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Ricardo Marcelo Fonseca Professor da graduação e do curso de pós-graduação em direito da UFPR; Doutor em direito das relações sociais pela UFPR; Pós-doutor na Università degli Studi di Firenze, Itália (2003/2004), onde Integra o collegio dei docenti do curso de doutorado em storia dei diritto; Pesquisador do CNPq; Presidente do IBHD (2007-2011); Procurador federal; Membro do IAP (Instituto dos Advogados do Paraná); Diretor eleito da Faculdade de Direito da UFPR. Airton Cerqueira Leite Seelaender Doutor em direito na J.W.Goethe-Universitàt (Frankfurt/Alemanha); Pesquisador visitante do Max Planck Instituí für europãische Rechtsgeschichte (1994-1997) e Presidente do IBHD (2005-2007); Ex-Procurador do Estado de São Paulo; Professor de História do Direito e Direito Constitucional na Universidade Federal de Santa Catarina. HISTORIA DO DIREITO EM PERSPECTIVA Organizadores Do Antigo Regime à Modernidade Colaboradores: Airton Cerqueira Leite Seelaender Andrei Koerner Antonio Carlos Wolkmer António Manuel Hespanha Arno Dal Ri Júnior Bruno Feitler Carlos Petit Ezequiel Abásolo Gilberto Bercovici Ignacio Maria Poveda Velasco James Walker José Antônio Peres Gediel José Ramon Narvaez Luis Fernando Lopes Pereira Luiz Edson Fachin Manuel Martinez Neira Marcos César Alvarez Paolo Cappellini Paolo Grossi Peter Oestmann Pietro Costa Samuel Rodrigues Barbosa Silvia Hunold Lara Thomas Simon Curitiba Juruá Editora 2009

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Page 1: HISTORIA DO DIREITO EM PERSPECTIVA · regime de Vichy ainda é um tema insuficientemente estudado", a despeito de ... 12 Cf. o filme Sections spéciales de Costa Gavras

Ricardo Marcelo Fonseca Professor da graduação e do curso de pós-graduação em direito da UFPR; Doutor em direito

das relações sociais pela UFPR; Pós-doutor na Università degli Studi di Firenze, Itália (2003/2004), onde Integra o collegio dei docenti do curso de doutorado em storia dei diritto; Pesquisador do CNPq;

Presidente do IBHD (2007-2011); Procurador federal; Membro do IAP (Instituto dos Advogados do Paraná); Diretor eleito da Faculdade de Direito da UFPR.

Airton Cerqueira Leite Seelaender Doutor em direito na J.W.Goethe-Universitàt (Frankfurt/Alemanha); Pesquisador visitante do Max Planck

Instituí für europãische Rechtsgeschichte (1994-1997) e Presidente do IBHD (2005-2007); Ex-Procurador do Estado de São Paulo; Professor de História do Direito e

Direito Constitucional na Universidade Federal de Santa Catarina.

HISTORIA DO DIREITO EM PERSPECTIVA

Organizadores

Do Antigo Regime à Modernidade Colaboradores:

Airton Cerqueira Leite Seelaender Andrei Koerner Antonio Carlos Wolkmer António Manuel Hespanha Arno Dal Ri Júnior Bruno Feitler Carlos Petit Ezequiel Abásolo Gilberto Bercovici Ignacio Maria Poveda Velasco James Walker José Antônio Peres Gediel

José Ramon Narvaez Luis Fernando Lopes Pereira Luiz Edson Fachin Manuel Martinez Neira Marcos César Alvarez Paolo Cappellini Paolo Grossi Peter Oestmann Pietro Costa Samuel Rodrigues Barbosa Silvia Hunold Lara Thomas Simon

Curitiba Juruá Editora

2009

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JURISTAS E DITADURAS: UMA LEITURA BRASILEIRA

Airton Cerqueira Leite Seelaenderx

I. "Em minha vida tenho tido o hábito salutar de não ficar remoendo o passado"'. Essa frase, que curiosamente figura nas memórias do jusfilósofo Miguel Reale, bem que poderia servir de divisa para algumas faculdades de direito no Brasil. Nunca poderia, porém, servir de orientação para quem preten­de analisar a história ou compreender melhor algumas das linhas doutrinárias ainda hoje relevantes, no campo do direito.

Tanto quanto a atuação do "Schreibtischtäter"3 na máquina judicial e administrativa dos regimes ditatoriais, o comportamento coletivo dos juízes e dos profissionais do direito durante as ditaduras tem atraído crescente interesse dos historiadores do direito. Recentemente, alguns destes últimos têm mesmo enfrentado um tema "tabu": o papel desempenhado pelos professores de direito - inclusive de figuras influentes no campo doutrinário - na legitimação e mesmo na gestão dos regimes supracitados.

Ainda em desenvolvimento na Alemanha, na França e em outros países europeus, a discussão sobre tal tema deveria ser prontamente iniciada, no Brasil. Trata-se não só de viabilizar a obtenção de maiores conhecimentos sobre o pe­ríodo ditatorial, mas também de estimular o abandono, pelas faculdades de di­reito, de sua última atitude de conivência com a ditadura: o silêncio sobre as opções políticas passadas 4 .

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina; Doutor em Direito pela J.W. Goethe-Universität (Frankfurt).

2 REALE, M. (1987a), p . 136. 3 Para uma análise do conceito e de sua distinção de outras formas de colaboração com ditaduras,

por parte de juristas e intelectuais, cf. RÜTHERS, B. 1990, p. 22-24. Sobre a opção pelo silêncio e suas causas, no meio universitário alemão, cf, entre outros, R Ü T H E R S , B. 2 0 0 1 , p. 154; H A T T E N H A U E R , H. 1981, p. 7, e S T O L L E I S , M.; SIMON, D. 1981, p. 20. Para uma crítica a tal silêncio, no Brasil, cf. SEELAENDER, A. 2004, p. 35-36, n. 24.

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A superação desta atitude não será tarefa fácil. Há que se contar com a resistência dos antigos professores, muitos dos quais capazes de mobilizar am­plas redes de apoio e de produzir autojustificações de alta qualidade literária. Há que se esperar a resistência de assistentes, sucessores, ex-colaboradores e anti­gos orientandos - enfim, de todos que precisem "defender o velho", para impe­dir o questionamento do seu próprio pedigree acadêmico 5 . A "defesa coletiva", a "lealdade" e a "solidariedade" podem, inclusive, gerar novos ganhos estratégi­cos a tais indivíduos, permitindo-lhes reforçar laços, ampliar redes de apoio recíproco e dar eficácia maior às "coortes de sociabilização"6 de que participam.

O silêncio sobre a colaboração com as ditaduras tende a se acentuar no meio jurídico, no qual a ascensão a posições de destaque e mesmo o êxito na advocacia tendem a ser mais fáceis para quem sabe manter canais abertos, não provocar "antipatias", impedir vetos informais e evitar a fama de "criador de caso"1. Não obstante, posturas defensivas análogas podem ser encontradas mesmo em faculdades de história. Na Alemanha, por exemplo, Rüthers de­monstrou que os mesmos historiadores que se haviam escandalizado nos anos 80 com as interpretações revisionistas sobre o Holocausto vieram a adotar, na déca­da seguinte, uma postura bem mais contida, quando veio à tona a "contribuição científica" de seus próprios mestres para a legitimação da política racial e do expansionismo nazistas*. Antes, imperava um cômodo silêncio a respeito do tema, tendo a própria "área da História (...) por décadas ocultado com êxito a sua própria história"9.

Mas voltemos às faculdades de direito e às estratégias nelas adotadas para ocultar o passado. O que está por trás de tanto silêncio?

Seria possível, por exemplo, explicar tal atitude invocando-se um "es­pecial talento do professor de direito" para fugir a dissabores desnecessários, identificando, por exemplo, riscos de um eventual processo por danos morais?

Não é de se crer que aqui esteja a causa do problema. Note-se que, no Brasil, o professor conta não apenas com a liberdade de expressão prevista no

5 Sobre tal postura, cf. RÜTHERS, B. 2001 , p . 22 e as., 153. 6 Sobre o conceito, cf. RÜTHERS, B. 2001 , p. 3 e ss. Inspirando-se na denominação da unidade

militar romana, o conceito de "coorte de sociabilização" remete a "grupos de pessoas marcadas por experiências de vida comuns" , sob a influência de fatores como idade, origem social, for­mação e exposição a situações semelhantes (transformações políticas, oportunidades de carreira, riscos etc.). Segundo Rüthers (2001, p. 4), tais pessoas "não raramente" apresentariam seme­lhanças cm suas "visões de mundo e de valores", "modos de pensar" e "formas de agir e reagir, quando" fossem "questionadas as concepções fundamentais enraizadas através da (sua) socializa­ção" (cf. também R Ü T H E R S , B. 2001 , p. 9). Analisando o caso alemão, reconhece Hattenhauer que, enquanto continuaram nos seus cargos os principais juristas do período hitleriano, "uma crítica" a eles "podia ser prejudicial" para os j o ­vens que iniciavam a carreira acadêmica (cf. H A T T E N H A U E R , H. 1981, p. 7. Sobre o tema, cf. também STOLLE1S, M.; SIMON, D. 1981, p. 20).

s Sobre a "42. Deutsche Historikertag" (1998) e sobre o debate a respeito da atuação de historia­dores alemães no período nazista, cf. R Ü T H E R S , B. 2001 , p. 15-7, 152.

0 RÜTHERS, B. 2001 , p. 23 .

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art. 5 o , IV e IX, da Constituição, mas também com uma específica "liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento (...) e o saber" (art. 206-11). Os alunos têm direito à informação (art. 5 o , XIV) e liberdade de aprender" (art. 206-11), inclusive sobre temas espinhosos cujo exame contribua para prepará-los "para o exercício da cidadania" (art. 205). Dentro desse quadro, evitados abusos como o insulto e a imputação infundada de ações desonrosas ou ilícitas, sequer haveria lastro real para pedidos de indenização.

E bem verdade que a menção do passado pode por vezes gerar hiper-reações, por parte dos ex-defensores da ditadura no meio jurídico. Autores já estabelecidos podem irritar-se quando chegam ao conhecimento do público obras publicadas no início de suas carreiras, em períodos ditatoriais cuja curta duração não haviam previsto adequadamente. Temendo por sua reputação, po­dem até provocar o Poder Judiciário, ansiando por uma apreensão de escritos ou pelo fornecimento de um "Persilschein"10.

Isso parece já ter ocorrido na França, onde a atuação dos juristas sob o regime de Vichy ainda é um tema insuficientemente estudado", a despeito de haver uma discussão pública estimulada até mesmo pelo cinema 1 2 . Vejamos, aqui, só a título de exemplo, o chamado "Caso Duverger".

Um dos mais destacados teóricos do Pós-Guerra, Maurice Duverger ha­via escrito, no início de sua carreira, comentários à "situação dos funcionários depois da Revolução de 1940". Vendo na ascensão de Pétain após a derrota francesa uma "revolução" autoritária e nacional, Duverger descrevera como algo normal a vedação do acesso de judeus e cidadãos naturalizados aos cargos pú­blicos 1 3 . Tentando décadas depois se justificar do ocorrido, o pensador francês invocou um acórdão de 1968, que declarava seu texto "um estudo puramente

jurídico, técnico e crítico da legislação racial então em vigor"14. Restou escla­recer, no entanto, se essa análise supostamente "neutra da legislação racial" -uma análise sem rejnidio - não constituiria, ela mesma, uma forma de aceitação das novas normas ' 3 . Se a atitude voluntária do autor, redigindo e publicando tal artigo, não contribuiria, por si só, para a legitimação dessas normas como objeto normal do trabalho do jurista.

1 0 Designação popular dos documentos fornecidos na Alemanha ocupada pelos Aliados, atestan­do que o passado político individual não era demasiado comprometedor. A referência decorre de uma propaganda de sabão em pó ("Persil lava branco como a neve").

n Na França, já em 1961 um artigo de Emile Giraud enfrentava o problema da "responsabilidade das faculdades de direito no declínio da democracia" (v. GIRAUD, E. 1961 e SAULNIER, F. 2004, p. 32). Sobre a colaboração de juristas com Vichy, podem ser úteis - além de STERNHELL, Z. 2000 e SAULNIER, F. 2004 G R O S , D. (2000), p. 26, 28 e ss., 34-35; e LOISELLE, M. 2000, p. 450 e ss.

1 2 Cf. o filme Sections spéciales de Costa Gavras. ' O texto foi publicado na Revue de droit public et de la science politique, t. 57, 1940/1941.

Sobre ele, cf. STERNI1EEL, Z. 2000, p. 4 2 1 , 472, n. 2. 14 Apud STERNHEEL, Z. 2000, p. 475 , n. 2. 1 5 STERNHEEL, Z. 2000, p. 476, n. 2.

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4 1 8 Airton Cerqueira Leite Seelaender

Mesmo quem achasse possível alguém abster-se totalmente de juízos de valor no exame de temas polêmicos teria de reconhecer que os professores de direito realizam opções de certa fornia "comprometidas", quando elegem seus temas e quando definem as ocasiões para a divulgação de seu pensamento. A preparação e a publicação de um texto frio e técnico sobre normas anti-semitas são atitudes que indicam, senão entusiasmo, pelo menos conformismo com o direito vigente em uma ditadura racista. E são atitudes que tendem a indicar um certo empenho individual na legitimação de tal regime- empenho muito superior, aliás, ao exteriormente expresso nos mecânicos "juramentos de fidelidade" impostos pelas ditaduras ao professorado, sob risco de perda de cargo ou outras sanções 1 6 .

O civilista que se promovia pontificando sobre "casamentos inter-ra-ciais" bem que podia estar escrevendo sobre árvores limítrofes, se a legislação sobre o primeiro tema o houvesse levado mesmo à indignação. Em meios uni­versitários mais sofisticados, a história do direito podia fornecer temas "clássi­cos", nem sempre relevantes para as ideologias oficiais, até mesmo aos estudio­sos do direito público 1 7 .

A bem da verdade, nada obrigava Carl Schmitt a escrever obras como O Führer protege o direito 1 8 , justificando um massacre determinado por Hitler. E teriam Panunzio e Costamagna se arruinado, se houvessem imitado a autocon-tençâo de Mortati no tratar da questão judaica 1 9 ?

Mas voltemos ao silêncio das faculdades de direito. Percebamos que ele também serve a interesses "corporativos". Ele independe da qualidade da rela­ção institucional com os regimes ditatoriais - relação, esta, que pode ser muito variada 2 0 . Pode até ser favorecido por inclinações conservadoras do corpo do­cente. De qualquer forma, tal silêncio libera as faculdades de polêmicas especial­mente desgastantes, com alto custo político interno. Não por acaso, imperou o silêncio, na Universidade de Munique do Pós-Guerra, acerca da literatura nazista

Sobre a massiva aceitação do juramento de fidelidade, por parte dos professores universitários na Itália fascista, cf. STAFF, I. 2002, p. 89, n. 18. Sobre os juramentos de fidelidade no serviço público da era nazista, cf., entre outros, HATTEN11AUER, H. 198 lb , p. 112-113, 125 e ss. C o m o mostra Stolleis, os publicistas podiam optar, mesmo na Alemanha nazista, por "temas inofensivos da história do direito, do direito internacional, do direito administrativo e da teo­ria da administração" (STOLLEIS , M. 1994, p. 21). SCHMITT, C. 1994, p. 227-232. Sobre os posicionamentos de Schmitt e suas circunstâncias, no que tange a tal obra, cf. MULLER, I. 1989, p. 51-52; RÜTHERS, B. 1990, p. 76-80; R Ü T H E R S , B. 1994, p. 120-124; STOLLEIS, M. 2002, p. 318-319; e BLAS1US, D. 2002, p. 119, 142 e s s . Mostrando diferentes graus de anti-semitismo nas obras desses autores STAFF, I. 2002, p. 100-101. Os malogrados projetos de constitucionalização de Vichy parecem demonstrar o prestígio institucional das faculdades de direito (cf, a respeito, a composição prevista para a "Corte Su­prema de Just iça" no art. 35-2. da "Lei Constitucional de 10.07.1940"). Já na Alemanha, em 1943, o Ministro Otto Thierack teria chegado a ameaçar os decanos das faculdades de retirar das universidades a formação jurídica (cf. STOLLEIS . M. 2002, p. 410).

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de Larenz e Maunz 2 1 . Ou em Gõttingen, quanto a textos de Wieacker e Ebel anteriores a 1945 2 2 .

E verdade que a tecnicização do direito, o peso do positivismo e o ethos profissional do acadêmico tendem a afastar o professor de direito da polêmica sobre os temas mais candentes da esfera política. A época do empolgante "Affaire Dreyfus", por exemplo, parte considerável dos juristas franceses sim­plesmente se absteve de manifestações públicas 2 3 , a despeito da repercussão política do caso e de suas evidentes implicações no âmbito jurídico. De qualquer forma, tal tendência não é irreversível - pensemos em Weimar. Nem explica a fuga das faculdades a uma rediscussão científica- cujas implicações políticas mal seriam percebidas pelo "público externo" - sobre textos jurídicos relativos ao regime do funcionalismo, ao poder constituinte ou ao locus do ato institucio­nal no ordenamento.

Em nossas faculdades, a coragem que sobra para atacar o "Neolibera-lismo", o "Estatismo" ou a "Globalização" - criaturas etéreas que não podem influenciar a composição de bancas - falta para analisar criticamente obras difí­ceis de conciliar com a concepção usual do que seja democracia. Já estaria o Largo S. Francisco preparado, hoje, para aceitar uma tese sobre o pensamento corporativista-autoritário de antigos docentes seus? Ou sobre o apoio de alguns de seus professores ao regime pós-64, tanto em cargos elevados quanto em seus textos doutrinários?

Cumpre registrar, porém, que o silêncio das nossas faculdades não pode ser explicado apenas a partir de "estratégias de mimetismo" dos jurisconsultos que seriam, em tese, os seus principais beneficiários. Com efeito, o silêncio persiste até mesmo quando estes não ocultam suas opções políticas passadas.

Na verdade, há que se reconhecer que a omissão das faculdades nem sempre indica, necessariamente, a existência de uma "censura interna" imposta de maneira informal pelos professores diretamente envolvidos. Tal omissão deriva, muito mais, de atitudes assumidas coletivamente por professores e pós-gra-duandos. Reflete uma autocontenção que é, para estes últimos, tão cômoda como conveniente.

Nesse ponto, ao invés de treinarem os jovens para o debate aberto e a análise crítica - vitais à democracia e à própria ciência do direito - nossas facul­dades os estão mantendo na ignorância. Ou, pior ainda, os estão estimulando a optar entre a hipocrisia da "discrição cortesã" e o "oposicionismo inviril" da "queimação no corredor".

2 1 Cf. R Ü T H E R S . B. 2001 , p. 22. Sobre Maunz, cf. a fundamental análise de STOLLE1S, M. 1994, p. 306 e s s . Cf. R Ü T H E R S , B. 2001 , p. 22. Sobre a situação de tais autores e da História do Direito sob o regime hitlerista, cf. também STOLLE1S, M. 1994, p. 57 e ss., 68 e ss.

2 3 O R O S , D. 2000, p. 23 . Segundo Emile Giraud, até a Primeira Guerra a maioria dos professores de direito franceses tendia a uma conduta moderada, não se lançando a uma "critica sistemáti­ca, negativa ou construtiva da democracia", mesmo que esse regime não lhe despertasse maior simpatia (cf. G I R A U D , E. 1961. p. 270).

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II. A análise da trajetória e do pensamento dos juristas pró-ditadura é tanto mais necessária, por ser imprescindível para a compreensão da base ideo­lógica de boa parte da literatura jurídica ainda hoje utilizada no ensino e no foro. A participação de muitos juristas, ainda que passageira, em regimes ou movi­mentos políticos de inspiração autoritária, contribuiu para a ocorrência de trans­formações no campo doutrinário, com a adoção de novos temas e teorias. Sob a influência direta ou indireta de tal participação, conceitos foram criados, recria­dos e reformulados, não raro como arma ideológica na luta contra o pensamento jurídico liberal. O universo dos argumentos jurídicos foi alterado, alterando-se também o campo dos possíveis "atos de fala" no jogo do discurso jurídico.

Isso não significa, porém, que todos os juristas pró-ditadura tenham tido, sempre, um compromisso com a inovação de sua área, em um sentido antilibe­ral. Um certo rejeitar das novidades foi mesmo nota característica, por exemplo, dos juristas brasileiros ligados ao conservadorismo católico integrista. Cultores do "Princípio da Autoridade", tais juristas nem sempre tiveram dificuldades para se adaptar ao Estado Novo nem ao regime pós-64 2 4 . Tendiam a compartilhar com estes o discurso anticomunista, o moralismo em questões sexuais, a aversão ao livre debate e o ideal do poder mónocrático 2 5 .

Papel mais inovador tiveram, entre nós, os egressos do movimento inte­gralista. Assim como os comunistas, o partido de Plínio Salgado exerceu grande atração, nos Anos 30, sobre jovens intelectuais inconformistas. A assembléia de fundação da Sociedade de Estudos Políticos, da qual se originaria a Ação Inte­gralista Brasileira, já comparecia - nas palavras do próprio Plínio 2 6 - um "grupo magnífico da Faculdade de Direito", com vários jovens que se destacariam, nas décadas seguintes, por sua influência na doutrina, na legislação e na jurispru­dência.

A capacidade do Integralismo de atrair jovens intelectuais e juristas é fato admitido não só nas memórias de Miguel Reale 2 7 , mas também em escritos de autores que jamais aderiram a esse movimento político 2 8 . Desiludidos com o liberalismo e com nossas instituições, tais jovens passaram a interessar-se pela

Nos Anos 30, algumas manifestações de clérigos mais radicais já permitiam imaginar tal desenvolvimento (cf. DIAS, R. 1996, p. 63). Estimulado pelo Concílio Vaticano II e pela modernização do pensamento político católico, o surgimento de um grupo coeso de "juristas católicos" comprometidos com a democracia e projetos emancipatórios parece ser, entre nós, fenômeno recente. Fenômeno que não deve ser confundido, a rigor, com a simples presença de padres " insubmissos" em muitas rebeliões libe­rais até 1842 (sobre tal fenômeno e suas raízes, cf., entre outros, C A R V A L H O , J. M. de 1996, p . 166 e ss). Cumpre ressalvar, contado, o papel pioneiro de figuras como Heráclito Sobral Pinto, que já registrava em 1942 seu desconforto com a adesão dos "melhores elementos no nosso catolicismo" aos "quadros do autoritarismo social?, com "muitos" já pugnando "pela vitória de Franco, de Salazar, de Hitler" (apud DULLES, J.W.F. 2 0 0 1 , p. 210).

2 h ApudCAVALARI, R.M.F. 1999, p. 13. 2 7 REALE, M. 1987a, p. 81-82. 2 8 C A L M O N , P. 1995, p. 182.

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criação de novas alternativas politicas, em parte inspiradas nas ditaduras que à época floresciam na Europa.

Esta era pródiga em modelos, que iam do Portugal salazarista 2 9 à Itália fascista - e mesmo à Alemanha de Hitler, referência importante para a corrente integralista liderada por Gustavo Barroso 3 0 . No Integralismo brasileiro, segundo dois destacados juristas egressos do movimento - Reale 3 1 e Goffredo Telles Jr . 3 2

- o anti-semitismo não teria desempenhado, contudo, papel de relevo, tendo ficado restrito a Barroso e seus adeptos. Uma plena identificação do Integralis­mo com o Nazismo seria, aliás, leviana, até porque foi abertamente combatida pelo próprio Plínio Salgado 3 3 .

Desprezando os valores da democracia liberal, ensinando a obediência automáti4ca e reforçando a hostilidade contra a esquerda, o Integralismo formou quadros para o Estado Novo ' 4 e para o regime pós-64. Juntamente com o inte-grismo católico, opôs à democracia e ao liberalismo o "Princípio da Autoridade"3*. Como o integrismo católico, treinou seus jovens intelectuais para a atuação conjunta no combate à "subversão", ensinando-os a identificá-la e a denunciá-la. Como o integrismo católico, praticou e legitimou a censura e o controle do pen­samento 3 6 .

2 9 Por algum tempo, o modelo salazarista exerceu certo fascínio não só no Brasil, mas também em países mais desenvolvidos, como a França c a Áustria (cf., entre outros, H U R A U L T , E. 2000, p. 439 e ss.; e D U L L E S , J .W.F. 2001 , p. 119-210).

3 0 Em textos dos Anos 30, afirma, porém. Reale que o Integralismo repudia "o racismo hitleris-td\ ainda que apresente "valores que se encontram também nos movimentos fascistas euro­peus, como o de Mussolini, de Hitler e Salazar". "A luta racista" - adverte Reale - "não nos se­duz (...) Do Hitlerismo podemos tirar algumas lições em matéria de organização política e fi­nanceira, mas não sabemos em que nos poderia ser útil a tese da superioridade racial, tese que consulta uma situação local (...) A moral não permite que se distinga entre o agiota judeu e o agiota que se diz cristão". (REALE, M. 1983b, p. 227, 231 -232).

3 1 Sobre a diversidade das correntes no seio do Integralismo, cf. REALE, M. 1987a, p. 80. 3 2 Sobre o tema, também negando que o anti-semitismo de Barroso seduzisse a AIB como um

todo, T E L L E S JR., G. 1999, p . 120 e DITZEL, C. de H.M. 2004, p. 169-170, 192 e ss.). 3 3 Cf. C A V A L A R 1 , R.M.F. 1999, p . 116 e ss. e SOUZA, F.M. de 1989, p. 326. 3 4 A despeito da repressão getulista ao Integralismo, são vários os intelectuais do movimento

acolhidos pelo Estado Novo e sua máquina administrativa. Reale, em 1942, passa a atuar no Departamento Administrativo do Estado de São Paulo. Câmara Cascudo preside a Comissão de Salário Mínimo da 6 a Região (cf. MICELI , S. 2001 , p. 133, 276, n. 3 1 ; e REALE, M. 1987a, p . 164 e ss.).

3 5 Tal princípio, objeto de um capítulo do "Manifesto de Outubro" da AIB (cf. C A V A L A R I . R. M. F. 1999, p . 15, n. 5), foi difundido no Brasil sobretudo por expoentes do integrismo católi­co, como Jackson de Figueiredo. "A autoridade acima de tudo!" - pregava este pensador mili­tante, que chegou a descrever o regime de Mussolini como um "er ro" menos nefasto do que os "er ros" da "soberania popular, três poderes, liberdade de imprensa" (apttd DIAS, R. 1996, p. 74, 76).

3 6 Informa Cavalari que, para publicar obras integralistas, o autor dependia da aprovação da Secretaria Nacional de Doutrina e Estudos (SNDE). Isso explica a presença do nada obsta de Miguel Reale em obras como a Introdução ao Integralismo de Machado PAUPERIO e J. R. M O R E I R A (cf. C A V A L A R I , R.M.F. 1999, p. 139).

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4 2 2 Ai r ton Cerque i ra Leite See laender

A oposição de liberais e católicos conservadores à chegada de Miguel Reale à cátedra de Filosofia do Direito na U S P j 7 não nos deve levar a desprezar a eficácia do Integralismo na criação de "cortes de sociabilização". Pelo contrá­rio, tal eficácia já se revela nos próprios apoios obtidos à época por Reale no meio jurídico nacional 3 8 . A AIB criou redes de relações pessoais e afinidades ideológicas que podem ter ampliado as chances de seus adeptos na disputa de posições no Poder Judiciário, na Administração e na Universidade 3 9 .

Ao menos na área jurídica, não foram isolados os casos de aproveita­mento, pelo regime pós-64, de quadros com passado integralista. O novo regime podia aqui, contudo, selecionar seus colaboradores dentro de um universo muito mais amplo do que a antiga AIB. Como no Estado Novo, Francisco Campos continuava útil e a mostrar seus talentos de jurista 4 0 - opções, porém, não falta­vam. O quadro nas principais faculdades de direito era distinto daquele da dita­dura anterior, não raro rejeitada pelos professores liberais.

Em 1964, vários integrantes do corpo docente da Faculdade de Direito da USP manifestavam "o seu júbilo" pela derrubada do Governo Goulart 4 1 . Não falavam aqui só os antigos integralistas. Não falavam aqui, tampouco, só os intelectuais ligados ao catolicismo conservador. O "júbilo" era compartilhado, também, por alguns dos mais destacados liberais da Casa.

Como compreender a atitude deste último grupo? O percurso político de muitos jurisconsultos liberais não deve ser com­

preendido só em função do fracasso político da UDN no plano nacional e da insatisfação com a insistente adesão popular aos adversários do partido 4 2 . Re-

Sobre a resistência a Reale cf. DULLES, J.W.F. 1984, p. 167-168, e REALE, M. 1987a, p. 149 e ss. Cf. DULLES, J .W.F. 1984, p. 168, e REALE, M. 1987a, p. 152. Mostrando como essas "coortes de sociabilização" podem se enfrentar na luta por espaços na universidade, cf. a correspondência entre o positivista Ivan Lins e o Gal. Peri Beviláqua, em que se imputa a uma "cabala integralista e clerical" a perseguição política ao filósofo Cruz Costa ( L E M O S , R. (Org.). 2004, p. 142-144). Vanguardista, como político, na importação da simbologia fascista, o jurista mineiro se mante­ve afastado do integralismo, movimento no qual tinha desafetos. Intelectualmente atualizado e versátil, Campos tende a ser automaticamente visto como o cérebro jurídico do Estado Novo, muito embora tenha demonstrado, ao longo de sua vida, certa variação quanto às convicções políticas e jurídicas. Miceli o vê "escrevendo quase sempre ao sabor das circunstâncias e con­veniências suscitadas por determinadas conjunturas de crise politica" - ou então "produzindo em regime de encomenda o elenco de justificativas" de seus "pareceres e projetos" (MICELI, S. 2001 , 270, n. 13. Sobre o pensamento de Campos e sua contextualização, cf. t a m b é m - entre outros - LAUF.RIIASS JR., L. 1986, p. 135 e ss.; e S C H W A R T Z M A N , S.; B O M E N Y , H. M. B.; COSTA, V. M. R. 2000, sobretudo p. 53 e ss., 61 e ss., 79 e ss., 298, 302 e ss.). D U L L E S , J .W.F. 1984, p. 375.

Já em 1945 a eleição para o Senado decepcionava os udenistas de São Paulo, com Getúlio Vargas, Marcondes Filho e Luís Carlos Prestes deno tando o jurista liberal Ernesto Leme (sobre os re­sultados, cf. DULLES, J. W. F. 1984, p. 368, e N O G U E I R A . J.C. de A. 1968, p. 9. Para uma leitura um tanto "udenista" dos mesmos, cf. LEME, E. 1979, p. 138-139, 180). Advirta-se, po­rém, que Leme acabaria abandonando a UDN já em 1951, ano em que se tornaria Reitor da

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Histór ia do Dire i to e m Perspec t iva 4 2 3

flete, também, os limites de seu liberalismo, em uma sociedade com dificuldades para assimilar este último fora dos editoriais, discursos e diplomas legais.

Tais limites permitem que se fale em uma "concepção liberal-conser­vadora", também estimulada, em parte, pela própria formação jurídica 4 3 . Uma concepção talvez difícil de compatibilizar com a instabilidade social atribuída por alguns juristas ao "clamor permanente, pela elevação de vencimentos e salários" e a um "governo (...) impotente para conter a espiral inflacionária" e sem "força para impedir tais reivindicações"1,4'.

A participação ou apoio de juristas liberais a movimentos e regimes não-democráticos não é, evidentemente, um fenômeno só brasileiro. E fato veri­ficável até na França, onde nem Georges Ripert escaparia à sedução de Vichy 4 5 . Joseph-Barthélemy - um "republicano moderno"46 e "perfeito liberal parla­mentar"41 que combatera a censura e a discriminação racial 4" - acabaria mesmo por tornar-se ministro de Pétain.

O temor da esquerda 4 9 , um certo apego à ordem 5 0 , a perspectiva do exercício do poder 5 ' e a idéia de uma continuidade do Estado francês 5 2 podem,

USP (cf .LEME, E. 1981, p. 119). Este combativo adversário do Estado Novo ainda seria Em­baixador na O N U (1954-1955) - ocupando em julho de 1954 a Presidência do Conselho de Segurança - e Secretário da Justiça em São Paulo (1964-1965). É difícil identificar, porem, em que grau os fatores " locais" conduzem a esta relativização do liberalismo. Assim como é difícil precisar, em outros países, o peso, na formação de uma mental idade avessa ao liberalismo, das tradições autoritárias, da mensagem conservadora do clero ou de um certo " temor das massas". Em todo caso, qualquer que seja a origem das moda­lidades menos intensas da opção liberal, o fato é que estas mal resistem a quadros de radicali­zação. A "bar thélemyzação" do jurista liberal - entendida como sua transformação de doutri-nador de inspiração liberal em agente legitimador de uma ditadura não deve ser interpretada como uma adesão do liberalismo à ditadura, mas sim como uma opção "superadora" de um liberalismo mal enraizado. v. LEME, E. 1979, p. 180. Causada pela "ambição desmedida" de "todas as classes sociais" -dos "industriais e comerciantes" aos "servidores públicos, operários e empregados" - a "espi­ral inflacionária" estaria devorando como uma "leucemia" - segundo o jurisconsulto liberal -"as últimas energias do País" (cf. LEME, E. 1979, p. 180). Cf. SAULNIER, F. 2004, p. 270, n. 814, que aqui invoca estudos de Paxton. Saulnier lembra, na esteira de Birnbaum e S. Riais, que parece ter havido aqui mais continuidade do que ruptu­ra, em relação à Terceira República (SAULNIER, F. 2004, p. 270). Assim se apresentava o próprio Barthélemy (v. SAULNIER, F. 2004, p. 526). No dizer de A. Mestre, cit. em SAULNIER, F. 2004, p. 254. Segundo o próprio Barthélemy, referindo-se - nos Anos 30 ao legado da Revolução Francesa, "nossa bússola é a doutrina li­beral" (apud SAULNIER, F. 2004, p. 258). Cf. SAULNIER, F. 2004, p. 255-256, n. 708 e 710.

Vendo "a pátria em perigo" já antes da derrota francesa, Barthélemy não escondia sua preocupa­ção com a Frente Popular e a ascensão das esquerdas (cf. SAULNIER, F. 2004, p. 266, 268 e t c ) . Saulnier o caracteriza como "um defensor da ordem" (SAULNIER, F. 2004, p . 267). Sobre o problema da "ambição pessoal" no caso Barthélemy, cf. SAULNIER, F. 2004, p. 282-285 , e os autores ali citados. Saulnier não destaca tal fator, posto que lembre a atração exercida por Vichy sobre os que tiveram ambições frustradas na III República (cf. SAULNIER, F. 2004, p . 282).

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ao lado de outros fatores 3 0 , ter levado Barthélemy a ver a ditadura de Vichy com mais simpatia. A repulsa pela "desordem" social e política talvez tenha tido aqui um peso considerável - até porque, para este jurista liberal, "a primeira necessidade da sociedade é a ordem. A liberdade só vem depois"5*. Não é inco-mum que juristas liberais mais próximos do conservadorismo se inclinem por este último em detrimento do liberalismo, quando a própria ordem social lhes parece prestes a ruir.

Não é de se crer, na esteira de Dulles, que "era inevitável (...) que os bacharéis liberais anti- Vargas", confrontados com os triunfos eleitorais do popu­lismo, "fizessem alianças"'5, inclusive com o golpismo militar. Opções políticas foram feitas, tanto na adesão de juristas udenistas à violação da Constituição de 1946 quanto no perpetuar de sua colaboração com o regime, mesmo após o AI-5.

Datam de bem antes de 1964, aliás, os apelos dos jurisconsultos ude­nistas para que as Forças Armadas pusessem fim à "criminosa tolerância do governo" em face da mobilização comunista. Isso se vê claramente nas suas palestras na Escola Superior de Guerra - instituição onde seguiriam ocorrendo, após 1964, interessantes conferências de juristas.

III. Como salienta Dominique Gros 5 6 , toda tradição jurídica francesa, após o Código Civil, parece repousar sobre "uma concepção unificada do estado das pessoas", de tal sorte que as "discriminações religiosas e raciais" de Vichy faziam "explodir o edifício construído por Cambaceres e Portalis". É por isso que o civilista Georges Ripert - em 1938, ou seja, antes de aderir ao regime colaboracionista de Pétain - podia contrapor o direito francês à legislação anti-semita do Terceiro Reich, dizendo haver, tanto quanto uma "linha Maginot" de defesa militar, "uma linha do código civiF5'.

Para contornar o equalizador conceito de pessoa 3 8 - conceito nuclear no direito moderno - tinha o jurista de comprar riscos, lançando-se à aventura da inovação. Isso mostra, ainda mais, a adaptabilidade dos juristas nas ditaduras.

Olhemos de novo Georges Ripert 5 9 - ainda hoje tão influente no campo do direito privado. Assim como Joseph-Barthélemy, futuro ministro de Pétain, Ripert figurava entre os signatários de um protesto contra o anti-semitismo hitle-rista em 1933. E assim como Barthélemy, Ripert também viria a assinar, na

5 Cf. "supra", n. 93 . Sobre o "argumento da continuidade" como linha de defesa de Barthélemy, cf. SAULNIER, F. 2004, p. 292-294.

3 3 Para uma análise dos demais fatores, cf. SAULNIER, F. 2004, p. 282 e ss. 5 4 Apuei SAULNIER, F. 2004, p. 267. 5 5 DULLES, J .W.F. 1984, p. 377. 5 6 G R O S , D.(000, p. 30. 57 Apud G R O S , D. 2000, p. 34. 5 8 Sobre a função equalizadora em tela, cf. R A D B R U C H , G. 1979, p. 261 . 5 9 Sobre Ripert e sua participação no regime de Vichy cf. GROS, D. 2000, p . 26, e M O T T E , O.

1995, p. 519.

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década seguinte, atos discriminatórios contra judeus 6 0 . Na verdade, como podemos ver, a linha do código civil sucumbiu tão rapidamente quanto a linha Maginot, assim que se comprovou um embaraço à carreira daquele jurista - que ainda defenderia, em seu Tratado Elementar de Direito Civil, o uso da "religião para estabelecer um direito racial"h[.

Foi, porém, no campo do direito público que as teorias mais rapida­mente se adaptaram às pretensões dos ditadores do século XX. Aqui, nem o princípio constitucional da igualdade escapou de "releituras revolucionárias". Teses foram escritas especialmente para "adaptar" o princípio da igualdade ao racismo nazista, ao mesmo tempo em que negavam a possibilidade de invocar tal princí­pio para submeter atos legislativos ao controle judicial 6 2 .

No direito público francês já se esvaziava a igualdade constitucional mesmo antes da ascensão de Pétain. Antes de servir Vichy 6 3 , Barthélemy já falava de uma "relatividade do direito constitucional" na esfera colonial 6 4 . Em 1936 destacava tal autor que, se o direito francês pressupunha a igualdade dos homens, o "sistema imperiaF pressupunha "a desigualdade das raças1 . E que a admissão do direito dos povos ao autogoverno não implicava o paralelo reco­nhecimento, na esfera colonial, de um direito de secessão 6 6 .

O pensamento jurídico de inspiração direitista e contrário à democracia liberal soube apropriar-se do vocabulário desta última, assim como de conceitos-chave do socialismo e da solidariedade religiosa, alterando-lhes habilmente o sentido original 6 7 . Na Alemanha hitlerista, o conflito capital-trabalho passou a se ocultar sob a bela idéia de uma "comunidade empresarial" fundada em "honra, confiança e cuidado", à qual o trabalhador se incorporaria para tomar-se um "camarada de trabalho" do "Führer da empresa"6*. Na Itália, Costamagna des-

6 U Cf. G R O S , D. 2000, p. 28, 34-35. 61 Apuei G R O S , D. 2000, p. 35. 6 2 Cf., por exemplo, LUNGWITZ, A. 1937, p. 12-13. 6 3 Joseph Barthélemy (1874-1945), professor de Direito Constitucional na Universidade de Paris,

foi deputado e uma das mais prestigiosas figuras do meio jurídico e político francês antes da Segunda Guerra. Convertido em ministro no regime de Vichy (1941-3), tornou-se um dos ju ­ristas que tentaram legitimar as perseguições políticas e atos repressivos do novo regime. No final da guerra, Barthélemy arcou com as conseqüências de suas opções. Em Paris, o deão Ripcrt j á relatava, no início de 1944, atos de hostilidade na universidade, onde Barthélemy teria sido recebido com gritos de "assassino" (cf. SAULNIER, F. 2004, p. 16, n. 103). No mesmo ano, o ex-ministro foi preso. Morreu em 1945, antes de ter sido julgado (cf. SAULNIER, F. 2004, p.16, n . l03 e 18-24. Para a caracterização de Barthélemy como "um grande oportunista", v. GIRAUD, E. 1961, p. 269).

6 4 Cf. GROS, .D. 2000, p . 30-31 . 6 5 Apud GROS, D. 2000, p. 3 1 . 6 6 Apud GROS, D. 2000, p. 3 1 . 6 7 Talvez influenciando nesse ponto as hábeis redefinições de Francisco Campos, Carl Schmitt

foi um dos mais atentos estudiosos do poder dos conceitos e de sua utilidade como arma política (cf, por exemplo, SCHMITT, C. 1992, p. 57, 119).

6 8 Cf. o art. I o do projeto de lei sobre a relação de trabalho (1938) e os regulamentos empresariais da Hoechst de 1934 e 1939 transcritos em SÕLLNER, A. 1981, p. 150. 155. Sobre o tema, além do texto de Sõllner, cf. KROESC1IELL, K. 1992, p. 102-104, e a bibliografia ali indicada).

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4 2 6 Air ton Cerque i ra Lei te See lacnder

crevia o estado de Mussolini como um "Estado de Direito"69. Expressões como "democracia autoritária", empregadas na Ação Francesa dos anos 30 7 0 , encontra­riam numerosas variantes - como a "democracia substantiva" do nosso Estado Novo ' 1 e a "Democracia de fins" ou "Democracia Orgânica" do pensamento integralista . E Carl Schmitt não hesitaria em descrever as normas anti-semitas do hitlerismo como "a Constituição da Liberdade"13.

O pensamento jurídico autoritário precisava, contudo, mostrar que re­presentava a superação do pensamento jurídico da era liberal - e não apenas a sua deturpação sistemática, a serviço de novas ideologias e regimes. Era preciso, pois, invocar "uma nova idéia de direito" - como fez em 1942 o Curso de Di­reito Constitucional de Georges Burdeau, ao justificar a concentração de pode­res nas mãos do Marechal Pétain 7 4 .

Aqui não teve importância apenas, como poderia parecer, a identifica­ção pura e simples da lei com a vontade e a decisão do ditador, tidas por mere­cedoras de cega obediência 7 5 . A concepção decisionista conviveu, pelo contrá­rio, com concepções institucionalistas que agradavam os juristas mais conserva­dores, por parecerem reconhecer o caráter natural, a dignidade e a intangibilida­de da família, da Igreja, da propriedade e da empresa.

Que as formulações de Hauriou teriam influenciado a doutrina alemã e assim, indiretamente, o próprio direito nazista, era algo que já se afirmava na França dos Anos 30 7 6 . A utilidade do institucionalismo para o novo regime foi sustentada por Carl Schmitt, que já percebera a possibilidade de exorcizar as inseguranças do voluntarismo legislativo democrático predefinindo a família, o Estado e a empresa como instituições dotadas de vida própria e normatividade concreta 7 7 .

No campo do direito do trabalho, essa concepção institucionalista de empresa logo se refletiu na jurisprudência alemã, fazendo com que se impusesse

Cf. STAFF, I. 2002. p. 118. Sobre o tratamento do conceito na literatura jurídica do fascismo, cf. também STAFF, I. 2002, p. 111, 114.

™ Cf. as passagens transcritas em H U R A U L T , E. 2000, p. 444. 7 1 Cf. LAUERIIASS JR., L. 1986, p. 137. 1 2 V.. por exemplo, REALE, M. 1983a, p. 205 e REALE, M. 1983d. p . 247. Sobre o uso do termo

"democracia" no Integralismo, cf. também D1TZEL, C. de H.M. 2004, p. 201 e ss. 7 3 V. RÜTHERS, B. 1994, p. 134; e Rüthers, B. 2001 , p. 49. 74 Apuei GROS, D. 2000, p. 20. 7 : 1 Segundo um jurista de grande influência no aparato nazista de repressão - o Presidente do

"Volksgerichtshof Roland Freisler (1893-1945) quest ionar-se " c o m o o Führer decidiria nesse caso?" deveria ser era algo fundamental na atuação dos magistrados (cf. AHL, I.K. 1995, p. 217-218).

7 < 1 Cf. LOISELLE, M. 2000, p. 452. É preciso advertir, contudo, que Hauriou não foi um arauto do totalitarismo, tendo, pelo contrário, prognosticado o triunfo da democracia em seus escritos (cf. GIRAUD, É. 1961, p. 272).

7 7 cf. SCHMITT, C. 1993, p. 17, e- reconhecendo tal utilidade e o papel inspirador do institucio­nalismo de l lauriou-p. 45 e ss.

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a idéia de uma "ordem concreta da empresa"1*, comunidade de colaboração regida por um pequeno "Fiihrer empresarial" 7 9 . Comunidade, aliás, inspirada em uma concepção "germânica" supostamente inacessível aos judeus, que não po­deriam invocá-la para exercer todos os direitos da legislação trabalhista 8 0.

Na Itália, o institucionalismo de Santi Romano também difundiu a crença de que a organização interna da instituição-fábrica, com o manager exercendo um "poder disciplinar", exprimia um campo normativo próprio, que o direito estatal não podia regular de forma completa e direta 8 1 . A instituição aqui, mais uma vez, era mostrada como algo natural, distante do que deveria ser o campo de ação da vontade do legislador- inclusive do legislador democrático. Assim se dava a ocultação do poder pelo institucionalismo* 2, em uma identificação do direito com a ordem 8 3 , com o existente.

Como vemos, sob um discurso institucionalista que parecia conter o po­der estatal e defender um pluralismo jurídico, legitimava-se, assim, o poder e o autoritarismo privados na esfera do trabalho. Isso nem sempre se vinculava, porém, a uma defesa do liberalismo: seria afinal o Estado, eventualmente o Estado Corporativo fascista, que deveria restaurar, dentro desse quadro, a unidade. A adesão de Santi Romano à ditadura de Mussolini - inclusive como Presidente do Conselho de Estado 8 4 - não expressava, pois, incoerência alguma .

Desde a publicação de A Interpretação Ilimitada de Bernd Rüthers (1968) desmoronou o retrato - tão conveniente para os juízes alemães e para os detratores do positivismo - da experiência jurídica nazista como singelo reflexo de normas impostas "de cima" por um regime truculento . A enorme massa de direito gerada antes de 1933 pela complexa sociedade alemã não podia, é claro, ser substituída automaticamente por normas "nazistas" - fosse lá o que isso quisesse exatamente dizer. Dentro desse quadro, alguns juristas da ditadura prio-rizaram a rediscussão dos métodos de interpretação, tentando, através desta,

7 S SÕLLNER, A. 1981, p. 144, 153. 7 9 As expressões "Betriebsfuhrer" e "Fiihrer des Betriebs" podem ser encontradas tanto na dou­

trina quanto na jurisprudência e nos regulamentos internos empresariais (cf. SÕLLNER, A. 1981, p. 153, 155. Cf. também SCHMITT, C. 1993, p. 53).

8 0 Cf. o ju lgamento do Tribunal do Trabalho do Reich de 24.07.1940, transcrito em SÕLLNER, A. 1981 ,p . 152.

8 1 Cf. MANGONI , L. 1986, p . 53. 8 : Já denunciada por Baratta, na análise do pensamento de Santi Romano - cf. MURA, V.,

p. 392, n. 45 . 8 3 Segundo Catania, cit. em M U R A , V. 1986, p. 392, n. 45 . 8 4 Cf. CALVINO, P. 1995, p. 524. Para uma tentativa de reduzir o significado das opções políticas

de Romano, cf. O R L A N D O , V.E. 1950, p. X-XI. 8 5 Cf. M O N T A N A R I , M. 1986, p. 377. Pode ser exagero, contudo, a opinião desse autor, de que

a "adesão ao fascismo" responderia, em Santi Romano, a "uma exigência interna de seu siste­ma". Sobre a adaptação de Santi Romano ao fascismo, cf. também R O M A N O , S. 1928, p. 224-226, e a análise de Silvio Trcntin em BOBBIO, N. 2007, p. 235.

8 6 Sobre o tema, cf, entre outros, STOLLEIS, M. 1994, p. 11.

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428 Air ton Cerque i ra Lei te See laendcr

inserir rapidamente um "ovo de cuco no sistema jurídico liberai. Pretendiam facilitar a transposição da moldura das normas preexistentes, não só através de invocações principiológicas genéricas, mas também por meio de um mergulho no institucionalismo**.

O fascínio de setores da direita européia pelo institucionalismo era compreensível. Antes da ascensão dos ditadores, este já permitia fixar - diante de parlamentos eleitos cada vez mais democraticamente e cada vez menos con­fiáveis para as elites - campos sociais de autonormatização (a Igreja, a família, a empresa), legitimando certa proteção destes últimos contra o direito legislado. Como contraponto à incómoda dinâmica da mudança social, a aparência de estabilidade das instituições tendia a atrair atenções em meio às rupturas da sociedade industrial . Dentro desse quadro, surgia para os próprios juristas a tentação de extrair normas a partir das instituições socialmente existentes - ou seja, de tirar de um "ser" um "dever-ser"90.

Tendencialmente conservador, o institucionalismo podia, contudo, ser instrumentalizado pelo projeto nazista, desde que se nazificasse a própria com­preensão da instituição. Como os demais institucionalistas, os adeptos da versão schmittiana dessa corrente ("konkretes OrdnungsdenkerT) partiam da idéia de que certos âmbitos da vida social (a família, a empresa, o funcionalismo, o exér­cito etc.) tinham uma ordem interna e uma substância jurídica própria, que o juiz tinha de observar ao aplicar o anterior direito legislado 9 1 . Os jurisconsultos do nazismo se esmeraram, porém, em reconceber as próprias instituições, remol­dando conceitos jurídicos ao sabor da ideologia e dos interesses do regime 9 2 .

Como salientou Rüthers 9 3 , a normatividade das instituições como "ordens parciais" acabou por se converter, em última análise, em um canal de normatiza-ção, pura e simples, da visão de mundo nazista. "Todas essas ordens parciais (...) recebiam seu 'sentido' e sua 'idéia condutora' da posição atribuída à ordem parcial concreta dentro da ordem totaF, a qual, por sua vez, tinha de ser imagi­nada a partir desta Weltanschauung94. Desse modo, esta última se fazia direito vigente, atuando o discurso institucionalista como um singelo transformador 9 5 .

Cf. a respeito as reflexões de H. Lange e C. Schmitt em SCHMITT, C. 1993, p. 49. Para uma análise da estratégia desses autores, cf. o indispensável RÜTHERS, B. 1994, p. 187 e ss.

s s Analisando a versão schmittiana do institucionalismo. Rüthers destaca que a mesma era "um instrumento para a mudança e organização" do direito legislado então ainda vigente, para sua pronta adaptação ao novo regime, sem necessidade de nova produção legislativa (cf. RÜTHERS, B. 1994, p. 75).

8 9 Cf. RÜTHERS, B. 1994, p. 194. 9 0 Cf. a análise de l lauriou feita em R Ü T H E R S , B. 1994, p. 195. '" Cf. RÜTHERS, B. 1994, p. 65-66.

Nas palavras de Schmitt, "nós repensamos os conceitos jurídicos (...) nós estamos do lado das coisas que estão vindo" (apud RÜTHERS, B. 1994, p. 68. Cf. também RÜTHERS, B. 1994, p. 70). RÜTHERS, B. 1994, p. 76.

" 4 RÜTHERS, B. Idem, ibidem. 9 5 RÜTHERS, B. Idem, ibidem.

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O institucionalismo que tanto vicejou no solo fértil das ditaduras direi­tistas também influenciou profundamente o Pós-Guerra. Analisando aspectos da teoria da relação de trabalho aceita nos tribunais, Rüthers demonstrou que esta era, na sua origem, tributária de uma equiparação com o casamento segundo a lei nazista de 1938 9 6 . Seria interessante verificar, aliás, o quanto "paralelos ins-titucionalistas" análogos - e teorias institucionalistas em geral - teriam influen­ciado, no Brasil, a doutrina trabalhista, o direito público, o direito empresarial.

IV. A verificação da influência do pensamento jurídico das ditaduras -ou adaptável às ditaduras - em nossa doutrina e jurisprudência nunca será feita seriamente, contudo, enquanto predominar uma memória seletiva, excluidora ou suavizadora de todos os dados politicamente incômodos. Tal verificação será particularmente dificultada quando for feita através de biografias de "grandes juristas", mesmo porque o gênero favorece uma certa identificação entre biógra­fo e biografado. Mesmo em meios acadêmicos capazes de superar, nesse ponto, o discurso laudatório, verificamos dois pesos e duas medidas, na apreciação das agruras do jurisconsulto e da situação das vítimas do regime ditatorial por ele servido. A comovente descrição do fim de Barthélemy por Saulnier não vem acompanhada, em sua obra, de um relato dos derradeiros dias dos réus da "Justiça" colaboracionista de Vichy 9 7 .

A discussão sobre o papel dos juristas e do pensamento jurídico nas di­taduras brasileiras merece a atenção dos estudiosos da história do direito, não podendo mais ser abandonada nas mãos de pessoas sem formação específica nessa área - quanto mais de antigos amigos, colaboradores, colegas e discípulos dos autores estudados 9 8 . Não é aceitável que nossas universidades se omitam, enquanto se publicam obras sobre juristas relevantíssimos no período militar, nas quais a exata relação destes com o regime parece um tema menor, tratado ao lado de assuntos de interesse meramente doméstico.

Nessa fase de consolidação da História do Direito como área científica no país, espera-se que dela venha uma contribuição efetiva à análise do tema aqui exposto. Isso é tanto mais necessário em face da conveniência de se cons­truir, no Brasil, uma doutrina que não tema se defrontar com o seu passado e com a sua própria historicidade.

Em suma, cumpre iniciar uma discussão, inclusive nas faculdades de di­reito, do pensamento jurídico produzido no Brasil no Estado Novo e durante o

RÜTHERS, B. 2001 , p. 23 . Cf. SAULNIER, F. 2004, p. 14 e ss. Como adverte Stolleis, o "perigo do diletantismo e subjetivismo é maior" quando "não está assegurada uma escolha e interpretação crítica das fontes". E quando pessoas "que não po­dem ser descritas como 'historiadores do direito ', no sentido usual do termo", põem-se a es­crever a história do direito, deixando que nesta se reflitam "deforma irrefreada seus senti­mentos e seu massivo interesse na obtenção de um determinado resultado" (STOLLEIS, M.; S IMON, D. 1981, p. 17-18).

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regime pós-64. Não se trata, propriamente, de julgar condutas pessoais", mas sim de tentar compreender a função do direito, de seus teóricos e dos centros de ensino nesses períodos históricos específicos 1 0 0 . Nada impede, porém, que o pesquisador reconheça e indique quais modelos e idéias dentre os ainda hoje ensinados se mostraram adaptáveis à defesa das ditaduras e das violações de direitos humanos - e quais destes modelos e idéias surgiram justamente com esta finalidade, sob o signo do autoritarismo 1 0 ' .

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Tal como a tendência dos juristas para desconsiderar motivações, práticas e condutas juridica­mente irrelevantes, a sua obsessão pelo discutir da "culpa" também pode, aliás, gerar um de­sastroso reducionismo na análise do direito dos regimes ditatoriais, ocultando "seqüências cau­sais inteiras", de interesse do historiador. Esta é uma das razões do ataque de Stolleis a certa literatura de diletantes, produzida nesse campo por juízes e outros profissionais do direito (v. STOLLEIS, M. /SIMON, D. 1981, p. 26-27). E a busca dessa compreensão que é aqui a tarefa - temerária, mas legítima- do historiador do direito. Ainda que sua "ciência possa" - no dizer de Stolleis - "preparar e apoiar enunciados normativos e aumentar a plausibilidade destes últimos", ela certamente não pode fornecer "ensi­namentos vinculantes", extraindo um "Sol len" do que descreve como um "Sein" passado (STOLLEIS, M.; SIMON, D. 1981, p. 31 . Cf. também STOLLEIS, M. 1994, p. 54-55. Sobre a fortuna e descrédito da fórmula Historia magistra vitae, cf. K.OSELLECK, R. 1992). Para uma anterior defesa dessa mesma posição, no Brasil, cf. SEELAENDER, A. L. C. L. 2004, p. 35-36. Para um exemplo alemão dessa postura, cf. H A T T E N H AU ER, H. 1981b, p. 131-132. e sobretudo as obras de Rüthers acima citadas. Advertindo acerca das enormes di­ficuldades para verificar "o que seja especificamente nacional-socialista no direito", mas re­conhecendo a necessidade de orientar as pesquisas para uma análise das eventuais continuida­des existentes, H A T T E N H A U E R , H. 1981, p. 9-10.

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