história em movimento docentes final (2) (1)

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Docentes do Agrupamento de Escolas Rio Arade Biblioteca |

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Page 1: História em movimento docentes final (2) (1)

Docentes do Agrupamento de Escolas Rio Arade

Biblioteca |

Page 2: História em movimento docentes final (2) (1)

Para a construção desta história participaram os seguintes docentes:

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- Pedro Tavares

- Mª Gertrudes Abrantes

- Eva Antunes

- Cidália Freitas

- Nuno Miguel Silva

- Cláudia Gageiro

- Cristina Jesus

- Rita Ruivinho

- Sandra Freitas

- Ana Martins

- Marco Diogo

- Armanda Gomes

- Filomena Cabrita

- Jéssica Fragueiro

- Ana Pacheco

- Sara Nunes

- Daniela Vidal

- Hélder Correia

- Verónica Esteves

- Clara Antão

- Samuel Rodrigues

- Ana Luís

- Maria João Soares

- Sérgio Miguel Sousa

- Sandra Liliana Silva

- Márcia Silva

- Daniela Ferreira

- Vera Gonçalves

- Elsa Costa

- Mª de Lurdes Alemão

- Mª do Carmo Pereira

- Joana Vicente

- Branca Almeida Anjos

- António Seromenho

- Íris Amador

- Ana Cristina Bico

- Luísa Marçal

- Amália Gonçalves

- Clotilde Assunção

- Ana Ferreira

- Susana Duarte

- Natália Conduto

- Latifa Gomes

- Sónia Boto Eugénio

- Carla Troncho

- Emília Firmino

- …

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Numa bela manhã, não há muito tempo, numa pequena localidade à beira-rio,

pairava no ar ao sabor do vento uma gaivota com as suas asas grandes bem

abertas. As suas penas brancas e cinzentas brilhavam com o bater do sol e os

seus olhos experientes e queimados pelo sal do mar, fitavam algo que brilhava

dentro de água movendo-se desconcertadamente como se pressentisse o

perigo.

Uma bela tainha, na verdade! Era isso, sim senhor, que o olhar insistente da

gaivota descobria à tona da água, mesmo ali à babuja. Não fora o faustoso

almoço que terminara há pouco, no rasto da “ Senhora do Cais “, e já sobre ela

se precipitaria, num daqueles voos picados, tão rápidos quanto certeiros, que

não dariam ao peixe qualquer hipótese de ficar para contar a sua história.

Mas não, o que agora apetecia à gaivota não era correr atrás do trivial, repetir

aquele gesto rotineiro a que todos os dias se sentia impelida pelo básico

instinto da sobrevivência. Hoje não! Hoje apetecia-lhe experimentar o prazer de

um voo mais largo, embalada pela brisa suave e morna que começava a soprar

do lado do mar. Iria descobrir terra, conhecer os segredos escondidos por

detrás dos montes que sempre vira lá ao fundo, imponentes, distantes,

misteriosos.

“ Que belo almoço! “, pensou, e logo as longas asas a projectaram num voo

picado sobre a caruma húmida das primeiras chuvas de Outono, almejando

ferrar o bico no alvo fugidio que se enredava nas pinhas caídas e nos

montículos de ramos partidos descambados das copas dos pinheiros mansos.

O trajecto vertiginoso não duraria mais que uns rápidos segundos, mas os

sentidos aguçados de quem se habituara ao odor forte do sal e do Sueste

permitiam-lhe captar, em pleno movimento, os novos cheiros daquelas

paragens. 5

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Havia como que um nevoeiro em dias de levante, mas de textura mais densa e

complexa… o desconhecido daquele novo horizonte começava ali, entre o azul

do céu e a amálgama de castanhos do chão. Não eram velas de barcos que

emergiam pelos redondos pinhos, mas rendilhadas chaminés chamuscadas

pelo uso; não eram ventos salgados que lhe chegavam, mas o cheiro doce do

pão amassado e cozido a lenha, os inebriantes fluidos do medronho quente, a

terra fumegante que recebera os pingos envergonhados de Outubro… Tanto

de novo, tanto de desconhecido…

Neste delírio de sentidos, a gaivota perdeu, momentaneamente, o rumo do

“almoço” irrequieto que cobiçara e, curiosa, aproximou-se do cheiro preto.

Sentou-se sobre ele e, com a rendilha a seus pés, num impulso pensou:

- Vou descer.

A gaivota nunca tinha antes descido uma chaminé, mas também não tinha

nunca rumado ao sabor dos sentidos. Nesse dia estava decidida a ir mais

além, a ver e a experimentar o desconhecido, assim, ponderou e decidiu não

entrar, aquele suculento reclamo podia terminar-lhe com a leveza que luminava

do céu. Ao invés de se lançar chaminé a baixo enfeitiçada pelo estômago,

levantou o seu impetuoso bico e, rasgando o céu caminho ao sol, num

impressionante voo contra-picado, sentiu o preenchimento que afinal perseguia

e incomparável ao mais fausto dos manjares.

A Maria estava com os seus brinquedos por de baixo da mesa enquanto a tia

preparava, como sempre, uma deliciosa refeição, ela já sabia que a esperava

uma rica sopa para lhe dar força e afastar o mau-olhado. Dos seus seis anos

era a terceira tia que conhecia. De cor diferente, era sem dúvida a que melhor

a compreendia.

Era raro ver o pai, a mãe dizia que ele estava em viagem. Sentia-se órfã.

Desde o acontecimento que sua mãe mal saia do quarto. As suas vidas tinham

mudado nesse dia, essas recordações lembravam-lhe o dia em que a tia

chegou e como escondida atrás das pernas do pai ficou espantada com a cor

de pele, nesse dia com medo e hoje com tanto amor olha para a mesma

pessoa, perdida nesses pensamentos ouve a tia exclamar:

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- Maria, vem à janela ver esta gaivota! Tempestade deve estar para chegar!

A Maria vê a gaivota ao longe a seguir na direcção dos montes secretos e

imagina que queria também ter asas para poder seguir o pai nas suas viagens.

Perdida nos seus pensamentos, Maria imaginava todos os lugares

deslumbrantes para onde seu pai viajava em trabalho, tentava recordar-se das

histórias fascinantes que ele contava quando regressava a casa, sentir os

cheiros, descortinar as cores, enfim, simplesmente sonhar.

Mas se ela soubesse a verdade……

De repente, um forte trovão aparece nos céus, trazendo Maria de volta à

realidade.

Era ao entardecer. Diante do olhar perplexo de Maria, a gaivota é atingida pela

tempestade, caindo molhada e exausta no areal. As águas angustiantes e

revoltadas do mar tingiam de espuma o frágil corpo da gaivota. A menina de

seis anos, grita aterrorizada, e corre num ápice para socorrer a bem-

aventurada ave.

Ao aproximar-se, Maria vislumbra um pequeno papel branco, enrolado, e atado

à pata esquerda da pequena gaivota por meio de um fio vermelho, à espera de

ser libertado.

Trémula, dividida entre a noção do dever e a curiosidade intensa que a

dominava quase lhe fazendo saltar o coração, a menina não conseguia decidir-

se sobre o que fazer primeiro, consciente de que tinha pouco tempo para agir.

Determinada a não deixar morrer o animal pega no seu pequeno corpo e

encosta-o a si na tentativa de o aquecer com o seu próprio calor. Mas eis que

os céus se iluminam assustadoramente e novos trovões ribombam no ar como

se a Natureza se juntasse para dificultar a tarefa e pôr à prova a sua

capacidade de enfrentar os obstáculos. Consegue ouvir, ao longe, a voz de sua

tia que, aflitivamente a chama, mas sabe, naquele momento, que nada a

conseguirá separar do belo animal, pois os seus destinos estão

irremediavelmente unidos e que tudo fará para o salvar.

Tentando combater o medo, respira fundo, enche o peito de ar e coragem e

corre, corre como nunca tinha corrido antes, com todas as suas forças, em 7

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direcção a casa onde a voz que a chama se torna cada vez mais alta e mais

próxima, sentindo a água fria da chuva a bater-lhe no rosto, encharcando-lhe

toda a roupa, que se cola ao corpo e dificulta os movimentos. Finalmente entra

pela sala dentro ouvindo a tia reclamar com a tolice de aventurar naquela

tempestade, e tudo só por causa de um pássaro qualquer, dizia a tia, enquanto

a envolvia em toalhas e mantas para a secar.

- “Não é um pássaro qualquer! É um pássaro muito especial, traz uma

mensagem.” diz Maria a sua tia, enquanto limpa cuidadosamente as penas da

gaivota e lhe retira o papel branco que traz na pata esquerda.

Olha fixamente para o papel, invadida por uma curiosidade imensa. “O que

estará escrito?” pensa para consigo. Deambulando em pensamentos imagina o

pedido de ajuda de um navio em alto mar, ou uma mensagem secreta de um

espião infiltrado… O estalido da lareira, que a tia ainda há pouco havia

acendido, trá-la de volta à realidade.

- “Não é um pássaro qualquer, é uma gaivota valente, uma heroína, enfrentou

uma tempestade para entregar uma mensagem. Vou tratar dela e chama-la

Vitória!”

Com a sua mente a deambular cheia de curiosidade pelo conteúdo do papel

branco, dedicou-se a verificar com toda a atenção o estado de saúde da sua

nova amiga, pois com as penas limpas já era possível fazer um diagnóstico

mais pormenorizado do seu verdadeiro estado de saúde.

Depois de uma detalhada análise dos seus membros, Maria exclamou de

alegria:

- Tia, está tudo bem com ela!! É mesmo muito valente a nossa Vitória.

A noite caiu e já era tarde. Eram horas de jantar e sua tia chamou-a para a

mesa, pois amanhã era dia de aulas e, como todos os meninos e meninas

Maria deitava-se muito cedo, para acordar no dia seguinte cheia de energia.

Maria pediu para levar a sua nova amiga para dormir no seu quarto, pois assim

podia dar-lhe a atenção que ela, porventura, viesse a necessitar durante a

noite.

Com tantas emoções, mal se deitou na sua cama adormeceu e sonhou.8

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No seu sonho estava numa praia, o sol iluminava-a, o mar era calmo e azul e

as ondas banhavam a areia branca repleta de conchas brilhantes como pedras

preciosas. Maria passeava à beira-mar, quando ouviu uma voz desconhecida:

- Maria! Preciso da tua ajuda. És a única que me pode ajudar! – Disse a

gaivota.

- És tu?! Vitória!? Tu falas!? – Perguntou surpreendida a Maria.

- Sim, claro que falo! Todas as gaivotas falam! Mas chiu! Não contes a

ninguém… - disse a gaivota, baixando o volume da voz e olhando em redor. –

Mas isso agora não é importante…. Tenho um problema e só tu me podes

ajudar.

A Maria hesitou, pois as gaivotas não falam….mas, de repente, lembrou-se que

estava a sonhar e que nos sonhos tudo é possível.

- Olá…- gaguejou - precisas da minha ajuda, Vitória?! Mas eu não passo de

uma menina!

- Maria, tu és uma menina muito especial e só tu podes resolver este

problema….

- Eu… eu salvei-te porque gosto de animais, mas sou só uma menina de seis

anos.

- Mas és corajosa e vais ajudar-me, eu sei. Escuta, a minha pata tem uma

mensagem, deves tirá-la e mostrá-la a uma menina tua amiga que saiba ler,

mas cuidado, não podes mostrar à tua tia, porque os adultos não vão perceber

o que ela diz. Entendes?

- Sim… - gaguejou Maria, entre o assustada e o eufórico. Ela tinha uma

missão. Quem poderia ler a mensagem? Em quem poderia ela confiar? Só lhe

ocorria a Teresa, a amiga mais velha, que já andava no quarto ano e podia ler.

Maria acordou, se é que estava a sonhar, pois diante dos seus olhos estava a

gaivota a olhar fixamente para ela, com um ar ansioso e como se esperasse a

sua acção.

O olhar intenso da gaivota fê-la acreditar que só podia ser verdade, a Vitória

precisava mesmo de ajuda e ela era a única pessoa que o podia fazer. Nessa

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noite, não conseguiu voltar a adormecer. Por mais que fechasse os olhos,

apenas conseguia ver a sua amiga a lutar contra a tempestade ou os seus

olhos bem abertos, como quem grita em silêncio por ajuda. Só lhe restava

esperar que o sol despertasse novamente para poder agir. Mas as horas

pareciam-lhe mais longas do que nunca e aquela noite parecia não terminar.

Então, decidiu traçar um plano, uma forma de conseguir mostrar a mensagem

a Teresa em segredo. A sua ajuda era preciosa para entender o que Vitória

queria. Maria estava em pulgas para pôr o seu plano em prática e descobrir

finalmente o que estava escrito na mensagem da gaivota. Quando os primeiros

raios de sol romperam no horizonte, não hesitou.

O seu despertar foi mais enérgico naquela manhã. Estava muito ansiosa, o seu

coração batia a um ritmo descontrolado, o tempo parecia que se evaporava e

tinha que encontrar a solução daquele enigma. Depois de um pequeno-almoço

fugaz, diz à tia que ia a casa de Teresa pois em tempos tinha lá visto um livro

sobre gaivotas que lhe parecera muito interessante e talvez pudesse ajudar a

conhecer melhor o mundo da nova amiga. A tia mal teve tempo para

responder, já Maria se encontrava a descer a rua empedrada, ladeada de

pequenos canteiros que a levava a casa de Teresa. Bateu à porta

insistentemente até que esta se abriu. Com um olhar esbugalhado e respiração

a ritmada, pede a Teresa para conversarem no seu quarto.

– Sabes Teresa, preciso que me ajudes, tenho uma longa história para te

contar…- começou Maria a explicar à sua amiga, contando-lhe toda a história

desde o momento em que havia salvo a gaivota, até ao instante em que após

acordar do sonho que havia tido, descobriu um pequeno papel atado a uma

das patas da gaivota Vitória. – … por isso, vim ter contigo para me ajudares a

ler o bilhete. – concluiu Maria, entregando o pequeno papelinho à sua amiga

Teresa.

Teresa, estupefacta e, um tanto ou quanto incrédula, pegou no papel, que

Maria lhe estendia. Lentamente, ou pelo menos, assim pareceu a Maria, que

estava demasiado ansiosa, desdobrou-o e preparou-se para dar inicio à leitura

do mesmo, quando, de rompante, a porta do seu quarto se abriu, dando

passagem à sua mãe:

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– Teresa, já estás atrasada para a escola! Vamos a despachar, minha filha,

que não quero que chegues atrasada!

Teresa, disfarçadamente, dobrou o pequeno pedaço de papel e escondeu-o

entre as pregas do seu vestido, e respondeu:

– Vou já! A Maria já estava de saída!

Sem mais comentários, a mãe de Teresa retirou-se e a amiga de Maria

devolveu o bilhete a esta, dizendo:

– Logo à tarde, quando eu sair das aulas, encontramo-nos na Praia do

Rochedo. Leva o bilhete. – contrariada Maria aceitou o papel das mãos da sua

amiga e saiu.

Cabisbaixa regressou a casa. Sabia que a espera ia ser longa, nem que fosse

porque estava demasiado ansiosa e curiosa para saber o que estava escrito no

bilhete, mas como não podia fazer mais nada, procurou manter-se ocupada

com as tarefas que a tia lhe havia pedido para fazer nesse dia e, deste modo,

ajudar o tempo a passar mais depressa.

Ao final do dia, como combinado, dirigiu-se à Praia do Rochedo. As suas

pernas corriam velozes sobre a areia branca da praia. Adorava sentir a areia

nos pés descalços, mas hoje, o seu estado de espírito estava tão afectado pela

curiosidade, que nem se apercebia dos pequenos grãos de areia sob os seus

pequenos pés. Ao longe viu a Teresa que lhe acenava, e as suas pernas

ganharam forças, correndo com mais rapidez. Ofegante chegou junto da sua

amiga e cumprimentou-a:

– Olá Teresa! Já chegaste há muito tempo?

– Não! Trouxeste o bilhete? – perguntou a Teresa, que havia ficado também

ela curiosa com toda a história da sua amiga.

– Claro, está aqui! – exclamou a amiga, entregando-o.

Teresa pegou, com as mãos trémulas, no pequeno papel amarelecido pelo

tempo e desdobrou-o. As duas amigas entreolharam-se, os seus olhos eram o

reflexo da curiosidade. Maria instou a amiga:

– E então?! O que está escrito?

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A Teresa inclinou a cabeça e perscrutou as linhas nele escritas, voltando a

encarar a amiga que voltou a insistir:

– Por favor, Teresa…! Não me faças esperar mais! Estou a rebentar de

curiosidade! O que diz o bilhete?!

Teresa voltou a observar o papel, respirou fundo e leu:

«Chamo-me Vicente Rodrigues e sinto-me muito sozinho….sem amigos com

quem partilhar o que me aconteceu….Vivo numa cabana, junto à Praia do

Moliço. Os meus únicos companheiros são as gaivotas que por aqui andam e o

meu cão, amigo inseparável. Ajuda-me!»

- Que história tão estranha…..que idade terá? Por que precisará de ajuda?

Será que vive mesmo sozinho? Aposto que a gaivota Vitória é amiga dele!

Temos de descobrir Teresa! Tu vais ajudar-me, não vais?!

- Sim…claro que vou. Agora temos uma missão secreta! Primeiro temos de

descobrir onde fica a praia do Moliço.

Assim, antes que o sol recolhesse, correram direitinhas à biblioteca da aldeia,

na casa anexa à Junta de Freguesia. Entrando de rompante, procuraram pela

Dona Francelina, senhora já com uma idade respeitável e que durante anos a

fio se manteve como a “guardiã dos livros” da aldeia.

Esbaforidas pela louca corrida desde a praia, tentando a custo recuperar o

fôlego, lá pediram para consultar uma enciclopédia.

- Então as meninas querem uma enciclopédia, para quê?

- Sabe Dona Francelina, lá na Escola as nossas professoras pediram para que

façamos um trabalho e, para isso, temos de consultar uma enciclopédia. Sabe,

é para pesquisarmos sobre algumas coisas e sobre alguns lugares, percebe…?

- Mas é claro que percebo! De vez em quando também cá aparecem colegas

vossas, algumas até mais velhas e que já andam na Escola da cidade.

Impacientes, aguardam que a dita senhora, guardiã de todos os saberes da

terra, Dona Francelina, lhes desse o tão desejado livro, o qual as levaria, num

ápice, à descoberta da tão desejada praia do Moliço. Depois de alguns minutos

de espera, os quais, para elas, se tornaram horas de tortura, o tão desejado

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poço de todos os saberes ali estava, pronto para se abrir, escancarando-se

para que elas pudessem ali descobrir a localização da tão desejada praia.

Depois de estar na sua posso, depressa, em passos bem rasgados, dirigiram-

se, apressadamente, para um canto da grande sala de leitura da biblioteca da

aldeia, num cantinho escondido e recatado, para que ambas, isoladas,

efectuassem a pesquisa tão desejada.

Desfolhando para um lado e para o outro, e eis a informação tão desejada –

Praias de Portugal.

Mas não havia referência à tão desejada praia do Moliço…

E agora, o que fazer? Onde procurar? Quem lhes poderia ser útil? Estavam

nesta angústia as duas amigas que nem deram pela presença da Dona

Francelina, que, sorrateiramente, se tinha aproximado.

- Precisam de ajuda? – inquiriu Dona Francelina.

As duas meninas olharam uma para a outra e, simultaneamente, exclamaram:

- Sim!!!!!!!!

- Então, em que vos posso ser útil?

- Sabe, Dona Francelina, nós precisamos de fazer um trabalho sobre uma

praia, mas esta não consta na enciclopédia. E não sabemos onde poderemos

encontrar essa informação. – lamentou Teresa.

Dona Francelina olho-as de forma longa e duradoura. Devido mais ao peso da

sua experiência de vida do que à sua idade, sentou-se, esperando

pacientemente que uma das meninas lhe falasse um pouco mais sobre a praia

que procuravam.

Foi então a Teresa quem teve a iniciativa ao perguntar em forma de desafio:

- Conhece a Praia do Moliço?

Ao ouvir aquele nome ao fim de quase uma era, o tempo para a Dona

Francelina, parou. Doces, amargas memórias aqueceram-lhe o coração.

Por fim, sorriu e disse:

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- Bem meninas, outrora, quando pouco mais tinha a vossa idade, não existia a

propriamente uma praia do Moliço mas sim locais onde se apanhavam essa

planta. Se me permitem, eu recomendo que pesquisem um pouco sobre esses

mesmos locais, talvez ainda perdurem e quem sabe se não irão encontrar ai a

praia que procuram.

- Pesquisar, pesquisar, lá terá que ser…- disseram as duas amigas.

Pouco tempo havia decorrido desde o início deste desafio, quando Maria

exclamou:

- Encontrei…Praia do Moliço ou Praia do Sargaço fica localizada a nordeste da

Ilha do Novelo, também conhecida pela ilha das hortênsias, graças à alegria

extasiante da frescura e colorido das suas folhas e pétalas. Esta ilha fica

localizada no grupo ocidental do Arquipélago dos Açores, mesmo a meio

caminho entre o velho continente europeu e o continente americano…

Por breves momentos, Maria recorda o seu amado e saudoso pai, e nisto

agarra uma lembrança que guarda com muito carinho ao pescoço com o

formato de um cachalote a dizer “AÇORES”. Será que o meu paizinho esteve

nesta ilha? Interroga-se, já com uma lágrima no canto do olho.

- Acorda Maria! Já te esqueceste do Vicente? Como é que o vamos ajudar?

- Desculpa Teresa, estava a pensar no meu pai, que saudades tenho dele!

- O que achas de enviarmos uma mensagem novamente pela Vitória?

- Mas estás a pensar em quê, Maria?

- Acho que devíamos saber que tipo de ajuda o Vicente precisa, fica muito

longe e não temos como ir até lá.

- Concordo contigo! Vamos já escrever uma mensag….

Teresa foi interrompida pela tia de Maria que a chamava freneticamente para

jantar.

- Amanhã aqui à mesma hora, pode ser Teresa? Gritava Maria enquanto se

afastava da amiga.

- Combinado!!! E traz a Vitória!

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Quando já se preparava para dormir, Maria pensava no que deveria constar no

bilhete, quando a luz do seu quarto acendeu…

- Maria, estás acordada? Perguntava-lhe a tia. Olha só quem está aqui! É o teu

pai!

- Pai!!...- e por momentos Maria voltou a fechar os olhos … pensando que

estaria a sonhar…. Voltou a abrir os olhos, e desta vez, bem arregalados.

- Pai! Voltaste…. Tive tantas saudades tuas. E entusiasticamente, Maria não

cessava de falar, aliando uns assuntos aos outros.

- Conta como foi a tua viagem… Gostaste de estar lá?... Por cá aconteceu

tantas coisas…. Tenho que te contar… nem sabes o que me aconteceu…

encontrei uma gaivota com uma mens….

Mas o pai interrompeu-a.

- Calma Maria… Dá-me um abraço.

Maria deu um abraço relâmpago e continuou:

- Mas pai… sabes a gaivota….

- Maria, amanhã teremos muito tempo para trocar as novidades. Agora dorme.

E despediu-se com beijo ténue na testa de Maria.

Maria entorpecida pelo sono, voltou a dormir…

Ao acordar pela manhã, Maria correu até à cozinha para contar o sonho que

tivera durante a noite.

- Tia! Tia! Esta noite sonhei que o meu pai foi ao meu quarto falar comigo, mas

quando lhe ia contar sobre a Vitória…sabes a gaivota…

- Calma Maria! - exclamou a tia…

A porta da cozinha abre-se e entra o pai, com a gaivota debaixo do braço.

- Pai! – grita Maria, correndo para o seu pescoço. – Que saudades, pai! Tenho

tanta coisa para te contar…

- Espera, deixa-me pousar a gaivota.

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- É mesmo sobre ela que tenho tanto para contar. Sabes, ela trazia uma

mensagem na pata de alguém chamado Vicente Rodrigues…

O pai estremeceu a ouvir este nome…

"Uma sombra perpassou brevemente pelo seu olhar, uma sombra de que Maria

não se apercebeu, tanto tinha para contar.

- E sabes, pai, eu preciso de ajuda porque...

Mas o pai tinha o olhar fixo num ponto distante e parecia que não a estava a

ouvir.

Ela não podia saber, mas o seu pensamento perdera-se no passado. Um

passado lá longe, desconhecido para Maria, um passado feito de risos e

correrias, de jogos de bola, de lutas com dragões que cuspiam fogo, de

mergulhos no mar azul, de viagens em barcos que só os bravos conseguiam

navegar... Há tanto, tanto tempo...Fora o tempo das descobertas e de todas as

aventuras...o tempo em que todos eram felizes...

Vicente Rodrigues...há quanto tempo não ouvia alguém pronunciar esse nome?

Tanto que já não conseguia precisar...Se Maria soubesse tudo o que acordou

dentro de si, só por tê-lo ouvido de novo... 

Entretanto, Maria, com os olhos expectantes, olhava para o pai à procura de

uma resposta à sua curiosidade de menina. Mas aquele continuava preso às

suas recordações do passado, como que perdido num remoinho longínquo de

memórias felizes e simultaneamente dolorosas. Neste momento, não saberia o

que responder aquele olhar terno e interrogativo. Para ganhar tempo, fez-lhe

uma promessa solene.

Voltou-se para a sua filha, fitando-lhe o olhar cheio de curiosidade e

expectante, dizendo-lhe que, na manhã seguinte, iriam bem cedo logo ao raiar

do sol, explorar aquela praia que tantas recordações lhe traziam à memória.

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Maria, exuberante de alegria, mal podia esperar pelo dia seguinte. Seu pai, ao

contrário, não sabia como iria encarar o lugar que tantas memórias

controversas lhe passavam pelo espírito… Aquele lugar, aquele nome tão

longínquo, tantas recordações, um mistério que só poderia ser desvendado

se…

… o pai acedesse ao pedido de Maria.

Na manhã seguinte ao caminhar pela praia de mão dada com a filha, o pai

procurava controlar a sua ansiedade com receio do que iriam encontrar.

Avistaram ao longe algumas cabanas de aspeto abandonado. Maria

empolgada puxava pelo pai que tentava tardar o encontro com o passado.

Após observarem as primeiras cabanas desabitadas e degradadas pelo tempo,

Maria repara num jovem rodeado de gaivotas que arrastava um bote para terra.

Parecia que existia entre este e as aves uma relação próxima, pois estas

deixavam-se afagar pelo mesmo. Maria fascinada, não hesitou e correu para

ele. O jovem simpático recebeu-a com um sorriso e perguntou-lhe como se

chamava. Maria apresentou-se e perguntou-lhe de seguida o seu nome.

Naquele instante o pai cruzou o seu olhar com o do jovem e durante algum

tempo não houve palavras que aqueles dois pudessem dizer. Depois, o jovem

ficou repentinamente sério e baixou o olhar. Maria não sabia explicar bem o

que viu, mas o pai falou num tom de voz, no qual ela sentiu uma imensa

tristeza:

- Então, meu rapaz, parece que as gaivotas continuam a fazer-te companhia,

hem?!

- É. São as minhas melhores amigas. As minhas companheiras de viagem.

Gosto do seu esvoaçar e da forma como vivem a sua liberdade. Eu, pelo

contrário…

- Ora Vicente! A tua mãe, como está?

Maria não compreendia o que se estava a passar. Afinal, donde é que o seu

pai conhecia o rapaz.? Que idade teria ele? Já trabalhava no mar, por isso, já

não devia ser muito novo, mas que sabia ela? E porque é que o pai nunca tinha

falado nele, se viviam tão perto? Eram perguntas a mais e, entretanto,

mergulhada nos seus pensamentos, ela não se tinha apercebido do rumo da

conversa entre eles. Viu-os abraçarem-se…

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Vagarosamente, como se quisessem recuperar avidamente no tempo todos os

sentimentos ambíguos, seguiram por um trilho de areal estreito com alguma

vegetação rasteira e agreste, conversavam com ansiedade, mas

simultaneamente num diálogo contido de emoção.

Maria seguia atrás, agarrando em punhados de areia que suavemente se

desvaneciam entre os seus dedos estreitos, tentava compreender que tipo de

relação poderia existir entre o seu pai e aquela personagem misteriosa, algo

naquele jovem homem lhe parecia demasiado familiar… A menina, com a

curiosidade aguçada, limitou-se a passar despercebida, pois queria ouvir a

conversa. Porém, repentinamente aproximou-se um canídeo com longos pêlos

negros, da cor do carvão, mostrava-se afável, cheirando a Maria de cima a

baixo sempre com a cauda a abanar, lambendo-lhe as mãos e puxando-a com

os seus dentes brancos e afiados, como que a desafiá-la para a brincadeira.

Maria não resistiu e pegando num pequeno pau, corado pelo sol, atirou-o para

longe, Maré (nome do cão), lançou-se velozmente sobre a areia e num ápice o

devolveu à sua nova amiga, que inocentemente mudou o seu foco de atenção.

Aquela manhã passou muito depressa. A Maria estava encantada com o Maré.

Era um cão fantástico e tinha-a feito esquecer todo aquele mistério à volta do

Vicente.

O seu pai regressou do passeio, mas vinha sozinho.

Maria continuava a brincar com o Maré…

- Então Maria, como se chama esse teu novo amigo?

- É o Maré…é um cão fabuloso. Adoro brincar com ele… Aliás, acho que

poderíamos ter um cão.

- Não sei Maria, acho que a tua tia não iria gostar.

Então, conversando alegremente sobre aquele cão maravilhoso, nunca mais se

falou sobre o Vicente.

Chegaram a casa, pai e filha, muito contentes. A tia estava a pôr o almoço na

mesa.

A Maria vinha muito alegre e entusiamada com a ideia de ter um cão. Um cão

como o Maré. Queria pedir à sua tia…mas será que ela iria aceitar?

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Então a Maria sentou-se à mesa com o seu pai e a sua tia. Almoçaram, sem

trocar uma única palavra.

O passeio tinha-lhes aberto o apetite. E a Maria só pensava no cão…

A tia estava a estranhar o silêncio da sua sobrinha e resolveu perguntar-lhe:

- Então Maria, porque estás tão calada?

- Sabes tia…queria pedir-te algo… - disse a Maria receosa.

- Que me queres pedir, Maria? Parece que estás receosa… pergunta lá…sem

perguntares não saberás a resposta. – disse a tia já curiosa.

- É que eu gostaria de ter um cão.

- Um cão? E sabes que ao adotarmos um animal é uma grande

responsabilidade? Temos que lhe dar de comida, ir com ele ao veterinário para

ser vacinado, brincar com ele, dar-lhe muitos miminhos… estás disposta a

perder algum tempo de brincadeira para cuidares do cão?- perguntou-lhe a tia.

- Bem… eu como gostava muito de ter um cão, que será um bom amigo, não

me importo de ter menos tempo para brincar com as minhas amigas, porque

estarei com o meu fiel e bom amigo. – respondeu a Maria já toda

entusiasmada.

- Então… - disse a tia com algum suspense – se o teu pai concordar não me

oponho a que tenhamos um cão.

Assim que ouviu isto, a Maria saltou para o pescoço da tia, beijando-a e

abraçando-a com uma alegria de tal forma contagiante, que quando deram por

elas estavam dançando na cozinha.

Maria estava tão entusiasmada que teve muita dificuldade em adormecer

nessa noite…parecia que as horas não passavam e que a manhã tardava em

chegar.

Na manhã seguinte, bem cedinho, levantou-se e foi a correr à procura da tia e

do pai, para juntos irem ao canil buscar aquele que irá ser o ser amigo.

Ao chegarem ao canil da vila, Maria e o pai puderam ver que havia muitos

animais a precisar de um lar. Havia cães de diferentes tamanhos e cores

alguns com olhar meigo, outros assustado, mas todos bastante excitados por

verem a menina e com esperança de que fosse desta vez que iriam finalmente

ter uma família. As jaulas ficavam numa espécie de pátio que o sol enchia de

luz da manhã. Enquanto o pai conversava com o responsável do canil, um

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rapaz novo cheio de energia, Maria observava um a um os animais, em busca

do seu novo companheiro. Subitamente uma sombra desce dos céus em

direção a ela e atravessa o pátio indo pousar em cima de uma das jaulas. Era

Vitória a sua amiga gaivota. A gaivota tinha aterrado e olhava agora fixamente

para um animal como se, mais uma vez quisesse dizer algo. Ele não se mexia,

ao contrário de todos os seus companheiros que ladravam e abanavam as

caudas, movendo-se de uma lado para o outro atrás das grades, tinha-se

mantido calmo todo este tempo. Maria aproximou-se… Olhou-o fixamente

durante alguns segundos. Aquele animal de olhar sereno, que se movia

naquele espaço minúsculo, parou o seu olhar no de Maria. Quem os observava

pensaria, pela certa, que já se conheciam. O pai, que até então estava em

amena cavaqueira com o funcionário do canil, naquele preciso momento,

dirigia-se para o local onde estava a sua filha. A gaivota já havia feito o seu

trabalho e esvoaçado céu a fora.

- Maria parece que encontraste um amigo!!! Exclamou o pai.

A menina estava extasiada. Aquele cãozinho era tudo o que queria. Entendiam-

se só pelo olhar.

- Pai é este o meu novo amigo!

Maria não se preocupou mais com a gaivota, com Vicente, com toda aquela

história do passado do pai. Passado era passado. Nada o poderia alterar.

Gostaria de o compreender, mas talvez quando fosse mais velha o pai lhe

explicasse tudo, até lá teria sempre os animais. O seu amor por eles era

incondicional. Só eles a compreendiam realmente. Com eles não precisava de

muitas palavras para ser feliz.

Agora tinha Milu para a acompanhar nos passeios á beira mar. A gaivota viria

muitas vezes acompanhá-las nas suas brincadeiras e juntas cresceriam felizes

por terem amigos verdadeiros que se ajudariam mutuamente a ultrapassar as

dificuldades da vida.

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