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HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E PÚBLICO INFANTIL: ANÁLISE DO CONSUMO DE HQ POR ALUNOS DA 4ª SÉRIE DA ESCOLA MUNICIPAL OLAVO SOARES BARROS EM CAMBÉ – PR Mariana Ferreira Lopes Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Estadual de Londrina Docente do curso de Jornalismo da Faculdade Maringá Bolsista CAPES Resumo A relação entre meios de comunicação e o público infanto-juvenil vem levantando uma série de reflexões sobre das formas de apropriação, de produção de sentido dos conteúdos veiculados pelas diversas mídias presentes no cotidiano desta faixa etária e pela criação de uma resposta social a essas mensagens por meio da formação de um receptor crítico. Um dos vieses de pesquisa nesta area centra- se na identificação dos hábitos de consumo midiático que permitem analisar de que maneira esta audiência específica interage com o meio em questão. Dentre as linguagens midiáticas que estão inseridas no dia a dia de jovens e crianças encontram-se as histórias em quadrinhos (HQ) que apesar de serem atualmente um meio de comunicação residual, tendo em vista a centralidade que a televisão e as novas tecnologias de comunicação ganharam nas últimas décadas, ainda se constituem como um produto midiático bastante consumido. Estima-se, por exemplo, que as produções de Maurício de Souza em torno na Turma da Mônica desde a década de 1970 tenham alcançado uma vendagem de um bilhão de exemplares. Neste sentido, o presente trabalho apresenta como proposta identificar e analisar as formas de consumo de histórias em quadrinhos pelo público infantil, tendo como amostragem 21 alunos de 4ª série da Escola Municipal Olavo Soares Barros, em Cambé-PR. Trata-se de uma pesquisa quali/quantitativa realizada a partir da aplicação de uma entrevista estruturada e sua conseqüente análise que se apresenta como etapa inicial para o estudo das mediações que interferem na produção de sentido de HQ por este público. O estudo contempla igualmente uma discussão sobre a linguagem das histórias em quadrinhos e a relação entre meios de comunicação e infância. Palavras-chave: Histórias em quadrinhos; consumo infantil; mídia educação. Introdução A ampliação de acesso aos meios de comunicação de massa (MCM) pelo público infanto-juvenil vem sendo tema de reflexões acerca da relação estabelecida entre crianças, adolescentes e as mídias ao que tange os hábitos de consumo dos MCM e a produção de sentido dos conteúdos midiáticos i . Tais pesquisas e atividades, muitas vezes englobadas na área de mídia educação, vêm contribuindo tanto para que esses jovens estejam preparados para lidar com a cultura midiática predominante na sociedade contemporânea, como para que se conheça e se analise as formas de interação entre as mídias e este público específico. O campo da mídia educação emerge da interdisciplinaridade da área de Educação e de Comunicação e se constitui como práxis que se pauta na ampliação de repertórios culturais; na capacidade crítica de análise e reflexão; na capacidade de criação e da criatividade na expressão e comunicação; e por fim, na cidadania dos sujeitos envolvidos (FANTIN, 2006, III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 2076

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HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E PÚBLICO INFANTIL: ANÁLISE DO CONSUMO DE HQ POR ALUNOS DA 4ª SÉRIE DA ESCOLA MUNICIPAL OLAVO SOARES BARROS EM CAMBÉ – PR

Mariana Ferreira Lopes

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Estadual de Londrina

Docente do curso de Jornalismo da Faculdade Maringá Bolsista CAPES

Resumo

A relação entre meios de comunicação e o público infanto-juvenil vem levantando uma série de reflexões sobre das formas de apropriação, de produção de sentido dos conteúdos veiculados pelas diversas mídias presentes no cotidiano desta faixa etária e pela criação de uma resposta social a essas mensagens por meio da formação de um receptor crítico. Um dos vieses de pesquisa nesta area centra-se na identificação dos hábitos de consumo midiático que permitem analisar de que maneira esta audiência específica interage com o meio em questão. Dentre as linguagens midiáticas que estão inseridas no dia a dia de jovens e crianças encontram-se as histórias em quadrinhos (HQ) que apesar de serem atualmente um meio de comunicação residual, tendo em vista a centralidade que a televisão e as novas tecnologias de comunicação ganharam nas últimas décadas, ainda se constituem como um produto midiático bastante consumido. Estima-se, por exemplo, que as produções de Maurício de Souza em torno na Turma da Mônica desde a década de 1970 tenham alcançado uma vendagem de um bilhão de exemplares. Neste sentido, o presente trabalho apresenta como proposta identificar e analisar as formas de consumo de histórias em quadrinhos pelo público infantil, tendo como amostragem 21 alunos de 4ª série da Escola Municipal Olavo Soares Barros, em Cambé-PR. Trata-se de uma pesquisa quali/quantitativa realizada a partir da aplicação de uma entrevista estruturada e sua conseqüente análise que se apresenta como etapa inicial para o estudo das mediações que interferem na produção de sentido de HQ por este público. O estudo contempla igualmente uma discussão sobre a linguagem das histórias em quadrinhos e a relação entre meios de comunicação e infância.

Palavras-chave: Histórias em quadrinhos; consumo infantil; mídia educação.

Introdução

A ampliação de acesso aos meios de comunicação de massa (MCM) pelo público

infanto-juvenil vem sendo tema de reflexões acerca da relação estabelecida entre crianças,

adolescentes e as mídias ao que tange os hábitos de consumo dos MCM e a produção de

sentido dos conteúdos midiáticosi. Tais pesquisas e atividades, muitas vezes englobadas na

área de mídia educação, vêm contribuindo tanto para que esses jovens estejam preparados

para lidar com a cultura midiática predominante na sociedade contemporânea, como para que

se conheça e se analise as formas de interação entre as mídias e este público específico. O

campo da mídia educação emerge da interdisciplinaridade da área de Educação e de

Comunicação e se constitui como práxis que se pauta na ampliação de repertórios culturais;

na capacidade crítica de análise e reflexão; na capacidade de criação e da criatividade na

expressão e comunicação; e por fim, na cidadania dos sujeitos envolvidos (FANTIN, 2006,

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p.100). Tais premissas constituem as perspectivas de uma educação para, com e através dos

meios de comunicação.

Um dos pontos abordados por este campo teórico e de intervenção social consiste nos

estudos sobre o acesso e do uso dos meios de comunicação por crianças e adolescentes, sendo

esta a perspectiva adotada por este trabalho ao propor a identificação dos hábitos de consumo

e análise da percepção de vinte e um alunos da 4ª série da Escola Municipal Olavo Soares

Barros sobre histórias em quadrinhos (HQ). Para tanto, a técnica empregada foi a elaboração

de um questionário semi-estruturado contendo dezoito perguntas, que foi aplicado

individualmente a cada criança. O objetivo da pesquisaii é realizar um mapeamento do

consumo de histórias em quadrinhos por esses alunos e também compreender e analisar qual a

percepção que os educandos estabelecessem das HQ e quais são as suas predileções acerca de

personagens e temas abordados neste universo. O referencial teórico adotado na interpretação

dos dados analisados versa sobre as características estruturais das histórias em quadrinhos, a

estética específica de sua linguagem e seu potencial educativo.

Contexto da pesquisa

O levantamento de dados sobre consumo e a percepção de histórias em quadrinhos foi

realizado com vinte e um alunos da 4ª série C da Escola Municipal Olavo Soares Barros, em

Cambé-PR. Trata-se de um estudo exploratório cujo objetivo consiste em identificar a

presença das histórias em quadrinhos no cotidiano das crianças e a percepção que os

educandos possuem sobre este meio de comunicação e suas predileções acerca dos

personagens e temas compreendidos neste universo para a futura realização de atividades com

as mesmas. Os alunos foram entrevistados individualmente no dia 01 de abril de 2011,

durante o período escolar. O questionário realizado com os educandos continha dezoito

perguntas, sendo metade delas aberta e a outra metade fechada. As perguntas foram divididas

em duas partes: a primeira abrange os hábitos de consumo de HQ e a segunda as predileções e

percepções sobre os quadrinhos. Foram entrevistados dezesseis meninos e cinco meninas,

porém as questões de gênero não constituíram um referencial para a análise dos dados

obtidos.

A Escola Municipal Olavo Soares Barros está situada no bairro Jardim José Fávaro, na

região periférica de Cambé – PR. Inaugurada em agosto de 2003, sua construção foi motivada

pela reivindicação da comunidade em haver uma escola para os alunos da região. Segundo

dados cedidos pela direção escolar, no ano de 2011 a escola atende 490 alunos do Ensino

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Fundamental de 1ª a 4ª séries, nos períodos matutinos (3ª e 4ª séries) e vespertinos (1ª e 2ª

séries), além do programa de Educação de Jovens e Adultos no período noturno, sendo que a

4ª série C do Ensino Fundamental possui 28 alunos.iii

As crianças ouvidas durante a pesquisa habitam os bairros Jardim José Fávaro e

Jardim Ana Rosa, ambos situados na região periférica de Cambé. De acordo com os números

cedidos pela Secretaria Municipal de Educação no ano de 2010, o perfil sócio-econômico do

Jardim Ana Rosa é de classe baixa à média, sua população estimada é de 11 mil habitantes,

divididos em cinco microregiões. Muitos de seus moradores não possuem escolaridade ou

estudaram até a quarta série do ensino fundamental, sendo que poucos chegaram a concluir o

ensino Fundamental e em menor número o ensino médio e superior. A maioria da população

economicamente ativa trabalha como operários de indústrias, na prestação de serviços e na

construção civil. O bairro sofre com problemas de infra-estrutura, tais como: moradias em

precárias condições; a falta de segurança pública adequada; o atendimento médico

insuficiente e poucas opções de lazer.

Os hábitos de consumo de histórias em quadrinhos pelos alunos

O questionário sobre consumo e percepção de histórias em quadrinhos foi realizado

individualmente com cada aluno da turma em detrimento ao preenchimento coletivo em sala

de aula. Esta escolha considerou que as crianças poderiam não compreender alguma pergunta

ou se deixariam influenciar pela resposta de algum colega, e desta forma ainda seria possível

colher depoimentos que enriqueceriam a coleta de dados. A espontaneidade dos comentários

gerados pelas crianças ganha riqueza e importância para os estudos de consumo e percepção

das mídias com este público, pois, conforme nos esclarece Girardello e Orofino ao

recuperarem as considerações de Joseph Tobin,

 Saber se as crianças abraçam ou resistem a uma lição ou a uma mensagem das mídias é uma questão muito complexa, contingente e contextual, que só pode ser respondida se fizermos leituras cuidadosas e matizadas das interações de crianças específicas com textos culturais específicos. (TOBIN Apud GIRARDELLO e OROFINO, 2009, p.30).

As perguntas que visavam à identificação da presença das histórias em quadrinhos no

cotidiano das crianças consideraram se os alunos gostam de HQ; qual o local de leitura; a

presença e quantidade de revista em quadrinhos nas casas; freqüência de leitura semanal; se a

leitura é compartilhada com amigos e parentes ou é realizada sozinha; se os alunos comentam

sobre as histórias com colegas ou familiares; a preferência das opções de leitura no projeto

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Hora da Leitura; a preferência de procura de material na biblioteca escolar e a classificação

de suas atividades favoritas. As questões eram tanto estruturadas quanto abertas.

Dentre os 21 alunos ouvidos pela pesquisa, apenas um manifestou não gostar de

histórias em quadrinhos, os outros 95,24% alegaram gostar deste meio de comunicação.

Contudo, apenas um terço das crianças possui gibis em casa. Todos os alunos costumam ler

histórias em quadrinhos na escola devido ao projeto Hora da Leitura, no qual, semanalmente,

é destinado um tempo médio de vinte minutos para a leitura nas salas de aulas. Cada

professora escolhe o material que será lido pelos alunos: histórias em quadrinhos, livros ou a

revista Ciência Hoje, após uma seleção prévia feita pela bibliotecária. O projeto ocorre às

sextas-feiras, após a execução do Hino Nacional. No entanto, não existe uma periodicidade ou

alternância obrigatória entre o material levado para a leitura dos educandos o que não garante

que toda semana as crianças lerão histórias em quadrinhos. Deste total, 42,85% só lêem HQ

na Hora da Leitura, enquanto que aproximadamente metade dos alunos, 47,16%, vai à

biblioteca escolar em busca de gibis. Apenas cerca de um terço deles lêem quadrinhos em sua

casa ou na residência de algum familiar.

Devido ao fato da maioria dos alunos não possuir gibis em casa, a maior freqüência de

leitura semanal fica a encargo do projeto Hora da Leitura, o que contabiliza cerca de um dia

por semana de acesso a este material por parte das crianças. Uma maior periodicidade de

leitura (02, 03,04 e 07 dias) é garantida pelas visitas à biblioteca escolar na hora do recreio ou

ainda pelo hábito de ler em casa, conforme demonstra o gráfico 1. As crianças que lêem

histórias em quadrinhos fora da escola usualmente o fazem quando já não podem mais brincar

na rua ou quando já terminaram os serviços de casa e ajudaram seus pais.

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Gráfico 1: Porcentagem da frequência diária de leitura de HQ pelos alunos. Fonte: autora.

Quando questionados sobre sua preferência na Hora da Leitura e na biblioteca escolar,

a maior parte dos alunos entrevistados respondeu que eram os gibis. No primeiro caso

(gráfico 2), a predileção pelas histórias em quadrinhos foi revelada por mais de 85% das

crianças em detrimento às outras opções levadas em sala de aula pela professora. De acordo

com os dados do gráfico 3, este percentual diminui para 47,61% do total de alunos que

primam pelas HQ em suas visitas à biblioteca, devido à ampla opção de livros diferenciados

que não são disponibilizados para a Hora da Leitura e que atraem 42,85% dos alunos.

Gráfico 2: Porcentagem da preferência dos alunos na Hora da Leitura. Fonte: autora.

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Gráfico 3: Porcentagem de preferência de leitura dos alunos nas visitas à biblioteca. Fonte: autora.

Outro hábito de consumo identificado pela pesquisa foi se os alunos realizam a leitura

de histórias em quadrinhos acompanhados de familiares e colegas ou se lêem sozinhos. Dois

terços dos educandos afirmaram ler HQ sozinhos, cerca de 20% na companhia de colegas e os

outros 9,52% com membros da família. Este número pode ser explicado pelo fato de muitos

alunos apenas lerem quadrinhos na Hora da Leitura, sendo que esta uma atividade individual.

Entretanto, quando questionados se comentam sobre algum conteúdo lido nas histórias em

quadrinhos como amigos ou parentes, 62% das crianças afirmaram que sim. Este dado sugere

que as histórias em quadrinhos possam se constituir como um elemento de sociabilidade entre

eles.

A última questão referente à identificação dos hábitos de consumo de HQ teve por

objetivo que os alunos classificassem de 01 a 09 as atividades que mais gostavam de realizar.

As opções dadas foram: brincar, ver televisão, ouvir música, usar a internet, ler gibi, jogar

videogame, ler livro, ir ao cinema e estudar. Em primeiro lugar, as crianças citaram o

videogame, sendo todas elas do sexo masculino. Ler histórias em quadrinhos foi apontado

como atividade favorita de 14,28%, estando em quarto lugar (vide gráfico 4) entre a

predileção das crianças. Considerando a categorização das histórias em quadrinhos pelos

educandos, observou-se que a maior parte deles (19,04%) alegou ser esta a sua quinta

atividade favorita, conforme os dados presentes no gráfico 5iv.

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Gráfico 4: Porcentagem da classificação de atividade preferencial dos alunos. Fonte: autora.

Gráfico 5: Porcentagem da classificação preferencial das histórias em quadrinhos pelos alunos. Fonte: autora.

A percepção das histórias em quadrinhos pelos alunos

A segunda parte do questionário visou identificar qual a percepção que os alunos

possuem das histórias em quadrinhos e quais as suas predileções de personagens. As

perguntas abrangeram a indagação sobre o motivo pelo qual eles gostam ou não de HQ; quais

são os personagens que eles preferem e o porquê; qual personagem eles gostariam de ser; se

os quadrinhos são mais lidos por adultos, adolescentes ou crianças; se eles comentam sobre as

histórias que lêem com amigos ou familiares; qual o papel das histórias em quadrinhos:

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educar, divertir ou ambos; e qual a lição mais importante eles haviam aprendido nos gibis.

Buscou-se, então, na análise dos resultados obtidos articular as afirmações dos alunos com

discussões conceituais sobre as histórias em quadrinhos.

A maior parte dos alunos, quase sua totalidade, ratificou gostar de histórias em

quadrinhos. O motivo desta aprovação para cerca de 80% consiste no fato dos quadrinhos

serem divertidos e legais, seguido da presença dos balões, da quantidade de desenhos e pelos

personagens também serem considerados legais (vide gráfico 6). Pode-se entender que as

histórias em quadrinhos são percebidas pelos alunos como uma forma de lazer, cujo gosto

pela leitura está relacionado aos elementos que garantem a comicidade e o humor dos

enredos. Renata, 09 anos, explica que é divertido ler histórias em quadrinhos porque tem

trapalhadas.

Gráfico 6: Porcentagem dos motivos pelos quais os alunos gostam de HQ. Fonte: autora.

Os outros aspectos que contribuem para que os alunos gostem deste meio de

comunicação consistem nos elementos intrínsecos de sua linguagem: a associação entre

imagem e texto e a presença do balão. As histórias em quadrinhos trazem em sua estrutura a

fusão entre a linguagem icônica e verbal. Cagnin (1975, p.21) define os quadrinhos como

sendo “um sistema narrativo formado de dois códigos de signos gráficos: a imagem, obtida

pelo desenho; e a linguagem escrita”. Eisner (1989, p.08) explica que as histórias em

quadrinhos ao trazerem a sobreposição entre desenho e palavra exigem que o leitor exerça

suas habilidades interpretativas tanto visuais como verbais. Para o autor (op.cit, p.10), na arte

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seqüencial o tratamento gráfico dos textos os transforma em uma extensão das próprias

imagens.

Os balões, juntamente com a onomatopéia e o ritmo visual, compõem os elementos

constitutivos da estética das histórias em quadrinhos (CIRNE, 1970, p.25). Seu emprego cria

a intersecção entre a imagem e o texto, transmitindo ao leitor elementos da fala, pensamento e

ação dos personagens, ou seja, “o balão tenta captar e tornar visível um elemento etéreo: o

som” (EISNER, 1989, p.26). Sua decodificação deve associar-se aos demais elementos

figurativos do quadro, podendo variar conforme a expressão que se queira transmitir. Assim,

“como característica única dos quadrinhos, o balão representa uma densa fonte de

informações, que começam a ser transmitidas ao leitor antes mesmo que este leia o texto, ou

seja, pela própria existência do balão e sua posição no quadrinho” (VERGUEIRO, 2004,

p.56). Existem, a partir do estudo de Benayoun (CIRNE, 1970, p.27), cerca de 70 espécies de

balões, tais como o de reflexão, de censura, o sonolento e o agressivo, que variam conforme

as mudanças em seu contorno e no letreiramento interno. A presença dos balões nas histórias

em quadrinhos foi apontada como motivo para se gostar ou não deste tipo de meio de

comunicação. Felipe, 09 anos, explica que não gosta de HQ porque prefere os textos corridos,

sem os balões. Já para Danieli, 09 anos, seu gosto por quadrinhos é expresso pelo fato das

histórias serem contadas como se fossem uma conversa, graças à presença dos balões. Eliseu,

09 anos, afirma que os quadrinhos são mais legais que outros tipos de leitura por causa dos

balões.

A comicidade e o humor como elementos que garantem o gosto dos alunos pelas HQ

foi percebido também nas explicações dadas sobre as preferências de personagens ou seu

desdenho, que mostram que o fato de gostar ou não de um deles está relacionado à impressão

de ser um personagem legal e engraçado ou chato e sem graça. Conforme os dados

apresentados na tabela 01, a Mônica foi apontada por quase um terço das crianças como seu

personagem favorito pelo fato de ser engraçada. Já a Magali sofreu rejeição de quase 20% por

ser considerada sem graça, da mesma forma em que foi julgado o Menino Maluquinho e o Zé

Carioca (vide tabela 02)

PERSONAGEM FAVORITO PORCENTAGEM MOTIVO DA ESCOLHA

Briga com a Mônica

Fala errado

Cebolinha 33,33%

Gosta de brincar e brigar

Mônica 28,57% Bate nos meninos/ no Cebolinha

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É engraçada

Forma uma bela dupla com o Cascão.

Muito divertida

Tem piadas, planos e trapalhadas

Turma da Mônica em geral 28,57%

Tem um monte de histórias e brincadeiras

Engraçado/divertido

Gosta de brincar e de brigar

Irrita a Mônica e a Magali

Forma uma bela dupla com a Mônica

Cascão 23,80%

Não gosta de tomar banho

Magali 14,28% Come muito

Menino Maluquinho 14,28% Legal

Gosta de assustar as pessoas

História de fantasma

Turma do Penadinho 14,28%

Engraçado

X-Men 14,28% Por terem super poderes.

Fala igual gente da roça

Nada pelado no rio

Chico Bento 9,52%

Faz o primo passar vergonha

Batman 4,76% Tem super poder

Homem Aranha 4,76% Legal

Mickey 4,76% _____________________

Pato Donald 4,76% Divertido

Fala engraçado Zé da Roça 4,76%

Faz rir

Tabela 1: Relação dos personagens favoritos dos alunos Fonte: autora.

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PERSONAGEM RELEGADO PORCENTAGEM MOTIVO Não tem muito destaque em vários gibis É comilona

Magali 19,04%

Não é muito engraçada Vive no lixo Não gosta de água Fala com a voz grossa (viu na TV)

Cascão 14,28%

Briga com o Cebolinha Turma da Mônica 14,28%

Chato

Nenhum

9,52% ________________

Não tem graça Pato Donald 9,52% Não é possível entender o que ele fala (tanto no desenho, como nos quadrinhos)

Mickey

9,52% Não tem graça

Anjinho

4,76% Não tem muito gibi dele

Bidu

4,76% Não tem muito gibi dele

Chico Bento

4,76% Não é muito engraçado

É muito enjoada Emília (Turma do Sítio) 4,76% Quer mandar em tudo

Homem de Ferro

4,76% ____________________

Menino Maluquinho

4,76% Não faz nada engraçado

Smilinguido

4,76% Não é legal

Super Homem

4,76% _____________________

X-Men

4,76% Não é muito chegado

Wolverine

4,76% Chato

Zé Carioca 4,76% Não é tão legal quanto os outros.

Tabela 2: Relação dos personagens relegados pelos alunos. Fonte: autora.  

Outro fator observado nas respostas acerca da preferência dos personagens, sobre qual

personagem os alunos gostariam de ser (vide gráfico 7) e dos temas que escolheriam para

produzir suas histórias em quadrinhos, trata da predominância das criações de Maurício de

Sousa ao que concerne às referências que os alunos possuem sobre o universo das HQ. Os

dados demonstram que entre os catorze personagens favoritos das crianças, oito são de

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Maurício de Sousa. Dentre os personagens relegados, esta proporção chega a quase um terço.

Ao que se refere aos personagens que os alunos gostariam de ser, metade também é obra do

desenhista brasileiro. Quando indagados sobre qual assunto desenhariam uma histórias em

quadrinhos, o maior percentual, cerca de 40%, apontou situações envolvendo a Turma da

Mônica. Segundo análise realizada por Vergueiro (1998) sobre os aspectos da sociedade e

cultura brasileira nas HQ, a Turma da Mônica foi responsável pela mudança dos hábitos de

leitura de quadrinhos no Brasil, ao que tange o abandono dos personagens da Disney. Ao

longo de seu estudo, o autor explica que a criação de Maurício de Sousa se apresenta como

um grupo de personagens cujas características universalizadas permitem sua grande aceitação

por um público heterogêneo.

Gráfico 7: Porcentagem dos personagens de HQ que os alunos gostariam de ser. Fonte: autora.  

Os alunos também foram questionados acerca de sua percepção sobre a função

exercida pelas histórias em quadrinhos: divertir, educar ou ambos. Para 23,8% dos educandos,

as HQ possuem unicamente o objetivo de divertir, enquanto que cerca de 70% responderam

que os quadrinhos serviam tanto para educar quanto para divertir. Ao serem indagados sobre

o que de mais importante tinham aprendido com as histórias em quadrinhos, a maior parte

afirmou ser a melhora no desenvolvimento de sua leitura e escrita (gráfico 8). O emprego das

histórias em quadrinhos como recurso pedagógico consiste em um processo paulatino que

visa sobrepor o seu potencial educativo às severas críticas que este tipo de leitura sofreu

inicialmente, uma vez que era visto como prejudicial ao desenvolvimento intelectual e social

do público infanto-juvenil. O uso dos quadrinhos no contexto escolar e sua contribuição para

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a aprendizagem da leitura e da escrita são justificados por Vergueiro (2004, p.21) ao elencar

os seguintes pontos: os estudantes gostam de ler quadrinhos; palavras e imagens juntas

ensinam de forma mais eficiente; existe um alto nível de informação nos quadrinhos; as

possibilidades de comunicação são enriquecidas pela familiaridade com as histórias em

quadrinhos; os quadrinhos auxiliam no desenvolvimento do hábito da leitura; os quadrinhos

enriquecem o vocabulário dos estudantes; o caráter elíptico da linguagem quadrinhística

obriga o leitor a pensar e imaginar; os quadrinhos têm um caráter globalizador; os quadrinhos

podem ser utilizados em qualquer nível escolar e com qualquer tema. Incluindo dois fatores

importantes: a acessibilidade e o baixo custo.

Gráfico 8: Porcentagem das lições aprendidas na leitura de HQ. Fonte: autora.

Ao serem levados a refletir sobre qual o público que mais lê histórias em quadrinhos,

cerca de 90% dos alunos responderam ser esta uma leitura predominante realizada por

crianças, em detrimento aos 9,52% que apontaram adolescentes e adultos. As justificativas

mais recorrentes foram que as crianças lêem mais (23,8%) e que os adultos não dispõem de

tempo para este tipo de atividade (14,28%).

Considerações finais

Este artigo objetivou a identificação dos hábitos de consumo sobre histórias em

quadrinhos e a análise da percepção e da predileção pelos elementos constituintes deste

universo. A técnica empregada consistiu na elaboração de um questionário semi-estruturado,

que foi aplicado a uma amostragem de vinte e um alunos da 4ª série C da Escola Municipal

Olavo Soares Barros, em Cambé – PR.

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Os dados obtidos permitiram averiguar que a quase totalidade dos alunos gosta de

histórias em quadrinhos (95,24%), porém cerca de dois terços não possuem gibis em casa.

Desta forma, o acesso das crianças às HQ ocorre predominante no espaço escolar, seja na

biblioteca seja no projeto Hora da Leitura. Dois terços dos alunos costumam ler as revistas de

quadrinhos sozinhos, enquanto que o restante realiza uma leitura compartilhada com seus

colegas ou familiares. No entanto, observou-se que cerca de 60% dos educandos contam aos

outros sobre o conteúdo lido nos gibis, o que pode sugerir que as histórias em quadrinhos se

configurem como um fator de sociabilidade entre eles. Quando questionados sobre quais eram

suas atividades preferidas, 19,04% das crianças disseram ser ler histórias em quadrinhos,

sendo jogar videogame a opção mais assinalada. A leitura de HQ ficou em 5º lugar no ranking

de preferência dos alunos.

Ao que tange a percepção e as preferências dos alunos sobre o universo das histórias

em quadrinhos, observou-se que o motivo mais citado para justificar o seu gosto por este tipo

de meio de comunicação foi o fato de divertir e ser engraçado. O fator cômico também esteve

presentes nos argumentos para explicar o porquê da predileção ou do desprezo por

determinados personagens. Ainda sobre a questão dos gostos pelos personagens, notou-se que

grande parte dos nomes citados eram criações de Maurício de Sousa. Da mesma forma,

quando indagados sobre quais personagens gostariam de ser e sobre o que escreveriam caso

fossem criar uma história em quadrinhos, a maioria das respostas apontou o universo da

Turma da Mônica e outros personagens criados pelo desenhista brasileiro. Tal fato pode ser

explicado pelas características universais que estes personagens possuem. Outros dados

apresentados pelos alunos sobre o motivo pelos quais eles gostam de HQ abrangem os

elementos estruturais de sua linguagem – conjunção entre imagem e texto – e de sua estética

própria – o uso dos balões para reproduzir as falas, pensamentos e ações dos personagens.

Ao serem indagados se a leitura de HQ era realizada predominantemente por adultos,

adolescentes ou crianças, quase 90% dos alunos responderam que estes últimos liam mais

quadrinhos. As respostas de 70% educandos demonstraram que, a seu ver, a função das HQ é

tanto educar como divertir. O potencial educativo deste meio de comunicação foi comprovado

pelas próprias afirmações das crianças acerca das lições mais importantes que a leitura de

quadrinhos lhes haviam proporcionado, uma vez que mais de 40% dos alunos alegou que as

HQ proporcionaram um melhor desenvolvimento de sua habilidades de leitura e escrita.

Referências bibliográficas

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CAGNIN, Antonio Luiz. Os quadrinhos. São Paulo: Ática, 1975.

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EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

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VERGUEIRO, Waldomiro. “Alguns aspectos da sociedade e da cultura brasileiras nas histórias em quadrinhos”. In Revista Agaquê, São Paulo, v.1, n.1, 1998. Disponível em: <www.eca.usp.br/nucleos/nphqueca/agaque/indiceagaque.htm> Acesso em: 07. set. 2009.

___________________ (org). Como usar os quadrinhos na sala de aula? São Paulo: Editora Contexto, 2004.

                                                            i Para mais, conferir as pesquisas realizadas pela UNESCO em CARLSSON, Ulla e FEILITZEN, Cecília von. A criança e a mídia: Imagem, Educação, Participação. São Paulo: Cortez, DF: UNESCO, 2002.  

ii O levantamento de dados sobre o habito de consumo e a percepção de HQ pelos alunos está compreendido na proposta da pesquisa de dissertação realizada pela autora, cuja finalidade é realizar a oficina de mídia educação com histórias em quadrinhos para que se possa formar receptores críticos a este meio de comunicação.   

iii A pesquisa não pode ser realizada com todos os alunos da 4ªC devido a ausência de alguns educandos no dia da aplicação do questionário.

iv A ausência de respostas sobre ir ao cinema como atividade preferencial dos alunos deve-se ao fato das salas de exibição mais próximas estar alocadas no município de Londrina-PR, o que dificulta o acesso das crianças a este meio de comunicação.  

III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

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