história do hap - por olívia enciso

3
COMO NASCEU O HOSPITAL ADVENTISTA DO P˚NFIGO Relato contado pela poetisa Oliva Enciso, da Academia de Letras, organizadora e dirigente da Sociedade Miguel Couto. (Material transcrito do Correio do Estado do dia 07 de janeiro de 1983) Tudo comeou com um sonho de um rapaz, filho de imigrante argentino, frustrado no seu ideal de estudar medicina ou qumica, por falta de recursos, seu nome: ISIDORO JAMAR. O pai tinha uma oficina mecnica numa estrada, no interior, mas o rapaz somente se preocupava com ervas ou remØdios. Tinha no sangue o instinto do pesquisador e se valia de todas as oportunidades para exercŒ-lo. Um dia ocorreu-lhe, sem saber por que, num mero impulso subjetivo, passar uma soluªo de pixe no rabo de um gato doente, onde o cabelo cara e a pele estava em carne viva. Agarrou o gato a fora (um animal que somente causava nojo) e aplicou-lhe seu remØdio. O gato sarou completamente e o episdio entusiasmou o rapaz que logo, vendo um indigente atacado pelo Fogo Selvagem, em lastimÆvel estado, tomou a seu cargo a cura do infeliz. E no prprio casebre do doente banhou-o com uma infusªo morna em que predominava o eucalipto e besuntou-o com seu remØdio, a que adicionara uma erva cicatrizante. A cura do pŒnfigoso abriu uma nova fronteira para o destino de milhares de pessoas, em um tempo onde nªo havia qualquer tratamento para o mal. A frmula do tratamento, entretanto, nªo produziu o menor efeito no mundo mØdico da cidade. Era algo cheirando a curandeirismo e nenhum clnico ao menos pensaria em sua aplicaªo. E o descobridor, que casara ou passara a viver com uma ndia, enchera-se de filhos e afundava em pobreza adjeta, acabando por contrair uma tuberculose, doena no tempo incurÆvel. Aconteceu, entªo que um fazendeiro (que dona Oliva pensa ter sido o Sr. Porfrio de Brito) estando com uma nora sofrendo do pŒnfigo foliÆceo e em adiantado estado da doena, ouviu falar das curas que fazia o argentino, lhe trouxe a doente. Veio em um carro de boi, deitada em folhas de bananeiras, tal a sua situaªo. O tratamento foi comeado, a doente melhorou e o fazendeiro acabou levando-o para sua fazenda, onde tinha casa e comida. E a senhora ficou boa completamente, mas a doena chegara tal ponto que lhe deixara marcas visveis. O pastor Alfredo Barbosa, residente em CorumbÆ, cuja esposa `urea sofria do pŒnfigo, levara-a para Sªo Paulo, sem obter bons resultados.

Upload: hospital-penfigo

Post on 28-Mar-2016

214 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

História do Hospital Adventista do Pênfigo relatada por Olívia Enciso

TRANSCRIPT

Page 1: História do HAP - Por Olívia Enciso

COMO NASCEU O HOSPITAL ADVENTISTA DO PÊNFIGO Relato contado pela poetisa Oliva Enciso, da Academia de Letras, organizadora e dirigente da Sociedade Miguel Couto. (Material transcrito do Correio do Estado do dia 07 de janeiro de 1983)

Tudo começou com um sonho de um rapaz, filho de imigrante argentino, frustrado no seu ideal de estudar medicina ou química, por falta de recursos, seu nome: ISIDORO JAMAR.

O pai tinha uma oficina mecânica numa estrada, no interior, mas o rapaz somente se preocupava com ervas ou remédios. Tinha no sangue o instinto do pesquisador e se valia de todas as oportunidades para exercê-lo.

Um dia ocorreu-lhe, sem saber por que, num mero impulso subjetivo, passar uma solução de pixe no rabo de um gato doente, onde o cabelo caíra e a pele estava em carne viva.

Agarrou o gato a força (um animal que somente causava nojo) e aplicou-lhe seu “remédio”. O gato sarou completamente e o episódio entusiasmou o rapaz que logo, vendo um indigente atacado pelo “Fogo Selvagem”, em lastimável estado, tomou a seu cargo a cura do infeliz. E no próprio casebre do doente banhou-o com uma infusão morna em que predominava o eucalipto e besuntou-o com seu remédio, a que adicionara uma erva cicatrizante.

A cura do pênfigoso abriu uma nova fronteira para o destino de milhares de pessoas, em um tempo onde não havia qualquer tratamento para o mal.

A fórmula do tratamento, entretanto, não produziu o menor efeito no mundo médico da cidade. Era algo cheirando a curandeirismo e nenhum clínico ao menos pensaria em sua aplicação. E o descobridor, que casara ou passara a viver com uma índia, enchera-se de filhos e afundava em pobreza adjeta, acabando por contrair uma tuberculose, doença no tempo incurável.

Aconteceu, então que um fazendeiro (que dona Oliva pensa ter sido o Sr. Porfírio de Brito) estando com uma nora sofrendo do pênfigo foliáceo e em adiantado estado da doença, ouviu falar das curas que fazia o argentino, lhe trouxe a doente. Veio em um carro de boi, deitada em folhas de bananeiras, tal a sua situação.

O tratamento foi começado, a doente melhorou e o fazendeiro acabou levando-o para sua fazenda, onde tinha casa e comida. E a senhora ficou boa completamente, mas a doença chegara tal ponto que lhe deixara marcas visíveis.

O pastor Alfredo Barbosa, residente em Corumbá, cuja esposa Áurea sofria do pênfigo, levara-a para São Paulo, sem obter bons resultados.

Page 2: História do HAP - Por Olívia Enciso

Agora de volta, sem a menor esperança de cura, de passagem, para buscar os filhos, passa em Campo Grande. Ao sair para ir ao correio avistou a senhora que havia sido curada saindo do consultório do Dr. Fernando Corrêa da Costa onde fora para uma consulta que nada tinha com o antigo mal. Alfredo notou nela manchas características, mas sem a menor seqüela.

Atreveu-se a abordá-la. Inspiração divina ou coragem do desespero, o certo é que indagou sobre o que ocasionara aquelas manchas. E o mais extraordinário de tudo isso foi a mulher lhe haver respondido, com franqueza, contando o seu mal e sua cura.

O pastor foi levado à presença de Isidoro, combinou o tratamento, foi buscar a esposa e esta sarou. Entre os dois estabeleceu-se uma sólida amizade e sentindo-se à morte, o argentino deu ao pastor a sua fórmula, simples e primitiva, de tratar da doença e o insuflou a criar um hospital para tratamento dos penfigosos.

Alentado com êxito da esposa e penalizado em ver tantos doentes sem a menor esperança de cura, Alfredo, com seu espírito religioso, logo tratou de criar um hospital. Entrou em contato com D. Ida Baís, proprietária de uma fazenda no Botas, para ceder-lhe 40 hectares de terra, pois a obra teria que partir da estaca zero.

D. Ida era uma dessas criaturas que se entusiasmam com as grandes idéias. Cedeu a área – a mesma onde o Hospital está hoje - e ainda empenhou-se com D. Oliva Enciso, que estava tratando dos problemas do então Hospital Miguel Couto e devia viajar ao Rio de Janeiro, no sentido de levar e encaminhar um pedido de auxílio aos Adventistas para a construção do Hospital.

Enquanto o pedido seguia, Alfredo, com precários recursos, fornecidos por sua igreja, improvisava um local de tratamento e atendia a todos que batiam à sua porta. Sem médicos e sem instalações adequadas.

No Rio, já acanhada para tratar dos seus pedidos, D. Oliva foi visitar o SESI em busca de recursos. E lá, quando aguardava sua vez para falar com Vicente Guimarães, que então editava a revista “Sesinho”, ouviu uma conversa de dois ou três senhores. Guimarães, nervoso, alegava que os efeitos colaterais de uma droga que estava fazendo muito mal ao menino.

Uma incoercível curiosidade dominou D. Oliva, que apenas queria um assunto para elaborar o início de seu diálogo e fazer seus pedidos. Assim, quando os homens saíram e ela foi chamada, antes de qualquer coisa, indagou: “É seu filho que está doente?”. E ouviu agitada, a informação de que um filho dele estava atacado pelo “fogo selvagem” havia dois anos, sem qualquer melhora, embora estivesse comprando drogas estrangeiras, muito caras.

Dona Oliva mostrou o requerimento e lhe disse que ouvira falar de várias curas de penfigosos em Campo Grande, embora ainda não houvesse um hospital.

Page 3: História do HAP - Por Olívia Enciso

O corolário dessa história foi à vinda do rapazinho, então com 15 anos de idade e todo aberto em chagas, para Campo Grande, onde ficou hospedado e em tratamento, regressando sarado ao Rio de Janeiro, enquanto o pai tomava todo interesse pelo auxílio pedido pelos Adventistas.

As obras se fizeram, e Campo Grande tornou-se refúgio dos Penfigosos, milhares de pessoas, desde esse tempo, saíram do hospital sem suas seqüelas, aptas para o trabalho e uma existência decente, ressuscitados para a vida.

E hoje, o Hospital Adventista do Pênfigo, com os tratamentos modernos dos corticóides, ampliou-se, criou a clínica no centro da cidade e ao lado de sua tarefa tradicional, trata de todas as doenças, sendo um hospital moderno e afamado, que se tornou um legítimo orgulho para Campo Grande.