.) foi, provavelmente, o pensador que mais

Os conceitos mais importantes para

Confúcio são: piedade filial, respeito e

reverência.

Page 106: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

106

História da Religião

influenciou a cultura e a sociedade chinesa desde a antiguida de até nossos dias. Não é exagero dizer que o atual amor nutrido pelo antigo e pela tradição na China tem grande parte de suas raízes fincadas no pensamento desse sábio, um entusiasta da história e dos costumes. Preocupado com a crise que se instalava nas insti tuições da dinastia Zhou, sua resposta filosófica centrou-se na discussão dos mais diversos tópicos relativos à política, aos costumes e à construção do conhecimento, difundido por meio de ampla pro posta educativa (OLIVEIRA, 2007, p. 134).

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Algumas ConsideraçõesProcuramos destacar nestes estudos: o Budismo, o Hinduísmo, o

Confucionismo, o Taoísmo e o Xintoísmo de uma forma especial. Essas culturas e tradições religiosas apresentadas situam-se no grupo das religiões classificadas como salvíficas, que são aquelas portadoras dos meios de que os seres humanos precisam passar para se salvar do sofrimento, a fim de posteriormente alcançar a felicidade.

Podemos observar que as religiões orientais estão balizadas na sabedoria humana e na experiência de vida. Elas geralmente têm por objetivo mostrar um caminho a ser seguido pelo ser humano, com predomínio da meditação pela busca do equilíbrio e da sabedoria.

Como vimos neste capítulo, temos uma enorme variedade de culturas e tradições religiosas no Oriente, um enorme pluralismo religioso, que dificilmente alguém conseguirá apresentá-las com profundidade e de uma forma didática. Assim, o que propusemos com este material é ser um ensaio, uma conversa inicial.

Page 107: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

107

As Religiões Orientais Capítulo 2

Referências

ALVES, Rubem. O que é Religião. São Paulo: Loyola, 1999.

BÍBLIA. A. T. Jó. In: BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada: contendo o Antigo e o Novo Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil, 1966.

BOWKER, John (org.). O Livro de Ouro das Religiões: a fé no Ocidente e no Oriente, da pré-história aos nossos dias. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

DELUMEAU, J. De religiões e de homens. São Paulo: Loyola, 2000.

ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan P. Dicionário das religiões. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

FERGUSON, Sinclair B; WRIGHT, David F. Novo dicionário de teologia. São Paulo: Hagnos, 2009.

GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

GYATSO, G. K. Budismo Moderno. O caminho de compaixão e sabedoria. São Paulo: Tharpa Brasil, 2016.

HOCK, Klaus. Introdução à Ciência da Religião. São Paulo: Loyola, 2010.

KUNG, Hans. Religiões do mundo: em busca dos pontos comuns. Campinas, SP: Verus Editora, 2004.

LAO TSE. Tao Te Ching: o livro do caminho e da virtude. Trad. Mestre Wu Jyn Cherng. Disponível em: <http://livros01.livrosgratis.com.br/le000004.pdf>. Acesso em: 4 maio 2017.

MORA, F. J. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001.

OLIVEIRA, A. Os mentores intelectuais do confucionismo, do taoísmo e do hinduísmo na perspectiva weberiana. Belo Horizonte, v. 5, n. 10, p. 132-150, jun. 2007. p. 134. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4740668.pdf>. Acesso em: 4 maio 2017.

Page 108: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

108

História da Religião

USARSKI, Frank. O Budismo e as outras: encontros e desencontros entre as grandes religiões mundiais. São Paulo: Ideias & Letras, 2009.

WILKINSON, Philip. Religiões: Guia Ilustrado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

WILSON, M. A.; R. F. S. Ṛg-veda SaṀhitā: uma coleção de hinos hindus antigos, constituindo o primeiro AṢṬAKA 1 ou livro do Ṛg-veda, 2013. Disponível em: <archive.org e em sacred-texts.com>. Acesso em: 4 maio 2017.

ZILLES, Urbano. Religião: crenças e crendices. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.

USARSK, Frank. O Budismo e as outras. Aparecida-SP: Editora Ideias & Letras, 2009.

VATICANO: Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso. Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/interelg/index_po.htm>. Acesso em: 14 maio 2017.

WATTS, Alan. Budismo. 2. ed. Barcelona: Editora Kairós, 2005.

WILKINSON, P. O livro ilustrado da mitologia: lendas e histórias fabulosas sobre grandes heróis e deuses do mundo inteiro. Tradução de Beth Vieira. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2002.

Page 109: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

CAPÍTULO 3

As Religiões Ocidentais

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Analisar genericamente as grandes religiões do Ocidente.

� Conhecer as principais características das religiões ocidentais.

� Conhecer a origem e ramificações das religiões ocidentais.

� Estudar o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo.

� Identificar as religiões Protestantes, Pentecostais e Neopentecostais.

Page 110: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

110

História da Religião

Page 111: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

111

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

ContextualizaçãoOlá! Nesta unidade vamos analisar as grandes religiões do Ocidente e

suas principais características, iremos conhecer as origens e ramificações que ocorreram ao longo da história, a fim de entender um pouco mais da História das Religiões e de sua influência na História Geral.

Constataremos a necessidade de termos uma postura aberta ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso, diante do pluralismo religioso existente e emergente em nossa sociedade contemporânea, evitando assim o proselitismo.

Proselitismo: empenho ativista no processo de conversão de uma ou várias pessoas a uma determinada causa, ideia ou religião.

Origens e Ramificações Podemos dizer que as religiões ocidentais são aquelas que nasceram na

cultura ocidental, embora tenhamos outras características, como o monoteísmo, que fundamentam essa etimologia.

Como vimos na unidade anterior, as principais religiões orientais seriam o Hinduísmo, o Budismo e o Taoísmo. Já para o Ocidente, teríamos como as principais religiões o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo. Entendemos que essas três religiões seriam religiões proféticas.

“Religiões proféticas são aquelas em cuja origem se encontra um profeta, que comunica a revelação recebida de Deus, e suas derivadas ou variantes. Por ‘profeta’ entendemos um porta-voz de Deus” (ZILLES, 2012, p. 85).

Page 112: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

112

História da Religião

As Grandes Religiões do OcidentePodemos destacar o Judaísmo, o Islamismo, o Cristianismo e o Espiritismo

como as principais religiões do Ocidente. Embora cada uma delas tenha sua doutrina específica, as mesmas possuem alguns pontos em comum, que permitem um início de diálogo inter-religioso. Vejamos:

• A razão é a fonte de conhecimento;• Deus é o criador; Ele é todo-poderoso e único;• Separação do corpo e mente, realidades distintas;• Existe a noção de vida após a morte, no céu ou no inferno;• Deus redime o ser humano do pecado, julga e dá a punição;• Visão linear da história, ou seja, o mundo foi criado e um dia irá terminar;• Há uma ruptura entre Deus e o ser humano, entre o criador e a criatura, que

é o pecado;• O fiel é um instrumento da ação de Deus e deve seguir a vontade de Deus,

abandonando o pecado e o mal.

Doutrina: conjunto de ensinamentos que se baseia num sistema de crenças. Conjunto de princípios que servem de base a um sistema religioso, político, filosófico, militar, pedagógico.

Essas religiões, embora distintas em suas doutrinas, possuem uma “regra de ouro” comum: “não façais ao outro aquilo que não queres para si”. Essa regra sobrevive de geração em geração há quase 4000 mil anos, para ser mais exato, desde o século XVIII a.C., com o surgimento do Judaísmo.

Ao falar das religiões, sejam elas orientais ou ocidentais, temos que ter um cuidado com a generalização, pois o processo de globalização acabou generalizando muitas culturas e tradições religiosas, trazendo perdas na sua conjuntura e identidade, reduzindo a compreensão das mesmas, muitas vezes, ao senso comum. Sendo assim, se faz necessário um estudo mais criterioso dessas religiões para melhor entendê-las.

Abaixo apresentamos um breve panorama das religiões ocidentais, objetivando uma pequena contextualização dessas religiões com as respectivas datas de fundação, seus fundadores, seus livros sagrados, bem como o sentido de vida além da morte. Trata-se de uma abordagem resumida, já que as mesmas serão abordadas de modo específico e aprofundadas posteriormente.

Page 113: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

113

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

Quadro 1 – Estudo analítico

Fonte: Adaptado de Agnolin (2013).

Religião Princípio Fundador Surgimento LivroSagrado

Sentido após morte

JudaísmoCrença no Deus vivo,

onipotente, onipresente, onisciente.

Abraão2000 a. C.

IsraelTorá ou

PentateucoRessurreição

IslamismoObediência ao Deus

único e a realização de sua vontade.

MaoméSéculo VII

ArábiaAlcorão Ressureição

Cristianismo

Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si

mesmo.

Jesus Cristo

Século I Palestina

Bíblia Ressurreição

Espiritismo

Deus é a inteligência suprema, causa primá-ria de todas as coisas.

Deus é eterno, imaterial, soberanamente bom e

justo.

AlanKardec

1857França

Evangelho segundo o Espiritismo, Livro dos Espíritos, Gênese e Livro dos Médiuns.

Reencarna-ção

Protestantes Salvação pela Fé.Martinho Lutero (1º

Reformista)

Século XVIAlemanha

Bíblia Ressureição

Pentecos-tais

Consideram o batismo no Espírito Santo como algo essencial no cami-

nho da salvação.

Pastor William J. Seymour

1906EUA

Bíblia Ressureição

Neopente-costais

Acreditam na palavra pós-bíblica dos dons do Espírito Santo, na cura e realização de profecias. Praticam a imposição de mãos

buscando a atuação do Espírito Santo.

Mary Baker Eddy

eEssek William Kenyon

1970/1980EUA

Bíblia Ressureição

Page 114: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

114

História da Religião

O JudaísmoO Judaísmo é a primeira e a mais antiga das três grandes religiões

monoteístas do Ocidente. Acredita na existência de um único Deus, que é o criador de tudo. Segundo os judeus, Deus teria feito um acordo com seus ancestrais, fazendo com que eles se tornassem o povo

escolhido, prometendo-lhes a terra prometida.

Judeu: designa a pessoa que pertencia ao Reino de Judá, e

com o Reino de Israel constituía a totalidade dos descendentes de Jacó. Por volta do século VIII a.C., os assírios invadem Israel e a dizimam, restando apenas Judá. Assim, os descendentes do povo escolhido serão, a partir de então, denominados de judeus.

Segundo os textos sagrados, Abraão teria recebido ordens de Deus para se deslocar com sua família até Canaã, “Israel”, e adotar o monoteísmo. Seu filho Isaque tem um filho chamado Jacó, que luta com um anjo de Deus e tem o seu nome alterado para Israel. Os seus 12 filhos originam as 12 tribos que formam as comunidades de origem judaica.

Em 1700 a.C. os judeus migram para o Egito e lá foram escravizados pelo Faraó por quase 400 anos. A libertação se deu por volta de 1300 a.C., cuja fuga foi comandada por Moisés. Ele ainda recebeu de Deus as tábuas da Lei, na qual foram inscritos os dez mandamentos que norteavam a Aliança de Deus com os israelitas. Esses, por 40 anos peregrinaram no deserto, até receberem um sinal de Deus para se dirigirem a Canaã, atual Estado de Israel, que é considerada a Terra Prometida.

Podemos entender o conceito de Terra Prometida a partir de Abraão. Ao estabelecer sua Aliança, Deus o enviou a uma terra. Os filhos dos israelitas, quando saem da escravidão do Egito, pretendem retornar a essa terra. Assim, mais do que um lugar no qual o povo escolhido deveria habitar, a Terra Prometida é símbolo da vinculação de Deus com seu povo.

Acredita na existência de um

único Deus, que é o criador de tudo.

Page 115: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

115

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

As 12 tribos são divididas em dois reinos: Reino de Israel (norte) e Reino de Judá (sul), com a capital em Jerusalém. Essa divisão ocorre devido à crença da vinda de um Messias (o Ungido) que iria juntar o povo de Israel e restaurar o poder de Deus sobre o mundo. A partir de 586 a.C. ocorrem as Diásporas Judaicas.

A Diáspora Judaica é o processo no qual há a saída do povo judeu da região da Palestina e a formação de diversas comunidades judaicas pelo mundo. A primeira aconteceu no período do exílio da Babilônia, onde foram deportados para esse país e ao final do exílio alguns grupos retornaram, outros se dirigiram ao Oriente e outros permaneceram. A segunda diáspora aconteceu após o ano 70 d.C., quando, após a destruição do Templo de Jerusalém, os judeus se dirigiram a regiões como a Ásia Menor e a Europa.

Desde então, os judeus se dispersam por todos os continentes, mantendo, entretanto, sua unidade cultural e religiosa. Somente em 1948 é que se tem a criação do Estado de Israel.

a) Dos livros sagrados do Judaísmo

O livro sagrado dos judeus pode ser identificado como o Antigo Testamento da Bíblia Cristã. Com diferentes cânones, ele se constitui a fonte espiritual do povo judeu. Com uma especial ênfase dada à Torah, composta pelos livros que contam a história do povo judeu e condensam os preceitos pelos quais precisam viver: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.

A Torah possui 613 mandamentos, que são a essência dos mistérios terrestres e divinos, que indicam o caminho da vida numa forma particular de crença.

Outro livro sagrado é o Talmud, obra que reúne tradições orais e está dividido em quatro livros: Mishnah, Targumin, Midrashim e Comentários.

b) Dos Rituais e Símbolos

As cerimônias religiosas judaicas são realizadas em um templo denominado de Sinagoga. A celebração, por sua vez, é dirigida por um rabino e o principal símbolo sagrado do Judaísmo é o menorá.

Page 116: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

116

História da Religião

Dos rituais, temos a circuncisão dos meninos após os oito dias de vida e o Bar Mitzvah — que significa a iniciação na vida adulta, dos meninos aos oito anos e das meninas aos 12 anos.

Figura 7 – Estrela de Davi

Figura 8 – Menorá

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/rcKPcN>. Acesso em: 27 jun. 2017.

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/7cg285>. Acesso em: 27 jun. 2017.

A circuncisão é um ritual de iniciação judaico, no qual é retirado no menino o prepúcio do pênis, em símbolo da Aliança estabelecida entre Deus e Abraão.

O bar mitzvah é outro ritual de iniciação realizado com os meninos (pré-adolescentes, geralmente de 12 anos), no qual este é acolhido pela comunidade como uma pessoa que já tem a maturidade na vida e na fé, e que pode responder por seus atos.

Os homens, durante a oração, usam a Kippa, uma espécie de touca cujo significado primordial é relembrar os fundamentos do temor a Deus: a limitação

Page 117: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

117

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

Figura 9 – Kippa

Figura 10 – Muro das Lamentações

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/ioQBPi>. Acesso em: 27 jun. 2017.

Fonte: Disponível em: < https://goo.gl/9nQb4r>. Acesso em: 27 jun. 2017.

humana e a Sua grandeza. Nas sinagogas costuma existir uma Arca, onde são guardados os Pergaminhos Sagrados da Torá. Essa Arca representa a ligação de Deus com o povo judeu e situa-se na parede leste da Sinagoga, em direção a Jerusalém, e na sua frente é mantida uma lamparina sempre acesa.

c) Das datas e festas judaicas

As datas de festas religiosas do Judaísmo não são fixas, pois seguem o calendário lunisolar, tendo as seguintes festas religiosas como as principais:

Page 118: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

118

História da Religião

Calendário lunisolar é aquele que se fundamenta no movimento da Lua e do Sol para o estabelecimento do tempo cronológico. Neste sentido, não é um calendário fixo, ele sofre alterações de ano em ano.

• Pessach: comemora-se a libertação da escravidão do povo judeu no Egito.• Simchat Torá: celebra-se a entrega dos Dez Mandamentos a Moisés.• Schavuát: celebra-se a revelação da Torá ao povo de Israel, por volta de

1300 a.C. • Chamucó: comemora-se o fim do domínio assírio e a restauração do templo

de Jerusalém.• Purim: comemora-se a salvação de um massacre elaborado pelo rei persa

Assucro. • Rosh Hashaná: comemora-se o Ano-Novo judaico. • Yom Kipur: considerado o dia do perdão. Os judeus fazem jejum por 25 horas

seguidas para purificar o espírito.• Sucát: peregrinação de 40 anos pelo deserto, após a libertação do cativeiro

do Egito.

O Islamismo Nascido em 622, o Islamismo é uma religião monoteísta, em que o ser

humano deve ser totalmente devoto a Deus, devoto às suas leis, pois acreditam que Allah é fiel. Em sua religião existem paraíso e inferno, juízo final e ressurreição dos mortos, anjos e demônios. Porém não deve haver fanatismo, o fanatismo não está escrito na lei do Islã, no próprio Corão é lembrado que não se converte ninguém pela coação.

a) Da crença e das obrigações

Há cinco obrigações que os muçulmanos devem cumprir: crer em Allah e em seu profeta Maomé; orar cinco vezes por dia, com o rosto voltado na direção de Meca, a cidade santa; dar a esmola de lei (zakat); observar o jejum do nascer ao pôr do Sol durante um mês (ramadã); fazer peregrinação a Meca, pelo menos uma vez na vida (hadj).

Page 119: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

119

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

A palavra mulçumano vem do árabe muslim, que significa aquele que se subordina a Deus. Mulçumanos são os seguidores do Islamismo, Muslim (em árabe). Aquele que se subordina a Deus.

O Islã crê que Allah é o único Deus, todo-poderoso, o misericordioso. Allah é soberano a tudo e a todos. A palavra Islã significa se submeter à lei e à vontade de Allah. Islã significa submissão absoluta do ser diante de Deus.

Os seguidores de Allah são chamados de muçulmanos, que significa aquele que se submete a Deus, que se entrega a Deus.

b) Do Profeta

Muhammad é o seu profeta, no Ocidente é chamado de Muhammad ou Maomé. Ele nasceu em Meca, em 570, e lá começou sua pregação aos 40 anos de idade, na região onde hoje é o território da Arábia Saudita.

Para Benoit Marchon (1995), Muhammad é o último e mais perfeito dos mensageiros de Deus, entre os quais se contam Adão, Abraão, Moisés e Jesus. Segundo os muçulmanos, o Corão contém a mensagem de Deus à humanidade através de Muhammad, as quais lhe foram reveladas entre os anos 610 a 632.

Muhammad era tido como AL AMIN, que significa digno de confiança. Se dedicou aos fundamentos da fé: a unidade de Deus, a ressurreição, o dia do julgamento, a adoração, a purificação da alma. Os fundamentos do Islã são: o monoteísmo, a profecia, a ressurreição, juízo final e o imamato.

Figura 11 – Mesquita Islâmica

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/r86RtW>. Acesso em: 27 jun. 2017.

Page 120: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

120

História da Religião

c) Do termo da palavra

A palavra Allah significa, em árabe, Deus. Para os muçulmanos, Allah é Deus, o criador de tudo e de todos. Os muçulmanos acreditam que Allah precisou enviar Muhammad para retificar a mensagem e trazer a verdadeira sabedoria de Deus para a Terra.

Segundo Schlesinger (1995), Allah é uma palavra formada pelo AL e IDÁ (divindade). Nome dado a Deus pelos mulçumanos, e que eles empregam como exclamação “Meu Deus”. Allah é o criador da natureza, o ser que existe por si próprio e ao qual ninguém pode ser comparado.

Allah é o criador de todas as coisas, o juiz supremo, assim consta no Corão.

Segundo Jomier (1993), Allāh a palavra é a junção do artigo "al" com "ilah" (que significa deus, divindade). O Deus – é a designação do Deus único do Islã no idioma árabe. Louvado seja Allah, o Senhor dos Mundos. Allah abençoou o profeta Muhammad e toda a sua família. Deus é chamado de Allah, é uno e não há ninguém que lhe seja igual.

Deus (Allah) é absolutamente soberano. Allah não tem nenhuma obrigação moral, pois isto limitaria seu poder e soberania. Tudo o que acontece é porque Deus (Allah) assim quis. Deus (Allah) decreta o destino de cada ser humano.

Segundo Flor (2006), a palavra ALLAH é formada pela união do artigo definido AL (que significa o) com ALAH (Deus), portanto ALLAH significa “o Deus”, não um Deus, porque existe apenas um Deus. Allah criou o mundo e depois os seres humanos.

d) Do livro sagrado

O Corão é a palavra (revelação) de Allah expressa através de Maomé. O Corão fala de Allah como o criador, o rei da vida e da morte, clemente, o Deus justo que retribui segundo o bem ou o mal praticado

pelas suas criaturas. Deus único e uno em si mesmo, onipotente e misericordioso, a verdade, a luz do céu e da terra. Allah é um nome árabe para Deus único, criador de todas as coisas, o árbitro e o juiz supremo. É o mesmo Deus de judeus e cristãos.

O Corão consiste na coletânea das revelações divinas recebidas pelo profeta Muhammad. Seus principais ensinamentos são a onipotência de Deus e a necessidade da bondade, da generosidade e da justiça nas relações entre as pessoas.

Segundo Schlesinger (1995), Allah é uma

palavra formada pelo AL e IDÁ (divindade).

O Corão é a palavra (revelação) de Allah

Segundo Flor (2006), a palavra ALLAH é formada pela união do artigo definido

AL (que significa o) com ALAH (Deus),

portanto ALLAH significa “o Deus”,

Segundo Jomier (1993), Allāh a

palavra é a junção do artigo “al” com

“ilah” (que significa deus, divindade).

Page 121: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

121

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

Figura 12 – Corão

Figura 13 – Lua Crescente com a estrela

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/13rmzA>. Acesso em: 27 jun. 2017.

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/Gom25c>. Acesso em: 27 jun. 2017.

e) Dos símbolos

Um dos símbolos do Islã é a Lua crescente com a estrela, adotado pelo Islamismo. Representa a renovação da vida e da natureza, visto que os islâmicos seguiam um calendário lunar. A interpretação do símbolo remete ao casamento, a união da Lua com a Estrela D’alva. As pontas da estrela indicam os cinco pilares da religião islã: oração, caridade, fé, jejum e peregrinação.

Page 122: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

122

História da Religião

f) Da morte

A morte é entendida pelo Islã como uma passagem para uma próxima etapa (paraíso ou inferno), que será atribuído ao ser humano no dia do juízo final, quando Allah virá julgar todos os povos de acordo com as ações em vida.

Os cinco deveres básicos do muçulmano são:

1. Crer em Allah, o único Deus, e em Maomé.2. Realizar as cinco orações ao longo do dia.3. Ser generoso para com os pobres.4. Obedecer ao jejum religioso durante o Ramadã.5. Ir em peregrinação a Meca pelo menos uma vez durante a vida.

Figura 14 – Meca

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/bCT4gw>. Acesso em: 27 jun. 2017.

g) Da fé

Segundo Kung (2004), a Fé em Allah é o primeiro dever do muçulmano e o fundamento da comunidade islâmica – Allah é o conteúdo único de sua oração litúrgica. O Alcorão é tido como a palavra de Deus, portanto é considerado vivo e sagrado. Todos os conteúdos da fé e da doutrina islâmica encontram-se no Alcorão. A

A Fé em Allah é o primeiro dever do muçulmano e o fundamento da comunidade

islâmica.

Page 123: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

123

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

Salat é a oração ritual, na qual pronunciam as palavras ALLAH AKBAR, que significa Deus é o maior.

Para Smith (1999), Allah é apresentado não como um Deus único, mas como um Deus impressionante, criador, supremo provedor e determinador do destino humano. Allah era capaz de inspirar autênticos sentimentos religiosos e devoção genuína. O próprio Muhammad acreditava que Allah tornava-se cada vez mais evidente e tocante em sua vida, acreditava que Allah era o Deus Uno e Único e sem rival.

De acordo com Brunner (1999), o profeta Muhammad afirmava que Allah concede ao ser humano o livre-arbítrio, tanto para fazer o bem como o mal. Os muçulmanos creem que Allah deu uma série de revelações para Muhammad, reveladas pelo anjo Gabriel, que constam no Corão. Ao contrário do que se pensa, Allah está próximo do ser humano e nunca está indiferente às nossas ações. Suas ordens expressas no Corão são imperativas, recitações. Não há outro deus a não ser Deus Allah.

O CristianismoCristianismo surgiu no século I, na atual Palestina, região que estava sob

o domínio no Império Romano durante o reinado de Otávio Augusto, primeiro imperador romano. Acreditavam na ressureição e praticavam o monoteísmo.

Os ensinamentos de Jesus Cristo se espalharam pelo Império Romano após a morte dos apóstolos. Os seguidores que compartilhavam a mesma doutrina passaram a se reunir em comunidades dirigidas por presbíteros ou padres responsáveis por difundir a fé cristã.

Os 12 apóstolos formaram a base inicial do Reino de Deus que estava para vir. Pedro foi a figura principal entre eles, na qual Jesus edificou a Igreja. Por volta do ano 70, foram escritos os evangelhos atribuídos a Mateus e Marcos, em língua grega.

No século IV, no ano 313, durante o reinado do imperador Constantino, o culto dos cristãos foi liberado através da publicação do Edito de Milão. Mais tarde, com o advento das navegações e das expansões territoriais nos séculos XV e XVI, o cristianismo chega na América junto com os padres jesuítas, catequizando a população local.

Os 12 apóstolos formaram a base

inicial do Reino de Deus que estava

para vir. Pedro foi a figura principal entre eles, na qual Jesus

edificou a Igreja. Por volta do ano

70, foram escritos os evangelhos

atribuídos a Mateus e Marcos, em língua

grega.

Os 12 apóstolos formaram a base

inicial do Reino de Deus que estava

para vir. Pedro foi a figura principal entre eles, na qual Jesus

edificou a Igreja. Por volta do ano

70, foram escritos os evangelhos

atribuídos a Mateus e Marcos, em língua

grega.

Page 124: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

124

História da Religião

De acordo com a Fé, Deus mandou ao mundo seu filho para ser o Salvador, o Messias da humanidade. Este Messias, que foi denominado de Jesus, passou a ser o responsável por divulgar a vontade de Deus sobre a Terra. Os cristãos acreditam que é por meio de Cristo que o homem pode ser salvo.

Messias significa “o ungido”. A tradução grega da palavra Messias é Christos. Desta maneira, a designação Jesus Cristo é um reconhecimento de que Jesus é o prometido Messias.

No entanto, Jesus passou a ser perseguido por ser mal interpretado, foi crucificado e, segundo a crença cristã, ressuscitou e foi para o céu, passando a oferecer a possibilidade de salvação e vida eterna para a humanidade, após a morte, para todos aqueles que creem em Deus e nele têm fé.

O principal mandamento dos cristãos é amar a Deus sobre todas as coisas. Para os cristãos, Deus é uma trindade formada por Pai (Deus), Filho (Jesus) e Espírito Santo. A principal ideia ou mensagem da religião cristã é a importância do amor divino sobre todas as coisas.

Atualmente, o Cristianismo está dividido em muitas comunidades eclesiásticas com diferentes doutrinas, porém, resumidamente, temos três grandes vertentes: o Catolicismo, o Protestantismo e a Igreja Ortodoxa.

a) Do Salvador – Jesus

Jesus é considerado o Salvador, também chamado e conhecido como Messias. Nasceu na cidade de Belém, região da Judeia, mas cresceu e viveu boa parte da sua vida em Nazaré, por isso também é

chamado de Jesus Nazareno. Ele não se limitava a proclamar a boa-nova do reino de Deus. Jesus propunha caridade com ações práticas, ou seja, com exemplos de como curar os enfermos.

Dos 30 aos 33 anos de idade, Jesus começa a propagar suas ideias, período este conhecido de vida pública, que dura três anos. Tal fato acaba chamando a atenção não só da população, dada aos diversos milagres, mas também do imperador romano Júlio Cesar, que temia uma nova liderança na região.

A principal ideia ou mensagem da religião cristã é a

importância do amor divino sobre todas

as coisas.

Dos 30 aos 33 anos de idade, Jesus

começa a propagar suas ideias, período este conhecido de vida pública, que dura três anos.

Jesus propunha caridade com ações

práticas.

Page 125: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

125

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

Jesus morreu com 33 anos de idade. Foi perseguido e preso pelos soldados romanos, condenado à morte, sendo crucificado por estar incomodando as autoridades e os poderosos daquela época, bem como para nos salvar dos pecados do mundo. Morreu na cruz e ressuscitou no terceiro dia.

Os apóstolos de Jesus se encarregaram de dar continuidade à sua Missão e a propagar seus ensinamentos. Eles se espalharam pelos quatro cantos do mundo, levando a mensagem de paz e amor, conquistando inúmeros seguidores. No ano de 313, o imperador romano Constantino concedeu a liberdade de culto em todo o Império, e em 392 o Cristianismo é aceito como religião oficial do Império Romano.

b) Do livro sagrado A Bíblia é o livro sagrado dos cristãos, e é dividida em duas partes: Antigo

Testamento e Novo Testamento. Ela segue dois cânones: um católico, que é composto por 73 livros (46 no Antigo Testamento e 27 no Novo Testamento) e um protestante, constituído de 66 livros (com 39 no Antigo Testamento e 27 livros no Novo Testamento).

No Antigo Testamento temos a história da criação do mundo e do homem, são apresentadas as tradições do judaísmo e suas leis, e a vinda dos profetas.

Já o Novo Testamento, que foi escrito após a morte de Jesus, versa sobre sua vida, ensinamentos, a vivência das primeiras comunidades e o ensinamento dos apóstolos.

c) Das festas religiosas

As principais festas religiosas do Cristianismo são:

• Natal: celebra o nascimento de Jesus Cristo.• Páscoa: celebra a ressurreição de Jesus Cristo.• Pentecostes: celebra os 50 dias após a Páscoa e recorda a descida e a

unção do Espírito Santo aos apóstolos.

d) Dos símbolos

A cruz é um dos símbolos do Cristianismo e representa o sofrimento de Jesus Cristo e a sua morte. Representa ainda a força, o poder e a dimensão do sagrado, é considerada a paixão de Cristo. Sem dúvida, é o símbolo mais importante do Cristianismo e o mais venerado.

Page 126: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

126

História da Religião

Figura 15 – A Cruz

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/EJP6VC>. Acesso em: 27 jun. 2017.

Das Subdivisões do CristianismoAo longo da História temos as chamadas rupturas das instituições religiosas

cristãs, também conhecidas como cismas da Igreja.

Em 1054 temos Miguel Keroularios, que rompeu com o papa, e dá início à Igreja Ortodoxa. Em 1517 temos Martinho Lutero, que também rompe com a Igreja Católica e dá início à Reforma Protestante e à Igreja Luterana. A partir destes fatos teremos outros desdobramentos de instituições religiosas, cada qual com sua interpretação sobre a Bíblia, doutrina própria e costumes.

a) Os Protestantes

Em 1517 temos a Reforma Protestante, nesta mesma data Martinho Lutero publica as 95 teses, criticando o comportamento da Igreja Católica ante as indulgências, bem como apresenta a tese da livre interpretação da Bíblia. Esses fatos permitiram o surgimento de novas igrejas, que veremos a seguir.

O protestantismo tem como fonte de sua fé a Bíblia. Martinho Lutero diz que só há revelação pelas escrituras. Assim sendo, acabou com imagens dos santos, com celibato, com o latim das celebrações, desconsidera o magistério, só aceita os sacramentos que aparecem na Bíblia, que são o Batismo e a Eucaristia.

Page 127: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

127

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

Figura 16 – Martinho Lutero (1483-1546)

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/6t7J6i>. Acesso em: 27 jun. 2017.

Com essas reformas, deu origem ao chamado Protestantismo Histórico, que além dos luteranos, temos outras igrejas fazendo parte: Calvinista, Anglicana, Presbiteriana, Batista e a Metodista.

b) Dos Luteranos

O fundador da Igreja Luterana foi o alemão Martinho Lutero, que viveu de 1483 a 1546 e foi o responsável pela Reforma Protestante.

Os luteranos ensinam que Jesus Cristo é o Filho de Deus e que ele é igual ao Pai em todos os sentidos; que ele ressuscitou corporalmente dentre os mortos; que ele é o único caminho que nos conduz aos céus; que ele virá pela segunda vez no fim do mundo para julgar os vivos e os mortos.

Os luteranos ensinam que a fé é a aceitação de Jesus Cristo por parte do pecador arrependido, como seu real e único Salvador, e a completa confiança na obra de Cristo para o perdão dos pecados e a salvação; que aquele que permanece nesta fé até o fim será eternamente salvo; que sem a fé, a salvação é impossível.

Para eles, o arrependimento, no sentido bíblico do termo, é o reconhecimento do pecado; que a todo pecador verdadeiramente arrependido é assegurado o perdão gratuito e completo de Deus.

Sem a fé, a salvação é impossível.

Page 128: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

128

História da Religião

c) Dos Calvinistas

A fé calvinista, apresentada por João Calvino, prega que só Deus pode salvar a alma do homem e que os eleitos a serem salvos já teriam sido determinados no céu. A doutrina segue os princípios do protestantismo, que afirma o dogma da predestinação, pelo qual o homem está destinado à salvação ou condenação por escolha divina.

Figura 17 – João Calvino (1509-1564)

Fonte: Disponível em: <https://www.biography.com/.image/t_share/MTE5NTU2MzE2MTcyNDg 2MTU1/john-calvin-9235788-1-402.jpg>. Acesso em: 27 jun. 2017.

O Calvinismo é resultado de uma evolução independente das ideias protestantes que nasceram sob a influência de João Calvino (1509-1564). O termo Calvinismo também se refere às doutrinas e práticas das Igrejas Reformadas ou presbiterianas.

O sistema calvinista pode se resumir nos chamados Cinco Pontos do Calvinismo, elaborados durante o Sínodo de Dort, realizado na Holanda, entre 1618 e 1619, conhecidos pelo acróstico TULIP:

• T de Total Depravity (Depravação Total).• U de Unconditional Election (Eleição Incondicional).• L de Limited Atonement (Expiação Limitada).• I de Irresistible Grace (Graça Irresistível).• P de Perseverance of the Saints (Perseverança dos Santos).

Page 129: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

129

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

Figura 18 – Rei Henrique VIII (1491-1547)

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/JBuw49>. Acesso em: 27 jun. 2017.

O Calvinismo defende ideias e princípios morais rígidos, o trabalho e a poupança como duas virtudes a serem valorizadas pelo verdadeiro cristão, valoriza o trabalho e a contenção dos lucros, que atraíram vários representantes da burguesia europeia.

O Calvinismo serviu de ponto de partida e inspiração para que o sistema capitalista se desenvolvesse, com ideias como a do trabalho árduo e acúmulo de capitais, que impulsionaram o desenvolvimento dos negócios e empreendimentos, criando novas nações ricas.

d) Dos Anglicanos

Vertente do Cristianismo, o Anglicanismo surgiu em 1534, na Inglaterra, durante o reinado de Henrique VIII, onde o Estado tinha o controle sobre os cargos religiosos, nomeando padres, bispos e cardeais. Nesse período, as relações entre Henrique VIII e a Igreja chegavam ao seu fim – quando o Papa Clemente VII se negou a anular seu casamento com Catarina de Aragão.

Assim sendo, o Rei Henrique VIII criou a Igreja Anglicana por meio do Ato de Supremacia e ainda instituiu que o Estado teria poder sobre esta Igreja.

O Calvinismo serviu de ponto de partida e inspiração para

que o sistema capitalista se

desenvolvesse.

Estado teria poder sobre esta Igreja.

Page 130: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

130

História da Religião

No que se refere às suas doutrinas, crenças e dogmas, o Anglicanismo também incorporou alguns princípios e semelhanças ao Catolicismo, como a fé na Bíblia, os sacramentos do Batismo e da Eucaristia. Entretanto, a questão das imagens e a autoridade papal não são aceitas.

e) Dos Metodistas

O Movimento Metodista surgiu na Inglaterra, no começo do século XVIII, diante de um contexto histórico e social de opressão vivido pela sociedade, especialmente pelos jovens. Estamos falando de um período de fome, doenças, desemprego. À vista disso, vários jovens universitários foram acolhidos pelo reverendo John Wesley (1703-1791), onde passaram por um processo de conversão e formação.

Os jovens universitários começaram a ler a Bíblia, a praticar a oração, a jejuar, a visitar os enfermos, dentre outras ações que levaram ao início do chamado Movimento Metodista ou Metodismo, que tinha o

objetivo de renovar o espírito cristão. Esse grupo de jovens possuía um método, que consistia em ter dias fixos para praticar o jejum, hora certa para ler a Bíblia, hora certa para a oração, dia certo para visita aos enfermos. Por conta dessa organização e desse método, esse grupo ficou conhecido como “metodista”, que significa aquele que possui métodos.

Figura 19 – John Wesley (1703-1791)

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/bkXNoG>. Acesso em: 27 jun. 2017.

Que tinha o objetivo de renovar o espírito

cristão.

Page 131: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

131

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

John Wesley dedicou todos os dias de sua vida aos estudos da Bíblia, era profundamente comprometido com os fundamentos da fé cristã, procurando vivenciar na prática o que ele pregava. O Metodismo também esteve à frente das questões sociais: o combate à escravidão, salários dignos, educação de qualidade, alimentação, dentre outras questões sociais.

Somente após a morte de John Wesley o Metodismo se constituiu como denominação religiosa independente em relação à Igreja Anglicana.

f) Dos Batistas

Igreja Batista é uma denominação religiosa cristã, que tem como uma de suas principais doutrinas o batismo de adolescentes e adultos. O nome desta Igreja, Batista, vem de João Batista, que realizou o batismo de Jesus Cristo.

Foi a partir da Reforma Protestante que a Igreja Batista começou a surgir aos poucos, sem uma data concreta de início, surgindo em diversos lugares da Europa, sem que seja possível apontar algum fundador específico.

Uma doutrina importante para os Batistas é promover o batismo por imersão em água, tanto de adolescentes como de adultos, trata-se de uma exposição pública de fé. Com o batismo essa pessoa deixa para trás sua “antiga vida” e passa a viver conforme a vontade de Deus.

Alguns princípios fundamentais da doutrina Batista:• Reconhecer Jesus Cristo como o Senhor e Salvador da vida.• A presença ativa de Deus no mundo.• Fé nas escrituras sagradas.• Consciência de que o batismo adulto e voluntário é livre.• Que há a separação entre a Igreja e o Estado.

g) Os Pentecostais

Podemos conceituar as Igrejas Pentecostais como um movimento cristão protestante que deu ênfase ao "batismo no Espírito Santo". A experiência neste batismo levou os membros destas igrejas antigas a serem excluídos delas, formando novas instituições religiosas.

Que tem como uma de suas

principais doutrinas o batismo de

adolescentes e adultos.

Podemos conceituar as Igrejas

Pentecostais como um movimento cristão protestante que deu ênfase ao “batismo no Espírito Santo”.

Page 132: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

132

História da Religião

Temos outras concepções sobre a origem do termo Pentecostal, que na doutrina judaica se refere ao Dia de Pentecostes. Para os judeus, é a festa em memória ao dia em que Moisés recebeu de Deus as Tábuas da Lei.

O termo Pentecostal também se faz presente no Ato dos Apóstolos, que é uma festa cristã que ocorre 50 dias após a Páscoa. Passamos a ter então a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos.

Assim sendo, o Pentecostalismo passou a enfatizar o batismo no Espírito Santo, as diversas línguas como manifestação do Espírito Santo e a manifestação dos dons espirituais individuais de cada pessoa por meio do Espírito Santo.

É difícil contextualizar o surgimento das religiões pentecostais, pois as mesmas se dão em vários lugares ao mesmo tempo. Podemos dizer que a princípio surgem nos Estados Unidos, no fim do século XIX, com a renovação das Igrejas Batista e dos Metodistas.

As igrejas pentecostais são, muitas vezes, conhecidas como igrejas carismáticas, porque revelam manifestações do Espírito Santo, procuram promover o dom de falar em línguas. Acreditam que o dom de línguas é para qualquer pessoa que tem o Espírito Santo e, assim sendo, tem a missão de evangelizar.

As principais igrejas pentecostais no Brasil são:

• Congregação Cristã no Brasil: fundada por Louis Francescon (1910).• Assembleia de Deus: fundada pelos missionários suecos Daniel Berg e Gunnar

Vingren (1911).• Igreja do Evangelho Quadrangular: fundada por Aimée Semple McPhersom

(1950).• O Brasil para Cristo: fundada por Manoel de Melo (1955).• Igreja Pentecostal para Cristo: fundada por Manoel de Mello (1956).• Igreja de Nova Vida: fundada pelo bispo Walter Robert McAlister (1960).• Igreja Pentecostal Deus é Amor: fundada por Davi Martins Miranda (1962).

h) Os Neopentecostais

Podemos conceituar as religiões Neopentecostais como aquelas que surgiram ramificadas do Pentecostalismo Clássico, que consideram boa parte

Page 133: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

133

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

de suas doutrinas e princípios, porém com uma abertura moral e uma ênfase teológica diferenciada, também denominada de liberal.

Os Neopentecostais possuem uma teologia diferenciada, conhecida como Teologia da Prosperidade, que afirma que o cristão verdadeiro e fiel a Deus tem o direito de obter a felicidade integral, pode exigi-la ainda durante a vida presente, ou seja, sobre a Terra. Em outras palavras, tem a prosperidade como meio de vida, procurando associar a riqueza com a religiosidade.

Esse movimento começou no início da década de setenta do século XX. Possui uma forte logística de comunicação, investindo muito na apresentação de seus programas, que é sem dúvida o fator de peso na divulgação e crescimento de seus cultos e suas igrejas, como também uma forma alternativa de evangelização que tem obtido grande sucesso.

No Brasil as principais igrejas que representam os neopentecostais são:

• Igreja Universal do Reino de Deus: fundada por Edir Macedo (1977).• Igreja Internacional da Graça de Deus: fundada por Romildo R. Soares (1980).• Sara Nossa Terra: fundada por Robson Rodovalho (1980).• Renascer em Cristo: fundada por Estevan Hernandez (1986).

O EspiritismoNão há uma etimologia clássica ou uma definição única do que vem a ser

o Espiritismo, pois o mesmo pode ser entendido pelo viés religioso, filosófico ou científico, portanto falamos em compreensões diversas.

a) Da epistemologia

Podemos compreender o Espiritismo como uma doutrina revelada pelos espíritas superiores, através dos médiuns, que foi codificada por Allan Kardec.

Podemos compreender o Espiritismo como ciência, uma vez que estuda, à luz da razão e dentro de critérios científicos, os fenômenos mediúnicos provocados pelos espíritos.

Podemos compreendê-lo como filosofia, porque a partir dos fenômenos espíritas dá uma interpretação à vida.

Uma abertura moral e uma ênfase teológica diferenciada, também

denominada de liberal.

Page 134: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

134

História da Religião

Podemos compreender como religião, porque ele tem como fim a transformação moral do ser humano, retornando os ensinamentos de Jesus Cristo.

b) Da crença

Os espíritas acreditam na existência de um único Deus, na imortalidade da alma, na comunicabilidade dos espíritos dos mortos com os vivos, na pluralidade das existências ou reencarnações e na pluralidade de mundos habitados.

c) Do surgimento

O espiritismo surgiu, segundo os espíritas, por meio de estudos de uma série de fenômenos que eram, em sua maioria, provenientes ou derivantes das chamadas “sessões de mesas girantes ou dançantes”. Um fenômeno marcante no século XIX que assolou os Estados Unidos e a Europa, servindo de brincadeiras de salão, quando as mesas “dançavam”, “escreviam”, “batiam o pé” e “até falavam”.

d) Dos livros codificados

O “O Livro dos Espíritos” foi o primeiro livro codificado por Allan Kardec. Ele é um livro de perguntas e respostas, onde Kardec formulou uma série de questões que foram respondidas pelos espíritos dos mortos (desencarnados); este livro contém os princípios da filosofia espírita.

O Evangelho Segundo o Espiritismo foi outra grande obra publicada por Kardec, em 1864, com o objetivo de apresentar questões religiosas, éticas e comportamentais do ser humano. Nessa obra são abordados os evangelhos canônicos, sob a ótica da doutrina espírita, dando uma ênfase especial à questão da caridade.

e) Das práticas

Não adotam cerimônias, não têm rituais, nem velas, nem vestes especiais, nem qualquer simbologia.

f) Dos valores

Para o Espiritismo é fundamental valorizar as respostas norteadoras do sentido de vida, valorizando as questões morais e éticas, bem como refletir sobre o ideal de vida, justiça, liberdade e paz que as tradições religiosas proporcionam para todas as pessoas. Da mesma maneira, acreditam que reconhecer que o Livro Sagrado das tradições religiosas propõe uma harmonia pessoal em busca da paz e da convivência.

Page 135: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

135

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

Atividade de Estudos:

1) Neste capítulo estudamos sobre as diferentes religiões ocidentais. Entre essas religiões, em especial as de matriz monoteísta possuem algumas proximidades entre suas doutrinas, mas também inúmeras diferenças e contraposições. Pensarmos em uma possibilidade de diálogo entre elas é, desta forma, algo complexo, mas ao mesmo tempo importante, tendo em vista que os valores religiosos ajudam a compor a visão de mundo de seus fiéis.

Neste sentido, leia o artigo: Para uma teologia do pluralismo religioso: visão tripartite, de Rafael Lopez Villasenor: <http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-content/uploads/downloads/2011/04/02Pluralismo.pdf>.

Após a leitura, elabore uma resenha crítica do artigo e posteriormente apresente as possibilidades de estabelecimento do diálogo inter-religioso a partir das três visões apresentadas pelo autor.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Algumas Considerações

Segundo o Censo de 2010, realizado pelo IBGE, no Brasil atual temos 123 milhões de pessoas católicas; 42,3 milhões de pessoas evangélicas; 3,8 milhões de pessoas espíritas.

Page 136: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

136

História da Religião

Como podemos constatar, temos um imenso mar de pessoas religiosas, que compõem um pluralismo religioso gigantesco. Será que estamos preparados para trabalhar e conviver com esta pluralidade cultural e religiosa?

Nossa sociedade ainda é conservadora, eurocêntrica e etnocêntrica. Precisamos romper com estes velhos vícios, conceitos, preconceitos, paradigmas e avançar para novos caminhos, bem como buscar por uma nova formação intelectual, pastoral e teológica, a fim de avançarmos com a sociedade, do contrário corremos o risco de sermos vítimas de nossos próprios erros.

ReferênciasAGNOLIN, Adone. História das religiões: perspectiva histórico-comparativa. São Paulo: Paulinas, 2013.

ALVES, Rubem. O que é Religião. São Paulo: Loyola, 1999.

______. O enigma da Religião. Petrópolis: Vozes, 1975.

BOWKER, John (org.). O Livro de Ouro das Religiões: a fé no Ocidente e no Oriente, da pré-história aos nossos dias. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

BRUNNER, Emma. Os fundadores das grandes religiões. Petrópolis: Vozes, 1999.

DELUMEAU, J. De Religiões e de Homens. São Paulo: Loyola, 2000.

ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan P. Dicionário das religiões. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

FERGUSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F. Novo dicionário de teologia. São Paulo: Hagnos, 2009.

FLOR, Douglas. Cultura Religiosa. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2006.

GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

HOCK, Klaus. Introdução à Ciência da Religião. São Paulo: Loyola, 2010.

Page 137: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

137

As Religiões Ocidentais Capítulo 3

JOMIER, Jacques. Islamismo, História e Doutrina. Petrópolis: Vozes, 1993.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile. 112. ed. Araras: IDE,1997.

KUNG, Hans. Religiões do mundo: em busca dos pontos comuns. Campinas, SP: Verus Editora, 2004.

MARCHON, Benoit. As grandes religiões do mundo. São Paulo: Paulinas, 1995.

MARQUES, Leonardo Arantes. História das religiões e a dialética do sagrado. São Paulo: Madras, 2005.

OTTO, Rudolf. O sagrado. Lisboa: Edições 70 LDA, 1996.

SCHLESINGER, Hugo. Dicionário Enciclopédico das Religiões. Petrópolis: Vozes, 1995.

SMITH, Huston. As religiões do mundo. São Paulo: Cultrix, 1999.

SOARES, Afonso Maria Ligorio. A teologia em diálogo com a Ciência da Religião. São Paulo: Ciberteologia, 2009.

ZILLES, Urbano. Religião: Crenças e Crendices. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.

Page 138: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

138

História da Religião

Page 139: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

CAPÍTULO 4

As Religiões Afro-Brasileiras e IndígenasA partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Conhecer as principais características das religiões afro-brasileiras e indígenas.

� Analisar as religiões afro-brasileiras e indígenas.

� Conhecer a origem e ramificações das religiões afro-brasileiras e indígenas.

� Estudar a Umbanda e o Candomblé.

� Analisar as diferenças e semelhanças entre a Umbanda e o Candomblé.

� Compreender o sincretismo religioso e o pluralismo religioso.

� Compreender o sentido religioso, o sagrado e o transcendente para os indígenas.

Page 140: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

140

História da Religião

Page 141: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

141

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

ContextualizaçãoNesta unidade vamos analisar as religiões afro-brasileiras e indígenas, suas

principais características, suas origens e ramificações, diferenciar a Umbanda do Candomblé, conhecer o que vem a ser sincretismo religioso, entender a necessidade do respeito ao pluralismo religioso, e, por fim, compreender o sentido religioso, o sagrado e o transcendente para a cultura indígena.

Tal tarefa não é algo fácil, dada a complexidade que envolve as respectivas culturas e tradições religiosas. Entretanto, o presente material não tem a intenção de esgotar o tema; sendo ele um estudo básico, podemos apresentá-lo como uma introdução às religiões afro-brasileiras e indígenas.

Ao reler os estudos anteriores, podemos constatar o fenômeno religioso como algo tipicamente universal, ou seja, ele está presente em todas as culturas e sociedades. De alguma forma o ser humano manifesta alguma expressão religiosa, o que não seria diferente na cultura afro-brasileira e indígena.

Origens e Ramificações Para melhor compreendermos a história das culturas e tradições religiosas

de matrizes afro-brasileiras e indígenas, precisamos nos contextualizar no seu cenário histórico e geográfico, político e social junto as suas culturas, religiões e sociedades, a fim de melhor compreender suas origens, sincretismos, hibridismos e ramificações.

Entretanto, este capítulo, de forma específica, visa aprofundar os estudos nas culturas e tradições religiosas de matrizes afro-brasileira e indígena, dado que as demais matrizes religiosas e culturas já foram apontadas em outros capítulos anteriores.

Segundo Canclini (1991), temos que diferenciar hibridação de sincretismo, uma vez que a hibridação é um fenômeno de síntese digamos que definitiva entre duas (ou mais) culturas, enquanto o sincretismo, no caso das culturas de matrizes africanas no Brasil, foi uma estratégia temporária de sobrevivência e resistência à dominação escravocrata. Que pode ser desconstruída.

Para a Associação Inter-religiosa de Educação – ASSINTEC (2016), precisamos reconhecer a existência de um número imenso de religiões

Segundo Canclini (1991), temos que diferenciar hibridação de

sincretismo, uma vez que a hibridação é um fenômeno de síntese digamos

que definitiva entre duas (ou mais)

culturas, enquanto o sincretismo, no caso das culturas

de matrizes africanas no Brasil, foi uma estratégia

temporária de sobrevivência e resistência à dominação escravocrata. Que pode ser desconstruída.

Page 142: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

142

História da Religião

no Brasil atual. Porém, para dar conta dessa situação, necessitamos compreender a formação da religiosidade brasileira e pensar a diversidade religiosa a partir da construção histórica que o Brasil teve, para, aí assim, chegarmos ao consenso de que esse processo de construção da cultura religiosa brasileira se deu por meio de quatro grandes matrizes, que são: a indígena, a ocidental, a africana e a oriental.

Para Boff (2014), as culturais afro-brasileiras e indígenas no Brasil são representadas pelo chamado Cristianismo Popular, que se tornou uma espécie de força impositiva nas comunidades religiosas brasileiras, sendo desdobrado pelo chamado sincretismo religioso, que estudaremos adiante.

Podemos conceituar o Cristianismo Popular como: Cristianismo praticado por povos catequizados e/ou conquistados. É um catolicismo desenvolvido em pequenas comunidades de base e/ou rurais, que celebram a fé em festas coletivas, danças e rezas, com forte influência de santos e padroeiras. Geralmente não possuíam um acompanhamento oficial da Igreja Católica.

Segundo Boff (2014), as culturas religiosas (de pobres, indígenas e negros) que foram colocadas à margem do sistema político e religioso deram corpo a sua experiência espiritual no código da cultura popular, que se rege mais pela lógica do inconsciente e do emocional do que do racional e do doutrinário, gerando o chamado sincretismo religioso.

Podemos conceituar cultura popular como algo que vem do povo. A cultura popular equivale ao folclore, que é entendido como o conjunto das tradições culturais de um país ou região, entretanto este conceito de cultura popular começa a ser rompido com o processo de globalização e com o próprio fim do eurocentrismo, tendo assim novas perspectivas e olhares na sociedade em que atua e produções de suas manifestações culturais.

Segundo Freyre (2001), a herança cultural e religiosa africana que temos no Brasil é histórica, indiscutível, notória e pode ser percebida por meio do sincretismo religioso entre santos e orixás, bem como na alimentação, nos

Page 143: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

143

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

hábitos, nas crenças, na linguagem, enfim, em diferentes pontos e momentos de nossa cultura. Assim sendo, não podemos negar a dívida social brasileira para com as famílias descendentes de africanos.

O Sincretismo ReligiosoEstudar o que chamamos de fenômeno sincrético religioso, popularmente

conhecido como sincretismo religioso, requer uma viagem ao tempo histórico-cultural. Quem sabe a partir dessa viagem poderemos compreender como se deu a construção da religiosidade brasileira. De primeira mão, temos que ter a clareza de que não há um consenso sobre os conceitos de sincretismo, pois há várias definições e interpretações sobre o mesmo, o que não provoca nenhuma contradição, pelo contrário, trata-se de uma riqueza epistemológica.

De origem grega, popularmente o termo sincretismo é conhecido como misturar, unir uma coisa à outra, mistura de formas, mistura de fórmulas, encontro dos diversos. Porém, academicamente e na História das Religiões propriamente, essa definição é muito vaga e simplista, precisamos de maior aprofundamento para uma compreensão epistemológica e religiosa.

Segundo Miranda (2001), o termo sincretismo é mais antigo do que possamos imaginar e remete a questões não só religiosas, mas também a questões políticas, sociais e culturais de uma determinada sociedade, não tendo assim uma única vertente e identidade, conforme podemos observar:

O termo “sincretismo” tem sua origem em Plutarco e caracterizava uma união das cidades cretenses, normalmente inimigas, diante de ameaças externas. Desde o Renascimento a palavra serve para designar, positiva e negativamente, compilações sintéticas de cunho cultural. Na época do confessionalismo se tornou um conceito antiecumênico, até emergir no século XIX como um instrumento utilizado nas ciências da religião. Aí então foi empregado com a finalidade descritiva ou polêmica, no estudo histórico do cristianismo, já que este, em seu desenvolvimento, absorveu elementos culturais e religiosos de seu contexto (MIRANDA, 2001, p. 109).

Assim sendo, quando nos deparamos com a referida expressão, ou melhor, com o referido fato “sincretismo”, temos que levar todos esses fatores citados acima em consideração. Em outras palavras, o sincretismo precisa ser repensado e restabelecido abandonando-se a ideia de identidade única e essencial.

Em outras palavras, o sincretismo precisa ser

repensado e restabelecido

abandonando-se a ideia de identidade única e essencial.

Page 144: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

144

História da Religião

Temos um grande pesquisador no assunto que faz uma enorme observação, trata-se de Pierre Sanchis (1994), que ao definir o sincretismo, o apresenta como uma mistura de culturas e não apenas de religiões, como é popularmente apresentado. E esse processo nem sempre será realizado de forma harmoniosa e livre de conflitos, pois tanto as pessoas como as culturas e as tradições religiosas estarão em posições diferentes, seja no aspecto dogmático ou ideológico.

Outra interpretação que temos passa pelo renomado pesquisador Ortiz (1978). Ele afirma que o sincretismo se realiza quando duas tradições são colocadas em contato, de tal forma que a tradição dominante fornece o sistema de significação, escolhe e ordena os elementos de outra tradição.

Segundo Stuart Hall (2003), o sincretismo é um termo dinâmico, não possui um significado fixo, pois seus sentidos foram historicamente sendo constituídos e reconstituídos. Assim, identificar um ritual ou tradição como sincréticos é muito superficial, pois todas as religiões têm origens compostas, sendo, portanto, reconstituídas cotidianamente por conta dos próprios ritos que são empregados diariamente.

Para Freyre (2001), o sincretismo religioso brasileiro é um fenômeno social intrigante, sendo resultante do contato intercultural de povos distintos, uma contaminação mútua e interdependente que foi, com o tempo, se transformando numa prática religiosa, tendo a união de símbolos religiosos e culturais diferentes num só elemento, fortalecendo as diversas expressões da religiosidade brasileira.

De acordo com o filósofo Terry Eagleton (1993), o sincretismo também é uma forma de hibridismo cultural que pode melhor ser entendida ou ampliada com a noção de Habitus Religioso, que é uma preocupação com o modo, uma postura cultural em contínua construção. A ideia é conceber a sociedade, a política, as pessoas e também a religião como algo em contínua construção e interação entre si, formando um hibridismo cultural.

Segundo Canevacci (1996), a Diáspora é a mãe do sincretismo. Para este antropólogo, devemos considerar a Diáspora numa perspectiva positiva frente ao sincretismo religioso, já que promoveu inúmeras transformações sociais, políticas e culturais entre os diversos povos, embora tenha havido inúmeras mortes e sofrimentos.

Já para o antropólogo Peter van der Veer (2002), o sincretismo se refere a uma política de diferença e de identidade. Ele argumenta que o termo sincretismo é ultrapassado e que deve ser substituído nas sociedades com cultura secular pelo termo multiculturalismo, embora ambos os termos pertençam a um discurso de tolerância e harmonia e democratizam as relações de tolerância e paz.

Page 145: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

145

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

Em suma, não podemos entender o sincretismo apenas sob o ponto de vista religioso. Como vimos, ele possui muitos outros aspectos: negociação, interação, confronto, transmissão, mistura, adaptação, assimilação, sondagem, transposição, identificação, simbiose, fusão, alienação, dinamismo, confluência, interação, dentre outros conceitos e interpretações epistemológicas que não são só religiosos, mas também sociais e culturais, e que formam o chamado ambiente religioso de uma determinada cultura e tradição religiosa.

Destacamos, por fim, que o sincretismo vem sendo objeto de estudo e de grande desafio para inúmeros pesquisadores da área e que não há um consenso acadêmico. Atualmente o sincretismo é visto como multiculturalismo, que, assim como o sincretismo, é algo também bastante polêmico e possui múltiplos significados e embates epistemológicos.

As Principais Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas

Há uma proximidade muito grande entre o sincretismo religioso e o próprio multiculturalismo, bem como o hibridismo com as culturas e tradições religiosas de origem afro-brasileira e indígena. Podemos dizer que estas foram as que mais sofrem com esse processo.

Em linhas gerais, as culturas e tradições religiosas mais conhecidas de religião de matriz africana são o Candomblé e a Umbanda. Porém, temos que lembrar que os terreiros de Candomblé e Umbanda, além de serem um espaço sagrado das religiões de matriz africana, são também espaço de resistência política, social e cultural. Desse modo, um espaço religioso e social de afirmação das identidades e das crenças dos povos trazidos como escravos da África para o Brasil.

Segundo a ASSINTEC (2016), os povos indígenas brasileiros, em toda a sua diversidade e riqueza cultural, possuíam e possuem uma enorme variedade de religiosidades, visto que são muitos povos com costumes e dialetos diferentes. Então, não podemos falar de uma religião indígena apenas, pois há tantas formas de expressão de religiosidade, bem como inúmeras culturas e tradições religiosas propriamente. Assim sendo, o que propomos é uma visão panorâmica sobre a cultura e tradição religiosa indígena de forma genérica, mas destacamos que a cultura indígena não pode ser generalizada em uma única concepção religiosa.

Page 146: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

146

História da Religião

A Cultura Indígena e a ReligiosidadeNosso conhecimento sobre o fenômeno religioso das tradições indígenas

é muito superficial. Precisamos urgentemente um momento para estudos sobre esta temática tão relevante e esquecida, mas que possui uma diversidade cultural e religiosa riquíssima. Assim sendo, conhecer as expressões religiosas dos povos indígenas nos permite compreender melhor a sua cultura e religiosidade, bem como superar o preconceito que muitos ainda têm em relação ao índio e seu modo de vida.

Infelizmente, nossas ações e atitudes com esses povos indígenas vêm sendo de preconceito, discriminação e exclusão. Entretanto, nossa responsabilidade deveria ser outra, seja ela como educador, como teólogo ou como missionário, nosso papel é de resgatar o respeito à diversidade cultural e religiosa que existe nestas comunidades e mostrar sua riqueza, buscando resgatar e preservar a sua história e cultura, sem perder o seu referencial.

Nos primeiros tempos da colonização do Brasil, os povos indígenas eram vistos, a partir do olhar dos dominadores, como “gente sem fé, sem lei, sem rei”. Dentro desse princípio, os europeus e a Igreja Católica (representada pelos jesuítas) forçaram a catequização, dando-lhes cultura e religião.

Contudo, as sociedades indígenas são organizadas a partir dos princípios de solidariedade, partilha e generosidade entre os membros da tribo. Essas atitudes éticas abrangem a todos e, em muitos casos, até mesmo os inimigos, e acabaram não aceitando essa “doutrinação” imposta, inclusive porque possuíam sua dimensão religiosa. A estrutura das religiões indígenas é sólida e muito bem elaborada, permitindo a equilibração do homem com o meio intra e extrapsíquico.

A respeito da dimensão religiosa do índio, sua espiritualidade e a religiosidade, temos que destacar que muitas das religiões indígenas são guiadas pela objetividade e não em teorias ou dogmas. Procura-se a harmonia com a Mãe Terra como condição básica para sua sobrevivência e é, portanto, elemento inseparável de seus ritos e encontro com a transcendência. Em várias culturas indígenas o sentido da vida está diretamente associado ao sagrado.

O ser humano nasce puro e pode viver em plena comunhão com o Grande Espírito sem medo da condenação eterna ou do pecado original. Não há necessidade de religar-se, pois já está ligado à Mãe Vida, à Natureza, de modo que tudo o que nos foi dado pelo Grande Espírito é sagrado, e é dever de cada membro da comunidade viver em harmonia com toda a vida (ASSINTEC, 2007, p. 2).

A respeito da dimensão religiosa

do índio, sua espiritualidade e a religiosidade,

temos que destacar que muitas das

religiões indígenas são guiadas pela

objetividade e não em teorias ou

dogmas. Procura-se a harmonia com a Mãe Terra como

condição básica para sua sobrevivência e

é, portanto, elemento inseparável de seus ritos e encontro com

a transcendência.

Page 147: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

147

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

Como observamos, o cotidiano da vida do povo indígena está impregnado de religiosidade. A vida na comunidade, em aldeia, é vivida de modo contextualizado, ou seja, há uma integração entre o Ser e o Religioso, tudo está em volta da dimensão religiosa.

Além de valores religiosos, também temos valores éticos presentes na religiosidade indígena. A sabedoria dos antepassados indígenas é valorizada e preservada através da oralidade. Honrar os ancestrais constitui-se o centro da ética religiosa indígena.

Oralidade: antes do surgimento da escrita, todos os conhecimentos eram transmitidos oralmente. Por muitos séculos o sistema oral, a oralidade, foi o principal meio de comunicação dos homens.

O Sistema Religioso IndígenaAs tradições religiosas de matrizes indígenas são heterogêneas, ou seja,

são diferentes entre si, há uma diversidade de povos e culturas indígenas que se distinguem nos mais diversos tipos e modos de ser: biológico, línguas, costumes, ritos, organização social, dentre outras.

A palavra heterogêneo é usada para se referir a duas ou mais coisas de diferentes natureza e características.

Suas religiões são profundamente marcadas por rituais, nos quais os mitos são revividos com intensidade, de modo que em algumas comunidades os participantes, no ato ritualístico, sentem-se parte da divindade.

Temos que destacar que os ritos atualizam os mitos e aqui são entendidos de forma representativa, sendo muito bem-vindos na cultura indígena.

As práticas religiosas caracterizam-se por ritos de defumação, entoação de cantos, uso de instrumentos musicais, incorporação, transe e uso de remédios

Page 148: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

148

História da Religião

retirados das plantas e ervas, e outras técnicas culturais e religiosas milenares passadas de geração em geração, por uma cultura oral.

O texto sagrado dos indígenas também é transmitido na forma oral. Os textos sagrados, na verdade, são constituídos de histórias míticas, relatadas pelos chamados sábios anciãos, que as contam oralmente para toda a tribo, preservando assim a sabedoria e a tradição religiosa do “texto sagrado”.

O Transcendente e o Sagrado Para o Indígena

A questão do transcendente, em algumas tribos indígenas, é compreendida como um ser natural, bondoso, em harmonia e em paz com todos os seres. Outras tribos apresentam o transcendente como um Ser Superior, porém em outras tribos sãos seres menores, sendo seus auxiliares. Em vista disso, não temos uma uniformidade quanto à questão de Deus na cultura indígena.

Há também religiões indígenas que acreditam em um mundo espiritual povoado de divindades, que seriam os chamados espíritos, como: os espíritos dos ancestrais, os espíritos das florestas, das ervas medicinais, entre outros. Os espíritos maus devem ser acalmados e os bons devem ser exaltados.

Para a cultura indígena, a natureza e a sociedade são partes de um processo único, ou seja, integradas. O homem é parte da natureza como a natureza é parte do homem. Assim, o transcendente também pode estar na natureza, embora não se afirmem panteístas.

Como podemos observar, cada cultura religiosa indígena tem sua concepção sobre o transcendente, e o representa de uma determinada forma simbólica e representativa.

Boa parte dos índios brasileiros apresenta Tupã como um ser sobrenatural, ou seja, como transcendente. Entretanto, para os índios Tupi, o ser que denominam Tupã não é considerado de modo nenhum o principal dos entes sobrenaturais. Para eles, Tupã é como um “espírito” que controla o raio e o trovão, podendo, por isso, provocar morte e destruição. Foram os primeiros missionários que, ao

O texto sagrado dos indígenas também é transmitido na

forma oral. Os textos sagrados, na verdade,

são constituídos de histórias míticas, relatadas pelos

chamados sábios anciãos, que as

contam oralmente para toda a tribo,

preservando assim a sabedoria e a tradição

religiosa do “texto sagrado”.

Page 149: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

149

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

ensinarem a doutrina cristã aos índios, na língua destes, procuraram expressar o conceito que os cristãos faziam de Deus com o termo Tupã. O termo foi mal escolhido, uma vez que são completamente discordantes a ideia que os cristãos fazem de Deus e a ideia que os índios fazem de Tupã. Mas o erro dos missionários perdurou e até hoje muitos afirmam que Tupã é a principal divindade indígena (Julio Cezar Melatti – Índios do Brasil – Ed. Hucitec, 1980).

O Mito e o Rito Para os IndígenasOs ritos são o que fundamentam a realidade e a organização da vida política,

social, cultural e religiosa do povo indígena. Destacamos os diferentes elementos simbólicos, como danças, cantos, pintura no corpo, adornos, vestimentas de palha e de materiais diversos extraídos da natureza. O rito é a fonte de memória e de conhecimento que é transmitido oralmente na maioria das culturas indígenas. Nesse sentido, o rito jamais pode ser menosprezado.

Existem diversos ritos, como os ritos de iniciação, ritos de passagem e ritos comemorativos, com o objetivo apenas de celebrar a vida e o agradecimento. Alguns exemplos de ritos de comemoração: ritos para celebrar o fim das estações da chuva ou seca, ritos para comemorar a chegada das colheitas, ritos para comemorar casamentos, ritos para comemorar vitórias em guerras com outras tribos, ritos de nascimentos, ritos de batizados, ritos para se tornar adulto, ritos funerários, dentre outros.

Os rituais indígenas sofrem modificações de acordo com a tribo em que ocorrem. Podem ser, por exemplo, nas músicas, nos instrumentos e nas vestimentas, e essa diferença é que constrói a particularidade de cada povo indígena e enriquece a sua cultura. Em linhas gerais, os mitos indígenas relatam sobre a origem e transformação do universo, da vida, das outras nações indígenas, dos fenômenos de ordem espiritual ou sobrenatural que acontecem com as pessoas na aldeia. Os rituais estão diretamente ligados aos mitos.

O ritual e o mito atualizam o passado e ajudam a modificar e compreender o presente. Neste sentido, os rituais de iniciação ou passagem para a vida adulta dos jovens, como também os do nascimento de crianças, são de grande importância para as famílias indígenas, pois, além de permitirem espaço para sua identidade, possibilitam troca de experiência cultural. Entretanto, nem todos os rituais são abertos ou revelados a povos não indígenas, visto que são coisas íntimas, tratam-se de um dever, uma oração, dentre outros.

Page 150: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

150

História da Religião

O Ritual da Pajelança: a pajelança é um culto à encantaria. Está centrado na figura do encantamento de seres/entidades que estão presentes nas florestas. E o pajé é o instrumento pelo qual o encantado se manifesta. Para saber a origem de uma doença ou enfermidade é necessária uma iluminação prévia e um contato com o mundo dos espíritos, onde o pajé conversa com estas entidades. Os espíritos podem ter contato com o pajé através dos sonhos ou da alteração de consciência, através do uso, pelo pajé, de substâncias alucinógenas. Durante o ritual de cura, ao mesmo tempo que reza, o pajé solta baforadas do tabaco sobre o doente e aspira essa fumaça, levando-o a ter visões que vão direcioná-lo a perceber e compreender o que está acontecendo de estranho na natureza, ou vai predizer sucessos e insucessos. Durante esse ritual de cura o pajé também segura em uma das mãos o maracá, cujo barulho informa a aproximação do espírito. O pajé recebe o pagamento, o qual depende da comunidade onde foi realizado o ritual. Geralmente é dado um colar confeccionado com conchas, que é muito valorizado pelos índios do Xingu.

Fonte: Disponível em: <http://matrizreligiosaindigena.blogspot.com.br/2009/05/ritos-mitos.html>. Acesso em: 12 jun. 2017.

Os Símbolos Para os Tupis-GuaranisO povo indígena também utiliza a expressão simbólica para expressar sua

comunicação e sentimentos religiosos. Os símbolos empregados por esse povo indígena surgem basicamente a partir de três desenhos formados por figuras geométricas diferentes, que são: o Ypara Korá, o Ypara Jaxá e o Ypara Ixy.

Figura 7 – Ypara Korá

Fonte: Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/galeria-de-imagens>. Acesso em: 17 ago. 2017.

Page 151: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

151

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

Figura 8 – Ypara Jaxá

Figura 9 – Ypara Ixy

Fonte: Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/galeria-de-imagens>. Acesso em: 17 ago. 2017.

Fonte: Disponível em: <http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/galeria-de-imagens>. Acesso em: 17 ago. 2017.

Os desenhos do Ypara Korá são baseados na pele das cobras. Costumam apresentar formas de losango e de quadrado. Esses símbolos significam acolhimento, ou seja, que as suas casas estão sempre disponíveis para acolher os parentes que vêm de longe.

Os desenhos em linha reta do Ypara Jaxá assemelham-se a correntes.

Os desenhos em zigue-zague do Ypara Ixy, por sua vez, assemelham-se ao movimento das cobras.

Além desses desenhos há, ainda, outros que são utilizados. São exemplos os padrões de borboleta e de coração. O padrão de borboleta significa o sentimento de gratidão pela liberdade. Os índios prezam a liberdade e a comparam ao voo das borboletas.

Page 152: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

152

História da Religião

O padrão de coração é utilizado entre os guaranis para decorar cestos para presentear pessoas com problemas cardíacos.

Fonte: Disponível em: <https://www.dicionariodesimbolos.com.br/simbolos-indigenas/>. Acesso em: 17 ago. 2017.

A Cultura Afro-Brasileira e a Sua Religiosidade

A presença das culturas e tradições religiosas de origem africana no Brasil se deve à entrada de mais de quatro milhões de pessoas trazidas da África para serem submetidas à escravidão do século XV até o século XIX. Essas pessoas “migraram” de diferentes regiões da África e pertenciam a diferentes grupos étnicos, promovendo assim uma enorme pluralidade cultural, social e religiosa junto ao Brasil, proporcionando inclusive, como já vimos anteriormente, o chamado sincretismo religioso.

Cada etnia tinha suas respectivas crenças e costumes religiosos, que passaram a ser inseridos na cultura local como uma tentativa de organização social, a fim de resistência à opressão que passaram a sofrer com o domínio do eurocentrismo. Essas pessoas, marcadas pela dor e desesperança, se uniram e instauraram seus terreiros para manter viva a tradição africana, e assim construíram uma cultura de enfrentamento.

O eurocentrismo pode ser entendido como a influência política, cultural, econômica, social, a qual a Europa exerce sobre outras variadas áreas, países, povos, culturas; bem como buscando compreender o mundo apenas com os valores homogêneos da Europa como centro do mundo, considerada ela como a detentora da “verdade”. As demais culturas são consideradas menos importantes. É um termo utilizado para designar a centralidade e superioridade da visão europeia sobre as outras visões de mundo.

Page 153: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

153

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

As tradições religiosas de matriz africana, também chamadas de religiões afro-brasileiras, abrangem os vários grupos religiosos nascidos das tradições culturais e religiosas trazidas da África, e que aqui se mesclaram entre si, constituindo-se como forte fator de resistência à escravidão.

Desta forma, deram origem a diversos grupos ou denominações: Candomblé, presente principalmente na Bahia, mas também em outros estados; Umbanda, presente praticamente em todos os estados brasileiros; Xangô, no Recife; Xambá e Catimbó, nos estados do Nordeste; Tambor de Mina, no Maranhão; Omolocô, no Rio de Janeiro; Batuque, no Pará e nos estados do Sul.

Entretanto, a fim de fornecer um estudo mais específico, iremos nos aprofundar apenas nos conceitos sobre Candomblé e Umbanda, uma vez que esses são as doutrinas mais conhecidas e relembradas em nossa sociedade e, consequentemente, também mal interpretados e vítimas de preconceitos.

Três aspectos são essenciais na cultura e tradição religiosa afro-brasileira: a oralidade, o símbolo e o diálogo. O sistema comunicativo da oralidade prevê a identificação, a expressão e a conservação da bagagem étnico-cultural daquela tradição religiosa. O símbolo é fundamental para a expressão da sua crença religiosa. E através do diálogo que os membros da comunidade têm o conhecimento dos mitos, que são transmitidos pelo mestre ancião, também conhecido como pai ou mãe-de-santo, como Ialorixá e Babalorixá.

A crença na ancestralidade é a resposta para a perpetuação da vida depois da morte. A realidade é uma totalidade só, sem uma divisão entre as duas dimensões: o mundo da matéria e o mundo do espírito. Tudo está presente nesta mesma realidade que é única, os mortos não estão mortos, eles vivem e se manifestam através dos elementos da natureza e dos novos que nascem para a vida na comunidade.

Uma das características das religiões afro-brasileiras é que elas não possuem um caráter proselitista, ou seja, não têm a intenção de procurar crescer religiosamente em números. Possuem uma visão de mundo que não exige fé ou processo de conversão. Não existe a ideia do profano, do mal ou da culpa como concepção de pecado, ou seja, não existe a concepção de pecado.

A palavra Axé pode ser traduzida como “aquilo que deve ser realizado”. Nas manifestações religiosas, o sangue portador do Axé pertence ao Ser Superior, ou seja, o Criador de todas as coisas, e é oferecido a Ele em primeiro lugar. O sangue pode ser de origem animal, vegetal ou mineral.

Não existe a concepção de

pecado.

Page 154: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

154

História da Religião

O coração, o fígado, os pulmões e os órgãos genitais são partes do corpo consideradas plenas de Axé.

Receber o Axé significa incorporar os elementos simbólicos que representam os princípios vitais de tudo o que existe no mundo visível (Àiyé) e no mundo invisível (Òrun), num processo de expansão permanente.

Quadro 1 – Comparativos entre a Umbanda e o Candomblé

Receber o Axé significa incorporar os elementos simbólicos que representam os princípios vitais de

tudo o que existe no mundo visível (Àiyé) e no mundo invisível

(Òrun), num processo de expansão permanente.

CANDOMBLÉ UMBANDA

Não possui o sincretismo de elementos do cristianismo católico, nem do espiritismo ou da tradição indígena, mas possui o sincretismo das religiões africanas.

As entidades são agrupadas em hierarquia, que vai dos espíritos inferiores aos mais evolu-ídos. São entidades de índios, caboclos, pretos velhos, espíritos de crianças e também alguns orixás cultuados no Candomblé.

Os orixás são de origem africana. Nenhum santo é superior ou inferior a outro. Não existe o bem e o mal de forma isolada.

Há sincretismo com o Candomblé africano, catolicismo, tradição indígena e espiritismo.

No culto há louvação aos orixás que se incor-poram nos pais e mães-de-santo ou babalori-xás e ialorixás, para fortalecer o Axé (energia vital) que protege o terreiro e seus membros.

A iniciação não é necessária. O recolhimento para a iniciação é de apenas um ou dois dias. O sacrifício de animais não é obrigatório. A iniciação é feita na água do mar ou cachoeira.

Aceita a reencarnação, mas a ancestralidade. No altar há imagens católicas, de pretos velhos e caboclos.

As vestes usadas no culto são coloridas com insígnias da cada orixá.

Uso de vestes brancas.

A iniciação é a condição essencial para partici-par do culto. O recolhimento durante o proces-so de iniciação dura de sete a 21 dias. O ritual envolve o sacrifício de animais, a oferenda de alimentos e a obediência a rígidos preceitos.

Durante o culto, os médiuns incorporam as entidades, dão passes e consultas aos partici-pantes do culto.

Durante o culto são cantados cânticos em línguas africanas, acompanhados por três instrumentos musicais, os atabaques, tocados somente por iniciados do sexo masculino.

Os cânticos são cantados em português, acompanhados por palmas e atabaques, toca-dos por adeptos de qualquer sexo.

As oferendas são feitas nos nomes dos orixás. Há rituais e oferendas aos orixás e aos guias.

Fonte: O autor.

Page 155: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

155

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

A UmbandaA Umbanda é uma religião tipicamente brasileira, fruto do sincretismo

religioso, organizada a partir dos cultos afros, das crenças católicas, da filosofia espírita, da pajelança indígena e do esoterismo, uma formação mista que também pode ser denominada de multiculturalismo religioso.

Podemos afirmar que a Umbanda é uma das principais religiões atuantes no Brasil, popularmente chamada como a religião do “Descobrimento do Brasil”, influenciada pelo catolicismo, pelo espiritismo, pelas culturas e tradições indígenas e africanas, uma religião sincrética.

Existem diferentes grupos de Umbanda, cada um enfatiza determinado aspecto de sua doutrina e prática, mas existem também pontos doutrinários bastante comuns a todos os grupos. Existem várias interpretações e definições acerca do termo Umbanda propriamente.

Uma das interpretações oferecidas sobre o surgimento do termo Umbanda é que a mesma deriva do Kimbundo, um idioma falado na África e que significa a arte de curar; outra interpretação é que a Umbanda significa a Lei Maior, também chamada de Lei Suprema do Bem.

A palavra é derivada de “u´mbana”, termo que significa “curandeiro” na língua banta falada na Angola, o quimbundo. Mas para este estudo esta definição é muito simplista, pois a Umbanda está envolvida em um cenário social e político riquíssimo de religiosidade e misticismo, que merece uma interpretação mais aprofundada e melhor elaborada.

Os umbandistas acreditam em um Deus único, chamado Olorum ou Zambi; para eles, devemos ter obediência a valores humanos como fraternidade, caridade e respeito ao próximo. Cultuam os orixás, manifestações divinas que se confundem com um elemento da natureza ou da própria personalidade humana. Para os umbandistas, cada pessoa está ligada a um orixá. A ligação entre os vivos e mortos se faz por meio dos médiuns. Os médiuns “emprestam” seus corpos para os guias e para os orixás.

Sabemos que a umbanda tem origem nas senzalas, em reuniões onde os escravos vindos da África louvavam os seus deuses através de danças e cânticos e incorporavam espíritos. Os seguidores da Umbanda creem nos Espíritos de Luz e plenitude que vêm à Terra para ensinar e ajudar todas as pessoas, encarnadas e desencarnadas.

Page 156: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

156

História da Religião

São entidades espirituais chamadas de guias que se manifestam através dos médiuns durante as sessões: Pretos Velhos, Caboclos, Marinheiros, Crianças, Baianos, Boiadeiros, Orientais, Exus, dentre outros. Os cultos são conhecidos como giras ou sessões e são realizados em templos, terreiros ou centros, que são os locais onde os umbandistas se reúnem para a realização do culto.

Figura 10 - Umbanda nas senzalas

Fonte: Disponível em: <http://cultura.culturamix.com/regional/americas/cultura-indigena>. Acesso em: 17 ago. 2017.

Já para outros pesquisadores, institucionalmente, a Umbanda teve início no século XX. Alguns indicam o ano de 1908 e outros a década de 20, mas aconteciam práticas semelhantes entre os descendentes de escravos muito antes dessa época. O primeiro centro de Umbanda surgiu por volta de 1920, com Zélio Fernandino Moraes, na cidade do Rio de Janeiro, o qual, quando ainda jovem, ficou paralítico devido a uma enfermidade.

Na ocasião, por meio de um médium, manifestou-se uma entidade espiritual de um padre jesuíta, falecido há muitos anos, a qual disse ao jovem que ele tinha a missão de fundar uma nova religião. Essa religião devia ser tipicamente brasileira, dedicada à veneração de espíritos de caboclos, índios, ciganos, baianos, crianças e pretos velhos.

Ao longo do tempo, a Umbanda passou por transformações e foi se demarcando de outras religiões, novas culturas e tradições religiosas, em alguns

Page 157: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

157

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

momentos provocando novos sincretismos religiosos e hibridismos culturais e sociais que alargaram suas estruturas. Também criou ramificações, algumas delas são descritas como: Umbanda Tradicional, criada no Rio de Janeiro pelo jovem Zélio Fernandino de Moraes; Umbandomblé ou Umbanda Traçada, na qual um mesmo sacerdote pode realizar sessões distintas de Umbanda ou de Candomblé; Umbanda Branca, utiliza elementos espíritas, kardecistas e os adeptos usam roupas brancas; Umbanda de Caboclo, que tem forte influência da cultura indígena brasileira.

O CandombléA palavra Candomblé significa cantar e dançar em louvor. O Candomblé

também é símbolo da resistência dos negros contra a escravidão no Brasil. Em seus ritos e mitos, pouco se fala da história da travessia da África para o Brasil através do oceano ou da violência desagregadora dos trabalhos escravos a que foram submetidos. Mas prevalece a ênfase no culto à presença dos orixás, que são as forças da natureza mediadoras do Ser Supremo, chamado de Olorum ou Olodumaré, presentes nos espaços sagrados e seu poder de influência no comportamento dos adeptos.

Orixás: divindades agentes de Olorum, o Deus supremo criador do universo. Uma outra corrente dos cultos acredita que os orixás seriam homens e mulheres que depois da morte foram elevados à condição de seres destacados no “astral” e identificados com um elemento da natureza (rio, mar etc.), transformando-se nele. Há uma certa concordância em torno do seu número.

Segundo Lang (2008), há um sincretismo religioso entre o Candomblé e outras culturas e tradições religiosas que devem ser consideradas para uma melhor compreensão acerca do seu entendimento cultural e político, que muitas vezes, na ausência desse esclarecimento, geram preconceitos e discriminações:

O Candomblé é uma religião originária da África, trazida ao Brasil por escravos. Oxalá é a divindade da criação. Cultuam os Orixás, de origem totêmica, que representam as forças que controlam a natureza e seus fenômenos, tais como as águas, o vento, as florestas, os raios. Ritos e cerimônias realizam-se em casas ou terreiros, de linhagem matriarcal uns e patriarcal outros

Page 158: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

158

História da Religião

quanto à direção. Há um sincretismo entre o candomblé e a religião católica, sincretismo que foi uma forma de defesa a que recorreram os cativos visando à preservação da religião proibida pelos escravocratas no século XIX (LANG, 2008, p. 173).

O Candomblé dramatiza, de uma forma solene e festiva, as relações de uma dimensão cósmica, relações essas que se expressam no cotidiano da vida. Não é apenas uma religião de pessoas negras, é também apreciada por um vasto contingente de pessoas de outras etnias presentes no Brasil, procurando manifestar a vida por meio da religiosidade.

As divindades se manifestam por meio dos pais ou mães-de-santo não para pregar sermões, mas expressar a sua energia vital (Axé) por meio de danças ao ritmo de instrumentos de percussão, chamados atabaques e dos cantos em línguas africanas. O culto geralmente termina com um jantar aberto ao público, feito com alimentos sagrados, a comida dos orixás.

Segundo Prandi (1996), o jogo de búzios, que também pode ser considerado um rito, leva as pessoas ao Candomblé, não há necessidade da conversão ou iniciação. Geralmente as pessoas procuram a solução para seus problemas afetivos, sexuais, econômicos,

saúde, dentre outros. Alguns candomblecistas acreditam que, cumprindo as obrigações, os orixás trarão as riquezas desejadas. Outros consideram que a maior riqueza que os orixás oferecem é o equilíbrio.

Figura 11 – Jogo de Búzios, presente no Candomblé

Fonte: Disponível em: <http://cultura.culturamix.com/regional/americas/cultura-indigena>. Acesso em: 17 ago. 2017.

O jogo de búzios, que também pode ser

considerado um rito.

O Candomblé foi perseguido pelo Estado brasileiro, que proibiu os terreiros (espaços destinados ao culto). A partir dos anos 50 a perseguição diminuiu e multiplicaram-se as casas de culto em todo o Brasil. Alguns movimentos culturais

Page 159: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

159

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

Fonte: Disponível em: <http://cultura.culturamix.com/regional/americas/cultura-indigena>. Acesso em: 17 ago. 2017.

passaram a valorizá-lo e enobrecê-lo por meio da mídia escrita, do cinema, da música, do teatro, da TV etc.

O terreiro é o nome que se dá ao sítio onde se situa o centro de práticas religiosas, “grupo local”, segundo um padrão determinado tradicionalmente. Há a preocupação com o uso correto da ecologia local, pois por motivos religiosos, busca-se garantir a preservação de um espaço verde próximo ao terreiro.

Os terreiros de Candomblé são autônomos, cada um estabelece suas próprias normas e regras de conduta, que variam dependendo do sacerdote, para os membros e também para as demais pessoas que frequentam a casa. Alguns dizem seguir as mesmas regras que aprenderam com seus pais e mães-de-santo, portanto, seguem suas raízes.

A comunidade-terreiro é ao mesmo tempo casa de culto e escola, é um espaço de preservação da cultura e de resistência. Assim, o terreiro, além de local destinado ao culto, é também a escola de iniciação, ali são preparados os sacerdotes e sacerdotisas, os babalorixás e ialorixás, também chamados de pais e mães-de-santo. Estes passam por rituais de iniciação a fim de se tornarem chefes religiosos e intermediários para a descida dos orixás.

Percebemos que a tradição oral é cultivada nos terreiros de Candomblé. É pela oralidade que se passa todo o conhecimento do Axé. Outro princípio importante do Candomblé que podemos verificar é a crença na reencarnação, que também está sempre presente nos discursos orais.

Figura 12 – Terreiro de Candomblé

Page 160: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

160

História da Religião

Os Símbolos, os Mitos e os Ritos Para os Africanos

A cultura afro-brasileira é muito rica e variada de significados, principalmente quanto à simbologia dos seus cultos afros, que procuram representar alguns mitos que se fazem presentes, muitas vezes, pelos rituais de passagem.

Os símbolos mais frequentes são as vestimentas, alimentos dos orixás, as insígnias representativas dos orixás, os pontos riscados, as oferendas e sacrifícios de alguns animais que, segundo a crença, dinamizam a relação entre vivos e ancestrais através da força Axé.

São alguns símbolos usados na Umbanda:

Figura 13 – Cobra: símbolo de cura

Figura 14 – Chave: símbolo de abertura de caminhos

Fonte: Disponível em: <http://cultura.culturamix.com/regional/americas/cultura-indigena>. Acesso em: 17 ago. 2017.

Fonte: Disponível em: <http://cultura.culturamix.com/regional/americas/cultura-indigena>. Acesso em: 17 ago. 2017.

Page 161: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

161

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

Figura 15 – Sol: representa a força criadora da vida

Fonte: Disponível em: <http://cultura.culturamix.com/regional/americas/cultura-indigena>. Acesso em: 17 ago. 2017.

Atividade de Estudos:

1) Neste capítulo estudamos e refletimos sobre as diferentes religiões afro-brasileiras e indígenas. Procuramos promover uma análise do sincretismo nessas culturas e tradições religiosas a partir de alguns conceitos técnicos e epistemológicos trazidos na primeira parte do texto.

Vamos agora procurar aprofundar este conceito de sincretismo lendo o artigo “Sincretismo afro-católico no Brasil: lições de um povo em exílio”, do Prof. Dr. Afonso Maria Ligorio Soares. Disponível em: <http://www.pucsp.br/rever/rv3_2002/p_soares.pdf>.

Após a leitura, elabore uma resenha crítica do mesmo, e posteriormente, apresente os embates epistemológicos apresentados no texto. Esta resenha deverá apresentar os principais argumentos do autor. Deverá ter 20 linhas.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Page 162: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

162

História da Religião

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Algumas ConsideraçõesComo podemos observar ao longo desta unidade de estudo e em outras

também, as religiões influenciam a cultura, e a cultura, por sua vez, influencia as religiões, até parece um paradoxo. Na verdade, trata-se de um movimento dialético que enriquece nossa sociedade com novos saberes, e neste caso em especial, com o saber religioso.

Como vimos nesta unidade, há uma riqueza cultural enorme presente nas culturas e tradições religiosas de matrizes africanas e indígenas. Entretanto, para que estas riquezas sejam devidamente valorizadas e respeitadas, precisamos conhecer essas religiões a fim de evitar o proselitismo religioso, bem como evitar que o senso comum e os preconceitos estejam presentes em nossas opiniões e conceitos. Para que isso não ocorra, se faz necessário estudar estas religiões, independentemente da perspectiva adotada: histórica ou factual, procurando assim melhor conhecê-las, formando uma nova opinião, esclarecida e ausente de preconceitos e vícios que possam nos levar ao fundamentalismo religioso.

ReferênciasASSINTEC. Curso: O Fenômeno Religioso nas Tradições Religiosas. Associação Inter-religiosa de Educação. SME: Curitiba, 2007.

ASSINTEC. Subsídios pedagógicos para o Ensino Religioso. Informativo da Associação Inter-religiosa de Educação. Curitiba, n. 38, 1º semestre/2016.

BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpenetrações de civilizações. v. I-II, SP, Pioneira, 1971.

______. Estudos Afro-Brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1973.

BITTENCOURT, José Filho. Matriz religiosa brasileira. Religiosidade e mudança social. Petrópolis: Vozes, 2003.

Page 163: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

163

As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas Capítulo 4

BOFF, Leonardo. O povo brasileiro: um povo místico e religioso. Disponível em: <https://leonardoboff.wordpress.com/2014/03/16/o-povo-brasileiro-um-povo-mistico-e religioso/>. Acesso em: 12 jun. 2017.

BOWKER, John (org.). O Livro de Ouro das Religiões: A fé no Ocidente e no Oriente, da pré-história aos nossos dias. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

BRUNNER, Emma. Os fundadores das grandes religiões. Petrópolis: Vozes, 1999.

CANEVACCI, Massimo. Sincretismos. Uma exploração das hibridações culturais. São Paulo: Studio Nobel, 1996.

DELUMEAU, J. De Religiões e de Homens. São Paulo: Loyola, 2000.

ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan P. Dicionário das religiões. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

EAGLETON, Terry Rey. A ideologia da estética. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 43. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

FERGUSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F. Novo dicionário de teologia. São Paulo: Hagnos, 2009.

FLOR, Douglas. Cultura Religiosa. Curitiba: Iesde, 2006.

GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

HALL, Stuart. Da Diáspora - Identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

HOCK, Klaus. Introdução à Ciência da Religião. São Paulo: Loyola, 2010.

KUNG, Hans. Religiões do mundo: em busca dos pontos comuns. Campinas/SP: Verus Editora, 2004.

LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. Espiritismo no Brasil. Caderno do CERU, v. 19, n. 2, p. 171-185, dez., 2008.

MARCHON, Benoit. As grandes religiões do mundo. São Paulo: Paulinas, 1995.

Page 164: HISTÓRIA DA RELIGIÃO

164

História da Religião

MARQUES, Leonardo Arantes. História das religiões e a dialética do sagrado. São Paulo: Madras, 2005.

MOTTA, Roberto M. C. Religiões éticas e religiões sacrificiais: seu crescimento simultâneo no Brasil atual. In: MIELE, Neide (org.). Religiões: múltiplos territórios. João Pessoa: Ed. Universitária-UFPB, 2007.

MELATTI, Júlio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: HUCITEC, 1980.

MIRANDA, Mário França. Inculturação da fé e sincretismo religioso. In: Inculturação da fé: uma abordagem teológica. São Paulo: Loyola, 2001, p. 87-109.

ORTIZ, R. A morte branca do feiticeiro negro. Umbanda, integração de uma religião numa sociedade de classes. Petrópolis: Vozes, 1978.

OTTO, Rudolf. O sagrado. Lisboa: Edições 70 LDA, 1996.

PRANDI, Reginaldo. Herdeiras do axé: Sociologia das religiões afro-brasileiras. São Paulo: Hucitec, 1996.

PRANDI, Reginaldo. Referências sociais das religiões afro-brasileiras: sincretismo, branqueamento, africanização. In: CAROSO, Carlos; BACELAR, Jéferson (orgs.). Faces da tradição afro-brasileira: religiosidade, sincretismo, antissincretismo, reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas/Salvador: CEAO, 2006, p. 93-111.

SANCHIS, Pierre. Pra não dizer que não falei de sincretismo. In: Comunicações do ISER, 1994, Rio de Janeiro, n. 45, p. 5-11.

SMITH, Huston. As religiões do mundo. São Paulo: Cultrix, 1999.

SOARES, Afonso Maria Ligorio. A teologia em diálogo com a Ciência da Religião. São Paulo: Ciberteologia, 2009.

SOARES, Afonso Maria Ligorio. Sincretismo afro-católico no Brasil: lições de um povo em exílio. Revista de estudos da religião, n. 3, p. 45-75, 2002.

VEER, Peter van der. Religion in South Asia. Annual Review of Anthropology, v. 31, n. 1. May 2002. p. 173-187.

ZILLES, Urbano. Religião: Crenças e Crendices. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.