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1 HISTÓRIAS, LENDAS, MITOS BRASILEIROS E AFRO-BRASILEIROS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CAMINHO LITERÁRIO RUMO À CULTURA BRASILEIRA. Luciana Leila Leardini Aluna de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz. Gloria Kok Orientadora RESUMO Este artigo tem como objetivo investigar o que as crianças do primeiro ciclo do Ensino Fundamental sabem sobre a história e as culturas africanas e afro-brasileiras para verificar como a lei 10.639/03, que obriga as escolas de educação básica a tratarem desse tema, está sendo cumprida nas instituições paulistanas. A partir dessa pesquisa pude responder a três questões balizadoras deste trabalho: a possibilidade de alcançar os objetivos didáticos relacionados às linguagens oral e escrita, tendo como base a literatura proveniente da cultura popular brasileira e africana; o contato desde cedo com histórias dos povos africanos seria capaz de descortinar preconceitos históricos; fazer com que as crianças percebessem a matriz africana presente na formação da cultura brasileira. Palavras-chave: literatura infantil, histórias, lendas, mitos, origem africana e afro-brasileira; cultura brasileira, matriz africana. 1 INTRODUÇÃO Será mesmo que as juras de esquecimento diante do Baobá gigante e sagrado daquela natureza profunda foram atendidas? Não. As lembranças permaneceram no que se costuma chamar de inconsciente coletivo, e que para nós é a nossa ancestralidade que não nos abandona mesmo na adversidade (ARAUJO, 2006) 1 . Durante os estágios que fiz em escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, públicas e particulares, observei que o tema Cultura Brasileira é pouco discutido entre 1 Emanoel Araújo é curador do Museu Afro Brasil (SP).

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HISTÓRIAS, LENDAS, MITOS BRASILEIROS E AFRO-BRASILEIROS NA

EDUCAÇÃO INFANTIL: UM CAMINHO LITERÁRIO RUMO À CULTURA

BRASILEIRA.

Luciana Leila Leardini Aluna de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz.

Gloria Kok Orientadora

RESUMO

Este artigo tem como objetivo investigar o que as crianças do primeiro ciclo do Ensino

Fundamental sabem sobre a história e as culturas africanas e afro-brasileiras para verificar

como a lei 10.639/03, que obriga as escolas de educação básica a tratarem desse tema, está

sendo cumprida nas instituições paulistanas. A partir dessa pesquisa pude responder a três

questões balizadoras deste trabalho: a possibilidade de alcançar os objetivos didáticos

relacionados às linguagens oral e escrita, tendo como base a literatura proveniente da cultura

popular brasileira e africana; o contato desde cedo com histórias dos povos africanos seria

capaz de descortinar preconceitos históricos; fazer com que as crianças percebessem a matriz

africana presente na formação da cultura brasileira.

Palavras-chave: literatura infantil, histórias, lendas, mitos, origem africana e afro-brasileira;

cultura brasileira, matriz africana.

1 INTRODUÇÃO

Será mesmo que as juras de esquecimento diante do Baobá gigante e sagrado

daquela natureza profunda foram atendidas? Não. As lembranças permaneceram no

que se costuma chamar de inconsciente coletivo, e que para nós é a nossa ancestralidade que não nos abandona mesmo na adversidade (ARAUJO, 2006)1.

Durante os estágios que fiz em escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental,

públicas e particulares, observei que o tema Cultura Brasileira é pouco discutido entre

1 Emanoel Araújo é curador do Museu Afro Brasil (SP).

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docentes e raramente chega às salas de aula, apesar do assunto estar presente na legislação

brasileira. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – lei 9.394/96)

regulamenta o ensino das diferentes culturas que foram responsáveis pela formação do povo

brasileiro, principalmente as matrizes indígena, africana e europeia. A partir de janeiro de

2003, a lei 10.639 (BRASIL, 2003) altera o texto da LDB deixando clara exigência do “[...]

estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra

brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo

negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil” para os ensinos

fundamental e médio, indicando que o assunto deve ser incluído como conteúdo das áreas de

educação artística e de literatura e história brasileiras.

Nesses estágios pude presenciar a ampla exposição dos estudantes da Educação

Infantil à cultura europeia por meio de atividades relacionadas à leitura de histórias clássicas e

contemporâneas. Fato que revela o contato com uma única matriz em detrimento às demais

culturas e etnias responsáveis pela formação do povo brasileiro.

Em geral, a justificativa dos professores para a escolha do conteúdo relacionado à

cultura europeia é ampliar o repertório das crianças e seu acesso à leitura.

Um fator importante que fortalece a escolha do material parece ser a facilidade de

acesso às obras referentes aos contos de fadas e histórias mitológicas gregas. São inúmeras as

possibilidades de contato com essa cultura: existem livros escritos por autores clássicos ou

releituras dessas histórias produzidas especialmente para o público infantil. Há também

outros tipos de materiais como filmes, por exemplo. Existem publicações ricamente ilustradas

ou disponíveis em formatos mais simples.

Penso que a ampla disseminação da mitologia grega deva-se também ao fato de essas

narrativas serem identificadas como mitos, histórias fictícias e fantásticas de um povo,

pertencentes a uma época remota, ou seja, já não retratam elementos de uma religião viva,

atual. Sendo assim, não há como oferecer risco ao educador, pois não haverá confronto

religioso entre educador, escola e/ou família. Tal situação ocorreu com uma educadora

entrevistada, que foi obrigada a retirar o conteúdo religioso do trabalho sobre influências

africanas por pressão dos pais de seus alunos.

Por outro lado, a leitura do gênero em questão é imprescindível, pois causa a reflexão

por parte da criança sobre temas que geram medos e angústias, um assunto de extrema

importância a ser trabalhado na infância. O psicólogo Bettelheim (2002) defende a leitura de

contos de fadas às crianças, pois ao se deparar com as histórias elas se identificam com os

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personagens e percebem a necessidade de encarar os empecilhos que fazem parte da vida,

aprendendo que é possível vencer os obstáculos.

Não há como negar a importância dessa discussão para promover o desenvolvimento

infantil.

Outra questão importante de se observar é a utilização de danças provenientes da

cultura popular em ocasiões como Festa Junina e outras datas comemorativas como Dia do

Folclore ou Dia da Consciência Negra. O interesse em discutir as origens e significados dos

festejos, quando ocorre é superficial e limitado às datas comemorativas, fazendo com que as

crianças, apesar de adorarem os eventos e participarem das brincadeiras e festejos, não se

sintam parte integrante daquela história, mas apenas expectadores. Nem sempre percebem que

apesar de não relatarem diretamente a sua história pessoal, essas narrativas trazem referências

das suas origens como brasileiras.

Sendo assim, três questões nortearam minha pesquisa: Existe a possibilidade de

alcançar os objetivos didáticos relacionados às linguagens oral e escrita, tendo como base a

leitura de histórias, lendas e mitos provenientes da cultura popular brasileira e africana? Os

alunos que têm contato desde cedo com histórias dos povos africanos serão capazes de

perceber que não existe uma única história sobre os africanos: o fato de eles terem sido

escravizados em nosso país por mais de 300 anos e que esses povos participaram na formação

da cultura brasileira? Qual é a real participação dos povos africanos na cultura brasileira da

qual fazemos parte?

1.1 Objetivo

Este trabalho tem a finalidade de investigar, observar e refletir sobre as o ensino

relacionado às origens da cultura popular brasileira, com foco na matriz africana,

problematizando a respeito da diversidade cultural do nosso país e garantindo acesso e

apropriação de seu próprio patrimônio cultural. Isso, sem perder de vista os objetivos iniciais

do docente quanto à leitura, como a ampliação do repertório, a criação do comportamento

leitor, a reflexão sobre temas importantes da infância.

Minha hipótese inicial é de que ao entrar em contato desde a Educação Infantil com

histórias, mitos, lendas africanas e afro-brasileiras as crianças percebam que há uma enorme

participação dos diferentes povos da África em nossos hábitos e costumes, que nossas culturas

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estão intimamente relacionadas e tenham ideias distintas da maioria das crianças que

entrevistei. Acredito que alguns dos respondentes tenham tido contato apenas com uma

pequena parcela da História do Brasil, aquela relacionada à escravidão dos negros africanos

entre os séculos XVI e XIX, pois, ao serem questionados, lembravam-se apenas dessa triste

época de nossa história.

1.2 Metodologia

Para esclarecer as questões que orientam meu artigo, realizei pesquisas com crianças

entre 5 e 13 anos de idade filhos de amigos e conhecidos, que estudam em escolas particulares

tradicionais da cidade de São Paulo e também alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental

de uma escola pública na região oeste de São Paulo, para entender o que elas sabem sobre a

África, os africanos e os afro-brasileiros.

Além disso, conversei com alguns autores de livros didáticos e paradidáticos para

entender o que os movia a escrever e publicar seus títulos relacionados à História e Culturas

africanas e afro-brasileiras.

Paralelamente à pesquisa de campo, pesquisei livros de histórias direcionadas ao

público infanto-juvenil relacionadas ao tema desse artigo (Apêndices C e D).

Dentre as atividades realizadas, acompanhei algumas turmas que cursam o primeiro

ano do Ensino Médio em uma escola particular da zona oeste de São Paulo durante as aulas de

História cujo tema se relacionava ao meu estudo e visitei o Museu Afro Brasil juntamente

com esses alunos e professores. Meu objetivo foi de pesquisar quais os conceitos que os

alunos têm ao chegarem ao Ensino Médio sobre a África, os africanos e os afro-brasileiros,

sua importância e participação na formação do povo brasileiro.

Enquanto pesquisava, ampliei o estudo bibliográfico com o intuito de aprofundar os

conteúdos discutidos nesse trabalho e proporcionar sugestões ao leitor (Apêndices E, F e G).

Esse artigo também conta com exemplos das mais diversas influências africanas em

nossa cultura, como relação de algumas manifestações culturais que têm sua origem na

religiosidade de portugueses colonizadores e africanos escravizados nesse país, culinária,

acervo de palavras africanas que fazem parte da língua portuguesa falada no Brasil. Imagino

que tais assuntos também possam constar no planejamento dos educadores que como eu, estão

buscando as raízes de nossa cultura.

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Por fim, organizei e analisei os elementos coletados tendo como base as obras

estudadas e as pesquisas concluídas, com o intuito de produzir um relatório de conclusão do

curso de Pedagogia.

1.3 Justificativa Teórica

É importante ressaltar a relação entre linguagem e educação na primeira infância,

conforme orientação do documento oficial Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil (RECNEI), volume que trata do Conhecimento de Mundo (BRASIL,

1998b). Nesse documento está exposto que o trabalho com as linguagens oral e escrita é de

suma importância para as crianças, pois é a partir da linguagem que se dá a interação entre as

pessoas, possibilita a comunicação e o conhecimento, além do desenvolvimento do

pensamento. É por meio do aprendizado da língua que também se amplia a cultura.

Nesse eixo estão compreendidas as competências de falar, escutar, ler e escrever. Para

a construção desses saberes, torna-se indispensável a exploração da linguagem, tendo como

base a leitura a partir de uma grande variedade de textos e de manifestações culturais que

apresentam diferentes modos de ver o mundo, de viver e de pensar. Além do conhecimento

que essas práticas propiciam, há também o contato com a diversidade que permite conhecer e

aprender a respeitar o diferente. (BRASIL, 1998b).

Conforme explicitado no RECNEI (BRASIL, 1998b), a relação entre a linguagem e a

cultura de um povo se faz também por meio da leitura de diferentes histórias. Os

conhecimentos socialmente disseminados e as culturas dos diversos povos, histórias atuais e

de tempos antigos ajudam as crianças a obterem diferentes respostas para as questões sobre o

mundo que as cerca, sejam questões de ordem social ou natural.

Há diversas explicações sobre o mundo que nos rodeia. Segundo Philip, autor

especializado em folclore e mitologia (1996, p. 8), “cada mito é uma mina de verdade

humana”. Os mitos2 e as lendas

3, repletos de magia e fantasia, apresentam uma das versões

existentes que explicam os diferentes fenômenos da sociedade e da natureza.

2 Definição: 1. Fábula que relata a história dos deuses, semideuses e heróis da Antiguidade pagã. 2. Interpretação

primitiva e ingênua do mundo e de sua origem. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/

index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=mito>. Acesso em: 04 ago. 2012. 3 Definição: Narrativa transmitida pela tradição, de eventos geralmente considerados históricos, mas cuja

autenticidade não se pode provar. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?

lingua=portugues-portugues&palavra=lenda>. Acesso em 04 ago. 2012.

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A leitura permite conhecer diversos povos e culturas existentes, já o conhecimento

científico tende a desmistificar os mistérios e problemas do universo, direcionando lendas e

mitos ao campo da religião e da literatura: “o mito de alguém é a crença religiosa de outro; a

verdade de um é a ficção de outro” (PHILIP, 1996, p. 9).

A intenção em sugerir a leitura de histórias relacionadas aos mitos brasileiros e afro-

brasileiros parte de dois pressupostos. O primeiro, de que o mito é a produção cultural de um

povo e, portanto, ao estudá-lo nos aproximamos dessa cultura, que o conservou oralmente por

meio de suas tradições, hábitos e costumes. Conforme relato de Barbosa (2000, p.7) “em

todos os países do mundo há lendas, apólogos, costumes, superstições, tudo unido à tradição

popular, fazendo parte da alma e da essência de um povo, princípio de suas inspirações, base

de sua literatura”. Sendo assim, a criança, ao entrar em contato com essas histórias, conhece

um pouco mais sobre a sua própria cultura e ainda valoriza o outro que está presente em si

próprio.

Por outro lado, o assunto promove a reflexão das crianças, que se colocam no lugar

dos personagens dessas histórias e com isso vivenciam seus medos, angústias e emoções. A

análise feita pelo psiquiatra Grinberg (2003, p. 164) a respeito da história bíblica Jonas e a

Baleia, por exemplo, demonstra que seu conteúdo é capaz de fazer a criança perceber que

precisa enfrentar os desafios para derrotar as adversidades: ”ao vencer o turbilhão de seus

desejos, emoções e instintos, o herói adquire algum conhecimento e, agora renascido, pode

enfrentar novos monstros e continuar na busca de sua autonomia e individualidade”.

Dessa forma, a leitura faz-se importante, pois, além de conhecer um diferente formato

do gênero narrativo, é possível discutir questões relacionadas às emoções, ao sonho e a

imaginação e ainda aproximar-se da cultura popular brasileira.

Outra questão importante está relacionada à formação da identidade da criança e ao

respeito às diferenças. Segundo RECNEI, a escola tem papel fundamental na formação da

criança, principalmente quando o tema é o respeito à diversidade: “Dependendo da maneira

como é tratada a questão da diversidade, a instituição pode auxiliar as crianças a valorizarem

suas características étnicas e culturais, ou pelo contrário, favorecer a discriminação quando é

conivente com preconceitos” (BRASIL, 1998a, p.13). A criança precisa sentir que faz parte

daquele grupo para criar relações sólidas e garantir o ambiente saudável para o aprendizado.

Entretanto, para que haja um ambiente favorável ao desenvolvimento dessas questões,

é preciso que todos os personagens da escola tenham atitudes coerentes de aceitação das

diferenças e sintam-se pertencentes ao mesmo grupo. Isso porque a criança aprende

observando diversos modelos e os reproduz. Portanto, cada funcionário da escola é observado

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diariamente por esses alunos, logo, precisa pensar em que exemplo está transmitindo às

crianças.

A criança não nasce preconceituosa, ela aprende, é influenciada a tal atitude por

aqueles que a rodeiam. A discriminação racial é uma construção social e tem origem histórica,

baseada na dominação de um povo que se impõe a outro e a negação da cultura do dominado.

No passado os africanos e seus descendentes eram considerados seres inferiores,

selvagens. Para garantir sua supremacia, os dominadores disseminavam ideias incorretas

sobre os africanos, como por exemplo, que eles não possuíam conhecimento algum. Esse

argumento não retratava a verdade, visto que os europeus selecionavam a população a ser

escravizada a partir de seus conhecimentos e habilidades para o cultivo de diferentes espécies,

mineração, forja, entre outros, pois esse know-how seria muito útil em suas colônias.

No início do século passado, cientistas criaram teorias, baseadas nos estudo de Charles

Darwin sobre a evolução das espécies, a cerca da inferioridade das etnias não-europeias, cujos

brancos estariam no topo da cadeia evolutiva e os demais povos deveriam buscar o

desenvolvimento. A eugenia seria então o estudo de características sociais, físicas e mentais

que poderiam ser alteradas para a melhoria ou retrocesso de uma raça em futuras gerações a

partir de técnicas de melhoramento genético. Sendo assim, mestiços, negros, asiáticos,

indígenas seriam inferiores aos brancos europeus, e, portanto, deveriam ser banidos da

sociedade. Segundo Silva, historiador brasileiro: “O branco seria não apenas diferente do

negro, mas física e mentalmente muito superior a ele. Havia mesmo quem pensasse que o

negro não era um homem completo” (2008, p. 120). Essa ideia era bastante útil aos brancos,

já que intencionavam manter sua dominação sobre os africanos e seus descendentes.

Acreditava-se ainda que a influência da cultura africana estivesse presente apenas na

cor da pele. Sendo assim, com o branqueamento da população o povo brasileiro estaria livre

dessa influência. A miscigenação com outros povos de origem europeia que imigraram no

final do século XIX e início do XX seria, portanto, a fórmula salvadora da sociedade

brasileira.

O escritor Monteiro Lobato apresenta a crença da época em seu livro O Presidente

Negro, uma obra de ficção escrita para o público adulto e publicada em 1926. A história se

passa no Rio de Janeiro em 1928 e nos Estados Unidos em 2228 e tem como tema central a

discussão racial acerca da previsão do futuro dos Estados Unidos, cujo presidente desse país

em 2228 seria um homem negro. No trecho abaixo, Lobato condenou a miscigenação,

aprovou a segregação racial e depreciou os negros descendentes de africanos, conforme

diálogo entre os dois principais personagens da trama:

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[...] nos Estados Unidos não penetraram apenas os elementos espontâneos que miss

Jane aponta. Entrou ainda, á força, arrancado da África, o negro. [...] Entrou o negro

e foi esse o único erro inicial cometido naquela feliz composição. — Erro

impossível de ser corrigido, aventurei. Também aqui arrostamos com igual

problema, mas a tempo acudimos com a solução prática — e por isso penso que

ainda somos mais pragmáticos do que os americanos. A nossa solução foi admirável.

Dentro de cem ou duzentos anos terá desaparecido por completo o nosso negro em

virtude de cruzamentos sucessivos com o branco. Não acha que fomos felicíssimos

na nossa solução? [...] Não acho, disse ela. A nossa solução foi medíocre. Estragou

as duas raças, fundindo-as. O negro perdeu as suas admiráveis qualidades físicas de

selvagem e o branco sofreu a inevitável peora de caráter, consequente a todos os cruzamentos entre raças dispares. Caráter racial é uma cristalização que ás lentas se

vai operando através dos séculos. O cruzamento perturba essa cristalização, liquefá-

la, torna-a instável. A nossa solução deu mau resultado. — Quer dizer que prefere a

solução americana, que não foi solução de coisa nenhuma, já que deixou as duas

raças a se desenvolverem paralelas dentro do mesmo território separadas por uma

barreira de ódio? Aprova então o horror desse ódio e todas as suas tristes

consequências? — Esse ódio, ou melhor, esse orgulho, respondeu miss Jane, serena

como se a própria Minerva falasse pela sua boca, foi a mais fecunda das profilaxias.

Impediu que uma raça desnaturasse descristalizasse a outra, e conservou a ambas em

estado de relativa pureza. Esse orgulho foi o criador do mais belo fenômeno da

eclosão étnica que vi em meus cortes do futuro. — Mas é horrível isso! exclamei revoltado, Miss Jane, um anjo de bondade, defende o mal... [...] Não há mal nem

bem no jogo das forças cósmicas. O ódio desabrocha tantas maravilhas quanto o

amor. O amor matou no Brasil a possibilidade de uma suprema expressão biológica.

O ódio criou na America a glória do eugenismo humano (LOBATO, 1979, p. 69-

70).

Tal teoria perdeu sua força a partir do Holocausto, visto que o massacre ocorrido

durante a Segunda Guerra Mundial gerou reflexão sobre questões éticas relacionadas ao

suposto aprimoramento genético da espécie humana.

Apesar de fracassado o processo de branqueamento da sociedade brasileira, o conceito

de inferioridade de mestiços e negros foi mantido no inconsciente coletivo brasileiro,

preservando o preconceito étnico até os dias de hoje.

Após tantos anos de miscigenação, fica difícil definir quem de fato é negro no Brasil,

conforme estudo do antropólogo Kagengele Munanga:

Num país, que desenvolveu o desejo do branqueamento, não é fácil apresentar uma

definição de quem é negro ou não. Há pessoas negras que introjetaram o ideal de

branqueamento e não se consideram como negras. Assim, a questão da identidade do

negro é um processo doloroso. Os conceitos de negro e de branco têm um

fundamento étnico-semântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros organizados

qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência. (MUNANGA,

2006, p.18).

Porém, foi possível perceber uma mudança significativa na identificação da população

brasileira como mestiça ou negra nos últimos anos. Os dados do Censo 2010 mostraram que

houve aumento da população que se declarou parda, quando no passado diziam-se brancas.

Segundo Mário Theodoro, secretário-executivo da Secretaria de Promoção de Políticas de

Igualdade Racial, em entrevista ao Portal UOL Notícias (UCHINAKA, 2011), o fato se deve

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ao “maior reconhecimento dos negros como tais, como cidadãos pretos ou pardos. A

população está se sentindo mais pertencente a esse grupo”. Ana Amélia Camarano,

pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e autora do estudo, disse

para a reportagem do Portal UOL: “Há um enegrecimento da população brasileira por causa

de uma maior valorização das suas condições raciais e étnicas" e em seguida completou: "A

valorização dos negros se deve não apenas a políticas do governo, mas também a ações do

movimento negro que datam de décadas e que ganharam corpo nos últimos anos"

(UCHINAKA, 2011).

O que os cientistas do passado não perceberam na época é que não adiantaria extinguir

uma determinada etnia ou branquear a população, pois a cultura não é estabelecida somente

pelo aspecto físico das pessoas que a compõem. Há várias influências das nações africanas

que podem ser facilmente observadas em nosso cotidiano, como por exemplo, os inúmeros

termos africanos que foram incorporados à língua portuguesa, culinária, festas, religiosidade,

arte, musicalidade, danças e a alegria do povo brasileiro.

Dessa forma, faz-se necessário o estudo dessas nações africanas participantes da

formação da cultura brasileira, assim poderemos entender nossas origens e aceitar as inúmeras

diferenças encontradas no vasto território brasileiro.

2 DESENVOLVIMENTO

Tive contato recentemente com o vídeo de uma palestra intitulada O perigo da

história única4, na qual sua autora, a escritora nigeriana Chimamanda Adichie nos alerta

sobre a necessidade do contato com diferentes pontos de vista relacionados à mesma história.

Ela nos conta sobre sua trajetória e nos faz refletir que nossas vidas são compostas por

diversas histórias e também diferentes versões da mesma história, versões essas que se

completam.

Durante seu discurso de 18 minutos, Adichie comenta sobre a única visão das histórias

infantis nas quais tinha contato em sua infância, como foi difícil perceber que aqueles

personagens não refletiam sua cultura e que crianças como ela, negras africanas, não tinham

espaço na literatura infantil europeia, largamente divulgada, inclusive na África.

4 Transcrição da palestra presente no item Anexo A.

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Em uma das partes marcantes de seu discurso, Adichie fala que foi leitora e escritora

precoce e que em seus primeiros contos caracterizava seus personagens como havia aprendido

nos livros que tinha tido contato até então: eram brancos de olhos azuis, brincavam com neve,

discutiam sobre a felicidade em poderem ver o sol naquela manhã, comiam maçãs. Entretanto,

na Nigéria, local onde a escritora morava, era tudo muito diferente. O tempo não era assunto,

não havia neve, o sol estava presente sempre e era hábito de seu povo comer mangas.

A escritora reflete sobre a influência da oferta de uma única fonte literária que gera

inferiorização por parte do leitor que não é capaz de se identificar com aqueles personagens:

A meu ver, o que isso demonstra é como nós somos impressionáveis e vulneráveis

em face de uma história, principalmente quando somos crianças. Porque tudo que eu

havia lido eram livros nos quais as personagens eram estrangeiras, eu convenci-me

de que os livros, por sua própria natureza, tinham que ter estrangeiros e tinham que

ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar (ADICHIE, 2009).

Somente teve condições de mudar essa concepção, quando foi apresentada a livros de

escritores africanos. Foi então que percebeu que a literatura também podia retratá-la: “Eu

percebi que pessoas como eu, meninas com a pele da cor de chocolate, cujos cabelos crespos

não poderiam formar rabos-de-cavalo, também podiam existir na literatura” (ADICHIE,

2009).

Assim como Adichie, nossas crianças também não se identificam totalmente com os

personagens dos grandes clássicos que são amplamente divulgados ou talvez não percebam a

real distância entre esses personagens e suas vidas reais, como ocorreu com Adichie em sua

infância. Creio que isso ocorra por falta de conhecimento, visto que os contos de fadas não

refletem todos os elementos de nossa cultura, apenas as características da matriz europeia, a

parcela dominante.

Por isso, acredito que ao ampliar o repertório das crianças apresentando a elas as

histórias africanas e afro-brasileiras haverá maior possibilidade de identificarem-se e também

de reduzir o preconceito e a intolerância étnico-racial e religiosa.

É absurdo pensar que em um país cuja população é composta por 50,7% de pessoas

que se declararam da cor preta ou parda (IBGE – Censo Demográfico 20105) o governo

federal seja obrigado a interferir no currículo escolar para garantir que todas as crianças

tenham contato com as diversas civilizações que participaram da formação do povo brasileiro,

inclusive os povos negros africanos. A inexistência dessa diversidade de temas nas escolas é o

5 IBGE Censo Demográfico 2010, disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/

censo2010/caracteristicas_da_populacao/tabelas_pdf/tab3.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2012.

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mesmo que negar aos estudantes os vários lados dessa história, como se ela fosse feita por um

único personagem: o europeu.

A intervenção federal se deu a partir da criação de uma lei que obrigou as escolas

brasileiras de educação básica a incluírem ensinamentos referentes à História e a Cultura

Afro-brasileira em seus currículos.

Entretanto, essa medida foi necessária para incentivar os profissionais a refletirem

sobre o assunto, a se mobilizassem para buscar os conteúdos que visam atender a lei,

conteúdos esses que nem sempre foram contemplados em sua formação de docente, além de

impulsionar o mercado literário na busca e criação de materiais que dessem suporte ao

professor e ao aluno.

O escritor Rogério Andrade Barbosa comenta sobre a importância da lei 10.639/03 em

seu texto intitulado Mãe-África:

Todo esse legado cultural trazido pelos escravos africanos, ainda permanece,

infelizmente desconhecido por boa parte de nossas crianças. A lei federal 10.639,

sancionada em 2003, tornando obrigatório o ensino de história e cultura afro-

brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio, público e particular, em

disciplinas como história e literaturas brasileiras, é uma conquista da sociedade e

pretende justamente possibilitar que nossas crianças percebam a importância desses

valores civilizatórios na sociedade brasileira (2008b).

Portanto, para entender a participação dos povos africanos na formação do povo

brasileiro senti a necessidade de recorrer a História do continente, do nosso país e das relações

que os unem.

2.1 Um pouco de História

2.1.1 Há muito tempo, na África...

A África ocupa 30 milhões de km2,

cerca de 20% da superfície terrestre do

planeta. O continente é composto por 54

países povoados por 850 milhões de pessoas

que falam aproximadamente 2019 línguas.

Segundo especialistas estudiosos da

Figura 1 – Mapa político da África

FONTE: Wikipédia, 2011.

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evolução humana, a África é o berço da humanidade, pois foi nesse continente que surgiram,

há cerca de 7 milhões de anos, os primeiros ancestrais do homem (Australopiteco, Homo

habilis, Homo erectus, Homo sapiens) no Vale da Grande Fenda, região que se localiza entre

a Tanzânia, o Quênia e a Etiópia e abriga os lagos que dão origem ao rio Nilo.

No passado, o continente africano era composto por muitas nações, entretanto não há

registros da delimitação precisa dos territórios ocupados. Os mapas abaixo identificam

aproximadamente os reinos apresentados.

África Setentrional e Oriental:

Civilização egípcia: A primeira nação africana que

se tem notícia e também a mais conhecida é a egípcia, que

surgiu no vale do rio Nilo a cerca de 5 mil anos e durou

mais de 2 mil anos (de 3000 a 333 a.C.).

Figura 3 – O Vale da Grande Fenda

FONTE: Munanga, 2009, p. 44.

Figura 2 – Evolução Humana

FONTE: Scoleso, 2012.

Figura 4 – Mapa do Antigo Egito

FONTE: Wikipédia, s.d.

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Império de Kush (civilização cuxita): império

matriarcal cujas rainhas recebiam o título Candace, situado

na Núbia, em parte do atual Sudão. Surgiu na mesma época

do império egípcio.

Reino de Axum

(civilização axumita): situado

na atual Etiópia, com ricas

terras cultivadas e grande fonte de mirra. Não há registros do

início da civilização, porém o auge do império Axum ocorreu no

século IV.

África Ocidental:

Império de Gana: império que se estendia nas

regiões do Sahel, ocupando parte da Mauritânia e de

Mali, acompanhando a curvatura do rio Níger.

Localidade rica em ouro, seus moradores dominavam as

técnicas de mineração com a utilização de bateias,

agricultura e pecuária, técnicas que mais tarde

chegaram ao Brasil, trazidas pelos negros escravizados

oriundos dessa região. Os primeiros registros referentes

a essa civilização são do século VIII.

Império de Mali: o território expandiu-se a partir

do século XII e compreendia parte dos atuais países

africanos Mali, Burkina Fasso, Guiné, Mauritânia e na

totalidade Senegal e Gâmbia, incorporando ao seu

território o antigo império de Gana. As cidades de

Tumbuctu, Gao e Djene eram importantes centros

universitários e culturais.

Figura 5 – Mapa do Império Kush

FONTE: Wikipédia, s.d.

Figura 6 – Cidade de Axum

FONTE: Wikipédia, s.d.

Figura 7 – Mapa do Império de Gana

FONTE: Munanga, 2009, p. 57.

Figura 8 – Mapa do Império de Mali

FONTE: Munanga, 2009, p. 59.

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Império de Songai: formado no século XIV por

parte dos antigos impérios Mali e Gana, estendendo-se

pelo norte do atual Mali, parte da Argélia, da Mauritânia e

de Níger. Seus habitantes utilizavam técnicas de plantio e

irrigação por canais, trazidos anos mais tarde ao Brasil

Colônia.

Império de Kanem-Bornu: surgiu no século

XIV e estava localizado em parte da Líbia, Níger,

Chade e Nigéria. Império fortemente militarizado,

participou intensamente do tráfico negreiro entre

África subsaariana e Magrebe (noroeste da África).

Reino Iorubá: localizado ao sudoeste da

Nigéria, desenvolveu-se a partir do século XI e

possuía grandes cidades, como Oió, Ifé e Benim

City. Seus habitantes dominavam a arte da olaria,

serralheria, metalurgia do bronze e tecelagem.

Reino de Abomé: situado na atual República

do Benim, antigo Daomé, o reino foi fundado no início

do século XVII. Considerado grande centro do tráfico

de escravos da África ocidental no século XVIII, por

sua localização próxima ao litoral e poderoso exército

responsável pela captura de escravos.

Figura 9 – Mapa do Império Songai

FONTE: Munanga, 2009, p. 60.

Figura 10 – Mapa do Império Kanem-Bornu

FONTE: Munanga, 2009, p. 62.

Figura 11 – Mapa do Reino Iorubá

FONTE: Munanga, 2009, p. 66.

Figura 12 – Mapa do Reino de Abomé

FONTE: Munanga, 2009, p. 68.

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Reino Achanti: localizado no atual Gana e parte

dos países Costa do Marfim e Togo em torno do Golfo da

Guiné, sendo esse o primeiro local aonde chegaram os

portugueses. A fundação do Forte de São Jorge de Minas

data do ano de 1481. Foi uma das principais rotas do

tráfico de escravos, de ouro e noz de cola (matéria prima

dos refrigerantes de cola).

África Central:

Reino do Congo: Banhado pelo oceano Atlântico,

o reino localizava-se numa região entre os rios Kwilu-

Nyari e Loje, ocupando um trecho dos territórios atuais

do Congo, República Democrática do Congo e Angola.

Seus habitantes eram especialistas em forjar ferro e cobre

para confeccionar ferramentas direcionadas à lavoura

desde o final do século XVI.

África Meridional:

Estado Zulu: Localizado num território que

compreendia parte da África do Sul e Suazilândia,

fundado por Chaca, líder do grupo nguni, em

1816. Os zulus eram guerreiros e possuíam

exército forte. Seus soldados consultavam

constantemente os adivinhos feiticeiros para se

aconselharem sobre estratégias militares e os

melhores momentos para atacar e se defender.

Figura 13 – Mapa do reino Achanti FONTE: Munanga, 2009, p. 69.

Figura 14 – Mapa do Reino do Congo

FONTE: Munanga, 2009, p. 72

Figura 15 – Mapa do Estado Zulu

FONTE: Munanga, 2009, p. 76.

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Império de Monomotapa: O território

Monomotapa estendeu-se dos rios Zambeze e

Limpopo, nos atuais Zimbábue, Moçambique,

África do Sul e Malauí. O início dessa

civilização data do século XI. Eram hábeis

criadores e comerciantes, vendiam marfim e

ouro e importavam tecidos, cobre, pérolas e

porcelanas chinesas.

2.1.2 Conhecimento africano perpetuado em outras terras.

A suposta ausência da escrita dos antigos habitantes do continente africano e o

preconceito dos povos dominantes impediu que conhecêssemos seu passado a fundo.

Entretanto, apesar da escassez de documentos escritos, há uma grande variedade de objetos,

construções e materiais que comprovam as teorias a respeito da antiguidade e

desenvolvimento desses povos. A não existência da escrita em diversas nações não impediu as

inúmeras descobertas desses povos. As diferentes civilizações africanas foram responsáveis

por inúmeras tecnologias trazidas ao Brasil durante o período colonial.

A África foi o local onde houve a primeira revolução tecnológica da humanidade: a

transição da caça e da coleta de frutos e raízes para a agricultura e a pecuária.

A agricultura africana, no vale do rio Nilo, tem aproximadamente 18 mil anos, sendo

duas vezes mais antiga do que no Sudoeste Asiático. A pecuária aparece há 15 mil

anos, perto da atual Nairobi (Quênia), como uma técnica sofisticada de domesticação de animais que deve ter-se espalhado para os vales dos rios Tigre e

Eufrates séculos depois. (NASCIMENTO, 1996, apud SÃO PAULO, 2008).

Localidades com chuvas escassas e irregulares requeriam complexas técnicas de

agricultura. Mesmo antes da chegada dos europeus ao continente africano, vários povos já

conheciam a irrigação, as técnicas de adubagem e cultivavam vários tipos de plantas numa

mesma gleba para assegurar a colheita de pelo menos uma delas.

O surgimento da escrita é mais um exemplo do desenvolvimento das civilizações

africanas. Outro trecho do livro de Nascimento nos mostra esse fato:

As diferentes etnias africanas utilizaram veículos diversos para propagar seu saber e

sua visão de mundo para as gerações futuras. As sociedades subsaarianas optaram pela transmissão oral, uma de suas marcas culturais. No entanto, as populações

africanas próximas ao deserto do Saara e do Sudão legaram a escrita à humanidade.

Figura 16 – Mapa do Império Monomotapa

FONTE: Munanga, 2009, p. 78.

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Os sistemas de escrita dos akan e dos mandingas originaram a escrita egípcia e

meroítica. Hoje está comprovado que a escrita dos faraós veio do Sudão

(NASCIMENTO, 1996, apud SÃO PAULO, 2008).

Fica claro que alguns povos africanos eram letrados quando comparamos o trecho

acima com uma passagem do livro Casa Grande & Senzala de Gilberto Freyre. O autor nos

conta que os escravos negros maometanos tinham cultura superior aos povos indígenas e da

grande maioria dos colonos brancos, que utilizavam os serviços de padres quando precisavam

escrever, até para mandar notícias a seus familiares distantes:

O abade Étienne revela-nos sobre o movimento malê da Bahia em 1835 aspectos

que quase identificam essa suposta revolta de escravos com um desabafo ou erupção

de cultura adiantada, oprimida por outra, menos nobre. [...] O relatório do chefe de

polícia da província da Bahia, por ocasião da revolta, o Dr. Francisco Gonçalves

Martins, salienta o fato de quase todos os revoltosos saberem ler e escrever em

caracteres desconhecidos. Caracteres que “se assemelham ao árabe”. [...] nas

senzalas da Bahia de 1835 havia talvez maior número de gente sabendo ler e

escrever que no alto das casas-grandes. (FREYRE, 2006)

Além disso, há indícios de que os filósofos gregos como Sócrates, Platão, Tales de

Mileto, Anaxágoras e Aristóteles estudaram com sábios africanos. Sendo assim, quase todo o

conhecimento científico, religioso e filosófico da Grécia antiga teria sua origem no Egito.

Entretanto, não há como comprovar essa informação, visto que as provas foram encobertas

pela destruição da Biblioteca de Alexandria, no século I.

Segundo Souza e Motta (2003, apud SÃO PAULO, 2008), os conhecimentos médico e

sanitário, os cálculos matemáticos e a astronomia também foram originários do continente

africano. A mumificação e embalsamento de corpos de faraós e nobres do antigo Egito

tiveram como consequência o desenvolvimento da medicina, pois era preciso estudar o

interior do organismo humano para essa prática.

Conforme relato de Nascimento, outros países além do Egito tinham o conhecimento

aguçado sobre a medicina. Na região da atual Uganda, os Banyoros, faziam cirurgia cesariana,

operações oftalmológicas para remover a catarata, além do domínio de técnicas de vacinação

e da farmacologia. Os povos egípcios também eram capazes de retirar tumores cerebrais.

Abaixo, o quadro de Debret retrata um médico negro cuidando dos escravos nas ruas

do Rio de Janeiro, demonstra o conhecimento trazido ao Brasil pelos africanos escravizados.

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A astronomia também era uma área de grande conhecimento dos africanos. Souza e

Motta (2003, apud SÃO PAULO, 2008) nos relata que foram encontradas, no Quênia em

1973, as ruínas de um observatório astronômico do período pré-histórico na África

subsaariana. Outro fato que comprova essa tese seria a descoberta de um sistema de

calendário complexo e preciso, baseado nos cálculos astronômicos, que foi desenvolvido por

estes povos até o primeiro milênio a.C.

As pirâmides do Egito, construídas cerca de 2700 a.C. são outro exemplo do avanço

tecnológico das nações africanas, nesse caso, relacionado à matemática, geometria e

engenharia.

Além de todas as habilidades dos povos egípcios, já mencionadas anteriormente, há

também o conhecimento naval. Seus navios eram construídos com estruturas de papiro ou

madeira costurada e desde o ano de 2600 a.C., fabricavam navios de grande porte, com

capacidade superior às embarcações europeias, criadas muitos anos mais tarde. Também eram

conhecedores das rotas marítimas, chamadas “rios no meio do mar”. Esses conhecimentos

africanos proporcionaram a chegada dos europeus às Américas. Isso porque os portugueses,

durante o século XV, período que traficavam matérias-primas e pessoas da África ocidental

para a Europa, descobriram e se apropriaram das cartas náuticas dos africanos que traçavam

as rotas marítimas para o ocidente.

As técnicas de mineração do ouro eram conhecidas em várias regiões da África desde

o século XVI a.C., como Gana, Mali, Núbia, entre outras. O ouro era extraído da natureza por

meio do sistema de lavagem na bateia e também escavando minas. Transformavam o ouro em

artefatos, moedas e até pó para facilitar o transporte do metal. Também dominavam técnicas

Figura 17 – DEBRET, Jean Baptiste. Cirurgião negro colocando ventosas, 1826.

FONTE: Bandeira; Lago, 2008, p. 192.

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de metalurgia e manufatura têxtil. Transformavam ferro em facas e enxadas e em seus

pequenos teares teciam belíssimos tecidos, como os chamados “panos da costa”.

2.1.3 Tradição da transmissão oral dos conhecimentos

A escrita é uma coisa, e o saber, outra. A escrita é a fotografia do saber, mas não o

saber em si. O saber é uma luz que existe no homem. A herança de tudo aquilo que

nossos ancestrais vieram a conhecer e que se encontra latente em tudo o que nos

transmitiram, assim como o baobá já existe em potencial em sua semente. (Tierno

Bokar)6

Para as civilizações africanas baseadas na oralidade, a palavra seria sagrada, pois ela é

força, é divina e comunica os desejos e ensinamentos do Deus Supremo ao primeiro homem e

esse a seus descendentes, conforme relato de Bâ (2010, p. 170-172):

A tradição bambara do Komo7 ensina que a Palavra, Kuma, é uma força fundamental

que emana do próprio Ser Supremo, Maa Ngala, criador de todas as coisas. Ela é o

instrumento da criação: “Aquilo que Maa Ngala diz, é!”, proclama o chantre do

deus Komo. [...]

O mito da criação do universo e do homem [...] revela-nos que quando Maa Ngala

sentiu falta de um interlocutor, criou o Primeiro Homem: Maa.

[...] Síntese de tudo o que existe, receptáculo por excelência da Força suprema e

confluência de todas as forças existentes, Maa, o Homem, recebeu de herança uma

parte do poder criador divino, o dom da Mente e da Palavra. Maa Ngala ensinou a Maa, seu interlocutor, as leis segundo as quais todos os

elementos do cosmo foram formados e continuam a existir. Ele o intitulou guardião

do Universo e o encarregou de zelar pela conservação da Harmonia universal. Por

isso é penoso ser Maa.

Iniciado por seu criador, mais tarde Maa transmitiu a seus descendentes tudo o que

havia aprendido, e esse foi o início da grande cadeia de transmissão oral iniciatória

da qual a ordem do Komo (como as ordens do Nama, do Kore, etc., no Mali) diz-se

continuadora.

[...] A tradição africana, portanto, concebe a fala como um dom de Deus. Ela é ao

mesmo tempo divina no sentido descendente e sagrada no sentido ascendente.

[...] A fala é força, [...] porque ela cria uma ligação de vaivém (yaa‑warta, em

fulfulde) que gera movimento e ritmo, e, portanto, vida e ação. Este movimento de

vaivém é simbolizado pelos pés do tecelão que sobem e descem.

As nações africanas, habitantes do Saara até o sul do continente não sentiam a

necessidade do uso da palavra escrita, tinham o hábito de utilizarem a transmissão oral na

educação de seu povo.

Uma sociedade oral reconhece a fala não apenas como um meio de comunicação

diária, mas também como um meio de preservação da sabedoria dos ancestrais [...].

A tradição pode ser definida, de fato, como um testemunho transmitido verbalmente

de uma geração para outra. (VANSINA, 2010, p. 139-140)

6 BÂ, 2010, p. 167. 7 Uma das grandes escolas de iniciação do Mande (Mali).

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O fato da ausência da escrita até o século XVI não impediu que as pessoas

mantivessem suas tradições. Segundo Vansina (2010, p. 140), “a oralidade é uma atitude

diante da realidade e não a ausência de uma habilidade”.

O preconceito acerca da oralidade africana se dá, segundo Vansina (2010), porque

estudiosos e historiadores letrados acreditavam que os povos africanos não tinham cultura, as

tradições transmitidas oralmente eram apenas histórias para crianças, como contos de fadas,

brincadeiras e canções de criança.

Tudo que uma sociedade considera importante para o perfeito funcionamento de

suas instituições, para uma correta compreensão dos vários status sociais e seus

respectivos papéis, para os direitos e obrigações de cada um, tudo é cuidadosamente

transmitido. Numa sociedade oral isso é feito pela tradição, enquanto numa

sociedade que adota a escrita, somente as memórias menos importantes são deixadas

à tradição. (VANSINA, 2010, p. 146)

Sendo assim, o que era realmente importante à preservação dos ensinamentos, das

tradições e funcionamento das aldeias era comunicado oralmente durante as atividades

cotidianas, sem a necessidade de um registro escrito.

Bâ (2010, p. 168) enfatiza que não importa se o testemunho seja escrito ou oral, ele é

um relato humano e como tal é influenciado pela interpretação e valores daquele que o

transmite, portanto “vale o que vale o homem”. Portanto, não há como avaliar se o

testemunho escrito é “mais fidedigno do que o testemunho oral transmitido de geração a

geração”.

Mais tarde, os relatos e as histórias que compunham as memórias e heranças culturais

de uma etnia passaram a ser registradas graficamente como forma de garantir e eternizar a

tradição oral. Dessa forma, foi possível conhecer essas histórias mesmo não sendo um

descendente direto da tradição. Certamente esse registro não tem o mesmo encanto dos contos

orais, porém, perpetuaram as principais ideias.

2.1.4 O comércio de escravos

Como já comentado anteriormente, diversos povos africanos dominavam técnicas

avançadas de agricultura e mineração muito antes dos portugueses, sendo hábeis na arte e no

conhecimento da metalurgia e da siderurgia. Os iorubás, por exemplo, já trabalhavam o cobre

e o estanho quando foram escravizados pelos europeus. Os portugueses foram apresentados às

ferramentas agrícolas pelos ganenses e os nigerianos, visto que as enxadas de ferro eram

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essenciais à economia do Daomé, produtos mais importantes manufaturados pelo país

africano. Seus ferreiros eram reverenciados pelo povo, assim como os bons artesãos.

A maioria dos africanos escravizados foi retirada da África ocidental. Segundo Milton

Meltzer (2004, apud SÃO PAULO, 2008): “de 65% a 75% dos escravizados eram das regiões

ao norte do rio Congo. Uma grande parcela dos cativos pertencia a povos que viviam onde se

situam Daomé, Gana e Nigéria”. Esses cativos eram homens que haviam cometido algum

delito, derrotados nas guerras tribais, ou capturados no interior do território e trazidos às

Américas por meio de navios negreiros ou tumbeiros, que atravessavam o oceano Atlântico.

Figura 18 – Mapa da rota do tráfico transatlântico

FONTE: Munanga, 2009, p. 87.

O escravismo era um sistema muito lucrativo. Os portugueses compravam seus cativos

no continente africano, e em troca, pagavam com os produtos provenientes de suas colônias,

como por exemplo, o fumo da Bahia ou tecidos finos da Índia, punhais e espadas trabalhadas,

aguardente, bebidas destiladas, pólvora, açúcar, louças, vidros, miçangas, conchas, algodão.

Os navios nunca transitavam vazios. Os vendedores eram os povos que viviam

exclusivamente desse comércio, como os Reinos de Abomé e Achanti, entre outros.

O navio era capaz de transportar aproximadamente 450 capturados, porém levava

frequentemente 600 pessoas. Dentro dos navios a situação era precária: superlotação, falta de

higiene, as doenças se transformavam em epidemias e causavam muitas mortes.

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Figura 19 – Representação de um Navio Negreiro. FONTE: Wikipédia, s.d.

Figura 20 – RUGENDAS, Johann Moritz. Navio Negreiro. Século XIX.

FONTE: Wikipédia, s.d.

Acredita-se que o tráfico negreiro para as Américas tenha sido responsável pela morte

de 60 milhões de africanos. Segundo Munanga, cerca de 50% dos negros capturados

morriam:

Cinco etapas terríveis marcaram o tráfico: 1) captura dos nativos no interior da

África; 2) transferência para os portos da costa africana; 3) armazenamento nesses

portos, onde os negros aguardavam a chegada dos navios negreiros; 4) transporte

para outros países nos navios tumbeiros; e 5) armazenamento nos portos de desembarque, onde eram recuperados para serem vendidos. (MUNANGA, 2009, p.

81)

Os negros escravizados sobreviventes faziam todos os trabalhos manuais e pesados na

lavoura ou nas minas; nas casas dos senhores, como amas, criadas e mucamas; eram artesãos,

pedreiros, carpinteiros, alfaiates, cozinheiros, vendedores ambulantes.

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Juntamente com os africanos, recebemos também em nosso país seus conhecimentos e

técnicas de cultivo da terra, mineração, tecelagem, olaria, serralheria, metalurgia, sua cultura,

religião, costumes, línguas que ao se misturarem aos costumes brasileiros da época formaram

a nossa nação.

2.1.5 Diferença entre ser escravo na África e no Brasil

A definição da palavra escravidão8, encontrada no dicionário é a seguinte: condição de

quem é escravo, falta de liberdade, servidão.

A escravidão é bem mais antiga do que o tráfico dos povos africanos. O trabalho

escravo ocorreu em várias civilizações, em diferentes épocas: Egito, Babilônia, Grécia, Roma,

Índia, Américas, diversos países da África, Ásia e Oceania. Os povos vencidos em batalhas

eram escravizados por seus conquistadores.

Na África antiga, não existiu um sistema escravista como o brasileiro, mas um sistema

de cativeiro estruturado em função da guerra e de dívidas. O indivíduo era cativo em

decorrência de espólio de guerra ou dívida. A pena era estabelecida pelo credor e vigorava até

o pagamento. Havia regras que impediam o devedor se ser cativo para sempre e de perder sua

identidade pessoal ou mesmo étnico-nacional quando pertencente a outro grupo social e

cultural. Esses cativos pagavam a dívida em forma de tributos, não perdiam a terra, ou a

identidade. Geralmente faziam trabalhos mais pesados. Podiam se casar e suas famílias até

chegavam a fazer parte do grupo social que os escravizava.

Um estudioso da cultura africana Achanti, Robert Sutherland Rattray, citado por

Meltzer, descreveu essa situação:

Um escravo podia casar-se; ter propriedade; ele mesmo possuir um escravo; prestar

juramento; ser testemunha competente; e por fim tornar-se herdeiro de seu senhor.

[...] em poucas palavras, eram estes os direitos de um escravo Ashanti. Em muitos casos pareciam praticamente os mesmos privilégios normais de um homem livre

Ashanti. [...] Nove de cada dez escravos Ashanti possivelmente tornavam-se

membros adotados da família; e logo seus descendentes se misturavam e se casavam

com parentes do proprietário, de modo que só alguns conheciam sua origem. (apud

SÃO PAULO, 2008).

Entretanto, há enorme diferença entre ser escravizado na África e no Brasil. No Brasil

significava muito mais que a ausência de liberdade, o negro era desumanizado, transformado

8 Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/

index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=escravidão. Acesso em 04 ago. 2012.

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em mercadoria, visto como objeto de propriedade, deveria se curvar aos desejos e

necessidades de seu dono de forma submissa.

Os proprietários tentavam dominar até as lembranças de seus escravos. Antes de

entrarem nas embarcações que levariam os africanos às Américas, os cativos eram obrigados

a darem várias voltas em torno um enorme baobá, árvore sagrada no Benim. Isso porque,

segundo a tradição, o baobá apagaria as recordações de sua terra natal e de seus antepassados.

Dessa forma, sem memória individual e coletiva, seria mais fácil sobreviver numa terra

desconhecida e distante.

Perdiam também sua identidade. Ainda nos portos, os negros eram forçados a

abandonar seu nome original, eram batizados e recebiam um nome de origem cristã

portuguesa, acompanhado de sobrenome que representava sua nação, etnia, porto de

embarque ou cidade natal e ainda eram separados de seus familiares.

Aqueles que sobreviviam à travessia eram obrigados a conviver nos alojamentos, no

navio e posteriormente nas senzalas com povos de diferentes nações africanas, amigas ou

inimigas, com costumes e línguas distintas, além de serem obrigados a servirem ao mesmo

senhor. Para evitar revoltas, os senhores plantavam a discórdia entre os habitantes das

senzalas, dessa forma acreditava-se que os escravos não se uniriam contra seu proprietário.

Além disso, eram castigados com chicotes, grilhões, máscaras, queimaduras, tinham partes

dos seus corpos mutilados e eram presos ao tronco sendo açoitados por várias horas.

Figura 22 – Jornal O Estado de São Paulo –

Reclames do Estadão – notícia publicada em

14/abr/1880.

FONTE: Scholz, 2011a.

Figura 21 – O Estado de São Paulo – Reclames

do Estadão – notícia publicada em 4/jan/1881.

FONTE: Scholz, dez. 2010.

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Essas pessoas eram proibidas de conversarem em seus idiomas de origem, pois isso

desagradava seus senhores que não os entendiam e, portanto, tiveram que aprender a língua

portuguesa para que pudessem se comunicar com todos os habitantes do engenho.

Figura 27 – Escravos (adultos e crianças) caminhando pelo arbusto em grupo, acorrentados

pelo pescoço e mãos. Um supervisor com uma arma caminha ao lado deles. Narrativa da

expedição ao Zambeze – David & Charles Livingstone, 1850 – Foto de Hulton Archive.

FONTE: Getty Images.

Figura 26 – DEBRET, Jean Baptiste.

Máscara que se usa nos negros que têm o hábito de comer terra, 1817-1829.

FONTE: Bandeira; Lago, 2008, p. 427.

Figura 25 – DEBRET, Jean Baptiste. Negros ao tronco, 1826.

FONTE: Bandeira; Lago, 2008, p. 185.

Figura 24 – DEBRET, Jean Baptiste. Feitor

castigando negros, 1835.

FONTE: Bandeira; Lago, 2008, p. 574.

Figura 23 – DEBRET, Jean Baptiste. Castigo de

escravo que se pratica em praças públicas, 1826.

FONTE: Bandeira; Lago, 2008, p. 187.

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Convertiam-se ao catolicismo, pois

os senhores de engenho proibiam suas

manifestações religiosas. Para exercerem

seu direito a religiosidade, os africanos

driblavam os olhares dos senhores

adorando os santos católicos a sua moda,

com danças, músicas e alegria. Entretanto,

esses santos na verdade representavam suas

divindades: os orixás africanos.

Segundo Prandi (2001a), orixás são

deuses responsáveis pela criação do mundo. Olodumaré, o Deus Supremo, incumbiu-os

também de governarem o mundo recém-criado. Então, cada orixá se responsabilizou “por

alguns aspectos da natureza e certas dimensões da vida em sociedade e da condição humana”

(2001a, p. 20). Por exemplo, Exu é mensageiro, viaja entre os dois mundos (material e divino)

e conecta os seres humanos aos deuses; Ogum governa o ferro, a metalurgia, a guerra, é dono

dos caminhos; Xangô é responsável pelo trovão e pela justiça; Iansã governa os ventos, as

tempestades e a sensualidade feminina; Iemanjá é a senhora dos mares, a grande mãe, rege o

equilíbrio emocional; Oxum se responsabiliza pelo amor e a fertilidade, pelas águas doces, o

ouro e a vaidade humana; entre outros.

Foi ludibriando os senhores que os cativos conseguiram manter o culto às divindades

africanas na clandestinidade, tendo sido obrigados a adaptar os rituais às possibilidades

brasileiras. As adversidades e a mistura de diferentes culturas africanas numa mesma senzala

fizeram surgir novas religiões, baseadas nas divindades africanas.

Isso tudo só foi possível, porque a ideia da inferioridade das etnias africanas reinava

na época. Sendo assim, os cativos eram nomeados como “negro escravo” ou simplesmente

“negro”, como se ambas palavras fossem sinônimas, inferiorizando o indivíduo e

demonstrando o preconceito incutido. Entretanto, há grande diferença em dizermos “negro

escravo” e “negro escravizado”, pois “negro escravizado” significa que em um determinado

período da História o negro foi colocado na situação de escravidão.

Figura 28 – DEBRET, Jean Baptiste. Coleta de

esmolas para a Igreja do Rosário. Porto Alegre, 1828.

FONTE: Bandeira; Lago, 2008, p. 155.

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2.1.6 Resistência, quilombos e abolição da escravidão

Nem todos os africanos aceitavam pacificamente o cativeiro. Foram muitas as

rebeliões nas senzalas, tentativas de fuga e capturas. Relatos desses movimentos foram

registrados nos jornais durante o século XIX:

Alguns escravos fugiam rumo aos quilombos, locais em que os cativos se fixavam e

formavam comunidades, vivendo em liberdade. Todos trabalhavam para garantir seu sustento

e segurança do grupo.

O maior quilombo que se tem notícia ficava em Alagoas, o Quilombo dos Palmares,

que resistiu aos ataques portugueses e holandeses por cerca de cem anos. A sociedade

quilombola elegia um rei, que governava o local. Seu último rei foi Zumbi, figura lendária,

que enfrentou os bandeirantes enviados pelo governo de Pernambuco para exterminar a

população e extinguir o quilombo. Zumbi morreu em 20 de novembro de 1695.

Figura 32 – PARREIRAS, Antonio.

Zumbi, 1917.

FONTE: Museu Afro Brasil, 2006, p. 17.

Figura 31 – BIARD, François Auguste. Fuga de

escravos, 1859.

FONTE: Silva, s.d.

Figura 30 – O Estado de São Paulo –

Reclames do Estadão – notícia publicada em 16/nov/1876.

FONTE: SCHOLZ, nov. 2010.

Figura 29 – O Estado de São Paulo – Reclames

do Estadão – notícia publicada em 29/mai/1881.

FONTE: SCHOLZ, 2011b.

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Atualmente, os descendentes dos habitantes dos quilombos têm o direito garantido

pela Constituição de 1988 a essas terras. A intenção do Estado foi reparar, mesmo que

minimamente, a injustiça cometida com seus antepassados.

Alguns negros escravizados não fugiam das fazendas, mas negociavam com seus

senhores para garantir um pouco de dignidade. Há casos de conquista de terras para próprio

cultivo, licença para descanso, para casarem-se e também para cultuar suas divindades.

Entretanto, eram raros esses casos.

Enquanto a abolição não chegava, alguns escravos conquistavam sua alforria,

comprando-a ou recebendo-a em retribuição ao combate em guerra ou outros tipos de

trabalhos e situações.

Durante o século XIX, pressionados pela Inglaterra que ansiava por consumidores de

seus mais novos produtos manufaturados, os países europeus foram aceitando a abolição da

escravatura. Apesar de livres, os africanos e seus descendentes continuavam sendo

maltratados.

O império brasileiro muito pressionado pela Inglaterra foi tomando decisões lentas em

relação a essa questão. Em 1831, graças à pressão inglesa para a abolição, decretou-se no

Brasil uma lei que declarava livres os africanos desembarcados em portos brasileiros desde

aquele ano. Tal lei nunca foi obedecida, fato que deu origem a expressão “para inglês ver”.

Em 1850, decretou a proibição do tráfico de escravos para o Brasil. Em 1871, criou a Lei do

Ventre Livre, que declarava livre as crianças nascidas a partir daquela data. Em 1885,

libertavam-se os escravos com idade superior a 60 anos. E enfim, em 1888, o Império, na

figura da Princesa Isabel, finalmente decretou a Lei Áurea, que extinguia a escravidão no

Brasil.

A abolição da escravatura trouxe a liberdade aos cativos, entretanto não garantiu

cidadania aos recém libertos. Eram homens e mulheres que estavam livres, fora das fazendas,

mas sem a possibilidade de obter seu sustento, onde morar ou como viver dignamente.

Marginalizados e entregues a própria sorte, encarados como seres inferiores e sem direito a

respeito, dificilmente integraram-se à sociedade.

A força do pensamento racista aliada aos fatos ocorridos no passado fez perdurar até

os dias de hoje o preconceito étnico e religioso e impactou prejudicialmente grande parte da

população negra e mestiça brasileira que busca incessantemente sua identidade e orgulho de

ser afrodescendente.

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2.2 Influências Africanas

São muitas as influências africanas em nossa cultura. Então, selecionei alguns

exemplos para ilustrar este artigo.

2.2.1 Culinária

Como já foi dito anteriormente, durante o período de escravidão no Brasil, os

trabalhos manuais eram exclusividade dos escravos, pois os senhores achavam que eram

atividades de menor valor. Sendo assim, as cozinhas das fazendas e casas dos senhores eram

lideradas por trabalhadoras negras escravizadas que, além de utilizarem os ingredientes

trazidos da Europa, também introduziram aqueles vindos da África como leite de coco, o

azeite de dendê e a pimenta malagueta.

Aos escravos restava pouco alimento, o que os obrigava a terem muita criatividade,

utilizando o que lhes era permitido e designado, misturado aos produtos menos nobres para as

cozinhas dos senhores. Dessa forma, surgiu de dentro da senzala a feijoada, além de outros

pratos como acarajé, vatapá, mungunzá, caruru, angu, entre outros.

2.2.2. Arte: máscaras e esculturas

A arte africana expressa por suas máscaras e esculturas influenciou artistas não só

brasileiros, mas também europeus, como Pablo Picasso e Henri Matisse.

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As máscaras estavam presentes em diversos eventos da vida africana, sempre com

muita música e dança. Contavam com elementos místicos, animais podiam se misturar às

feições humanas. Eram feitas de madeira, porcelana e metal. Representavam os espíritos da

natureza, seus antepassados e divindades que regiam suas vidas.

Durante as festas, a pessoa que as trajava era transportada para o mundo no qual a

máscara representava como se tivesse sido transformada naquele ser.

As esculturas de bronze do Benim representavam a corte. Celebravam a grandeza e o

poder dos soberanos e decoravam seus túmulos.

Havia também esculturas de madeira, cobre, marfim que, assim como as máscaras,

representavam antepassados, divindades e espíritos da natureza. Outras apenas apresentavam

a criatividade de seus artistas.

A arte também pode ser encontrada nas portas de algumas casas ou lugares

importantes como santuários ou celeiros que guardavam a colheita dos povos dogon, baulé e

senufo. Eram feitas em madeira entalhada com animais e personagens ilustres. Muitas vezes

contavam sobre mitos da criação do mundo.

Figura 34 – PICASSO, Pablo. Les demoiselles

d'Avignon, 1907.

FONTE: Wikipédia, s.d.

Figura 33 – Máscara do Congo

FONTE: Verger, s.d.

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2.2.3 Festas e Religiosidade

Os negros escravizados, obrigados a seguirem a religião católica aqui no Brasil,

transformaram as celebrações religiosas tradicionais em um novo evento, um cortejo repleto

de música, dança, batuque, andores, mastros, bandeiras, estandartes e muita alegria. Além

disso, africanos e seus descendentes encontraram uma forma de preservar suas tradições:

veneravam suas divindades sincretizadas aos santos católicos, aproveitando as ocasiões das

festividades religiosas católicas.

Figura 37 – RUGENDAS, Jean Moritz. Festa de Nossa Senhora do Rosário, 1835.

FONTE: Museu Afro Brasil, 2006, p. 27.

Figura 36 – Escultura Nigeriana FONTE: Verger, s.d.

Figura 35 – Porta de Casa Senufo, na

Costa do Marfim, entalhada em madeira.

FONTE: Museu Afro Brasil, 2006, p. 8.

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Durante a festa de Nossa Senhora do Rosário, assim como Maracatu, Congada, Festa

do Divino Espírito Santo, Carnaval são eleitos até hoje os representantes da corte, nobres

como reis, rainhas, imperadores, imperatrizes, príncipes e princesas. Utilizavam-se do

conceito que pregava a elite sobre respeitar e reverenciar a família real portuguesa e

transportavam-no para os festejos, cujos foliões eram escolhidos e por um dia transformavam-

se na realeza do Congo e, consequentemente, nas divindades que essas figuras representavam:

seus principais orixás.

Essa tentativa de preservar suas tradições e o sincretismo religioso fez surgir diversas

religiões afro-brasileiras, semelhantes, porém distintas em cada região do país, como o Culto

aos Orixás (chamado de Candomblé em algumas localidades), o Tambor-de-Mina

Maranhense, o Xangô Pernambucano, o Batuque Gaúcho e a Umbanda.

2.2.4 Danças, ritmos e instrumentos musicais

A dança era capaz de transportar o cativo de volta a África por meio das cantigas, dos

batuques, das conversas entre companheiros de senzala durante as umbigadas (movimento de

dança em que os brincantes se tocam com a barriga) evocavam suas memórias, minimamente

livres, entretanto sob os olhares de seus feitores, capatazes e senhores.

Figura 38 – RUGENDAS, Jean Moritz. Dança Batuque. Costumes do Rio de Janeiro, 1835.

FONTE: Wikipédia, s.d.

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A roda de capoeira, aparentemente uma dança inofensiva era também uma forma de

luta, que garantia defesa aos escravizados desprovidos de armas para se protegerem.

Outros ritmos surgiram da influência africana, como o samba de roda e o carimbó.

São inúmeros os instrumentos desenvolvidos a partir da musicalidade africana. São

exemplos: o reco-reco de bambu, o agogô, a marimba (um tipo de xilofone feito de madeira),

o berimbau, o caxixi, pandeiros, diversos tambores.

Figura 40 – Instrumentos musicais do Congo

FONTE: Verger, s.d.

Figura 39 – RUGENDAS, Jean Moritz. Jogar Capoeira – Danse de la guerre, 1835.

FONTE: Wikipédia, s.d.

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2.2.5 Palavras africanas presentes na Língua Portuguesa

A Língua Portuguesa é um idioma vivo e como tal sofre a influência de diversas

culturas, em diferentes épocas e regiões. Isso faz com que ela se modifique constantemente.

Muitos termos foram introduzidos pelos negros trazidos ao nosso país durante o

período da escravidão. São palavras oriundas das diversas línguas nativas africanas que

permanecem até hoje na língua portuguesa falada no Brasil. São palavras como: banguela,

batuque, búzio, cachaça, cachimbo, caçamba, caçula, cafuné, dengo, fubá, moleque,

quilombo, quindim, rapadura, samba, senzala, xingar, zumbi, entre outras.

É interessante perceber o quanto essas palavras estão enraizadas em nosso idioma, que

jamais imaginaríamos serem mais uma das heranças africanas. A consulta desses termos pode

ser feita no Museu da Língua Portuguesa, localizado na Estação da Luz, na cidade de São

Paulo. No segundo andar do museu há um espaço chamado Palavras Cruzadas. Nele é

possível encontrar totens interativos dedicados a diversas línguas que influenciaram o idioma

falado no Brasil, inclusive as africanas Iorubá, Evé-Fon, Quicongo, Quimbundo e Umbundo.

2.3 Análise de dados pesquisados

Durante o ano de 2012, participaram do meu estudo 53 crianças entre 5 e 13 anos de

idade, dentre as quais 33 foram entrevistadas e as demais contaram-me o que sabiam sobre a

África e os africanos por meio de desenhos. Minha pesquisa foi feita em três momentos: com

Figura 41 – Foto de alguns totens do espaço Palavras Cruzadas no Museu da Língua Portuguesa.

FONTE: Museu da Língua Portuguesa, s.d.

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filhos de amigos e conhecidos, a maioria estudantes de escolas particulares tradicionais da

cidade de São Paulo; durante o evento literário de uma escola particular da zona oeste da

capital; com crianças do 1º ano do Ensino Fundamental, alunos de uma escola pública da

mesma região da cidade de São Paulo.

O resultado das pesquisas que fiz mostra que a muitas das crianças entrevistadas nada

sabiam a respeito da África e com relação aos africanos ou tinham informações equivocadas e

também não se lembravam de histórias sobre esses povos e/ou ocorridas nesse continente.

Tabela – Entrevistados que declararam “Não sei” ou “Não lembro” Crianças

1. O que você sabe sobre a África? 6 18%

2. E sobre os africanos? 8 24%

3. Conhece alguma história sobre a África ou sobre as pessoas que vivem ou viveram lá? Qual? 19 58%

4. Onde vivem os africanos? E seus descendentes? 9 27%

5. Como vivem os africanos? E seus descendentes? 14 42%

6. Você conhece algum africano? E algum descendente de africanos? 25 76%

7. Sabe dizer que língua eles falam? 9 27%

As crianças que tinham informações sobre o tema pesquisado, ao serem questionadas

sobre o que conheciam da África, comentaram dos animais que lá vivem (39%), algumas

pensavam tratar-se de um país (6%), outras sabiam que se trata um continente (21%). Cerca

de 18% falou que o lugar é seco e quente, uma criança lembrou-se do deserto do Saara. Uma

criança falou que a África era aqui no Brasil e 9% disseram que era um lugar bem distante.

Duas crianças lembraram-se das pedras preciosas e ouro existentes no continente africano.

Uma menina me contou que o Maracatu veio da África e outra comentou sobre haver um

“marzão” nesse continente.

Sobre os africanos, grande parte dos entrevistados (36%) disse que são pessoas negras,

uma criança disse há brancos e negros e outra disse que os africanos são bonitos. Cerca de

21% dos entrevistados comentaram a respeito da situação de escravidão ocorrida no passado.

Algumas crianças citaram a presença de rituais nas culturas africanas (9%) e 9% disseram que

os africanos são pobres. Cerca de 3% das crianças comentaram que os africanos têm cultura

totalmente diferente da nossa. Outras crianças também falaram que são pessoas que gostam de

futebol, de dança e de surf.

Quando perguntei se conheciam alguma história sobre a África ou ocorrida nesse

local, foram poucas as crianças que responderam: 6% falaram da escravidão dos povos

africanos no Brasil, uma criança me contou uma história que conhecia, porém não sabia dizer

o nome, uma menina me contou que as pessoas na África cavam a terra com as mãos para

enterrar os mortos. Cerca de 6% disseram ter lido o livro A África, meu pequeno Chaka...,

três crianças se lembraram de terem assistido ao filme Kiriku e a feiticeira. Somente dois

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garotos se lembraram de várias histórias: Kiriku e a feiticeira, O Rei Leão e Crianças do

Mundo e as lendas A mulher e o touro, O cesto mágico, Como surgiu a sabedoria, Como

o homem perdeu o rabo e A roupa do jabuti.

Ao serem questionados a respeito do local onde vivem os africanos e seus

descendentes, 42% falaram que eles vivem na África, algumas crianças disseram que eles

vivem em aldeias (6%) ou que moram em Portugal, Espanha e suas colônias (6%). Cerca de

18% disseram que são pessoas que vivem em ocas ou casas de palha. Uma menina disse que

os descendentes dos africanos “vieram de Minas”.

A questão “Como vivem os africanos? E seus descendentes?” teve diversas opiniões:

eles vivem bem, vivem mal, vivem normalmente, moram em aldeias com casas de palha, são

pessoas não muito civilizadas que comem animais. Duas crianças chamaram a atenção, um

disse: “Os africanos vivem sob preconceito. As pessoas acham que eles são subdesenvolvidos

e então eles não conseguem uma posição nos países em que moram, não conseguem um bom

emprego. É difícil serem bem sucedidos como Barack Obama” e outro comentou que “Vários

descendentes devem ter nascido na África e foram pra outros países próximos procurar

trabalho. Os de São Tomé e Príncipe não têm muito dinheiro então vão para Angola e África

do Sul. Tem os africanos que vão para outro continente e os que procuram países mais ricos

na própria África”. Novamente surgiram comentários (9%) sobre a cultura ser “totalmente

diferente da nossa”.

Ao perguntar se as crianças conheciam algum africano ou descendente, 9%

declararam-se descendentes de africanos e outras duas crianças comentaram que conheciam

alguém, outras duas disseram que não tinham certeza se o rapaz que conheciam era

descendente de africanos ou de indígenas e as demais tiveram resposta negativa à questão.

Quando o assunto foi os idiomas falados pelos habitantes da África, cerca de 36%

responderam Português; 21% Africanês; 12% Inglês; 6% Brasileiro; 6% disseram que além

dessas línguas também falavam outras, porém não esclareceram quais seriam; uma criança

disse que eles falam a língua indígena, uma criança lembrou-se do idioma Espanhol, outro

disse que não falavam Português, um garoto falou “Falam uma língua curupira, uma língua só

deles que a gente não entende”, outra falou que os africanos têm um idioma muçulmano só

falado lá na África. Somente dois garotos tinham informações mais completas. Um deles (7

anos) disse que não sabia responder à questão, entretanto acreditava que eram vários os

idiomas: “eles devem falar muitas línguas, porque a África é muito grande”. O outro menino

(9 anos) disse: “Eu sei que lá tem 2019 línguas diferentes”. Esses dois meninos responderam

todas as questões com muita segurança.

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Algumas crianças de cinco anos que participaram da pesquisa preferiram desenhar em

resposta à questão sobre o que elas sabiam a respeito da África e dos africanos. O resultado

não foi muito diferente das demais crianças entrevistadas. Algumas tinham informações

equivocadas, como a presença de ursos no continente africano, ou nada sabiam sobre o

assunto. Muitas confundiam negros e indígenas, como no desenho em que a menina o intitula

como “eu e a índia cuidando do bebê urso”. Um dos garotos entrevistados disse “Eles são

índios. Índios e africanos parecem os mesmos. Têm a mesma forma de sobrevivência: eles

pegam frutas e peixes” e outro garoto me disse “Os índios também eram moreninhos.”.

Casas de palha e pessoas

marrons.

Casa de palha. Girafa na floresta.

Camelo, rinoceronte e

cobra “elérgica”.

Floresta com um monte

de ursos panda.

Eu e a índia cuidando

de uma ursinha bebê.

Urso e pessoa indo pra

casa.

Menina e menino. Eles

trabalham.

Figura 42 – Pesquisa: Faça um desenho sobre o que você sabe sobre a África e sobre os africanos.

Entretanto, foi possível encontrar alguns registros em que as crianças desenharam

pirâmides. Isso porque os meninos em questão são de religião judaica e uma das festas mais

importantes dessa cultura relembra a evasão dos judeus escravizados no Egito, que partiram

em direção a Israel.

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Pirâmide com neve e índio.

Pirâmides e os ursos.

Casa de palha, muitos pássaros e

pirâmides.

Figura 43 – Pesquisa: Faça um desenho sobre o que você sabe sobre a África e sobre os africanos.

A partir desses resultados, foi possível perceber que eram poucas as crianças que

tinham conhecimento sobre a cultura africana. Ao conversar com algumas mães, pude

perceber a angústia que sentiam ao verem que seus filhos não sabiam como responder às

minhas perguntas. Algumas diziam que os filhos já tinham estudado sobre a África, mas

pareciam não relacionar o que já haviam estudado com o continente em questão. Lembro-me

de uma mãe que comentou que seu filho adorava assistir a documentários sobre o Egito,

porém, não se lembrava de que o país em questão está localizado na África. Quanto aos

meninos que pareciam ter mais informações sobre o assunto, descobri que ambos tiveram

contato com o assunto nas escolas que haviam estudado e que são muito interessados nesses

assuntos, gostam de ler e assistir a programação dos canais TV Cultura e Discovery Channel e

costumam frequentar exposições e museus com a escola e seus familiares.

Foi interessante perceber também que algumas crianças até conheciam histórias cujo

cenário estaria relacionado à África, porém não as relacionavam à região em destaque. Alguns

ficavam curiosos quando eu perguntava se eles nunca tinham assistido a nenhum desenho

animado que tivesse ocorrido na África. Ao final da entrevista eles me pediam exemplos e

quando eu dizia que O Príncipe do Egito, O Rei Leão, Madagascar e Tarzan estavam

relacionados ao continente africano, mostravam-se surpresos e alguns ainda perguntavam,

mas o Egito (ou Madagascar) é na África? Isso demonstra que conteúdos importantes para o

ensino da História mundial estão presentes nas escolas, como o caso do Egito, entretanto não

são devidamente localizados geograficamente, seja por causa de um equívoco na estratégia de

ensino ou por desinteresse por parte do docente em ressaltar a história da África.

Os questionários e resultados da pesquisa podem ser consultados em Apêndices A e B.

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2.4 Entrevistas com autores de livros didáticos e paradidáticos:

Durante o estudo para desenvolver esse trabalho, interessei-me em saber o que movia

os escritores de livros didáticos e paradidáticos a escrever sobre o tema em questão e de

conhecer um pouco de suas experiências.

Além de entrevistar alguns escritores, também busquei na literatura o relato de

diferentes autores que contaram sobre seu processo de escrita. Alguns tinham pontos em

comum com meus entrevistados, como o foi o caso de José Cardoso Pires, romancista

português (1998 apud BRITO, 2006, p. 103) que declarou que o ato de escrever para ele é

uma “[...] necessidade de a gente se identificar com o país em que se está ou com a

comunidade a que se pertence ou na qual se vive [...]”.

O autor Rogério Andrade Barbosa (2008a) em seu texto Diversidade e

multiplicidade de culturas: O papel do escritor no Novo Mundo cita o parágrafo final da

Carta de Princípios, da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil

(AEI-LIJ) “[...] nós, autores, afirmamos que: estamos comprometidos com a construção de

uma sociedade fundada na ética, na fraternidade, na liberdade, na pluralidade e na justiça

social”. O trecho citado demonstra o compromisso dos escritores com a verdade e a

diversidade no desenvolvimento das obras literárias infanto-juvenis.

Ao buscar as experiências de escritores, percebi que não se tratava simplesmente da

paixão por escrever, mas sim da necessidade em dividir com o público as histórias,

experiências e informações importantes, até então pouco divulgadas sobre as culturas

africanas, formadoras da nação brasileira.

Entrevistei a professora Ana Maria Bergamin Neves9. Ela me contou que há alguns

anos registra suas reflexões, atividades e experiências referentes à sua prática de ensino e que

recentemente foi convidada para escrever um livro o qual pode dividir sua experiência com

demais docentes: “Ao escrever e compartilhar com outros professores e educadores essas

experiências práticas, tive que buscar a sustentação formal, a teoria e essa ampliação da

pesquisa enriqueceu e alimentou minha experiência de professora”.

9 A professora Neves é bacharel em História e licenciada pela Universidade de São Paulo. Educadora há 22 anos,

trabalha em uma instituição particular de ensino em São Paulo. Foi professora do Ensino Fundamental, e desde

1996 atua no Ensino Médio. Tem experiência como assessora na área de História, orientadora de alunos do

primeiro ano do Ensino Médio, coordenadora e atualmente escreve livros didáticos e de apoio ao professor do

Ensino Fundamental, ambos relacionados à área de História.

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Percebo certa semelhança entre os motivos que levam a professora Neves e a

romancista, dramaturga e cronista cearense Rachel de Queiroz a escreverem. Certa vez a

romancista comentou sobre suas razões em escrever, em compartilhar suas experiências e

reflexões: "[...] é o desejo interior de dar um testemunho do meu tempo, da minha gente e

principalmente de mim mesma: eu existi, eu sou, eu pensei, eu senti, e eu queria que você

soubesse [...]" (apud BRITO, 2006, p. 151).

Outro escritor que tive a oportunidade de conversar foi Luiz Carlos Santos10

. Durante

nossa conversa, o professor Santos comentou sobre a importância de a literatura contemplar o

negro sob sua própria perspectiva, enfatizando o significado de ser negro, enaltecendo as suas

qualidades, escrevendo algo que faça sentido a si mesmo, sobre algo que se acredita, escrever

sobre o deve ser dito àqueles que precisem e quiserem ouvir, para que seja possível um dia se

descortinar o preconceito histórico impregnado em nossa sociedade.

O escritor enfatiza a necessidade de se contar a história não daqueles que se

destacaram e tornaram-se notórios, mas aqueles homens e mulheres que fizeram a diferença

em nosso país. Aqueles que não precisaram viver de acordo com as normas da sociedade e por

isso, como ele disse, "tornaram-se brancos” para serem ouvidos, como é o caso de Pelé e

Machado de Assis. Ele acredita que é preciso contar as histórias de pessoas como a escritora

Carolina Maria de Jesus e de Luiz Gama, poeta, jornalista e advogado, que mesmo impedido

de cursar Direito devido a sua cor, conseguiu resgatar mais de 500 negros da escravidão

durante o período imperial. Aliás, a biografia de Luiz Gama é a mais recente publicação do

professor Santos.

Santos finalizou nosso bate-papo destacando a necessidade de se discutir sobre esses

assuntos para conscientizar as pessoas, pois se todos pudessem conversar abertamente, o tema

não seria tratado como um monólogo de um “cara chato”, mas sim uma conversa pertencente

a todos os cidadãos brasileiros.

Para encerrar este tópico, inclui um depoimento do diplomata e poeta pernambucano

João Cabral de Melo Neto, pois creio que os motivos pelos quais o levam a escrever sejam

comuns aos demais escritores que reuni nesse trabalho: "[...] Às vezes, eu escrevo porque

quero dizer determinada coisa que eu acho que não foi dita; às vezes, porque me interessa que

10

Santos é professor de Língua Portuguesa e Literatura em uma instituição particular de Ensino Médio da cidade

de São Paulo, jornalista e mestre em Sociologia formado pela USP. Membro da Sociedade de Intercâmbio

Brasil-África (Rio de Janeiro), milita no movimento negro desde a década de 1970. É também editor da revista

Afro B do Museu Afro Brasil (São Paulo), além de colaborar com o curso de formação de professores do Núcleo

de Estudos Afro Brasileiros da Universidade Federal de Uberlândia (NEAB-UFU).

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conheçam meu ponto de vista. Às vezes, escrevo também por prazer" (apud BRITO, 2006, p.

96).

2.5 É possível trilhar o caminho da literatura infantil sem citar Monteiro Lobato?

José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948) foi um dos mais importantes

escritores brasileiros de literatura infanto-juvenil. Além de escrever suas próprias histórias, foi

também tradutor, editor de livros e fazendeiro.

No início do século XX, o escritor criou um personagem caipira chamado Jeca Tatu.

Em um primeiro momento, Jeca Tatu era um homem preguiçoso, sem instrução, trabalhador

rural. Esse conceito de homem do campo ignorante mudou quando Lobato aderiu à campanha

em prol do saneamento rural. Nessa ocasião, pode perceber que a inércia retratada como

característica daquele povo não era uma situação nata do caboclo, era uma questão de saúde.

Foi então que escreveu novas histórias de Jeca Tatu com o objetivo de ensinar noções de

higiene e saúde às crianças. Suas histórias foram incluídas em um almanaque que divulgava o

produto Biotônico Fontoura, conforme imagem abaixo:

Já num terceiro momento, curado de sua doença, Jeca Tatu prosperou e conseguiu

superar a produtividade dos trabalhadores imigrantes.

Durante a década de 1940, Lobato foi favorável à exploração do petróleo em terras

brasileiras apenas por empresas nacionais, por essa e outras críticas ao governo da época foi

preso por três meses em 1941.

Figura 44 – Lobato indica o remédio a Jeca Tatu para a cura do amarelão.

FONTE: Almanaque do Biotônico, 1935, p. 4.

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Figura 45 – Foto de Monteiro Lobato nos arquivos do Departamento Estadual de Ordem Política e

Social do Estado de São Paulo (DEOPS).

FONTE: Castro, 2009.

Autor de grande importância para o desenvolvimento da literatura brasileira, Monteiro

Lobato influenciou outros tantos escritores, como o cineasta, roteirista e jornalista Valêncio

Xavier. Num depoimento, o cineasta conta a importância de Lobato em sua infância e na vida

de escritor:

Eu gostava de Monteiro Lobato e adorava aquelas histórias ilustradas. E também ia

muito ao cinema... de modo que a imagem está presente até hoje no que eu escrevo.

Quando morávamos no Rio de Janeiro, minha mãe, com a saúde abalada, não podia

sair, me pedia para eu comprar-lhe uns livros, que eu lia para ela e às vezes lia para

mim mesmo. Peguei gosto pelas histórias de Lobato, pelas histórias que eu via no

cinema e nos livros de minha mãe. O escritor é um contador de histórias, algumas

verdadeiras e muitas inventadas. Acho que é isso que sou, é isso que faço com textos e imagens [...]. (XAVIER, 2004 apud BRITO, 2006, p. 162)

As principais histórias infantis de Lobato, amplamente divulgadas, se passavam no

Sítio do Pica-pau Amarelo e arredores. Nessas histórias podemos encontrar inúmeros

exemplos que reforçam preconceitos. Logo na primeira página do livro Reinações de

Narizinho, Lobato (1965, p.3) apresenta a empregada Anastácia da seguinte maneira: “Tia

Nastácia, negra de estimação que carregou Lúcia em pequena [...]”. A maneira como o autor

utilizou a palavra “estimação” nos remete ao termo que usamos para nos referir aos animais

queridos, demonstrando relação de posse e inferiorização do ser humano. Mais adiante (1965,

p. 30) o narrador se refere à Tia Nastácia mostrando outro traço preconceituoso: “A boa negra

deu uma risada gostosa, com a beiçaria inteira”. Entretanto, páginas adiante (1965, p. 43)

Narizinho e Emília discutem sobre o resultado da pescaria. Emília inicia este trecho dizendo:

– Mal agradecida! Se não fôsse a minha molhadela você não comia a traíra.

– Está pensando que era uma grande coisa a tal traíra? Só espinho...

– É, mas você comeu-a com espinho e tudo – e até lambeu os beiços.

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– Lábios, aliás. Beiço é de boi. Comi porque quis, sabe? Não tenho que dar

satisfações a ninguém, ahn! E Narizinho pôs-lhe a língua.

Narizinho explicou a Emília que não era correto dizer beiço e sim lábios. Entretanto,

Lobato sempre se referiu aos lábios de Tia Nastácia utilizando-se do termo pejorativo.

Em outro momento (1965, p. 32), Dona Benta diz:

– Essa Emília diz tanta asneira que é quase impossível conversar com ela, chega a

atrapalhar a gente.

– É porque é de pano, sinhá – explicou a preta – e de um paninho muito ordinário.

Se eu imaginasse que ela ia aprender a falar, eu tinha feito ela de seda, ou pelo menos dum retalho daquele seu vestido de ir à missa.

Dona Benta olhou para Tia Anastácia dum certo modo, como que achando aquela

explicação muito parecida com as da Emília...

Lobato difundiu as ideias da época, já comentadas anteriormente, de uma sociedade do

início do século XX sob os resquícios escravocratas, repudiava qualquer forma de sabedoria

popular, inferiorizava mestiços e negros, acreditava que essas pessoas tinham raciocínio

inferior. Referiu-se o tempo todo a Tia Nastácia como “a negra” ou “a preta”.

A antropóloga Ana Lucia Lopes (2005, p. 258) comentou sobre o racismo impregnado

nas palavras do autor, que atingem os leitores sem que eles se deem conta do fato:

Pito na boca, dócil às vontades das crianças, com uma ingenuidade que a aproxima

delas, sempre pensando, observando, murmurando para si mesma, resmungando como toda preta velha, Tia Nastácia é um personagem típico que encarna a imagem

do negro consagrada pelo folclore. Reconhecida pelos seus quitutes, ela é também

portadora de uma sabedoria popular que se perde na noite dos tempos e o seu lugar é

fundamentalmente a cozinha. Essa leitura aparentemente passa despercebida da

criança negra, e certamente da criança branca, que se envolvem com igual

entusiasmo nas delícias das aventuras descritas por Lobato. Quando se lê um bom

livro, em qualquer idade, o leitor se mistura às páginas e elas o acompanham para

onde ele for. É assim que se lê, entregando-se à história, e sem perceber, ou sem se

importar com a intencionalidade do autor.

Durante a leitura, a criança não se atenta ao fato de que o autor se referia tão

preconceituosamente à Tia Nastácia, entretanto poderá reproduzir o comportamento,

mantendo a postura discriminatória com os demais.

Lopes (2005, p. 259-260) explicou como o texto atinge negativamente crianças e

adolescentes leitores, estabelecendo a relação de naturalidade frente ao preconceito desde a

infância:

Nos processos de formação de valores constitutivos da auto-imagem de crianças e

adolescentes, bem como das expectativas de futuro para o qual ele aponta, esses

significados veiculados pela linguagem dos objetos e das narrativas do imaginário

cumprem um papel pedagógico exemplar na introjeção do preconceito racial. A

linguagem do preconceito demonstra sua eficácia num momento crucial do

desenvolvimento infantil, que é o da construção da moralidade. É então que, em seu contato com o mundo, a criança passa a perceber os objetos segundo os lugares de

importância que, pela sua natureza, eles ocupam no imaginário social. Este é um

momento de heteronomia moral, no qual o prestígio acaba regulando a formação da

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moralidade, na medida em que, mediando as relações de sociabilidade, ele se

constitui em medida dos valores introjetados.

[...] Desse modo opera a linguagem do preconceito racial, ao selecionar, opor,

combinar signos e continuamente produzir enunciados em que uma cadeia de

significantes, por mais distintos que sejam, acabam por reiterar sempre um mesmo

significado, a inferioridade do negro. Pela constante seleção da imagem do branco

como um valor, por oposição se confirma a imagem do negro como um desvalor, já

que a sua imagem é omitida ou subrepresentada nos suportes que veiculam imagens

e significações portadoras de prestígio e reconhecimento social. É dessa maneira que

vão sendo introjetados valores sociais que constituirão a base moral dos julgamentos

de crianças e adolescentes em suas relações com as pessoas e as coisas do mundo.

Atentar-se a esse fato é importante, pois a criança aprende não somente a partir dos

conteúdos trabalhados em sala de aula, mas também pela observação e imitação de modelos

que ela confia e admira: os pais e familiares, os educadores, um grande autor. Segundo Puig

(2005), a educação é composta por instrução e formação. Na escola o aluno aprende vários

conteúdos e também valores. A instrução está relacionada à aprendizagem dos conteúdos das

diversas áreas do conhecimento e a formação é a abordagem dos valores, da educação moral,

das atitudes e esses dois eixos estão diretamente relacionados. Portanto, durante seu

desenvolvimento, a criança necessita de bons modelos para se guiar, precisa ser valorizada

independente de sua origem, cor, descendência.

Então, não se deve ler a obra de Monteiro Lobato para as crianças, já que ele apresenta

ideias de uma época em que era certo discriminar as pessoas não participantes da elite

dominante?

É preciso cuidado e atenção para evitar dois extremos: a omissão e o reforço ao

preconceito. Não se pode excluir um determinado autor ou conteúdo da Educação Infantil. O

professor deve ler as histórias e discutir o assunto com as crianças, ampliando não só o

repertório literário, mas também o universo de valores e respeito às diferenças. É a partir da

reflexão que se destrói o preconceito.

2.6 Leitura: O trabalho em sala de aula

Pesquisei durante o ano de 2012 em diversos documentos, atividades relacionadas ao

tema História e Culturas Africanas e Afro-brasileira, cujo objetivo principal é “contribuir para

a construção da cidadania na sociedade pluriétnica e pluricultural” (BRASIL, 1997, p.143).

Encontrei vários exemplos de práticas destinadas ao trabalho em sala de aula

contendo elementos africanos e afro-brasileiros em documentos oficiais como RECNEI

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(volumes Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo), Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN), nos volumes Pluralidade Cultural e História e Geografia, Orientações

Curriculares da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo – Expectativas de

Aprendizagem para a Educação Étnico-Racial, revistas e sites direcionados a formação de

docentes. Desde decretada a lei 10.639/03, muitos projetos têm sido divulgados visando

desenvolver o tema em sala de aula. Alguns deles utilizam-se da leitura de histórias, contos,

mitos e lendas como parte integrante ou objeto disparador do trabalho a ser desenvolvido com

as crianças de diversas idades. A relação de títulos sugeridos nesses documentos pesquisados

pode ser encontrada em Apêndices C, D, E, F e G.

Visitei também o site do Programa Ler e Escrever11

, da Secretaria da Educação do

Estado de São Paulo. Nele, os formadores enfatizam a importância de iniciar o dia com a

leitura de uma história feita pela professora. Dessa forma, a criança se aproxima do universo

literário, percebe a linguagem peculiar da narrativa escrita, aprende procedimentos e

comportamentos leitores, além de ampliar o conhecimento em diversas áreas tendo a leitura

como anfitriã.

A escritora Fanny Abramovich comentou sobre sua experiência com a leitura: “Ler,

pra mim, sempre significou abrir todas as comportas para entender o mundo através dos olhos

dos autores e da vivência das personagens” (1997, p. 14). Esclareceu também que, é possível

ampliar os conhecimentos das crianças por meio das histórias lidas pelas próprias crianças,

pelos professores e pais.

É através duma história que se podem descobrir outros lugares, outros tempos,

outros jeitos de agir e de ser, outra ética, outra ótica... É ficar sabendo História,

Geografia, Filosofia, Política, Sociologia sem precisar saber o nome disso tudo e

muito menos achar que tem cara de aula... Porque, se tiver, deixa de ser literatura,

deixa de ser prazer e passa a ser Didática, que é outro departamento [...]

(ABRAMOVICH,1997, p.17).

Meu interesse pelo trabalho em sala de aula com histórias que nos aproximem de

nossas origens africanas se apoia no pensamento do antropólogo Câmara Cascudo: “O conto

popular revela informação histórica, etnográfica, sociológica, jurídica, social. É um

documento vivo, denunciando costumes, ideias, mentalidades, decisões e julgamentos” (1998,

p. 10).

O escritor Rogério Andrade Barbosa, em seu texto Mãe-África comenta sobre a

importância da literatura infantil abordar os temas africanos e afro-brasileiros:

Os livros destinados ao público infanto-juvenil, abordando temáticas afro-brasileiras

– contos, lendas, cerimônias e festejos tradicionais – têm contribuído para o

11

Disponível em: <http://lereescrever.fde.sp.gov.br/SysPublic/Home.aspx>. Acesso em 20 out. 2012.

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conhecimento da realidade africana, acentuando, entre outras coisas, a sua ampla

diversidade religiosa (2008b).

Sendo assim, a utilização da leitura focada em histórias, lendas, mitos brasileiros e

afro-brasileiros em sala de aula se justifica.

2.7 Algumas experiências

Neste item apresento algumas experiências que tive durante as práticas curriculares e

estágios presentes no curso de Pedagogia.

2.7.1 Observação – Prática Curricular referente à disciplina Didática da Língua II

Em 2010, acompanhei uma turma de alunos com 4 e 5 anos de idade de uma escola

particular da zona oeste de São Paulo. Houve momentos em que presenciei a leitura de

histórias selecionadas pelas crianças, mas na maioria dos casos acompanhei uma sequência

didática de Cultura Brasileira. A proposta da professora foi a leitura de um livro chamado Os

Príncipes do Destino: histórias da mitologia afro-brasileira, em cerca de vinte aulas.

Houve a necessidade de várias aulas, visto que o livro tem 116 páginas, distribuídas em 18

capítulos.

A cada capítulo ocorre uma reunião entre os dezesseis príncipes e o rei Ifá, o senhor

do destino. Durante o encontro, os príncipes contam histórias que ocorreram com seus

protegidos, afinal, seu ofício era colecionar histórias e contá-las a seus seguidores, pois

acreditavam que os acontecimentos se repetiam ao longo dos tempos. Dessa forma, sabendo

antecipadamente o que havia ocorrido no passado, as pessoas seriam capazes de alterar o

presente e o futuro.

A intenção da professora com esse título foi ampliar o repertório das crianças acerca

dos povos que contribuíram com a formação do povo brasileiro e com isso, construir o sentido

de pertencimento a cultura popular do país. A leitura de mitos também contribui para a

percepção de diferentes formas de se explicar o mundo que nos cerca, conforme já explicitado

anteriormente.

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Ao observar as rodas de leitura na escola visitada, pude acompanhar vários

comentários feitos pelas crianças e também pela

professora e a partir deles verificar a presença

dos diferentes comportamentos do leitor, alguns

deles estão relacionados a seguir.

Leitura de imagem: Durante a observação

de uma ilustração referente a uma das reuniões

dos príncipes com o rei, um menino disse que Ifá

era o personagem que estava no topo da roda e

justificou da seguinte maneira: “– Ele é diferente,

ele é o rei”. Na ilustração, Ifá é o único vestido

diferente dos demais participantes do encontro.

Antecipação de uma ideia e comparação de situações semelhantes: A primeira reunião

termina com Ifá chateado por causa do descaso dos príncipes com um de seus irmãos. Então,

ele não ofereceu o banquete prometido aos participantes. Ao invés disso, o orixá ofertou

apenas uma abóbora para cada um deles.

Com o encerramento da leitura, a professora perguntou o que os alunos imaginavam

que aconteceria no próximo encontro:

Criança 1 (T.) disse: – Agora a gente só vai saber no próximo episódio!

Prof.: – E o que vocês acham que aconteceu com essas abóboras? O que tem nessas

abóboras?

Criança 2: – Feitiço.

Prof.: – Que feitiço?

Criança 2: – Poção.

Prof.: – Que tipo de poção?

Criança 3: – Poção de bruxa.

Criança 4: – Poção de virar aranha. Prof.: – O que vocês acham que pode ter nessas abóboras?

Criança 5: – É uma coisa pra virar um sapo gosmento.

Criança 6: – Uma poção envenenada.

Foi possível perceber que a professora instigou os alunos a antecipar uma ideia, que

até então não estava clara, sobre o elemento místico que envolve a história e também o que os

esperava no capítulo seguinte.

A educadora continuou a investigação das hipóteses das crianças sobre o mistério que

cerca as abóboras:

Figura 46 – Ilustração da reunião

FONTE: Prandi, 2001, p. 14

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Prof.: – Se Ifá deu as abóboras pra eles comerem vocês acham que elas podem estar

envenenadas? Dá uma dica para os seus amigos, A. – A professora convidou o aluno

que já conhecia a história para participar da conversa.

Criança 7 (A.): – É uma coisa parecida com a Moura Torta, mas não é a mulher.

Prof.: – Olha só o que A. disse: é uma coisa parecida com a história da Moura Torta,

mas não são as mulheres. As mulheres estavam onde na história da Moura Torta?

Na história A Moura Torta, o príncipe ganha três melancias encantadas. O rapaz não

sabe que dentro de cada uma das frutas há uma bela moça. Mesmo sem saber disso, recebe

algumas instruções, que só depois de alguns acontecimentos desastrosos percebe serem para

garantir que a moça sobrevivesse quando a melancia fosse aberta.

Criança 8 respondeu a pergunta da professora: – Na melancia.

Criança 7 (A.): – Tem uma coisa dentro da abóbora, mas não é uma menina.

Prof.: – Não é menina e nem menino. Prof.: – No próximo episódio, como disse T., nós vamos saber o que é que tem

dentro das abóboras e solucionar esse mistério.

Criança 7 (A.): – É, só no próximo capítulo.

Nesse caso, a Criança 7 (A.) comparou um fato semelhante entre as duas histórias. Em

A Moura Torta uma mulher é encontrada dentro da melancia, já no segundo encontro dos

príncipes do destino, Obará conta que descobriu joias dentro das abóboras que recebeu de

seus irmãos, as mesmas ofertadas por Ifá naquele primeiro encontro.

Discussão sobre mitos: Após a leitura de várias histórias, do livro em questão e

também de outros mitos brasileiros, a professora desenvolveu uma conversa com seus alunos

a respeito do tema:

Criança 1 lembrou-se de um fato: – Quando eu tinha 3 anos o meu pai contava mitos

gregos pra mim – A menina agora tem 5 anos de idade, mas falou como se o fato

tivesse ocorrido num passado longínquo.

Prof.: – E o que são os mitos gregos?

Criança 1: – São histórias de anjos, de anjos que não existem.

As crianças começaram a falar de outros assuntos, então a professora retomou o tema

inicial:

Prof.: – E então gente, o que são mitos?

Criança 2: – São histórias de pessoas que morreram há muito tempo.

Criança 3: – E são inventadas, de bocas – Querendo dizer que são histórias

transmitidas oralmente.

Criança 4: – São histórias diferentes, não são normais, tem bichos estranhos.

Criança 5: – É pura fantasia.

Depois de várias leituras, as crianças puderam discutir e analisar suas hipóteses.

Refletiram sobre o que são e quais as características dos mitos.

Durante observação pude perceber que o momento da leitura era um evento muito

esperado pelas crianças. Antes de se iniciar a história havia um ritual: uma toalha era

estendida no chão para dar suporte ao livro, em seguida se acendia uma vela, que era mantida

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acesa enquanto a história era lida. Todos cantavam uma música e só então a leitura se

iniciava.

Eu vou te contar uma história, agora, atenção!

Que começa aqui no meio da palma da tua mão

Bem no meio tem uma linha ligada ao coração

Quem sabia dessa história antes mesmo da canção?

Dá tua mão, dá tua mão, dá tua mão, dá tua mão... (TATIT, P; TATIT, Z, 1996)

Ao criar a cena que acaba de ser descrita, a sala ganhava uma aura de magia e

encantamento, que alterava a rotina e dava importância à atividade. Além disso, o ritual

organizava o grupo em torno da leitura. As crianças eram tomadas pela música e aos poucos

se organizavam em roda. A leitura se transformava numa grande brincadeira, gerando um

novo significado à atividade, motivando os alunos, proporcionando prazer pela leitura e

disseminando a cultura popular brasileira.

2.7.2 Observação de aulas de História no primeiro ano do Ensino Médio

Visitei uma escola particular de Ensino Médio situada na zona oeste de São Paulo,

cujo tema de minha investigação está presente no currículo, nas disciplinas História,

Geografia e Língua Portuguesa, distribuídos nos três anos desse segmento. Acompanhei

algumas aulas de História tanto na escola quanto no Museu Afro Brasil. A professora da

turma me explicou que o ensino de História daquela instituição enfatiza o estudo referente ao

Brasil e a compreensão dos assuntos diretamente relacionados ao povo brasileiro e que esse é

o tema central da programação do primeiro ano, que estuda o Período Colonial. A docente

sinaliza a necessidade em se abordar o assunto: “A nossa matriz africana e o nosso passado a

ela relacionado são conhecimentos essenciais para a formação da identidade de nossas

crianças e jovens”.

Durante uma das aulas que assisti na turma do primeiro ano do Ensino Médio, houve

uma discussão sobre a perda da identidade e resistência dos negros escravizados. Uma garota

não entendia como isso poderia ser possível, já que disse acreditar que nada era capaz de tirar

de dentro da pessoa o que ela realmente era. Nesse momento, a docente fez com que ela

vivesse a situação de ser escravizada, sendo a professora sua proprietária. Disse que ela era

uma linda princesa africana que havia sido capturada e trazida ao Brasil como os demais

escravos, sem nenhuma regalia apesar de sua tradição nobre. Ao chegar aqui ela teria seu

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cabelo cortado, pois sua proprietária assim designara. Roupas coloridas e diversificadas não

eram permitidas, a partir daquele momento usaria somente roupas brancas e rústicas. Faria os

serviços de casa desde o amanhecer até a última pessoa da casa se recolher. Trocaria seu

nome, de Laura para Maria, pois a senhora não tinha boas recordações das outras Lauras que

havia conhecido. A partir daquele momento, ela deveria cultuar os santos católicos, visto que

sua senhora não admitia outra religião em suas propriedades. Sendo assim, para manter um

mínimo vínculo com sua identidade, a menina usaria secretamente uma pequena fita rosa, sua

cor preferida, na parte interna de sua roupa, assim, forçaria a lembrança dos bons tempos que

viveu na África.

Ao encerrar a sala estava em completo silêncio e a professora perguntou a garota o que

ela havia sentido com a mudança de vida. A aluna, que parecia abalada assim como os demais

colegas, concordou com a docente que era realmente difícil ser a mesma pessoa, manter seus

valores e sua identidade após tanta privação.

No final do trabalho, questionei a professora sobre esse processo. Primeiramente

perguntei sobre os conhecimentos prévios de seus alunos. A educadora me contou que antes

de iniciarem o assunto em questão, seus alunos “pensavam ‘o africano’ enquanto escravo e

pouco sabiam sobre a diversidade de povos escravizados e sua história, sobre o

funcionamento do tráfico de escravos para o Brasil e para a América”. E ao final eles eram

capazes de “olhar para o mapa da África e buscar informações sobre as condições de vida e as

atividades econômicas desenvolvidas pelos muitos povos que ali viviam. Aprenderam a

pensar nas relações entre esses modos de vida e as condições naturais dos territórios ocupados

por esses povos. Aprenderam a pensar a África em sua diversidade e puderam compreender os

interesses que aproximaram europeus e africanos ao longo da Idade Moderna”.

Perguntei também se ela havia ficado satisfeita com os resultados que obteve de seus

alunos. A docente respondeu que sim e completou: “Entendo que o trabalho de sala de aula e

a visita que fizemos ao Museu Afro Brasil permitiram a ampliação dos conhecimentos de

meus alunos. Hoje eles conseguem pensar a África para além da escravidão e pudemos

problematizar a escravidão olhando para os povos africanos e sua presença no Brasil”.

Finalizei o assunto indagando sobre sua opinião sobre o impacto desse trabalho na

vida de seus alunos. A professora comentou que “’Desnaturalizar’ a escravidão e

problematizar as relações econômicas e sociais dela derivadas tem sido importantíssimo na

formação de uma visão da sociedade brasileira para meus alunos”.

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2.7.3 Primeiro convite para conversar com alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental

No segundo semestre deste ano, visitei uma escola particular bilíngue da zona oeste de

São Paulo para conversar com alunos do primeiro ano. Na ocasião, eles estavam estudando

sobre as influências dos africanos na formação da cultura brasileira e ficaram com dúvidas a

respeito das religiões afro-brasileiras. Uma das professoras da escola é minha amiga, sabe

sobre meu interesse sobre o tema e me convidou para a atividade.

Antes da visita, conversei com a professora da turma para adequar a conversa aos

interesses dos alunos e objetivos do estudo. As crianças já haviam lido algumas histórias

africanas e tinham estudado sobre o continente e sua relação com o Brasil: posição geográfica,

quantidade de países e línguas faladas, riqueza da fauna e flora, tráfico de escravos,

escravidão no Brasil, culinária, artes plásticas, música e danças.

Quando cheguei à escola, educadores e alunos me receberam com muita simpatia e

educação. Iniciei a conversa perguntando onde estava localizado o continente africano e uma

criança respondeu: “– Fica bem no meio do mapa, no coração do mundo”. As crianças

contaram o que já sabiam sobre o tema em questão. Elas haviam preparado uma relação

questões, para não se esquecerem de nenhuma dúvida que surgiu durante o estudo: Quantas

festas havia durante o ano?; O que são orixás?; Sempre tem música?; Cada orixá tem uma

música?; Tem dança?; Cada orixá dança de um jeito?; Para que se festeja?; Os orixás e as

pessoas que os recebem usam fantasias? Por quê?; Candomblé só tem no Brasil? A religião é

a mesma em outros lugares do mundo? E na África?, e logo iniciaram as perguntas.

Discutimos superficialmente sobre os rituais e características dos orixás. Como

algumas dúvidas demonstravam interesse sobre as particularidades das festas, pedi que eles as

comparassem com uma festa de aniversário ou uma homenagem a alguém importante, na qual

o homenageado seria o orixá. Num evento como esse, os convidados e homenageado vestem-

se bem de acordo com a ocasião e costumes locais. Lá encontram muita música, dança e

comidas gostosas, seguindo o gosto do aniversariante. O orixá fica muito feliz com a presença

de todos, a homenagem, os presentes e alegria da festa.

Apesar do tema original da conversa ser as religiões afro-brasileiras, durante grande

parte do tempo, discutimos sobre as questões históricas relacionadas ao tráfico e escravidão

dos africanos no Brasil. As crianças questionaram por que os portugueses trouxeram os

africanos como escravos, como era a escolha das pessoas, para que trazer os africanos à força

se já havia indígenas no país.

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Num determinado instante da conversa, uma menina me perguntou: “– Por que os

africanos não ficaram felizes de virem para o Brasil, aqui é tão bonito e legal?”. Então,

lembrando-me da discussão que presenciei na sala de aula do Ensino Médio utilizei a mesma

estratégia da professora de História, pedi para que os alunos se imaginassem escravizados a

partir daquele momento e escolhi uma menina e um menino para serem meus escravos. Disse

que a menina era uma linda princesa na África e, assim como o menino, naquele instante eram

meus escravos, tinham sido levados de suas casas, sem nada além da roupa do corpo, nenhum

livro, nem brinquedo, nunca mais veriam os pais, os amigos e a sua professora. Deveriam

trabalhar duro desde o amanhecer até anoitecer, sem horário para brincar e nem salário no

final do mês, não iriam mais à escola, viveriam na senzala sem a família juntamente com

muitas pessoas que não conheciam, dormiriam em esteiras feitas de palha e apanhariam

quando fizessem algo que me desagradasse.

Depois dessa cena desoladora, perguntei se eles ainda achavam que viver aqui no

Brasil ainda parecia muito bom. Os alunos se mostraram indignados com os maus tratos

sofridos pelos negros escravizados no Brasil. Uma criança disse: “– Eles não tinham cama,

travesseiro, edredom, nenhuma cobertinha? Como eles dormiam?” e outro aluno falou: “– Por

que os portugueses faziam os negros trabalharem sem ganhar nada? Isso não é justo!” e

imediatamente um menino completou o raciocínio dizendo que “Brancos eram maus!”.

Discutimos que não se tratava de serem maus ou bons. Que infelizmente era um costume da

época, uma atitude normal, apesar de inaceitável atualmente.

Outro comentário foi sobre o preconceito, demonstrando valores antidiscriminatórios

bastante consolidados: “– Eu não entendo, porque os brancos faziam isso com os negros. Não

é todo mundo gente, muda só a cor, um é branco e o outro negro. Isso não faz sentido!”.

Como o tempo havia se esgotado, emprestei para a professora alguns livros sobre

lendas e características dos orixás que seriam lidos posteriormente pela educadora, pois

percebi que o interesse pelas divindades havia aumentado após nosso bate-papo.

No final da investigação, os alunos produziram um livro com as informações que

aprenderam sobre o tema. Fiquei bastante satisfeita, pois percebi que muitas informações

discutidas naquele encontro estavam presentes no livro produzido pelas crianças. Esse

material pode ser consultado em Anexo B.

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2.7.4 Segundo convite para conversar com alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental

Durante o mês de outubro deste ano, visitei uma escola pública situada na zona oeste

da capital para finalizar as entrevistas contidas neste trabalho. Observei dois dias de aula

numa sala do primeiro ano do Ensino Fundamental. Ao final do primeiro dia e das entrevistas,

as professoras se interessaram em saber o que seus alunos conheciam sobre o tema em

questão e perceberam que muitos não tinham nenhuma informação sobre o continente,

algumas crianças demonstravam conhecimentos equivocados e poucas tinham realmente algo

a dizer sobre o assunto. Naquele instante as docentes se deram conta de que não haviam

incluído o assunto no planejamento daquele ano. Foi então que surgiu o convite para uma

conversa com seus alunos na semana seguinte sobre a influência dos africanos em nossa

cultura.

Como não havia limitação de assunto, pensei em demonstrar para as crianças que elas

sabiam muitas informações sobre o continente, porém não as relacionava à cultura brasileira,

principalmente os aspectos que estão presentes em nosso cotidiano e também não localizava à

África. Conversamos sobre a localização geográfica do Brasil e da África, a diferença entre

país e continente, quantidade de países e línguas faladas na África, animais do zoológico

conhecidos por todos e que eram originários do continente africano, países conhecidos como

Egito (pirâmides e faraós), África do Sul (sede da Copa do Mundo de Futebol em 2010),

culinária, música (instrumentos e ritmos), danças, festas, histórias (filmes de animação

bastante conhecidos), palavras de origem africana presentes na língua Portuguesa falada no

Brasil.

Foi muito interessante ver a satisfação das crianças em participar da conversa e

perceber o quanto elas realmente conheciam sobre o continente em questão e sua influência

em nossa cultura, porém não haviam relacionado-os as suas vidas. Eles se espantavam a cada

nova situação. Lembro-me de um garoto dizer “A palavra bagunça veio da África? Nossa!

Isso eu sei bem o que é!”, e todos da sala riram. Nesse momento, ele percebeu que os

costumes e hábitos africanos estavam realmente presentes em nosso cotidiano.

Fiquei bastante feliz com a receptividade das professoras e dos alunos dessa sala.

Creio que tenha contribuído, pelo menos um pouco, para despertar novas investigações sobre

nossas origens africanas.

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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema que escolhi foi realmente difícil de ser desenvolvido. Percebi que não faz parte

do currículo regular além da disciplina de História, quando se trata do Período Colonial,

apesar da lei garantir esse acesso. Em algumas escolas, quando o assunto é tratado, é visto de

forma sucinta e sem continuidade, criando estereótipos e confundindo os alunos.

Grande parte dos professores não se sente preparado e muitos evitam o assunto. Isso

porque, tentei entrevistar docentes e gestores para descobrir o que eles pensam sobre a

importância do ensino da história e das culturas africana e afro-brasileira, sua relação com a

prática e escolha de material para o trabalho em sala de aula, e assim enriquecer minha

pesquisa. Foram várias as tentativas, mais de 30, sendo apenas 6 respondentes que se

dispuseram a dividir comigo suas experiências (e não experiências), suas angústias. Dessa

forma, não pude considerá-los em meu estudo, visto que a amostra não seria representativa.

Ao final do trabalho, o que vi foram crianças, em sua maioria, com ideias equivocadas

a respeito de suas origens. Percebi que muitas escolas, gestores e docentes não estão

preparados para lidarem a contento com o tema abordado por esse artigo. Não consideram a

diversidade, não respeitam as diferenças, nem sempre ouvem e utilizam o repertório dos

alunos durante as aulas, desconsiderando a cultura da criança e impedindo que ela se

desenvolva plenamente.

Uma lei apenas não é suficiente para garantir a disseminação da verdade e a qualidade

no ensino brasileiro, é somente o primeiro passo. Além disso, não basta apenas a formação

acadêmica básica. É preciso formação específica e continuada do docente a respeito da

formação do povo brasileiro, além da ausência de preconceitos étnico e religioso para que as

crianças tenham uma educação de qualidade e sintam orgulho de suas origens.

Apesar do cenário desolador, tive ótimas experiências. Conheci crianças que já sabiam

bastante e mesmo assim estavam interessadas em aprender ainda mais. Tive contato com

outras que diziam não conhecer nada sobre a África, africanos e afro-brasileiros e, ao

perceberem essas influências diretamente relacionadas ao seu cotidiano mostraram-se tão

interessadas que não conseguiam se conter, riam, conversavam entre si, olhavam-me com

espanto, algumas mal piscavam. Também houve um depoimento marcante de um garoto de 9

anos que disse: “Muita gente tem preconceito com os negros. Tem um livro da Ana Maria

Machado, Menina bonita do laço de fita, que eu adoro. Nesse livro, o coelho queria ser

negro. Eu também! É mó ridículo esse negócio de preconceito com o negro”.

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A educação é verdadeiramente o caminho para o desenvolvimento. Por meio dessa

pesquisa, pude constatar que é possível alcançar os objetivos didáticos relacionados às

linguagens oral e escrita, tendo como base a leitura de histórias, lendas e mitos provenientes

da cultura popular brasileira e africana. Os alunos que têm contato desde cedo com histórias

dos povos africanos são realmente capazes de perceber que não existe uma única história

sobre os africanos: o fato de eles terem sido escravizados em nosso país por mais de 300 anos.

Esses alunos conhecem, são capazes de identificar a real participação dos povos africanos na

cultura brasileira da qual fazemos parte.

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APÊNDICE A

Questionários utilizados para pesquisa de campo.

CRIANÇA

Informações sobre a criança:

a) Nome

b) Idade

c) Estuda em que ano/série?

d) Em qual escola estuda?

e) Estudou em outras escolas antes dessa?

f) Sempre morou em SP?

Questões para as crianças do Ensino Fundamental:

1) O que você sabe sobre a África?

2) E sobre os africanos?

3) Conhece alguma história sobre a África ou sobre as pessoas que vivem ou viveram lá?

Qual?

4) Onde vivem os africanos? E seus descendentes?

5) Como vivem os africanos? E seus descendentes?

6) Você conhece algum africano? E algum descendente de africanos?

7) Sabe dizer que língua eles falam?

Questões para crianças da Educação Infantil:

Faça um desenho sobre o que você sabe sobre a África e sobre os africanos.

EDUCADOR

Informações sobre o educador:

a) Formação:

b) Tempo de profissão:

c) Leciona atualmente em escola particular ou pública?

d) Atualmente trabalha com crianças de qual idade/ano?

e) Sempre trabalhou com crianças dessa idade/ano?

f) Já exerceu ou exerce cargo de gestão (coordenação, orientação, direção)?

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Questões para os educadores:

1) Para você, qual a importância do ensino da história e cultura Afro-Brasileira?

2) Como você vê o ensino sobre as questões africanas e afro-brasileiras em sua escola?

3) A partir de que idade/série os alunos tem contato com a história e cultura Afro-Brasileira?

4) Que tipo de material didático utiliza? É você quem o seleciona? Quais são os critérios

para a escolha do material didático?

5) O que seus alunos sabiam antes de começar o trabalho?

6) O que eles aprenderam?

7) Ficou satisfeita com os resultados que obteve de seus alunos?

8) Em sua opinião, qual foi o impacto desse trabalho na vida das crianças?

AUTORES DE LIVROS DIDÁTICOS E PARADIDÁTICOS

Informações sobre o autor:

a) Formação:

b) Executa outra profissão além de ser escritor?

Questões para os autores:

1) O que o motivou a escrever seus livros?

2) Que tipo de pesquisa faz para recolher informações que serão utilizadas em seus

trabalhos?

3) Que tipo de documentos utiliza para pesquisa?

4) Conta com a ajuda de alguém especializado no assunto?

5) Como seleciona as imagens que constarão em suas publicações?

6) Relate algumas de suas experiências mais marcantes.

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APÊNDICE B

Resultado das pesquisas realizadas com trinta e três crianças entre 5 e 13 anos, alunos de

escolas públicas e particulares tradicionais da cidade de São Paulo, entre os meses de maio e

outubro de 2012.

1. O que você sabe sobre a África? Crianças

Falaram sobre os animais. 13 39%

É um continente. 7 21%

Os países são muito secos / Deserto / Quente. 6 18%

Comentaram algo relacionado à escravidão. 3 9%

As pessoas são muito pobres. 3 9%

Fica muito longe daqui. 3 9%

É um país. 2 6%

Local com muitas árvores. 2 6%

Tem um "marzão"/oceano. 2 6%

As pessoas são negras. 2 6%

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1. O que você sabe sobre a África? Crianças

Local de extração de ouro e pedras preciosas. 2 6%

Lá tem vários índios. 2 6%

As pessoas sofreram muito. 1 3%

O Maracatu veio da África. 1 3%

São pessoas com costumes (brincadeiras e alimentos) diferentes dos nossos. 1 3%

São países mal desenvolvidos e desconhecidos pelos brasileiros. 1 3%

Tem casas de palha. 1 3%

Fica aqui no Brasil. 1 3%

Tem floresta. 1 3%

Lá, eles têm vários deuses e rituais. 1 3%

Comentara sobre música, máscaras, esculturas, danças. 1 3%

Lá eles trabalham muito. 1 3%

Conhece alguns paises (Egito, África do Sul, Madagascar, São Tomé e Príncipe). 1 3%

Lá tem uma árvore chamada pau-brasil. 1 3%

Não sabe/lembra. 6 18%

2. E sobre os africanos? Crianças

São Negros. 12 36%

Comentaram algo relacionado a escravidão. 7 21%

Citaram seus rituais. 3 9%

São pobres. 3 9%

Falaram sobre os animais. 2 6%

São índios / São muito parecidos com os indígenas. 2 6%

Eles cantam durante as festas. 1 3%

São carecas e usam panos na cabeça. 1 3%

Não têm muita comida. 1 3%

Algumas pessoas são brancas outras são negras. 1 3%

A maioria das pessoas é negra. 1 3%

Gostam de animais. 1 3%

Eles fazem petecas. 1 3%

Alimentam-se de frutas e peixes. 1 3%

São bonitos. 1 3%

Gostam de surfar. 1 3%

Têm uma cultura totalmente diferente da gente. 1 3%

Jogam futebol e tem bastante dança. 1 3%

Não sabe/lembra. 8 24%

3. Conhece alguma história sobre a África ou sobre as pessoas que vivem ou

viveram lá? Qual? Crianças

Filme: Kiriku e a feiticeira. 3 9%

Comentaram algo relacionado à escravidão. 2 6%

Livro: A África, meu pequeno Chaka... 2 6%

Filme: Madagascar. 2 6%

Conhece um participante do Reality Show (Band - Perdidos na Selva), que contou

sobre os rituais que participou. 1 3%

Filme: Rei Leão. 1 3%

História: Um africano era muito bem dotado, por ele ser muito esperto. Tinha um clã muito grande, lutava contra os europeus por meio de guerras, esconderijos e

armadilhas, mas depois um Bandeirante veio e o matou.

1 3%

História: uma mulher que virou mandioca. 1 3%

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3. Conhece alguma história sobre a África ou sobre as pessoas que vivem ou

viveram lá? Qual? Crianças

Livro: Crianças do Mundo. 1 3%

Ouvi dizer que as pessoas cavam a terra com as mãos para enterrar os mortos. 1 3%

Livro: Os africanos. 1 3%

Filme: Os Pinguins de Madagascar, "o filme de um pinguim que sai da África e vai

surfar". 1 3%

Sim, conheço lendas. “Quer que eu conte uma?” – A mulher e o touro; O cesto

mágico; Como surgiu a sabedoria; Como o homem perdeu o rabo; A roupa do jabuti. 1 3%

Não sabe/lembra. 19 58%

4. a. Onde vivem os africanos? Crianças

Na África. 14 42%

Numa oca / Em casas de palha. 6 18%

Em aldeias. 2 6%

Em Portugal, na Espanha e em suas colônias. 2 6%

Lá pelo sul. 1 3%

Eles vivem em barraquinhas. 1 3%

Não sabe/lembra. 9 27%

4. b. E seus descendentes? Crianças

Na África. 7 21%

Em aldeias. 2 6%

Em diversos lugares. 2 6%

Em Portugal, na Espanha e em suas colônias. 1 3%

Lá pelo sul. 1 3%

Na América do Norte, nos EUA, na África do Sul, no México e poucos na Europa. 1 3%

No Brasil. 1 3%

Numa oca. 1 3%

Vieram de Minas. 1 3%

São ingleses, portugueses. Acho que espanhóis e italianos. 1 3%

Não sabe/lembra. 3 9%

5. Como vivem os africanos? E seus descendentes? Crianças

Tem cultura, língua e costumes diferentes. 3 9%

Alguns vivem mal (na pobreza), alguns vivem bem (na riqueza). 2 6%

Em casas de palha. 2 6%

Bem. 1 3%

Na terra, na África. 1 3%

Não são muito civilizados. Eles se alimentam de animais. 1 3%

Os africanos vivem bem com seu salário e sua casa. Os seus descendentes viviam

não tão bem porque antes eles não eram livres. 1 3%

Pegam água com um balde no rio, batem mandioca para fazer creme. 1 3%

Sem comida. 1 3%

Seus descendentes são europeus. 1 3%

Vivem em grupo, nas aldeias. 1 3%

Vivem normalmente. 1 3%

Vivem sob preconceito. As pessoas acham que eles são subdesenvolvidos e então

eles não conseguem uma posição nos países em que moram, não conseguem um bom emprego. É difícil serem bem sucedidos como Barack Obama.

1 3%

Eles bebem muita água e comem bastante para ficarem fortes. 1 3%

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5. Como vivem os africanos? E seus descendentes? Crianças

As mães carregam os filhos nas costas. 1 3%

Eles matam os bichos, tiram a pele e fazem uma cortina com a pele. 1 3%

A maioria vive em lugares muito pobres. 1 3%

Vários descendentes devem ter nascido na África e foram para outros países

próximos procurar trabalho. Os de São Tomé e Príncipe não têm muito dinheiro

então vão para Angola e África do Sul. Tem os africanos que vão para outro continente e os que procuram países mais ricos na própria África.

1 3%

Não sabe/lembra. 14 42%

6. Você conhece algum africano? E algum descendente de africanos? Crianças

Sim, eu mesmo sou descendente de africano/Meu avô/tataravô veio da África. 3 9%

Não tenho certeza se ele é descendente de africanos ou índios. 2 6%

Mei pai foi para a África quando eu tinha 3 anos. 1 3%

Sim. 1 3%

Um garoto, amigo do meu amigo, ele é descendente de africano, de 2 descendências

atrás (avô africano). 1 3%

Não sabe/lembra. 25 76%

7. Sabe dizer que língua eles falam? Crianças

Portuguesa. 12 36%

Africanês. 7 21%

Inglês. 4 12%

Brasileira. 2 6%

... e outras línguas. 2 6%

Eles devem falar muitas línguas, porque a África é muito grande. 1 3%

Indígena. 1 3%

Uma língua muçulmana que só é conhecida na África. 1 3%

Não falam Português. 1 3%

Espanhol. 1 3%

Falam uma língua curupira, uma língua só deles que a gente não entende. 1 3%

Eu sei que lá tem 2019 línguas diferentes. 1 3%

Não sabe/lembra. 9 27%

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APÊNDICE C

Literatura infanto-juvenil sugerida: histórias brasileiras, contos populares, adivinhas, histórias

com personagens negros.

AUTOR TÍTULO EDITORA

ACIOLI, Socorro. Ela tem olhos de céu. Gaivota

AMADO, Jorge. A bola e o goleiro Companhia das

Letrinhas

O gato Malhado e a andorinha Sinhá: uma história de

amor

Companhia das

Letrinhas

ALMEIDA, Joaquim de;

ALMEIDA, Thereza. José Moçambique e a capoeira.

Companhia das

Letrinhas

ANDRADE, Mário de. Será o Benedito! Cosac Naify

ARAÚJO, Jorge. Comandante Hussi. Editora 34

AZEVEDO, Ricardo. A borboleta azul: versão de um conto popular. ÔZé Editora

A história de João Forçudo: versão de um conto

popular. Studio Nobel

A moça, o gigante e o moço. Studio Nobel

A moça de Bambuluá. Scipione

A viagem assombrosa de João de Calais. Scipione

A vida e a outra vida de Roberto do Diabo. Scipione

Armazém do folclore Ática

Contos de adivinhação: versões de contos populares. Ática

Contos de bichos do mato. Ática

Contos de enganar a morte. Ática

Contos de espanto e alumbramento. Scipione

Contos e lendas de um vale encantado: uma viagem

pela cultura popular do Vale do Paraíba. Scipione

Cultura da terra. Moderna

Histórias de bobos, bocós, burraldos e paspalhões. Ática

Histórias folclóricas de medo e de quebranto. Scipione

O macaco e a velha: versão de um conto popular. FTD

Maria Gomes. Scipione

Meu livro de folclore. Ática

Moça formosa, pai carrancudo: seleção de adivinhas

populares brasileiras. FTD

Monstrengos de nossa terra: bestiário. FTD

No meio da noite escura tem um pé de maravilha! Ática

Pedro, João e José: versão de um conto popular. Studio Nobel

Você diz que sabe muito, borboleta sabe mais! Moderna

Você me chamou de feio, sou feio, mas sou dengoso. Moderna

Vou-me embora desta terra, é mentira eu não vou

não! Moderna

BARBOSA, Rogério Andrade. Contos de Itaparica. Edições SM

BUENO, Renata; ZANETTI,

Mariana. Nome, sobrenome, apelido.

Companhia das

Letrinhas

CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. Global

Couro de piolho. Global

Facécias: contos populares divertidos. Global

Lendas brasileiras. Global

O marido da mãe d'água / A princesa e o gigante. Global

O papagaio real. Global

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AUTOR TÍTULO EDITORA

COOKE, Trish. Tanto, tanto! Ática

GÓES, Lúcia Pimentel de

Sampaio. Pretinha e branquinha. Santuário

HOLANDA, Arlene O Brasil que veio da África. Nova Alexandria

LUSTOSA, Isabel. A história dos escravos. Companhia das

Letrinhas

MACHADO, Ana Maria. Do outro lado tem segredos. Nova Fronteira

Era uma vez um tirano. Salamandra

Menina bonita do laço de fita. Ática

Pena de pato e Tico-tico. Salamandra

Raul da ferrugem azul. Salamandra

MESSIAS, Adriano. Histórias mal-assombradas do tempo da escravidão. Biruta

OLIVEIRA, Alaide Lisboa. A bonequinha preta. Lê

O Bonequinho Doce. Lê

PINSKY, Mirna. Nó na garganta. Atual

PRANDI, Reginaldo. Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo. Companhia das

Letras

Ifá, o adivinho.

Companhia das

Letrinhas

Oxumaré, o Arco-Íris.

Companhia das

Letrinhas

Xangô, o trovão: outras histórias dos deuses africanos

que vieram para o Brasil com os escravos.

Companhia das

Letrinhas

ROCHA, Ruth. O amigo do rei. Ática

ZATZ, Lia. Manu da noite enluarada. Biruta

Papí, o construtor de pipas. Biruta

Tenka, preta pretinha. Biruta

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APÊNDICE D

Literatura infanto-juvenil sugerida: histórias africanas.

AUTOR TÍTULO EDITORA

AGREEY, James. A águia que não queria voar. Companhia das

Letrinhas

ANTONIO, Luiz. Minhas contas. Cosac Naify

ASARE, Meshack. O chamado de Sosu. Edições SM

BÂ, Amadou Hampâté Amkoullel, o menino fula. Palas Athena

BARBIERI, Stela. O livro das cobras. DCL

BARBOSA, Rogério Andrade. A caixa dos segredos. Record

A tatuagem: reconto do povo Luo Gaivota

ABC do continente africano. Edições SM,

Bichos da África 1: lendas e fábulas. Melhoramentos

Bichos da África 2: lendas e fábulas. Melhoramentos

Bichos da África 3: lendas e fábulas. Melhoramentos

Bichos da África 4: lendas e fábulas. Melhoramentos

Como as histórias se espalharam pelo mundo. DCL

Contos africanos de adivinhação. Paulinas

Contos ao redor da fogueira. Agir

Em Angola tem? No Brasil também! FTD

Histórias africanas para contar e recontar. do Brasil

Histórias que nos contaram em Luanda. FTD

Jambo! Uma manhã com os bichos da África. Melhoramentos

Kalahari: uma aventura no deserto africano. Melhoramentos

Karingana Wa Karingana. Paulinas

Madiba, o menino africano. Cortez

Nas asas da liberdade. Biruta

Ndule Ndule: assim brincam as crianças africanas. Melhoramentos

Nem um grão de poeira. Zit

O filho do vento. DCL

O segredo das tranças e outras histórias africanas. Scipione

Os três presentes mágicos. Record

Pra lá de Marrakech. FTD

Pigmeus: os defensores da floresta. DCL

Três contos africanos de adivinhação. Paulinas

BENJAMIN, Roberto. A rainha gringa. Grafset

A serpente de sete línguas. Grafset

Ali e os camelos. Grafset

O Mansa Musa: o imperador vai a Meca. Grafset

BLUM, Claude. O homem frondoso e outras histórias da África. Companhia das

Letrinhas

BRAGANÇA, Albertino et al. Contos africanos dos países de língua portuguesa. Ática

BRENMAN, Ilan. As narrativas preferidas de um contador de

histórias. Landy

CAMPOS, Carmen Lucia. Meu avô africano. Panda Books

CANTON, Kátia. Entre o rio e as nuvens: algumas histórias africanas. DCL

COCK, Nicole de. A menina e o elefante. Cosac Naify

CONWAY, David. Lila e o Segredo da Chuva. Biruta

COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. Companhia das

Letras

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AUTOR TÍTULO EDITORA

COUTO, Mia. O fio das missangas: contos. Companhia das

Letras

O gato e o escuro.

Companhia das Letras

CUNHA, Carolina. ABC afro-brasileiro. Edições SM

DALY, Niki. Cadê você Jamela? Edições SM

O que tem na panela, Jamela? Edições SM

DARBOIS, Dominique. Agossu: o pequeno africano. Freitas Bastos

DESNOËTTES, Caroline; HARTMANN, Isabelle.

Batuque de cores. Companhia das Letrinhas

DIALLO, Mamadou. Os chifres da hiena e outras histórias da África. Edições SM

DIOUF, Sylviane A. As tranças de Bintou. Cosac Naify

EISNER, Will. Sundiata: O leão de Mali – uma lenda africana. Companhia das

Letras

GENDRIN, Catherine. Volta ao mundo dos contos nas asas de um pássaro. Edições SM

GÖTTING, Jean-Claude. Anansi, o velho sábio. Companhia das

Letrinhas

KOUROUMA, Ahnadou. Homens da África. Edições SM

LIMA, Heloísa Pires. Histórias da preta. Companhia das

Letrinhas

LIMA, Heloísa Pires;

GNEKA, Georges; LEMOS,

Mário. A semente que veio da África. Salamandra

LODY, Raul. Seis pequenos contos africanos sobre a criação do

mundo e do homem. Pallas

MACHADO, Ana Maria. De olho nas penas. Salamandra

MARTINS, Adilson. Erinlé, o caçador e outros contos africanos. Pallas

MARTINS, Georgina;

TELLES, Teresa Silva. Meu tataravô era africano. DCL

MIRANDA, Eraldo. O dia em que Ananse espalhou a sabedoria pelo

mundo. Elementar

NEVES, André. Obax. Brinque-Book

PINGUILLY, Yves. Contos e lendas da África. Companhia das

Letras

QUENTIN, Laurence;

REISSER, Catherine.

Ao sul da África: na África do sul, os ndebeles. No

Zimbábue, os xonas. Em Botsuana, os bosquímanos.

Companhia das

Letrinhas

RUMFORD, James. Chuva de manga. Brinque-Book

SACRANIE, Magdalene. O amuleto perdido: e outras lendas africanas. Panda Books

SANTOS, Joel Rufino dos. Gosto de África: histórias de lá e daqui. Global

SELLIER, Marie. A África, meu pequeno Chaka... Companhia das

Letrinhas

SISTO, Celso. O casamento da princesa. Prumo

SOLER-PONT, Anna. O príncipe medroso e outros contos africanos. Companhia das

Letras

SMITH, Alexander McCall. Akimbo e os elefantes. Companhia das

Letrinhas

TANAKA, Béatrice. A história de Chico Rei: um rei africano no Brasil. Edições SM

ZATZ, Lia. Luanda, filha de Iansã. Biruta

Uana e Marrom de Terra. Biruta

ZIRALDO. O menino marrom. Melhoramentos

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APÊNDICE E

Material audiovisual sugerido:

TÍTULO RESPONSÁVEL DISPONÍVEL EM:

ATLÂNTICO Negro – Na

rota dos Orixás.

Renato Barbieri

(Direção). DVD

KIRIKU e a feiticeira. Michel Ocelot (Direção). DVD

África, diversidade e permanência.

MUSEU Afro Brasil. <http://www.youtube.com/watch?v=IsZiVa1gylM>. Acesso em 3 ago. 2012.

Artes Plásticas. MUSEU Afro Brasil. <http://www.youtube.com/watch?v=RmZNkjgslH0>.

Acesso em 3 ago. 2012.

História e Memória. MUSEU Afro Brasil. <http://www.youtube.com/watch?v=XbiyUQeGsfE>.

Acesso em 3 ago. 2012.

Religiões afro-brasileiras. MUSEU Afro Brasil. <http://www.youtube.com/watch?v=g2q8cqxhzvw>.

Acesso em 3 ago. 2012.

Trabalho e escravidão. <http://www.youtube.com/watch?v=vwIKjB_0FoA>.

Acesso em 3 ago. 2012.

O JOGO de xadrez. <http://www.youtube.com/watch?v=NavkKM7w-cc>.

Acesso em 03 jun. 2012.

PIERRE Verger:

Mensageiro entre Dois

Mundos.

Europa Filmes DVD

TESTE da boneca. <http://www.youtube.com/watch?v=

1TCGvOmHtPg>. Acesso em 03 jun. 2012.

TESTE da boneca no

Brasil.

<http://www.youtube.com/watch?v=xPl7jQbQk>.

Acesso em 03 jun. 2012.

UM PÉ de quê? : Baobá,

Pitanga e Mangaba.

Estevão Ciavatta, João

Carrascosa (Direção).

Pindorama Filmes, Canal

Futura (Produção).

DVD

VISTA a minha pele. <http://www.youtube.com/watch?v=LWBodKwuHC

M>. Acesso em 03 jun. 2012.

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APÊNDICE F

Bibliografia de apoio ao docente: AUTOR TÍTULO EDITORA

AGUILAR, Nelson (Org.). Mostra do redescobrimento: negro de corpo e alma. Fundação Bienal de

São Paulo

ANDRADE, Mário de. Cartas de Mário de Andrade a Luis da Câmara

Cascudo. Itatiaia

BARBOSA, Marise. Umas mulheres que dão no couro: As caixeiras do Divino no Maranhão.

Empório de Produções &

Comunicação

BENJAMIN, Roberto. A África está em nós: história e cultura afro-brasileira. Grafset

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Global

Folclore do Brasil. Fundo de Cultura

Geografia dos mitos brasileiros. Itatiaia

História dos nossos gestos. Itatiaia

Made in Africa: pesquisas e notas. Global

CORTÊS, Gustavo. Dança, Brasil! : festas e danças populares. Leitura

FERNANDES, Florestan. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. Martins Fontes

HERNANDEZ, Leila Maria

Gonçalves Leite.

A África na sala de aula: visita à história

contemporânea. Selo Negro

MUNANGA, Kabengele;

GOMES, Nilma Lino.

Para entender o negro no Brasil de hoje: história,

realidades, problemas e caminhos. Global

REIS, Letícia Vidor de Sousa;

SCHWARCZ, Lilia Moritz

(Org.).

Negras imagens: ensaios sobre cultura e escravidão no

Brasil. EDUSP

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Companhia das Letras

SALGADO, Sebastião;

COUTO, Mia. África. Taschen

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Racismo no Brasil. Publifolha

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APÊNDICE G

Artigos sugeridos para leitura do educador:

AUTOR TÍTULO PUBLICAÇÃO

CALAINHO, Daniela

Buono. Feiticeiros negros no Brasil colonial.

Revista Nossa História, Belo Horizonte, p. 67,

abr. 2005

CARVALHO, Ana Carolina.

O politicamente correto nas historias infantis: entrevista Ilan Brenman.

Revista Avisa Lá, São Paulo, p. 45, ago. 2009.

CASTRO, Celso. Raça e sociedade brasileira. Revista Nossa História, Belo Horizonte, p. 98,

mai. 2006.

DEBUS, Eliane.

A literatura infantil

contemporânea e a temática

étnico-racial: mapeando a

produção.

Disponível em: <http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_

anteriores/anais16/sem08pdf/sm08ss12_06.pdf>. Acesso em: 27 ago.2010.

Meninos e meninas negras na

literatura infantil brasileira: (des)velando preconceitos.

Disponível em:

<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/persp

ectiva/article/viewFile/2175-

795X.2010v28n1p191/pdf>. Acesso em: 29

mar. 2012.

GIL, Marta. Calorias e preconceito. Revista Avisa Lá, São Paulo, p. 8, jul. 2008.

LIMA, Mônica. A África na sala de aula. Revista Nossa História, Belo Horizonte, p. 84,

fev. 2004.

MONTES, Maria

Lucia

As Caixeiras do Divino: tradição e

inovação na metrópole.

Disponível em:

<http://www.cachuera.org.br/cachuerav02/index

.php?option=com_content&view=article&id=55

2:ascaixeirasmarialucia&catid=80:escritos&Ite

mid=89>. Acesso em: 01 mai. 2012.

- REVISTA DA HISTÓRIA DA

BIBLIOTECA NACIONAL.

Sociedade de Amigos da Biblioteca Nacional,

mar. 2012, ano 7, n. 78. ISSN 1808-4001.

RISÉRIO, Antonio. Escravos de escravos. Revista Nossa História, Belo Horizonte, p. 62,

fev. 2004.

SANCHEZ, Ana

Maria.

Entrevista: Lia, a cirandeira de

Itamaracá. Revista Avisa Lá, São Paulo, p. 4, jan. 2002.

O preconceito nas entrelinhas. Revista Avisa Lá, São Paulo, p. 6, jan. 2003.

SANTOS, Luiz Carlos

dos.

Um afro-brasileiro em 22: O recorte

da Semana de Arte Moderna que

ignorou uma faceta importante de

Mário de Andrade.

Revista Carta na Escola, São Paulo, p. 53, abr.

2012.

VENÂNCIO, Joyce. O preconceito no primeiro dia de

aula. Revista Avisa Lá, São Paulo, p. 50, jul. 2005.

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ANEXO A

Transcrição da Palestra de Chimamanda Adichie: “O perigo de uma única história” durante

TED12

em jul. 2009.

Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias

pessoais sobre o que eu gosto de chamar "o perigo de uma história única".

Eu cresci num campus universitário no leste da Nigéria. Minha mãe diz que eu

comecei a ler com dois anos, mas eu acho que quatro é provavelmente mais próximo da

verdade. Então, eu fui uma leitora precoce. E o que eu lia eram livros infantis britânicos e

americanos. Eu fui também uma escritora precoce. E quando comecei a escrever, por volta

dos sete anos, histórias com ilustrações em giz de cera, que minha pobre mãe era obrigada a

ler, eu escrevia exatamente os tipos de histórias que eu lia. Todos os meus personagens eram

brancos de olhos azuis. Eles brincavam na neve. Comiam maçãs. (Risos da plateia) E eles

falavam muito sobre o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido. (Risos da

plateia), apesar do fato que eu morava na Nigéria.

Eu nunca havia estado fora da Nigéria. Nós não tínhamos neve, nós comíamos

mangas. E nós nunca falávamos sobre o tempo porque não era necessário. Meus personagens

também bebiam muita cerveja de gengibre porque as personagens dos livros britânicos que eu

lia bebiam cerveja de gengibre. Não importava que eu não tivesse a mínima ideia do que era

cerveja de gengibre. (Risos da plateia) E por muitos anos depois, eu desejei desesperadamente

experimentar cerveja de gengibre. Mas isso é outra história. A meu ver, o que isso demonstra

é como nós somos impressionáveis e vulneráveis em face de uma história, principalmente

quando somos crianças. Porque tudo que eu havia lido eram livros nos quais as personagens

eram estrangeiras, eu convenci-me de que os livros, por sua própria natureza, tinham que ter

estrangeiros e tinham que ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar. Bem, as

coisas mudaram quando eu descobri os livros africanos. Não havia muitos disponíveis e eles

não eram tão fáceis de encontrar quanto os livros estrangeiros, mas devido a escritores como

Chinua Achebe e Camara Laye eu passei por uma mudança mental em minha percepção da

literatura. Eu percebi que pessoas como eu, meninas com a pele da cor de chocolate, cujos

cabelos crespos não poderiam formar rabos-de-cavalo, também podiam existir na literatura.

12

TED (Tecnologia, Entretenimento e Design) é uma fundação americana que promove anualmente palestras

visando disseminar ideias e personalidades de destaque. Cada palestrante tem 18 minutos para seu discurso.

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75

Eu comecei a escrever sobre coisas que eu reconhecia. Bem, eu amava aqueles livros

americanos e britânicos que eu lia. Eles mexiam com a minha imaginação, me abriam novos

mundos. Mas a consequência inesperada foi que eu não sabia que pessoas como eu podiam

existir na literatura. Então o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim foi: salvou-

me de ter uma única história sobre o que os livros são.

Eu venho de uma família nigeriana convencional, de classe média. Meu pai era

professor. Minha mãe, administradora. Então nós tínhamos como era normal, empregada

doméstica, que frequentemente vinha das aldeias rurais próximas. Então, quando eu fiz oito

anos, arranjamos um novo menino para a casa. Seu nome era Fide. A única coisa que minha

mãe nos disse sobre ele foi que sua família era muito pobre. Minha mãe enviava inhames,

arroz e nossas roupas usadas para sua família. E quando eu não comia tudo no jantar, minha

mãe dizia: "Termine sua comida! Você não sabe que pessoas como a família de Fide não tem

nada?" Então eu sentia uma enorme pena da família de Fide.

Então, num sábado, nós fomos visitar a sua aldeia e sua mãe nos mostrou um cesto

com um padrão lindo, feito de ráfia seca por seu irmão. Eu fiquei atônita! Nunca havia

pensado que alguém em sua família pudesse realmente criar alguma coisa. Tudo que eu tinha

ouvido sobre eles era como eram pobres, assim havia se tornado impossível pra mim vê-los

como alguma coisa além de pobres. Sua pobreza era minha história única sobre eles.

Anos mais tarde, pensei nisso quando deixei a Nigéria para cursar universidade nos

Estados Unidos. Eu tinha 19 anos. Minha colega de quarto americana ficou chocada comigo.

Ela perguntou onde eu tinha aprendido a falar inglês tão bem e ficou confusa quando eu disse

que, por acaso, a Nigéria tinha o inglês como sua língua oficial. Ela perguntou se podia ouvir

o que ela chamou de minha "música tribal" e, consequentemente, ficou muito desapontada

quando eu toquei minha fita da Mariah Carey. (Risos da plateia) Ela presumiu que eu não

sabia como usar um fogão.

O que me impressionou foi que: ela sentiu pena de mim antes mesmo de ter me visto.

Sua posição padrão para comigo, como uma africana, era um tipo de arrogância bem

intencionada, piedade. Minha colega de quarto tinha uma única história sobre a África. Uma

única história de catástrofe. Nessa única história não havia possibilidade de os africanos

serem iguais a ela, de jeito nenhum. Nenhuma possibilidade de sentimentos mais complexos

do que piedade.

Nenhuma possibilidade de uma conexão como humanos iguais.

Eu devo dizer que antes de ir para os Estados Unidos, eu não me identificava,

conscientemente, como uma africana. Mas nos EUA, sempre que o tema África surgia, as

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76

pessoas recorriam a mim. Não importava que eu não soubesse nada sobre lugares como a

Namíbia. Mas eu acabei por abraçar essa nova identidade. E, de muitas maneiras, agora eu

penso em mim mesma como uma africana. Entretanto, ainda fico um pouco irritada quando se

referem à África como um país. O exemplo mais recente foi meu maravilhoso voo de Lagos,

dois dias atrás, não fosse um anúncio de um voo da Virgin sobre o trabalho de caridade na

"Índia, África e outros países". (Risos da plateia)

Então, após ter passado vários anos nos EUA como uma africana, eu comecei a

entender a reação de minha colega para comigo. Se eu não tivesse crescido na Nigéria e se

tudo que eu conhecesse sobre a África viesse das imagens populares, eu também pensaria que

a África fosse um lugar de lindas paisagens, lindos animais e pessoas incompreensíveis,

lutando guerras sem sentido, morrendo de pobreza e AIDS, incapazes de falar por elas

mesmas e esperando serem salvos por um estrangeiro branco e gentil. Eu veria os africanos do

mesmo jeito que eu, quando criança, havia visto a família de Fide.

Eu acho que essa única história da África vem da literatura ocidental. Então, aqui

temos uma citação de um mercador londrino chamado John Locke, que navegou até o oeste

da África em 1561 e manteve um fascinante relato de sua viagem. Após referir-se aos negros

africanos como "bestas que não tem casas", ele escreve: "Eles também são pessoas sem

cabeças, que “têm sua boca e olhos em seus seios.” Eu rio toda vez que leio isso, e deve-se

admirar a imaginação de John Locke. Mas o que é importante sobre sua escrita é que ela

representa o início de uma tradição de contar histórias africanas no Ocidente. Uma tradição da

África subsaariana como um lugar negativo, de diferenças, de escuridão, de pessoas que, nas

palavras do maravilhoso poeta, Rudyard Kipling, são "metade demônio, metade criança".

E então eu comecei a perceber que minha colega de quarto americana deve ter, por

toda sua vida, visto e ouvido diferentes versões de uma única história. Como um professor,

que uma vez me disse que meu romance não era "autenticamente africano". Bem, eu estava

completamente disposta a afirmar que havia uma série de coisas erradas com o romance, que

ele havia falhado em vários lugares. Mas eu nunca teria imaginado que ele havia falhado em

alcançar alguma coisa chamada autenticidade africana. Na verdade, eu não sabia o que era

"autenticidade africana". O professor me disse que minhas personagens pareciam-se muito

com ele, um homem educado de classe média. Minhas personagens dirigiam carros, elas não

estavam famintas. Por isso elas não eram autenticamente africanas.

Mas eu devo rapidamente acrescentar que eu também sou culpada na questão da única

história. Alguns anos atrás, eu visitei o México saindo dos EUA. O clima político nos EUA

àquela época era tenso. E havia debates sobre imigração. E, como frequentemente acontece na

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América, imigração tornou-se sinônimo de mexicanos. Havia histórias infindáveis de

mexicanos como pessoas que estavam espoliando o sistema de saúde, passando às escondidas

pela fronteira, sendo presos na fronteira, esse tipo de coisa. Eu me lembro de andar no meu

primeiro dia por Guadalajara, vendo as pessoas indo trabalhar, enrolando tortilhas no

supermercado, fumando, rindo. Eu me lembro que meu primeiro sentimento foi surpresa. E

então eu fiquei oprimida pela vergonha. Eu percebi que eu havia estado tão imersa na

cobertura da mídia sobre os mexicanos que eles haviam se tornado uma coisa em minha

mente: o imigrante abjeto. Eu tinha assimilado a única história sobre os mexicanos e eu não

podia estar mais envergonhada de mim mesma. Então, é assim que se cria uma única história:

mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que ele se

tornará.

É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Há uma palavra, uma

palavra da tribo Igbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder do

mundo, e a palavra é nkali. É um substantivo que livremente se traduz: ser maior do que o

outro. Como nossos mundos econômico e político, histórias também são definidas pelo

princípio do nkali. Como é contada, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas,

tudo realmente depende do poder. Poder é a habilidade de não só contar a história de outra

pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa. O poeta palestino Mourid

Barghouti escreve que se você quer destituir uma pessoa, o jeito mais simples é contar sua

história, e começar com "em segundo lugar". Comece uma história com as flechas dos nativos

americanos, e não com a chegada dos britânicos, e você tem uma história totalmente diferente.

Comece a história com o fracasso do estado africano e não com a criação colonial do estado

africano e você tem uma história totalmente diferente.

Recentemente, eu palestrei numa universidade onde um estudante me disse que era

uma vergonha que homens nigerianos fossem agressores físicos como a personagem do pai no

meu romance. Eu disse a ele que eu havia terminado de ler um romance chamado "Psicopata

Americano" - (Risos da plateia) e que era uma grande pena que jovens americanos fossem

assassinos em série. (Risos da plateia e aplausos) É óbvio que eu disse isso num leve ataque

de irritação. (Risos da plateia)

Nunca havia me ocorrido pensar que só porque eu havia lido um romance no qual uma

personagem era um assassino em série, que isso era, de alguma forma, representativo de todos

os americanos. E agora, isso não é porque eu sou uma pessoa melhor do que aquele estudante,

mas, devido ao poder cultural e econômico da América, eu tinha muitas histórias sobre a

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América. Eu havia lido Tyler, Updike, Steinbeck e Gaitskill. Eu não tinha uma única história

sobre a América.

Quando eu soube, alguns anos atrás, que escritores deveriam ter tido infâncias

realmente infelizes para ter sucesso, eu comecei a pensar sobre como eu poderia inventar

coisas horríveis que meus pais teriam feito comigo. (Risos da plateia) Mas a verdade é que eu

tive uma infância muito feliz, cheia de risos e amor, em uma família muito unida. Mas

também tive avós que morreram em campos de refugiados. Meu primo Polle morreu porque

não teve assistência médica adequada. Um dos meus amigos mais próximos, Okoloma,

morreu num acidente aéreo porque nossos caminhões de bombeiros não tinham água. Eu

cresci sob governos militares repressivos que desvalorizavam a educação, então, por vezes,

meus pais não recebiam seus salários. E então, ainda criança, eu vi a geleia desaparecer do

café-da-manhã, depois a margarina desapareceu, depois o pão tornou- se muito caro, depois o

leite ficou racionado. E acima de tudo, um tipo de medo político normalizado invadiu nossas

vidas.

Todas essas histórias fazem de mim quem eu sou. Mas insistir somente nessas

histórias negativas é superficializar minha experiência e negligenciar as muitas outras

histórias que me formaram. A “única história cria estereótipos”. E o problema com

estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma

história tornar-se a única história.

Claro, África é um continente repleto de catástrofes. Há as enormes, como as terríveis

violações no Congo. E há as depressivas, como o fato de 5.000 pessoas candidatarem-se a

uma vaga de emprego na Nigéria. Mas há outras histórias que não são sobre catástrofes. E é

muito importante, é igualmente importante, falar sobre elas. Eu sempre achei que era

impossível relacionar-me adequadamente com um lugar ou uma pessoa sem relacionar-me

com todas as histórias daquele lugar ou pessoa. A consequência de uma única história é essa:

ela rouba das pessoas sua dignidade. Faz o reconhecimento de nossa humanidade

compartilhada difícil. Enfatiza como nós somos diferentes ao invés de como somos

semelhantes. E se antes de minha viagem ao México eu tivesse acompanhado os debates sobre

imigração de ambos os lados, dos Estados Unidos e do México? E se minha mãe nos tivesse

contado que a família de Fide era pobre e trabalhadora? E se nós tivéssemos uma rede

televisiva africana que transmitisse diversas histórias africanas para todo o mundo? O que o

escritor nigeriano Chinua Achebe chama "um equilíbrio de histórias." E se minha colega de

quarto soubesse do meu editor nigeriano, Mukta Bakaray, um homem notável que deixou seu

trabalho em um banco para seguir seu sonho e começar uma editora?

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Bem, a sabedoria popular era que nigerianos não gostam de literatura. Ele discordava.

Ele sentiu que pessoas que podiam ler, leriam se a literatura se tornasse acessível e disponível

para elas. Logo após ele publicar meu primeiro romance, eu fui a uma estação de TV em

Lagos para uma entrevista. E uma mulher que trabalhava lá como mensageira veio a mim e

disse: "Eu realmente gostei do seu romance, mas não gostei do final. Agora você tem que

escrever uma sequência, e isso é o que vai acontecer..." (Risos da plateia) E continuou a me

dizer o que escrever na sequência. Agora eu não estava apenas encantada, eu estava

comovida. Ali estava uma mulher, parte das massas comuns de nigerianos, que não se

supunham ser leitores. Ela não só tinha lido o livro, mas ela havia se apossado dele e se sentia

no direito de me dizer o que escrever na sequência.

Agora, e se minha colega de quarto soubesse de minha amiga Fumi Onda, uma mulher

destemida que apresenta um show de TV em Lagos, e que está determinada a contar as

histórias que nós preferimos esquecer? E se minha colega de quarto soubesse sobre a cirurgia

cardíaca que foi realizada no hospital de Lagos na semana passada? E se minha colega de

quarto soubesse sobre a música nigeriana contemporânea? Pessoas talentosas cantando em

inglês e Pidgin, e Igbo e Yoruba e Ijo, misturando influências de Jay-Z a Fela, de Bob Marley

a seus avós. E se minha colega de quarto soubesse sobre a advogada que recentemente foi ao

tribunal na Nigéria para desafiar uma lei ridícula que exigia que as mulheres tivessem o

consentimento de seus maridos antes de renovarem seus passaportes? E se minha colega de

quarto soubesse sobre Nollywood, cheia de pessoas inovadoras fazendo filmes apesar de

grandes questões técnicas? Filmes tão populares que são realmente os melhores exemplos de

que nigerianos consomem o que produzem. E se minha colega de quarto soubesse da minha

maravilhosamente ambiciosa trançadora de cabelos, que acabou de começar seu próprio

negócio de vendas de extensões de cabelos? Ou sobre os milhões de outros nigerianos que

começam negócios e às vezes fracassam, mas continuam a fomentar ambição?

Toda vez que estou em casa, sou confrontada com as fontes comuns de irritação da

maioria dos nigerianos: nossa infraestrutura fracassada, nosso governo falho. Mas também

pela incrível resistência do povo que prospera apesar do governo, ao invés de devido a ele. Eu

ensino em workshops de escrita em Lagos todo verão. E é extraordinário pra mim ver quantas

pessoas se inscrevem, quantas pessoas estão ansiosas por escrever, por contar histórias. Meu

editor nigeriano e eu começamos uma ONG chamada Farafina Trust. E nós temos grandes

sonhos de construir bibliotecas e recuperar bibliotecas que já existem e fornecer livros para

escolas estaduais que não têm nada em suas bibliotecas, e também organizar muitos e muitos

workshops, de leitura e escrita para todas as pessoas que estão ansiosas para contar nossas

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muitas histórias. Histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas

para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e

humanizar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem

reparar essa dignidade perdida. A escritora americana Alice Walker escreveu isso sobre seus

parentes do sul que haviam se mudado para o norte. Ela os apresentou a um livro sobre a vida

sulista que eles tinham deixado para trás. "Eles sentaram-se em volta, lendo o livro por si

próprios, ouvindo-me ler o livro e um tipo de paraíso foi reconquistado." Eu gostaria de

finalizar com esse pensamento: Quando nós rejeitamos uma única história, quando

percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um

tipo de paraíso. Obrigada. (Aplausos).

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ANEXO B

O material presente no Anexo B refere-se ao livro produzido pelos alunos do primeiro ano de

uma escola bilíngue que investigaram sobre as influências africanas na cultura brasileira. O

texto original foi escrito em inglês. Para facilitar a leitura, inclui a tradução para a língua

portuguesa de cada página do livro.

Capa

Influências Africanas, por G6.

Página 1

Página 2

Escravidão

Os escravos vieram em navios negreiros. Os portugueses trouxeram os escravos ao Brasil para trabalharem duro.

Chico Rei e Zumbi dos Palmares ajudaram a libertar os escravos.

Trabalhos dos escravos: extração de ouro, trabalhar na fazenda, cozinhar.

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Página 3

Página 4

Candomblé (Religião) Candomblé começou quando os europeus trouxeram os africanos. Os africanos tornaram-se escravos. Os

africanos viviam todos juntos, misturados. Eles trouxeram seus deuses e isso se tornou o candomblé.

Na coluna da esquerda: Oxalá, Omulu, Ogum, Iemanjá, Xangô, Oxum, Oxossi.

Na coluna da direita: doenças, mar, trovão, Senhor do Bonfim, rio, caçador, ferro.

Abaixo: Combine o orixá ao seu tipo de Deus (característica).

Página 5

Página 6

Capoeira

Instrumentos: berimbau

Movimento: estrela

A capoeira iniciou-se no Brasil. É uma luta que parece dança.

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Página 7

Página 8

Arte Os africanos usam máscaras para celebrações especiais. Os africanos fazem esculturas muito especiais. Os

africanos usam diferentes coisas para fazer arte. Os africanos podem fazer tambores, esculturas e mesas.

Página 9

Detalhe:

Página 10

Música

Instrumentos: tambor, berimbau, pandeiro.

Nós aprendemos a canção Tue Tue.

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Página 11

Detalhe:

Página 12

Página 11: Moqueca e Milho.

Página 12: Comidas

Comidas típicas afro-brasileiras: milho, arroz com coco, cuscuz, acarajé.

Página 13

Detalhe 1: ANANSI THE SPIDER.

Detalhe 2: LEOPARD AND THE SKY GOD

Página 14

Histórias

Nós ouvimos “Anansi, a aranha” e “Leopardo e o Deus do céu”. Nós recontamos as duas histórias.

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Detalhe 1:

Página 14

Detalhe 2:

Página 14

Anansi, a aranha

Anansi é uma aranha muito importante para o povo

Ashanti. Anansi tem seis filhos. Cada um tem uma

qualidade. Seus nomes são Perceptor de Problemas,

Construtor de estradas, Atirador de pedras,

Despelador, Almofada,e Bebedor de rio.

Um dia, Anansi foi para longe de sua casa e caiu em

apuros. Perceptor de Problemas disse, “Papai está com

problemas!”. Construtor de Estradas construiu uma

estrada. Bebedor de rio bebeu o rio. Então, Despelador, tirou a pele do peixe.

Mais problemas surgiram. Falcão capturou Anansi.

Rapidamente, Atirador de Pedras atirou uma pedra no

falcão. Então, falcão liberou Anansi. Almofada correu

e Anansi caiu em cima dele. Aquela noite Anansi viu

um globo de luz e pensou. “Eu quero dar o globo de

luz ao filho que me salvar”. Ele disse a Nyame para

segurar o globo de luz. Anansi e seus filhos discutiram

a noite toda. Nyami os viu e colocou o globo de luz no

céu. Ele se tornou a lua.

Leopardo e o Deus do céu

Era uma vez um Deus do Céu que ouvia um leopardo

tocando tambor. Ele percorreu o caminho até o chão e

disse, “Desculpe-me. Eu posso tentar tocar? e o

Leopardo disse, “Não, você não pode tocar o tambor,

porque o tambor é meu”. Céu conversou com todos os

animais da floresta e disse, “Vocês poderiam pegar o

tambor do Leopardo para mim. Eu darei uma

recompensa ao animal que pegar o tambor para mim”.

A cobra Píton disse, “Olá Leopardo, eu poderia dar uma olhada no seu lindo tambor?” Leopardo disse,

“Não!” e Píton foi embora. O elefante veio, olhou ao

redor e viu o leopardo. Elefante falou, “Olá Leopardo”.

Leopardo disse, “O que você quer?” Elefante disse,

“Eu quero dar uma olhada em seu lindo tambor”.

Leopardo gritou, ”Não!”

O macaco disse ao Deus do Céu, “Posso tentar?”. Deus

do Céu disse, “Sim, Macaco!” O Macaco disse, “Oi

Leopardo, posso tentar tocar?” Leopardo gritou,

“Não!”. Os animais e Deus do céu ouviram uma

vozinha “Com licença, eu posso tentar tocar?” os animais riram da tartaruga. “ha ha ha. Você é muito

pequena para pegar o tambor.”

A tartaruga disse ao leopardo. “Deus do Céu tem o

tambor maior”. Leopardo disse, “Não, ele não tem. Ele

não tem nenhum tambor”. A tartaruga disse “Sim, ele

tem. Ele pode colocar todo o seu corpo dentro dele”. O

leopardo disse, “eu também posso colocar todo o meu

corpo dentro do tambor também”. Ele entrou no tambor

e a tartaruga rapidamente fechou o tambor com uma

tampa de panela.

A tartaruga voltou para o Deus do Céu rolando o tambor e então Deus do Céu disse, “O que eu posso te

dar como recompensa?” A tartaruga disse, “Eu quero

uma concha bem dura para que ninguém possa me

bater”. Deus do Céu disse, “OK”. Ele deu a concha à

tartaruga. Todos os animais puderam ouvir Deus do

Céu tocando o tambor suavemente e com força, alto e

baixo.

Fim.