história da oposição à ditadura
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comentário ao livro de Irene Pimentel 'História da Oposição à Ditadura'TRANSCRIPT
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Sopa de letras
História da Oposição à Ditadura
Neste mês de abril em que se
comemoram 41 anos sobre a
revolução dos cravos, a Folha
destaca o livro ‘História da
Oposição à Ditadura’, escrito pela
historiadora Irene Pimentel.
A obra foi publicada em 2014 e faz
um retrato do que foi a oposição
ao regime que chegou ao poder a
28 de maio de 1926 e que
perdurou até 25 de abril de 1974,
marcando metade do século XX.
Nesta história, a autora teve
certamente a intenção de deixar
claro quem foram os que
contestaram o regime, citando
muito e muitos nomes de pessoas
que lutaram contra a ditadura,
para que fique o registo.
O livro divide-se em sete longos
capítulos que marcam as
principais fases pelas quais passou
o regime, com destaque para o
seu início – o reviralho – que
muitas vezes é esquecido quando se fala de oposição ao regime, bem como para o “terramoto
Delgado” que marcou de forma muito forte a segunda metade da década de 50 e os primeiros
anos da década seguinte. Mas, de facto, a oposição existiu sempre, desde o início do regime
até à sua queda. “Em meados de 1926, generalizava-se o descontentamento social e político,
não só à esquerda, como à direita do espetro político, onde monárquicos e mesmo alguns
partidários militares e civis do fascismo queriam uma mudança de regime”.
Ao longo da obra salienta-se o papel marcante desempenhado por três grupos de pessoas que
sempre se manifestaram: os estudantes, os trabalhadores e alguns militares. Estes grupos
foram marcando as diferentes fases do regime, com ataques que iam variando de intensidade
consoante a polícia política conseguia impedir a sua ação. Mas sempre que alguém era preso,
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havia sempre um outro indivíduo que o substituía, de modo a manter viva a esperança de ver
o regime cair.
A oposição tentou mesmo assassinar o chefe do Governo. ”Às 10 horas e vinte minutos do dia
4 de julho de 1937 houve um atentado – falhado – contra a vida de Salazar, através da
colocação de uma bomba acionada à distância, num coletor que passava na Avenida Barbosa
du Bocage n.º 96, junto à casa do seu amigo José Trocado, em cuja capela privativa o
presidente do Conselho ia assistir à missa, oficiada pelo padre Abel Varzim”.
Um facto curioso ao longo das mais de 700 páginas do livro é o papel do Partido Comunista na
oposição ao regime de Salazar e Caetano. Embora aquele partido tenha tido um papel de
relevo, ele não foi o único a bater-se pela queda da ditadura. Para além dos comunistas,
muitas outras pessoas lutaram contra o regime, de uma forma mais ou menos organizada, mas
sempre levando consigo uma esperança que seria possível ver a ditadura cair.
O regime exercia uma forte pressão sobre a imprensa, com os serviços da censura a impedirem
os jornais de publicar tudo o que fosse contra o Governo. “O Comércio do Funchal foi alvo de
muitas perseguições, e em Maio de 1967, foi suspenso, por conter um artigo sobre a ditadura
militar grega, embora a suspensão acabasse por ser levantada, graças à interferência de
deputados à Assembleia Nacional pelo círculo do Funchal. Também intercetada foi a
correspondência de e para O Tempo e o Modo e a Seara Nova, cuja redação foi alvo de
inúmeras buscas, o mesmo acontecendo no Jornal do Fundão e no Notícias da Amadora”.
Como seria de esperar, também existem na obra referências a Montemor-o-Novo e às pessoas
deste concelho que se destacaram na oposição e que chegaram a morrer às mãos da PIDE.
Neste sentido a autora refere a morte de Germano Vidigal, em 1945, e a 24 de junho de 1958,
“o assalariado agrícola José Adelino dos Santos («Zé Gaitas») foi morto a tiro pela GNR,
durante protestos que ocorreram na praça de Montemor-o-Novo”. A passagem do General
Humberto Delgado por Montemor tem ainda referência, sendo destacado o ambiente que o
candidato à presidência da República gerou por terras alentejanas. Também a fuga da prisão
de Caxias de António Gervásio é referida como um “desaire” para o governo de Salazar.
Contudo, embora a luta desenvolvida pelos estudantes e pelos trabalhadores tenha tido um
impacto forte na resistência, foi necessária a chegada da guerra colonial para fragilizar e dividir
o regime do Estado Novo. Embora tenham existido várias tentativas de derrube do regime por
parte dos militares, como foi o caso da revolta de Beja, em 1961, aqui descrita com bastante
detalhe, foi necessário que o descontentamento se alargasse a muitos militares para que algo
acontecesse de relevante.
Com a queda do regime “em Portugal, fechava-se assim um ciclo de quase cinquenta anos de
vigência de um regime ditatorial, primeiro militar e depois civil, durante o qual as diversas
oposições tinham lutado na clandestinidade, e conhecido as prisões, os campos de
concentração, a deportação e o exílio”. Esta longa permanência no poder ficou a dever-se,
segundo a autora, ao papel que a PEDE/DGS teve no auxílio do regime, bem como a
“colaboração de outras polícias, do aparelho administrativo central e local, e também de um
eficaz aparelho de censura, que recusava o conflito e a pluralidade de opiniões. (…) Depois das
Forças Armadas, era a PIDE/DGS que constituía o último fator dos meios de intimidação,
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desmobilização e repressão da dissidência, contestação e insurreição. Era ela que espalhava o
medo no seio da maioria da população, que recordava permanentemente a ameaça do que
podia acontecer aos que entravam em dissidência”.
A autora, Irene Pimentel, é doutorada em História Institucional e Política Contemporânea e
investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade de Lisboa, tendo sido
distinguida em 2007 com o Prémio Pessoa.
A.M. Santos Nabo
Abril, 2015