historia militar 15

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Historia Militar

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    UNIDADE DIDTICA I EVOLUO DO PENSAMENTO MILITAR E TEORIA DA GUERRA (DO SCCULO XV AOS DIAS ATUAIS)

    1. O PENSAMENTO MILITAR

    1.1 Maquiavel

    1.1.1 Dados Biogrficos

    Nasceu em Florena, na Itlia, em 1469, em pleno incio do Renascimento. Ingressou no servio pblico como escrivo e foi secretrio de Chancelaria da Repblica Florentina. Da ser citado tambm como o Secretrio Florentino.

    Desempenhou o papel de encarregado de misses no estrangeiro, o que lhe permitiu, graas sua inteligncia aguda e ao seu poder de observao, angariar experincia sobre as relaes entre os povos.

    So de sua autoria os trabalhos Modo Che Tenne Il Duca Valentino Per Ammazar Vitelozzo Vitelli, Discorso Sulla Provisione Del Danaro, Decennali, Ritratti Delle Cose di Francia, a comdia Le Maschere e O Prncipe, escrito quando no exlio, em 1512, por ter sido banido com a queda do regime republicano de Florena. At 1527, quando veio a falecer, publicou ainda os trabalhos Discorsi Sopra La Prima Deca Di Tito Lvio, Arte Della Guerra, Vita Di Castruccio, La Mandragora, Belgafor e Historie Fiorentine, para alguns, esta ltima a sua melhor obra.

    Foi por duas vezes embaixador Corte de Roma e por trs vezes de Frana.

    1.1.2. SNTESE DO PENSAMENTO POLTICO-ESTRATGICO

    O pensamento poltico-estratgico de Maquiavel pode ser sintetizado em quatro premissas bsicas:

    1) O fortalecimento do Estado;

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    2) Definio clara de objetivos; 3) Aplicao violenta e inescrupulosa dos meios; e 4) Aplicao dos meios, subordinada vontade do Estado. Ao afirmar que nenhuma Provncia pode estar segura e feliz a menos que faa parte de uma Repblica ou de um Reino, Maquiavel preconizava a criao do Estado-Nao, como forma de conjugar esforos, aumentando o Poder do Estado, atravs da mobilizao das mentes na busca de objetivos realmente nacionais, justificando sua teoria pela necessidade que o Estado tem de se expandir e desenvolver sob pena de arruinar-se. Na busca do fortalecimento do Estado, no escondia sua preferncia pelo absolutismo e afirmava ser o Estado, um fim em si mesmo.

    Fortalecido o Estado e a vontade poltica, o governante tinha como obrigao, na viso de Maquiavel, manter o poder e a segurana do pas, no devendo hesitar em adotar qualquer meio para atingir o seu objetivo. Maquiavel preconizava a relao de dependncia e subordinao do como fazer ao o que fazer e, sobretudo da vontade poltica de fazer, deixando clara a importncia da definio, a priori, do objetivo poltico, considerando-o o farol a indicar os rumos das aes subseqentes. Sem dvida estava definida a Poltica como hoje a interpretamos - definidora de rumos e estipuladora de objetivos a nvel nacional. O senso estratgico de Maquiavel se manifesta quando ele trata da aplicao do Poder do Estado para atingir os objetivos definidos, os propsitos do Estado. No que tange ao Poder Militar e Guerra, considerava-os de forma abrangente e como fator decisivo na configurao da Poltica, usando-a como maio para atingir o fim, o que fica claro quando afirma: deve-se fazer a guerra para garantir a paz e nunca perturbar a paz para ter a guerra.

    Pregava Maquiavel que, coerente com o sentido de Estado-Nao, o exrcito tinha que estar imbudo do seu carter nacional, criando o sentimento de Nao Armada, apta a defender-se das ameaas e aplicar a sua vontade para atingir seus propsitos, mudando o relacionamento desta com a Poltica do Estado. Entendia, portanto, a guerra como responsabilidade do Estado na garantia da sua integridade e soberania, para o que preconizava no a aplicao dos meios existentes, mas dos necessrios sua

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    eficcia e consecuo da vitria, sem regras fixas ou cdigos preestabelecidos. Justificando, citava o rei da Frana: Examinando as vitrias e as derrotas do rei da Frana, vereis que ele venceu os italianos e os espanhis, cujos exrcitos eram semelhantes aos seus. Mas agora que ele tem estado lutando contra naes armadas, como os suos e os ingleses, s tem perdido, e est o perigo de logo no ter mais o que perder.

    Mas na forma de aplicar os meios que Maquiavel se caracteriza como estrategista determinado, resoluto e implacvel, ao afirmar que um prncipe deve ser raposa para conhecer os laos e armadilhas e leo para aterrorizar os lobos ou em poltica se devem ter mais em conta os resultados em si, do que os meios pelos quais eles foram obtidos ou, ainda, a vitria e no o mtodo de logr-la, que confere glria ao vencedor. Com esses pensamentos, Maquiavel definia a perseguio e consecuo dos objetivos, sem preocupar-se com o lado tico da questo, j que nenhuma lei moral podia limitar a autoridade do governante. O soberano precisava ter duas caras e mostrar aquela mais apropriada ocasio, pois: os homens so to simplrios, e se deixam de tal forma dominar pelas necessidades do momento, que aquele que saiba enganar achar sempre quem se deixa enganar.

    Embora despreocupado com tica ou moral, Maquiavel preconizava o ajustamento permanente entre a ao desenvolvida e os desgnios do Estado, fazendo da estratgia o instrumento da poltica para o atingimento do fim por ela proposto.

    Como concluso pode-se dizer que Maquiavel, subvertendo a ordem poltico-social da poca pregava a criao do Estado-Nao como fonte do poder, o Exrcito Nacional como instrumento da ao estratgica, subordinando-o vontade poltica da nao e aplicando esse poder para a consecuo dos objetivos nacionais de forma total. Quanto validade do pensamento maquiavlico, a conquista e a preservao do poder no podem justificar a conduta poltica, que deve se submeter tica e ao direito. A reside uma das maiores falhas de Maquiavel, por no aceitar o substrato tico transcendente, por tornar a moral, a religio e o direito escravos do Estado, cuja razo de ser, para ele, a prpria existncia e expanso.

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    1.2 Clausewitz

    Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz nasceu em 1780, na Prssia, de uma famlia de baixa nobreza. Aos doze anos, j se encontrava em servio militar, lutando nos conflitos que abalaram a Europa em fins do sculo XVIII: as Guerras Napolenicas. Tal experincia marcaria sua vida e seus escritos, de maneira que o estimulariam a escrever sua percepo da teoria da guerra. Clausewitz teve uma carreira profcua, se formando como o primeiro da turma na academia militar prussiana, onde, apesar da origem social, atraiu o olhar de figuras proeminentes do Reino da Prssia, sendo destacado para a educao militar de um dos prncipes do reino. Avanos posteriores o colocaram junto ao General Scharnhorst, que iria dirigir os esforos de reforma do Exrcito num futuro prximo. Sua carreira prosseguiu com eventos como a Batalha de Jena-Auerstadt, em 1806, quando Napoleo esmagou o Exrcito prussiano, se tornando prisioneiro junto com o Prncipe Augusto, que comandava as foras e de quem era ajudante de ordens. Clausewitz se revoltou contra o estado de coisas, com a aliana de submisso da Prssia a Frana e abandonou o servio militar da Prssia, seguindo para a Rssia, onde serviu entre 1812 e 1813. Com a invaso da Rssia e o fracasso napolenico, forando a retirada francesa, Clausewitz retornou a Prssia, inclusive participando de negociaes que criaram a nova coalizo contra a Frana. Assim, em 1813, recebeu a patente de coronel, sendo nomeado ajudante de ordens de Scharnhorst e lutando na campanha que expulsou Napoleo da Prssia. Com a volta de Napoleo nos Cem Dias em 1815, Clausewitz novamente seguiu para combat-lo, desta vez como Chefe de Estado-Maior do Corpo prussiano que defendia a cidade de Wavre. Os prussianos enfrentaram foras muito superiores comandadas pelo Marechal Grouchy, que ficaram impossibilitadas de reforar Napoleo em Waterloo, ao mesmo tempo em que protegeu a retaguarda das foras prussianas que avanaram para reforar as tropas de Wellington em Waterloo. Aps as Guerras Napolenicas, Clausewitz foi promovido a general e recebeu o cargo de diretor da Academia de Guerra da Prssia, que passava por uma reforma, se

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    tornando a primeira escola de Estado-Maior do mundo. Dedicou-se a seus estudos e reflexes, escrevendo muito material para o livro que no conseguiu publicar, pois em 1830 foi designado chefe de Estado-Maior das tropas prussianas que estavam na fronteira com a Polnia, que sofria uma crise poltica e uma epidemia de clera, que logo o vitimou em fins de 1831. Sua obra, Da Guerra, acabou sendo organizada e publicada por sua viva, Marie, em 1832. A princpio o livro no atraiu atenes, em especial, por causa da barreira da lngua, ou seja, por estar em alemo. O livro s ganharia popularidade com a afirmao do General Von Moltke, Chefe do Estado-Maior do Exrcito prussiano na Guerra Franco-Prussiana, que tinha aprendido tudo o que sabia de guerra lendo Clausewitz. Seguiu-se ento uma exploso de interesse em torno do livro. Ao contrrio de outros autores que tinham escrito sobre a guerra, Clausewitz no prometia frmulas da vitria, ou mtodos infalveis de triunfar. O texto, denso e difcil de ser compreendido, era uma teoria da guerra, e no uma filosofia, como ainda hoje se tenta argumentar. Para que funcionasse, a teoria de Clausewitz partia de algumas de suas concluses, como a natureza poltica da guerra, sendo que ele no enxergava sentido em um conflito que no tivesse natureza poltica. O prprio conceito de guerra, um ato de fora, presumia que a violncia seria levada a nveis extremos, um conflito absoluto. Clausewitz ressaltava a predominncia da poltica inclusive como uma forma de controle da guerra, visto que em sua natureza, existe uma srie de fatores como a assimetria entre ataque e defesa, a questo da dvida, dos erros, do medo, do cansao, dos acidentes, como outros. Desta maneira, os escritos de Clausewitz tm grande fora at os dias atuais, justamente pela atemporalidade de seus conceitos. Visou romper com interpretaes racionalistas calcadas em ideias simplistas, e que reduziam os conflitos a meras questes formalistas ou ligadas a clculos matemticos, debatendo sobre a natureza da guerra, em como ela realmente o : um ato de fora, ligado profundamente a dinmicas poltico-sociais.

    Nisto reside sua complexidade: no se trata de um livro complexo por si s, mas porque seu prprio objeto de estudo essencialmente complexo. Afinal, a guerra produto de

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    um mundo difuso e dinmico e assim, no pode ela fugir a isto.

    1.3 Jomini

    1. 3. 1 Introduo

    Apesar da influncia de Jomini na teoria militar, este nome s costuma ser familiar para os especialistas em Histria Militar, denotando a curiosa relao e grande disparidade entre sua influncia e o desconhecimento geral que temos dela. Jomini se enquadra no salto qualitativo do pensamento militar no sculo XIX, oriundo de duas vertentes, cientfica e histrica. Foi a partir deste perodo que se comeou a pensar a guerra como uma pretenso de rigor cientfico, ao invs dos relatos de feitos passados ou proposies de reformas da tradio ocidental anterior. Para entender o impacto e alcance da obra de Jomini, deve-se levar em conta a sua inteno tradicionalista e restauradora, a sua abordagem popularizante e reducionista, a sua longevidade pessoal e a sua vaidade.

    1. 3. 2 Princpios de Guerra

    O Baro Antoine-Henri Jomini (1779-1869) foi um grande estrategista militar de sua poca, e ainda hoje bastante estudado principalmente no que se refere a logstica e aos seus Princpios da Guerra,os quais seriam:

    Objetivo; Ofensiva; Cooperao; Concentrao de fora; Economia de fora; Manobra, surpresa e dissimulao; Segurana, e

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    Simplicidade.

    Jomini entendia que o mundo militar era expresso da vontade articulada de um grande lder, e que a vitria era possvel a qualquer um com esta grandeza, desde que suas aes fossem apoiadas nestes princpios. De nacionalidade sua, contemporneo de Napoleo e Clausewitz, pode ser considerado produto da Revoluo Francesa de 1789. Durante a Revoluo de 1789 na Sua, abandonou uma carreira de banqueiro e comeou a tratar das lides militares. Apresentou uma abordagem geral para o problema da Guerra, abstraindo-a de seu contexto social e poltico, enfatizando as regras para a tomada de decises , equiparando-a a um enorme jogo de xadrez. A grande contribuio de Jomini foi seu esforo em responder pergunta de como os exrcitos revolucionrios franceses de 1789 em diante destruram a coalizo antifrancesa, comearam a transformar a estrutura poltica da Europa e alaram um de seus lderes para o poder supremo na prpria Frana Napoleo Bonaparte. A teoria jominiana era centrada em um conjunto de axiomas quase inalterados, sendo que essas idias foram expostas pela primeira vez em 1803 e afirmavam que: A Estratgia o elemento-chave da guerra; Toda estratgia controlada por princpios cientficos imutveis (universais); e Todos estes princpios prescrevem a AO OFENSIVA, de FORAS EMASSADAS, contra foras mais fracas, em algum PONTO DECISIVO, para que a estratgia conduza vitria. Apesar de aparentemente simples, o estudo de como estes conceitos foram formulados e postulados nos permite certa compreenso dos preceitos estratgicos envolvidos. De uma tradicional famlia sua, Jomini voltou da Frana revolucionria ao seu pas com a notcia da Revoluo Sua, tendo sido secretrio de um Ministro da Guerra, chegando a Capito e chef de batallion. Em 1802 retornou a Paris, e dizia que foram as empreitadas napolenicas na Itlia (1796-97) que fizeram dele um terico militar. Jomini aponta seu dbito intelectual com o General ingls Henry Lloyd, provavelmente adquiridas da leitura de Military Memories (1781), onde Lloyd apresenta um estudo sistemtico da guerra e seus princpios fundamentais, alertando que a arte da Guerra

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    se fundamenta em princpios certos e fixos que, por sua prpria natureza, no variam..., conceitos estes apropriados por Jomini. Em Lloyd, Jomini encontra uma expresso especfica de seu ideal de guerra como cincia, retirada do apelo daquele ao Iluminismo. Do estudo de uma de suas obras, Jomini retiraria sua viso dos princpios imutveis da guerra e sua aplicao e a concluso de que Napoleo ser melhor estrategista do que Frederico da Prssia. Seu primeiro livro, Treatise on Major Military Operations of the Seven Year's War, apresentou estes e outros aspectos nos dois primeiros volumes, de 1805. Em 1813 deixou o exrcito francs e ingressou no russo, tendo ampliado seu livro para seis volumes, publicando os prximos dois em 1816. Como Oficial de estado-maior de Napoleo alcanou o Posto de General de Brigada. Com diversas publicaes at sua morte em 1869, seu livro mais famoso foi Analysis of the Art of War, publicado posteriormente em edio expandida como Summary of the Art of War. Nele, mostrou ter lido On War, de Clausewitz, tendo ficado impressionado e revendo alguns de seus prprios conceitos. A nfase de Jomini de que seu livro no trata de guerra, mas da arte da guerra, por esta contemplar princpios imutveis vlidos tanto para Csar quanto para Napoleo. Um destes era o princpio da manobra de massa de um exrcito para ameaar pontos decisivos num teatro de guerra, seguido do arremesso de todas as foras disponveis contra uma frao da fora inimiga que defende tais pontos. Este ponto decisivo, segundo Jomini, aquele que capturado ou atacado colocaria em perigo ou enfraqueceria seriamente o inimigo. Usando casos histricos e seus princpios, Jomini insistia que por baixo das caticas mudanas da guerra moderna existia uma UNIVERSALIDADE ESTRATGICA. Jomini no foi um estrategista de poltrona, mas um veterano de muitas campanhas, extraordinariamente posicionado para observar uma dcada de guerras intensas na superfcie de toda a Europa. Entretanto, carregava grandes frustraes devido a no ter assumido um Grande Comando, em virtude talvez de seu temperamento difcil o qual angariou alguns desafetos que lhe barraram o comissionamento diversas vezes. Em grande parte, Jomini via a guerra em termos pessoais e hericos, controlada pelo comandante e mestre, o que no deixa de ser um reflexo da esttica de comando

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    napolenica, podendo-se dizer que buscou uma cincia de comando para a atuao do general. Seus livros, neste contexto, seguem a antiga tradio da historiografia militar, a da saga dos reis-guerreiros, os quais, dotados de qualidades sobre-humanas, conduziram seus povos vitria, embora o melhor dos seus escritos analticos se situe acima desta espcie de historiografia militar. Na sua poca, as mudanas na arte da guerra levaram a preocupaes da dissociao entre civis e militares, devido profissionalizao dos primeiros e uma possvel alienao do Estado e da sociedade e dos receios destes aos controles externos que os civis queriam impor. Em Jomini os militares encontraram bons argumentos contra a estrita subordinao autoridade poltica. Sua concluso era de que um governo deveria selecionar seus comandantes militares mais hbeis e depois dar-lhes liberdade de ao segundo os princpios cientficos da arte da guerra. Os governos no deviam negligenciar suas foras armadas, mas no deveriam se intrometer em matrias e assuntos especificamente militares. Em seu conceito de estratgia, Jomini a aplicava a todos os nveis da ao militar que estivessem abaixo da deciso poltica de fazer a guerra, at, exclusive, o combate em si. Em cada um dos nveis, o comandante tem que decidir onde, quando e como movimentar suas foras para cumprir a misso e combater sob as melhores condies. E a maioria dos comandantes faria escolhas erradas porque no entendia os princpios da estratgia, sintetizados muito sumariamente como a colocao de fora superior para acossar num ponto onde o inimigo tanto mais fraco como suscetvel a um dano que o incapacite. A Histria seria, ento, tanto a fonte onde se colhia estes princpios como a confirmao e elucidao deles no mundo real da ao militar. Em suas anlises, o conceito estratgico de linhas de operaes interiores recebeu maior cuidado. Est ligado simples ideia de que se um dos contendores ocupa posio entre - no interior de foras inimigas separadas, seria possvel atacar, primeiro, parte da fora inimiga, e depois, a outra, derrotando cada uma delas a seu turno, mesmo se o exrcito inimigo for superior.

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    Esta foi a forma mais especfica e prtica que Jomini deu ao seu princpio geral da fora emassada contra alguma parte vulnervel do inimigo, despertando interesse entre militares que buscavam ideias estratgicas teis, apesar de depender de clculos exatos de tempo e espao e da reao do inimigo. Estas deficincias seriam compensadas pela grande capacidade dos comandantes, induzindo o inimigo, pelo que concebeu que a cincia da guerra seria sempre uma arte. A grande exceo ao princpio fundamental da massa e ao ofensiva sobre um nico ponto seriam as guerras civis, religiosas ou nacionais, ou seja, as guerras de opinio, onde no existem exrcitos regulares em ambos os lados, mas sim guerras nas quais povos inteiros estivessem ativos. No faria sentido emassar foras, pois no havia ponto decisivo para atacar; o inimigo estaria em todos os locais, atrs de uma cobertura de hostilidade popular que embaava a viso do invasor. Estas seriam guerras perigosas e deplorveis, e disse pouco sobre as estratgias corretas para estas guerras, deixando a impresso que o melhor que se poderia fazer era evitar-se envolver em guerras civis ou nacionais. Outro aspecto criticado em Jomini o dogmatismo de que novas armas no alterariam os princpios da estratgia. No final de sua vida, pareceu se ocupar mais com os aspectos polticos e psicolgicos da guerra, possivelmente pela leitura de Clausewitz. Mesmo assim, dentro das polmicas repetitivas elencadas em seus livros, esto observaes valiosas, ideias estimulantes e um argumento de estratgia que, dentro dos limites de suas aplicabilidade, seguramente correto. A influncia de Jomini durante e depois do sculo XIX so marcantes, tendo suas obras publicadas em ingls, alemo e russo. Tradues de suas obras foram usadas nas Academias Militares do Reino Unido e de West Point. Mesmo na Prssia ps-publicao de Clausewitz, Jomini era leitura entre os militares prussianos. Jomini possua grande lista de admiradores, e mesmo os seus crticos aceitavam sua abordagem da guerra, mas a partir de 1890 a sua influncia deu um salto com o trabalho de Alfred Thayer Mahan. Como Jomini havia dado, ao contrrio de Clausewitz, alguma importncia dimenso martima da guerra, Mahan decidiu fazer para o Poder Naval o que Jomini fizera para a guerra terrestre, aplicando princpios similares que o

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    levaram a ser considerado o correspondente martimo de Jomini. O prolongado interesse por Jomini, mesmo o posterior a 1914, tem por trs, sinteticamente, algumas percepes. Os efeitos causados pelas guerras napolenicas no pensamento ocidental sob conflitos armados, sua natureza , potencial e mtodo, posicionaram Jomini como intrprete autorizado da guerra napolenica. Napoleo, disse Jomini, conseguiu vitrias rpidas e decisivas pela aplicao feroz de fora militar concentrada contra pontos fracos e sensveis. O poder destrutivo da I GM alcanou tambm a teoria militar, abalando a crena em uma cincia militar devido aos fiascos da guerra de trincheiras, a partir de quando a reputao de Jomini comeou a declinar. Ainda assim, o ps-guerra trouxe aspectos que vieram valorizar Jomini. As ideias de Liddel Hart, condenando a procura da Grande Batalha como responsvel pela carnificina da I GM, apontaram-se criticamente para Clausewitz, e no para Jomini. Sua abordagem de manobra, abordagem indireta e nfase na estratgia como conjunto de tcnicas reviveram a abordagem didtica, prescritiva e reducente de Jomini, que acabou refletindo no posterior desenvolvimento da blitzkrieg. Outro conceito emergente e com claro vnculo com as concepes jominianas; porm mais duradouro a longo prazo; foi o de bombardeio estratgico. Na dcada de 1920, pioneiros tericos do poder areo levaram para as aeronaves o que Mahan trouxe para os vasos de guerra. Coligiu desta forma a ideia de que as aeronaves assim como as belonaves deveriam atuar emassadas contra o ponto decisivo. Aps 1945, fica mais difcil relacionar a influncia direta de Jomini, porm os Princpios da Guerra continuam fazendo parte de documentos oficiais de todas as Foras Armadas, acendendo a questo de como e por que um modo de pensar sobre a guerra surgido do relato de Jomini sobre Napoleo no definhou com a tecnologia e mtodos da era industrial. Ele no desapareceu porque continuou respondendo a uma necessidade premente e inevitvel. A ideia de que debaixo da aparente desordem da existncia esto leis que regulam o universo, princpios passveis de serem descobertos e entendidos, foi a caracterstica marcante do Iluminismo do sculo XVIII, e a guerra foi a ltima atividade humana alcanada por esta viso. A ideia de que a violncia da guerra, seria antitica a princpio

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    dentro da concepo de um mundo racional, foi varrida do mundo com as campanhas de Frederico II e no avano francs sobre a Europa. As questes particulares de Jomini e suas peculiaridades e detalhes podem ter ficado restritos ao meio acadmico, mas suas ideias bsicas, mesmo quando no reconhecidas, sobreviveram.

    1.4 Keegan

    1. 4.1 Histrico

    Sir John Desmond Patrick Keegan nascido em Londres em 15 de maio de 1934 e falecido em 2 de agosto de 2012 foi um professor e historiador militar britnico. Ministrou durante longo perodo disciplinas relativas cadeira de Histria Militar na Academia Militar de Sanhurst, detacando-se nas reas de Histria Militar e Antropologia Militar. autor de obras sobre assuntos relativos guerra. Filho de um soldado da Primeira Guerra Mundial, cresceu em meio Segunda Guerra Mundial, numa regio onde estavam estacionados contingentes que se preparavam para o desembarque na Normandia no Dia D. A experincia lhe marcaria profundamente, despertando o interesse pelos assuntos militares, no entanto, no pode servir em virtude de patologia que contraiu na infncia.

    1. 4. 2 A Guerra na Histria da Humanidade.

    A guerra no a continuao da poltica por outros meios. John Keegan polemiza a definio clssica de Clausewitz, escrevendo que o que realmente est escrito que a guerra era a continuao das relaes polticas ...... com a entremistura de outros meios se referindo ao original alemo onde expressa uma ideia mais complexa e sutil. Afirma Keegan que o pensamento de Clausewitz est incompleto pois ele considera a existncia do Estado. Contudo, segundo Keegan, a guerra precede o Estado. A guerra quase to antiga quanto o prprio homem, atingindo os lugares mais secretos do corao humano, onde

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    a emoo suprema. Afirma ainda Keegan que segundo Aristteles o homem um animal poltico e que Clausewitz, herdeiro de Aristteles, disse apenas que um animal poltico um animal que guerreia. Para Keegan nem Aristteles e nem Clausewitz ousaram enfrentar o pensamento de que o homem um animal que pensa, e que o intelecto dirige o impulso de caar e a capacidade de matar. Para ele a cultura parece ser a grande determinante de como os seres humanos se comportam Os homens, portanto, so animais culturais e a riqueza da cultura humana que permite aceitar a indiscutvel potencialidade humana para a violncia, embora tambm acredite que sua expresso uma aberrao. A guerra civilizada se define por dois tipos, o pacifista e o portador legal de armas. O portador legal de armas sempre foi respeitado e o pacifista passou a ser valorizado nos dois mil anos da era crist. Reporta-se Keegan ao interlquio entre Cristo (pacifista) e o Centurio o portador legal de armas, afirmando que os dois tipos podem encontrar espao para coexistir s vezes lado a lado, como por exemplo o militar de sade e o combatente, fruto da cultura ocidental onde se busca o compromisso a respeito da violncia pblica, desaprovando sua manifestao, mas legitimando seu uso.

    1. 4. 3. A Guerra como Cultura.

    Apresenta pois Keegan estudo sobre quatro povos distintos: os nativos da ilha de Pscoa, os Zulus, os Mamelucos e os Samurais, onde procura demonstrar que o impulso para fazer a guerra no depende da economia e da poltica na sua essncia mas das suas caractersticas culturais.

    1. 4. 3.1 Os nativos da ilha de Pscoa.

    Os nativos de Pscoa pertenciam cultura polinsia, vivendo na Idade da Pedra do Pacfico Central, sendo uma civilizao extraordinariamente aventureira, embora sem escrita, colonizou uma vasta rea do Pacfico.

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    A sociedade era de estrutura teocrtica, dava grande importncia as qualidades guerreiras e o caso da ilha de Pscoa quando a sobrevivncia da ilha foi posta em risco a dominao pela fora tornou-se a regra levando a uma guerra endmica que dizimou a populao e a civilizao da ilha, no por uma soluo poltica mas por herana cultural, levando a cabo seu experimento mortfero de guerra total.

    1. 4. 3. 2 Os Zulus.

    No que se refere aos Zulus, ao contrrio dos habitantes de Pscoa, foram levados pela revoluo militar ocorrida em sua sociedade no incio do sculo XIX a um confronto exagerado com a civilizao ocidental. So venerados como grandes guerreiros no percurso de sua ascenso como nao no incio do sculo XIX at sua queda na guerra de 1879. Embora fosse um povo polido e respeitador suas grandes querelas giravam em torno da disputa sobre o pastoreio, recurso essencial numa sociedade em que o gado era provavelmente muito importante. As batalhas tendiam a ser ritualizadas sob o olhar de jovens e velhos, comeando com uma troca de insultos e terminando quando se provocassem baixas. Existiam limites naturais e costumeiros no que se refere violncia: tendo em vista que os metais eram escassos, as armas eram feitas de madeira endurecida no fogo, atirada em vez de usada no corpo-a-corpo; e, se um guerreiro matasse seu oponente, estava obrigado a deixar o campo de batalha e submeter-se purificao, caso contrrio o esprito da vtima iria certamente trazer uma doena fatal para ele e sua famlia, denotando uma forte influncia da cultura na forma de guerrear. Mas esse estilo de guerrear foi substitudo quando da ascenso de um chefe zulu que montou um exrcito de regimentos por idades selvagemente disciplinados que travaram batalhas de aniquilao. Esse imperialismo zulu teve consequentemente sua ascenso e queda, forando o deslocamento de tribos, mas cedendo o seu espao ao imperialismo europeu. A cultura zulu, ao dar destaque aos valores guerreiros, ao ligar esses valores preservao de uma economia pastoril e ao prender a energia e a imaginao dos

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    membros mais dinmicas da comunidade numa servido militar estril at bem depois da maturidade, negou a si mesma a chance de evoluir e adaptar-se ao mundo circundante.

    1. 4. 3. 3 Os Mamelucos

    A servido, de uma maneira mais intensa ou mais branda, uma condio comum do servio militar. Entre os zulus, ela chegou ao extremo. Jovens no muulmanos ao serem capturados, eram criados dentro da f e treinados como soldados, sendo recrutados quase que exclusivamente nas fronteiras do isl. Um desses povos era os turcos que estavam em marcha para o ocidente. Das qualidades apreciadas desses no muulmanos estava o domnio do cavalo e das tcnicas de guerra de montar. Porm tinham seus inconvenientes. Eram saqueadores insaciveis, em reao extrema simplicidade de suas vidas nas estepes, aceitando a escravido militar como uma oportunidade de sobrevivncia. O califado abcida do Egito usou como ningum esses escravos militares, fazendo-os soldados de um tipo muito especial. Reclusos como novios, vindo das estepes, em acampamentos monsticos, aprendiam primeiro o Coro e ao atingir a virilidade comeavam a instruo em furusiyya, o sistema de montar, domnio do cavalo e uso de armas a cavalo, base da mestria mameluca no campo de batalha. Contudo, essa devoo cultura da guerra de cavalaria significaria a sua runa ao tomarem contato com novas formas de guerrear, caindo em decadncia, sendo essa distoro cultural significado sua morte.

    1. 4. 3. 4 Os Samurais.

    Quase ao mesmo tempo em que os mamelucos eram derrotados pela plvora, outra sociedade militar, no extremo oposto do mundo, assegurava sua sobrevivncia desafiando diretamente as circunstncias que a ameaavam.

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    No sculo XVI, a classe dos espadachins japoneses viu-se diante do desafio das armas de fogo, postergando por 250 anos sua dominao social. O Ocidente descobria o Japo no sculo XVI, comerciando, viajando, se industrializando, passando por revolues polticas e expandindo sua cultura crist ocidental o que confrontou a classe dos samurais. Esses samurais constituam, em termos simplificados, a classe nobre e feudal do Japo, devendo suas origens insularidade do pas e as subdivises internas. O estilo era essencial ao modo de vida dos samurais estilo nos trajes, nas armaduras, nas armas e seu manejo no campo de batalha, no se diferenciando muito em relao aos cavalheiros da Idade Mdia da Europa Ocidental. Mas na perspectiva cultural as diferenas eram enormes, sendo os japoneses um povo letrado com uma cultura literria e filosfica altamente desenvolvida. Rechaaram notadamente o cristianismo como sendo um vetor de insero da cultura ocidental no Japo, ao trazerem para o seu pas canhes e armas de fogo, acompanhando a cruz. Houve uma adaptao momentnea a essa novidade de guerrear. O domnio estabelecido por comandantes inovadores poderia ter assegurado o predomnio das armas de fogo, mas aconteceu exatamente ao contrrio, vivendo 250 anos sem ela. A distncia e a reputao militar japonesa protegeu o pas por longo tempo do assdio ocidental. A China no tinha nem marinha nem a inteno de invadir o Japo. Embora internamente divididos por classes e faces, os japoneses formavam uma nica unidade cultural. A plvora portanto, no era essencial para a segurana nacional, sendo irreconcilivel com ethos do governo japons. O xogunato Tokugawa era mais que uma instituio poltica: era um instrumento cultural. O Japo dobrou-se ao Ocidente com a Revoluo Meiji (1864) mas no deixou de manter seus laos com o seu passado cultural, demonstrando to bem como a guerra pode ser, entre muitas coisas, a perpetuao de uma cultura. O Ocidente presenciaria quase um sculo depois a saga dos camicazes do Imprio do Sol Nascente em seu modo de fazer a guerra.

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    1. 4. 4. Limitaes guerra.

    A cultura da guerra sofre limitaes de fatores permanentes e contingentes. Como permanentes o tempo, o clima, as estaes, o terreno e a vegetao que sempre afetaram e inibiram e s vezes proibiram totalmente as operaes. Como contingentes incluem-se as dificuldades de suprimento, de aprovisionamento, de aquartelamento e equipamento, que limitaram o alcance, a intensidade e a durao da guerra em muitos perodos da histria da humanidade. A guerra naval ilustra bem o efeito de ambos os fatores. Da mesma forma, a maior parte das terras do globo no possui histria militar. Tundra, deserto, floresta tropical e as grandes cordilheiras so to inspitas para viajantes como para soldados. No total, cerca de 70% dos 150 milhes de quilmetros quadrados de terra firme do mundo so altos, frios ou secos demais para a realizao de operaes militares a no ser para operadores extremamente capacitados e caros demais. Algumas das grandes batalhas da histria militar ocorreram bem prximas no espao e distanciadas no tempo. O conceito de fronteira se tornou ao longo do tempo um fator importante para o desenrolar de uma guerra posto que o Front um termo que definia o ltimo posto militar que delimitava um imprio do outro, uma civilizao da outra. Essas fronteiras quando fortificadas serviam de defesas contra-ataques inimigos. Se a histria da guerra to antiga quanto a do homem, considerando fatores permanentes e contingentes e o conceito de fronteira deve-se tambm acrescentar a limitao tambm importante: trata-se de uma atividade inteiramente masculina, pois as mulheres no lutam entre si, embora lutem com os homens.

    1. 4. 5 Pedra

    1. 4. 5. 1 Luta e Cooperao

    A dicotomia entre luta e cooperao est na origem das relaes humanas. Os indivduos cooperam ou lutam para atingirem seus objetivos, quais sejam:

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    sobrevivncia, medo, riqueza e poder, dentre outros. Em princpio a cooperao a norma, at para lutar, mas o comportamento violento que via de regra compromete a cooperao levando ao caos a guerra. Mas a guerra est intimamente ligada natureza humana segundo cientistas e estudiosos que concluem sobre a natureza da vontade de ir guerra no s no que se refere ao comportamento de um indivduo como de uma sociedade. Keegan faz reflexes a respeito de alguns povos primitivos e suas guerras, como os ianommis, os marings, os maoris e os astecas.

    1. 4. 5. 2 Os Primrdios da Guerra

    Data-se a histria no momento em que o homem passou a registrar em algum material as suas preocupaes no que concerne a contagem do tempo, das coisas e das relaes entre si e no caso das relaes mais contundentes a guerra. A histria da guerra comea com a escrita, mas sua pr-histria no pode ser ignorada, notadamente na confeco de artefatos que poderiam ser utilizados tanto para a caa de animais como para o combate. Nessa aurora da civilizao no havia segundo pesquisadores um grande abismo entre o homem e o animal. O homem era bem prximo das feras que viviam em torno dele, detendo todas as faculdades que a civilizao embotou, como ao rpida, sentidos aguados, resistncia fsica e habilidade no uso de artefatos de pedra e ossos rudimentarmente confeccionados, tanto para a caa como para o confronto com outros homens. Mas somente no tempo dos sumrios que se tem as primeiras provas seguras da natureza da guerra no incio da histria escrita e que se pode comear a perceber os traos de uma guerra civilizada de grupos organizados entre si, sob a gide das necessidades humanas.

    1. 4. 5. 3 Guerra e Civilizao

    Os sumrios, tal como os astecas, atingiram a civilizao dentro das limitaes da

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    tecnologia da pedra. Mas no so seus instrumentos e, de qualquer forma, eles se tornaram metalrgicos muito cedo - mas seus poderes de organizao que serviram de base para sua atividade guerreira. As civilizaes hidrulicas que se fizeram s margens dos grandes rios tiveram que guarnecer seus excedentes e estoques de gros dos seus inimigos. Assim como as civilizaes da Mesopotmia a do Egito constituiu seu exrcito de forma permanente, pedras e paus foram cedendo lugar ao bronze e ao ferro e o uso de animais para o trato da terra como para a guerra.

    1. 4. 5. 4 Fortificao

    Os aurigas, condutores de carros de guerra, foram os primeiros grandes agressores da histria da humanidade. Agresso, por uma reao oposta, se no sempre igual, estimula a defesa e, assim, antes de apreciar de que forma os aurigas e os povos montados que os sucederam alteraram o mundo no qual as artes civilizadas da paz tinham comeado a florescer, deve-se examinar os meios pelos quais os habitantes das terras ricas buscaram se preservar do roubo e da devastao o que tinham conquistado natureza, construindo muralhas, fossos e torres no simplesmente como um refgio, mas como uma fortaleza. Uma fortaleza no um lugar simplesmente de proteo contra um ataque, mas tambm de defesa ativa, um centro onde os defensores esto protegidos da surpresa ou da superioridade numrica e uma base da qual podem fazer surtidas para manter os predadores distncia e impor controle militar sobre a rea de interesse. Os planejadores das fortalezas sempre buscaram, portanto, negar ao atacante um acesso fcil, se valendo dos trs componentes bsicos: muralha, fosso e torre, que pouco mudou desde Jeric at o advento da plvora. A cultura da construo de fortificaes diz respeito a como essas fortalezas podem ser defendidas e servir como componente de uma defesa estratgica se bem alinhada com o conceito de fronteira.

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    1. 4. 6 Carne

    As fortificaes resistiram at certo ponto as investidas dos aurigas com seus carros e cavalos, porm povos indo-europeus, notadamente os montados das estepes foram se estabelecendo nos vales dos grandes rios por volta do segundo milnio antes de Cristo. Como disse Keegan a adoo do carro de guerra e a imposio do poder de seus condutores em todos os centros da civilizao eurasiana foram episdios extraordinrios. Dependeu de muitos desdobramentos em metalurgia, carpintaria, curtimento e selaria, mas sobretudo na adaptao do cavalo para o uso em combate com carros. O surgimento da biga como carro de guerra multiplicou a velocidade de progresso no combate que somada a habilidade de guerrear com armas adequadas como o arco composto influenciou sobremaneira a cincia e a arte da guerra.

    1. 4. 6.1 O imprio assrio e a biga

    Segundo Keegan, no auge de seu poderio, por volta do sculo XVIII a.C., o exrcito assrio revelava caractersticas que serviriam de modelo para exrcitos de muitos imprios posteriores; algumas delas chegaram at os nossos dias. Entre elas, destacam-se os arranjos logsticos: depsitos de suprimentos, colunas de transportes, companhias para a construo de pontes. O exrcito assrio foi o primeiro realmente de longo alcance, capaz de fazer campanhas distantes at quinhentos quilmetros da base e de avanar numa velocidade que s seria superada com o advento do motor de combusto. A primeira batalha de bigas que se tem notcia, a de Megido, no norte da Palestina, travada em 1469 a.C. entre o fara Tutms III e uma confederao de inimigos do Egito liderada pelos hicsos, terminou quase que sem derramamento de sangue de ambos os lados. Em 1294 a.C., quando Ramss II derrotou um exrcito hitita em Kadesh, junto ao rio Orontes, no sul da Sria se utilizou tambm um grande nmero de bigas, mas o seu uso na forma mais desenvolvida ocorreu no auge do poder imperial da Assria, no sculo

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    VIII a.C., quando se aprimorou a construo da biga como tambm se conseguiu a melhor adaptao do cavalo.

    1. 4. 6. 2 O cavalo de guerra

    A biga, no apogeu de sua eficcia, foi elevada em importncia por um dos seus elementos constitutivos: o cavalo. A doma, a capacidade de carga e o manejo do cavalo proporcionaram s civilizaes que empregaram esse animal a capacidade de transporte, a trao e o seu uso para a guerra, observando-se a busca pela melhoria do plantel de equinos tanto em quantidade como em qualidade. Enfim, o cavalo de guerra deu maior capacidade de movimentao s operaes militares, notadamente na metade do segundo milnio antes de Cristo, com as incurses dos povos montados das estepes. Esses povos montados das estepes continuariam a ser uma ameaa sempre presente para as civilizaes da Europa, do Oriente Mdio e da sia. Exrcitos alimentados com excedentes agrcolas e limitados em alcance de manobra pelo ritmo e resistncia da marcha a p simplesmente no podiam empreender campanhas amplas de conquistas. Os povos montados diferentemente podiam aumentar o raio de ao de suas foras com a revoluo da cavalaria que aliado cultura da vida nas estepes transformaram a conduta da guerra, fazendo dela uma coisa em si mesma. Pode-se ento, segundo Keegan, falar em militarismo, mesmo que abaixo do horizonte militar, um aspecto das sociedades no qual a mera capacidade de guerrear, rpida e lucrativamente, se tornou um motivo em si mesmo para faz-la. Assim se deu com os hunos, os mongis, os rabes, os mamelucos e os cossacos, evidenciando um modo de conduzir a guerra nos moldes do estilo cultural dos povos montados das estepes.

    1. 4. 7 Ferro

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    Keegan afirmou que a Pedra, o Bronze e o Cavalo os principais meios utilizados na guerra, em uma poca em que os Estados estavam se constituindo e sendo invadidos por povos vindos de suas fronteiras os brbaros eram, por sua natureza, recursos limitados e diferentes entre si. Necessitaria o homem de um material mais estvel para atacar e defender o ferro supriu essa necessidade introduzindo a revoluo da Idade do Ferro, pois se constitua em material que podia dar uma vantagem estratgica a quem o possusse. No somente para a feitura de armas, mas para a confeco de utenslios para a agricultura, transportes e a prpria indstria no seu estgio mais rudimentar. O primeiro ferro fundido foi quase certamente monopolizado por volta de 1400 a.C., mas no chegou a ser usado em larga escala. O desenvolvimento de tcnicas de forjar e a capacitao de ferreiros tiveram efeitos militares variados, equipando os exrcitos de imprios como o assrio e, posteriormente, os gregos, com suas falanges com lanas e escudos. A suprida pelo ferro consegue se impor ao Imprio Persa, selando os destinos da histria ocidental, em batalhas sucessivas como Plateia, a batalha naval de Micale, Maratona e Salamina e com a Guerra do Peloponeso, culminando com a vitria de Esparta sobre Atenas, esgotando o sistema da cidades-estados. Na sequncia tem-se o avano da Macednia, primeiramente com Felipe e depois com Alexandre o Grande, iniciando o processo de helenizao do Oriente Prximo e Mdio sob os auspcios do ferro. Os conceitos Gregos foram expandidos por Roma que, segundo Keegan, foi a matriz dos exrcitos modernos com a Legio como prottipo do Regimento. A Europa depois de Roma foi, pode-se dizer, um continente sem armas, mas o cavalo ganhou novo significado com a sela e o estribo no sculo VIII, uma combinao de couro e ferro, impulsionando os francos de Carlos Magno, com o advento da cavalaria pesada, dando relevo ao de choque. Combateu a presena do isl na Europa (Poitier e as portas de Viena), das estepes (Magiares) e da Escandinvia (Vikings) estes tendo aprimorado o uso de embarcaes (mobilidade naval). Pode-se analisar as concluses de Keegan sobre a revoluo do ferro, em que o seu uso pelos gregos e romanos, bem como na Idade Mdia era um negcio horrvel e

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    sangrento, tornado pior por sua recorrncia e pela coragem sanguinria. Apesar da independncia cvica dos gregos, do amor cidadania pelos romanos e dos ideais de cavalaria da Idade Mdia certo primitivismo se ocultava. A chegada da plvora vai fazer uma revoluo cultural na conduo da guerra, transformando o ferro num material importante, mas acessrio.

    1. 4. 8 Fogo

    O fogo encanta o homem, diferenciando-o das demais criaturas o fogo o atrai. As tochas e archotes espantaram as feras, as fogueiras cozeram alimentos, o fez reunir em torno dela para deliberaes, o fogo afastou o medo da escurido mas subjugou outros homens. O fogo portanto para o homem quase divino e uma arma muito antiga. Os babilnios j o utilizavam em campanha sob a forma de nafta. Abrao iludiu seus inimigos amarrando tochas em bodes e cabras. O fogo grego era usado pelo exrcito do Imprio Bizantino enquanto os chineses descobriam a plvora do sculo XI. Ao se dar uma aplicao prtica para a plvora, notadamente no sentido militar iniciou-se a revoluo do fogo na conduo da guerra. O surgimento dos primeiros artefatos de lanamento de objetos por intermdio da plvora gira por volta do incio do sculo XIV. Os primeiros canhes foram utilizados nos stios s fortalezas (fogo x pedra), constatando-se o uso desses vetores na tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453, findando a Idade Mdia. Os franceses, ao atrelarem os canhes a carroas, deram mobilidade ao fogo em 1494. Valendo-se das plataformas navais formou uma combinao perfeita pois um navio podia sustentar seu peso e recuo, bem como armazenar uma boa quantidade de munio, fazendo a primeira projeo de poder sobre a terra vinda do mar. O domnio otomano do Mar Mediterrneo foi confrontado com sucesso na batalha de Lepanto, em 1572. As frotas artilhadas com canhes contriburam para a expanso martima e comercial europeia com Portugal, primeiro Estado Nacional centralizado, como pioneiro. As fortificaes (Pedra), tiveram que se amoldar a nova arma, redesenhando a defesa

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    das fortalezas sob a forma de basties angulados (traa italiana). O fogo do canho passou a ser individualizado com o arcabuz e o mosquete a nova artilharia ficou capilarizada nas mos de combatentes individuais capazes de lanar projeteis a curta e mdia distncias. O arco, a espada e a lana tiveram que dividir o espao com o mosquete na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). O emprego do combatente a p, a cavalo, a bordo de navios, nas fortalezas e com artilharia passou a ser estudado e academias militares como a de Joo de Nassau, introduzindo a didtica no combate. O fogo contribuiu para a Revoluo Comercial empreendida pelos portugueses, espanhis, holandeses, franceses e ingleses, subjugando o Oriente ao Ocidente, acompanhando os ideais das Revolues Francesa e Americana. O fogo otimizado pelas Primeira e Segunda Revolues Industriais impactou as Guerras Balcnicas de 1912-1913, determinando recuo do Imprio Otomano, colaborando para criar o ambiente geopoltico que antecedeu a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e na Guerra Civil Americana (1861-1864). No Armagedom da Grande Guerra Pedra, Carne, Ferro e Fogo, foram otimizados pelo avano da Era Industrial, levando esses elementos mais longe no mar, na terra e no ar, interligando-os com o telgrafo, o rdio, as estradas de ferro, estendendo as linhas de comunicaes e suprimentos, impulsionados pelo motor a combusto e o petrleo, culminando no fogo aterrorizador da Era Nuclear.

    1. 4. 9 Concluso.

    Keegan faz uma abordagem da forma de conduo das guerras, apoiada na histria cultural das sociedades desde os perodos pr-histricos, Idade Antiga, Mdia, Moderna e Contempornea. Questiona porque o homem faz a guerra e coloca a cultura como a grande determinante de como os seres se comportam, afirmando que a guerra quase to antiga quanto o homem, atingindo os lugares mais profundos do corao humano. Polemizou Clausewitz sobre a interpretao comum de que a guerra continuao da poltica por outros meios, dizendo que o que est realmente escrito continuao das

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    relaes polticas com a entremistura de outros meios. Aborda a dicotomia entre o homem portador legal de armas e o pacifista. Apresentou um relato sobre quatro povos como exemplo; os nativos de Pscoa, os Zulus, os Mamelucos e os Samurais, sobre suas ascenses e declnios como sociedades guerreiras, suas qualidades e defeitos. Toca as limitaes da guerra permanentes e contingentes e ainda sobre os elementos que conduziram os homens e as sociedades Pedra, Carne, Ferro e Fogo associado ao modo com evoluiu a conduo da guerra.

    2.1 Princpios de Guerra

    2.1.1 A Natureza e as Caractersticas dos Conflitos

    Os Estados, muitas vezes, envolvem-se em conflitos com outros Estados, com vistas conquista e manuteno de Objetivos Nacionais. Em outras oportunidades, o conflito envolve o Estado contra grupos nacionais ou estrangeiros dos mais variados matizes e motivaes, que contestam a autoridade do governo e tentam impor seu interesses maioria pela fora. A soluo desses conflitos pode ocorrer por meio da persuaso forma no violenta, utilizando processos e tcnicas inerentes aos meios diplomticos, jurdicos e polticos ou por meio da coero forma violenta, utilizando a capacidade de coagir do Poder Nacional e abrangendo desde o emprego dos meios diplomticos at a guerra declarada. Clausewitz assim define a guerra: "nada mais que um duelo em grande escala ... um ato de violncia que visa a compelir o adversrio a submeter-se nossa vontade". Preconiza o uso ilimitado da fora fsica, impiedosamente, sem se preocupar com o derramamento de sangue considerado e no excluindo de modo algum a colaborao da inteligncia, para atingir o objetivo final da guerra em si, desarmar o inimigo, submetendo-o nossa vontade e destru-lo. Entretanto, subordina a guerra ao objetivo poltico, j que seu motivo original e, sendo assim, determina tanto a finalidade da

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    fora militar quanto ao esforo a ser realizado, explicando-se o porqu de haver guerras de todo o tipo e de vrios graus de intensidade, desde a guerra de extermnio ao mero emprego de um exrcito como observador. Para Clausewitz a guerra no meramente um ato poltico, mas tambm um autntico instrumento poltico, uma continuao de negociaes polticas, a realizao destas por outros meios.Define ainda, de forma muito clara, o quanto a natureza da guerra influencia seus meios e fins: "o poder militar deve ser eliminado, vale dizer, reduzido a tal estado que no possa haver prosseguimento da guerra. Este o sentido que desejamos ser entendido daqui por diante, sempre que usarmos a expresso "destruio do poder militar do inimigo". O territrio deve ser conquistado pois alm de seus limites uma nova fora militar pode ser organizada mesmo quando se teve sucesso com os dois elementos anteriores, ainda assim a guerra, atravs do sentimento de hostilidade e da ao dos rgos inimigos, no pode ser considerada como finda, enquanto a vontade do inimigo continuar subsistindo". As teorias de Clausewitz sobre a guerra, que caracterizam a guerra total, foram colocadas em prtica a partir da Guerra de Secesso americana e ao longo do sculo XX, resultando na criao de armas de destruio em massa de potencial cada vez maior e de maior abrangncia, culminando com o bombardeio atmico ao Japo no final da Segunda Guerra Mundial. Determinou tambm a pragmtica estratgia de tomada do poder definida pelo Movimento Comunista Internacional, segundo a qual os fins justificavam os meios, produzindo quase cem milhes de mortos ao longo do sculo XX, em nome de uma revoluo mundial. Quincy Wright afirma que a guerra um problema que pode ser atribudo a quatro tipos de mudanas: a reduo das distncias no mundo; a acelerao da Histria; o progresso nas invenes blicas; e o advento da democracia, definindo-a como um conflito simultneo de foras armadas, de sentimentos populares, de dogmas jurdicos, de culturas nacionais. Finalmente, recorremos ao Gen Obino Lacerda, que faz uma anlise cuidadosa de vrias definies para concluir: "notamos que o fenmeno se realiza entre grupos organizados e que possui um carter de violncia capaz de atingir a selvageria. Em continuao, verifica-se que ela se destina a forar um dos adversrios a submeter-se

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    vontade de seu oposto. Tambm se conclui que ela submetida a mtodos e processos que lhe do organicidade ou estrutura prpria, como fenmeno coletivo; que ela tem limites temporais, com um desencadeamento oportuno, que caracteriza o incio do estado de guerra e com um trmino, submetido a regras jurdicas, definido pelos tratados de paz. Finalmente se constata que a guerra, envolvendo dois grupos opostos, no limita a participao dos indivduos e dos Estados, se realiza com simultaneidade, englobando as foras armadas, os sentimentos populares, os dogmas jurdicos e as prprias culturas". Maquiavel maximiza a importncia do poder militar como instrumento de garantia do poder poltico e aconselha aos governantes: deve, pois, um prncipe no ter outro objetivo nem outro pensamento, nem tomar qualquer outra coisa por fazer, seno a guerra e a sua organizao e disciplina, pois que essa a nica arte que compete a quem comanda. E ela de tanta virtude, que no s mantm aqueles que nasceram prncipes, como tambm muitas vezes faz os homens de condio privada subirem quele posto; ao contrrio, v-se que , quando os prncipes pensam mais nas delicadezas do que nas armas, perdem o seu Estado. Maquiavel, considerando a realidade de sua poca, ao contrrio do que se evidencia no pensamento de Clausewitz, subordina a poltica guerra. Posicionamento tpico das antigas civilizaes, de Estados militarizados, de Estados sob constante condio de beligerncia ou de regimes totalitrios tpicos do sculo XX. Portanto, o conceito de guerra, e ela em si, mutvel. Conforme Alvin e Heidi Toffler (War and Anti-war, 1993), "quando surge novo tipo de economia, com todas as circunstncias concomitantes, sociais e culturais, muda tambm a natureza da guerra. Assim, a revoluo agrria de 10 mil anos atrs, que lanou a Primeira Onda de transformaes econmicas e sociais da histria humana, introduziu a guerra da Primeira Onda. A guerra da Primeira Onda foi caracterizada por ataques "hit-and-run", com aes visando a resultados especficos, seguidos de recuo rpido - pequenos ataques - e violkncia cara-a-cara, o confronto direto. Os camponeses, tipicamente, no lutavam por uma nao, mas por um lder militar supremo que os remunerava, geralmente, apenas com alimentao. Os soldados travavam a maioria dos combates no inverno,

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    quando no eram necessrios na lavoura. As campanhas eram de curta durao. A organizao era imprecisa, nivelada, com caractersticas de rede. A coeso das unidades era slida, com membros da famlia freqentemente lutando lado a lado. A comunicao entre si era principalmente por contato pessoal. Os homens lutavam pela "honra" de macho, para mostrar coragem. A guerra era pessoal. Mesmo quando compartilhavam uma religio ou ideologia fantica, muitas unidades militares eram subornveis e podiam mudar de lado. A histria apresenta numerosas excees ao padro genrico, mas essa foi de fato, por milhares de anos, a forma predominante de guerra em todo o mundo. A revoluo industrial, segunda grande onda de mudanas sociais e econmicas da histria, trouxe consigo uma forma de guerra totalmente nova: a guerra da Segunda Onda. A era da mquina criou a metralhadora. A produo em massa tornou possvel a destruio em massa. O recrutamento criou exrcitos massificados. A tecnologia padronizou o armamento. Soldados e oficiais receberam treinamento. A organizao tornou-se burocrtica. O controle passou a ser feito de alto a baixo, por graduaes sucessivas de oficiais. Os sistemas de armas ficaram cada vez maiores e mais letais - porta-avies, formaes blindadas, frotas de bombardeiros, msseis nucleares. Depois de sua derrota no Vietn, contudo, as foras militares dos EUA, paralelamente economia, afastam-se da fabricao em massa, comeam a desenvolver a nova forma de guerra da Terceira Onda, que se afastou das antigas concepes industriais sobre a guerra em massa. Tanto a economia quanto as foras militares necessitaram de uma vasta infra-estrutura eletrnica. A guerra da Terceira Onda, depende menos da ocupao territorial e mais da "supremacia da informao". Esta supremacia pode significar importar em destruir o sistema de comando e controle do inimigo ou seus equipamentos de radar e vigilncia. Mas requer tambm conhecermos mais sobre o adversrio do que ele sabe sobre ns. Significa priv-lo de "olhos e ouvidos" - tecnolgicos e humanos - e significa supri-lo de informaes que enganem seus planejadores e modelem suas suposies estratgicas, para tirar proveito dos erros deles. Significa tambm, dar mais destaque "guerra de nichos" - operaes especiais, avies-robs, armas inteligentes, miras de preciso, foras de reao rpida e

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    "coalizaes profundas" que vo alm de um conjunto de naes, incluindo corporaes, organizaes religiosas, organizaes no-governamentais e outros parceiros, visveis ou encobertos. Acima de tudo, a guerra da Terceira Onda, exige uma profunda reestruturao dos servios de inteligncia, distanciando-se do destaque dado pela Segunda Onda ao carter de massas" (Alvin e Heidi Toffler em "A Guerra da Terceira Onda", O Estado de So Paulo, Internacional, A 20 de 14 OUT 2001). Como se observa, modifica-se o conceito de guerra conforme evoluem os Estados e suas instituies. Assim, se, por um lado, o predominante pensamento liberal e a disseminao da democracia no mundo, no incio do sculo XXI, subordinam a guerra aos interesses polticos, pressionados estes pela fora da opinio pblica, pela fora da mdia e de rgos no-governamentais, em oposio, a subordinao da guerra religio mesclada aos interesses polticos, j verificado em outras pocas, renasce sob forma muito perigosa, aliando-se a regimes teocrticos, sob a gide do fundamentalismo islmico, para promover a jihad, a guerra santa islmica.

    2.1.2 Fundamentos da Arte da Guerra

    Doutrina Militar: So as maneiras pelas quais uma fora militar organizada, equipada, instruda, empregada e desenvolvidas suas foras morais da guerra. (o porqu lutar ou instruir-se. Ou, a convico na justia da causa pela qual se luta). Uma Doutrina Militar se desenvolve em cinco campos:

    Cincia da Guerra

    Organizao

    Equipamento

    Instruo e preparo para a Guerra

    Desenvolvimento das Foras Morais

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    2.1.3 Os Princpios de Guerra

    Princpios de Guerra so normas bsicas de procedimento, consagradas pela experincia, que visam ao sucesso na conduo da guerra. Eles devem ser simples e baseados no bom senso. No obstante, sua aplicao tem se revelado uma das artes mais difceis. Em cada operao, o comandante tem que decidir quais os princpios que vai privilegiar, em detrimento de outros. Embora no sejam regras fixas a serem aplicadas rigidamente, estudando e meditando sobre eles que os chefes militares encontram inspirao para conceber a manobra e conduzir as operaes. A forma com que so apresentados e a interpretao que se lhes d tm variado ao longo dos tempos e, tambm, em funo de fatores culturais e do tipo das experincias e das idiossincrasias prprias de cada fora.

    Princpio do Objetivo

    Dirija cada operao militar para um objetivo claramente definido, decisivo e atingvel. Este princpio fundamental para o sucesso das operaes. Sem um objetivo claramente definido e sem a subordinao das aes sua conquista, os demais princpios tornam-se sem sentido.

    Princpio da Ofensiva

    Obtenha mantenha e explore a iniciativa das aes.O uso continuado de posturas ofensivas frente ao inimigo permite: tirar vantagem de suas falhas; ret-lo na defensiva, negando-lhe a ofensiva; negar-lhe liberdade de ao; e abater seu moral.

    Princpio da Manobra

    Coloque o inimigo numa posio desvantajosa, pela aplicao flexvel do poder de combate. A finalidade da manobra dispor os meios de tal maneira que coloque o

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    inimigo em desvantagem relativa e, assim, atingir os resultados que, de outra forma, seriam mais custosos em homens e material. O sucesso da manobra exige flexibilidade de organizao, apoio logstico adequado, e comando e controle eficientes.

    Princpio da Massa

    Emasse um poder de combate esmagador no momento e local decisivos.Os meios devem ser concentrados para que se possa obter superioridade decisiva sobre o inimigo, no momento e local mais favorveis s aes que se tem em vista.Consegue-se essa superioridade pelo aumento da qualidade, da quantidade e da eficincia dos meios empregados.

    Princpio da Economia de Foras

    Empregue todo o poder de combate disponvel, da maneira mais eficaz possvel; destine o mnimo indispensvel de poder de combate a aes secundrias.Consegue-se a economia de foras com distribuio e uso judicioso e balanceado de meios, evitando-se a disperso, ou o desgaste de segmentos destes em aes secundrias, economizando-os para, no momento oportuno, concentr-los contra o inimigo.

    Princpio da Unidade de Comando

    Para cada objetivo, certifique-se de obter unidade de comando e unidade de esforos.A unidade de comando caracterizada, primordialmente, pela atribuio da autoridade a uma s pessoa, ou seja, a pessoa do Comandante.Alm disso, uma eficiente Unidade de Comando requer: cadeia de comando bem definida, com precisa e ntida diviso de responsabilidade; sistema de comunicaes adequado ao exerccio do comando, quaisquer que sejam as circunstncias.

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    Princpio da Segurana

    Nunca permita que o inimigo obtenha uma vantagem inesperada.A Segurana tem por finalidade negar ao inimigo o uso da surpresa, impedir-lhe que interfira, de modo decisivo, em nossas operaes e restringir-lhe a liberdade de ao nos ataques a pontos sensveis de nosso territrio ou s nossas foras. indispensvel a obteno de informaes oportunas e precisas sobre o inimigo. fundamental a existncia de doutrina e mentalidade de contra-informao, estabelecidas desde o tempo de paz.

    Obs.: a segurana tambm obtida pelo dispositivo adotado nas operaes e pelo emprego de uma reserva de valor compatvel com as foras em operaes.

    Princpio da Surpresa

    Atinja o inimigo num tempo, local ou maneira para os quais ele esteja despreparado.Com a surpresa procura-se infligir ao inimigo o mximo de danos, com um mnimo de perdas para as prprias foras.A surpresa absoluta no necessria. suficiente a surpresa relativa, isto , que o inimigo s perceba a situao tarde demais para uma reao eficiente. A obteno da surpresa depende de: originalidade, audcia nas aes, velocidade de execuo, sigilo e dissimulao de intenes.

    Princpio da Simplicidade

    Prepare planos claros e descomplicados e ordens concisas para garantir seu completo entendimento.

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    3. HISTRIA MILITAR E ESTRATGIA

    3.1 Estratgia Militar

    Estratgia, no sentido restrito do termo, se refere ao estudo do emprego dos meios de fora, particularmente militares, para alcanar objetivos do Estado. Os conceitos e cientificidade do estudo de estratgia no devem descuidar do espao-tempo, da perspectiva histrica e geogrfica em que as instituies, fatos e acontecimentos se inserem. Sua origem na Grcia Antiga deve-se aos estrategos, onde os chefes militares procuravam dispor seus exrcitos no terreno a fim de derrotar o inimigo. Aos poucos os ensinamentos colhidos comearam a servir de ensinamento aos chefes militares, surgindo diversas definies de autores que variam de Sun Tzu a Raymond Aron, passando por Clausewitz, Jomini, Liddell Hart etc. Ainda sobre a Antiguidade, cabe ser citado Flvio Renato Vegcio, cuja obra, embora abarque muito mais aspectos sobre formao, treinamento e emprego de tropas, traz conceitos sobre estratgia que influenciam at hoje o pensamento militar ocidental, como por exemplo a aplicao da Dissuaso, exemplificada pela sua clebre frase, se queres a paz, preparara-te para a guerra. A interdisciplinaridade abrangendo diversas cincias sociais e exatas e a dinmica poltica abrangem os campos do conhecimento que tangenciam a estratgia. Os estudos sobre estratgia buscam entender, analisar e explicar o conhecimento sobre os conflitos, formulando teorias estabelecendo um sistema lgico que reflitam a dinmica entre os conflitos e a sociedades nas que eles tm lugar. Neste aspecto, a subordinao poltica da fora a pedra fundamental do entendimento ocidental do que sejam a legitimidade e os limites do emprego da fora. No estudo de Estratgia, a Histria Militar percebida, relatada e usada por meio de ferramentas qualitativas e quantitativas, permitindo extrair dos eventos histricos informaes e percepes que instruam o processo analtico e ampliem a gama de conhecimentos disponveis para a anlise e compreenso do fenmeno blico. Isto permite, neste enquadramento de conhecimento cientfico, se aproximar das obras que

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    fundamentam o entendimento ocidental sobre a guerra, orientando a percepo de seu contedo e dos seus autores. Com a ampliao do envolvimento do Estado na guerra, envolvendo variadas expresses do poder nacional, as conceituaes de estratgia passaram a contemplar aspectos mais amplos, como exemplifica a definio de Maquiavel da aplicao do poder do Estado para atingir os objetivos definidos, os propsitos do Estado. Com as variaes aparecidas ao redor do tempo, entretanto, se observam as vertentes de encarar a Estratgia em termos de pensar a guerra ou fazer a guerra, mas sempre com nfase na ao do Estado em busca dos seus interesses. O termo estratgia como o conhecemos hoje acaba ento sendo um produto do final do sculo XVIII e incio do sculo XIX, pois antes se utilizava o termo Arte da Guerra. No sculo XIX, dentre os principais pensadores sobre estratgia encontramos Jomini e Clausewitz, contrastantes em alguns aspectos, mas complementares aos estudiosos modernos da estratgia terrestre. Na questo da guerra no mar e do poderio naval. O mais influente pensador o Almirante Alfred Thayer Mahan, da Marinha dos EUA, que trouxe o conceito de poder martimo ao debate poltico-estratgico, cuja inspirao ligada obra de Jomini. Seu contraponto pode ser encontrado em Julian Stafford Corbett, escritor de assuntos navais que buscou integrar a teoria de Clausewitz ao estudo da guerra no mar. O uso militar do espao areo pela aviao, ao contrrio da experincia milenar da guerra terrestre e naval, teve de basear-se em concepes, esperanas e tendncias baseadas em avanos tecnolgicos por vezes ainda no viveis quando do aparecimento das primeiras aeronaves. A experincia da 2a GM veio trazer bases mais slidas para o desenvolvimento destes aspectos, com o emprego de conceitos de bombardeios estratgicos, combinao de emprego de blindados e aviao em pontos especficos e emassados e outros. Mesmo antes desse emprego, Giulio Douhet, Oficial de Artilharia italiano, j tratava da questo da superioridade area em termos estratgicos em sua obra O domnio do ar. A aplicao do contraponto a suas assertivas se mostrou realizvel coma defesa area britnica. O emprego combinado de aviao e blindados, elaborado por Guderian na sua 'blitzkrieg tambm contrastaria com as observaes de Douhet sobre a supremacia da

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    aviao como emprego estratgico. O estudo dos pensadores estratgicos e seus conceitos importante para embasar esta percepo de encadeamento de conceitos no espao geogrfico e cronolgico. No seio do domnio militar, a Estratgia tambm apresenta o duplo aspecto, terico e prtico. Toda prtica conduzida com base em leis, princpios e mtodos estabelecidos pela teoria, e o extrado da prtica enriquece a teoria, em um ciclo continuado. Em uma anlise cultural, ressalta-se modernamente o aspecto das culturas estratgicas, definidas como um conjunto de atitudes e crenas preferidas no seio de uma instituio militar, a propsito do objeto poltico da guerra e do mtodo estratgico e operacional o mais eficaz para atingi-lo. (COLSON, Bruno). Assim identifica-se que a racionalidade estratgica pode ser diferente segundo as diversas pocas., com influncias culturais, geogrficas, polticas e historiogrficas. Como cada sociedade v a guerra, por exemplo, e como enxerga a si prpria tambm se torna um fator a ser considerado. Os limites da abordagem estratgica com base na cultura passam por questes de unidade terica e diversidade cultural, mas tambm no deve ser encarada como um fator determinante, mas contribuinte para a formulao de estratgias. Mesmo assim, pode-se perceber uma cultura estratgica diversificada entre pases, variando no tempo e no espao, como por exemplo a chinesa, japonesa, romana, bizantina, norte-americana, russa, francesa, alem etc. Os Estudos Estratgicos apresentam-se, dessa maneira, como importante ferramenta para a compreenso da dinmica social em que se inserem os conflitos, sua relao com a sociedade, Estado e Foras Armadas, e para a formulao de polticas de Defesa Nacional com bases geo-histricas.

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    UNIDADE DIDTICA II HISTRIA MILITAR GERAL

    1. GUERRAS DO SCULO XIX

    1.1 Napolenica

    1.1.1 Dados Biogrficos

    Napoleo Bonaparte nasceu em Ajcio em 15 de agosto de 1.769. No ano anterior, a Crsega passara ao domnio da Frana pelo tratado firmado entre a Repblica de Gnova e o rei Lus XV. Nasceu, portanto, legalmente francs, mas conservou o sentimento nativista corso durante a juventude. Segundo filho de uma famlia de 12 irmos, dos quais oito chegaram idade adulta (cinco homens e trs mulheres), eram seus pais Carlos Bonaparte e Letizia Romalino. Sua me, uma autntica mamma italiana, alternava doura maternal com energia e rigor na educao dos filhos. Sbria e econmica, conduzia a casa com austeridade e diligncia. O pai, bem apessoado e extrovertido, era um tanto bomio. Descendente de uma famlia da pequena nobreza da Lombardia, estudou Direito em Piza e em Roma, chegando a praticar a advocacia por algum tempo, em Ajcio. Hbil no jogo poltico, logo se viu atrado pelas idias do patriota corso Paoli, envolvendo-se nas lutas pela independncia. Quando, porm, firmou-se o controle francs sobre a ilha, falou mais alto sua ambio poltica: transferiu sua lealdade Frana e iniciou promissora carreira na administrao local, que culminou com a indicao para representar a sua provncia em Paris, como deputado Assemblia dos Nobres. Por essa poca, tornara-se amigo de Marboeuf, governador da Crsega, com quem conseguiu bolsas de estudos para os seus filhos mais velhos: Jos para o Colgio de Autun e Napoleo para a Escola Real Militar de Brienne. Brienne era uma das 12 escolas militares fundadas em 1.776, por iniciativa do Conde de Saint-Germain, ministro da Guerra de Lus XVI, para educar os filhos da aristocracia francesa. Dirigida por frades menores da Ordem de So Benedito (ao tempo em que a Igreja estava ligada ao Estado, as escolas pblicas eram entregues ao saber e ao zelo

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    de religiosos), exigia dos candidatos matrcula provas de ascendncia nobre. Comprovada sua origem, Napoleo ingressou em Brienne com 10 anos de idade. Bolsista pobre entre colegas ricos, franzino e falando mal o francs, reagiu ao ambiente hostil tornando-se taciturno e pouco socivel. Seu nome soava estranhamente aos ouvidos dos seus colegas que, na tentativa de afrances-lo, pronunciavam Napaillon, com acento tnico na ltima slaba. Seus colegas logo o apelidaram de la paille au nez (a palha no nariz), despertando nele reaes colricas. Porm, medida que o tempo passava, o pequeno corso foi se impondo, graas sua personalidade forte e decidida. Dizem alguns que os grandes homens nem sempre foram bons estudantes. Napoleo foi excelente aluno em Matemtica, apaixonadamente devotado em Histria e Geografia, mas desinteressado em Gramtica e Latim. Aps cursar por cinco anos a Escola de Brienne, foi transferido para a Escola Militar de Paris, renomado estabelecimento pelo rigor do ensino e pelo luxo das instalaes. Aluno de Laplace (1.749-1827), famoso astrnomo e matemtico, foi por este classificado em primeiro lugar entre os candidatos Artilharia; porm, no conjunto da turma, logrou apenas um modesto 42 lugar num universo de 48 colegas. Ao trmino do curso em Paris, foi nomeado 2 tenente de Artilharia e classificado no Regimento de La Fre, em Valena, no vale do Rdano. interessante assinalar que at ento o jovem tenente no tivera qualquer formao profissional aprecivel. Em Brienne, escola militar quase que exclusivamente no nome, ministraram-lhe apenas alguns exerccios de evoluo em conjunto e regulamentos gerais. Na Escola Militar, salvo pelas aulas de equitao e de esgrima, ensinava-se mais literatura, histria, matemtica e outras disciplinas, algumas at mundanas, como dana e comportamento em sociedade, em detrimento dos assuntos profissionais. no Regimento La Fre de Artilharia que o jovem Buonaparte toma contato com o servio da pea, as funes de cabo e de sargento, e freqenta, na escola regimental, aulas de geometria e de aplicao das cincias arte militar, em particular artilharia e s fortificaes. Vivia-se, no exrcito francs, um momento particularmente interessante para os artilheiros. Os prussianos e os austracos haviam separado a artilharia de stio da de campanha, mas foi o Gen Gribeauval quem aperfeioou o material desta ltima, diminuindo o peso e aumentando a maneabilidade das peas e de seus acessrios.

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    Surgia, verdadeiramente, a artilharia a cavalo, capaz de acompanhar a cavalaria e que Napoleo iria empregar, mais tarde, com maestria. Napoleo no era bonito, Pequeno, magro e um tanto desajeitado, somava a uma aparncia desinteressante um temperamento seco e pouco amvel que desestimulava aproximaes. No obstante, galvanizou multides com sua sensibilidade para aplicar, instintivamente, tcnicas de psicologia das massas de forma magistral. Pessoalmente, impunha-se por seu olhar frio e por um conjunto raro de qualidades, como inteligncia, memria, presena de esprito e por uma personalidade forte e dominante. Dotado de uma invulgar capacidade de trabalho e de concentrao, processava mentalmente uma quantidade enorme de dados e de informaes, chegando rapidamente a solues adequadas para problemas complexos. Esse conjunto magnfico de atributos iria transformar sucessivamente, num prazo de pouco mais de duas dcadas, o tmido bolsista de Brienne em oficial do rei, revolucionrio de Toulon, general vitorioso na Itlia, demolidor da frgil repblica do Diretrio, cnsul nico e vitalcio, imperador e vencedor de dezenas de batalhas memorveis para ser, finalmente, esmagado pelo inverno russo e derrotado em Waterloo por um general apenas bom. Construindo sua glria custa dos monarcas europeus, que viam nele o usurpador de uma posio que, por direito divino, devia caber apenas s castas dinsticas hereditrias, acabou por levant-los todos contra a sua pretenso de formar uma federao de estados europeus, uma espcie de Unio Europia, afinal estabelecida na segunda metade do sculo XX. Ao fim e ao cabo, Napoleo entrou para a histria aureolado de glria, mas manchado de sangue que o martrio de Santa Helena no foi capaz de redimir. O fulgor das vitrias napolenicas tem ofuscado a apreciao da sua obra administrativa. Seu governo sob o Consulado foi dos mais ricos em realizaes, mesmo considerando o conjunto da Histria da Frana. Muitas delas perduram at hoje, como certos princpios do Cdigo Civil, incorporados legislao de pases ocidentais, entre os quais o Brasil. Napoleo legou Frana quadros administrativos e jurdicos de excelente qualidade e que assim ainda se conservam. Criou o Tribunal de Contas e o Banco de Frana, atribuindo a este o monoplio de emisso da moeda. Reorganizou a administrao

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    pblica nos seus diferentes nveis, assegurando a continuidade de ao em amplitude nacional. Aperfeioou a educao, popularizando o baccalaurat, exame a que at hoje se submetem os concludentes do ensino mdio, realizado nos excelentes lyces. Instituiu a Legio de Honra, respeitada instituio venerada pelos franceses, e props a Concordata ao Papa Pio VII, eliminando o cisma da Igreja Catlica na Frana e neutralizando um dos argumentos dos realistas para a restaurao da monarquia Bourbon. Porm, sua obra de maior repercusso continua sendo o Cdigo Civil, primeiro estatuto dessa natureza na Idade Moderna, que regulou as relaes sociais, profundamente alteradas pela Revoluo Francesa. Do ponto de vista meramente tcnico, a elaborao desse diploma coube aos juristas, mas nela a influncia de Napoleo foi decisiva, no apenas impulsionando a redao do texto (das 84 sesses do Conselho de Estado para tratar do assunto presidiu 36), mas sobretudo fazendo nele incluir suas idias. Portanto, justo haver esse portentoso trabalho passado Histria como Cdigo Napolenico. O entusiasmo popular com a Concordata e a paz com a Inglaterra, assinada em Amiens em 1.802, abriu a Bonaparte a possibilidade de tornar-se Cnsul vitalcio, com a faculdade de indicar seu sucessor. Assumia assim as prerrogativas de um monarca cabea de dinastia, faltando apenas a coroa, que a conspirao de Cadouval e o fuzilamento do Duque d Enghien, em breve dar-lhe-iam. Com efeito, em maio de 1.804, um senatus consulto promulgava a 6 Constituio da Frana em 13 anos, a qual criava o Imprio e cujo bicentenrio ocorre neste ano. Bonaparte, gerado para a notoriedade no ventre da Revoluo, no poderia adotar os ttulos da monarquia Bourbon. Fez-se Imperador dos franceses e no da Frana como os monarcas que o precederam, assinalando assim que o ttulo que assumia provinha do povo. A Revoluo, choque de foras polticas levado ao paroxismo da violncia, teve no Consulado, e teria agora no Imprio, a sua negao. A continuao desse processo viria a ser a restaurao da monarquia, para cuja deposio tanto sangue fora derramado. O furor revolucionrio abalara todas as estruturas nacionais francesas. O sistema militar da monarquia foi severamente afetado, a despeito da simpatia que parcelas significativas do exrcito tinham pelos ideais nacionalistas, patriticos e libertrios. Os

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    oficiais do ancien regime oriundos da nobreza ou foram executados ou tiveram que emigrar para no morrer. Poucos permanecerem na Frana, assim mesmo sujeitos humilhao do meio-soldo e da designao para funes subalternas. Mas a Revoluo precisava de uma fora militar capaz de garantir sua continuidade. Urgia substituir o velho exrcito de profissionais por outro de voluntrios, o qu exigia profundas modificaes na organizao e no emprego da tropa. A primeira grande modificao ocorreu nos efetivos. A idia de nao em armas inaugurava o conceito moderno de guerra total, a guerra nacional que mobiliza todos os recursos do pas que se faam necessrios. O voluntariado em massa, resposta ao brado de la nation en danger lanado pelo Diretrio, permitiu a constituio, j em 1.794, de um exrcito de 750.000 homens. Esse enorme contingente deveria compensar pela quantidade o que lhe faltava em qualidade. s deficincias individuais de instruo e treinamento opunham os revolucionrios o patriotismo, noo relativamente nova, e o ardor cvico que os franceses chamam de lan, uma das causas da tremenda carnificina verificada na I Guerra Mundial. E essas imensas massas humanas eram entregues a jovens alados instantaneamente dos postos inferiores da hierarquia ao generalato. To graves deficincias de treinamento e de comando acabaram obrigando mudanas nas operaes militares para compens-las.At o sculo XVIII, o objetivo das operaes de guerra era colocar o inimigo, por uma srie de marchas e contra-marchas, em posio insustentvel. Portanto, a manobra visava dar o cheque-mate no adversrio. A ttica revolucionria, baseada nos grandes efetivos, ignorava a conjugao do fogo com a manobra (que seus inexperientes generais no sabiam realizar) e tinha como objetivo a destruio das foras oponentes. Os chefes revolucionrios evitavam, portanto, a batalha planejada e conduzida, substituindo-a por uma espcie de combate de encontro, na esperana de que o lan lhes garantisse a vitria.

    1. 1. 2 A Guerra Napolenica

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    No cenrio militar ps-revoluo que esboamos que Napoleo vai realizar suas prodigiosas faanhas guerreiras, valendo-se dos instrumentos disponveis. Na realidade, ele nada inventou em matria de arte da guerra, salvo a criao dos corpos de exrcito, nvel de coordenao e controle intermedirio entre o general e os comandantes divisionrios. Na verdade, a srie brilhante de vitrias que conquistou deve-se a alguns poucos princpios, genialmente empregados. Nem mesmo quanto ao aperfeioamento do material sua contribuio foi significativa, no obstante seu interesse pelas cincias exatas que lhe valeu um assento no Instituto de Frana. Desprezou a mquina a vapor como meio de propulso, classificou o submarino como engenho sem futuro, desinteressou-se dos aerstatos como observatrios e deu pequena extenso s linhas telegrficas. Para Napoleo, a arte da guerra simples e toda de execuo.A dificuldade est em execut-la corretamente, pois no se pode aprend-la em tratados, como as cincias, mas apenas no estudo dos grandes capites e na experincia individual. Como toda arte, depende muito da inclinao pessoal para bem domin-la. Ao assumir o comando do exrcito da Itlia, aos 27 anos de idade, sua experincia de guerra era pequena, mas seu gnio militar j desabrochara, fortalecido por meditadas leituras dos clssicos da Histria. No se pode falar propriamente num sistema de guerra napolenico, mas numa maneira peculiar de agir, segundo princpios inteligentemente observados. O primeiro a iniciativa para impor ao adversrio o local do combate e para obrig-lo a expor sua idia de manobra. Os outros so a rapidez nos deslocamentos e nas mudanas de dispositivo, de modo a obter a surpresa e a concentrao do mximo de fora no ponto decisivo, concentrao esta obtida com a economia de meios nos setores secundrios do campo de batalha. Todos esses princpios so familiares a qualquer oficial de estado-maior. Porm, empreg-los com o fulgurante sucesso colhido por Napoleo em suas campanhas privilgio dos gnios. Outro aspecto a salientar na forma de Napoleo fazer a guerra a sua preocupao com o que chamava de linha de operaes, corredor por onde fluam os suprimentos e evacuavam-se os feridos. Por ela seria tambm executado o retraimento, em caso de

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    insucesso. A esses princpios cumpre acrescentar a ao psicolgica que exercia sobre a tropa amiga, e tambm sobre o inimigo (guerra psicolgica). Utilizando habilmente proclamaes, recompensas, proximidade com seus comandados e exemplos de bravura quando necessrio, criava devoes e lealdades, mesmo diante das mais penosas e perigosas situaes. Quanto ao inimigo, ora aparentava mais fora do que realmente tinha, ora fazia o inimigo sup-lo fraco e inclinado retirada, alm de utilizar outros expedientes, como espalhar boatos e empregar espies. As manobras napolenicas adequavam-se s circunstncias, sempre cuidadosamente avaliadas. Numa tentativa de esquematizao, os analistas costumam distinguir dois tipos bem caractersticos:

    a manobra sobre a retaguarda do inimigo para cortar-lhe as comunicaes com a sua base, levando-o a uma batalha de frente invertida, como em Ulm, na campanha de 1.805, e em Iena, na de 1.806;

    a manobra em posio central, que poderia ocorrer por golpe ofensivo, como em Millesimo (1.796), ou por uma atitude defensiva, a expectativa estratgica, como em Mantua (tambm em 1.796), ou ainda por um ataque ao flanco do inimigo, partindo de uma posio central, como em Austerlitz (1.805). Austerlitz, chamada de a batalha dos trs imperadores, uma obra prima de audcia na concepo e de maestria na conduo, figurando entre as mais belas vitrias napolenicas. A manobra sobre a retaguarda, quando bem sucedida, decisiva. J a manobra em posio central nem sempre o porque o inimigo, mesmo batido, poder em alguns casos retrair. Napoleo coroava a vitria com a perseguio estratgica, preconizada por Frederico, que todavia jamais conseguiu realiz-la a contento por causa da pouca flexibilidade e pequena capacidade manobreira de seu exrcito. Napoleo, mestre no emprego da Cavalaria, realizou algumas notveis e profundas perseguies. As batalhas conjugadas de Iena e Auerstadt so disto um bom exemplo. Em outubro de 1.806, durante a 4 coligao, la Grande Arme encontrava-se diante do exrcito prussiano de Brunswick. O Imperador tendia a superestimar o exrcito

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    prussiano em virtude de sua grande admirao por Frederico II. Mas as foras que a ele se opunham era um exrcito antiquado, que manobrava como em ordem unida, e cujos comandantes eram generais idosos, especialmente se comparados com os franceses. Do lado prussiano, Moellendorf tinha 81 anos de idade, Brunswick 71, Blcher 64, Hohenlore 60. Do lado francs, Napoleo, Soult, Lannes e Ney 37, Davout 36. Vencidas as batalhas, abriu-se diante dos franceses o caminho para Berlim. Aproveitando o xito, o Imperador lana Murat com a cavalaria em tenaz e profunda perseguio, longa de 800 km (percorridos em 24 dias) e que s termina na capital prussiana. De Berlim, Murat enviou a Napoleo a seguinte mensagem: Sire, o combate terminou por falta de combatentes. Aniquilado o poder combativo do exrcito prussiano, em cujo estado-maior servia um promissor oficial chamado Klaus Von Clausewitz, Napoleo foi visitar o tmulo do seu dolo. Na penumbra da pequena capela que guarda os restos mortais de Frederico, o Imperador permaneceu longos minutos, silencioso e reverente, em atitude de profunda meditao. Iena era uma cidadezinha tornada conhecida pela fama de sua Universidade. Nela morava Hegel (1.770-1.831), filsofo alemo que desprezava a Prssia e admirava Napoleo (como tambm Goethe e Beethoven) pelas idias libertrias que encarnara no passado e por combater as monarquias absolutas. No livro de sua autoria Fenomenologia do Esprito, Hegel escreveu: Esta manh vi passar debaixo da minha janela a Histria, montada a cavalo. Era o Imperador dos Franceses, em rota para Berlim. Num esforo de sntese, podemos resumir assim a ao de comando de Napoleo:

    inicialmente, analisava as circunstncias do campo de batalha (estudo de situao) e levantava alternativas (linhas de ao), enquanto aguardava as informaes buscadas pelos meios de descoberta (reconhecimento cavalaria ligeira);

    devidamente informado sobre o terreno e o inimigo (atitude, valor, dispositivo e possibilidades), tomava a iniciativa visando a surpresa;

    contra um adversrio dividido em grupamentos, manobrava velozmente para impedir sua reunio; ento, batia-os separadamente;

    se o inimigo apresentava-se com uma nica massa, ameaava suas linhas

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    de comunicao, levando-o a combater com a frente invertida. Suas batalhas, portanto, no seguiam um esquema nico; variavam segundo as circunstncias reveladas pelo estudo de situao. Por exemplo, em Marengo (2 campanha da Itlia, junho de 1.800), Kellermann, com 400 cavalarianos, carregou contra o flanco dos 6.000 austracos de Zach, transformando uma quase derrota em vitria (nesta batalha morreu o artfice da vitria, o general Desaix). Em Ulm (3 coligao, outubro de 1.805) como mencionamos anteriormente, manobrou sobre a retaguarda austraca pivotando sobre uma das alas. Em Austerlitz (1.808), os couraceiros de Murat carregaram contra o flanco do dispositivo aliado, desorganizando-o e garantindo a vitria. Em Smolensk (campanha da Rssia, 1.812), realizou desbordamento para atingir a retaguarda do inimigo. Na campanha da Frana (1.814), com enorme inferioridade de meios, adotou a manobra em posio central e obteve as vitrias de Montmirail (11 Fev. 1.814) e de Montereau (18 Fev. 1.814). Nesta ltima, enquanto a cavalaria carregava em direo a Montereau, o imperador dirigia os tiros da artilharia sobre o inimigo, apontando pessoalmente uma pea. Quando os que o acompanhavam inquietaram-se ao v-lo onde caiam os tiros de contra-bateria do adversrio, Napoleo lanou-lhes a exortao: Vamos, meus amigos, no temam nada, pois a bala que me matar ainda no foi fundida. A carreira de um comandante de exrcitos no feita somente de vitrias. A de Napoleo, conquanto excepcionalmente brilhante, no escapou regra. Cometeu erros, como prprio da natureza humana, o ltimo dos quais lhe foi fatal. Mestre no emprego da cavalaria, esta Arma, que desempenhou papel relevante em muitas campanhas, estava com ele na sua derradeira derrota. Em Waterloo o fracasso teve incio quando Ney, julgando Wellington em retirada, deslocou prematuramente a cavalaria sob seu comando, inclusive os regimentos da reserva do exrcito francs. O terreno, imprprio para a carga, obrigou aquela enorme massa de cavaleiros (cera de 5.000 homens) a marchar ao trote, joelho com joelho, tornando-a vulnervel ao fogo da infantaria inimiga.

    1. 1.3 Concluso

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    Antes de concluir, gostaria de relembrar as ligaes e conseqncias da era napolenica sobre o nosso pas. Aps a queda de Napoleo, um grande nmero de militares deixou a Frana. Para os Estados Unidos da Amrica do Norte foram cerca de 10.000 oficiais do exrcito e da marinha. Alguns destes, ardorosamente leais ao imperador decado, puseram-se a planejar a fuga de Napoleo de Santa Helena. Cogitavam instal-lo na grande repblica do norte ou no Brasil, onde a revoluo republicana de 1.817 parecia oferecer condies favorveis. O insucesso da Confederao do Equador frustrou os planejadores da audaciosa tarefa, alguns dos quais viveram no nosso pas perigosas aventuras. Relembro, tambm, as ligaes de parentesco das duas primeiras imperatrizes do Brasil com as duas esposas de Napoleo. Maria Leopoldina, primeira mulher de Pedro I, e Maria Luiza, segunda de Napoleo, eram irms, ambas as filhas do Imperador Francisco I, da ustria, e D Amlia, segunda mulher do nosso primeiro imperador, era neta de Josefina de Beauharnais, primeira esposa de Napoleo. Em 1.812, fracassou a tentativa de Claude Francis Mallet, general republic