história da 4 vida privada - · pdf filehistória da vida privada da...

Download HISTÓRIA DA 4 VIDA PRIVADA - · PDF fileHISTÓRIA DA VIDA PRIVADA Da Revolução Francesa à Primeira Guerra Organização Michelle Perrot Tradução Denise Bottmann (partes 1 e 2)

If you can't read please download the document

Upload: doandan

Post on 09-Feb-2018

230 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

  • HISTRIA DA VIDA PRIVADADa Revoluo Francesa Primeira Guerra

    OrganizaoMichelle Perrot

    TraduoDenise Bottmann (partes 1 e 2)Bernardo Joffily (partes 3 e 4)

    4

    1- reimpresso

  • Copyright 1987 by ditions du Seuil

    Grafia atualizada segundo o Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

    Ttulo originalHistoire de la vie prive Vol. 4: De la Rvolution la Grande Guerre

    Na verso de bolso, foram suprimidas imagens que constam na primeira edio da srie, que vem sendo publicada pela Companhia das Letras desde 1989.

    CapaJeff Fisher

    PreparaoIsabel Jorge Cury

    RevisoMarcelo D. de Brito RiquetiVivian Miwa Matsushita

    ndice remissivoPedro Carvalho

    2009

    Todos os direitos desta edio reservados EDITORA SCHwARCz LTDA.

    Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 3204532-002 So Paulo SPTelefone: (11) 3707-3500Fax: (11) 3707-3501 www.companhiadasletras.com.br

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (cip)(Cmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

    Histria da vida privada, 4 : Da Revoluo Francesa Primeira Guerra / organizao Michelle Perrot ; traduo Denise Bottmann, Bernardo Joffily So Paulo : Companhia das Letras , 2009.

    Ttulo original : Histoire de la vie prive vol. 4 : De la Rvolution la Grande Guerre

    Vrios autores.Bibliografia isbn 978-85-359-1436-8

    1. Europa Civilizao 2. Europa Histria 3. Europa Usos e costumes i. Perrot, Michelle.

    09-02436 cdd-940.1

    ndice para catlogo sistemtico:1. Europa : Vida privada : Civilizao : Histria 940.1

  • SUMRIO

    Introduo Michelle Perrot, 7

    ERGUE-SE A CORTINA, 13Outrora, em outro lugar Michelle Perrot, 14Revoluo Francesa e vida privada Lynn Hunt, 18Sweet home Catherine Hall, 47

    OS ATORES, 77A famlia triunfante Michelle Perrot, 79Funes da famlia Michelle Perrot, 91Figuras e papis Michelle Perrot, 107A vida em famlia Michelle Perrot, 169Os ritos da vida privada burguesa Anne Martin-Fugier, 176Dramas e conflitos familiares Michelle Perrot, 246 margem: solteiros e solitrios Michelle Perrot, 268

    CENAS E LOCAIS, 283Maneiras de morar Michelle Perrot, 284Espaos privados Roger-Henri Guerrand, 302

    BASTIDORES Alain Corbin, 387O segredo do indivduo, 392A relao ntima ou os prazeres da troca, 466Gritos e cochichos, 525

    1.

    2.

    3.

    4.

  • 6

    Concluso Michelle Perrot, 569

    Bibliografia, 573ndice remissivo, 595

  • 1 ERGUE-SE A CORTINAMichelle PerrotLynn HuntCatherine Hall

  • 14

    OUTRORA, EM OUTRO LUGAR

    Michelle Perrot

    OUTRORA: REVOLUO FRANCESA E VIDA PRIVADA

    O sculo xVIII havia apurado a distino entre o pblico e o privado. O pblico tinha se desprivatizado at certo ponto, apresentando-se como a coisa do Estado. O privado, antes in-significante e negativo, havia se revalorizado at se converter em sinnimo de felicidade. Assumira um sentido familiar e espacial, que no entanto estava longe de esgotar a diversidade de suas formas de sociabilidade.

    Nesse processo, a Revoluo Francesa opera uma ruptura dramtica e contraditria, sendo preciso, alis, distinguir seus efeitos a curto e a longo prazo. No nvel imediato, h a descon-fiana de que os interesses privados, ou particulares, oferecem uma sombra propcia aos compls e s traies. A vida pblica postula a transparncia; ela pretende transformar os nimos e os costumes, criar um homem novo em sua aparncia, linguagem e sentimentos, dentro de um tempo e de um espao remodelados, atravs de uma pedagogia do signo e do gesto que procede do exterior para o interior.

    Num prazo mais longo, a Revoluo acentua a definio das esferas pblica e privada, valoriza a famlia, diferencia os papis sexuais estabelecendo uma oposio entre homens polticos e mulheres domsticas. Embora patriarcal, ela limita os poderes do pai em vrios pontos e reconhece o direito do divrcio. Ao mesmo tempo, proclama os direitos do indivduo, esse direito segurana no qual comea a se fazer presente um habeas corpus que, ainda hoje [1986] na Frana, carece de uma garantia mais slida; ela lhe confere uma primeira base inicial: a inviolabili-dade do domiclio, cuja transgresso est sujeita, desde 1791, a penas severas previstas no artigo 184 do Cdigo Penal.

  • 15

    Seria preciso um livro inteiro para descrever essa tumul-tuada histria privada da Revoluo em todas as dimenses do direito e dos costumes, dos discursos e das prticas cotidianas. Especialista nesse perodo, Lynn Hunt evoca aqui os grandes traos de uma experincia que cintila no horizonte do sculo.

    A forma como, sob a influncia conjunta dos evanglicos, dos militaristas e de uma evoluo econmica que estabeleceu uma distncia progressiva entre o domiclio e o local de trabalho, se operou na Inglaterra dos incios do sculo xIx a separao entre o pblico e o privado este agora consubstancial famlia , a par de uma diferenciao mais estrita dos papis sexuais: tal o tema de Catherine Hall, que o aborda por meio de algumas fi-guras tpicas. Desde Carolina, a rainha ultrajada cujo processo de 1820 envolve apaixonadamente a opinio inglesa, a qual, a par-tir da, passa a exigir do rei uma conduta exemplar, at o ourives de Birmingham para quem os cuidados com seu cottage consti-tuem o sentido e a finalidade de sua existncia, o que nos nar-rado toda a histria do novo ideal domstico.

    EM OUTRO LUGAR: INFLUNCIAS ESTRANGEIRAS E MODELO INGLS

    Na elaborao desse ideal, essencial o papel das classes mdias, que a encontraram uma verdadeira identidade. Ele se irradia desse mbito para as classes operrias, que se pretende moralizar com as virtudes da boa dona de casa. No h dvida de que o operariado adota tal ideal, mas sua prpria maneira e para seus prprios fins. Por outro lado, a gentry [pequena no-breza] se converte s prticas de uma sociabilidade mais ntima e transforma seus castelos em interiores domsticos.

    Sob as asas daquelas que logo sero denominadas os anjos do lar, entre a nursery e o jardim, viceja a doura do home. Estamos nas fontes da privacy vitoriana, tema de uma vasta literatura que fascinou a Europa.

    Qual a influncia exercida por tal modelo sobre a sociedade francesa, em busca de um novo equilbrio de suas atividades

  • 16

    e sua felicidade? Por inmeros canais diferentes, materiais ou pessoais viajantes, dndis, exilados, comerciantes, nurses ou misses das boas famlias , ele se infiltrou nas classes dominan-tes que encontravam na anglomania uma forma de distino. Os costumes de higiene (sabonete, latrina, banheira...), as modas do vesturio, as maneiras de falar (home, baby, comfort...), de jogar, de sentir ou de amar oferecem inmeros traos desse fenme-no, inclusive entre as classes populares. O sindicalismo de 1900 aspira aos espaos verdes e s cidades ajardinadas, ao esporte e ao lazer dos britnicos. Os cartazes da CGT em defesa da jor-nada de oito horas e da semana inglesa guardam uma grande semelhana com as gravuras de Cruikshank. E isso apesar de uma anglofobia recorrente, que se alimenta de cada conflito econmico e poltico.

    A prioridade concedida Inglaterra sem dvida justifica-da, principalmente na primeira metade do sculo xIx. A seguir, a Alemanha, de tanto vigor cultural, e, no comeo do sculo xx, os Estados Unidos passam a exercer uma atrao cada vez maior, s vezes numa relao de rivalidade.

    Tudo isso faz com que a questo do papel das influncias estrangeiras sobre a vida privada francesa, para alm das zonas em disputa (Alscia, Nice e Saboia) ou das regies de fronteira, se coloque de maneira mais abrangente. A Itlia das viagens amo-rosas ou de iniciao dos adolescentes seria ainda a senhora das sensibilidades estticas e das emoes, como fora para Rousseau e Stendhal (sob esse aspecto, testemunhas de seu tempo) e continua a ser, por exemplo, para uma Genevive Breton? Tomando-se a Europa nrdica, a Europa oriental e a Europa meridional, qual delas, e em que momento, predomina na Frana oitocentista? Pergunta sem resposta e talvez sem sentido. Influncia cultural no sinnimo de prtica da vida privada. E elementos isolados, mais ou menos naturalizados, no chegam a formar um estilo de vida. Mas, mesmo assim, difcil no tom-los em considerao.

    De uma ponta a outra, a Frana profundamente contradi-tria. Suas condies demogrficas diminuio precoce da taxa

  • 17

    de natalidade, manuteno de uma elevada taxa de mortalidade e, consequentemente, um baixssimo crescimento natural , nicas na Europa, fazem do pas um foco de atrao de imigrantes. Na segunda metade do sculo xIx, chegam levas macias de belgas, italianos e judeus da Europa central, fugidos dos pogroms (entre 1880 e 1925 chegam Frana cerca de 100 mil, dos quais 80% se concentram em Paris). Somando apenas 380 mil em 1851, eles ultrapassam a casa do milho em 1901, ou seja, 2,9% da popula-o total e 6,3% da populao parisiense. Esses imigrantes so, por definio, pessoas pobres e pouco atraentes. Isso se mostra claramente na desconfiana com que os judeus assimilados de velha cepa recebem os recm-chegados dos guetos da Europa central, e pela xenofobia dirigida contra os italianos nos meios populares, sobretudo em pocas de crise. Suas condies de so-brevivncia supem a preservao de suas estruturas familiares e de seu modo de vida. No entanto, a legislao (por exemplo, a lei de 1889 sobre as naturalizaes automticas) no deixava de favorecer a assimilao. Qual o impacto dessas migraes sobre as prticas e as concepes da vida privada?

    Por outro lado, essa Frana jacobina, onde a escola unificadora constri um modelo coerente e bastante rgido de cidadania e de civilidade, empertigando os corpos, investindo contra os dialetos regionais, corrigindo as pronncias, impondo a todos, migrantes internos ou externos, seu modelo de integrao de eficcia in-questionvel como ela parece autoconfiante! O livro de Pierre Sansot La Fra